Palavras-chave: regra, raiz quadrada, práticas, conceitos. O

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS E CONCEITUAIS SOBRE
A RAIZ QUADRADA DE DOIS
Ricardo Fajardo
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
Resumo: Este artigo surgiu da intenção de comentar sobre o por quê de algumas regras de
1
matemática, em particular, 2 = 2 2 . O mesmo enquadra-se no objetivo específico do evento:
contribuir para a qualificação teórico-prática de profissionais em educação. Nele,
navegamos ora na aprendizagem da sala de aula, ora em conteúdos e conceitos mais formais
de Matemática. Sugerimos algumas atividades que envolvem o número 2 para serem
executadas na sala de aula que visam auxiliar o aluno no seu processo de aprendizagem. As
atividades são apresentadas numa ordem específica. No entanto, a ordem ideal fica a critério
de cada professor. É aconselhável que o professor execute a atividade complemente antes de
apresentá-la à classe. Somente desta forma, ele poderá mediar as dificuldades do aluno, que se
apresentarem. Além do mais, a sua execução prévia proporcionará que o professor investigue
todos os detalhes. Inicialmente, sugerimos um problema motivador e, após, formulamos o
problema matemático ideal, juntamente com algumas discussões que achamos relevantes.
Após, com o auxílio do Teorema de Pitágoras, introduzimos a plausibilidade da definição para
2 . Chamamos a atenção para a unicidade do número 2 . Não provamos a existência do
mesmo. Este fato pode ser encontrado na literatura em geral. Mostramos a sua localização
geométrica e a sugerimos como uma atividade a ser utilizada na sala de aula. Apresentamos
uma atividade que modela a função raiz quadrada a partir de uma ocorrência natural e também
trabalhamos com atividade de fixação de conceitos envolvendo tal função. Finalmente,
1
apresentamos uma argumentação matemática para explicar a regra 2 = 2 2 ; de maneira mais
geral,
( a)
n
m
m
= n am = a n .
Palavras-chave: regra, raiz quadrada, práticas, conceitos.
Introdução:
O presente artigo enquadra-se no objetivo específico do evento que é contribuir para a
qualificação teórico-prática de profissionais em educação, em particular, na Educação
Matemática. Discutimos vários conceitos matemáticos navegando ora na prática da sala de
aula, ora na teoria do conteúdo, pois acreditamos que ambas são essenciais para que um
professor da escola básica tenha autoconfiança e êxito no seu trabalho. As atividades são
apresentadas numa ordem específica. No entanto, a ordem ideal fica a critério de cada
professor. É aconselhável que o professor execute a atividade complemente antes de
apresentá-la à classe. Somente desta forma, ele poderá mediar as dificuldades do aluno, que se
apresentarem. Além do mais, a sua execução prévia proporcionará que o professor investigue
todos os detalhes.
Desenvolvimento:
O professor de matemática entra na sala ao iniciar o período e escreve na lousa:
Radiação
1
2 = 2 2 = 1, 41421…
Os alunos parecem perplexos. Um comenta: “eu já não entendo bem essa potenciação,
o que será essa radiação?” Ainda, outro replica: “para que serve isso?”; e assim por diante.
Nos defrontamos com vários desafios, pois se não motivarmos o aluno, como ele irá se
interessar pela matemática? Ubiratan D’Ambrósio (D’AMBROSIO, 1996, p.98) diz que
“praticamente tudo o que se nota na realidade dá oportunidade de ser tratado criticamente
como um instrumento matemático. Como um exemplo temos os jornais, que todos os dias
trazem muitos assuntos que podem ser explorados matematicamente”. Com esta reflexão e
antes de incluirmos um problema motivador perante os alunos, sugerimos a seguinte
atividade.
Inicialmente, preparamos o material. Tomamos um papel quadriculado e
consideramos o comprimento de dois quadrados como a unidade de medida em questão. Com
base nessa unidade vamos construir três tiras de papel sem marcas medindo, respectivamente,
uma unidade e meia (o comprimento de três quadrados), duas unidades (o comprimento de
quatro quadrados) e
2 unidades. Para esta última, no papel quadriculado construa um
triângulo retângulo com catetos medindo uma unidade (dois quadrados) cada um. Logo, ao
formarmos uma tira do comprimento da hipotenusa, temos que a sua medida será
unidades.
2
Corte uma tira
ao longo da
hipotenusa
Tira de papel
medindo três
quadrados
Tira de papel
medindo quatro
quadrados
Figura 1
A atividade consiste em apresentar aos alunos papel quadriculado (o mesmo usado
para produzir as tiras de papel), as três tiras de medidas como exemplificado acima e propor
que investiguem sobre a possibilidade de usar essas “réguas” para medir o comprimento e a
altura do papel quadriculado. No final da atividade incluir uma discussão geral sobre as
possíveis relações entre as tiras de papel e o papel quadriculado, questionamentos tais como:
como vocês acham que estas tiras de medidas foram construídas?, se vocês usarem uma régua
para medir as tiras qual será o resultado?, vocês conseguem pensar numa maneira de construir
uma tira de papel com uma medida diferente das anteriores que pode ser usada para
determinar as dimensões do papel quadriculado?
Após essa atividade poderíamos incluir um problema motivador tal como: um terreno
no formato de um triângulo retângulo possui as seguintes medidas, conforme a figura abaixo.
Figura 2
Se desejamos cercá-lo, quantos metros de cerca precisaríamos aproximadamente? [1]
Neste momento, seria importante salientar que, na realidade, não seria possível ter um
triângulo retângulo perfeito. Basta observar a natureza a sua volta. Mas sim, trabalhamos com
uma aproximação, que nos possibilita efetuar cálculos. No nosso caso, a forma em questão é
mais parecida com um triângulo retângulo, visto que desejamos trabalhar com a quantidade
2.
A partir do problema prático, chegamos ao problema ideal: um triângulo retângulo
perfeito, cujos catetos medem 1 quilômetro (1.000 metros) cada um. Acabamos de formular
um modelo matemático.
Para responder a nossa pergunta [1] acima, torna-se necessário calcular o comprimento
do terceiro lado do triângulo. Logo, utilizamos o Teorema de Pitágoras:
1
x
1
x 2 = 12 + 12
x2 = 1 + 1
x2 = 2
Figura 3
É nesta simples expressão que se encontra a definição de
2.
Definição 1: Um número que multiplicado por si mesmo resulta 2 é representado por
2.
Ou seja, [2] x × x = x 2 = 2 . Mais tarde faremos uso desta noção com a finalidade de
avançar no nosso entendimento e concluirmos que
1
2 = 22 .
Antes de prosseguirmos, salientamos alguns aspectos conceituais. Quando
consideramos a lei fundamental da divisão: para cada dois números dados a e b existe
sempre um terceiro, c , tal que se verifique b × c = a ; vemos que deste enunciado rompemos a
barreira dos números inteiros e penetramos no conjunto dos números racionais. De forma
análoga, observamos que a descoberta do Teorema de Pitágoras possibilitou o rompimento da
fronteira dos racionais e a eventual imersão no mundos dos números irracionais.
A prova da existência de
2 requer o uso da Propriedade do Supremo e poder ser
encontrada em, por exemplo, BARTLE, 1976, p. 40. A prova da irracionalidade de
2 poder
ser encontrada em COURANT & ROBBINS, 2000, p. 71. Do ponto de vista geométrico,
podemos encarar os números 1 e
2 como comprimentos de segmentos de retas,
respectivamente, os intervalos [0,1] e [0,
2 ]. Desta forma, não existem números inteiros
positivos m e n tais que: m ×1 = n × 2 . Ou seja, os segmentos [0,1] e [0,
comensuráveis. Não é possível ter-se a igualdade
2=
2 ] não são
m
, para m e n números inteiros.
n
Conforme o desenho abaixo temos uma construção geométrica para
2 , assim como
a sua posição na reta real.
-2
-
0
-1
1
2
2
2
Figura 4
O círculo acima está centrado em 0 e tem raio
2 (a diagonal do quadrado de lado
medindo uma unidade). Logo, com relação ao segmento horizontal, o círculo possui duas
interseções com a reta real, a saber − 2 e
2 . Com relação a unicidade da definição 1,
vemos que se x e y satisfizerem [2], então:
x2 = 2 e y 2 = 2
x2 = 2 = y 2
x2 = y 2
x2 − y 2 = 0
( x + y )( x − y ) = 0
x + y = 0 ou x − y = 0
x = − y ou x = y
[3]
temos somente duas possibilidades, a saber, o valor e o seu oposto. Portanto, se
considerarmos a parte principal da raiz quadrada de dois, a resposta será única, o que
concorda com a construção na figura 4.
Retornamos, agora, à sala de aula, e consideramos outras atividades para estudar e
explorar o número
2 . Uma atividade seria a sua localização na reta real através do uso de
régua e compasso, conforme ilustra a figura 5 acima. Outra atividade seria a utilização da
calculadora para estimar a
2 . Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Terceiro e Quatro
Ciclos do Ensino Fundamental indicam nesse sentido: “... a calculadora pode ser um eficiente
recurso por possibilitar a construção e análise de estratégias que auxiliam na consolidação dos
significados das operações e no reconhecimento e aplicação de suas propriedades. ... A
calculadora também é um recurso interessante para que o aluno aperfeiçoe e potencialize sua
capacidade de estimar.”
As novas tecnologias estão cada vez mais presentes no nosso viver diário. Não parece
viável convivermos na sala de aula com o lápis, o papel, o cálculo mental e estimativas sem
incluir a calculadora que, queiramos ou não, afeta o cotidiano de todos. A calculadora é um
recurso útil para comparar resultados e fazer estimativas que, de outra forma, se tornariam
trabalhosos. Com base nesta proposta, podemos formular atividades que objetivem estimar a
2 . Formamos grupos compostos de três ou quatro alunos.
Atividade 1: Encontre os valores que faltam na tabela 1 abaixo. Após, escreva uma regra para
a tabela que explica como é possível encontrar o valor de saída a partir do valor de entrada.
Expresse a regra numa sentença completa e mais clara possível.
Entrada
Saída
1× 1 = 1
1 =1
22 = 4
4=2
?
9 =3
5 × 5 = 25
?
?
49 = 7
Tabela 1
Salientamos que, embora já tenhamos introduzido o número 2 com o problema
motivador da figura 2 e fizemos sentido da definição 1, para os alunos este conceito deve ser
ainda mais trabalhado. A atividade 1, proposta acima, pontua a busca de um padrão que
enfoca a definição 1. Como
2 não se encontra na tabela, o aluno deveria questionar por que
2 não está na tabela 1. Se tal pergunta não vier à tona, então o professor deverá perguntá-la
e procurar salientar que na coluna da direita temos somente números inteiros à direita do sinal
de igualdade. Este questionamento nos leva à próxima atividade.
Atividade 2: Encontre as expressões que faltam na tabela 2 abaixo. Após, escreva uma regra
para a tabela que explica como é possível encontrar o valor de saída a partir do valor de
entrada. Expresse a regra numa sentença completa e mais clara possível.
Certamente, a segunda atividade torna-se muito trabalhosa sem o uso de uma
calculadora. O objetivo da mesma é trabalhar, mais uma vez, com a definição 1 e, também,
compreender sobre estimativas. É claro que, após esta atividade o aluno, provavelmente,
desejará usar somente a calculadora.
Vimos que a raiz quadrada de dois surgiu a partir de um problema real cuja
modelagem gerou um triângulo retângulo ideal. No entanto, se produzirmos uma atividade de
aula onde o aluno terá que coletar dados e, após, plotá-los no papel quadriculado, veremos
que, dependendo da situação, o gráfico aproximado de y = x aparece.
Entrada
Saída
11 = 1
(1,1)
2
1< 2
1,1 < 2
= 1, 21
1, 6 × 1, 6 = 2,56
(1,3)
2
2 < 1, 6
?
= 1, 69
?
2 < 2, 25
?
1, 4 ×1, 4 = 1,96
(1, 41)
2
= 1, 9881
?
2
= 2, 0164
?
(1, 42 )
Figura 5
Tabela 2
Atividade 3: Material: uma garrafa de plástico pela metade, um medidor em centímetros,
algodão e uma semente de feijão. Cola-se o medidor num lado de fora da garrafa.
Preenchemos o fundo da garrafa com algodão úmido e plantamos uma semente de feijão ali,
conforme a figura 6. Observamos todos os dias e coletamos os dados diariamente numa
tabela.
Dia
1
2
3
...
Comprimento
Tabela 3
Finalmente, ao plotarmos esses dados num papel quadriculado, veremos que o seu
gráfico aproxima-se ao gráfico da função y = x . Esta atividade torna-se interessante pois a
função raiz quadrada surge de uma observação da natureza. Para completar, seria interessante
desenhar o gráfico de y = x com a utilização de uma tabela e comparar com o gráfico da
tabela 3.
1
x
2
3
...
x
Tabela 4
Retornamos, desta vez, ao aspecto conceitual de
quantidade
2 . Na definição 1 vimos que a
2 é o símbolo utilizado para expressar o número que multiplicado por si mesmo
resulta 2:
2 × 2 = 2 [4].
Por outro lado, ao utilizarmos o Princípio da Indução Finita, provamos que:
2m × 2n = 2m + n [5],
para m e n números naturais (consultar COURANT, R. & ROBBINS, H., 2000, p. 12).
Entretanto, desejamos que a propriedade [5] continue válida mesmo quando rompemos a
barreiro dos naturais e passamos para os racionais positivos. Isto é, estendendo a estrutura
algébrica sem alterar a propriedade, o que acontece?
1
1
1
1
1
2
1
2
1+1
2
22 × 22 = 22
2 2 × 2 2 = 21
[6]
2 ×2 = 2
Ao confrontarmos as expressões [4] e [6], juntamente com [3], somos levados a
concluir que
1
2 = 2 2 ! Um raciocínio análogo nos leva a concluir que
número real não-negativo.
Utilizamos um raciocínio análogo ao acima para concluirmos que:
( 2)
3
3
= 23 = 2 2 [7].
Para tanto, fazemos uso da igualdade:
m n
(2 )
para m e n números naturais.
= 2m n [8],
1
a = a 2 , para a
1
Ora, já sabemos que
3
1
2
( 2 ) = (2 )
3
1 ×3
3
= 22 = 22 = 2
2 = 2 2 [9]. Portanto,
3× 12
3
1
= 22
1
2
= ( 23 ) = 2 3 .
O mesmo argumento pode ser usado para concluir que
genérica,
( a)
n
m
( 2)
n
m
3
( ) ( ) . Por [8] e [9], temos que
2
n
1
2 = 2 n e, de forma mais
m
= n 2m = 2 n . Com um raciocínio análogo, podemos concluir que
m
= n a m = a n , sendo a um número real não-negativo.
Conclusão:
Sim, existem regras na Matemática. Mas, essas regras têm uma razão para existirem.
No entanto, não queremos inferir que a explicação que se apresenta acima deveria ser
apresentada aos alunos da educação básica. Serve para termos autoconfiança no caso de
sermos questionados a respeito do assunto. Entretanto, na qualidade de educadores, não
deveríamos simplesmente repetir essas regras, mas procurar atividades que motivem a
introdução do conteúdo.
Referências Bibliográficas:
BARTLE, R. G. The Elements of Real Analysis. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1976.
COURANT, R. & ROBBINS, H. O que é Matemática? Rio de Janeiro: Editora Ciência
Moderna Ltda., 2000.
D’AMBROSIO, U. Educação Matemática: Da teoria à prática. Campinas, SP: Papirus, 1996.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: Matemática/Secretaria de Educação
Fundamental—Terceiro e Quatro Ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998.
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