RECUPERAÇÃO DE ÁREA DEGRADADA POR CONSTRUÇÃO DE RODOVIA NA PRAIA MOLE, FLORIANÓPOLIS, SC Luiz Fernando Burigo Coan, Caroline Sena, Débora Bianco, Paulo S. F. Lichtemberg Acadêmicos do Curso de Agronomia da UFSC Paul Richard Momsen Miller, Antônio Augusto Alves Pereira Professores do Departamento de Engenharia Rural da UFSC Jucinei José Comin Professor do Departamento de Engenharia Rural da UFSC (Coordenador) [email protected] Resumo Apresentam-se esforços para recuperar área degradada por construção de rodovia no alto da Praia Mole, entre a rodovia e o mar. A área serviu de caixa de empréstimo de material e foi abandonada ao final das obras. A construção de paliçadas e cordões de vegetação contribuiu para diminuir a entrada de água nas voçorocas e conter o seu avanço, permitindo a estabilização de uma voçoroca. A vegetação introduzida se mesclou à escassa vegetação existente, propiciando aumento da cobertura do solo. Palavras-chave: degradação, recuperação ambiental, Praia Mole. Introdução São apresentados alguns esforços para recuperar uma área degradada por construção de rodovia e que prejudica a qualidade ambiental da Praia Mole, um dos principais pontos turísticos de Florianópolis. Neste trabalho utiliza-se o termo recuperação, pois a Lei no 9.985, de 18 de Julho de 2000, em seu Artigo 2o, inciso XIII, define recuperação como: “restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma condição não degradada, que pode ser diferente de sua condição original”, e o inciso XIV define restauração: restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original" (BRASIL, 2000). O processo de recomposição de um ecossistema natural, perturbado pela ação antrópica, passa pela restauração e dois processos de revegetação, denominados de recuperação e reabilitação (Souza e Silva, 1996). As técnicas de revegetação baseiam-se em princípios naturais (sucessão) e diferem pelas espécies utilizadas no processo de regeneração do ecossistema. Na recuperação, são empregadas espécies preexistentes, de forma a dar condições para que o ecossistema adquira características próximas das originais. Já na reabilitação, as plantas constituem espécies exóticas ou originárias de outros ecossistemas locais e, como resultado desse processo, um novo ecossistema, com características distintas do original, será formado. A área em recuperação, com cerca de dois hectares, situa-se no alto da Praia Mole, entre a rodovia FL110 e o mar. Ela serviu, em 1980, de caixa de empréstimo de material de aterro e pátio de máquinas para a construção da rodovia e foi abandonada após o término das obras. Em 1998, visto que nem o proprietário da área, nem a empreiteira que retirou material de aterro do local, nem o poder público tomaram qualquer atitude para recuperação da área, professores e alunos do Curso de Graduação em Agronomia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tomaram a iniciativa. O trabalho de interação extensãoensino iniciou na forma de mutirões, com participação de membros da universidade e diversas ONGs. Devido à retirada da vegetação e material de aterro, da compactação pelo uso da área como depósito para pavimentação e ao tráfego intenso de máquinas, o solo original ficou descaracterizado pela remoção dos horizontes A e B. Hoje se encontra na área um substrato com aproximadamente 80% de areia cimentado por óxidos de ferro. Por conseqüência, a infiltração da água de precipitação foi reduzida a níveis mínimos, aumentando o escoamento superficial e gerando grandes enxurradas que deram origem a quatro grandes voçorocas e a uma paisagem semi-desértica. Estima-se que são necessários 8.200 m3 de aterro para a recuperação da área das voçorocas. Para atingir esta meta de recuperação da área, utiliza-se da interação de conteúdos de diferentes disciplinas do Curso de Graduação em Agronomia buscando formar profissional de Agronomia com visão interdisciplinar, e ao mesmo tempo, criar mecanismo de motivação do aprendizado através da interação efetiva teoria-prática. Material e Métodos As atividades para recuperar a área foram realizadas na forma de aulas práticas, mutirões e trabalhos de campo pelos bolsistas do Projeto de Extensão “Recuperação de Áreas Degradadas da Praia Mole”. Também foi realizada, de forma esporádica, atividade de educação ambiental com crianças do ensino infantil e/ou fundamental. O manejo das voçorocas da Praia Mole foi baseado no uso de técnicas simples e de baixo custo, devido à escassez de recursos financeiro e humano, visando impedir a entrada de águas concentradas e a estabilização das mesmas, visto que não é possível a recuperação por aterro por motivos financeiros e ambientais, uma vez que seriam necessários aproximadamente 550 caminhões com capacidade de 15 m3 para este fim, implicando a destruição de outra área. As fases da intervenção na área visaram a revegetação da área acima das voçorocas, dos taludes e do fundo das voçorocas, a fim de propiciar condições para a estabilização, com espécies de cobertura do solo e arbóreas, e a implantação de cordões de vegetação permanente e/ou paliçadas no caminho da entrada de águas e no leito das voçorocas. As paliçadas foram construídas com sacos de aniagem formadas por dois níveis: a base, composta de areia desagregada ou retirada do local através da diminuição dos taludes, ou por cascas de coco verde; e a parte superior, composta da mistura 1:1 de areia e composto termofílico, onde foi realizada a semeadura de diferentes espécies de cobertura (gorga: Spergula arvensis; ervilhaca comum: Vicia sativa; tremoço azul: Lupinus angustifolius; vigna: Vigna luteola; braquiárias: Brachiaria riziziensis, B. decumbens, B. Bryzantha; feijão guandu: Cajanus cajan, mucuna preta: Stilosobium atterinum, mucuna cinza: S. niveum). Vigna, braquiárias e mucunas também foram utilizadas para a implantação de cordões de vegetação. O composto termofílico foi produzido através da reciclagem de resíduos sólidos orgânicos da UFSC, constituídos por restos de preparo de comida dos restaurantes, camas de roedores do biotério e resíduos de jardinagem. Em termos de revegetação com espécies arbóreas, a partir de 2002 optou-se por plantar arbóreas nativas ou de restinga. As mudas foram doadas pelo viveiro de produção de mudas da CIDASC, ou produzidas pelos bolsistas do projeto. A fertilização das covas (20 cm x 20 cm x 30 cm) foi realizada com composto termofílico. Resultados e Discussão Em relação aos aspectos técnicos do presente trabalho, a construção de paliçadas e cordões de vegetação contribuiu para diminuir a entrada de água para o interior das voçorocas e conter o avanço das mesmas. Tal prática propiciou estabilização e a revegetação natural de uma das voçorocas presentes na área. A vegetação introduzida através das paliçadas e/ou cordões de vegetação se mesclou à escassa vegetação local existente, propiciando aumento da cobertura do solo. As espécies que mereceram destaque foram vigna, braquiárias, mucuna preta e feijão guandu. Apesar de ser considerada uma invasora das mais agressivas, a braquiária ficou restrita aos locais onde foi implantada, não sendo constatada a sua expansão por todo o terreno. Por outro lado, o comportamento invasor foi verificado para plantas de pinus (Pinus spp) introduzidas na área antes de 1998. Essas plantas são consideradas uma das ameaças à flora da Ilha de Santa Catarina em função da sua agressividade e facilidade em colonizar diferentes habitats, o que não foi diferente na área em recuperação. As espécies arbóreas que apresentaram potencial para a revegetação da área foram aroeira, goiabeira, pitangueira, eritrina, guaramirim, sabia e feijão guandu. O índice de sobrevivência para a maioria das espécies arbóreas foi inferior a 30%. Esse comportamento foi conseqüência da completa descaracterização do solo (ausência de estrutura e baixas capacidade de retenção de água e fertilidade). A elevada compactação do solo em algumas partes da área fez com que as raízes das plantas ficassem restritas ao volume de abertura das covas. Outro problema para a sobrevivência das mudas foi o elevado grau de ataque de formigas cortadeiras e a impossibilidade de realizar irrigação das mudas em função de problemas operacionais na área. Na busca de melhorar a eficiência na revegetação da área, o planejamento para a continuidade dos trabalhos foi direcionado ao uso de espécies nativas em plantios mistos (sucessão antrópica), segundo Kageyama et al. (1994), além da introdução leguminosas arbóreas noduladas e micorrizadas (leucena, feijão guandu e sabiá), conforme Souza e Silva (1996). Para ajudar na estratégia de revegetação da área com ênfase em espécies nativas, iniciou-se o levantamento fitofisionômico do local. As espécies identificadas na primeira avaliação foram: rasteiras ou herbáceas (Stylosanthes guianenses, Centela asiática, Desmodium incanum, D. barbatum, Calopogonio muconoides, Vigna luteola, Brachiaria riziziensis, Achyroclyne satureioides, Rhynchelytrum roseum, Melinis minutiflora, Schizachynum condensatum, Cortaderia selloana, Lantana camara, Polypodium leptopteris, Pterocaulon lorentzii, Blechnum serrulatum, Sebastiama corniculata, Gamo chaeta, Smilax campestris, Diodia radual, Epidendrum fulgens, Mikania sp, Emilia fosbergii, Diosdia apiculata, Lupinus spp), arbustivas ou arbóreas (Schinus terebenthifolia, Tabebuia pulcherrima, Schizolobium parahyba, Ficus insipida, Britoa acida, Eugenia brasiliensis, Eugenia uniflora, Erythrina speciosa, Chorisia speciosa, Calycorectes reidelianus, Psidium guajava, Pinus eliotti, Cedrela fissilis, Mimosa caesalpiniafolia, Clitoria racemosa, Peschiera fuchsiaefolia, Cajanus cajan, Dodonaea viscosa, Bacharis orticulata, Poraphyllum ruderale, Empatorium casarettoi, Tibouchina urvilleana, Guapira opposita, Chamaecrista nictitans, Mimosa pudica, M. bimucronata, Gomidesia palustris, Eupatorium laevigatum, Sesbania cf.vigata) . No aspecto da interação com ensino, outros projetos de extensão e educação ambiental, durante o ano de 2002 realizaram-se no quadro do projeto: aulas práticas da disciplina de Manejo e Conservação do Solo do Curso de Graduação em Agronomia; aulas práticas da Disciplina de Hidrologia do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Sanitária e Ambiental e da Disciplina de Capacidade Produtiva do Solo do Programa de Pós Graduação em Agroecossistemas; o II e III Trote Ecológico com os alunos recém egressos do Curso de Graduação em Agronomia, eventos que receberam intensa cobertura pela mídia (AGECOM, TV-COM, RBS, Rede Record, TV UFSC, CBN-AM e AN Capital), devido ao caráter educativo e de integração entre alunos e professores, além de buscar despertar a consciência ambiental dos alunos e da comunidade. Com relação à interação entre projetos de extensão, a mesma ocorreu com o Projeto “Compostagem de Resíduos Urbanos” que cedeu o composto para o plantio de mudas de espécies de cobertura e arbóreas, enquanto os bolsistas do projeto da Praia Mole contribuíram eventualmente no trabalho de coleta de resíduos e o “Projeto Programa de Reurbanização das Comunidades Angra dos Reis, Panaia e Chico Mendes”, onde o coordenador e os bolsistas do presente projeto participaram de duas atividades para ensinar técnicas de contenção de dunas aos moradores da comunidade Angra dos Reis (Norte de Ingleses). No que concerne a importância do trabalho para a comunidade, o município de Florianópolis é conhecido em todo país pelas suas belezas naturais, as quais devem ser preservadas, não somente para fins turísticos, mas igualmente para manter a boa qualidade de vida dos seus cidadãos. Infelizmente, devido à especulação imobiliária, diversas áreas da cidade, especialmente nas suas praias, vêm sofrendo nos últimos anos um processo avançado de devastação de remanescentes. Pode-se citar como exemplo a grande supressão da vegetação nativa no entorno da Praia Mole – pelas construções ilegais e estacionamentos para veículos em áreas que por força de lei deveriam ser APP (Área de Preservação Permanente). O projeto realizado na Praia Mole além de preservar um recurso de uso comum está evitando que, em longo prazo, ocorra um grande problema urbano, que será a erosão progressiva da área até atingir as margens da rodovia FLN – 110. Conclusões Apesar do projeto dispor de dois bolsistas, a demanda de trabalho foi muito superior à disponibilidade dos envolvidos no trabalho de recuperação da área degradada. Cabe ressaltar que uma gama importante de ações só foi possível ser realizada em função do apoio de voluntários, em sistema de mutirão. Outra limitação importante foi a baixa disponibilidade financeira para realizar ações mais significativas tais como a vegetação dos taludes das voçorocas com o uso de mantas biodegradáveis (técnica de bioengenharia), a construção de terraços com maquinário e a remoção de porções de terra para nivelamento de partes do terreno. A recuperação completa da área degradada da Praia Mole está num horizonte longínquo, devido à escassez de recursos disponíveis para a execução de toda a gama de trabalhos necessários para a recuperação da área e pela falta de responsabilidade do proprietário da área, da empreiteira que executou a obra de construção da estrada e do poder público. Por outro lado, através das ações do projeto foram desenvolvidas técnicas de estabilização de voçorocas simples, de fácil implementação, de baixo custo e com caráter ecológico, tais como a formação de paliçadas compostas com cascas de coco e/ou areia e composto termofílico vegetadas. A prática ajudou a criar um microclima favorável, o que contribuiu para a sucessão natural das espécies vegetais e o aumento da vegetação na área. Por conseqüência, o avanço do processo de erosivo e a conseqüente poluição da Praia Mole por sedimentos carreados pelo escoamento superficial foram reduzidos. Planeja-se para a continuidade dos trabalhos de recuperação da área o uso de espécies nativas em plantios mistos (sucessão antrópica) em conjunto com o uso da tríplice simbiose de leguminosas arbóreas noduladas e micorrizadas (Franco et al., 1995), além da rápida revegetação de toda a área degradada com espécies de cobertura para possibilitar a estabilização das voçorocas. Para finalizar, cabe ressaltar que a participação de alunos neste trabalho teve importância tanto para a sua formação profissional, em função do caráter interdiciplinar do projeto, como para a formação cidadã, por despertar o interesse dos envolvidos em relação à preservação dos recursos naturais e possibilitar a formação de consciência social, política e ambiental. Referências BRASIL. Lei Federal n. 9.985, de 18 de Julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Regulamentação do SNUC. (www.mma.gov.br/port/sbf/dap/LEI.html). FRANCO, A.A.; DIAS, L.E.; FARIA, S.M. de; CAMPELLO, E.F.C.; SILVA, E.R.M. Uso de leguminosas florestais noduladas e micorrizadas como agentes de recuperação e manutenção da vida no solo: um modelo tecnológico. In: ESTEVES, F.A. de. Estrutura, funcionamento e manejo de ecossistemas brasileiros. S.1,1995, p. 459-467. KAGEYAMA, P.Y. et al. Revegetação de áreas degradadas: modelos de consorciação com alta diversidade. In: Simpósio Nacional Sobre Recuperação de Áreas Degradadas, Foz do Iguaçu, 1994, Anais, p. 569-576. REIS, A. Manejo e conservação das florestas catarinenses. Trabalho apresentado para o concurso de professor titular da UFSC. Florianópolis, SC, UFSC, 1993. 137p. SOUZA, F.A. de; SILVA, E.M.R. da. Micorrizas arbusculares na revegetação de áreas degradadas. In: SIQUEIRA, J.O. ed. Avanços em fundamentos e aplicação de micorrizas. Lavras: Universidade Federal de Lavras/DCS e DCF, 1996, p. 255-290.