Mecânica celular: do câncer à fisiologia sob gravidade alterada Marcelo Lobato Martins Departamento de Física Universidade Federal de Viçosa O campus da UFV Edifício Arthur Bernardes Departamento de Física Biblioteca central O grupo de Física Biológica no DPF/UFV: Professores: Marcelo Lobato Martins Silvio da Costa Ferreira Junior Colaboradores: Marcelo José Vilela – DBA/UFV (Patologia) Og Francisco Fonseca de Souza – DBA/UFV (Insetos Sociais) Flávia Maria do Carmo – DBG/UFV (Fitossociologia) Hallan Souza e Silva – DF/UFPE (Física) Sidiney Geraldo Alves – DF/UFMG (Pós-doutorado Física) Estudantes de Pós-Graduação Letícia Ribeiro Paiva – (Doutorado Física) Júlio César Mansur Filho – (Mestrado Física) Sumário 1- Simplicidade Complexidade 2- Agregação de células normais e malígnas em cultura 2.1- Cultura de células 2.2- Experimentos 2.3- Resultados 3- Mecânica celular: aspectos básicos 3.1- A membrana e o citoesqueleto celular 3.2- Migração celular e atividade de membrana 3.3- O efeito da gravidade alterada sobre as células 3.4- Ruffles de membrana sob diferentes orientações gravitacionais 4- Biologia básica do câncer 4.1- A origem monoclonal 4.2- Seleção clonal na transformação neoplásica 4.3- Modelos multiescala para o crescimento do câncer 5- Conclusões e perspectivas 1. Simplicidade x Complexidade vírus (10-9 m) células (10-6 m) indivíduos (1m) A visão da física: Padrões complexos podem emergir de regras dinâmicas simples Estado inicial Regra de evolução simples iteração repetida Padrão complexo Ex: regra Booleana it1i-1t XOR i+1t Estado inicial: História no tempo: x espaço 1 tempo 2 3 4 5 6 7 8 0 0 1 t tempo t+1 t 1 2 3 Regra de evolução: tempo t 1 9 t+1 2 3 4 5 6 7 8 9 Surpresa? Aquilo que pode ser pensado de maneira não contraditória deve existir em algum lugar de um Universo ilimitado. Moral da história: 1- A origem de padrões complexos na natureza é um problema dinâmico; 2- No regime não linear mesmo sistemas físicos muito simples são capazes de exibir comportamentos complexos; 2- Agregação de células em cultura 2.1- Cultura de células Protocolo básico: Surperfície de cultura: vidro ou plásticos especialmente tratados e negativamente carregados. Meio de cultura: Nove amino-ácidos essenciais (histidina, isoleucina, leucina, lisina, metionina, fenilalanina, treonina, triptofano e valina) + cisteína, glutamina e tirosina Vitaminas (Colina, ácidos fólicos, nicotinamida, pantotenato,piridoxal, tiamina, inositol, riboflavina) Sais (Na+, K+, Ca2+, Mg2+, Cl-, PO43+, HCO3-) Glicose Soro (contem centenas de proteínas. A mais abundante é a Albumina. Vários fatores de crescimento, tais como insulina e hormônio de crescimento, estão presentes). 2.2- Experimentos Linhagens celulares Descrição MDA-MB-231 Células de cancer da mama humana ER- negativas (independentes de estrógeno) MCF-7 Células de cancer da mama humana ER- positivas (dependentes de estrógeno) MCF-10A Células epiteliais da mama humana, imortalizadas, mas não tumorigênicas Densidades iniciais: 15 a 10 células/mm2 ; Tempo em cultura: até 7 dias; As culturas foram observadas sem reposição dos nutrientes. Procedimento: As lamínulas foram removidas em intervalos de 24h, coradas e os agregados celulares foram fotografados com um microscópio de fluorescência Olympus. 2.3- Resultados Curvas de progresso populações agregados N N s e e k ( t tc ) Gompertz growth parameters Cell type MCF 7 MCF 10 MB 231 Ns 131151.00 9335.81 4275.02 k 0.016 0.022 0.035 tc 103.52 81.62 27.49 r2 0.9983 0.9735 0.9856 Funções de distribuição de tamanhos dos agregados As células MCF-7 exibem uma transição em sua dinâmica de agregação. Os maiores agregados MCF-7 fragmentam-se progressivamente em clusters menores. Será que as adesões célula-célula estão enfraquecendo? Dimensão fractal dos agregados MCF-7 Evolução no tempo da dimensão fractal dos agregados Rugosidade dos agregados MCF-7 Expoente de Hurst Antes (96h) Rugosidade do contorno do agregado Depois (144h) 0,59 0,54 0,66 0,52 0,68 0,54 0,55 0,62 0,65 0,55 Existe uma diferença significativa, ao nível de 5% de probabilidade, entre os expoentes de rugosidade dos agregados celulares antes e após a transição. A fragmentação dos agregados MCF-7 Padrões de expressão de proteínas para as células MCF-7, MCF-10 e MDA-MB-231 MCF-7 MCF-10 MDA-MB-231 Géis de proteínas 2D para as células MCF-7 60h (antes) 144h (após) A Calreticulina é expressa diferencialmente antes e após a transição. 3- Mecânica celular: aspectos básicos 3.1- A membrana e o citoesqueleto celular Membrana plasmática Citoesqueleto celular Filamentos de actina Microtúbulos 3.2- Migração celular e atividade de membrana Migração com v=15mm/s Queratócito em migração Contatos focais e fibras de estresse Distribuição dos filamentos de actina, microtúbulos e filamentos intermediários Atividade de membrana: o filme ruffles pequenas flutuações aleatórias Limitações ao crescimento inibem a proliferação via redução da atividade da membrana celular Seleção progressiva de células com atividade de membrana crescente, indicativa do grau de transformação fenotípica. 3.3- O efeito da gravidade alterada sobre as células Alterações nas células em microgravidade Espécie Tipo celular Condições de Tempo de Alterações com relação microgravidade exposição ao controle Simulada em 1 dia Citoesqueleto alterado, levando Osteoblastos clinostato à morte celular ROS 17/2.8 3 dias Citoesqueleto reorganizado: células iniciam o crescimento Espaço 4 horas Microtúbulos desorganizados aumentam a apoptose em 2x Linfócitos T Simulada em 2 dias Locomoção reduzida clinostato Humana 3 dias Locomoção em 14% MCF-7 espaço 1,5 horas MT desorientados, MF câncer de organizados, arredondamento mama celular, estrutura da citoqueratina mais frouxa Simulada em 7 min. Arredondamento das células, A431 câncer clinostato e no expressão de c-fos e c-jun epitelial espaço reduzidas espaço 1 dia Citoesqueleto perturbado Rato pêlo utricular 3 dias Perda de fenótipo celular 3.4- Ruffles na membrana de células epiteliais sob orientações gravitacionais diferentes Método: célula contorno celular perfil radial Resultados: Análise de Fourier Análise RS (expoente de rugosidade) Autocorrelação temporal Comportamento predominante Pontos de adesão focal Orientação da placa Normal Cabeça para baixo Célula (espécime) 1 2 3 4 1 2 3 4 Expoentes (médias temporais) Hurst: H Espectro de potências: 2,840,18 2,890,08 2,910,26 2,810,16 2,770,16 2,530,25 2,600,27 2,810,16 0,680,04 0,690,03 0,700,05 0,790,01 0,820,04 0,580,05 0,680,07 0,720,03 Parâmetros dinâmicos períodos Tempos de decaimento 361 456 385 448 274 385 447 317 193 457 176 408 204 355 236 439 Não existe uma diferença significativa, ao nível de 5% de probabilidade, entre os expoentes H e para as células A6 cultivadas em orientação gravitacional normal ou invertida. 4- A biologia básica do câncer 4.1- Origem monoclonal Os bilhões de células que formam um tumor são todos descendentes lineares de um único progenitor, uma célula renegada. Tal como a célula fundadora, elas têm apenas um programa em mente: mais crescimento, mais réplicas de si mesmas, expansão ilimitada. R. A. Weinberg, “Uma célula renegada” (Rocco, Rio, 2000) A progressão tumoral câncer de pele 4.2- Seleção clonal na transformação neoplásica Lição básica: Condições de crescimento restritivas Geração contínua de variantes com potenciais de crescimento diferentes Acumulação de mutações adicionais nas células selecionadas Mais multiplicação e seleção Seleção de células com vantagens proliferativas na população Focos transformados com fenótipo francamente neoplásico, cada um derivado de um única célula 4.3- Modelos multiescala para o crescimento do câncer Um modelo que veio da roça 1- As células neoplásicas são autômatos que podem se replicar, migrar ou morrer aleatoriamente. 2- Regras de evolução das células neoplásicas: A escala mesoscópica (nível celular) Divisão: um clone da célula é gerado, com probabilidade pdiv, e ocupará qualquer um dos sítios vizinhos normais ou com células mortas, caso existam. Senão, a célula filha empilha-se sobre a mãe (perda da inibição por contato). Migração: uma célula se move, com probabilidade pmov, para qualquer um dos sítios vizinhos substituindo a célula normal ou morta ou se empilhando sobre a célula neoplásica ali existente. Morte: ocorre com probabilidade pdel. 3- O tecido (uma rede quadrada) é alimentado por um vaso capilar em sua borda inferior. A escala 4- Os nutrientes difundem a partir do capilar e são macroscópica consumidos pelas células normais e neoplásicas no (nível do tecido) tecido (competição por recursos). 5- A concentração dos nutrientes no tecido é dada pela solução da equação de difusão: O acoplamento 6- A concentração local dos nutrientes determina as entre as escalas probabilidades das ações celulares pdiv, pmov e pdel. 7- Condição inicial: uma única célula neoplásica no tecido normal e a uma distância y do capilar. 8- Condições de contorno: concentração de nutrientes fixa no capilar e com fluxo nulo na borda externa do tecido. Condições periódicas na direção x. Resultados Simulações Padrões histológicos Simulações Padrões histológicos 5- Conclusões e perspectivas A função de distribuição de tamanho de agregados pode detectar transições fenotípicas mesmo antes da confluência em cultura. A expressão diferenciada de proteínas regulatórias chaves devido ao estresse pode induzir transições na dinâmica de agregação de células. Sob orientação gravitacional invertida, as células A6 apresentam contatos focais reforçados. Perspectivas Investigar a atividade de membrana em células invasivas e metastáticas derivadas de tumores. Caracterizar a dinâmica de “blebing” em células normais e cancerosas. Construir modelos multiescala para a carcinogênese que incluam os processos mutação e reparação do DNA e de regulação gênica.