Boa noite a todos os presentes e, em especial, aos meus queridos alunos, Estou muito feliz e honrado de ter sido escolhido paraninfo da turma 3301. De coração. Lamento muito e peço desculpas por não estar com vocês ao vivo, na celebração de mais essa conquista. Como vocês sabem, no momento desta cerimônia de formatura já estarei na Itália, onde fico por um ano, fazendo parte do meu doutorado e tentando me tornar um professor cada vez melhor – e, quiçá, ser digno de verdade de homenagens tão sinceras como essas, de ser eleito paraninfo de alunos tão especiais. Guimarães Rosa diz que “mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. É uma frase que muitos repetem. Mas nem todos – talvez muito poucos – pensam no sentido dessa frase. Volto a ela aqui não só porque uma verdade não perde em ser repetida, como Machado de Assis diz em algum lugar; mas também porque as (bem singelas) palavras que direi a vocês, meus alunos e amigos queridos, são sobretudo palavras de agradecimento, que buscam relembrar algo do que aprendi – e, espero, algo do que aprendemos juntos, algo que de alguma forma vocês possam, como se diz, “levar para a Vida”. Não posso fazer isso senão sendo o que sou, ou o que venho tentando ser: um professor de filosofia – e acredito que seja também por isso, e não só por minhas maravilhosas piadas, que vocês me escolheram para ser seu paraninfo... Assim, talvez não seja demais lembrar que Platão nos ensina que a filosofia, a “amizade à sabedoria”, só cresce onde há não só amigos DA verdade, mas amigos DE verdade – aqueles que crescem juntos, partilhando uma Vida em comum. É essa minha ideia de um mestre, de um professor: um amigo mais velho, às vezes mais distante, às vezes mais chegado, mas sempre disposto a crescer na convivência do amigo. É como palavras de um amigo ou, se quiserem, de um aspirante a amigo, que eu gostaria de falar aqui. Quando penso em algo para “levar para a Vida”, estou pensando em Vida com “V” maiúsculo, isto é, não simplesmente o “mercado de trabalho”, o “vestibular”, a “minha carreira”. Tudo isso tem seu lugar na nossa Vida que, todavia, não pode ser reduzida a essas exigências muitas vezes externas e escravizadoras; até onde posso ver, a Vida é, antes de tudo, esse Bem Comum do qual cada um de nós participa e pelo qual cada um responde, queira ou não, saiba ou não, enquanto vai construindo uma vida singular, própria. È para cuidar e aprender a cuidar desse Bem Comum – pelo qual, repito, todo mundo e de cada um de nós é responsável – que, acredito eu, a educação existe – mesmo que nós, todos nós, muitas vezes nos esqueçamos disso. Hamlet observa a Horácio que há mais coisas entre o céu e a terra do que pode supor nossa filosofia. Eu ousaria emendar Shakespeare dizendo que não é preciso ir tão longe para que nossa filosofia, talvez toda a filosofia, já não seja suficiente: há mais coisas em uma sala de aula do que pode supor nossa filosofia. Se vivida em toda a sua singularidade, cada sala de aula, assim como cada aluna e aluno que está nela, é um mundo, com sua terra, seu céu – e também seus infernos... Todavia, nada disso é empecilho para a filosofia. Pelo contrário: é o que possibilita seu crescimento. Pois, por um lado, impede a cristalização de doutrinas filosóficas que, por sua rigidez, são mais obstáculos do que companheiros para o filosofar, isto é, para a busca da compreensão do fundamento, a busca da raiz de todas as coisas. Por outro lado, quando vivida em sua plenitude, a sala de aula pode propiciar o solo onde pode florescer e floresce o pensamento de verdade. Este solo é o espanto, a surpresa, a admiração. Essa é a primeira coisa que aprendi, ou venho tentando aprender com vocês, queridos alunos, nesses anos que passamos juntos: é preciso ter os olhos abertos e os ouvidos atentos para o que diz o outro, se quisermos compreender mesmo a raiz das coisas – e não simplesmente esmagá-la com um monte de informações se sentido. Mas não basta fincar raízes na terra firme que é a compreensão das coisas e a escuta do próximo. Como uma árvore, cada Vida só pode crescer estendendo seus galhos, ao ar livre, na direção do espaço aberto que é a imensidão dos céus. São os céus, como horizonte para um crescimento sempre mais livre, amplo, múltiplo, que dão sentido a esse crescimento. Pois bem: os céus ou, se quiserem, a seiva da árvore da Vida é a utopia. Essa é a segunda coisa que venho tentando aprender junto com vocês: aprender a cultivar utopias. Bem entendido, a utopia o impossível, o que não pode acontecer em lugar algum – isso é a “atopia”. A utopia é aquele outro lugar em que, enraizados na compreensão do passado e do presente, vislumbramos um porvir no qual a Vida seja mesmo o espaço em que cada pessoa pode realizar-se e ser livremente o que é, sem ser oprimido pelo outro. É fincando raízes na compreensão das coisas e das pessoas e abrindo-se para todos os céus, para que todos tenham seu lugar ao sol, que a Vida pode florescer e frutificar com saúde. Essas flores e os frutos são a festa do crescimento da Vida. Esse é um terceiro aprendizado, dentre tantos, que experimentei com vocês, meus caros: a alegria, na Vida, é mesmo a prova dos nove. É no bom humor e na alegria que podemos ouvir o outro e sonhar e lutar, entre amigos, por um porvir mais justo, democrático, digno; enfim, um porvir mais humano. Peço desculpas e lamento muito não estar aí nesse momento em que vocês festejam, creio, mais um passo na direção desse futuro. Farei o que puder para que vocês possam ter em mim sempre um amigo, com o qual não só vocês possam contar para sonhar e lutar por esse porvir, mas também para uma sinuquinha de vez em quando. Quem sabe muitas ideias para esse porvir não apareçam entre uma tacada e outra? Há muito mais coisas entre o céu e a terra do que pode supor a filosofia... Mas só aceito se o Kenfai, que vai se formar ano que vem, e a Juliana Pauleto só ficarem assistindo; porque se não é covardia. É confiando que nos veremos ainda muitas vezes no futuro que digo que é e sempre será um prazer deveras inenarrável estar com vocês, brincar com vocês, deixar correr solto o que a gente quiser. Até mais, galera! Pés firmes no chão e cabeça erguida. “O carvalho mesmo assegurava que só semelhante crescer pode fundar o que dura e frutifica; que crescer significa: abrir-se à amplidão dos céus, mas também deitar raízes na obscuridade da terra; que tudo que é verdadeiro e autêntico somente chega à maturidade se o homem for simultaneamente as duas coisas: disponível ao apelo do mais alto céu e abrigado pela proteção da terra que oculta e produz.”