VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Estimativa dos valores de Saldo de Radiação e de Fluxo de Calor no Solo no município de São José do Sabugi – PB (Brasil), utilizando o algoritmo SEBAL Célia Cristina Clemente Machado1; Josiclêda Domiciano Galvíncio1; Tiago Henrique de Oliveira1 1 Dept. Ciências Geográficas, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – Brasil [email protected]; [email protected]; [email protected] 1. Introdução Em estudos ambientais envolvendo sensoriamento remoto e imageamento por satélite é necessária a utilização de algoritmos para estimar elementos da superfície terrestre. Dentre os algoritmos existentes, tem-se destacado o Surface Energy Algorithm for Land (SEBAL), desenvolvido por Bastiaanssen et al. (1998a; 1998b), a partir do qual se obtêm os diferentes componentes do balanço de energia. A grande vantagem do SEBAL é a de proporcionar o balanço de energia de forma efetiva e econômica. Permite grande cobertura espacial e dependendo do sensor orbital utilizado pode também apresentar grande resolução espacial. O SEBAL tem sido largamente utilizado em diversos estudos ambientais com resultados satisfatórios (Trezza, 2002; Silva et al., 2005; Teixeira et al., 2009). O saldo de radiação, um dos componentes do balanço de energia, representa a energia disponível na superfície aos processos de aquecimento do ar e do solo, à fotossíntese e como calor latente. O fluxo de calor no solo representa a fração do balanço de energia transferida por processos de condução ou difusão térmica. Ambos são de suma importância em diversas áreas de aplicação, especialmente na agricultura: o saldo de radiação é uma variável na estimativa da evapotranspiração (ET) e no cálculo do balanço hídrico essenciais para o correto manejo dos recursos hídrico (Silva et al., 2005) e o fluxo de calor no solo influencia na atividade metabólica das células das raízes, no crescimento radicular, assim como na velocidade de germinação das sementes e desenvolvimento das plântulas. Este trabalho teve como objetivo observar a variação dos valores de saldo de radiação e do fluxo de calor no solo utilizando o algoritmo SEBAL e imagens do satélite Landsat 5 – TM de décadas diferentes no município de São José do Sabugi – PB (Brasil), um município frequentemente castigado pela seca. 1 Tema 2- Expansão e democratização das novas tecnologias em Geografia Física: aplicações emergentes 2. Material e métodos 2.1. Área de estudo O município do São José do Sabugi, localizado no estado da Paraíba – Brasil (figura 1), insere-se na mesoregião da Borborema e no bioma da Caatinga (PROBIO, 2004). Situado na área de abrangência do semi-árido, apresenta um clima quente e seco, com um total anual de precipitação de cerca de 600 mm (dado da AESA – Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba) e temperaturas que oscilam de 21ºC à 36ºC (Galvíncio et al., 2009). Frequentemente, esta região está sob os efeitos danosos dos longos períodos de estiagem. Elaborado através da utilização de imagem do sensor Thematic Mapper do satélite Landsat 5 obtida através de acesso ao catálogo de imagem do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. Figura 1. Mapa de localização da área de estudo. 2.2. Processamento das imagens de satélite, TOPODATA e PROBIO Caatinga As imagens de satélite utilizadas foram do Mapeador Temático do satélite Landsat 5, cedidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), da órbita e ponto 215/065 com datas de passagem em 15 de Agosto de 1988, 11 de Agosto de 1998 e 6 de Agosto de 2008. O pré-processamento das imagens de satélite, o cômputo dos componentes do balanço de energia e a montagem final dos layout foram realizados utilizando os programas Erdas Imagine 9.3 e ArcGis 9.3 (licença do Departamento de Ciências Geográficas da UFPE). Para geração dos mapas de elevação e declividade, utilizou-se como base os dados de radar SRTM, obtidos através de acesso ao site TOPODATA. Para identificação das regiões fitoecológicas, utilizou-se a base de dados gerada através do projeto PROBIO (2004). 2 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 2.3. SEBAL O algoritmo utilizado para obtenção do saldo de radiação e do fluxo de calor no solo foi o Surface Energy Balance Algorithm for Land (SEBAL) desenvolvido por Bastiaanssen (1998a; 1998b) e amplamente empregado por Silva (2005, 2008), cujas etapas de obtenção são descritas abaixo. A calibração radiométrica (Eq. 1) é o processo de conversão do Número digital – ND de cada pixel da imagem, em Radiância espectral monocromática L λi . O cômputo da radiância ou calibração radiométrica é obtido pela equação proposta por Markham e Baker (1987): L λi bi ai ai (1) ND 255 onde a e b são as radiâncias espectrais mínima e máxima (Wm−2sr −1μm−1 ), ND é a intensidade do pixel (numero inteiro compreendido entre 0 e 255) e i corresponde às bandas (1, 2, ... e 7) do satélite Landsat 5. Os coeficientes de calibração utilizados para as imagens TM são os propostos por Chander e Markham (2003), apresentados na Tabela 1. Tabela 1. Descrição das bandas do Mapeador Temático (TM) do satélite Landsat 5 com os correspondentes intervalos de comprimento de onda, coeficientes de calibração (radiância mínima – a e máxima – b) e irradiâncias espectrais no topo da atmosfera (TOA). Coeficiente de Calibração Bandas Banda 1 (azul) Banda 2 (verde) Banda 3 (vermelho) Banda 4 (IV-próximo) Banda 5 (IV-médio) Banda 6 (IV-termal) Banda 7 (IV-médio) Comprimento de Onda (μm) 0,45 – 0,52 0,52 – 0,60 0,63 – 0,69 0,76 – 0,90 1,55 – 1,75 10,4 – 12,5 2,08 – 2,35 (Wm 2 sr 1 μm 1 ) De 01/03/1984 até 04/05/2003 a b Após 05/05/2003 -1.52 -2.84 -1.17 -1.51 -0.37 1.2378 -0.15 -1.52 -2.84 -1.17 -1.51 -0.37 1.2378 -0.15 152.10 296.81 204.30 206.20 27.19 15.303 14.38 Irradiância Espectral no Topo da Atmosfera (Wm a 2 μm 1 ) b 193.00 365.00 264.00 221.00 30.20 15.303 16.50 1957 1826 1554 1036 215.0 80,67 A reflectância é a razão entre o fluxo radiante refletido e o fluxo radiante incidente obtida segundo a equação (Allen et al., 2002) (Eq. 2): ρ λi π . L λi k λi (2) . cos Z . d r onde Lλi é a radiância espectral de cada banda, Kλi é a irradiância solar espectral de cada banda no topo da atmosfera (Wm−2 μm−1 , Tabela 1), Z é o ângulo zenital solar e 3 Tema 2- Expansão e democratização das novas tecnologias em Geografia Física: aplicações emergentes dr é o quadrado da razão entre a distância média Terra-Sol (ro) e a distância Terra-Sol (r) em dado dia do ano (DSA). As restantes etapas do SEBAL estão representadas no fluxograma da figura 2. 6.IVDN e IAF 1.Radiância Espectral 2.Reflectância 4.Transmissividade atmosférica 3.Albedo no Topo da Atmosfera 5.Albedo da Superfície 7.Emissividades da Superfície 10.Radiação de Onda Curta Incidente 8.Temperatura da Superfície 11.Emissividade atmosférica 12.Radiação de Onda Longa Incidente 13.Saldo de Radiação 9.Radiação de Onda Longa Emitida 14.Fluxo de calor no solo Figura 2. Fluxograma das etapas do processamento do balanço de radiação à superfície e do fluxo de calor no solo. O saldo de radiação à superfície Rn (W.m-2) é dado pela soma dos fluxos de radiação de ondas curtas e ondas longas e é computado pela seguinte equação de Bastiaanssen (1995) (Eq. 3): (3) Rn Rs Rs RL RL (1 )RL o onde R s é a radiação de onda curta incidente (ou radiação solar global), é o albedo corrigido, R L é a radiação de onda longa emitida pela atmosfera na direção de cada pixel, R L é a radiação de onda longa emitida por cada pixel e o é a emissividade de cada pixel. O fluxo de calor no solo G (W.m-2) foi obtido pela equação empírica de Bastiaanssen (2000) (Eq. 4), que representa valores próximos ao meio-dia: 4 (4) G Ts (0,0038 0.0074 α)(1 0,98 NDVI ) Rn onde T s é a temperatura da superfície (°C), α o albedo da superfície e NDVI o índice de vegetação da diferença normalizada, todos computados pixel a pixel. 4 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 3. Resultados e discussão Na figura 3 estão representadas as cartas do saldo de radiação (Rn) para as imagens de satélite analisadas, na figura 4 as cartas de elevação e declividade e na figura 5 a distribuição das regiões fitoecológicas no município de São José do Sabugi. Figura 3. Saldo de radiação para os dias 15 de Agosto de 1988, 11 de Agosto de 1998 e 6 de Agosto de 2008 no município de São José do Sabugi. 5 Tema 2- Expansão e democratização das novas tecnologias em Geografia Física: aplicações emergentes Figura 4. Elevação (m) e declividade (graus) no município de São José do Sabugi. Figura 5. Mapa de uso e cobertura do solo. Modificado de PROBIO (2004). 6 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Em todas as imagens processadas, os menores valores de Rn (< 450W/m2) encontraram-se nas áreas de menor altitude e declividade e zonas classificadas pela PROBIO como áreas de agropecuária (zonas mais a norte do município). Estes valores de Rn foram encontrados em parte do Lago de Sobradinho (Silva et al., 2005) e na bacia hidrográfica do rio Moxotó (Oliveira, 2009) em solo exposto. Em contrapartida, nas áreas de maior altitude (>550m) e declividade (>25 graus) e nas zonas classificadas pela PROBIO (2004) como áreas de savana estépica (zonas mais a sul do município) apresentaram os maiores valores de Rn (> 550W/m2). Estas áreas de maior altitude e declividade do município encontram-se mais preservadas justificando a existência de savana estépica arborizada e parque, regiões fitoecológicas com vegetação espaçada, caracterizadas por elementos arbóreos com até 5 metros de altura, mais ou menos densos, com total decidualidade na época desfavorável. A cobertura vegetal usualmente mais densa destas regiões justifica os maiores valores de saldo de radiação observados. Pela análise da tabela 2, é possível constatar que a média dos valores de Rn foi menor na imagem de 1998 e maior na imagem de 2008. A porcentagem de pixels na classe de valores de Rn acima de 450 W.m-2 foi muito superior na imagem de 2008 (92% dos pixels) enquanto que na imagem de 1998 a maior porcentagem dos pixels se encontrava abaixo de 450 W.m-2 (64% dos pixels). Tabela 2. Distribuição em porcentagem das classes de saldo de radiação (Rn) e a média obtida no município de São José do Sabugi. Rn (W.m-2) < 400 15-08-1988 11-08-1998 06-08-2008 6,40% 27,82% 0,85% 400-450 20,30% 36,00% 7,19% 450-500 40,96% 23,52% 35,16% 500-550 23,67% 11,44% 36,33% > 550 8,67% 1,22% 20,47% Média 479 434 510 Estes resultados foram muito influenciados pelo regime particular de precipitação observado nesses anos. O ano de 1998 foi ano de El Niño e de seca acentuada no nordeste (Melo, 1999), resultando num solo com baixa disponibilidade hídrica, vegetação com estresse hídrico e grande parte sem folhas, justificando os baixos valores de saldo de radiação observados para esse ano. Por outro lado, as 7 Tema 2- Expansão e democratização das novas tecnologias em Geografia Física: aplicações emergentes precipitações acima da média histórica observadas em 2008 (SEMA & INGÁ, 2008), resultaram num solo mais úmido e vegetação mais densa e vigorosa, justificando os maiores valores de Rn observados na imagem desse ano. De acordo com Daughtry et al. (1990), o erro médio entre medições e estimativas de Rn com sensoriamento remoto são inferiores a 7%. As peculiaridades climáticas sofridas nos anos de 1998 e 2008 são também visíveis nas cartas de fluxo de calor no solo (G) computadas (tabela 3 e figura 6). A carta de G de 1998 apresentou 98% dos pixels com G superior a 68 W.m-2. Tais valores de G foram encontrados na bacia hidrográfica do rio Moxotó - PE (Oliveira et al., 2009) em áreas com atividades antrópicas e de solo exposto. Tabela 3. Distribuição em porcentagem das classes de fluxo de calor no solo (G) e a média obtida no município de São José do Sabugi. G (W.m-2) < 60 15-08-1988 0,80% 11-08-1998 0,02% 06-08-2008 24,25% 60-64 7,45% 0,11% 22,87% 64-68 22,70% 0,67% 34,95% 68-72 60,12% 4,62% 17,91% > 72 8,93% 94,59% 0,02% Média 68,8 76,8 61,3 8 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Figura 6. Fluxo de calor no solo para os dias 15 de Agosto de 1988, 11 de Agosto de 1998 e 6 de Agosto de 2008 no município de São José do Sabugi. Em contrapartida, a carta de G de 2008 apresentou 82% dos pixels com valores de G inferiores a 68 W.m-2. A vegetação no semi-árido nordestino responde rapidamente às precipitações e, por isso, a abundante precipitação de 2008 provocou uma maior densidade de cobertura vegetal resultando nos baixos valores de G obtidos na carta de 2008. De acordo com Varejão-Silva (2006), o fluxo de calor no solo varia de acordo com o tipo de cobertura presente na superfície, pois interfere no suprimento de energia oriundo do sol. Desta forma, áreas com maior cobertura vegetal apresentam um fluxo de calor no solo menor que áreas de solo exposto. Isto também foi visível na carta de G de 1988, onde as áreas de maior altitude e declividade e classificadas pela PROBIO (2004) como áreas de savana estépica apresentaram valores de fluxo de calor no solo inferiores às restantes áreas do município. O fluxo de calor no solo é um dos componentes do balanço de energia estimados pelo algoritmo SEBAL com menor precisão, no entanto, Bastiaanssen et al. (1998b), citado por Bezerra (2006) minimizam 9 Tema 2- Expansão e democratização das novas tecnologias em Geografia Física: aplicações emergentes esse problema porque as medidas de G representam áreas pequenas onde existe pouca variação nos tipos de solo e cobertura vegetal. Isso é irrelevante em imagens de satélite Landsat – TM, onde o tamanho do pixel é de 30 X 30 m e, portanto, com grande variação na cobertura da superfície. 4. Conclusões A zona norte do município de São José do Sabugi, apresentou os menores valores de Rn e os maiores valores de G, indicando ser a região com maior potencial para desenvolver os efeitos da seca de forma mais acentuada e com maior dificuldade para o gerenciamento dos recursos hídricos. O cômputo do saldo de radiação e do fluxo de calor no solo, por fornecer informações válidas para um correto manejo dos recursos hídricos e da vegetação, tornam-se extremamente úteis para a geração de um mapeamento agroecológico, essencial em municípios fustigados por longos períodos de estiagem, como é o caso do São José do Sabugi, semi-árido do Nordeste do Brasil. As respostas observadas nos componentes computados nas imagens de 1998 e 2008 em muito se deveram ao regime de precipitação particular das datas do imageamento e não a interferência humana. Para uma análise espaço-temporal mais aprofundada de mudanças ambientais no município de São José do Sabugi, utilizando imagens de satélite, será necessário utilizar um maior número de imagens de anos distintos. 10 VI Seminário Latino Americano de Geografia Física II Seminário Ibero Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 5. Bibliografia Allen, R. G., Tasumi, M.; Trezza, R. 2002, SEBAL (Surface Energy Balance Algorithms for Land). Advance Training and Users Manual – Idaho Implementation, version 1.0. Bastiaanssen, W. G. M. 1995, Regionalization of surface flux densities and moisture indicators in composite terrain. Ph.D. Thesis, Wageningem Agricultural University, Wageningen, Netherlands. Bastiaanssen, W.G.M., Menenti, M., Feddes, R.A. & Holtslag, A.A.M.A. 1998a, ‘Remote Sensing Surface Energy Balance Algorithm for Land (SEBAL) 1. Formulation’, Journal of Hydrology, vol. 212-213, pp. 198-212. 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