AULA 5: HIPERGLOBALISTAS, CÉTICOS E TRANFORMACIONISTAS A globalização assume diferentes perfis de acordo com o ponto de partida que estamos adotando. De modo geral, podemos considerar três correntes que apresentam distintas perspectivas sobre o tema: os hiperglobalistas, os céticos e os transformistas.Elaboramos abaixo um quadro sucinto de cada uma dessas teses. Nosso objetivo, ao tratar dessas diferentes visões, é buscar aquela vertente que melhor retrata o impacto da globalização sobre o papel do Estado. A TESE HIPERGLOBALISTA A idéia central defendida pelos hiperglobalistas é que a globalização é um fenômeno essencialmente econômico, que promove a integração cada vez maior entre os mercados e culmina numa economia global sem fronteiras. Duas características em especial se destacam. A primeira diz respeito à emancipação do mercado dos controles estatais. No novo cenário engendrado pela globalização, os mercados funcionariam melhor sem a intervenção estatal e, assim, Estado e mercado deveriam ser tratados como áreas distintas e independentes. Na realidade, não se trata de simples retorno às idéias do laissez-faire. A lógica do mercado se sobrepõe à autoridade estatal na condução da economia mundial, de forma que os bancos e corporações transnacioniais seriam os principais agentes da globalização. A segunda característica diz respeito ao surgimento e reconhecimento de vários atores na arena internacional. Esses novos atores – organizações internacionais, organizações não-governamentais e multinacionais – questionam o primado do Estado no sistema internacional. As ONGs e as multinacionais, por exemplo, criam novos canais que perpassam os limites territoriais e estão livres dos constrangimentos políticos. Seguindo o raciocínio hiperglobalista, o mundo deixa de ser guiado por nações para ser comandado por empresas (OHMAE, 1996). Os hiperglobalistas interpretam a globalização como uma ideologia. A força das multinacionais e corporações internacionais atua sobre os aparatos estatais, buscando a desregulamentação comercial e financeira, daí se propagariam as idéias de que a dominação da economia é tanto necessária quanto benéfica e de que os Estados serviriam apenas para garantir o funcionamento da lógica do mercado. É o tipo de tratamento dado à globalização que lhe imputa o caráter de ideologia; isto é, a visão de que a globalização é inevitável e de que ‘não há alternativa’. A TESE CÉTICA Como a própria denominação já sugere, os teóricos dessa corrente acreditam que existe muito exagero nas idéias relacionadas à globalização. Portanto, seu objetivo é desvendar as idéias ou desmascarar os mitos que sustentam a globalização. Para entendermos o argumento dos céticos, é necessário compreender a distinção que fazem entre globalização e internacionalização. Internacionalização se refere ao crescente fluxo comercial entre diversas economias nacionais; enquanto a globalização ocorre apenas quando existe a integração perfeita dos mercados internacionais. Partindo dessas duas definições, os céticos apontam o primeiro mito por trás da globalização: o que popularmente chamamos de globalização é, na realidade, apenas um grande fluxo entre economias nacionais, ou melhor, internacionalização. Para eles, a globalização, ou a integração perfeita dos mercados internacionais, é quase um tipo ideal e, como tal, nunca existiu. Na realidade, a economia mundial estaria longe de ser genuinamente global. “(...) Ao contrário, os fluxos de comércio, de investimento e financeiro estão concentrados na Tríade da Europa, Japão e América do Norte, e parece que esse domínio vai continuar” (HIRST; THOMPSON, 1998, p. 15). Segundo Hirst e Thompson (1998), estas grandes potências teriam a capacidade de coordenar a política internacional, de exercer pressões sobre os mercados financeiros e de influenciar sobre outras tendências econômicas. Assim, de forma alguma poderíamos falar que os mercados mundiais estariam sem regulação e controle. Os céticos acreditam que os Estados continuam sendo os responsáveis pelo gerenciamento da ordem e que ainda são entes soberanos. Na realidade, o desenvolvimento da internacionalização dependeria da aquiescência e suporte estatais. Pelo próprio caráter de suas idéias, os céticos são bastante críticos dos hiperglobalistas. Um ponto de inflexão entre as duas teses é a questão da regionalização. Ao contrário de interpretar a globalização como um processo que promove a integração e unificação, os céticos chamam a atenção para os processos de regionalização, entendidos como um movimento oposto ao da globalização. Para os céticos, as tendências de formação de blocos acabam por criar zonas de isolamento, e não de integração. Além disso, eles também não acreditam em cultura e governança globais; uma vez que o ressurgimento de nacionalismos e conflitos étnicos contradizem a idéia de homogeneização cultural. A TESE TRANSFORMISTA Para os transformistas, uma nova fase do capitalismo se iniciou ao final do século XX. Esta nova etapa caracteriza-se pela dificuldade em distinguir os limites entre arena doméstica e internacional, pelas transformações na política internacional e pela mudança no poder estatal. Como força motriz destas transformações está a globalização. Partindo de uma abordagem de cunho histórico, os transformistas interpretam a globalização como uma poderosa força de transformação responsável por mudanças nas mais diversas áreas – sociais, políticas, econômicas, culturais, entre outras – e, por conseguinte, na própria ordem internacional. A globalização seria um processo de longo prazo e cheio de contradições. Contradições porque empurra as sociedades para direções opostas, fragmenta e integra, leva à cooperação mas também ao conflito, universaliza ao mesmo tempo em que particulariza. Porque não possui precedentes históricos, não se sabe como será o futuro. A trajetória das transformações globais seria, portanto, indeterminada e incerta (ROSENAU apud HELD et al., 1999, p. 14). Ao contrário da tese hiperglobalista, que aponta para a tendência do nascimento de uma sociedade e economias globais, os transformistas acreditam no surgimento de uma nova estratificação internacional em que alguns são incluídos e outros marginalizados. Esta nova arquitetura internacional deve-se, em parte, à crescente substituição da produção pelas atividades financeiras como finalidade da atividade econômica. Com relação ao impacto da globalização sobre o papel do Estado, o argumento central da tese transformista é o de que a globalização está reconstituindo ou reformulando o poder, as funções e a autoridade dos governos nacionais. A concepção de soberania como absoluta, indivisível e territorialmente definida teria se tornado problemática no mundo globalizado. Ou seja, as relações entre soberania e territorialidade estariam mais complexas. (Fragmentos do texto: VASCONCELOS, Flévia Nico, GLOBALIZAÇÃO: DIFERENTES VISÕES SOBRE UM MESMO PROCESSO, in REVISTA SCIENTIA. V. 3, n.2, (jul./dez.2002) – Vila Velha (ES): Sociedade Educacional do Espírito Santo, 2002.) GUIA DE TRABALHO E DE REFLEXÃO Para entender e avaliar o uso da palavra globalização proponho um pequeno exercício em grupo. Considerando que cada pessoa, conforme sua posição social e seus interesses, tem uma idéia sobre a sociedade e seus fenômenos, proponho analisar o que significa de forma implícita ou explícita, a palavra "globalização”considerando as visões vistas nesta unidade. Isso será feito seguindo as etapas abaixo: 1. Leiam cada uma das citações. Escrevam numa folha o nome dos autores e, depois, os significados que, de acordo com sua análise, estão nas entrelinhas das opiniões que os autores expressam sobre a globalização. a."Como resultado da globalização, há uma diminuição do papel clássico do Estado, porque nossas sociedades deixam de ser autárquicas... Com a globalização, a autonomia da política monetária, por exemplo, deixa de existir, já que a taxa de juros de um determinado país é tão importante quanto a taxa de juros do país ao lado, e, por isso, a limitação do poder do Estado, produto da globalização, faz com que as respostas que damos em um país dependam das respostas adotadas por outros" (Ricardo LAGOS, Primera Reunión de la Comisión Progreso Global, Madri, 1997). b."A globalização tem a ver, é claro, com a cultura, pois diariamente nos mostra seu imenso poder para fazer mudar os velhos hábitos culinários, as modas no vestir, a música e as formas de se divertir, tornando-se o gosto cada vez mais homogêneo, por ser mais global. A mesma paisagem em todo lugar, as salas de cinema com as mesmas poltronas, os restaurantes de comidas rápidas, os edifícios dos shoppings" (Sérgio RAMIREZ, Se quiseres a paz, prepara-te para a cibernética, Revista La Insígnia, 2002. Disponível em: <http://www.lainsignia.orq>). c."Creio que vai ocorrer simultaneamente uma homogeneização e uma afirmação das identidades culturais. Em termos das instituições econômicas e políticas, as culturas são cada vez mais homogêneas, visto que não existem muitas alternativas. Já não é possível ter um certo tipo de nacionalismo econômico "peronista" ou determinado tipo de socialismo. Dada a natureza da economia global, só existe uma certa quantidade de formas em que um sistema político ou econômico pode ser organizado, ser viável e competitivo. Para chegar a ser uma sociedade avançada, um país precisa ser democrático e estar conectado ao mercado global. Por isso existe uma homogeneização maior das instituições e das ideologias. No nível cultural, não está claro que a homogeneização aconteça tão rápido. Em certo sentido, existe uma certa resistência à homogeneização cultural" (Francis FUKUYAMA, Entrevista, Revista Qué Pasa, 2000). d."A Internet tem sido um instrumento valioso para superar os limites das grandes instituições doutrinais, incluindo-se a mídia, agregando pessoas que, de outro modo, seriam marginalizadas. Como a maior parte dos setores dinâmicos da economia, também a web nasceu e se desenvolveu no setor público, e só recentemente foi cedida ao setor privado, muitas vezes irresponsável, que gostaria de torná-la um instrumento de marginalização e de controle. É um terreno de luta com resultados imprevisíveis (Noam CHOMSKY, Entrevista, Corriere delta Sera, Milão, 16 de abril de 2000). 2. Comparem agora os significados da palavra "globalização" entendidos por esses autores, tentando explicar as diferentes visões que sustentam.