Conteúdos recorrentes no relato verbal de pessoas com câncer

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Conteúdos recorrentes no relato verbal de pessoas com câncer:
uma possibilidade de análise com vistas à prevenção 1
Renatha El Rafihi Ferreira
[email protected]
Universidade Estadual de Londrina – UEL
Silvia Aparecida Fornazari
Universidade Estadual de Londrina – UEL
Wagner Rogério da Silva
“O câncer é considerado uma doença crônica, degenerativa e de rápida proliferação, causada por
uma alteração do equilíbrio celular” (Neves, Santos, & Domingos, 2004, p. 201). Sendo uma doença
que se caracteriza pela anormalidade das células e sua divisão excessiva, a palavra câncer é usada
para designar neoplasias e tumores malignos (Carvalho, 2002). Considerado como um problema
atual de saúde pública, o câncer atinge altos índices de incidência, sendo referido como a segunda
causa de mortalidade no Brasil, e superado apenas por doenças cardiovasculares (Martins, 2001).
Hoje já se sabe que o câncer não possui uma única causa, mas é determinado por múltiplos fatores
que se combinam entre si. De acordo com Straub (2005), algumas formas de câncer são causadas por
vírus, contudo a maioria delas tem sua causa explicada por mutações genéticas que gradualmente
se acumulam no período de anos. O autor cita, ainda, a teoria da vigilância imunológica, segundo
a qual as células cancerosas são impedidas de se espalhar por agentes do sistema imunológico que
patrulham o corpo em busca de células anormais. O estresse prolongado pode comprometer o
sistema imunológico, permitindo que as células malignas se espalhem.
“O estresse persistente pode limitar a capacidade de uma célula de reparar o DNA, embora a
idade, a história familiar e a presença de um sistema imunológico comprometido também possam
ter influência na saúde do indivíduo” (Straub, 2005, p.389). O estresse e as perdas significativas
desde há muito tempo estão sendo investigadas na sua relação com a história anterior à doença
(Carvalho, 2002).
Assim, pode-se dizer que “o câncer implica uma alteração biológica envolvendo multiplicação
desordenada e rápida de células anormais, podendo decorrer de aspectos genéticos e/ou ambientais,
porém sujeitos a influências pessoais através do grau de controle do sistema imunitário” (Löhr &
Amorim, 1997, p.36). Contudo, o controle do sistema imunológico está relacionado diretamente às
formas do indivíduo lidar com as situações que a vida lhe impõe, as quais decorrem da história de
aprendizagem da pessoa (Löhr & Amorim, 1997).
1 Iniciação científica de Renatha El Rafihi Ferreira realizada durante o curso de graduação em Psicologia na Universidade Paulista
(UNIP – Assis/SP), sob orientação da Profa. Dra. Silvia Aparecida Fornazari e co-autoria de Wagner Rogério da Silva.
Apoio financeiro (bolsa): Vice-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da UNIP.
Comportamento em Foco 1 | 2011
Instituto de Análise do Comportamento em Estudos e Psicoterapia – IACEP Londrina/ PR
191
Comportamento em Foco 1 | 2011
Ferreira . Fornazari . Silva
Outro fator relevante refere-se a que o câncer, na sociedade ocidental, ainda é permeado por
muitos estigmas. Receber um diagnóstico de câncer ou entrar em contato com pessoas significativas
ou próximas, com câncer, é o mesmo que receber uma sentença de morte, predispondo a pessoa
ao sofrimento, morte, desespero, medo, dor, mutilação, deformação, contágio, abandono, perda da
capacidade produtiva, perda do atrativo sexual e outras que contribuem de certa forma para um
afastamento do portador de neoplasia da sociedade (Chiattone, 1992; Martins, 2001).
É relevante lembrar que esses estigmas e representações também acarretam barreiras psicológicas à
prevenção do câncer, onde se destaca a cancerofobia: “padrão comportamental complexo de respostas
não preventivas com suas respectivas variáveis antecedentes e conseqüentes e variáveis contextuais,
que fazem parte da história de vida passada e de reforçamento de cada indivíduo” (Martins, 2001,
p. 308), tais como: atitudes pessimistas e fatalistas diante da vida; padrão de comportamentos não
assertivos e estilo passivo de enfrentamento de situações aversivas; dificuldades de relacionamentos
interpessoais; deficiência de estrutura emocional e de repertório comportamental para lidar com
frustrações, dor, sofrimento e estresse, entre outros. A falta de conhecimento sobre o assunto pode
dificultar processos preventivos ligados à doença. É necessária a consciência de que todos nós estamos
sujeitos a passar por essa situação, desmistificando a noção de que o câncer é apenas sinônimo de
morte e resignação.
A comunidade científica começa, então, a perceber que tanto o surgimento do câncer quanto
sua manutenção ou remissão vão além da natureza biomédica do problema, e assim nasce a Psicooncologia, na qual se pode encontrar o espaço para analisar o câncer sob a vertente da Psicologia,
com múltiplas abordagens (Löhr & Amorim, 1997). Pensando através da Análise do Comportamento
Aplicada, a análise funcional faz parte das etapas da avaliação comportamental, buscando as causas
do comportamento em um ambiente externo segundo a posição teórica behaviorista radical. Silvares
e Meyer (2000) relatam que, dessa forma, busca-se investigar comportamentos na vida do paciente
que possam ter uma relação com o desenvolvimento do câncer.
Skinner (1953/1998, p. 38) entende que “as variáveis externas, das quais o comportamento é função,
dão margem ao que pode ser chamado de análise causal ou funcional”. De acordo com ele, a noção de
controle está implícita em uma análise funcional: “Quando descobrimos uma variável independente
que possa ser controlada, encontramos um meio de controlar o comportamento que for função
dela” (Skinner, 1953/1998, p. 249). Analisar as contingências das quais um comportamento é função
torna-se, portanto, extremamente importante no controle comportamental e no desenvolvimento
de comportamentos saudáveis (Fornazari, 2005). Todorov (1985, p.75) define contingência como
“um instrumento conceitual utilizado na análise de interações organismo-ambiente”. Contingência
pode significar qualquer relação de dependência entre eventos ambientais ou entre eventos
comportamentais e ambientais (Catania, 1999; Souza, 2001).
192
As interações organismo-ambiente vivenciadas por um indivíduo determinam fundamentalmente
a topografia e a função de suas respostas. As relações entre os eventos ambientais e as respostas
do organismo podem estabelecer contingências, ou seja, relações condicionais entre classes de
comportamento e as classes de estímulos que lhes são antecedentes ou conseqüentes”
(Ferrari, Toyoda, Faleiros & Cerutti, 2001, p.188).
Analisar a relação que o indivíduo com câncer tem com o ambiente, no sentido de investigar as
contingências relevantes presentes na história de vida desse indivíduo e que podem ter contribuído
para o surgimento e manutenção da doença, é importante. Possibilita compreender as possíveis
hipóteses sobre fatores que podem colaborar no aparecimento da doença. Considerando a idéia da
Promoção da Saúde, em detrimento à idéia de Prevenção de Doenças (Westphal, 2006), este objetivo
é fundamental para o trabalho em prevenção, priorizando a prevenção primária e levando em
consideração também as prevenções secundária e terciária.
Segundo Skinner (1953/1998), “quando dizemos que o comportamento é função do ambiente,
o termo ‘ambiente’ presumivelmente significa qualquer evento no universo capaz de afetar o
organismo. Mas parte do organismo está encerrada dentro da própria pele de cada um” (p. 281).
Os comportamentos privados são ações do organismo que foram adquiridas de forma pública e
se manifestam de forma privada após a sua aquisição. Referindo-se tanto a estímulos como a
comportamentos que ocorrem de forma encoberta, os eventos privados não são possíveis à observação
direta (Silva, 2000). Dessa forma, os comportamentos encobertos de sentir e pensar expressariam
os sentimentos e pensamentos dos indivíduos com câncer, a importância desses comportamentos
privados em relação ao desenvolvimento da doença e até mesmo no enfrentamento desta. Considerase que esses comportamentos podem ser modificados na busca pela melhora da qualidade de vida do
sujeito portador da doença e do sujeito que busca a prevenção.
Constatado que a precariedade de informação sobre o assunto acarreta barreiras psicológicas, o
objetivo deste estudo foi investigar por meio do relato verbal a existência de conteúdos recorrentes
(que se repetem com consistência) que possam permitir posterior análise sobre a presença de
contingências comuns no desenvolvimento do repertório comportamental de pessoas com câncer.
Em acréscimo, os conteúdos foram avaliados nas fases de tratamento, pós-tratamento e terminal do
câncer. Esta proposta de estudo visa uma colaboração no que se refere a contribuições cabíveis, ou
seja, a partir dos dados obtidos, tornar-se-á possível o planejamento de intervenções que contribuam
para a melhoria da qualidade de vida de pacientes oncológicos, e até para o não desenvolvimento da
doença, atuando então como prevenção primária.
Método
Participantes
Dez pacientes oncológicos, que se encontram nas seguintes fases de tratamento: pós-tratamento,
tratamento e fase terminal, com idades em torno de 35 a 55 anos, englobando um nível socioeconômico
diversificado. Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A
pesquisa foi encaminhada e aprovada pelo Comitê de ética sob o protocolo número 112/06 CEP/ICS/
UNIP. A Tabela 1 descreve os participantes.
Local
A instituição selecionada foi a Associação Voluntária do Câncer de Assis, que compreende 670
pacientes assistidos. Mantida através de doações, a entidade realiza atividades como doações de
cestas básicas e remédios, bem como visitas domiciliares e na ala de oncologia do Hospital Regional
de Assis.
Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado, com questões que abordavam o diagnóstico,
história e qualidade de vida.
Procedimento
Em um total de 670 pacientes oncológicos que freqüentam a Associação Voluntária do Câncer de
Assis-SP, dez pessoas aceitaram o convite para participar da pesquisa por indicação da presidência
da instituição. Esses participantes foram contatados e receberam todas as informações cabíveis da
pesquisa, aceitaram participar da mesma e assinaram o termo de consentimento. As entrevistas
foram realizadas, por escolha dos participantes, nas suas respectivas residências.
Ferreira . Fornazari . Silva
Comportamento em Foco 1 | 2011
Material
193
Tabela 1
Descrição dos participantes da pesquisa de acordo com idade, sexo e tipo de câncer/
órgão de origem e fase de tratamento
Participantes
Idade/ Sexo
Tipo de câncer/
Órgão de origem
Fase de tratamento
P1
35/ feminino
Leucemia/Sangue -medula óssea
Pós-tratamento/manutenção
P2
37/ feminino
Carcinoma/mama
Pós-tratamento/manutenção
P3
42/feminino
Sarcoma/ossos
Pós-tratamento/manutenção
P4
47/feminino
Carcinoma/mama
Tratamento/Quimioterapia
P5
48/feminino
Sarcoma/ossos
P6
49/feminino
Carcinoma/mama
P7
55/feminino
Carcinoma/intestino
P8
55/feminino
Carcinoma/intestino e fígado
Fase terminal/Injeção
(morfina) e medicação (Ared)
Pós-tratamento/manutenção
Tratamento/Quimioterapia
e radioterapia
Tratamento/Quimioterapia
e radioterapia
P9
55/feminino
Carcinoma/mama
Tratamento/Quimioterapia
P10
55/masculino
Carcinoma/garganta
Pós-tratamento/manutenção
O objetivo foi somente usar as perguntas para organizar a entrevista em torno dos objetivos do
projeto, adequando-a ao relato de história de vida dos participantes. As entrevistas foram gravadas e
outras manifestações gestuais e expressivas foram anotadas pelo pesquisador. Essas entrevistas foram
transcritas e analisadas considerando os conteúdos dos relatos verbais levantados.
Análise de dados
Comportamento em Foco 1 | 2011
Ferreira . Fornazari . Silva
A análise dos dados obtidos com o relato verbal compreendeu repetidas leituras e a seleção das
verbalizações que contêm argumentos comuns referentes ao interesse da pesquisa. As leituras
repetitivas almejam revelar a complexidade das manifestações dos participantes (Marins, 1996). O
procedimento de seleção das falas visou, por meio da leitura dos dados coletados, identificar conteúdos
recorrentes e, em seguida, criar categorias de análise que permitiram indicar possíveis contingências
que possam ser sugeridas como tendo possíveis relações com o câncer. Para isso, as verbalizações
que continham informações sobre comportamentos, sentimentos, interações e situações semelhantes
vivenciadas pelos participantes foram selecionadas e submetidas a uma classificação de conteúdos
recorrentes. Em seguida, tais conteúdos foram agrupados em categorias para a realização de análises.
Todo este processo foi realizado por dois avaliadores com exigência de 90% de concordância entre
ambos para definir a classificação e a categorização nas fases de tratamento, pós-tratamento e
terminal da doença.
194
Resultados
A primeira classificação resultou nos seguintes conteúdos recorrentes: a) ambiente constituído por
relações conflituosas; b) preocupação e doação aos outros em detrimento de si mesmo; situações e/ou
vivências marcadas por estresse, dificuldades e tristeza; c) sentimento de fracasso ou inferioridade;
d) cobranças; e) dificuldades de expressar sentimentos e pensamentos; f) comportamento autoritário
e/ou rígido; g) insegurança e/ou medo; h) excesso de tarefas e responsabilidades; i) nervosismo,
ansiedade e estresse; j) abandono de desejos ou não prioridade de desejos e necessidades; e k)
conformismo. Com base nesta classificação inicial foram cridas as seguintes categorias: família de
origem, família constituída, dificuldades, perdas, estresse, trabalho, relações, objetivos, expressão e
comportamentos referentes à doença. A Tabela 2 mostra exemplos de relatos verbais literais dentro
dos conteúdos recorrentes e para cada categoria estabelecida.
A Figura 1 mostra a porcentagem total de relatos em cada conteúdo recorrente, e as Tabelas 3 e
4 mostram a porcentagem de relatos por participante nas fases: Tratamento (Tr); Pós-tratamento
(PTr) e Terminal (Trm) dentro de cada conteúdo recorrente. Na Figura 1, pode-se observar que os
conteúdos recorrentes relacionados a situações e/ou vivências marcadas por estresse, dificuldades e
tristeza aparecem em maior percentagem entre os participantes, com 90% de ocorrência. Na Tabela 3,
o dado de maior relevância é o de P9, que se encontra em fase de tratamento, cujo relato aparece em
100% das vezes relacionado a situações e/ou vivências marcadas por estresse, dificuldades e tristeza.
Participante
Relato Verbal
Conteúdos recorrentes
Categoria
P1
“Já fui assaltada e estuprada quando
estava namorando meu marido”
Situações e/ou vivências
marcadas por estresse,
dificuldades e tristeza
Estresse
P1
“Eu me sentia numa redoma de vidro,
ele (marido) era muito possessivo.”
Ambiente constituído
por relações conflituosas
Família constituída
P3
“Mas eu também sempre fui calada,
era mais contida, acho que na
verdade eu engolia mais do que
colocava para fora os problemas”.
Dificuldades de expressar
sentimentos e pensamentos
Expressão
P3
“Sempre fui rígida mesmo, eu achava
que tinha que se cobrar o horário,
que todo mundo tinha que fazer o
que eu achava que era certo e não as
pessoas, né”
Comportamento autoritário
e/ou rígido
Trabalho
P3
“Eu achava que sempre que tinha
que dar conta, a culpa era minha, eu
tinha que fazer”
Excesso de tarefas e
responsabilidades
Comportamentos
referentes à
doença
P4
“Eu perdi um pouco um sono,
mais também pelo fato de eu ser
muito ansiosa, não relaxo, né, não
descanso”
Nervosismo, ansiedade e
estresse
Comportamentos
referentes à
doença.
P4
“Não lutava não”.
Conformismo
Objetivos
P6
“Comigo mesmo sou muito exigente
em qualquer coisa que eu faça, eu
quero sempre estar fazendo e me
cobro muito, eu sempre to querendo
fazer alguma coisa”.
Cobranças
Relações
P6
“Sempre que penso na situação me
preocupo primeiro com os meus
filhos, tive muito medo ao saber do
diagnóstico, pensei primeiro nos
meus filhos, que eles não poderiam
me perder”
Preocupação e doação aos
outros em detrimento de
si mesmo.
Família constituída
Ferreira . Fornazari . Silva
Comportamento em Foco 1 | 2011
Tabela 2
Exemplos de relatos verbais classificados em conteúdos recorrentes e suas
respectivas categorias
195
Conteúdos Recorrentes
100 %
80%
60%
40%
20%
0%
Situações e vivências marcadas por estresse, dificuldades e tristezas
Dificuldades de expressar pensamentos e sentimentos
Preocupação e doação aos outros em detrimento de si mesmo
Ambiente constituído por relações conflituosas
Excesso de tarefas e responsabilidades
Nervosismo, ansiedade e estresse
Cobranças
Comportamento autoritário e rígido
Sentimento de fracasso e/ou inferioridade
Insegurança e/ou medo
Abandono de desejos ou não prioridades de desejos e necessidades
Conformismo
Figura 1
Porcentagem total de relatos em cada conteúdo recorrente
Tabela 3
Porcentagem de relatos por participante nas fases: Tratamento (Tr); Pós-tratamento
(PTr) e Terminal (Trm) dentro de cada conteúdo recorrente
Fase (%)
Conteúdos recorrentes
Participante
Situações e/ou vivências marcadas por
estresse, dificuldades e tristeza
P1
P2
P3
P5
P6
P7
P8
P9
P10
Comportamento em Foco 1 | 2011
Ferreira . Fornazari . Silva
Preocupação e doação aos outros em
detrimento de si mesmo
196
Dificuldades de expressar sentimentos
e pensamentos
Excesso de tarefas e responsabilidades
P1
P2
P3
P4
P5
P6
P7
P8
P1
P2
P3
P4
P6
P7
P8
P10
P3
P5
P6
P7
P8
Tr
PTr.
Trm
8.3
25
3.5
40
11.5
28
12.5
100
22.2
41.6
25
7.4
4.5
6.6
19.2
16
31
8.33
25
25
4.5
3.8
12
18
55.5
10.7
13.3
26.9
16
12.5
Tabela 4
Porcentagem de relatos por participante nas fases: Tratamento (Tr); Pós-tratamento
(PTr) e Terminal (Trm) dentro de cada conteúdo recorrente
Fases (%)
Conteúdos recorrentes
Participantes
Tr
31.8
Nervosismo, ansiedade e estresse
P4
P5
P7
P8
P10
Cobranças
Comportamento autoritário e/ou rígido
P1
P3
P4
P6
P3
P4
P6
P7
Trm
6.6
4
18.7
22.2
16.6
3.5
26.6
19.2
20
8.3
17.8
22.7
7.6
10.7
9
7.6
4
16.6
14.2
3.8
Sentimento de fracasso ou inferioridade
P1
P3
P6
Insegurança e/ou medo
P3
P4
P5
4.5
Abandono de desejos ou não prioridade de desejos e
necessidades
P4
P8
18.1
6.2
Conformismo
P4
7.1
6.6
4.5
Outros conteúdos que aparecem de forma considerável neste estudo estão relacionados à
preocupação e doação aos outros em detrimento de si mesmo e dificuldades de expressar sentimentos
e pensamentos – que aparecem na Figura 1 com 80% de ocorrência entre as pessoas entrevistadas.
Nota-se que em ambos os conteúdos há presença, prioritariamente, de participantes em fase de
tratamento e pós-tratamento, o que pode ser visualizado na Tabela 3.
Entre os conteúdos recorrentes, o que se refere ao conformismo, apresentou apenas 10% de
ocorrência na amostra, tendo, portanto, o menor índice mostrado na Figura 1. Na Tabela 4 pode-se
observar que o único participante que apresentou relato deste tipo encontra-se em fase de tratamento
do câncer.
A Figura 2 mostra a porcentagem total de conteúdos recorrentes em cada categoria definida. As
Tabelas 5 e 6 mostram a porcentagem de conteúdos recorrentes nas categorias por participante,
nas fases: Tratamento (Tr); Pós-tratamento (PTr) e Terminal (Trm). De acordo com a Figura 2, as
categorias perdas, estresse e comportamentos referentes à doença se destacam, aparecendo com 90%,
80% e 80%, respectivamente, entre os participantes. A Tabela 5 revela que nestas categorias é notável
a presença de participantes em fases de tratamento, pós-tratamento e terminal.
Ferreira . Fornazari . Silva
Comportamento em Foco 1 | 2011
Ambiente constituído por relações conflituosas
P1
P3
P5
P6
P7
PTr.
197
Categorias
100 %
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
Família de origem
Objetivos
Família constituída
Trabalho
Expressão
Relações
Dificuldades
Comportamentos
referentes à doença
Estresse
Perdas
0%
Figura 2
Porcentagem total de conteúdos recorrentes em cada categoria definida
Tabela 5
Porcentagem de conteúdos recorrentes nas categorias por participante nas fases:
Tratamento (Tr); Pós-tratamento (PTr) e Terminal (Trm)
Fases (%)
Categoria
Participantes
Perdas
P2
P3
P4
P5
P6
P7
P8
P9
P10
Comportamento em Foco 1 | 2011
Ferreira . Fornazari . Silva
Estresse
198
Comportamentos referentes à doença
Dificuldades
P1
P2
P3
P4
P5
P8
P9
P10
P1
P3
P4
P5
P6
P7
P8
P10
P1
P2
P3
P4
P5
P6
P8
Tr
PTr.
Trm
25
10.7
4.5
6.6
7.6
16
25
50
33.3
33.3
25
14.2
18.1
26.6
6.2
50
22.2
16.6
14.2
50
6.6
7.6
4
25
22.2
16.6
25
7.1
4.5
6.6
3.8
18.7
Tabela 6
Porcentagem de conteúdos recorrentes nas categorias por participante nas fases:
Tratamento (Tr); Pós-tratamento (PTr) e Terminal (Trm)
Fases (%)
Categoria
Participantes
Relações
P1
P2
P3
P5
P6
P8
P10
Expressão
Trabalho
Família constituída
Objetivos
Família de origem
P3
P4
P5
P6
P7
P8
P10
P3
P4
P5
P6
P8
P1
P3
P5
P6
P7
P1
P3
P4
P6
P1
P4
P7
Tr
PTr.
Trm
8.3
25
21
26.7
30.7
12.5
11.1
10.7
4.5
6.6
3.8
12
6.2
11.1
14.2
4.5
13.3
15.3
6.2
8.3
3.5
6.6
23
64
8.3
3.5
9
7.6
8.3
4.5
4
Em menor proporção aparece a categoria referente a relatos relacionados à família de origem,
demonstrados na Tabela 6, com 30% dos participantes que se encontram em fases de tratamento e
pós-tratamento.
A presente pesquisa teve como objetivo investigar, por meio de relato verbal, a existência de
conteúdos recorrentes (que se repetem com consistência) e que possam permitir posterior análise
sobre a presença de contingências comuns no desenvolvimento do repertório comportamental de
pessoas com câncer. Em acréscimo, os conteúdos foram avaliados nas fases de: tratamento, póstratamento e terminal da doença. Os dados obtidos mostram a existência de conteúdos recorrentes
no relato verbal de pacientes com câncer que foram inicialmente classificados como sendo situações
e/ou vivências marcadas por estresse, dificuldades e tristeza (90%); preocupação e doação aos outros
em detrimento de si mesmo (80%); e dificuldades de expressar sentimentos e pensamentos (80%).
As classificações dos conteúdos recorrentes, posteriormente agrupados em categorias de análise,
sugerem maiores incidências em relatos sobre perdas (90%), estresse (80%) e referentes à doença
(80%). Com menor frequência, mas com destaque, ficaram: dificuldades (70%), relações (70%),
expressão (70%), trabalho (50%), família constituída (50%), objetivos (40%) e família de origem
(30%). Portanto, o presente estudo permitiu identificar relatos verbais com conteúdos comuns
Ferreira . Fornazari . Silva
Comportamento em Foco 1 | 2011
Discussão
199
em pacientes com câncer e também indicar a que tais conteúdos se referem. Com isso, algumas
discussões podem ser realizadas.
Os resultados que indicam que os conteúdos dos relatos têm maior recorrência em situações e/
ou vivências marcadas por estresse; por dificuldades e tristeza, preocupação; doação aos outros em
detrimento de si mesmo; e dificuldades de expressar sentimentos e pensamentos, podem sugerir
que a maioria dos pacientes do presente estudo passou e/ou passa por experiências incluídas nesses
tipos de conteúdos. Os dados indicados pelas categorias sugerem que perdas e estresse apareceram
Comportamento em Foco 1 | 2011
Ferreira . Fornazari . Silva
como temas dentro dos quais os conteúdos recorrentes se concentram com maior incidência. O
estresse e as perdas significativas desde há muito tempo são investigados como fatores de influência
na história anterior à doença, como se pode observar em Straub (2005), Conde, Pinto-Neto, FreitasJúnior e Aldrighi (2006) e Venâncio (2004). Com relação às demais categorias é possível indicar
que as dificuldades ao longo da vida, as dificuldades nas relações, na expressão dos sentimentos
e dos desejos, no trabalho, na família constituída e de origem, bem como a não realização dos
próprios objetivos são fatores que aparecem como importantes para a amostra estudada. Com isso,
parece lícito sugerir que os temas levantados com base nos conteúdos dos relatos de pessoas com
câncer podem servir como indicativos de condições comuns vivenciadas por estas pessoas nas suas
histórias de vida. Portanto, considerando que um ponto comum entre os participantes é o câncer
e que outro pode ser sustentado como os conteúdos recorrentes dentro das categorias indicadas
no presente estudo, parece possível sugerir que as experiências vivenciadas, expressas através dos
conteúdos relatados, sugerem alguma relação com a doença. Tal relação pode ser especulada como
esses conteúdos atuando como facilitadores do aparecimento e/ou manutenção do câncer (Straub,
2005, Martins, 2001, Löhr e Amorim, 1997).
Mais um dado importante a ser discutido refere-se à fase de tratamento dos participantes.
As “diferentes fases de tratamento médico do câncer são: prevenção, diagnóstico, tratamento,
reabilitação, pós-tratamento ou acompanhamento na fase terminal através de cuidados paliativos”
(Löhr e Amorim, 1997, p. 30). Os participantes estudados estavam nas fases de tratamento, póstratamento e terminal, e as Tabelas 5 e 6 mostram que as maiores porcentagens de conteúdos
recorrentes para pacientes em tratamento e pós-tratamento encontram-se nas categorias perdas e
estresse. Outro dado importante mostrado nas Tabelas 5 e 6 indica que as maiores porcentagens de
conteúdos recorrentes estão em estresse e relações. Considerando que esses pacientes, de uma forma
ou de outra, passaram por um tratamento que envolveu quimioterapia e/ou radioterapia, muitas
vezes incluindo procedimentos invasivos como cirurgias, é possível sugerir que suas experiências
tenham influenciado o conteúdo de seus relatos verbais com relação aos eventos passados, ou seja,
a forma como o indivíduo descreve hoje a experiência passada pode ser diferente da forma como
200
descreveria sem passar por tais experiências. Mas os dados permitem indicar que condições vividas
de perda e estresse são altamente presentes nos relatos verbais durante e depois do tratamento dos
pacientes com câncer que participaram do presente estudo, sugerindo que experiências na história
passada que envolvam tais temas podem ter relação com a doença.
Do ponto de vista de uma interpretação dos resultados com base na Análise do Comportamento,
os dados obtidos no presente estudo permitem apenas especulações teóricas. Os conteúdos
recorrentes dos relatos verbais categorizados sugerem que os pacientes passaram por uma história
de vida marcada por interações com o ambiente que produziram como consequência para seus
comportamentos quantidade maior de punição em relação ao reforçamento positivo (Skinner, 1953;
Catania, 1999). Os relatos concentrados em perdas e estresse podem corroborar esta análise, pois
sinalizam para experiências passadas com contingências (Souza, 2001) que envolveram eventos
aversivos, que podem ter atuado como antecedentes e/ou consequências de ações, e estabeleceram
padrões comportamentais caracterizados como fuga e esquiva que podem gerar efeitos danosos se
mantidos como predominantes no repertório de um individuo (Sidman, 1989).
Em acréscimo aos efeitos sobre o comportamento observável, o controle aversivo (Baum, 1994)
gera respostas dentro do organismo que não são acessíveis publicamente (respondentes), mas que
expõem o corpo do indivíduo a alterações em seu funcionamento interno controladas pela presença
de eventos do ambiente externo que adquirem função disparadora destas alterações em condições
aversivas (Camechi & Abreu-Rodrigues, 2005). Com isso, a exposição a eventos aversivos gera
como efeitos comportamentos de fugir ou evitar e, em acréscimo, produz reações no organismo
que podem ser prejudiciais ao próprio individuo, dependendo da intensidade e duração do evento
aversivo. Neste sentido, a consistência com a qual os conteúdos envolvendo perdas e estresses são
relatados sugerem que os pacientes do presente estudo foram e são expostos a eventos aversivos com
potencial de gerar reações orgânicas adversas por longos períodos. A literatura sobre câncer indica
que tal condição pode contribuir para o desenvolvimento da doença (i.e, Straub, 2005). Entretanto,
os dados do presente estudo não permitem sustentar que indivíduos cujo desenvolvimento do
repertório comportamental se deu em ambiente predominantemente aversivo têm ou terão câncer,
mas sugere que indivíduos com esta doença podem ter o comportamento sob controle aversivo de
modo predominante em relação ao controle por reforço positivo.
O presente trabalho permite concluir que existem conteúdos recorrentes no relato verbal de
pessoas com câncer que permitem inferir contingências comportamentais vividas pelos pacientes
com potencial de influência no desenvolvimento e/ou agravamento da doença.
Em momento nenhum foi considerado o objetivo de descrever de maneira conclusiva quais
contingências geram ou agravam o câncer. Um estudo individualizado de cada participante teria que
ser realizado para uma aproximação de tal objetivo, e ainda assim, seria impossível isolar todas as
variáveis necessárias na vida de um ser humano, de forma a conseguir descrever quais são aquelas
que teriam gerado ou agravado a doença. O objetivo deste presente trabalho foi apenas considerar
as possíveis condições, no caso, através da análise de conteúdos recorrentes no relato verbal da vida
de dez pessoas com câncer, que possam ter interferido e contribuído para o desenvolvimento da
patologia.
A prevenção é o objetivo último. Considera-se que, conhecendo as contingências que podem
influenciar no desenvolvimento e agravamento do câncer, as pessoas em geral podem tentar, de
alguma forma, evitar tais contingências de risco ou ainda minimizar o seu efeito. O presente estudo
permitiu inferir que contingências aversivas estão ou estiveram presentes de modo predominante
na vida dos participantes, e isto sinaliza para a necessidade de buscar a criação de contingências
alternativas, como a realização de atividades que reduzam o estresse, situações conflituosas,
preocupações excessivas, doação excessiva ao outro em detrimento de si, dificuldades de expressão,
entre outras. Neste caso, ressalta-se, inclusive, a possibilidade de procurar ajuda de profissionais da
saúde, como o psicólogo, para prevenção e/ou minimização da problemática.
Este trabalho pretende ainda embasar futuras pesquisas, como por exemplo, a possibilidade
de responder outras questões como a influência de pensamentos e sentimentos, e a realização de
uma análise funcional de contingências específicas presentes na história de reforço e punição dos
participantes oncológicos. As autoras vêm trabalhando nessas temáticas e em outras, como a influência
da fé, incluídas aí a religiosidade/espiritualidade (Fornazari & Ferreira, 2010), considerando que os
participantes deste presente trabalho se referiram a tais aspectos com muita frequência.
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