187 RELEVOS CÁRSTICOS EM ROCHAS NÃO CALCÁRIAS: UMA REVISÃO DE CONCEITOS Vinícius Duarte Guareschi1 Andréa Valli Nummer2 Introdução A superfície terrestre passa por constantes modificações que se desenrolam desde sua formação, fruto de sua dinâmica interna, ou processos endógenos, somado aos fatores externos que constituem os processos exógenos. Como argumenta Florenzano (2008), a superfície da Terra não é plana nem uniforme em toda a sua extensão, caracterizando­se por elevações e depressões de diferentes formas que constituem o relevo, sendo este resultado da interação da litosfera, atmosfera, hidrosfera e biosfera. Neste sentido, o estudo do relevo é imprescindível para a análise geográfica, já que atua como fator condicionante para inúmeros outros elementos de uma paisagem como vegetação e hidrografia, bem como fator determinante para diversas atividades econômicas ligadas a exploração de recursos naturais podendo caracterizar geograficamente um espaço. Um tipo de relevo que merece destaque devido a sua gênese e evolução diz respeito aos relevos cársticos. Estas formas de relevo foram inicialmente identificadas em rochas calcárias e são resultados de processos geoquímicos de dissolução. Contudo, é importante destacar que rochas não calcárias também apresentam processos de dissolução e os resultados assemelham­se as formas originadas no carste de rochas calcárias. Assim, para indicar formas cársticas em outras rochas que não as carbonáticas, é muito comum o uso da partícula “pseudo” dando origem a nomes como pseudo­dolina, pseudo­uvala, etc. Conforme Kohler (2005) a Geomorfologia Cárstica abrange o estudo da forma, gênese e dinâmica dos relevos elaborados sobre rochas solúveis pela água, tais como as carbonáticas e os evaporitos, e mesmo rochas menos solúveis, como os quartzitos, granitos, basaltos, entre outras. Neste contexto, o presente trabalho faz uma reflexão acerca da evolução do conceito de relevos cársticos, bem como expõem algumas nomenclaturas usadas para denominar estas feições em diferentes litologias, além de trazer exemplos de publicações e questionamentos sobre a origem e evolução destas formas. 1 2 Mestrando em Geografia ­ Universidade Federal de Santa Maria Prof.ª Dr.ª Depto. de Geociências ­ Universidade Federal de Santa Maria 188 Relevos cársticos em rochas não calcárias: uma revisão de conceitos Morfologia Cárstica Segundo Carvalho Júnior (2008) o termo "Karst" é oriundo da região do Carso (em esloveno, Kars), localizada no sudoeste da Eslovênia até o noroeste da Itália, formada de rochas carbonáticas. Na Língua Portuguesa Brasileira, o termo inicialmente usado para designar os fenômenos decorrentes da ação da água nos calcários é "Carse", posteriormente substituído por "Carste" (CABRAL, 2004). Carste, na sua essência, sempre foi considerado uma forma de relevo específico de rochas calcárias onde o principal agente modelador é a água, através do processo de dissolução do carbonato de cálcio componente dessas rochas, na qual os resultados morfológicos deste fato recebem várias denominações, em virtude das diferentes formas presentes nas superfícies com substrato calcário, relacionadas, possivelmente, ao estágio em que se encontra o processo de dissolução da rocha, ou seja, lapiáz, dolinas, uvalas, poljés, canhões, cavernas e outras (FLORENZANO, 2008). Para Carvalho Júnior (2008), dois critérios são importantes para se definir a presença de um relevo cárstico, sendo o primeiro o transporte de massa, no qual a dissolução é o processo mais importante, e a morfologia, caracterizada por formas de relevo típicas dos processos de dissolução. Formas Cársticas mais comuns Lapiás É a feição característica que marca o desenvolvimento inicial do carste. Refere­se ao conjunto de todas as microformas que entalham a superfície das rochas solúveis. Os campos de lapiás são comuns em todo o carste (BIGARELLA et al., 1994). Correspondem às caneluras ou sulcos superficiais nas rochas calcárias, podendo estar recobertas por uma camada de solo (“terra rossa”) ou aflorar a céu aberto. Quando apresentam uma camada de “terra rossa”, supõe­se que o ataque se efetuou através da ação dos ácidos húmicos, ao longo do escoamento sobre a rocha recoberta de solo. São formas potenciais que surgem como verdadeiros lapiás após a remoção da cobertura edáfica. No segundo caso, quando afloram a céu aberto, o fator responsável é o escoamento das águas pluviais. As vertentes do relevo sofrem um processo evolutivo muito especifico. A atividade da água segue as fissuras, diáclases ou planos de estratificação, imprimindo uma ação química preponderante na rocha calcária, e eventualmente mecânica, corroendo­as e erodindo­as. Os planos de menor resistência da rocha são escavados e originam relevos Vinícius Duarte Guareschi; Andréa Valli Nummer 189 íngrimes de cristas agudas. As dimensões das caneluras e das cristas podem variar de alguns milímetros a mais de 10 metros, sendo as formas mais comuns em torno do decímetro ao metro. As diferenças de forma e de dimensões são explicadas pela resistência da rocha aos processos intempéricos e aos mecanismos de dissolução. Dolinas O vocábulo dolina, é de origem servo­croata sendo usado para se referir a depressões fechadas com contornos circulares ou ovais, com bordo geralmente apresentando declividades acentuadas e afloramento de rocha, e o fundo pode estar recoberto por uma camada de argila (terra rossa). Sua origem está associada à dissolução de rochas calcárias pela percolação de água contendo CO2 e ácidos húmicos em solução. As dolinas também podem ter origem a partir do colapso (desabamento) do teto de cavernas. No primeiro caso, são mais ou menos circulares ou ovaladas e no segundo, forma depressões mais ou menos afuniladas. De acordo com Christofoletti (1980), as dolinas podem ser consideradas como a forma fundamental do relevo cárstico, e são de tamanho e morfologia variável. Em relação ao tamanho, variam de um a mais de 1000 metros de largura, e de poucos centímetros a mais de 300 metros de profundidade. Uvala O termo uvala é de origem eslava, sendo usado para designar uma depressão alongada provavelmente pela coalescência de duas ou mais dolinas. Quando a evolução da dolina ocorre em superfície mais rapidamente que em profundidade, origina uma depressão mais ampla com contornos sinuosos, de forma elipsoidal quando formada pela conjunção de duas dolinas. De acordo com Bigarella et al. (1994) a formação da uvala aumenta consideravelmente a capacidade absorvente de água na região calcária. A presença da uvala implica num certo grau de evolução do carste mais avançado do que a dolina em si. A figura I mostra uma feição tipo uvala que se forma a partir da coalescência de duas ou mais dolinas. Figura I ­ Representação de Dolinas e Uvalas. Fonte: Bigarella (1994). 190 Relevos cársticos em rochas não calcárias: uma revisão de conceitos Poljé Nos idiomas eslavos significa campo ou área cultivada. Na literatura geomorfológica internacional é utilizado para designar uma planície cárstica ou uma grande depressão resultante da dissolução de extensas áreas com rochas calcárias. Os poljés tem sua origem ligada a fatores estruturais da rocha, como falhas, fraturas, horizontalidade de camadas, entre outros, assim como o processo de corrosão. O fundo do peljé apresenta­se como uma bacia nivelada, preenchida com aluviões ou coberta de “terra rossa”. Devido a esses fatores os poljés são áreas muito férteis sendo preferidos para a agricultura como para o estabelecimento de núcleos urbanos. Na planície de poljés podem ser encontradas dolinas e sumidouros por onde escoam as águas pluviais e os eventuais córregos que drenam a área. Quando o fluxo das águas excede a capacidade de escoamento do sumidouro, os poljés sofrem inundações temporárias, originando lagos cársticos efêmeros (BIGARELLA et al., 1994). A figura II mostra o esquema de um poljé, no qual se observa um rebaixamento da superfície do terreno causado pela dissolução de parte da rocha. Figura II- Representação esquemática de um poljé. Fonte: Bigarella (1994). Canhões São vales de paredes abruptas, isto é, vales encaixados, os quais adquirem características mais típicas quando cortam estruturas sedimentares que pouco se afastam da horizontal. Forma­se uma série de degraus ou patamares ao longo do corredor escavado pela erosão. Os canhões são vales em garganta, assemelhando­se a grandes desfiladeiros, onde a diferença entre a linha do talvegue e o topo do planalto pode variar de algumas dezenas até centenas de metros. Conforme afirma Bigarella et al. (1994) alguns canhões foram antigos rios subterrâneos que pelo desmoronamento da abóbada das galerias transformaram­se numa corrente subaérea. Vinícius Duarte Guareschi; Andréa Valli Nummer 191 Cavernas Constitui uma feição endocársticas, pois diferente das formas descritas anteriormente, as cavernas desenvolvem­se em subsuperfície, podendo atingir vários metros de profundidade. São muito comuns em áreas cársticas e resultam da percolação da água através de fraturas e fendas nas rochas. Quanto maior o teor de gás carbônico presente na água, maior será o poder de dissolução. O movimento da água no interior da rocha calcária é controlado por linhas de falhas e fraturas, sendo justamente nas paredes destes lineamentos que a corrosão tem início. No interior da caverna é possível distinguir duas zonas de acordo com a movimentação da água. Uma em que a água circula livremente, denominada de zona vadosa, e outra na qual todos os interstícios, ou fissuras estão preenchidos, denominada de zona freática. Nessa zona a água a água circula sob pressão hidrostática. Pseudo­Carste A definição do termo “carste” não se restringe apenas a formas de relevo em rochas carbonáticas, pois rochas de natureza diferentes como sedimentares detríticas e vulcânicas também podem apresentar processos e evolução morfológica semelhantes à das rochas calcárias. Assim, para indicar feições tipicamente cársticas em ambientes que não se enquadravam ao carste propriamente dito, principalmente em termos litológicos que diferem do calcário, acrescenta­se a partícula gramatical “pseudo” aos termos que definem as formas cársticas na sua originalidade. A literatura científica passou a trazer nas publicações termos como “pseudo­carste”, “pseudo­dolinas”, “pseudo­uvalas”, “tipo carste” entre outros, para designar formas tipicamente cársticas, presentes em regiões de litologias não calcárias (CABRAL, 2004). O termo pseudo­carste é usado então para definir relevos tipo cárstico presentes em rochas não carbonáticas, com origem associada a fatores como o derretimento de gelo em geleiras, dissolução em rochas levando a formação de dutos subterrâneos que, ao entrar em colapso, podem formar depressões superficiais; drenagem subterrânea em rochas areníticas que provocam a dissolução dos silicatos relacionada ao processo natural de alteração das rochas; e processos de colapsividade dos solos em sedimentos recentes, entre outros (CABRAL, 2004). Dentre as feições cársticas em rochas não carbonáticas um tipo muito comum são as dolinas, depressões fechadas com contornos circulares ou ovais, com afloramento de rochas e diâmetro superior a profundidade. Em rochas vulcânicas o aparecimento de dolinas fica favorecido quando o substrato rochoso se apresenta na horizontal, sem tectônica dobrável, mas com muitas fraturas e 192 Relevos cársticos em rochas não calcárias: uma revisão de conceitos descontinuidades do tipo disjunções verticais e horizontais. São as fraturas que conferem uma permeabilidade ao maciço e podem armazenar água, funcionando como aqüífero fraturado. Outra possibilidade de infiltração e armazenamento de água ocorre na zona de contato entre derrames, onde é comum ocorrer rocha vesicular alterada, brechas vulcânicas, vitrófiros, e disjunções horizontais. A Figura III mostra, em seguida, uma feição cártica tipo uvala formada pela coalescência de três dolinas. Figura III ­ Feição cártica tipo Uvala, formada pela coalescência de três dolinas, no Planalto Vulcânico do Rio Grande do Sul. A ocorrência de dolinas em rochas vulcânicas pode estar associadas à decomposição do vitrófiro, entre os quais um de seus componentes são os feldspatos, um dos primeiros minerais a sofrer alteração na presença da água. Assim, os derrames que apresentam em sua morfologia uma camada superior constituída de vitrófiro no topo, tendem a se intemperizar mais facilmente devido o contato com as águas meteóricas, causando a desagregação estrutural da rocha e promovendo um colapso do solo logo acima, originando uma feição tipo dolina caracterizada por uma microdepressão arredondada no terreno. Feições cársticas em rochas não carbonáticas Muitos autores ao estudarem as feições cársticas em rochas não carbonáticas acrescentam o termo “pseudo” antes do nome das feições. Entretanto, outros nomeiam as formas baseados na nomenclatura cárstica, mas destacam rocha em que tais feições ocorrem. Vinícius Duarte Guareschi; Andréa Valli Nummer 193 É possível o desenvolvimento de feições cársticas em rochas como arenitos, basaltos, granitos entre outras, desde que o intemperismo químico condicione o surgimento da morfologia. Hardt et al (2009), destacam dois motivos pelo qual durante muito tempo formas “cársticas” em rochas solúveis foram denominadas pseudo­carste. O primeiro, é de origem histórica, posto que o carste foi inicialmente estudado em carbonatos, então adotou­se, na definição, que "carste é um relevo que ocorre no calcário". Assim, quando as mesmas formas de relevo eram encontradas em outras rochas, simplesmente designava­se tais formas a categoria de não cársticas, sem qualquer estudo feito sobre sua gênese, porque se acreditava que tais formas teriam outra origem que não a dissolução. O segundo motivo, um pouco mais complexo, é com relação aos processos. Uma forma de relevo está associada a determinado processo ou processos formadores. Como o processo de formação do relevo cárstico estava ligado à dissolução do calcário, se a rocha não contém carbonatos, então não seria carste, pois não haveria dissolução destes. O problema é que a dissolução pode ocorrer em outras rochas, com reações químicas diferentes. Neste sentido, pode­se considerar “carste” baseado nas formas originadas e nos processos geoquímicos envolvidos e não apenas nas evidências litológicas. Dessa forma, podemos identificar duas linhas de raciocínio com relação à classificação de um relevo no âmbito da nomenclatura cárstica. Um está baseado no tipo de rocha, e o outro leva em consideração os processos de dissolução e as formas originárias. O primeiro restringe enormemente a inclusão de qualquer forma de relevo, permitindo somente aqueles esculpidos apenas em rochas calcárias, enquanto que o segundo abre a possibilidade para a inclusão de uma vasta gama de feições entalhadas nas mais variadas litologias, desde que as formas se assemelhem as que ocorrem nas rochas calcárias e o processo de dissolução seja o mecanismo responsável. Hardt et al (2009), apresentam dois exemplos de carste no território brasileiro, um na Chapada dos Guimarães (Estado do Mato Grosso) e outro na Serra do Itaqueri (Estado de São Paulo) ambas as áreas inserem­se em arenitos. Nas duas áreas destacam­se os processos de dissolução do arenito em subsuperficíe originando diversas cavernas. Na Chapada dos Guimarães, os autores atribuem o forte controle estrutural no substrato rochoso como importante fator para a percolação da água promovendo a dissolução do arenito. Foram identificadas diversas formas de dissolução nas superfícies rochosas, associadas ao relevo cárstico, como as ruiniformes e os arcos, bem como morrotes residuais e depressões fechadas, além das próprias cavernas. Neste sentido, os autores admitiram que a área apresenta um comportamento sistêmico, passando a ser vista como um sistema cárstico. 194 Relevos cársticos em rochas não calcárias: uma revisão de conceitos Na Serra do Itaqueri, o contexto geológico apresenta cavernas inseridas no Arenito Botucatu, quase sempre associadas a afloramentos de basaltos em posição altimétrica superior as cavidades. A hipótese para a formação de cavernas neste local é baseada na presença de basaltos, o que permitiu num passado mais úmido a ocorrência de aqüíferos com água contendo PH alto (básico) extremamente favorável à dissolução da sílica. Com o rebaixamento do nível freático, as águas abandonaram as cavidades, que perderam sustentação, gerando grandes abatimentos da porção superior. Uma terceira fase da evolução ocorre atualmente, com os condutos estabilizados, porém sofrendo dissolução da na parte superior da cavidade devido à infiltração das águas superficiais. Em outra porção da Serra foram identificadas dolinas largas e rasas com turfeiras no interior. Esta feição está associada possivelmente à dissolução das rochas devido à presença de matéria orgânica na água. Nota­se a preferência dos autores pelo uso do pelo uso dos termos referentes às feições cársticas sem a utilização do termo “pseudo” mesmo em uma área onde predominam arenitos. Uagoda; Avelar; Coelho Netto (2006), descrevem a ocorrência de depressões fechadas em quartzitos na Bacia do Ribeirão Santana, vale do Rio Paraíba, entre os Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Os autores relatam a ocorrência de feições exocársticas, como torres e dolinas em divisores, feições endocársticas, como dutos e cavernas, e feições epicárstica, depósitos que preenchem os outros dois tipos de feições. Em uma área de 20 Km2 foram identificadas 41 depressões fechadas, situadas nos divisores de águas e nas encostas das colinas convexo­retilíneas especialmente nos topos altimétricos. Observa­se a preocupação dos autores em concentrar esforços no entendimento dos processos geomorfológicos associados às formas, bem como estas inserem­se e evoluem nas encostas no contexto da bacia de drenagem. Estudando os processos erosivos na Bacia Hidrográfica do Arroio Sarandi no Rio Grande de Sul, Ávila; Nummer; Pinheiro (2010), atribuem os focos de erosão as feições cársticas associadas a fraturas de direção preferencialmente nordeste. Os autores destacam a ocorrência depressões do tipo dolinas e uvalas, feições típicas de relevos cársticos, na microbacia, porém, como a área não é formada por terrenos calcários, optaram por chamar tais depressões de pseudo­dolinas e pseudo­uvalas. A geologia local corresponde a arenitos finos a conglomeráticos com estratificações cruzadas acanaladas e planares de pequeno a médio porte. Neste sentido, o surgimento das pseudo­dolinas é atribuído à presença de rochas estratificadas com diferenciação textural sendo estas um condicionante geológico favorável à ocorrência de piping, uma vez que o fluxo de água tende a se concentrar em uma determinada camada na qual se originam aberturas em forma de tubos, que podem vir a sofrer colapsos e originar as cavidades na superfície. Vinícius Duarte Guareschi; Andréa Valli Nummer 195 Ao apresentarem uma voçoroca de grandes proporções que ocorre na bacia, os autores atribuem o avanço do processo erosivo na porção côncava da vertente a concentração de linhas de fluxo subterrânea originando dutos internos e como conseqüência, as pseudo­dolinas e pseudo­uvalas, já os fluxos superficiais seriam responsáveis por aprofundar a incisão erosiva. Observa­se a importância dada aos processos cársticos, pois da forma descrita podemos inferir que tratam­se de dolinas de abatimento, e que estas feições tem em grande parte forte contribuição para o desenvolvimento e evolução dos processos erosivos na bacia hidrográfica. Também na Depressão Central do Rio Grande do Sul (CABRAL et al., 2004) detectaram a presença de pequenas depressões nos topos de colinas e divisores de água, as quais chamaram de pseudo­dolinas por não se localizarem diretamente sobre rochas calcárias. É atribuída uma relação direta destas formas com os processos de voçorocamentos nas cabeceiras de drenagem. Anteriormente, Maciel Filho; Cabral; Spinelli (1993a) relacionaram estas formas a processos de dissolução de carbonato de cálcio, óxido de ferro (cimento) e da própria sílica, componentes significativos das estruturas sedimentares na Depressão Periférica. Neste sentido, Cabral et al (2004), afirma que alguns autores consideram que as depressões interfluviais e as próprias voçorocas podem fazer parte do conjunto de formas semelhantes às que ocorrem em rochas calcárias. No entanto, por estarem inseridas em estruturas, rochosas não calcárias, comumente recebem denominações diferenciadas da nomenclatura do sistema de relevo cárstico. Os autores concluem afirmando que levando em consideração a nomenclatura cártica, as depressões interfluviais corresponderiam as pseudo­dolinas que, dependendo do material de origem, pluviosidade e uso e ocupação do solo podem evoluir para voçorocas em cabeceiras de drenagem. As depressões interfluviais estão ligadas à ocorrência de voçorocas devido à presença de drenagem subterrânea e a considerável ação química da água em diferentes estruturas permeáveis. Gontan (2002) também constata que na Depressão Periférica do Rio Grande do Sul, as depressões úmidas circulares ocorrem nas partes planas que constituem os divisores de águas das colinas. A autora demonstra preferência pela utilização do termo pseudo­dolina pelo motivo das feições não estarem assentadas sobre rochas calcárias. Também são mencionadas depressões abertas, na qual a circularidade rompe devido sua localização em certa declividade, tomando forma alongada. A água extravasa, formando um pequeno canal hidrográfico, originando um curso fluvial de 1º ordem. Devido ao solo arenoso, estas formas evoluem transformando­se em grandes voçorocas (GONTAN, 2002). Em rochas vulcânicas são mais escassos os estudos que procuram compreender a origem e evolução de feições cársticas. No Rio Grande do Sul, no Planalto Meridional, constituído por rochas vulcânicas básicas e ácidas Maciel Filho; Cabral; Spinelli (1993b) 196 Relevos cársticos em rochas não calcárias: uma revisão de conceitos identificaram a presença de feições de relevo do tipo dolinas na sob condições tectônicas especiais como falhas, fraturas e descontinuidades. No Município de são Martinho da Serra, o autor atribuiu estas feições ao intemperismo químico do vitrófiros. Gontan (2002) afirma que o Planalto Meridional apresenta vários aspectos típicos de terrenos cársticos, sejam as pequenas depressões circulares fechadas (dolinas), lagoas naturais, afloramentos de rochas irregulares (lapiáz) e os pântanos que podem se assemelhar a poljés, embora com dimensões menores. A autora confere estas formas à dissolução parcial da rocha, principalmente o vitrófiro e também o transporte de materiais pela água. Observa­se que mesmo a área apresentando formas e processos muito semelhantes aos que ocorrem no carste, a autora optou por tratar tais feições como pseudo­cársticas, por não terem seu desenvolvimento em rochas carbonáticas. Considerações Finais O conceito de carste encontra em expansão, pois à medida que mais estudos estão sendo realizados, novas descobertas se apresentam mostrando que os processos de dissolução são responsáveis por uma imensa variedade de formas de relevo em diferentes litologias, porém muito semelhante as que ocorrem em rochas calcárias. Nota­se que o conceito vem evoluindo ao longo dos anos. A definição original de carste restringia­se a uma variedade de formas de relevo esculpidas apenas em rochas carbonáticas em que o processo de dissolução era o grande responsável. Toda e qualquer feição, por mais semelhante que fosse com as do carste “original”, mas, que não fosse formada no calcário não seria considerada carste. Mais tarde, de forma gradual, passou­se a reconhecer que mesmo rochas que não apresentavam calcário em sua constituição desenvolviam uma diversidade de formas bem parecidas com a do carste em rochas carbonáticas, inferindo­se assim que os processos atuantes seriam similares. Estes relevos foram então classificados como “pseudo­casrte” devido à rocha não ser calcário. Como feições cársticas são encontradas nas mais variadas litologias, desde arenitos até rochas vulcânicas, muitos autores vem optando em manter o nome “carste” juntamente com o nome da rocha a qual a feição está associada, assim surgem denominações como “carste em quartzitos”, “carste e arenito”, “carste em vulcânicas” etc. Gontan (2002) lembra que em debates no V Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada houve consenso de que as feições resultantes de dissolução, mesmo em outra rocha que não calcário, seriam “Carste” verdadeiro. No entanto, ainda observamos em algumas classificações, uma grande influência dos conceitos tradicionais sobre “carste” no qual o fator litologia exerce grande controle. Muitos Vinícius Duarte Guareschi; Andréa Valli Nummer 197 autores estudando formas semelhantes a do carste, e considerando a possibilidade de existência de processos geoquímicos de dissolução tanto no exterior como subterraneamente, e uma série de implicações em decorrência de manifestações típicas de áreas cársticas, tais feições ainda são tratadas como “pseudo­carste” por não se desenvolverem sobre rochas carbonáticas. Entretanto, nem tudo pode ser carste, é essencial que algumas condições sejam estabelecidas, como a forte atuação do intemperismo químico na rocha e a existência de formas resultantes típicas de processos geoquímicos de dissolução. Dessa forma, concordamos com Hardt et al. (2009) quando afirmam que não se pode aceitar mais simplesmente atribuir um termo genérico e pouco claro a uma área, denominando­a pseudo­carste, simplesmente porque não se trata de calcário. Por outro lado, não é porque existem formas que se assemelham ao carste em uma determinada área que é necessariamente carste. O equilíbrio tem de ser encontrado, e a definição se uma determinada área é ou não carste deve ser feita após estudos do relevo e processos que atuam ou atuaram na mesma. Referências AVILA, L, O, de.; NUMMER, A., PINHEIRO, R, J, B. Erosão na Microbacia do Arroio Sarandi: voçoroca do Buraco Fundo, Santa Maria/RS­Brasil. In: SEMINÁRIO LATINO­AMERICANO DE GEOGRAFIA FÍSICA, 6.; SEMINÁRIO IBERO­AMERICANO DE GEOGRAFIA FÍSICA, 2., 2010, Coimbra. Anais... Coimbra: Universidade de Coimbra, 2010. p. 01­14. BIGARELLA, J. J.; BECKER, R. D.; SANTOS, G. F. Estrutura e origem das paisagens tropicais e subtropicais. In:______. Paisagem Cárstica, vol 1, ed. 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