CRENÇA E VONTADE EM DESCARTES Um estudo

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA – DOUTORADO
MARCELO ALVES NUNES
CRENÇA E VONTADE EM DESCARTES
Um estudo sobre as relações entre a teoria do conhecimento
e a moral cartesiana
Porto Alegre
Junho de 2007
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MARCELO ALVES NUNES
CRENÇA E VONTADE EM DESCARTES
Um estudo sobre as relações entre a teoria do conhecimento
e a moral cartesiana
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutor em Filosofia.
Orientador: Prof. Dr. Draiton Gonzaga de Souza
Porto Alegre
Junho de 2007
RESUMO
O objetivo central desta tese é mostrar que há uma relação entre crença e vontade,
entre a teoria do conhecimento e a moral, nos escritos de Descartes. Muitos autores
atribuíram a Descartes uma versão forte do voluntarismo doxástico, segundo o qual nossas
crenças dependeriam de nossa vontade. Na verdade, uma análise mais apurada dos textos
de Descartes revela que o autor não defendeu o voluntarismo doxástico (a não ser de forma
moderada) e sim o voluntarismo da atenção, ou seja, que possuímos um controle indireto
sobre nossas crenças. Procura-se mostrar que, em sua teoria moral, Descartes se
comprometeu com uma versão de ética da virtude. Em suma, procede-se a uma análise
criteriosa dos escritos cartesianos, especialmente os relacionados com a questão ética,
visando mostrar que a teoria do conhecimento de Descartes foi desenvolvida tendo em vista
não somente questões epistemológicas, mas também morais, ressaltando que tais questões
mantêm uma estreita relação entre si.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 8
I – VERDADE E FALSIDADE EM DESCARTES........................................................ 15
1.1 – Discurso sobre o verdadeiro e o falso ...................................................................... 16
1.2 – O pensamento em questão........................................................................................ 22
1.3 – Critério de verdade ................................................................................................... 26
1.4 – Entendimento e vontade ........................................................................................... 35
1.5 – Descartes e o erro epistêmico................................................................................... 38
1.6 – A viabilidade do conhecimento................................................................................ 42
II – LIBERDADE E CONHECIMENTO ....................................................................... 45
2.1 – Um exame da problemática nas Meditações ............................................................ 45
2.2 – Liberdade de escolha............................................................................................... 47
2.3 – Argumentos em prol da 1a tese................................................................................. 55
2.4 – Argumentos em prol da 2a tese................................................................................. 58
2.5 – Liberdade e temporalidade ....................................................................................... 66
2.6 – Exigências do ato de conhecer ................................................................................. 71
2.7 – Liberdade e condições de possibilidade de conhecimento....................................... 78
III – DESCARTES E O CONHECIMENTO NA MODERNIDADE........................... 82
3.1 – Problemática da 1a tese............................................................................................. 82
3.2 – Problemática da 2a tese............................................................................................. 89
3.3 – Uma visão panorâmica ............................................................................................. 95
3.4 – Análise textual específica......................................................................................... 98
3.5 – O conhecimento na Modernidade .......................................................................... 103
IV – O DESAFIO DO CETICISMO ............................................................................ 111
4.1 – Dogmatismo ........................................................................................................... 112
4.2 – Ceticismo................................................................................................................ 116
4.3 – Posições alternativas .............................................................................................. 120
4.4 – Texto e contexto..................................................................................................... 125
4.5 – Repercussões na literatura posterior....................................................................... 132
V – A QUESTÃO MORAL ............................................................................................ 139
5.1 – Considerações cartesianas ...................................................................................... 140
5.2 – O tratamento dado à questão .................................................................................. 150
5.3 – A influência do debate teológico............................................................................ 154
5.4 – Um projeto inacabado? .......................................................................................... 160
5.5 – Moral como ciência................................................................................................ 165
VI – ÉTICA E CONHECIMENTO EM DESCARTES.............................................. 171
6.1 – Possíveis leituras .................................................................................................... 172
6.2 – Análise da hipótese da relação entre moral e teoria do conhecimento .................. 175
6.3 – Uma relação pouco harmoniosa ............................................................................. 176
6.4 – Considerações sobre a ética no horizonte da teoria cartesiana do conhecimento .. 195
6.5 – Dificuldades de interpretação................................................................................. 200
6.6 – Balanço crítico ....................................................................................................... 206
6.7 – Conhecimento e verdade ....................................................................................... 209
CONCLUSÃO.................................................................................................................. 213
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 219
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa será desenvolvida, basicamente, a partir de um corte analítico.
Isto não significa que a abordagem aqui empregada restringe-se somente a autores
analíticos contemporâneos. De certo modo, esta tese procura realizar uma ponte entre a
filosofia continental européia e a filosofia analítica. A contribuição da filosofia analítica se
dá como um instrumental de leitura, mediante o qual o acesso aos textos de Descartes e de
seus comentaristas clássicos mostra-se bastante fecundo, produzindo excelentes dividendos
filosóficos, pois a constante revisitação dos textos cartesianos permitiu clarificar
enormemente a posição do próprio Descartes e trouxe à luz novos aspectos de sua filosofia.
A abordagem a ser utilizada nesta pesquisa é a sistemática, segundo a qual é estabelecida
uma lógica de perguntas e respostas, a fim de orientar a temática que está sendo
apresentada, de modo a aprofundar (i) o conhecimento sobre os escritos de Descartes
(momento exegético) e (ii) a interpretação sobre a questão refletida nesta pesquisa
(momento hermenêutico). Evidentemente, nem sempre as perguntas feitas aos textos
analisados ou as questões trabalhadas ao longo deste trabalho aparecem explicitamente,
nem tampouco os momentos constitutivos do método empregado apresentam-se de modo
estanque. Contudo, tais perguntas geram alguns passos metodológicos que constituem um
itinerário a ser percorrido, proporcionando uma visão sistemática do objeto de estudo em
questão. Esse método pode ser denominado de sistemático-hermenêutico, pois expressa, de
um lado, a organização temática da reflexão proposta por Descartes envolvendo uma “ética
da crença” e, de outro, apresenta, à luz das obras de caráter geral e de comentaristas
especializados, a interpretação do pesquisador ao analisar tal questão.
CONCLUSÃO
Após percorrer um longo itinerário, penso que foi possível demonstrar que
Descartes não estava simplesmente interessado em demonstrar a validade de um critério de
verdade com base nas noções de clareza e distinção. Ele também estava interessado em
mostrar que devemos desenvolver uma disposição de empregar esse critério em nossa busca
pela verdade. Nesse sentido, a consideração da questão moral, sem sombra de dúvida,
exerce um papel decisivo na epistemologia cartesiana.
Mais precisamente, examinei até que ponto a busca pela verdade, segundo
Descartes, é constitutiva de uma vida boa, concepção moral vigente na filosofia antiga e
que, em grande medida, foi reconstruída por diversos autores na modernidade nascente. A
conclusão que busquei delinear nesse ponto é de que a teoria cartesiana do conhecimento
foi desenvolvida em vista de um conceito eudaimonístico de ética e não em função de uma
concepção deontológica, que, como procurei mostrar, é posterior a Descartes.
No horizonte da filosofia cartesiana, a responsabilidade por nossas crenças se dá,
justamente, quando empregamos o critério de verdade, quando aceitamos somente idéias
claras e distintas, evitando manipulações de qualquer natureza bem como imposições
dogmáticas. Tal problemática desenvolve-se num contexto bastante peculiar, sendo que o
ceticismo – desafio aceito por Descartes, sobretudo no contexto das Meditações –, que na
filosofia antiga era considerado um problema moral, deixou de ser considerado pela escola
cartesiana, como se Descartes tivesse encarado o ceticismo como uma questão estritamente
epistemológica. No entanto, uma análise mais apurada de seus escritos demonstrou
justamente o oposto. Nas Meditações, por exemplo, o autor estava interessado no
estabelecimento de um conceito de liberdade que partisse do conceito de liberdade que os
céticos de seu tempo defendiam. Descartes aceitou o ponto de partida do cético: uma
atitude cética, na verdade, é uma estratégia para garantir nossa própria liberdade. Nesse
contexto, a refutação ao ceticismo proposta por Descartes revela-se também como um
problema moral e não simplesmente epistemológico.
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