Descoberta, Observação, Interpretação e Educação (Geo)Ambiental: Um Exemplo de Geologia "Urbana" no Santa Cruz Shopping, Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais Sebastião de Oliveira Menezes1 Resumo: O artigo analisa a realização de percursos urbanos de descoberta e observação de aspectos geológicos. Ao privilegiar uma abordagem geológica de questões de interpretação (geo)ambiental os percursos urbanos constituem um importante instrumento de aquisição de conhecimentos e de atitudes relacionados com questões ambientais. A utilização destes percursos permite uma participação mais consciente e empenhada da população na construção da qualidade do ambiente. O percurso do Santa Cruz Shopping, particularmente propício para este tipo de atividade, é aqui apresentado. Palavras chave: Geologia – Educação (Geo)Ambiental – Pesquisa Escolar Abstract: This paper analyzes the creation of urban geological circuits with the purpose of discovering and observing geological aspects. The geological approach to environmental education and conservation subjects is demonstrated to be an important instrument for population perception. To make use of this urban circuits, leads to an active participation of the population in the construction of the quality of the environment. The Santa Cruz Shopping circuit, specially favourable for this activity, is introduced here. Key words: Geology – (Geo)Environmental Education – School Research 1 Professor do Departamento de Geociências, ICHL/UFJF. E-mail <[email protected]> INTRODUÇÃO A cidade de Juiz de Fora cresceu, ao longo de sua história, a expensas de materiais geológicos extraídos das pedreiras, das saibreiras e dos areais dos rios Paraibuna e dos Peixes, principalmente. Juntamente com a pedra, o saibro e a areia para construção, foram trazidos para a cidade rochas ("mármores e granitos") usadas como materiais de calçamentos e meio-fios; revestimentos internos e externos; pavimentação (pisos); arte fúnebre e religiosa; peças de mobiliário; pias, lavabos, cantoneiras, soleiras etc. As rochas, literalmente, arrancadas do seu contexto geológico original e aprisionadas nas estruturas urbanas de Juiz de Fora, afloram agora à superfície dos monumentos, dos edifícios, nas calçadas, nos pisos dos shoppings e das galerias da cidade, materializando-se perante os nossos olhos - são a Geologia integrada na cidade. As funções destas rochas é embelezar e conferir solidez e nobreza às construções. Além disso, respondem pela proteção das estruturas e dos substratos contra agentes degradadores naturais, domésticos e industriais. A utilização desses "afloramentos artificiais" como elementos pedagógicos, integrados em processos de interpretação e educação ambiental, permitem às gerações urbanas, sem se deslocar de seu ambiente peculiar - a cidade - observar e interpretar uma realidade material exterior a ela. A descoberta desta realidade permite-lhe apreciar as relações de interdependência entre o homem e a natureza e, deste modo, levá-lo a adquirir conhecimentos e atitudes relacionados com questões ambientais que o conduzam a uma participação consciente na construção da qualidade do ambiente. Os elementos geológicos destacados em percursos urbanos são úteis e interessantes do ponto de vista cultural e/ou turístico. As rochas presentes nas estruturas urbanas podem servir de elo com seus locais de origem e na interpretação de seus processos de formação. 1. GEOLOGIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL A geologia é uma ciência de campo muito vasto. Ela é a ciência que estuda a Terra em todos os seus aspectos. As formas de relevo, as rochas, os solos, os rios, os climas, a vegetação e a fauna dos tempos geológicos passados são objetos de estudo da geologia. Eles constituem elementos do meio físico ou meio natural ou meio ambiente. A educação ambiental busca despertar a preocupação dos indivíduos e comunidades para as questões ambientais, fornecendo informações e contribuindo para o desenvolvimento de uma consciência crítica, estimulando hábitos e atitudes que levem em conta as inter-relações homem-ambiente. Toda geologia é de ambiente. Tem-se notado, nos tempos atuais, um tremendo incremento da consciência pública acerca do ambiente, da ecologia e dos efeitos da poluição. Cabe, então, afirmar que a introdução da abordagem geológica em questões de conservação e educação ambiental permitiria compreender e enquadrar corretamente o caráter mutável do ambiente e a entender a sua conservação como um processo dinâmico que visa proteger a natureza no seu conjunto. 2. GEOLOGIA URBANA NO PERCURSO SANTA CRUZ SHOPPING O trajeto proposto não é o único possível. Várias opções, para organização de trajetos semelhantes, existem em Juiz de Fora. Entretanto, o escolhido é particularmente propício para o tipo de atividade aqui apresentada. Ele se desenvolve dentro de um shopping, que funciona numa antiga fábrica, sendo seus três pisos de rochas variadas, o que permite observar os diversos tipos de materiais naturais empregados. A edificação que abriga o shopping center foi construída por volta de 1910 para ser a fábrica de tecidos e malhas Santa Cruz, tendo sido utilizado com esta finalidade até 1980. Na década de 1990, a edificação foi restaurada preservando todos os aspectos construtivos dos remanescentes da construção original. Trata-se de edificação, em três pavimentos, tendo implantação tradicional sobre o alinhamento do passeio e uma bela fachada com características típicas do ecletismo dominante no início do século XX. Esta edificação foi tombada em 1999. Os possíveis pontos de interesse, justificando uma parada mais demorada para descoberta e observação de aspectos geológicos, bem como para discussão de temas gerais com eles relacionados, estão assinalados na figura 1 a 4, estando os pontos selecionados, as referências, os aspectos a ver e temas a abordar mostrados no Quadro I. O percurso sugerido não é rígido, assim como não o são os temas abordados ou a sua seqüência, podendo e devendo, dentro da temática geral e dos objetivos propostos adaptar-se aos interesses, à faixa etária e/ou ao nível de escolaridade de cada grupo de participantes. Para o público escolar, do ensino Fundamental e Médio, por exemplo, a Geologia Urbana poderá ser transformada num percurso de descoberta de rochas e de minerais, bem como de aspectos geológicos mediante a utilização de fichas e sugestões de trabalho por professores, em articulação com os conteúdos de disciplinas afins. 3. ROTEIRO GEOLÓGICO DO SHOPPING SANTA CRUZ No estudo da geologia as rochas são classificadas, quanto à origem, em ígneas ou magmáticas, sedimentares e metamórficas. Elas representam agregados naturais de dois ou mais minerais podendo existir rochas constituídas somente de um mineral. Rochas são, então, as muitas substâncias da Terra. Corpos isolados de rochas comumente constituem centenas de milhares de quilômetros cúbicos do volume da Terra. Mesmo assim, elas diferem muito, de um lugar para outro, por causa dos diferentes processos pelos quais são formadas. As rochas ígneas são formadas pela solidificação de massas de material rochoso em fusão, vindas de regiões profundas da Terra, e que se solidificam no interior da crosta terrestre (rochas ígneas intrusivas) ou depois de se derramarem em superfície (rochas ígneas extrusivas). As rochas sedimentares resultam da precipitação de matéria mineral dissolvida, da deposição de fragmentos (detritos) de outras rochas ou do acúmulo de detritos orgânicos. As rochas metamórficas são formadas em profundidade dentro da crosta terrestre, sob grande calor e pressão, pela alteração de quaisquer rochas ígneas ou sedimentares, isto é, são rochas que sofrem mudança química ou física, posteriormente a sua formação. No roteiro do Shopping Santa Cruz iremos observar rochas destas três origens que foram usadas nas calçadas, pisos, soleiras, cantoneiras, revestimentos internos e externos. Os pontos selecionados estão resumidos no Quadro I e seus locais no Shopping, nas figuras 1 a 4. A figura 1 é o mapa de localização do Shopping Santa Cruz onde está assinalado o ponto de encontro do grupo. Ele foi estabelecido ser junto ao busto em homenagem a Mariano Procópio, no Largo do Riachuelo. A figura 2 é a planta simplificada do 1o pavimento (térreo) do Shopping. Nela estão marcados o trajeto sugerido e os pontos de interesse do roteiro. A figura 3 é a planta do 2o pavimento e a figura 4, do 3o pavimento. Em ambas, estão marcados os pontos de interesse geológico do roteiro. Figura 1 Local de encontro em frente ao Santa Cruz Shopping. Figura 2 Primeiro piso do Santa Cruz Shopping. Figura 3 Segundo piso do Santa Cruz Shopping Figura 4 Terceiro piso do Santa Cruz Shopping Figura 5 Mármore (calcário cristalino) do piso do Santa Cruz Shopping com estromatólitos com laminações convexas. Estromatólito é uma estrutura biossedimentar formada através de atividades microbianas nos ambientes aquáticos; uma das mais antigas evidências macroscópicas da vida na Terra. Quadro I : Pontos de selecionados Roteiro Geológico do Santa Cruz Shopping Pontos 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 Referência: Aspectos a ver e temas a abordar Largo do Riachuelo. Ponto de encontro. Início do trajeto Rua Jarbas Levy Santos, próximo ao Calçada em pedra: Granito e no 1727 Xenólito Rua Jarbas Levy dos Santos 1717. Calcário travertino (revestimento Entrada do Shopping externo); Granodiorito - granito verde (revestimento externo e interno) o Galeria do Shopping – 1 pavimento Mármore (piso) com Estromatólito Parede atrás da escada Leptito ou Gnaisse leptinítico; quartzito verde. Recanto das Pedras Leptito Entrada da Rua São Sebastião Granodiorito - granito verde Praça Memorial Gnaisse e Ardósia Praça Mármore branco e com estromatólito Acesso ao 2o pavimento pela escada Final da Escada - 2o pavimento Gnaisse com granada; Granito cinza Escada rolante - Acesso ao 3o Gnaisse; Granito fino pavimento Escada rolante 3o pavimento Gnaisse; Granito o Galeria do 3 pavimento Gnaisse; Granada Escada - Descer para o 2o pavimento Próximo ao elevador Gnaisse (alteração amarelada) Hall da escada rolante Granito cinza; Fenocristais Praça da Alimentação Granito cinza; Granito rosa e Fenocristais. Anexo Glossário ARDÓSIA. Rocha metamórfica compacta formada a partir do metamorfismo de depósitos sedimentares finamente granulados, tais como folhelhos, lama e cinzas vulcânicas. As ardósias possuem uma propriedade de ser facilmente físsil ao longo dos planos de deposição, indistinguíveis uns dos outros. CALCÁRIO. Rocha sedimentar formada essencialmente de calcita - CaCO3 (carbonato de cálcio). Os calcários podem ser de origem orgânica ou depósitos de precipitação química. ESTROMATÓLITO. Estrutura biossedimentar formada através de atividades microbianas (cianobactérias, algas, fungos) nos ambientes aquáticos. Estromatólitos são considerados as mais antigas evidências macroscópicas da vida na Terra, e são encontrados em todos os continentes, principalmente em rochas precambrianas (3,8 a0,55 b.a.). FENOCRISTAL. Nome dado aos cristais grandes envolvidos por cristais menores numa rocha ígnea ou magmática. GNAISSE. Designação atribuída a um grupo de rochas metamórficas comuns, nitidamente cristalinas, originadas por metamorfismo regional, de textura orientada, granular, caracterizada pela presença de feldspatos, além de outros minerais como quartzo, micas (biotita e moscovita), granada, anfibólio etc. GRANADA. Nome de um grupo de minerais, silicatos, de propriedades semelhantes, mas de composição química diferente. Mineral comum em rochas metamórficas, geralmente, na cor vermelha. GRANITO. Designação aplicada genericamente a todas as rochas ígneas plutônicas, faneríticas, ricas em quartzo (rochas ácidas), leucocráticas, essencialmente constituídas de quartzo, feldspatos (ortoclásio, microclina e plagioclásio), micas (biotita e moscovita). GRANODIORITO. Rocha ígnea intrusiva, holocristalina, fanerítica, contendo feldspato potásico, plagioclásio sódico, quartzo, biotita e/ou hornblenda. LEPTITO. Nome dado a um gnaisse finamente granulado resultante do metamorfismo regional de rochas félsicas. MÁRMORE. Rocha metamórfica consistindo predominantemente de calcita - CaCO3, de calcita e dolomita - CaMg(CO3)2, ou só de dolomita, resultante do metamorfismo das rochas sedimentares calcário e /ou dolomito. Impurezas presentes nas rochas sedimentares são transformadas em silicatos de cálcio, de magnésio ou de cálcio mais magnésio durante a transformação matamórfica. TRAVERTINO. Rocha sedimentar (calcário) de cor castanha, alaranjada ou avermelhada, formada pela precipitação resultante da evaporação de fontes, fontes quentes e águas subterrâneas, usualmente em camadas finamente bandeadas e onduladas, às vezes, localemente, com fibras radiais grosseiras de calcita. XENÓLITO ou ENCRAVE. Nome dado ao fragmento de rocha preexistente, incluso numa rocha magmática. Seus contornos destacam-se nitidamente dentro da rocha que os contém. BIBLIOGRAFIA BÁSICA AZAMBUJA, J. de C. (1977). Perfil analítico dos mármores e granitos. DNPM-Brasil. Boletim n. 38, vol. I e II. São Paulo. BIGARELLA, J. J. et al. (1985). Rochas do Brasil. Livros Técn. Cient. Editores/ADEA. 310 p. Rio de Janeiro. BRASIL. Departamento Nacional da Produção Mineral (1991). Principais Depósitos Minerais do Brasil - Gemas e Rochas Ornamentais. DNPM/CPRM. Vol. IV, Parte A. 461 p. Brasília. DARDENNE, M. A. & CAMPOS NETO, M. da C. (1975). Estromatólitos colunares na série Minas (MG). Revista Brasileira de Geociências, 5(2):99-105. São Paulo. LEINZ, V. & LEONARDOS, O. H. (1971) Glossário geológico. Nacional. 226 p. São Paulo. MENEZES, S.O. (2007) Estudo dos principais minerais comuns e de importância econômica. Edição do Autor. 172 p. Juiz de Fora. MENEZES, S.O. (2007) Estudo das rochas por exame macroscópico. Cd-rom. Edição do Autor. Juiz de Fora. SCHUMANN, W. (1989) Rochas e minerais. Traduzido por R. R. Franco & M. Del Rey. Livro Técnico. 223 p. Rio de Janeiro. SRIVASTAVA, N. (2000) Estromatólitos. In: Paleontologia, I. de S. Carvalho - Editor. Interciência. P. 119-136. Rio de Janeiro.