Fazemos e percebemos ritmo musical posicionalmente, não duracionalmente. Contribuição de Marcos Moraes para discussões preliminares na constituição do Grupo de Estudos Música e Linguística & sistemas Dinâmicos a ser implementado no Simpósio 2010 da Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais. Textos de outros 3 componentes do grupo apresentam área de saber e investigação chamada Sistemas Dinâmicos e formula a questão: Seria a música um SD? Em ** tem início texto de Moraes, M. Uma tal visão microscópica questiona a definição do ritmo com base na quantidade, ou seja, na duração intrínseca de um som e defende que a expectativa rítmica relaciona-se ao quando uma batida ocorre e não o quanto dura o som faseado a esta batida. **Neste ponto, cabe, preventivamente, lembrar que, nessa visão, duração jamais é excluída do sistema Música, considerada válida a equivalência entre ser e durar. O que é perdura e o que perdura é. Não importa o quanto algo perdura. O que aparece para alguém ou para algo, já, irreversivelmente, perdurou. No entanto – à Heidegger, M. 1927; Loparic, Z., 2001; Moraes, M. 2003 – subverteremos o senso comum ao admitir que o aparecer ainda é incompleto como condição de ser. O evento ou horizonte chamado desaparecimento é que é o constitutivo Primeiro de ser; é onticamente ‘anterior’ ao aparecer. Aquilo que chamamos duração é um derivado, não um primitivo (Bachelard, G. 1933; Piaget, J. 1964), e se institui como produto da tensão ou tensividade entre o desaparecer e o aparecer. Assumida a equivalência duração-tempo, Tempo é - não progenitor - mas rebento dessa tensão. Uma breve incursão na etimologia nos permitirá colocar sob suspeita a diferença, mais evidenciada numa língua como o inglês, entre uma suposta ‘grandeza natural’, i.e., time e uma abstração ou representação, i.e., tense. Aparecimento vem a ser a batida a que nos referimos acima. Mas devemos estar atentos para a ambivalência – na língua inglesa – do termo “beat”, que ora se refere a um ponto de tempo, ora a uma presumida “unidade” linear e quantitativa de tempo, lamentavelmente chamada de unidade de tempo nos manuais de alfabetização musical de língua portuguesa, Aí estão as condições originárias – ou o ‘cenário dinâmico’ – do aparecimento de um som musical. A teoria musical (chamada em outro lugar de musicoteoria) verá aí a métrica musical, uma abstrata régua sobre a qual desfilam os personagens sonoros físicos – ao passo que consideraremos aqui o termo “cenário” da mesma maneira que o diretor-dramaturgo ou o cineasta, que sabem que cenário é tão personagem quanto os atores. Dissemos “som musical”, donde pensaríamos, por ‘default’, numa melodia. Mas devemos ‘recuar’ para aquilo que, já sendo música, prescinde do próprio som, i.e., um tamborilar (um cantarolar mais primevo) prenhe de sintaxe e semântica - que poderá ser totalmente surdo, mas já trazido à existência em e por nosso corpo, um corpo que é por definição “dançante” (Arbeau, T. 1589). – mesmo quando em macro-perspectiva se mostra imóvel. O corpo não sabe não dançar Fazer uma melodia exige que a mente se permita constatar-se corpo. Agora, isto (id ) – antes duplo, agora uno – inexoravelmente estará dançando. Eis aí o espaço – esse que chamamos de tempo – propenso, apropriado e ‘possuído’ para as coreografias, falas e danças da música. Esse espaço é – até onde possa ir a análise – puntiforme. Eis aí a pulsação apropriada para e pela música. Cada ponto desse espaço tem um diferente ‘sabor’, um diferente significado rítmico-musical. Como ‘teclas, serão umas tocadas, outras não, conforme o que se vai fazer ritmicamente. Aí se dá o proferir o discurso ritmico-musical (Langer, S. K. 1953). Uma instância Sujeito deve agora fazer uso do Verbo. Um verbo inaugural, criador de algo que, uma vez iniciado, simplesmente continua. Trata-se de um verbo incoativo. No entanto, não sendo do universo verbal, tal verbo (que só teria ‘tense’) será aqui chamado de gesto, no qual ‘tense’ e ‘time’ são aspectos de uma mesma coisa, conforme nossa suspeita mais acima.. Chega-se assim à expressão gesto incoativo. Assim, o ser “som musical” passa a ser por obra de um gesto incoativo. Entender ritmicamente esse som é conhecer a data pontual de seu nascimento. Não é necessário que esperemos pelo seu desaparecimento - para computarmos sua duração! Ao assim compreendê-lo, já também restringimos o universo das notas musicais, retendo as mais prováveis para aquele específico ponto do ‘espaço rítmico’. O término desse som, por ser uma necessidade categórica, seguramente irá ocorrer - sem que um gesto “terminativo” sobrevenha. Marcos Moraes – 11, fevereiro, 2010. Referências Arbeau, T. (1589). Orquesografie et Traicte en forme de dialogue, par lequel toutes personnes peuvent facilement apprendre & Practiquer l’honneste exercice des dances. Versão inglesa: Orchesography – Dover,1967. Bachelard, G. (1933). A Dialética da Duração. São Paulo, Ática, 1968. Heidegger, M. (1927). Ser e Tempo, Vols. I e II. Editora Vozes, 2000. Langer, S.K. (1953). Sentimento e Forma. Perspectiva, 1980. Loparic, Z. (2001). “Além do inconsciente: sobre a desconstrução heideggeriana da psicanálise”, Natureza Humana, v. 3, n. 1, pp. 91-140. Moraes, M. (2003). Musicalidade Métrico-Tonal. Tese, doutoramento, PUC/SP – http://recantodasletras.uol.com.br/autores/marcosmoraiz Piaget, J. (1964). A Noção do Tempo na Criança. Record