reforma do estado no brasil, polônia e hungria: ideologia e

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NOTAS SOBRE A LIBERALIZAÇÃO ECONÔMICA NO BRASIL E CANADÁ
“A política tem razões que a economia desconhece.”
Mário Henrique Simonsen
Autor: João Paulo M. Peixoto
Resumo
O Artigo analisa as reformas econômicas ocorridas no Brasil e no Canadá, a partir das
mudanças no capítulo da Ordem Econômica da Constituição brasileira de 1988, especialmente
a quebra dos monopólios, e as reformas efetuadas no Canadá em 1986 destinadas à
liberalização econômica e, também, a viabilizar o Free Trade Agreement com os Estados
Unidos da América, inicialmente, e o ingresso do país no NAFTA, posteriormente. O estudo
comparado das reformas nos dois países concentra-se na observação dos fatores internos (crise
fiscal, principalmente, e externos, globalização) vis-à-vis o papel histórico desempenhado pelo
Estado na promoção do desenvolvimento econômico, bem como os fatores políticos relativos à
ideologia liberal contrapondo-se ao “welfare state”.
As dificuldades de implementação e consolidação das reformas econômicas, advindas
principalmente de sua própria complexidade, de seu impacto político sobre o controle de certas
áreas da economia e finalmente da ausência de uma ideologia liberal predominante nos dois
países constituem-se em objeto permanente de pesquisa acadêmica na área.
1. Introdução
Brasil e Canadá derivam de Estados europeus, tendo sido colonizados respectivamente,
por portugueses, ingleses e franceses. Tanto num país como no outro a presença da cultura
européia marcou as suas instituições políticas e econômicas. Ambos revelam ainda em comum,
uma tradição “estatista”, que vem forjando o desenvolvimento econômico a partir de um modelo
baseado na intervenção do Estado na economia. Os dois países desconheceram no seu passado o
liberalismo econômico e político como força dominante e também possuem um denso
background católico. Historicamente, inclinaram-se mais para o modelo social – democrata, no
que diz respeito à função estatal, do que para o liberalismo.
Não obstante estas similaridades, observando comparativamente os processos de reforma
econômica ocorridos ou em andamento em ambos os países, surgem algumas questões : porque
no espaço de uma década, romperam com esta tradição estatista e adotaram o liberalismo como
vetor econômico determinante? Qual o peso que o processo de globalização exerceu nesta
mudança? A natureza das reformas implementadas sustenta-se em pressupostos ideológicos ou
pragmáticos?
O objetivo deste artigo é encaminhar estas questões e ao mesmo tempo examinar se as
reformas estruturais tiveram como motivação uma mudança ideológica, ou simplesmente foram
Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
conduzidas por um pragmatismo resultante da crise econômica e financeira do Estado, e da nova
realidade imposta a ambos os países pelo processo de globalização.
2. O Contexto Internacional
Em parte devido à globalização, políticas públicas destinadas a reduzir a atividade estatal
no campo econômico tem sido adotadas regularmente, tanto em países industrializados como em
desenvolvimento.
As reformas estruturais estão na agenda política e econômica de quatro dentre os países
mais populosos e territorialmente mais extensos do mundo: Brasil, China, Rússia e Canadá. O
que equivale a dizer que estarão sendo afetados os destinos e a qualidade de vida de mais de 30%
da população mundial, espalhadas por 30% da superfície terrestre aproximadamente.1 Ou seja, as
reformas atingirão mais de 1,5 bilhões de cidadãos vivendo em diferentes continentes,
impactando economias que juntas perfazem um PIB de mais de US$5,9 trilhões. Se incluirmos
um outro gigante como a Índia, chega-se a algo em torno de metade da população mundial o
número de pessoas cujas vidas serão atingidas de uma forma ou de outra, pelo sucesso ou
insucesso das mudanças estruturais. A grandeza desses números, bem como o impacto sobre as
instituições, cidadãos, empresários, trabalhadores, políticos e governos desses países, bem como
os conflitos, ideológicos ou não, resultantes deste processo, espelham a importância política e
econômica das mudanças institucionais, que se revelam como questões cruciais neste fim de
século.
Este grupo de países, detentores de alguns dos maiores mercados do mundo, e ao mesmo
tempo tão distintos cultural e politicamente, tem a identificá-los o desenvolvimento da
democracia e a liberalização da economia, embora mais avidente nos casos do Canadá, Brasil e
Rússia do que no da China.
O Estado foi peça central para o desenvolvimento econômico dos países latinoamericanos por, aproximadamente 50 anos, do início da década de 30 ao final dos anos 80. As
mudanças políticas (redemocratização na América Latina e colapso do comunismo nos países do
Leste Europeu); e econômicas (renascimento do neoliberalismo , e o surgimento de blocos
econômicos em outros continentes) estão alterando profundamente o papel e o desenho do Estado
nestes e mesmo em países integrantes do mundo desenvolvido, como o Canadá e a França por
exemplo. Este último, aliás, não obstante ter sido o berço da ideologia, vem conduzindo reformas
estruturais apoiadas numa visão pragmática dos problemas econômicos.2
Na América do Norte o fenômeno se repetiu, forçando o Canadá a promover
significativas reformas estruturais. Inicialmente pressionado pelo Canadian - United States Free
Trade Agreement (CUFTA) -, acordo assinado entre o Canadá e os Estados Unidos da América,
destinado a eliminar as barreiras tarifárias entre os dois países num prazo de dez anos – e
posteriormente, pela imperiosa necessidade de ingressar no mais ambicioso e abrangente North
American Free Trade Agreement (NAFTA), neste caso acompanhado pelo México, e que passou a
1
2
ONU, Banco Mundial e IBGE .
Silicani, J. L., lors du colloque, sur la réforme de l’État en France et au Brésil, 1997.
1
Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
vigorar a partir de 1 de janeiro de 1994, para não mencionar a pressão exercida pelo processo de
globalização.
Em qualquer dos casos, as reformas estruturais não trataram de eliminar a intervenção
estatal na economia - como apregoam os seus detratores - mas sim de regular os seus limites,
permitindo, ao mesmo tempo, que as economias nacionais se ajustem as novas realidades trazidas
pela globalização. Complexa e difícil tarefa, aliás, que não encontra unanimidade nem mesmo
entre os liberais.
3. Conceituando os problemas brasileiro e canadense
No Brasil, a fase intervencionista ficou conhecida como a Era Vargas, ou seja o tempo em
que este modelo de política econômica adotado no período Getulista (1930-1945 e 1950-1954) e,
décadas seguintes, moldou o estilo do desenvolvimento econômico brasileiro, e que permaneceu
praticamente inalterado, até o final do governo do presidente José Sarney em 1989.
O colapso do Estado soviético no campo internacional; a eleição do presidente Collor; a
inflação galopante acompanhada de grave crise fiscal; o esgotamento do modelo político e a
saturação da sociedade com toda uma geração de políticos tradicionais; a falência do Estado
como financiador do desenvolvimento; o ressurgimento internacional do liberalismo econômico e
o desejo por mais sociedade e menos Estado, formaram um conjunto de pressões que,
acumuladas, legitimaram a política de reformas estruturais implementadas a partir da década de
90.
No Canadá, desde os “anos de consolidação” - período que compreende os vinte e cinco
anos que marcaram o final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX – a
prosperidade da economia constituiu-se em fator vital para a formação do país.
Massivos investimentos estrangeiros capitaneados pela Inglaterra e pelos Estados Unidos
da América, dirigidos para os três níveis de governo proporcionaram o sucesso econômico
canadense naquele período decisivo de sua formação. O impacto destes anos de consolidação não
ocorreu somente na economia; o povoamento do país, a agricultura, a infra-estrutura e mesmo a
nacionalidade foram afetados pelo boom.
Inicialmente, o Canadá caracterizou-se como um grande exportador de alimentos,
direcionado globalmente. A economia nacional embora muito dependente da exportação de
produtos agrícolas, voltou-se não apenas para o vizinho norte-americano, mas também para a
Europa. Esta triangulação econômica viria a ser acompanhada politicamente pelo crescente
envolvimento do Canadá com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, constituindo-se, esta parceria,
numa espécie de marca registrada do Canadá moderno. Estas relações multilaterais constituíramse fundamentalmente das trocas entre o Canadá e estes dois outros países. O que foi o começo
viria a ser praticamente todo o futuro das relações políticas, econômicas e culturais do gigante
gelado do norte com os seus dois principais parceiros.
Num país dotado de similaridades políticas e econômicas com o Brasil, mas
caracterizado, também, por grandes diferenças históricas e culturais, as reformas ocorridas a
2
Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
partir de 1988, que alteraram profundamente a política econômica e desafiaram o modelo vigente
de Estado de Bem-Estar, de inspiração social-democrata que o diferenciava politicamente dos
fundamentos do governo dos Estados Unidos, constituíram-se num passo decisivo para que o país
se inserisse de forma vantajosa nas novas regras da economia mundial, ditadas pela globalização.
Neste sentido, o historiador canadense Frank Underhill, observa que os conservadores
foram a força política dominante em cada batalha importante ocorrida a partir da Revolução
Americana, passando pela Guerra de 1812, da Rebelião de Mackenzie-Papineau em meados de
1830, e a própria fundação dos “Domínios do Canadá.” Aqueles que respeitavam e prezavam a
autoridade triunfaram no Canadá, enquanto que os populistas triunfaram nos Estados Unidos.
Ademais, desde que os conservadores canadenses se identificam com os seus homônimos
ingleses, também acreditavam no que Harold MacMillan chamou de “socialismo paternalista.”
Este fator político institucional acabou por influenciar decisivamente ao longo do tempo,
a concepção e a formulação de políticas públicas postas em prática pelo governo canadense,
tornando-as mais próxima do modelo social – democratas.
Anos depois do governo de Pierre Trudeau, temas como livre comércio e ajuste estrutural
tornaram-se determinantes nos debates da campanha eleitoral de 1988 que ficaram conhecidas
como free-trade elections.
Essas eleições que precederam a implementação do Free Trade Agreement – FTA –,
embora indiretamente, também vieram a legitimar um outro, que foi o North American Free
Trade Agreement – NAFTA. Estes acordos, aliás, - embora mais o FTA do que o NAFTA –
vieram na verdade consolidar uma realidade comercial já existente entre os dois países,
continuando, contudo, a não significar integração política ou cultural.
A abertura econômica iniciada durante o governo conservador do primeiro-ministro Brian
Mulroney, após intenso debate ocorrido nas eleições de 1988, tende a ser vista não
necessariamente, como fruto de mudanças ideológicas, mas sim de um imperioso pragmatismo
voltado para a necessidade econômica e política de filiar-se ao NAFTA. Para isso era necessário
corrigir os desequilíbrios macroeconômicos, e ao mesmo tempo atender a nova realidade
mundial pós-colapso-socialista e a pressão do processo globalizante.
Esta nova postura política veio a viabilizar um acordo com os liberais para a
implementação dos novos princípios econômicos consoantes com sua ideologia.
Note-se que dois dos seus históricos parceiros culturais e comerciais - Grã-Bretanha e
Estados Unidos - haviam relançado mundialmente o neoliberalismo econômico, a partir dos
governos da primeira ministra Margareth Thatcher (1979) e
Ronald Reagan (1980),
respectivamente.
As mudanças justificaram-se pelas condições econômicas do Canadá, que se
assemelhavam àquelas encontradas em muitas nações do terceiro mundo: balança comercial
deficitária, dívida interna próxima de 75% do PIB, déficit público em torno de 6% do PIB, e
índice de desemprego beirando os 12% da força de trabalho, indicando uma profunda recessão.
3
Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
As medidas adotadas para reverter esta situação e enfrentar os novos desafios políticos,
econômicos e culturais foram basicamente as seguintes: liberalização da economia, ajuste fiscal,
reforma do setor público e um corte severo nos subsídios. Ou seja a adoção de medidas contidas
no “Consenso de Washington”, - que aliás também viria a acelerar o processo de “integração
continental” - onde as instituições mais sacrificadas neste processo foram as mesmas de sempre:
hospitais e universidades. Forçando a que governo e sociedade passassem a viver de acordo com
suas posses.
O líder a continuar e mesmo aprofundar todo o processo reformista, foi o primeiroministro liberal Jean Chrètien, que passou a governar o Canadá a partir de 1993, após a queda
do governo conservador de Monroney e um ano antes da assinatura do acordo do NAFTA.
Não houve milagre, porém, no sucesso econômico obtido pelo Canadá após as reformas.
A clássica combinação que agrega controle dos gastos públicos, desvalorização cambial,
alteração nas taxas de juros e liberalização comercial foi decisiva para a reviravolta ocorrida na
economia canadense.
O ingresso no NAFTA tem se mostrado positivo para o desenvolvimento do país, pois
com a expansão da economia americana, as empresas canadenses passaram a ter uma postura
mais agressiva nas suas exportações para o mercado americano, passando a atender a uma
crescente demanda de produtos e serviços. Certamente aumentou a interdependência entre as
duas economias, pois o comércio entre os dois vizinhos ultrapassa a cifra de 1 bilhão de dólares
por dia, ou cerca de 300 bilhões ano.
No passado, igualmente, as relações comerciais com os Estados Unidos eram tão intensas
que a fronteira política entre os dois países chegou a se denominar the joint stock frontier. Não
obstante estar do outro lado do Atlântico, os laços comerciais (para não enfatizar os políticos e
culturais) com a Grã-Bretanha, pesaram decisivamente na constituição do moderno Canadá,
tornando-se evidente que o país desenvolveu-se, com dupla filiação: Estados Unidos e GrãBretanha. Reafirme-se que a interdependência entre as economias dos três países fica evidente
desde os primeiros anos da existência do Canadá como nação soberana. Internamente, no entanto,
contrariamente a esta faceta liberal de amplo comércio internacional e abertura econômica, o
Estado canadense moldou-se pela intervenção na economia, nos diferentes níveis de governo.
Assim como o Brasil, não obstante as conhecidas diferenças culturais, a partir da própria
colonização - o Canadá possui uma longa tradição de intervenção estatal na economia, nos
moldes esperados de uma social – democracia ao estilo europeu -, atenta porém, ao liberalismo
econômico americano. Estas duas realidades: política e econômica forjaram as instituições
canadenses, orientando o seu padrão de desenvolvimento.
Obviamente, a influência européia no Canadá, não se restringiu aos ingleses, assim como
no Brasil não se restringiu aos portugueses. A França, de maneira incisiva, faz parte do mundo
político, cultural e econômico do Canadá. Aliás, a convivência dos Canadians com os Canadièns
e suas diferentes culturas que resistem em se aglutinar, fazem deste país um caso único no
continente. Consequentemente, o dilema entre “americanização” e “europeização” - proveniente
4
Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
desta realidade bi-cultural - constitui-se numa preocupação nacional permanente. O desenho
institucional do Canadá não poderia ficar isento a esta dualidade.
4. No Brasil, reformas pela via constitucional
O termo “desestatização” foi usado pela primeira vez no Brasil durante o governo
Figueiredo (BNDES, 1996) que esboçou um modesto programa destinado a devolver à iniciativa
privada algumas empresas dependentes da órbita estatal. Ocorridas num contexto político
distinto, as reformas econômicas pós-1988 - inclusive aquelas incluídas no Programa Nacional de
Desestatização – que tem como um dos seus objetivos a venda das companhias estatais nos
setores de telecomunicações, petróleo, energia elétrica entre outros – parece ter fortes raízes
pragmáticas, não estando vinculada ao tipo de regime político predominante.
A abertura da economia, a modernização do Estado e as privatizações, no entanto, foram
introduzidas na agenda política brasileira de forma incisiva, contínua e com um grau de
legitimidade pela sociedade, inédito até aquele momento, a partir das eleições de 1989. Tendo
sido um dos temas centrais da campanha, constituiu-se em prioridade governamental desde a
posse do presidente Fernando Collor em 1 de janeiro de 1990. O ex-presidente Collor, no entanto,
não era um militante do liberalismo. Ao contrário, sua prática política identificava-se muito mais
com o clientelismo e o autoritarismo, do que com o moderno liberalismo. Isto, no entanto, não o
impediu de praticar, durante os seus dois anos de governo, o neoliberalismo econômico. Aliás,
sua biografia política está definitivamente marcada por duas características: a introdução de
políticas econômicas neoliberais e o Impeachment.
O governo tampão do vice-presidente Itamar Franco foi marcado por sua reticência frente
a essas e outras questões nacionais. Não sendo um reformista e muito menos um privatizante,
deixou que as reformas estruturais vegetassem durante sua administração. Seus aliados políticos
até tentaram, mas não conseguiram, bloquear a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional
– CSN que como outras vieram a acontecer durante a sua administração, por mera conseqüência e
nunca por convicção.
O próximo presidente a dedicar ao tema um caráter prioritário foi Fernando Henrique
Cardoso, cuja campanha presidencial foi fortemente calcada na necessidade de realizar profundas
mudanças institucionais no Brasil. O “Projetão” - como ficou conhecido o programa do governo
Collor - que havia inaugurado no Brasil – pós-queda-do-muro-de-Berlim, a mais radical
experiência neoliberal na sua economia -, foi esquecido em sua versão original. Mas, alguns de
seus princípios básicos sobreviveram no governo Fernando Henrique, até porque alguns dos seus
formuladores, embora também não se inscrevessem ideologicamente entre os liberais, ocuparam
postos importantes na área econômica, dos governos Collor e Fernando Henrique, como foi o
caso do atual Deputado Antônio Kandir e outros altos burocratas.
O caráter pragmático das reformas estruturais no Brasil, no entanto, contém uma certa
carga ideológica no sentido do liberalismo político e econômico, mesmo não sendo esta a
variável dominante. Ademais, as “idéias” neoliberais têm inquestionável aceitação em influentes,
senão majoritários, setores governamentais, para não mencionar sua materialização partidária,
5
Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
através do Partido da Frente Liberal (PFL), integrante da coalizão governamental e defensor
aberto de uma maior celeridade no programa de privatizações. Advogando inclusive, a inclusão
de estatais poderosas, gigantescas e emblemáticas como o Banco do Brasil e a Petrobrás.
O governo de coalizão, dirigido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, que embora
pertencente ao partido social - democrata, o PSDB, está em realidade pondo em prática um
modelo econômico pragmático que às vezes se confunde com as idéias do novo trabalhismo, ou
da terceira via que, por sua vez, também inspira a política econômica do atual governo inglês do
primeiro – ministro Tony Blair.
No Brasil, fortes argumentos indicam uma tendência pragmática na condução das
reformas: 1) a desideologização dos partidos políticos e da própria sociedade cujo maior exemplo
é o elevado grau de personalização da vida política nacional; 2) a ausência de tradição liberal
consistente na história política brasileira moderna; 3) a dicotomia entre a origem partidária social
- democrata do presidente e de seus principais formuladores políticos e a praxis neoliberal
contida nas propostas de reformas institucionais; 4) a grave crise fiscal que exige medidas
econômicas ortodoxas de enxugamento do aparato estatal, restrição do crédito e contenção de
gastos públicos, não dando margem a concessões de natureza ideológica; 5) o esgotamento do
modelo desenvolvimento econômico baseado na ideologia do intervencionismo estatal 6) a
pressão externa causada pela disseminação do modelo econômico baseado na economia de
mercado, a nível internacional.
A crise econômica do Estado brasileiro tem sido visivelmente eloqüente no que diz
respeito à necessidade de um ajuste fiscal destinado a reduzir o déficit público a patamares
suportáveis que permitam ao governo recuperar sua capacidade de investimento e gerência
eficiente das contas públicas. Isto não será possível sem as reformas estruturais que alterem
principalmente as realidades tributária, administrativa e previdenciária. O chefe de Governo, os
governadores estaduais e as principais lideranças do Congresso não têm agido ideologicamente
nestas questões e sim reagido a uma situação de grave crise fiscal instalada em seus domínios
políticos.
As metas políticas e econômicas do ajuste estrutural não serão atingidas graças a
movimentos apoiados em ideologias políticas, e sim naqueles sustentados em ações pragmáticas
voltadas para a recuperação da capacidade de gestão econômica - financeira eficiente, por parte
do Estado. Não obstante o foco central deste artigo seja o governo nacional, estas mesmas
atitudes reformadoras são necessárias nos âmbitos estadual e municipal, pois estas unidades
padecem da mesma situação de desajuste de suas finanças públicas. Algumas em situação de
insolvência, como é o caso dos estados de Alagoas e do Espirito Santo. Governadores de estado
de vários partidos, Partido dos Trabalhadores (PT) inclusive, têm pragmaticamente apoiado a
reforma administrativa proposta pelo governo federal, independentemente de suas filiações e
origens políticas, numa demonstração clara, por parte de outro grupo importante de atores
políticos, de que o pragmatismo vem falando mais alto na questão das mudanças institucionais. A
voz destoante e mais estridente neste processo tem sido a do governador de Minas Gerais que
insiste em posições ideológicas, na pretensa defesa do equilíbrio das contas públicas em Minas
Gerais.
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Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
A eleição presidencial de 1989 no Brasil, polarizada entre os candidatos Fernando Collor
de Melo e Luiz Inácio “Lula” da Silva, foi uma prévia do que seria a luta pela implementação das
mudanças institucionais no país. Vencida a eleição por Collor, o Brasil entrou na fase das
reformas econômicas de inspiração neoliberal. Não que o chefe de Estado fosse um deles e muito
menos que a ideologia liberal tivesse repentinamente tomado os corações e mentes dos
brasileiros. Mas, efetivamente, por desejo de mudança em vários aspectos da vida nacional,
principalmente no campo econômico. Nesta linha de argumento, observou o Senador Esperidião
Amim (PPB / SC): “O que se viu no Brasil não foi uma vitória do liberalismo, mas uma total falta
de esperança para com o modelo estatista até então dominante.” 3
Não somente está o Brasil contemporâneo sob a égide de um governo de coalizão onde as
considerações de natureza pragmática se sobrepõem, claramente, aos aspectos ideológicos, mas a
coligação política - composta de social - democratas e liberais -, que governa o Brasil, está
centrada fortemente num pressuposto de realidade, pragmático: a exaustão do Estado brasileiro
para continuar a sua tarefa histórica de financiar o processo de desenvolvimento econômico,
permitindo-lhe atender as novas expectativas das sociedade e retomando suas funções clássicas e
indelegáveis.
Diferentemente do processo de abertura econômica no Canadá, que se deu via introdução
de nova legislação ordinária pelo Parlamento, ignorando o debate em torno da possível
necessidade de alteração constitucional e mudança de política econômica, o Brasil teve que
atravessar um longo processo de mudanças constitucionais para efetivar uma reforma do Estado
que desmontasse o “Estado-empresário”, detentor de vários e importantes monopólios
econômicos, como petróleo, telecomunicações e energia. Ou como prega Roberto Campos, “é
necessário desmontar os três dinossauros estatais: a petrossauro, a eletrossauro e a telessauro”.
4.a) Da teoria à prática: a Constituição de 1988 e as reformas no capítulo da ordem
econômica
As constituições afetam o desempenho das economias. A Constituição brasileira de 1988,
por exemplo, privilegiou o capitalismo de Estado em detrimento da economia de mercado.
Em 1° de janeiro de 1995, Fernando Henrique Cardoso foi empossado como Presidente da
República Federativa do Brasil. Prometeu continuar a luta contra a inflação com o Plano Real que tinha sido seu objetivo político principal - e, o que é mais importante, prometeu reformar o
Estado brasileiro de maneira a devolver, ao governo, a capacidade de efetivamente governar o
país. O Poder Legislativo foi então solicitado a rescrever a Constituição e as demais Leis do país
no que se referem a um grande número de tópicos tais como: administração pública, impostos,
investimentos estrangeiros, energia, telecomunicações, mineração, previdência social, relações
trabalhistas e serviços públicos.
A seguir, examinaremos seis pontos paradigmáticos das alterações propostas no texto
constitucional, cujas aprovações, nos primeiros seis meses do governo Fernando Henrique
3
Entrevista concedida ao autor.
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Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
levariam a uma efetiva liberalização econômica e reforma do Estado no Brasil: a eliminação dos
monopólios estatais das telecomunicações e do petróleo, a definição de empresa nacional, a
participação das empresas estrangeiras no setor mineral, na navegação costeira e o monopólio da
comercialização do gás encanado.
a) O monopólio estatal das telecomunicações (Art. 21, XI)
O primeiro desses pontos era o que estabelecia o monopólio estatal das telecomunicações
definido no Art. 21, XI, da Constituição.
Entre os setores da economia em que o governo federal tinha permissão de atuar de forma
monopolística estava a totalidade dos serviços de telecomunicações. Dado o texto constitucional
vigente, o máximo que o governo poderia fazer em termos de liberalização do setor era permitir
que o mesmo fosse explorado por empresas, desde que o controle acionário destas fosse detido
por entes estatais.
Desde a criação, durante o regime militar, da "holding" estatal do setor, a TELEBRAS e
também da EMBRATEL, o governo federal e o de alguns estados, como o do Rio Grande do Sul,
passaram a operar as companhias telefônicas, daí retirando, com pouquíssimas exceções, a
iniciativa privada4.
Desde 1988, o texto constitucional a respeito da Ordem Econômica fazia saber que
o Brasil não abriria seu mercado de telecomunicações para a iniciativa privada, já que tal medida
dependeria de uma alteração na própria Constituição do país. Mesmo que um governo chegasse
ao poder com uma agenda privatizante, seriam necessárias modificações na Carta magna para que
ele pudesse pôr em prática tal programa. O efeito desta condicionante nos investidores nacionais
e internacionais não se fez esperar. O monopólio estatal era visto como permanente e inviolável a
quaisquer discussões, num momento em que a queda dos investimentos estatais fazia como que
houvesse uma conseqüente queda da qualidade dos serviços e uma defasagem tecnológica, que a
enorme propaganda institucional das empresas estatais atuantes no setor não podia esconder.
b) o monopólio estatal do petróleo (Art. 177)
Um dos tópicos mais sensíveis da reforma, foi o que determinou a definição, à nível
constitucional, do monopólio estatal do petróleo, exercido pela PETROBRAS.
De 1953, ano em que foi votada a lei que criou a empresa e o monopólio, até a
promulgação da Constituição de 1988, este foi definido em lei; depois do verdadeiro upgrade de
1988, todavia, constitucionalizou-se , o que evidentemente, resultou em uma maior dificuldade
para sua alteração.
4
Existiam algumas companhias telefônicas onde a participação da TELEBRAS era minoritária, sendo a
principal delas a Companhia Telefônica Brasil Central (CTBC) que atua na região do Triângulo Mineiro.
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Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
Diversos países da América Latina que tradicionalmente se mostraram preocupados com o
papel dos investimentos estrangeiros, como o México e a Argentina, haviam, nos anos oitenta e
noventa, se colocado na vanguarda de um movimento mundial no sentido de atraírem tanto
capitais como tecnologia de ponta para reformar sua economia. A Argentina sob a presidência de
Carlos Menem chegou ao ponto de privatizar a sua empresa estatal que exercia o monopólio da
exploração e do refino do petróleo, a Yacimientos Petrolíferos Fiscales ou YPF. Ao mesmo
tempo, no Brasil, a Carta brasileira havia convertido o monopólio em mandamento
constitucional. A partir de então, o monopólio estatal só podia admitir parceiros também estatais.
c) A definição de empresa nacional (Art. 171)
Mais um tópico extremamente importante pelo seu simbolismo foi a definição de empresa
nacional dada pelo Art. 171 da Constituição. De acordo com um observador, o "tratamento
constitucional do investimento estrangeiro era altamente controverso, e poderia mesmo retardar o
crescimento econômico do país"5 De fato, um dos efeitos da nova Constituição foi agir
contrariamente às tentativas dos diversos governos desde 1988 para atrair capital estrangeiro.
Embora certos aspectos de nossa economia, como taxas positivas de juros muito acima dos níveis
mundiais tivessem contribuído para a entrada de capitais estrangeiros, o consenso era que tais
recursos se destinariam ao mercado financeiro e não a aplicações produtivas
A diferença de tratamento entre empresas de capital estrangeiro e empresas de capital
nacional até então estava limitada a alguns poucos setores da economia, em especial áreas
consideradas como estratégicas, a principal delas de informática6. Na realidade, o conceito
jurídico usado pela Constituinte foi importado quase que literalmente da chamada Lei de
Informática, oriunda do regime militar.
d) A participação de empresas estrangeiras na atividade mineradora (Art.176 § 1º)
Igualmente importante era a proibição constitucional de que companhias estrangeiras
investissem em mineração em solo brasileiro. De acordo com a Constituição, todos os recursos
minerais são definidos como pertencentes à União, e sua exploração deveria ser realizada apenas
por empresas de capital nacional, ou por indivíduos de nacionalidade brasileira.
Como resultado da aprovação deste dispositivo, de cuja defesa participaram ativamente as
organizações profissionais dos geólogos e engenheiros de mineração, o resultado prático foi de
expressiva fuga de capitais do setor mineral brasileiro. A produção mineral foi fortemente
impactada por esta decisão, com a restrição do investimento privado no setor mineral. Num
momento em que todas as economias latino-americanas estavam em processo de abertura, com o
objetivo de atrair capitais de risco, a nova Constituição se constituía num fator importante para a
marginalização do Brasil como foco de atração de novos investimentos.
e) a navegação costeira (Art. 178 § único)
5
Keith S. Rosenn, op. cit., p. 27.
Abdo I. Baaklini, e Antonio Carlos Pojo do Rego. "O Congresso e a Política Nacional de Informática."
Revista de Administração Pública, vol. 22., nº 2, abril/junho de 1988.
6
9
Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
Em seguida veio a mudança no setor de navegação costeira. Foi aprovada uma emenda a
Constituição, determinando que a navegação de cabotagem possa ser efetuada por navios de
outras bandeiras, observados os tratados internacionais e princípio da reciprocidade. Também foi
removido do texto constitucional o requisito de que todos os membros da tripulação de navios
brasileiros sejam cidadãos brasileiros. Leis complementares, passam a determinar as condições
em que navios estrangeiros podem operar em águas territoriais brasileiras.
f) o monopólio estatal do gás canalizado (Art. 25 § 2)
A última das mudanças da série de seis, foi a que eliminou o monopólio detido pelos
estados para a comercialização do gás encanado, que deixava este importante setor da economia
nacional completamente sob o controle dos governos das 27 unidades da federação.
Com a mudança constitucional, companhias privadas foram autorizadas a operar neste
setor. Como resultado, vários estados estão alterando sua participação neste setor, vendendo suas
companhias de gás.
Em suma, as mudanças efetuadas pelo Congresso Nacional na Constituição brasileira, por
meio de emendas remetidas pelo Executivo, seguem a mesma tendência que outros países em
desenvolvimento introduziram em suas legislações. Tais mudanças diminuem tanto as restrições
aos investimentos estrangeiros quanto à existência de monopólios estatais em suas respectivas
economias. Seguindo a tendência mundial pós-globalização.
4.b) No Canadá, reformas via policy change
A experiência canadense recente com o livre comércio data dos anos 60, quando foi
assinado o Automotive Pact e o Defense Sharing Agreement, ambos com os Estados Unidos.
Sucessivos governos porém evitaram ampliar estes acordos, temerosos que com ele viessem a
dominação cultural e perda de soberania. Até que a inexorável nova realidade econômica,
imposta pelo processo de globalização obrigou que estes receios ideológicos fossem minimizados
em nome de um novo pragmatismo.
Antecedentes históricos enraizados no século XIX também já haviam inibido este
processo de integração continental - devido a problemas políticos em Ottawa, na Cidade do
México e em Washington, D.C.; a Grande Depressão; as duas guerras mundiais e o surgimento
do bloco asiático -, não obstante a existência de um contexto de intensa industrialização e amplos
investimentos estrangeiros que pressionavam a economia no sentido da liberalização comercial.
As eleições de 1988 foram o marco político decisivo para as mudanças estruturais
ocorridas na economia canadense. As condições macroeconômicas eram desfavoráveis, a pressão
externa para liberalização muito presente e o ambiente político volátil, devido ao período
eleitoral. Neste ambiente institucional instalou-se um debate favorável às transformações
institucionais.
As disputas eleitorais realizaram-se, predominantemente, sob o signo dos assuntos
relativos ao livre comércio. Aliás, objeto de constante e antigo temor - devido ao permanente
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Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
receio por parte de setores da sociedade - de que o Canadá possa se transformar numa espécie de
colônia comercial moderna dos Estados Unidos.
Em 1990, com a assinatura do FTA, as duas nações incorporaram definitivamente nas
suas questões bilaterais, os temas relativos ao livre comércio. A posterior ocorrência do NAFTA,
em 1994, que incluiu o México, foi mais um passo decisivo para consolidar a integração entre os
gigantes e vizinhos territoriais.
Mas o esforço canadense para o ajuste fiscal não se restringiu às reformas econômicas,
assim como no Brasil, o setor público também foi objeto de profunda análise e reestruturação.
Pressionado pelas inconsistências macroeconômicas e pela pressão para descentralização
dos serviços públicos, exercida pelo governo provincial de Quebec, o governo central canadense
elaborou uma lista de medidas que denominou de “testes”, destinadas a melhorar a eficiência
governamental, mediante a revisão do papel e do desempenho de vários programas e de agências
federais. Os “testes” são os seguintes:
a) O Teste do Interesse Público: Será que esta determinada atividade continua sendo
necessária?; Resultado: cancelamento de antigos subsídios para os setores agrícolas e de
transportes; b) O Teste do Papel do Governo: Será que compete ao governo o
desempenho desta atividade? ; Resultado: Privatização do Sistema de Navegação Aérea;
c) O Teste do Federalismo: Esta é uma atividade adequada ao governo federal?;
Resultado: Descentralização de várias atividades, para províncias que as estavam
demandando; d) O Teste de Parceria: Será que esta determinada atividade não poderia ser
desempenhada total ou parcialmente em conjunto com outra instituição?; Resultado: A
administração de vários aeroportos está sendo transferida para as administrações
municipais; e) O Teste de Eficiência: Esta atividade não poderia ser desempenhada a um
custo mais baixo?; Resultado: Este questionamento afetou a quase todas as atividades
testadas.
Em todo caso as reformas não se constituíam num assunto constitucional e sim numa
questão de mudança de política econômica, embora significasse, também, mudanças no papel do
Estado, por eliminar subsídios destinados a algumas indústrias e implementar reformas no setor
público, extinguindo agências dependentes de favores estatais.
Embora a questão da liberalização da economia seja consistente com as ideologias
conservadora e liberal, nos casos específicos das mudanças estruturais no Brasil e no Canadá,
parece se constituir mais numa questão pragmática, até mesmo pelo seu conteúdo denso de
interesses empresariais que guiam na maioria das vezes interesses imediatos.
Conclusão
A aparente semelhança territorial, paisagística, étnica, cultural e econômica produzidas,
principalmente, pelas origens e valores fundamentais europeus comuns, e ampliadas pelas
intensas relações comerciais entre os Estados Unidos e o Canadá, na verdade mascaram
significativas diferenças institucionais entre os dois países, igualmente nos campos político,
11
Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
econômico, cultural e social.
O papel do Estado na promoção do desenvolvimento e no fortalecimento das suas
próprias empresas estatais ou não (Bell Canada e Bombardier por exemplo), praticado no Canadá,
diferentemente da ênfase dada à economia de livre mercado e ao papel preponderante atribuído
ao capital internacional na promoção do desenvolvimento nos Estados Unidos, certamente estão
na base de algumas, igualmente profundas, diferenças entre os dois países. Pesquisas de opinião
sustentam que os canadenses – povo e elites – aceitam e defendem mais do que os americanos, a
intervenção estatal.
Alguns acadêmicos canadenses tem enfatizado, segundo Herschel Hardin, que o
“Canadá – essencialmente – é o país onde predomina a cultura da empresa estatal, enquanto que
nos Estados Unidos predomina a cultura da empresa privada.”
Mais ainda, nota o cientista político J. T. McLeod, “a permissividade da intervenção do
Estado, a regulamentação, e a presença constante de empresas públicas, caracterizam um país
onde o Estado sempre controlou e formatou a economia nacional.
No Brasil, igualmente, continua a cultura estatal. O liberalismo econômico no Brasil
sempre perdeu para as políticas econômicas desenvolvimentistas, sustentadas no modelo
ancorado na intervenção estatal na esfera econômica. De fato, a história do desenvolvimento
econômico no Brasil não é a história do liberalismo e sim do capitalismo estatal e do
nacionalismo econômico, de certa maneira coerente com as nossas heranças coloniais ibéricas.
A partir de 1988 no Canadá, e um ano mais tarde no Brasil ocorreriam mudanças
estruturais profundas. Ambos minimizaram suas ideologias e seus passados pró-Estado alterando
seus modelos econômicos de maneira não condizente com o passado. O Brasil pela via
constitucional, extinguiu monopólios estatais, promoveu reformas institucionais nos modelos
previdenciário, administrativo e fiscal.
O Canadá, pela via mais simples da mudança de rumo de sua política econômica,
promoveu um forte ajuste fiscal, assinou o FTA e ingressou no NAFTA, implementou reformas
no setor público e consolidou a abertura da economia. Ambos foram pressionados por fatores
domésticos e externos semelhantes.
A crise fiscal no plano nacional, e a inexorável nova realidade econômica imposta pelo
processo de globalização obrigou que sofisticações ideológicas fossem minimizadas em nome do
pragmatismo. A soma destas pressões internas e externas fizeram com que os dois países
congelassem seus passados ideológicos pró-Estado e ingressassem numa nova Era de políticas
econômicas neoliberais, mantendo, embora com alguns ajustes seus compromissos relativos à
presença do Estado na esfera social. Seus governantes, mais no Brasil do que no Canadá é
verdade, sentem-se desconfortáveis com o neoliberalismo, preferindo acenar politicamente com o
novo conceito da “terceira-via” do sociólogo Anthony Giddens e do primeiro-ministro Tony
Blair.
Para o bem ou para o mal, a ideologia perdeu espaço para o pragmatismo como fator
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Notas Sobre a Liberalização Econômica no Brasil e Canadá
motivador das reformas estruturais e da mudança do papel do Estado na promoção do
desenvolvimento econômico no Brasil e no Canadá.
Inegavelmente, as evidências em vários países em diferentes continentes, embora com
variações entre si, mostram que a globalização tem evidenciado dois valores preponderantes: a
supremacia da democracia como regime político e a prevalência do capitalismo como sistema
econômico. Ideologicamente, pode a economia de mercado, até não ser o ótimo e definitivo para
todas as nações, mas, pragmaticamente é o que tem prevalecido em países tão diferentes como
Bolívia e Nova Zelândia, Nicarágua e Polônia, Argentina e Hungria para citar também alguns
“não-gigantes territoriais.”
O pragmatismo gerado pelo processo de globalização pode não ser a única força a
impulsionar as reformas, pois tem havido, simultaneamente, outras igualmente imperativas
razões, políticas e econômicas, de cunho estritamente nacional.
Até o momento é difícil supor uma “ancora” ideológica que sustentasse tantas mudanças
no campo econômico em favor do liberalismo, em sociedades tão distintas e de histórias não
menos diferentes e até mesmo opostas. O que se apresenta então, como melhor variável para
explicar estas mudanças institucionais no papel do Estado em relação ao desenvolvimento
econômico, tem sido a adoção de um conjunto de decisões governamentais, acompanhadas de
políticas públicas “ancoradas” no pragmatismo.
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