22 — REPORTAGEM DOMINGO, 21 DE NOVEMBRO DE 1976 CORREIO DO POVO Hélio Eichbauer Corpo e movimento participam da arte Francisco Bittencourt mmm: T rab alh an d o com água no Espaço Lúdico RIO — A Escola de Artes Visuais (EAV), com sede num palacete que pertenceu à can­ to ra de ópera Besanzoni Lage, n o centro de um dos parques m ais belos do Rio, foi durante m uitos anos um a entidade m orta, eem qualquer ligação com o movimento de renova­ ção das artes plásticas por que passava a cidade. H á um ano, porém, com a fusão e a total m udança adm inistrativa, foi nom eado p a ra a direção da EAV o a rtista Rubens Gerchm an, com um a obra reconheci­ dam ente experim ental e con­ tem porânea. G erohm an iniciou im ediata­ m ente o difícil trabalho de re­ estruturação da escala, guia­ do pelos conceitos mais mo­ dernos de ensino d a arte, subs­ tituindo inclusive a maior p a r­ te do corpo docente. Com isso sofreu enorm e pressão das p a r­ tes contrariadas, que foram até aos jornais p ara externar suas queixas e destilar o ácido ra n ­ cor típico das m entalidades acadêmicas. Por algum tmpo tudo foi motivo de escândalo e de notinhas venenosas n a im prensa: d a m udança de pro­ fessores e da instituiçãa de eursos interligados e livres ao simples fato do novo diretor te r instalado seu escritório n a an tig a sala de banho de m ár­ m ores da sra. Besanzoni Lage. A nova EAV passou algum tem po organizando seus currí­ culos e traçando os planos de­ finitivos de funcionamento. E n­ tre os novos professores con­ tratad o s estava Hélio Eich­ bauer, considerado como um dos principais cenógrafos b ra ­ sileiros. com formação européia e 12 prêmios nacionais, entre eles dois Moliere, um a m edalha de ouro .da X Bienal de São Paulo, prêm ios da Associação de Críticos de Arte e da Asssociação de Críticos de Teatro (São P au lo ), além de um a m e­ d a lh a de ouro internacional, conseguida n a H Q uadrienal de P raga de A rquitetura Tea­ tra l e Cenografia, de 1971. Após exatam ente um ano de trabalho n a EAV, Hélio Eich­ bauer está m ostrando ali um a retrospectiva de toda a sua ohra, de 1963 a 1976, que in ti­ tulou de Espaço Lúdico. Na enorm e sala de ja n ta r d a m an ­ são do Parque Lage, Hélio es­ tá exibindo, não só todas as maquetes dos 33 espaços cêni­ cos que produziu nesse perío­ do como tam bém m ontagens com criticas e reportagens, fo­ tografias e painéis desses 13 anos de trabalho, inclusive da sua experiência didática no Museu de A rte M oderna (Rio)., no T eatro Ateneo de Caracas, n a Escola de Belas A rtes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, n a Escola de Tea­ tro M artins P enne e n a EAVA OFICINA DO CORPO Hélio o rien ta um a aula de corpo e m ovim ento BIENAL NACIONAL A prim eira vista, a exposição é totalm ente caótica, falta-lh e a ordem cronológica a que o freqüentador desse tipo de evento está acostumado. Do teto altíssimo pendem panôs "sel­ vagens” , de cores quentes e tropicais. As maquetes dos ce­ nários estão distribuídas por cim a dos paimiéis e estes apre­ sentam farto m aterial fotográ­ fico e de leitura., O espectador perde-se no “labirinto” form a­ do pela disposição assimétrica dos painéis. Aos poucos, porém, começamos a conhecer os ca­ m inhos e a participar da ex­ posição, estranham ente ilumi­ n a d a por algumas dezenas de velas (além de iluminação elé­ tric a norm al). £ que, seguindo sua idéia básica de participa­ ção coletiva p ara se criar a r­ te, Hélio Eichbauer tran sfo r­ mou su a m ostra num a oficina do corpo, onde o espectador tam bém colabora com sua presença. grupo são os term os chave p a­ ra se compreender o projeto global de Hélio Eichbauer que, no momento atual dá mais ên­ fase à p arte didática e aos exercícios com alunos, oom a cenografia colocada em segun­ do plano. Os “ jogos rituais”, como o a rtista os chiamá, são aiullas e conferências ilustra­ das desenvolvidas dentro do currículo aberto d a Oficina Pluritíímensdonai d a EAV, com a participação m édia de 60 alumoe, duas vezes por semana. Hélio é um homem que não gosta m uito de falar sobre seu trabalho, principalm ente dian­ te de um gravador. Aos pou­ cos, porém, vai perdendo a Inibição. Foi ele quem inaugu­ rou a EAV com um curso de férias. Sua prim eira conferên­ cia versou sobre Appia e o es­ paço musical, a passagem, a v irad a d a cenografia. A segun­ d a teve por tem a Gordon. Greig e o atotzracicnismo geo­ métrico. No primeiro semestre d e e seus alunos f izeram ain­ d a trabalhos sobre Maiakowski, Meyerhold e a Biomecânica, Paul Klee e a Bauhiaius. a gora preparam um a aula de tea tro n a lin h a de Mondrian. Todo o curso é feito com ilus­ trações de corpo e movimen­ to, acom panhadas de proje­ ções de slides. “O que estou ten tan d o fazer, diz Hélio Eichbaiuer, é um a análise tias ar­ tes do século XX, um a hite gração des artes cênicas e vi­ suais. Estou passando em re­ vista o que existe de integra­ ção nos movimentos de reno­ vação do nosso séoulò” . ção, diz ele, está relacionado cam “O Rei d a V ela” . “ Uso o fogo e todos os outras elemen­ tos, como agentes sensibilizadores. -Na conferência sobre Appía, reco n i ao uso de lan ­ ternas para m ostrar a passa­ gem no teatro d a vela p a ra a luz elétrica” . De fato, nesses jogos rituais que são as aulas do cenógrafo, surgem vários tipos de objetos que, como “adereços cênicos”, podem parecer m uito estra­ nhos. Os bastões, por exemplo, que os alunos usam em vária» situações, representam a linha vertical, a Arvore d a Vida. Ou­ tro elemento que Já foi usado, a água, causou um pequeno es­ cândalo dentro da liberal EAV. X>e repente, um grupo de alu­ nos, de balde em punho, cor­ tou p ara a beira da piscina e começou a se Jogar água, num a liberação dionisíaca. "É a isso que eu chamo de jogos rituais, ou de iniciação, que deram origetm ao teatro e à arte, dia Hélio. São trabalhòs coletivos, que eu proponho m as não en­ saio” . A noite as audições são pú­ blicas, como no caso da aula 6obre Commed'ia dell’Arte e Bumiba-meu-boi, quando foi fei­ to um roteiro, oom um a parte ensaiada e a outra improvisa­ da, exatam ente como se fazia h a Commedia. ' Dessas aulas participam pessoas de todos os níveis sociais e intelectuais, sem lim ite de idade. Não h á qualquer distinção de classe e iapenas a vontade de criar a l­ gum a coisa e a capacidade de ace rta r é que vai dando maior ou m enor destaque aos alunos. Talvez sej<a por isso que Hélio Eichbauer já esteja sendo cha­ mado de guru entre a Juventu­ de que acorre ao Parque Lage. Hélio, naturalm ente, não aceita o papel de guru. Mas a EAV está abrindo novos hori­ zontes no Rio ? — Acredito qpe, com m uita dificuldade — responde Hélio — O meu trabalho, p a ra dar um exemplo, é bastante am ea­ çado, parque de certa form a eu mudei a imagem das pes­ soas. D°s planos consta um a im ­ provisação com a peça miusioal “ Jeu x ”, de Debussy, e outra 'fe ita pelos alunos, eoitare Isa­ dora Duncan, p a ra com em orar a passagem h á 60 a n o s d a bai­ larina pelo Rio. Héllio pretende tam b ém . fazer um filme semi, .(^ooqmcatorio to b ie a charge e o teatro de revista dos anos 30 que vai sé cham ar “Zé Pelintira”. As aulas são realizadas pe­ la m an h ã e à noite, às ttoçaa e quartas-feiras. Q proife;vor propõe um te m a /e os alunos apresentiam o m aterial. “No ca­ so de Mondrian', por exemplo, dois ou três alunos apresenta- * ra m o m aterial. Elu então fa ­ lo do espaço, faço um a série de * exercícios que m ostram o cor­ po em movimento e a compre­ ensão do espaço pelo corpo, «J movimento espontâneo do cor­ po den tro do espaço. Cada no-' va aula é um a proposta e u-«* m a realização que se integra den tro de um plano geral de tra b a lh o .” O USO DO FOGO Por que o fogo está quase sempre presente nos tra b a ­ lhos desse a rtista? N a exposi­ Lívio A CARREIRA Tendo estudado cenografia e arquitetura cênica sob a ori­ entação de Josef Svofooda. di­ retor técnico da ó p e ra de Praga, de 1963 a 1966, e rea­ lizado inúm eras viagens de es­ tudo, freqüentando o B erliner Ensemble, Hélio Eichbauer se notabilizou no B rasil por cria­ ções que hoje são históricas como a cenografia e os figu­ rinos de “O Rei da V ela” , de Oswald de Andrade. Em bora essa peça tenha deslanchado todo o movimento tropdcaàista, com sua estética sendo muito copiada e até o m om ento atu al inspirando ouitxos espetáculos, Hélio acha que fez coisas mais im portantes, como o espaço cênico p a ra “ Album de F a­ m ília”, de Nelson Rodrigues, com direção dé M artim G on­ çalves, p ara o teatro Ateneo de Carecas. O a rtista fqla de sua profis­ são de cenógrafo e íigurinista como se fosse um a coisa do passado. Pergunto-lhe o mo­ tivo. — Não me afastei d a ceno­ grafia porque continuo tra b a ­ lhando com o espaço, ocupado coletivamente pelos alunos. De fato, acredito que agora não me lim itaria m ais a fazer so­ m ente cenografia. Muitos dos espaços criados por m im não foram entendidos pelos direto­ res e atores. T rata-se de um a fa lta de compreensão do que é estar no interior do espaço cúbido. P a ra conseguir essa compreensão era preciso um a cultura. E é esse toque, esse ti­ po de informação que eu posso desenvolver, como estou fazen­ do agora com m eus alunos. Então, a participação num es­ petáculo apenas como cenógra­ fo não m e interessa mais, so­ bretudo no tipo de teatro que se faz atualm ente. — Q uer dizer que houve um a regressão no teatro brasi­ leiro? — Acho que sim. Não um a regressão de texto, m as de n í­ vel estético e de sentido plás­ tico do espetáculo. H á bons cenógrafos trabalhando: Flávio Império, Flaskman, apesar de este últim o estar produzindo demais, aceitando coisas que não devia. Porque aceitar coi­ sas demais significa tam bém aceitar outras coisas. A gente tem que reagir a um a série de propestas que são feitas. Fui convidado este ano p ara fazer m uitas coisas e não acei­ tei, porque acho que estou fa ­ zendo algo m uito im portante, coletivamente e em harm onia. Isso é que é teatro, p a ra on­ de vai o teatro, o teatro e as artes plásticas. — Você diria então que no teatro comercial o cenógrafo faz o cenário e vai embora? — £ quase sem pre assim- Às vezes um espæo é criado e um a to r não tem ctrvdições de ocupá-lo, apesar de estar tr a ­ balhando com professores de expressão corporal (que é um a palavra m uito g a s ta ). Acho que os\ atores, ou o grupo qu e está trabalhando num a peça, é que deveriam c riar seu espaço, porque ele depende em grande p arte do ator em movimento, d a proposta que ele tem a fa­ zer, do seu ritm o. É m uito a r ­ bitrário neste m om ento você c n a r um espaço e impô-lo a um grupo p a ra ele m anifestar suas idéias. E é m uito difícil no teatro profissional você tr a ­ b alhar em grupo, está tudo m uito separado, eompartfimentado. — Aqui no B rasil ou em ge­ ral? — Em geral. Quem está fa ­ zendo um tipo de trabalho com o qual a m inha pesquisa da EAV tem afinidades é o Bob Wilson. No Parque Lage eu trabalho com tem as universais, m as não estou desligado d a nossa cultura e da nossa reali­ dade. Se trabalharm os sobre um autor grego, por exemplo, é porque ele apresenta um a si­ tuação que tem sem elhanças com o m undo atual. — E o teatro político lhe in­ teressa? — Claro que interessa. Uma das conferências que progra­ mei este ano foi dedicada ao estudo de B recht e do teatro épico. Não pretendo fazer n a ­ d a que seja apenas esteticista e intocado pela realidade. No fim do ano darei um a grande aula sobre danças dram áticas brasileiras. Trabalham os sem­ pre com música clássica, pop e brasileira, discutimos m uito e criamos um a coisa viva, com m uito movimento e m uita m í­ mica. — cenários e figurinos — T ea­ tro São Pédro — s ã a Pauto — 1972 Don Casmurro — Machado de A ssis/Cavalganti Borges — cenários direção Ziembinski — T eatro Nacional de Comédia — Rio de Janeiro, 1971. I Fagliacci — R. Leoncaval­ lo (ópera) — direção: Celso Nunes — cenários e figurinos — T eatro M unicipal de São Paulo — 1972. II Segreto Dl Suzanna — E olf-Ferrari (ópera) — dire­ ção: Ceio Nunes — cenários e figurinos — T etaro Municipal de São Paulo — 1972II Matrimônio Segreto — D. Cimaroea (ópera) — direção: Celso Numes — cenários e fi­ gurinos — T eatro Municipal de São Pauto — 1972. A Viagem — Camões/Carlos Queiroz Telles — direção: Cel­ so Numes — espaço cênico e fi­ TRABALHOS REALIZADOS gurino — T eatro R uth Scobar POR HÉLIO EICHBAUER — 9ão Pauto — 1972. Les Forains — ballet de Frei Caneca — Carlos Quei­ H enri Sauguet — cenários e roz Telles — direção: F er­ figurinos — Conservatório N a­ nando Peixoto — cenários e cional de P raga — 1966. figurinos — T eatro São Pedro Troianas — de Eurídides/ — São Paulo, 1972. Barbe cenários e figurinos — Hoje é Dia de Rock — José direção de Paulo Afonso G riVicente — direção: Emílio Dl soli. T eatro Gláucio G ill — Rio Biasi — espaço cênico e figu­ dé Janeiro — 1966. rinos — T eatro Treze de Maio * O Rei da Vela — Oswald de — São Paulo — 1973. Andrade — cenários e figuri­ Raimunda, R a i m u n d a — nos — direção: Jcsé Celso Cor­ Francisco Pereira da Silva — rêa M artinez — T eatro Ofici­ direção: Pauto Afonso Grisoln a — São Pauto — 1967. li — cenários e figurinos — O Verão — R am an W ein- T eatro Gláucio Gill — Rio do garten — direção: M artin Gon­ Janeiro. 1973. çalves — T eatro Princeze Isa­ Ensaio Selvagem — José bel — Rio de Janeiro, 1967 — Vicente — direção: José Vicen­ cenário e figurinos. te e Hélio Eaohibamer — ambiSalomé — Oscar Wilde — entação, figurinos e direção — direção: M artim Gonçalves — Café Concerto — São Paulo Museu de Arte Moderna — es­ 1973. paço cênico e figurinos — Rio Calabar — Chico Bu arque de de Janeiro. 1868. H olanda e R ui G uerra — dire­ Album de Fam ília — Nelson ção: Fernando Peixoto — ce­ Rodrigues — direção: M artim nários — T eatro João Caetano Gonçalves — T eatro Ateneo de — Rio de Janeiro, 1973. Caracas, Venezuela — cenári­ Tempo e Contratempo — os e figurinos, 1968. Show de Chico Buarque de Virgínia — ópera de José Holanda — direção: R ui G uer­ Angel Montero — direção: Ho­ ra — espaço cênico — Teatro rário Petersan — cenário e fi­ Casa G rande — Rio de Janei­ gurines — T earto M unicipal de ro. 1974. Caracas. Venezuela — 1968. O Colecionador — J. Fowles A Noite dos Assassinos — Jo­ /D . P arker — direção: Fer­ sé T riana — direção: M artim Gonçalves — cenários e figuri­ nando Torres — cenários: Tea­ tro Moison de France — Rio nos — Teatro Ipanem a, Rio de de Janeiro. 1974. Janeiro — 1969. A Torre em Concurso — JoaLa Celestim a — Fern ado de <jim Manoel de Macedo — di­ R ojas — dlireção: M artim Gonreção: P ernado Peixoto — ce­ çalw es — cenários e figurinos nários ,— T eato GJámtcio Gill — Rio de Janeiro — 1969. — Rio de Janeiro — 1974. Antígona — Sófocles — dire­ Um Homem é Um Homem — ção: —oão das Neves — cená­ Bertold Brecht — direção: Jo ­ rios e figurinos — T eatro Opi­ ão das Neves — espaço cênico nião — Rio de Janeiro — 1969 O Balcão — Jean G enet — e figurino — T eatro do In sti­ tu to Goethe — Salvador — B a­ direção: M artim Gonçalves — hia. 1974. cenários e figurinos — Teatro Ensaio Selvagem — José Vi­ João C aetano — Rio de Janei­ cente — direção: Rubens Cor­ ro, 1970. re a — cenários e figurinos — Senhorlta Julia — A. Strind­ T eatro Ipanem a — R io de Ja ­ berg — direção: M artim G on­ neiro — 1974. çalves — cenários e figurinos Rock M orror Show — Mu­ — T eatro das Artes — Rio de sical de Richard O’Brien — Janeiro — 1971. direção: Rubens Corrêa — ce­ O China — M urray Sohisqall nários e figurinos — T eatro — direção: M artim Gonçalves da P raia — Rio de Janeiro, — cenário — T eatro das Arte» 1975 — Rio de Janeiro — 1971. Titus Andronicos — ShakesVivendo em Cima da Arvore pear — direção: L/uís Antônio — P eter Ustinov — direção: Martinez Correa — cenários e Ziemibinski — cenários e figu­ figurinos — Teatro Ipanem a — rinos — T eatro Nacional de Rio de Janeiro — 1975. Comédia — Rio de Janeiro, 71. A M andragora — MaquiaEsses Intrépidos Rapazes e vel — direção: Paulo José — Sua M aravilhosa Sem ana de cenários e figurinos Teatro Ca­ 1922 — Caries Queiroz Telles sa G rande — 1975. — direção: F ernando Peixoto Abramo, 5 Antônio H ohlfeldt D entre as várias m anifesta­ ções que m arcam a realização, atualm ente, em São Paulo, de m ais um a Bienal Nacional, no Ibinapuera, estão os dois g ran ­ des espaços dedicados às ho­ menagens a Antônio B andeira e Lívio Abramo. Por escassez de m aterial ou por não te r o artista, efetivam ente, dado um a contribuição tão significa­ tiva, a sala de B andeira se to m a bastante acanhada e pouco representativa, quando o visitante passa pelos cinco am ­ bientes ocupados pela produ­ ção de Lívio Abramo, paulis­ ta de A raraquara, nascido em 1903, jornalista, gravador e de­ senhista, que muitos conhece ram através de trabalhos pu­ blicados no então “ Suplemen­ to L iterário do Estado de São P auto” . CINCO SALAS O rganizada por fases, *, obra de Lívio Abramo apresentada n a Bienal nos traz um artis­ ta de corpo inteiro e ainda nos revela m uito daquilo que era, sobretudo, anotação de fu ­ tu ro trabalho, m as que traduz a impulsão fundam ental p ara a expressão através do traço. Neste sentido, cham am a aten­ ção sobretudo os desenhos, fei­ tos em guardananos de papel, com caneta, em Veneza, repre­ sentando vários canais e algu­ m as silhuetas da cidade. Lívio, exímio gravador desde os p ri­ meiros tempos, apresenta tam ­ bém um a série significativa de peças pai.saristicas, em que m ais se sugere do que re a l­ m ente se representa. Em tr a ­ ços rápidos, nervosos, ponto e linha, a paisagem tênue se constrói a nossos olhos, se afirm a, s« define. Na gravura, como no dese­ nho, Lívio Abramo tam bém so­ freu a» mfluências dos perío­ dos atravessados. H á a obra cubista, aquela que tra i a in ­ fluência de Di Cavalcanti, a presença de Tarsila. m as há, sempre, tam bém a individuali­ dade do artista, que se afirm a gradativam ente, ao passar dos anos. Lívio é filho de im igrantes italianos, tendo-se dedicado inicialm ente à arquitetura e de­ pois abandonado o curso. Au­ todidata em arte, tornou-se jornalista profissional, atuando no Rio de Janeiro e em São Paulo. Sua experiência de vi­ d a foi a m ais variada possí­ vel, sendo diretor de um a usina de beneficiam ento de &1rodão, um a serraria, m otorista de caminhão, pintor de tabule­ ta s e de anúncios, cenários tea­ trais, desenhista de publicida­ de, red ato r de telegram as in­ ternacionais no jornal “Diário da N oite", de São Paulo, e di­ plom ata no Paraguai, tendo integrado ainda as redação de “O Jo rn a l” e “ A T ribuna da Im p ren sa” , no Rio de Janeiro. Um dos fundadores do Sindi­ cato des Jornalistas Profissio­ nais de São Pauto e um de seus presidentes, sua presença artística se inicia em 1935, ao lado de Goeldi. renovando e reform ulando conceitos da gra­ vura brasileira. Inicialm ente vinculado à li­ n h a expressionists, «rua arte, segundo o “ Dicionário B rasi­ leiro de A rtistas Plásticos” , o r­ ganizado por Carlos Cavalcan­ t i , “por meto de técnica sum a­ m ente depurada e de rigorosa pureza form al” , define-se em estilo próprio, que e v d u i até as séries de gravuras sobre o Rio de Janeiro e “ F esta ” . Centralizado n a figura hum a­ n a. nos prim eiros momentos, dedica-se à configuração do real e do mágido, a p a rtir da série "M acum ba” , de 1948 a 1961. Sua criatividade leva-o a trab alh ar fundam entalm ente corn grandes blocos de linhas paralelas, m antendo-se muito m ais ligado ao desenho do que à gravura, pela própria opção do traço, p raticam ente impos­ sível a esta técnica. RETROSPECTIVA N a II Bienal Internacional de São Paulo, em 1953, ele re ­ cebeu o prêmio de melhor gra­ vador brasileiro. N esta sua retrospectiva, fo­ ram reunidos 544 trabalhos, apresentadós em dezenas de plaquetas em grosso papelão re­ cortado, coberto por celofane. Em m uitas das peças, a ação do tempo, sobretudo dievido à m ã qualidade dos papéis em ­ pregados, mercê da ocasião em que os esboços foram realiza­ dos, se faz sentir. A impor­ tância, da exposição se deve, sobretudo, à raridade com que o a rtista se apresenta com obras em público, dizendo-se bissexto e sensível a interrup­ ções de criatividade. Lançador, praticam ente, d a xilogravura em São Paulo, d a retrospectiva agora realizada destacam-se, sem dúvida alguma, os vários desenhos dedicados aos cava­ los, em que parece ser o artis­ ta um verdadeiro mestre. Frederico Morais, em sua p á­ g ina in teira de “O Globo” de­ dicada à exposição, diz que por si só este acontecimento justi­ fica u m a visita ao Ibirapuera, com o que concordamos intedmente. £, efetivamente, o grande momento desta Bienal, e nos cinco ambientes a ele dedicados o visitante deverá gastar algum as horas, sobretu­ do porque, trabalhos pequenos em dimensões, exigem uma a proximação e um contato cal­ mo de algumas horas. Duas vezes viísitei esta exposição, e em cada um a a obra de Lívio vai se entregando com tra n ­ F esta", série de 1953, xilogravura gravura, descoberta a que che­ gou usando um pedaço de ma­ deira e um a navalha velha. “D a experiência — segundo contou sergio Milliet em velha I crônica — nasceu um a paixão, 50 ANOS a paixão de sua vida”. I Dois anos se passaram até Lívio Abramo está comple­ que conseguisse alguns instru­ mentos apropriados, tentando tando este ano meio século de a seguir, com mais influência atividade artística. Foi nos idos de 26 que se iniciou n a sobro o então Jovem artista, qüila sabedoria aos olhos do apreciadar, revelando-nos com cuidado um domínio perfeito do artesão e a sensibilidade do artista. que entrou n a intim idade dos processos expression-istas. Daí, com a presença do tem ­ po, foi amadurecendo o espíri­ to, libertando-se de influên­ cias recebidas enquanto ia abrindo um caminho seu, intei­ ram ente próprio, nunca se con­ tentando com os resultados a l­ cançados. Talvez possa ser definido Lí­ vio arte e homem, num a fra ­ Um dos m ais belos con ju n to s de cavalos d esenhados por Lívio A bram o se curta ainda de Sérgio Mil­ liet: “Ease grande e puro artista dá-nos um exemplo, de que conheço poucos, de extraordi­ n ária linha artística. M ostranos como se pode ser de sua época sem se apegar a teorias, ser original, pessoal e hum ano ao mesmo tempo, comunicar um a mensagem permanecendo fiel à verdade estética”. S érie "M acum ba", d e 1974, tin ta aguada