SISTEMA ELETRÔNICO PARA A SIMULAÇÃO DA CONDUÇÃO DE UM IMPULSO ELÉTRICO ATRAVÉS DE UM NEURÔNIO Aline Rocha de Assis, Rafael Alves Ferreira, Rodney Silva Abreu, Daniel Souto Siqueira, Danilo Bettoni Molina, Gleisson Wagner, Natália Morais, Nayara Nascimento, Raphael de Oliveira Agudo, Diego de Oliveira Neves, João Batista Destro Filho. Laboratório de Engenharia Biomédica, Faculdade de Engenharia Elétrica, Universidade Federal de Uberlândia, Av. João Naves de Ávila 2121, Campus Santa Mônica, 38400-902, Uberlândia, MG, Brasil. [email protected], [email protected] Resumo – O projeto tem como objetivo simular eletronicamente a condução do impulso nervoso ao longo da membrana celular de um neurônio, bem como a respectiva sinapse. Foram realizados estudos teóricos tanto no âmbito das ciências biológicas (fisiologia do neurônio, potencial de ação, equação de Nernst, sinapse elétrica e química); como também na área de eletrônica, sobre o funcionamento de alguns componentes como o transistor, o amplificador operacional e o par diferencial. O circuito é composto de duas partes. Na primeira, utiliza-se o modelo elétrico clássico da membrana celular; e a segunda consiste na representação da sinapse através de uma proposta simples e ilustrativa. A implementação e a conexão das duas partes é discutida através de simulações. Os resultados obtidos evidenciam a utilidade do sistema para fins didáticos, em um contexto multidisciplinar. Palavras-chaves – circuito, equação de Nernst, impulso nervoso, neurônio, simulação, sinapse. AN ELECTRONIC SYSTEM FOR SIMULATING ELECTRICAL SIGNALLING TRANSMISSION THROUGH A NEURON Abstract – This project is devoted to the electronic simulation of the electrical signal propagation along the cellular membrane of a neuron, including the synaptic process. Our research involved a theoretical study of basic concepts on neurophysiology (action potential, Nernst equation, synaptic process), as well as on microelectronics (operation and connection of transistors, operational amplifiers and the differential pair). Our circuit is composed of two parts. In the first one, we consider the classical electrical model of the neuronal membrane, based on the transmission-line approach; and the second one is based on an original propostion for the representation of the synapsis. The implementation and connection of the two parts is discussed based on simulations. Results point out that our system is useful for multidisciplinary education. Keywords – circuit electrical, Nernst equation, neuron, signalling, simulation, synapsis. NOMENCLATURA "Artigo publicado na IV Conferência de Estudos em Engenharia Elétrica (IV CEEL) realizada no período de 22 a 24 de Novembro de 2005 na Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia MG." R constante dos gases perfeitos z valência do íon F constante de Faraday [ion]e e [ion]i concentrações nos meios extracelular e no intracelular respectivamente gK e gNa respectivamente a condutância do potássio e a condutância do sódio I. INTRODUÇÃO A. Motivações Alguns problemas de fronteira da área médica (gerenciamento da dor, distrofias, toxicomania, doenças autoimunes) exigem novas formas de terapia, dentre as quais se devem destacar aquelas associadas à engenharia neural (neuroimplantes; neuro-estimulação); à síntese de fármacos eficientes, para os quais os efeitos colaterais são minimizados; e à terapia celular, baseada no conhecimento adquirido através dos projetos de pesquisa genoma e proteoma. O desenvolvimento e a utilização destas novas formas de terapia exigem um trabalho multidisciplinar envolvendo médicos, biólogos e engenheiros. Ao mesmo tempo, essa iniciativa sugere um enfoque de pesquisa baseado no nível de modelamento biológico celular, tendo em vista que as trocas iônicas junto à membrana do neurônio constituem a base do processo de neurotransmissão. Desta forma, a simulação da cadeia de fenômenos bioquímicos da neurotransmissão consiste em um tópico de pesquisa importante para a engenharia biomédica. Embora isto possa ser feito pelo computador, pode-se cogitar implementações físicas, as quais estão mais próximas do mundo físico, ou seja, da realidade biológica. B. Fundamentação Neurofisiológica A célula fundamental do sistema nervoso é o neurônio, que é composto de três partes: corpo celular, dendritos e axônio como mostrado na Figura 1. O impulso nervoso que percorre o neurônio é de natureza elétrica e resulta da alteração de cargas elétricas na superfície interna e externa da membrana plasmática da célula nervosa. A sinapse é o ponto de interação ou junção especializada entre uma célula pré-sináptica e uma pós-sináptica como ilustrado na Figura 2. As sinapses podem ser elétricas ou químicas. Fig. 1. Condução do impulso nervoso ao longo de um neurônio. Fig. 2. Sinapse química. C. Modelamento Matemático Todas as células do organismo exibem uma diferença de potencial elétrico através da membrana citoplasmática. A causa da existência dessa diferença de potencial é devido à diferença de concentração de íons através da membrana como mostrado na Tabela I e à diferença de permeabilidade da membrana aos diversos íons. O valor de potencial que equilibra exatamente a tendência de difusão do íon a favor de seu potencial químico é o potencial de equilíbrio do íon, ou potencial de Nernst (VNi) para aquele íon. Ele pode ser obtido pela equação de Nernst (Equação 1), a qual supõe que o íon esteja em equilíbrio através da membrana: V Ni = 2.303 [ion]e RT log [ion]i zT No circuito da Figura 4 a fonte de corrente contínua (Vcc ) simula o potencial de repouso da membrana, que permanece constante em torno de –75mV. A fonte de tensão alternada representa o sinal de entrada (Vac), ou seja, o sinal recebido pela célula ao ser estimulada pelos sentidos (neurônio motor ou por outro neurônio). O capacitor (C) significaria a própria membrana, ou seja, a membrana e uma camada fosfolipídica que isola dois meios carregados com sinais opostos. As resistências (R1, R2, R3 e R4) significam os canais iônicos que oferecem resistência à entrada de determinados íons quando se está em repouso, ou seja, o potencial de ação não está sendo conduzido ao longo da célula. As Figuras 5 e 6 mostram os resultados das simulações do circuito da Figura 4 para os seguintes valores: R1 = 1kΩ, R2 = R3 = 100Ω, R4 = 200Ω, C = 10nF, Vcc = -100mV e Vac foi implementada como uma tensão senoidal de amplitude 100mV e freqüência 100Hz. Fig. 4. Circuito da membrana da célula do neurônio simulado no software ORCAD. (1) TABELA I Concentrações Iônicas das Células Nervosas da Lula ÍON K+ [ ]e (10-3 mol/L) 20 [ ]i (10-3 mol/L) 400 [ ]e / [ ]i VNi (mV) 20 -75 Na+ 440 50 0.113 +54 Ca2+ 10 0.4 0.04 +40 Mg 2+ 54 10 Cl- 500 40 a 150 orgânicos - 0.185 Fig. 5. Tensão entre o capacitor e o terra (pólo negativo da fonte contínua) em função do tempo. +21 B. Proposta de um Circuito Representativo da Sinapse 0.08 a 0.30 -30 a -63 - - 360 V0 ≈ -70mV No entanto, o potencial da membrana em repouso não é igual ao potencial de Nernst para um determinado íon e pode ser calculado pela equação de Goldman-Hodgkin-Katz (Equação 2): V0 = g K V NK + g NaV NNa g K + g Na Fig. 6. Tensão entre o resistor R4 e o terra, em função do tempo. A parte da esquerda do circuito da Figura 7 é alimentada por uma fonte de tensão V1, que gera uma corrente fazendo o LED 1 ser acionado e, assim, emitir feixes de luz infravermelho. A parte da direita, por sua vez, também é alimentada com a mesma tensão V1, e ao receber os feixes de luz, o fototransistor fecha o circuito, acionando o LED2. Este último representa, portanto, uma espécie de resposta do estímulo proveniente da parte esquerda do circuito. (2) A equação de Goldman propõe que, quanto maior é a concentração de determinada espécie iônica e quanto maior é a permeabilidade da membrana a essa espécie iônica, maior é a contribuição dessa espécie na determinação do potencial de membrana. II. METODOLOGIA A. Simulação do Circuito Associado ao Modelo Elétrico da Membrana em Repouso Fig. 7. Circuito representativo da sinapse. Na Figura 7 R1 = 1kΩ, R2 = 1kΩ, LED 1 é o emissor de infra-vermelho, LED 2 é o “led de resposta”, Fototransistor é o receptor de infra-vermelho e V1 é a tensão de entrada do circuito, igual para ambas as partes. Biologicamente, a parte da esquerda do circuito da Figura 7 é análoga ao final do axônio de um neurônio que está por emitir um impulso nervoso. Já a parte da direita assemelha-se a outro neurônio que está para receber o impulso, e depois transformá-lo em uma resposta que será passada a outra célula. III. DESENVOLVIMENTO E RESULTADOS Se eles tiverem a mesma intensidade, um inibidor e outro excitador, a tensão será nula e não haverá resposta. No entanto, se um pré-determinar, a tensão desta etapa fará com que o segundo par diferencial, ligado como oscilador controlado, gere um trem de pulsos de saída. A quantidade desses pulsos (freqüência) e sua intensidade dependem justamente da combinação dos impulsos de entrada, exatamente como no neurônio real. A implementação do circuito da Figura 8 está baseada no Amplificador Operacional 741, cujo ganho é definido como a tensão de saída (Vi) pela tensão de entrada (V0): A. Implementação do Circuito Associado à Membrana O circuito associado à membrana está mostrado na Figura 8, e foi desenvolvido com base nos resultados relatados na seção IIA deste artigo. Os dois transistores, nesta configuração, conduzem de modo a manter o mesmo potencial nos seus emissores, que estão interligados. Se um dos transistores recebe um sinal na sua base, o circuito se desequilibra de tal forma que o outro transistor também modifica seu estado de condução. Se as tensões ou estímulos aplicados nas entradas deste circuito forem iguais, o circuito se ajusta, e não se tem tensão de saída. Em outras palavras, este circuito só fornece uma resposta se os estímulos ou tensões de entrada forem diferentes entre si, devido a isso seu nome é amplificador diferencial. A = V0 / Vi A = (1 + (R1 / R2)) (3) (4) Os valores de R1, R2 foram escolhidos na ordem de k Ω , para permitir uma tensão de saída próxima à realidade biológica. B. Implementação do Circuito Associado à Sinapse Inicialmente, após testes experimentais realizados no circuito da Figura 7, relacionou-se a corrente do LED2 (receptor) à distância física relativamente ao LED1 (emissor). Os resultados estão apresentados na Figura 9. Para a obtenção destas curvas, manteve-se tensão de alimentação V1 constante, variando-se a distância D (mm) entre o LED1 e o fototransistor, e depois se fazendo a medida da corrente no LED2. Fig. 8. Circuito implementado associado à atividade de condução de um sinal elétrico pelo neurônio. No circuito da Figura 8, tem-se uma saída proporcional à diferença das tensões de entrada, em uma ampla gama de valores. Este comportamento permite fazer uma associação muito mais real ao neurônio, onde se tem uma entrada estimuladora e uma inibidora. Para que o circuito responda a pulsos com o mesmo formato de uma onda que os neurônios, levando em conta agora os tempos, acrescenta-se um integrador ao circuito. Deve-se notar que os impulsos muito rápidos não provocam respostas, somente os sinais sob forma de trens de impulsos, os quais conduzem a uma resposta contínua. Todavia, como esta última não corresponde à realidade biológica, pois neurônios respondem a trens de pulsos gerando novos trens de pulsos, deve-se ligar um capacitor de realimentação positiva entre as entradas E1 e E2 do circuito da Figura 8. A quantidade de pulsos gerados por este circuito, sua velocidade, assim como a intensidade, dependem da tensão contínua aplicada à sua entrada. Os estímulos aplicados às entradas determinam, pelas suas características, o nível de tensão gerado no par diferencial. Fig. 9. Gráfico que fornece a corrente do LED2 (receptor) em relação à distância desse último ao LED1(emissor). As curvas da Figura 9 revelam pouca variação da amplitude da corrente relativamente à distância. Tendo em vista que a curva associada à tensão V1 = 10 V apresentou a menor variação em função da distância D, fixou-se então a fonte V1 do circuito da Figura 7 em 10 V para os testes experimentais subseqüentes. Em um segundo teste experimental realizado com o circuito da Figura 7, manteve-se a distância D(mm) constante e igual a 25 mm, variando-se as tensões de entrada sobre o LED1 em 10V, 15V, 20V e 30V, e medindo-se a corrente correspondente no LED2. As curvas estão apresentadas na Figura 10, revelando uma razoável proporcionalidade entre a corrente no LED2 e a tensão V sobre o LED1. Fig. 11. Rendimento do circuito da Figura 7 em função da tensão de entrada V1. Fig. 10. Gráfico que fornece a corrente do LED2 em relação à tensão aplicada sobre o LED1. C. Conexão Para o cálculo do rendimento do circuito da Figura 7, estima-se a potência P nas duas partes do mesmo pelas seguintes fórmulas: P (5) η1 = PARTE1 PPARTE 2 Onde Pparte1 e Pparte2 correspondem, respectivamente, à potência gerada na parte 1 do circuito e a potência dissipada na parte 2, as quais podem ser estimadas por dois métodos diferentes. Onde V corresponde à tensão V1, e i corresponde à corrente que flui pelo circuito em análise. Método I: P = V x i Método II: P = R x i2 PPARTE1 = R1 x i12 PPARTE2 = R2 x i22 (6) (7) (8) (9) Efetuando-se um experimento para a medida das correntes i1 e i2, e utilizando-se os resultados das Figuras 9 e 10, foram traçados os gráficos apresentados na Figura 11. A estimação do rendimento através da Equação (6) corresponde à curva denominada “Rendimento I” na Figura 11, enquanto que o método resumido pelas Equações (7)-(9) gerou a curva denominada “Rendimento 2”. Através dos cálculos da média das duas curvas, tem-se que o desvio médio da curva I foi de 4%, enquanto que o da curva II foi de 5,3%. Os rendimentos apresentam uma diferença de 7,3% em média, sendo a média do rendimento I igual a 87,7% e a média do Rendimento II igual a 80,4%. Para o máximo rendimento, pode-se concluir que se deve considerar uma tensão V1 da ordem de 20 volts na implementação do circuito final. O par diferencial mostrado na Figura 8 recebe uma onda quadrada como sinal de entrada (E1). Neste ponto, pode-se ressaltar a importância de se alimentar o circuito com uma onda quadrada, uma vez que diante dos propósitos deste estudo, o par diferencial obedece à “lei do tudo ou nada”, o que equivale a dizer que ou ocorre condução do impulso totalmente ou não ocorre nenhuma condução. A onda quadrada permite representar esse fenômeno adequadamente. A saída do circuito da Figura 8 foi conectada à entrada do circuito da Figura 7, substituindo a fonte de tensão V1 da Figura 7. Todavia, como a saída do par diferencial da Figura 8 apresenta um nível de tensão da ordem de milivolts, este deve ser amplificado para o nível de 20 V, correspondente ao valor médio do sinal de entrada do circuito representativo da sinapse mostrada na Figura 7, conforme discutido na seção anterior. Utilizou-se outro amplificador operacional para realizar a conexão entre os dois circuitos. Este amplificador recebe a onda de saída do circuito da Figura 8, eleva seu nível de tensão e o entrega à entrada do circuito da Figura 7. Este último sinal passa pelo circuito até chegar ao fototransistor (LED1), que, por sua vez, está distanciado do fototransistor (receptor de infra-vermelho) de uma distância que visa representar a fenda sináptica. Ao receber o sinal elétrico, o fototransistor permite o acendimento do LED2, de modo a representar a ocorrência da sinapse. IV. CONCLUSÕES Pela conexão de dois circuitos analógicos simples, baseados na utilização de componentes eletrônicos baratos e facilmente encontrados no mercado, foi possível realizar a simulação de todo o processo de neurotransmissão de forma eletrônica. Possíveis refinamentos deste trabalho consistem na inclusão de circuitos mais sofisticados para melhorar as possibilidades de análise, por exemplo, considerando-se os efeitos das células gliais.