Fisiologia de Sistemas II - Módulo 3 Ruídos Cardíacos, Hemodinâmica das arteríolas e capilares e Perfusão de Órgãos Referências Referências da 1ª Parte – numeração entre parêntesis corresponde à numeração de diapositivos na apresentação de PowerPoint sobre ruídos cardíacos. Referências da 2ª Parte – numeração entre parêntesis corresponde à numeração de tópicos, figuras e equações apresentadas nas Folhas de Apoio a Fisiologia II, Parte II, disponível na Secção de Folhas. [Desgravado por Dulce Calçada] 1ª Parte - Ruídos cardíacos A actividade cardíaca provoca vibrações nas paredes do coração e nas válvulas, no sangue e nas estruturas adjacentes ao coração, às quais correspondem sons, que são transmissíveis até às paredes do tórax, tanto a anterior como a posterior, e que são detectáveis e analisáveis – os chamados ruídos cardíacos. História Harvey, que foi, em 1628, o primeiro cientista que começou verdadeiramente a dedicar-se à circulação, dizia que, em cada movimento do coração, ou seja, na passagem de uma certa quantidade de sangue das veias para as artérias, se produz um pulso que pode ser ouvido dentro do peito. Só mais tarde, em 1819, Laennec começou a estudar as características e a utilidade da auscultação cardíaca. Perturbações longitudinais O som propaga-se por ondas longitudinais, que são ondas cujo deslocamento tem a mesma direcção da propagação - as ondas transversais são como as ondas de campo eléctrico e magnético, perpendiculares à direcção de propagação, enquanto que as ondas longitudinais vibram na própria direcção de propagação. Portanto, temos aqui uma perturbação longitudinal (2), criada por um êmbolo num cilindro contendo um gás. As ondas sonoras transmitem-se nos sólidos, nos líquidos e nos gases e melhor nos sólidos que nos líquidos e que nos gases. Temos aqui em baixo outra vez o êmbolo a mover-se, o que cria um aumento de pressão aqui nesta região, um p + p, ou seja, um acréscimo de pressão p, e aqui nesta região ainda está todo o gás à pressão p, ainda não sofreu o acréscimo de pressão. Este acréscimo de pressão vaise movimentando assim e a velocidade do êmbolo é v, mas a velocidade do deslocamento desta linha é diferente. Ondas Sonoras e Movimento ondulatório As ondas sonoras podem comparar-se às ondas de compressão numa mola elástica: temos aqui (3) uma compressão maior e depois aqui uma mais rarefeita. O deslocamento das partículas do gás é sinusoidal e o acréscimo de pressão está deslocado de 90º em relação à direcção do deslocamento das partículas. Este k é o número de onda, igual a 2/, e este é a frequência angular, igual a 2/T (T é o período da onda). Resumindo, o som consiste em ondas de compressão, que se transmitem através dos sólidos, através do corpo humano, dos líquidos, dos gases, e transmitem-se também através dos ossos. E cá temos uma onda sonora (4). Métodos de detecção Temos o método directo, que é colocar o ouvido sobre o peito do indivíduo pode colocar-se um paninho fino, para não colocar directamente o ouvido sobre a pele - e o método indirecto, por meio de estetoscópios, que são aparelhos que os senhores já viram com certeza. Stethos quer dizer “peito” e skopos quer dizer “vigilante”. Espectro vibratório O espectro vibratório do coração humano vai desde frequências muito baixas, menores que 1 Hz, até 2000 Hz; os ruídos cardíacos e os sopros vão desde 20 a 800 Hz e só são audíveis de 40 a 500 Hz. Aqui (7) temos os ruídos cardíacos, desde –1 Hz até esta linha, e aqui o limiar de audição – portanto, nós só ouvimos os ruídos cardíacos que ficam aqui nesta zona, todos estes outros são inaudíveis. Aqui têm, por exemplo, a frequência da voz, para comparar. Mensagem sensorial Nos sons puros distinguem-se três qualidades fundamentais: - a altura ou tonalidade, que permite dizer se um som é mais grave (é mais grave quando tem menor frequência), ou mais agudo (o que corresponde a uma frequência maior); - intensidade, permite dizer se o som é mais ou menos forte, e - timbre, que permite distinguir dois sons com a mesma intensidade e altura, provenientes, por exemplo, de uma flauta e de um violino. Timbre E o timbre vem do seguinte: temos aqui (9) um som, e toda a função periódica contínua, segundo Fourier, é decomponível numa série composta por uma constante e uma soma de funções sinusoidais, que continuava por aqui fora: a primeira função sinusoidal tem a frequência desta onda original e chama-se fundamental, e as outras chamam-se harmónicas, esta de 2ª ordem, porque tem uma frequência dupla da primeira, esta com uma frequência tripla da primeira diz-se de 3ª ordem e por aí fora. O timbre distingue-se pela riqueza das harmónicas e pela amplitude relativa das mesmas – está portanto ligado ao espectro de frequências do som. Fadiga e Interferência Deparam-se-nos normalmente dois tipos de problemas no que toca à audição dos ruídos cardíacos: 1. a fadiga, que acontece quando há falta de percepção de um ruído agudo pouco intenso por ser imediatamente precedido de um grave muito intenso - depois de um som muito intenso há um aumento do limiar absoluto de audição, não se ouvindo, ou ouvindo-se mal, um ruído agudo pouco intenso imediatamente depois de um grave muito intenso. 2. as interferências, em que há um som com várias tonalidades e as tonalidades agudas desse som muito complexo são tonalidades pouco intensas, existindo também tonalidades graves muito mais intensas bem separadas na gama de frequências - diz-se então que sons graves mascaram sons agudos, só se ouvem os graves e não se ouvem os agudos. Transmissão Como se faz a transmissão do som? Em ambos os tipos de auscultação, a transmissão do som realiza-se por ondas de compressão, que chegam ao tímpano através de uma camada de ar, pelo que é necessário que se forme uma cavidade hermeticamente fechada entre o conduto auditivo externo e a região pré-cordial. Ressonância Temos aqui (13) um diapasão, que emite um som com uma dada frequência, temos ainda um tubo com um êmbolo, e vamos deslocando o êmbolo: vamos ouvindo o som do diapasão e quando o êmbolo chega a uma dada posição, que é este comprimento, igual a /4 ( é o comprimento de onda do som), as ondas incidente e reflectida sobrepõem-se e, de repente, temos um som muito mais intenso, e a isto chama-se ressonância. Estas ressonâncias aparecem para todos estes valores de L que correspondam a = 4L/n, n = 1, 3, 5, .... As frequências correspondentes a estes comprimentos de onda chamam-se frequências próprias do ressoador, são as frequências às quais corresponde um aumento muito grande da intensidade do som. Vantagens do estetoscópio As vantagens do estetoscópio sobre a audição directa dos sons cardíacos provêm do facto de que este: (1) reforça os fenómenos acústicos pela ressonância, tornando mais fácil a percepção e audíveis alguns sons anteriormente inaudíveis, (2) filtra as tonalidades mais graves (de menor frequência), i.e., diminui a sua intensidade, anulando assim a máscara por fadiga e interferência [os ruídos cardíacos normais são graves, enquanto que os patológicos (os sopros) são mais agudos, sendo mais facilmente distinguíveis com um estetoscópio estes últimos], (3) permite melhor localização, pela menor superfície do colector (em comparação com a do pavilhão auricular), do que no caso de se encostar a orelha ao peito do indivíduo, em que é difícil localizar o som (até por se ter uma visualização deficiente da área), (4) permite a auscultação das regiões mais deprimidas, por ser possível a adaptação do colector, (5) é mais cómodo para o observador. Tipos de receptor Quanto aos tipos de receptor, vimos que tínhamos de formar uma câmara hermeticamente fechada. Temos então os receptores abertos e os receptores fechados, que têm, aqui (15), um diafragma semi-rígido. Quando os receptores são abertos temos que ter o cuidado de encostar muito bem os bordos do receptor à pele, fazer uma certa pressão sobre a pele mesmo, para que isto fique hermeticamente fechado; pelo contrário, nos receptores fechados a câmara já se encontra hermeticamente fechada pelo diafragma semi-rígido, e o receptor pode, portanto, não estar perfeitamente encostado, detectando-se ainda assim o som. Frequência Ambos os tipos de receptor se comportam como ressoadores, com frequência própria e acção reforçadora - a frequência da membrana, que no caso do receptor aberto é a pele, é proporcional à tensão e inversamente proporcional ao tamanho, à área (a tensão na pele tira-se por compressão); a acção reforçadora é proporcional à superfície de contacto e inversamente proporcional ao volume de ar encerrado(16). Estetoscópios Quanto aos tipos de estetoscópio, temos o monoauricular, aqui (17) dois exemplos, monoauricular com receptor aberto e monoauricluar articulado com receptor fechado (um disco semi-rígido), e o biauricular, que se vê aqui, com um tubo que forma um Y, estas extremidades colocam-se no início do canal auditivo externo, e aqui um diafragma semi-rígido, que se coloca no peito do indivíduo. Este estetoscópio biauricular possui dois tipos de receptor, um com diafragma semi-rígido, outro com receptor aberto, para se poder escolher o que se utiliza, conforme a situação. Monoauricular O receptor do monoauricular é constituído por um tubo de madeira ou metal, sendo preferível a madeira por se evitar assim o timbre metálico do som através do tubo de metal. O auricular tem 6 cm de diâmetro, é preferível a madeira, a melhor acção reforçadora é para um comprimento máximo de 15 cm e um diâmetro máximo de 10 mm. Está tudo estudadinho Os estetoscópios não são feitos ao acaso. Biauricular O biauricular tem o conector em Y, todas as borrachas do biauricular devem ser semi-rígidas e o sistema de tubos não deve exceder um L de 45 cm e um diâmetro de 4-6 mm. Diferencial Temos ainda um outro tipo de estetoscópio, que não é muito usado, que se designa diferencial, em que temos dois colectores e dois tubos, um mais comprido que o outro, de maneira que os dois sons chegam aos ouvidos sucessivamente (e não simultaneamente), sendo possível fazer uma comparação dos mesmos (20). Fonocardiografia Temos aqui (21) um esquema de uma fonocardiografia, em que se pretende obter um registo dos sons cardíacos: aqui um microfone, na região pré-cordial, um amplificador, que pode ser um estetoscópio, e depois um galvanómetro, que vai registar as vibrações num suporte, que podem ser rolos de papel (correntes). O fonocardiograma deve ser usado em simultâneo com o electrocardiograma para se saber a que fenómenos correspondem os sons. Tipos de fonocardiograma Temos os fonocardiagramas: (1) linear, que regista vibrações de baixa frequência que não são percebidas pelo ouvido humano, (2) estetoscópico, que inscreve vibrações de alta, média e baixa frequências, com atenuação das últimas, e (3) logarítmico, que regista vibrações correspondentes à zona de audição normal do homem. Fonocardiografia intracardíaca Na fonocardiografia intracardíaca, é introduzido nas cavidades cardíacas um fonocatéter que tem no extremo um cilindro oco de titanato de bário activado e registados dos ruídos cardíacos, captando-os mesmo dentro do coração. Os ruídos cardíacos Temos aqui (24) o ciclo cardíaco, a pressão ventricular e a pressão na aorta durante o ciclo cardíaco, e (1) o primeiro ruído cardíaco dá-se logo que começa a contracção do ventrículo, tem várias componentes, só duas são audíveis, as que correspondem ao encerramento da válvula mitral e da válvula tricúspide, (2) o segundo ruído cardíaco aparece já no início da diástole e corresponde ao encerramento da válvula aórtica e da válvula pulmonar, existindo igualmente algumas vibrações não audíveis, (3) o terceiro ruído cardíaco aparece no início do segundo terço do enchimento do ventrículo e, em geral, não é audível, e (4) o quarto ruído cardíaco aparece aquando da contracção auricular, quer dizer, logo depois da onda P do electrocardiograma, não sendo também, em geral, audível, obtendo-se apenas por meio da fonocardiografia. Considerando em mais pormenor os sons ou ruídos cardíacos (25-28): (1) tem 4 componentes: a primeira é um par de vibrações, que aparece antes do encerramento das válvulas auriculo-ventriculares e que foi atribuído ao estabelecimento de tensão nas paredes ventriculares logo quando o ventrículo começa a contrair, há quem lhe chame factor muscular, este som não é audível; as que são audíveis são as componentes 2 e 3, que correspondem, respectivamente?, ao encerramento das válvulas mitral e tricúspide, devendo-se o som à vibração das valvas (as valvas são os batentes das válvulas), à vibração do sangue, das paredes do coração e dos grandes vasos – portanto, não se “ouve” só o encerramento da válvula, mas depois também a sua vibração e as vibrações do sangue, do ventrículo e dos grandes vasos; tem-se ainda uma componente 4, não audível, que ocorre na altura da expulsão rápida e que se pensa ser devida à turbulência do sangue nas artérias aorta e pulmonar, mas não se sabe bem. (2) é, para alguns autores, constituído por 4 componentes das quais apenas a 2ª é audível, e consiste em vibrações amplas, que ocorrem no momento do encerramento das válvulas semilunares aórtica e pulmonar. (3) também não se sabe muito bem a que é devido, pensa-se que poderá indicar a oscilação do sangue de uma parede para a outra do ventrículo, quando este está a encher, e pensa-se que não aparece antes porque só aqui já existe suficiente tensão no ventrículo para se estabelecerem essas oscilações. (4) pensa-se que é devido à entrada do sangue que vem das aurículas no ventrículo. A mecânica destes processos é ainda mal conhecida, sendo de difícil estudo. Note-se no entanto que é o encerramento, e não a abertura das válvulas, que provoca ruído. Focos de auscultação Estes focos, que correspondem ao local onde se coloca o colector dos estetoscópios, não correspondem à localização das válvulas. Vêem-se na figura (29) o foco mitral, o foco tricúspide, os dois focos aórticos e o pulmonar. O foco mitral está no 4º espaço intercostal esquerdo e à altura da linha média clavicular (linha que passa pelo meio da clavícula), um dos focos aórticos está no 2º espaço intercostal direito, junto ao esterno, e o outro no 3º espaço intercostal esquerdo, também junto ao esterno, o foco pulmonar está no 2º espaço intercostal esquerdo, junto ao esterno, o foco tricúspide apanha a parte mais baixa do esterno (na base do apêndice xifóide) e vem também até aqui ao 5º espaço intercostal esquerdo, próximo do esterno. Zonas de auscultação Hoje em dia fala-se mais em zonas de auscultação, do que propriamente em focos de auscultação. Temos aqui (30) a zona do ventrículo esquerdo, na parte anterior do tórax, ventrículo esquerdo(1), ventrículo direito(2), aurícula direita(3), aorta(4), artéria pulmonar(5), e depois aqui a aorta descendente(6) e aqui a aurícula esquerda(7), na parte dorsal. (1) apanha o 4º e 5º espaços intercostais e vai desde 2 cm da linha média do tórax até à linha axilar anterior, (2) encontra-se aqui sobre a base do esterno e vai até 2 a 4 cm para o lado esquerdo do esterno e 2 cm para o lado direito do esterno, (3) vai desde 1 a 2 cm do esterno até mais um bocado adiante e apanha os 4º e 5º espaços intercostais, (4) a zona aórtica, vai desde o 3º espaço intercostal esquerdo, passa pela frente e por cima do esterno (pelo chamado manúbrio? do esterno) e apanha os 3º, 2º e 1º espaços intercostais direito, junto do esterno, (5) a zona pulmonar, vai desde o 3º espaço intercostal esquerdo, passa pelo 2º e depois pelo 1º, até à articulação da clavícula com o esterno, (6) a aorta descendente, encontra-se ao lado da coluna vertebral e apanha desde a 2ª até à 10ª vértebra dorsal e está a 2 ou 3 cm da linha média, (7) apanha mais a 9ª, 8ª e 7ª vértebras e vem até à linha axilar posterior. 2ª parte - Hemodinâmica das arteríolas e capilares A hemodinâmica das arteríolas e dos capilares é a mais simples de estudar porque, como eu vos disse, o fluxo sanguíneo pode considerar-se contínuo, constante e as paredes dos vasos podem considerar-se rígidas. E vamos ver o que se passa quando um fluxo contínuo tridimensional de um líquido newtoniano (com viscosidade constante) e incompressível passa através de um tubo cilíndrico de paredes rígidas, de comprimento grande L, comparado com o seu raio, entre cujas extremidades existe uma diferença de pressão, P1>P2. Do ponto de vista teórico, podemos considerar ou dividir o líquido em camadas cilíndricas co-axiais, umas em torno das outras. A camada de líquido que está junto à parede não se move, tem velocidade nula porque, é uma propriedade geral dos líquidos em contacto com os sólidos que, a camada de líquido em contacto com o sólido adere a ele, diz-se que “o líquido molha o sólido”; a camada de líquido imediatamente a seguir (abaixo) move-se, mas é travada por esta camada externa devido à viscosidade, de maneira que se move com uma velocidade pequena; a outra camada a seguir já se move com uma velocidade maior, porque a de cima está em movimento, e assim sucessivamente até ao eixo, onde a velocidade é máxima. Se traçarmos ao longo do diâmetro os vectores velocidade, as suas extremidades descrevem uma parábola, chamada perfil de velocidades. A velocidade média não fica a meio do raio, mas aqui a 0,7 do raio – considerando o raio igual a 1 (o que se faz muitas vezes, tomar o raio para unidade), fica precisamente a 0,7. A oposição que o tubo vai oferecer à passagem do líquido é a chamada, por analogia com a electricidade, resistência, K, que é igual à diferença de pressão entre os extremos sobre o débito: K = (P1 – P2) / Q [ R = V / I ] (4,1) e isto corresponde à Lei de Ohm da corrente contínua, se virem a equivalência entre electricidade e hidrodinâmica que eu lhes dei, sendo, segundo a Lei de Poiseuille(e esta fórmula é para saber de cor): K = 8L / r4, onde (4,1) = viscosidade L = comprimento do tubo r = raio do tubo Portanto, a resistência é proporcional à viscosidade, o que é evidente, e inversamente proporcional à quarta potência do raio – se contrairmos um “bocadinho de nada” os vasos, a resistência aumenta grandemente, e o contrário se dilatarmos os vasos, i.e., a resistência varia muito com o raio. A adição de resistências segue a leis de Kirchhoff da electricidade: (1) para resistências em série, o débito é o mesmo em toda a parte, temos uma queda de pressão de cada vez que há uma resistência e a resistência total é igual à soma de todas as resistências: Ktotal = K1 + K2 + … + Kn (4,2) (2) se tivermos resistências em paralelo, o débito aqui é a soma do débito aqui com o débito aqui... e o inverso da resistência total é igual à soma dos inversos de todas as resistências: 1/Ktotal = 1/K1 + 1/K2 + ... + 1/Kn (4,3) Temos aqui (fig. 4.5) o perfil de velocidades, no eixo a velocidade é maior, mas vimos, pelo Teorema de Bernoulli, que quando a velocidade era maior, a pressão era menor, na periferia a velocidade é menor, portanto a pressão é maior, o que quer dizer que existe um gradiente radial de pressão; e pensa-se que uma das razões por que os glóbulos vermelhos “caminham” no eixo do vaso é devido a esse gradiente de pressão, que os empurra para o eixo. Temos aqui (fig. 4.3) o perfil de velocidades num pequeno vaso, aqui a curva de energia dissipada e a tensão de cisalhamento aqui uma recta, varia assim (aqui vê-se mal): a tensão de cisalhamento é máxima junto à parede do vaso e mínima no eixo. 4.6. A validade da lei de Poiseuille Eu disse-vos que o cilindro tinha paredes rígidas – mas as artérias, as veias e as vénulas têm paredes elásticas, portanto a lei de Poiseuille não serve para nenhum destes vasos, mas apenas para as arteríolas e capilares. Depois, eu disse que o fluxo era contínuo – mas nas artérias este é pulsátil, portanto mais uma vez se excluem as artérias. Disse-vos ainda que o líquido era newtoniano – o sangue não é um líquido newtoniano, podendo sim considerar-se uma suspensão de glóbulos vermelhos em plasma e, aí é que só nas artérias, devido à dimensão do vaso comparativamente à dimensão dos glóbulos vermelhos, este poderia ser considerado como homogéneo. Eu disse-vos também que a camada de líquido junto à parede não se movia mas, nos vasos, esta camada de sangue move-se, a uma velocidade muito pequena, não se sabe porquê, mas move-se – talvez porque as paredes têm uma componente viscosa também, não são perfeitamente sólidas; além disso, disse-vos que o comprimento do vaso era grande comparado com o seu raio, e isto só acontece nos pequenos vasos, portanto a lei de Poiseuille é aplicada sobretudo, na forma que eu vos dei, às arteríolas e aos capilares, e mesmo assim só aproximadamente; podemos aplicá-la às artérias em determinadas condições que vamos ver a seguir. 8. Ondas de pulso Quando se dá a expulsão intermitente do coração para a aorta, a aorta enche e há uma onda de pressão e de débito que se vai propagar através das paredes de todas as artérias, muito mais rapidamente do que o sangue – quando o sangue percorreu apenas uma pequena parte do caminho e já a onda, chamada onda de pulso, chegou aos pés -, tem uma velocidade cerca de 10 vezes maior que a do sangue. A onda de pulso é detectável, por exemplo, medindo aqui no pulso a pressão. A velocidade das ondas de pulso depende do módulo de elasticidade das artérias e depende, portanto, da idade do indivíduo: em indivíduos mais idosos, as artérias são mais rígidas, a velocidade é maior. Aqui (fig. 4.15) é a aorta, e aqui a variação da velocidade das ondas de pulso na aorta com a idade, e aqui a velocidade na artéria pulmonar com a idade: com a idade a velocidade das ondas de pulso aumenta e aumenta também em caso de doença que provoque a diminuição a elasticidade do vaso. 10. Curva de pressão arterial E temos aqui (fig. 4.8) uma onda de pressão na raiz da aorta. Um ciclo cardíaco vai desde aqui até aqui (passagem de sístole para diástole). Chama-se pressão máxima ou sistólica ao valor máximo da pressão num ciclo cardíaco, que ocorre durante a sístole, e chama-se pressão mínima ou diastólica ao valor mínimo da pressão durante o ciclo cardíaco, que aparece no final da diástole. Chama-se pressão de pulso ou diferencial à diferença entre as pressões máxima e mínima. Estas p max e min são as tensões máxima e mínima de Bernoulli (e definem-se a partir destas). Considera-se para a pressão e para o débito, conforme o que interessa, os seus valores instantâneos, e os valores médios durante o ciclo cardíaco. Ora o valor médio da pressão durante o ciclo cardíaco é dado empiricamente pela fórmula, que têm que saber: Pa = Pd + 1/3 (Ps - Pd), onde Pa = pressão arterial média Pd = pressão diastólica Ps = pressão sistólica [ (Ps - Pd) = pressão de pulso] 11. Curvas de débito. Variação ao longo do aparelho circulatório Nas artérias temos grandes oscilações de pressão, uma pressão média muito alta, de cerca de 100 mm Hg, mas aqui nas arteríolas, devido ao facto de oferecerem uma grande resistência à passagem do sangue (e por isso se chamam vasos de resistência), resistência esta (“que ainda por cima é”) variável, já que o músculo contrai e relaxa, verifica-se uma grande quebra de pressão dentro das arteríolas – além disso, o fluxo deixa de ser pulsátil e passa a contínuo. Depois, nos capilares, a pressão já é muito baixa e, além disso, vai descendo entre os capilares arteriais e venosos, devido à dissipação de energia e à viscosidade, e entre estes últimos e as vénulas, destas para as veias, até que a pressão média na aurícula direita é praticamente nula, cerca de 4 mm Hg. Aqui, na circulação pulmonar, as pressões são muito mais baixas, e as oscilações de pressão nas arteríolas são consideráveis quando comparadas com as das artérias. Agora vamos ver curvas de débito: aqui temos a aorta; a sístole até aqui, aqui a diástole, a artéria pulmonar, sístole e diástole; vêem que aqui as variações de débito são muito grandes, vai de 0 a 150, e depois na diástole o débito é quase nulo, e no início da diástole o débito é negativo – é quando o sangue anda para trás para empurrar, há um refluxo de sangue que empurra os batentes da válvula aórtica e da válvula pulmonar; artéria renal, aqui as oscilações são muito menores já, aqui vai de 0 a 5. A artéria femural também tem oscilações pequenas de débito e o débito anda para trás aqui. Agora uma arteríola, as oscilações são ainda mais pequenas, aqui vai de 2 a cerca de 3, e portanto o débito pode considerar-se constante. Veia cava inferior: tem oscilações importantes de débito junto ao coração, porque o sangue é sugado pelo ventrículo, o sangue da aurícula direita e da veia cava inferior (isto também devido à repercussão do ciclo cardíaco), e aqui numa veia pulmonar, temos oscilações muito menores. 12. Modelo de Windkessel Há um modelo, designado modelo de Windkessel, que exprime a maneira como se passe de fluxo pulsátil nas artérias para fluxo contínuo nas arteríolas, capilares e por aí fora. Considerem então que tudo isto são as artérias, e isto são as arteríolas. As artérias são elásticas, de maneira que quando o ventrículo expulsa o sangue, a válvula aqui aberta, há um fluxo de para ali que dilata as artérias e há fluxo de sangue que vem para as arteríolas; quando, na diástole, esta válvula está fechada, as paredes, que estavam muito expandidas, retraem-se e volta a haver fluxo de sangue nas arteríolas, de maneira que o fluxo nas arteríolas é mais ou menos constante. 13. Perfis de velocidade na artéria femural Aqui (fig. 4.11) têm perfis de velocidades na artéria femural do cão. Para um ciclo cardíaco, vêem que o perfil de velocidades varia muito (há aqui ponto em que o sangue anda para trás). Nas artérias a dinâmica é muito mais complicada. 14. Perfil de velocidade em fluxo turbulento Aqui (fig. 4.12) temos fluxo turbulento, na aorta descendente do cão; no fluxo turbulento há aqui uma parte achatada, onde se encontram as turbulências e, nesta parte, junto à parede do vaso, o gradiente de velocidade é muito grande, o que quer dizer que a tensão de cisalhamento toma valores muito grandes: pela lei de Newton, a tensão de cisalhamento é proporcional ao gradiente de velocidade. Além disso, a tensão de cisalhamento varia muito durante um ciclo cardíaco, junto à parede. Pensase que são estes fenómenos as duas principais causas da formação da aterosclerose; também aparece aterosclerose quando a tensão de cisalhamento é demasiado pequena ou nula, ou seja, quando há estagnação do sangue, por qualquer razão, junto à parede. Pensa-se que as grandes tensões de cisalhamento deformam o endotélio e aumentam a sua permeabilidade ao colesterol, de maneira que o colesterol passa do sangue para a parede, tudo isto não se sabe ainda bem, e pensa-se que quando a tensão de cisalhamento é nula passa-se o contrário: o endotélio é muito pouco permeável para a passagem de colesterol da parede para o sangue. 15. Aplicabilidade da Lei de Poiseuille Sendo a pressão média e o débito constantes, é como se estivéssemos a trabalhar com um fluxo contínuo – então a lei de Poiseuille é válida para a pressão arterial média e débito arterial médio. 16. Regulação da pressão arterial em situações de hipertensão Já vos disse que as arteríolas introduzem aqui um gradiente de pressão a pressão nas artérias é alta e nos capilares é baixa. Existem duas causas principais para a hipertensão: ou as propriedades elásticas das artérias estão más, ou as arteríolas estão contraídas demais, e há aqui um grande gradiente de pressão, as arteríolas não deixam passar o sangue, que se acumula aqui, nas artérias e, portanto, a pressão é altíssima. Ora, se a pressão aqui é muito alta, vai provocar a arteriosclerose e a aterosclerose (que também é causada pela hipertensão, também dilata o endotélio e torna-o mais permeável). Então, se passamos arteriosclerose e aterosclerose, a pressão ainda sobe mais e entramos num ciclo vicioso – muitas doenças graves estabelecem-se assim, por ciclos viciosos. E então o que é que o médico tem que fazer? O médico, em geral, dá um medicamento que seja relaxante do músculo liso das arteríolas (portanto dilata um pouco as arteríolas), e pela lei de Poiseuille este gradiente de pressão diminui muito e imediatamente; aqui a pressão sobe um bocadinho mas sobretudo a pressão aqui desce muito e é assim que normaliza a pressão arterial do doente. 17. Reflexão das ondas de pulso Agora, as ondas de pulso, quando encontram obstáculos, como sejam as bifurcações de vasos, parte transmite-se e parte reflecte-se e volta para trás. Ora, portanto, temos aqui (fig. 4.13) a aorta, e aqui a bifurcação das artérias femurais, que é o principal ponto de reflexão das ondas de pulso na aorta: o sangue chega aqui e parte volta para trás e parte da onda de pressão volta para trás também. E a pressão neste ponto é a soma da onda incidente aqui com a onda reflectida até aqui, e neste outro ponto é soma da onda incidente até aqui com a reflectida até aqui, i.e., os caminhos percorridos não são os mesmos, portanto as ondas (tanto a incidente como a reflectida), e logo as suas somas, são diferentes. Portanto, a onda de pressão e de débito é diferente de ponto para ponto da aorta. Têm aqui (fig. 4.14) como a coisa se passa: as ondas incidentes de pressão e de débito, que são iguais, a onda reflectida de pressão e a onda reflectida de débito, que é negativa porque representa o sangue a andar para trás. Agora, quando se soma a onda reflectida de pressão a esta, fica-se com uma onda de pressão aqui muito maior, quando se soma a onda reflectida de débito à onda incidente de débito tem-se a onda de débito final. Observe-se agora que, nos velhos, em que a velocidade das ondas de pulso é muito maior do que nos jovens, a onda via até à bifurcação e volta muito mais rapidamente, de maneira que chega à raiz da aorta durante a sístole, e soma-se à outra e, portanto, ficamos com um valor muito elevado da pressão sistólica e um valor muito elevado também da pressão de pulso (a diastólica também fica muito baixa) – os velhos têm normalmente uma sistólica muito elevada e uma diastólica baixa, e isso é sinal de que as propriedades elásticas das paredes estão mal. Nos jovens, a onda leva muito mais tempo, e quando volta encontra a incidente na diástole, de maneira que ficamos com uma pressão de pulso muito baixa. Nos indivíduos de meia-idade temos o meio termo, uma pressão intermédia entre estas duas situações. Portanto, têm aqui (fig. 4.17) a variação com a idade: tanto a sistólica, como a diastólica, como a média, como a pressão de pulso, aumentam com a idade. 18. Variações ao longo da árvore arterial As ondas de pulso modificam-se ao longo da árvore arterial devido a 3 fenómenos: reflexão, que acabámos de estudar, dispersão, que lhes explico depois, e atenuação. A reflexão é devida sobretudo a diferenças de expansibilidade de uns vasos para os outros, e quanto mais rígidas forem as artérias, maior é a reflexão. A dispersão e a atenuação são devidas à viscosidade do sangue e das paredes dos vasos; a atenuação é uma dissipação de energia devida à viscosidade. Temos aqui (fig. 4.18) as ondas de pressão e de débito desde a aorta ascendente até às artérias periféricas: vêem que aqui encontram-se sobretudo grandes artérias muito elásticas, muito pouco viscosas, dá-se sobretudo reflexão - o fenómeno que vai modificar a forma da onda é a reflexão e, a máxima vai aumentando sempre e a mínima vai baixando sempre até que depois entramos nas artérias viscosas e então dá-se uma atenuação do impulso e, chegamos a uma pressão contínua. Quanto ao débito: quando há reflexão, o sangue volta para trás, de maneira que diminui o débito – portanto, o débito, o máximo vai diminuindo, o mínimo (representa o sangue a andar para trás) vai subindo, até que a partir de certa altura, temos que o sangue anda só para a frente, e depois chegámos ao fluxo contínuo. Além disso, há um atraso da onda de pulso ao longo destas artérias. 20. Dispersão A dispersão: temos aqui (fig. 4.20) a onda de pressão, periódica e contínua, que vos disse que se podia decompôr em série de Fourier, i.e., na soma de uma constante, que é a pressão média, com uma série de ondas sinusoidais com frequência múltipla da frequência desta onda original; se as artérias fossem só elásticas, este grupo de ondas sinusoidais, cuja velocidade depende da elasticidade das artérias, propagava-se todo ao mesmo tempo, mas como pelo contrário, são viscosas também, a velocidade de propagação de cada uma destas ondas vai depender da sua frequência e portanto umas vão mais depressa outras mais devagar e a onda dispersa-se, a soma fica mais achatada e mais larga – este efeito é pequeno mas existe. 21. Atenuação O fenómeno de atenuação, quer dizer a dissipação da energia: chama-se transmissão por 10 cm de vaso à fracção da onda incidente que é transmitida depois de passar-se esses 10 cm de vaso, quer dizer, é a razão entre a amplitude da onda distal e inicial; se as artérias fossem apenas elásticas, a transmissão com a frequência das harmónicas variava assim, mas como as artérias são viscoelásticas, têm uma parte viscosa, a transmissão vai diminuir muito quando a frequência da harmónica aumenta e, portanto, há harmónicas que vão desaparecer mesmo, são completamente atenuadas e a forma da onda modifica-se muito por esta razão também. Temos aqui a aorta ascendente, vêem oscilações de grande frequência e, aqui, na artéria ilíaca, já não há praticamente oscilações de grande frequência, isto já é liso, só há oscilações da baixa frequência. 3ª Parte – Perfusão de Órgãos Ora, quanto a equações nas artérias, torna-se complicado. Houve um grupo de cientistas, Navier e Stokes, que estabeleceram as equações de velocidade do sangue para um fluxo pulsátil num tubo rígido e é nem mais nem menos do que isto Eu não vos exijo que saibam esta equação de cor, mas notem apenas que é muito mais complicado: o U é a velocidade do sangue na direcção do eixo, o r é o raio fraccionário, i.e., considerando o raio do vaso igual a 1, r dá o ponto na coordenada radial se quiserem, z é o comprimento do vaso, P a pressão média, =/ a viscosidade cinemática (viscosidade / massa específica), sobre dt, isto mesmo com as paredes rígidas, já é muito complicado. Mais complicado ainda, temos a equação de Womersley, que estudou, para um tubo com paredes elásticas, com um gradiente de pressão sinusoidal, portanto cuja parte real variava assim, o débito: Isto aqui é o raio do vaso, viscosidade , M é a amplitude da pressão, é o chamado número de Womersley, que é igual a r ( / ), em que =2 / F, 2 é o número de Stokes, M’/2 é dado em tabelas, t é a diferença de fase inicial entre a pressão e o débito e é a diferença de fase entre as forças de propulsão e de inércia. Ora, como vêem, isto mesmo só com uma onda sinusoidal é já de uma complicação extrema. Agora, quando se dá a perfusão de órgãos, estes têm uma certa expansibilidade, de maneira que, entre a entrada e a saída do órgão há um P mas, o débito não é proporcional a P mas a Pn, podendo n ser maior ou menor que 1. Por exemplo, aqui temos o rim, o pulmão e o caso da linearidade. No pulmão o n é maior que 1, quer dizer quando o gradiente de pressão aumenta um bocadinho, o débito aumenta muito, não aumenta linearmente; no rim, o contrário, quanto maior for a pressão, mais urina se forma, portanto perde-se plasma, perde-se sangue, e assim o débito diminui quando a pressão aumenta, diminui em relação à recta, claro. FIM