Novas Leituras Março de 2001

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Novas Leituras
Março de 2001
Sugestões de títulos e orientações para o trabalho em sala de aula — complementar ao Caderno de Leituras
Mitos e lendas: fontes de fertilidade criativa
Heloisa Prieto
Mitos e lendas abordam situações primordiais, enfren­­
tamento de grandes perigos, rivalidade entre pais e filhos,
guerras entre cidades na terra, guerras entre deuses no
céu. Para Calvino, autor de Fábulas italianas, à proporção
que as estruturas narrativas orais foram sendo transmi­
tidas atra­vés dos séculos, ampliou-se cada vez mais o
nú­me­ro de com­binatórias. Essas variantes foram estuda­
das pelo gran­de antropólogo Claude Lévi-Strauss. A antro­
po­logia per­ce­beu que cada cultura tem sua forma de lidar
com a reali­dade e que esse recorte de mundo im­prime
suas carac­terísticas no modo de contar histórias.
Ulisses, Atena, Gaia, Mercúrio e outros deuses mara­
vi­lhosos habitam as páginas do meu livro Divinas aventuras. Eles estão também na história do nascimento de
Roma narrada por François Sautereau e em Contos e lendas da mitologia grega, ideais para crianças de nove a doze
anos. E para enri­quecer ainda mais o seu repertório, os
leitores madu­ros, mesmo jovens, podem encontrá-los em
O universo, os deu­ses, os homens, de Jean-Pierre Vernant,
um dos maiores es­pe­cialistas mundiais em mitologia gre­
co-romana.
Esse tesouro da humanidade ainda atua como fonte
geradora de novas ideias e narrativas. Um trabalho interes­
sante a ser feito em sala de aula é localizar com os alunos a
presença de deuses gregos em histórias em quadrinhos,
desenhos animados e filmes. Que povo era esse cujas his­tó­
rias permanecem eternamente na imaginação dos ho­mens?
Como era sua cultura? Como pensava uma crian­­ça
na­que­la época? Como essa mitologia permaneceu viva?
Que povos se apropriaram dessa forma de ver o mundo?
Mas deuses do amor, da guerra, da justiça, não se res­
tringem à mitologia greco-romana, claro; aventuras igual­
mente emocionantes povoam a tradição afro-brasileira.
Oxum, sua sedução irresistível e seu amor por crianças;
Ogum e a força de sua espada; Xangô, a personificação da
coragem e da justiça — essas e muitas outras figuras estão
em Mitologia dos orixás, de Reginaldo Prandi, cujo texto
simples e direto permite a leitura dos mitos para crianças
a partir de dez anos. E há também o Ogum de Lidia Chaib
e Elizabeth Rodrigues, excelente para um trabalho na
quin­ta ou sexta série.
Haveria uma equivalência entre os deuses africanos e
os gregos? O que todos os mitos têm em comum? Que
as­pectos diferenciam os deuses das diversas culturas?
Oxum e Vênus personificam a beleza do amor da mesma
ma­neira? Essas são perguntas que podem ser feitas em
sala de aula, conduzindo um belo trabalho de mitologia
compa­rada. Afinal, se os gregos concebiam seus deuses
num universo invadido por um imenso horizonte e
um grande mar, os africanos percorriam desertos cujas
areias movimentavam-se constantemente, e daí, talvez, a
im­por­tância do culto ao deus dos caminhos, Ogum.
Indo além da pesquisa e da análise literária, também é
possível organizar oficinas de criação de narrativas. Esco­
lha um deus e crie uma história, pode propor o professor,
e os alunos inventariam histórias tanto no formato lite­
rário como no teatral ou no visual, ou por meio de roteiro
de aventuras em quadrinhos. Tal abordagem, denominada
tradução intersemiótica, ou seja, fazer a passagem da nar­
rativa de uma linguagem para outra, pode ser trabalhada
a partir da quinta série; naturalmente, cabe ao professor
adequar o desafio à faixa etária. Enquanto alunos mais
jovens podem pensar numa comparação entre Super-Ho­
mem e os deuses gregos, os mais velhos podem investigar
conceitos mais profundos, como as diferenças entre
Apolo e Dioniso.
Finalmente, como será que essas histórias estão sendo
contadas hoje? O desafio que me propus ao escrever Mata,
em que trabalho a partir de lendas do folclore brasileiro,
foi aproximar do jovem leitor contemporâneo a linda
tradição da encantaria, de São Luís do Maranhão.
E se os professores quiserem se encantar ainda mais
com a beleza dos mitos e lendas, podem ler o italiano
Ro­berto Calasso, ensaísta de renome internacional que
nos aproxima do modo original de transmissão do saber
sobre a criação do mundo, dos deuses e dos homens.
Após um mergulho nas mais antigas fontes de fertili­
dade criativa do mundo — os mitos e lendas —, é bem
provável que tanto alunos como professores percebam a
ampliação de sua própria criatividade.
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