9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CHAPECÓ EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CHAPECÓ/SC. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por sua Promotora de Justiça Substituta que ao final subscreve, no uso de suas atribuições institucionais, vem, com fundamento nos artigos 127 e 129, incisos II e III, da Constituição da República Federativa do Brasil e no artigo 5º da Lei Federal n. 7.347/95, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO LIMINAR contra o ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica de direito público interno, na pessoa do senhor Procurador-Geral do Estado com endereço na rua Saldanha Marinho, 189, Florianópolis/SC, pelas razões de fato e de direito que passa a expor 1. DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO A teor do artigo 127 da Constituição da República Federativa do Brasil, é o Ministério Público “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, sendo uma de suas atribuições, conforme o artigo 129, inciso III, da Lei Maior, “promover a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” – grifos inexistentes nos originais. 1 9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CHAPECÓ Também o artigo 93 da Constituição do Estado de Santa Catarina reserva ao Ministério Público “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” – grifo inexistente no original. Neste contexto, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625/93) dispõe em seu artigo 25 ser função do Ministério Público, além de outras previstas nas Constituições Federal e Estadual e em outras leis, a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a defesa de direitos de relevância social. No mesmo diapasão, a Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual n. 197/2000), na alínea c do inciso VI de seu artigo 82, proclama ser função institucional do Ministério Público, entre outras, promover a ação civil pública, na forma da lei, para “a proteção dos interesses individuais indisponíveis, individuais homogêneos, difusos e coletivos relativos à família, à criança e ao adolescente, ao idoso e às minorias étnicas” – grifo inexistente no original. Disciplinando a ação civil pública, a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, após estabelecer, em seu artigo 1º, ser ela o instrumental adequado para as ações de responsabilidade, dentre outros, por danos morais e patrimoniais causados a qualquer interesse difuso ou coletivo, conferindo ao Ministério Público legitimidade ativa para o seu exercício (artigo 5°, caput). Com efeito, a atuação do Ministério Público, inegavelmente, intensificou-se em áreas estrategicamente importantes para a sociedade, notadamente na seara do meio ambiente, da moralidade administrativa e na defesa dos interesses coletivos, difusos e individuais indisponíveis. E, como tal, o direito indeclinável à saúde e à vida, objetos da ação civil em tela, não poderiam escapar da atuação do Ministério Público. Na espécie, em se cogitando ofensa ao indisponível direito à vida, o poder de ação é exercitado pelo Ministério Público na qualidade de substituto processual de lesado economicamente hiposuficiente. A propósito O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, como os que digam respeito à saúde ou à segurança da pessoas, ou o acesso das crianças à educação. (Enunciado da Súmula n. 7 do Ministério Público de São Paulo). 2 9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CHAPECÓ 2. DA COMPETÊNCIA A Lei n. 7.347/85 estabeleceu como critério para fixação da competência, em sede de ação civil pública, o foro do local onde ocorrer o dano (artigo 2º). É de se ter em conta, ainda, que o artigo 21 do mencionado diploma legal, determina que, na defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, aplicam-se os dispositivos do Título III da Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor. Assim, da conjugação do artigo 2º da Lei de Ação Civil Pública com o artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor, extrai-se que a competência para a propositura da ação se define pelo local e pela extensão do dano. Destarte, ressalvada a competência da Justiça Federal, na hipótese de existir interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, tratando se de dano de âmbito local, será competente o foro onde ele ocorreu ou deveria ter ocorrido, reservando-se o foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal apenas para os danos de âmbito nacional ou regional (CDC, artigo 93, incisos I e II). Paralelamente, o Código de Processo Civil dispõe que "é competente o foro do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita para a ação em que se lhe exigir o cumprimento" (artigo 100, inciso IV, alínea d). Destarte, cuidando-se de dano à direito individual indisponível, no caso, à saúde de Marco Aurélio da Silva, ocorrido neste município, a competência para o processo e julgamento da presente ação civil pública é mesmo da Vara da Fazenda Pública de Chapecó. 3. DOS FATOS Na data de ontem (5 de fevereiro de 2004), a Secretaria Municipal de Saúde de Chapecó fez chegar a esta 9ª Promotoria de Justiça o Ofício DGCAA/SMS n. 014/2004 (documento 1), dando conta que Marco Aurélio da Silva, brasileiro, solteiro, filho de Catarina da Silva, natural de Tapera/RS, nascido em 19 de janeiro de 1971, residente na rua A, n. 183-E, bairro EFAPI, nesta cidade, buscou atendimento médico pelo Sistema Único de Saúde, em razão de enfermidade que o acometia. 3 9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CHAPECÓ Submetido a exames médicos, constatou-se que Marco Aurélio da Silva é portador de osteomielite crônica no fêmur esquerdo, isto é, de processo infeccioso generalizado, necessitando, como forma de debelar a moléstia, de uma osteotomia e segmentectomia ampla, o que implica no seccionamento da parcela do osso atingida, com substituição por prótese, conforme Laudo Médico anexo, firmado pelo ortotraumatologista Adriano Reginato Klein (documento 2). Sendo o tratamento prescrito a Marco Aurélio da Silva classificado como de alta complexidade em ortopedia, não existindo em Chapecó hospital credenciado pelo Sistema Único de Saúde - SUS para realizá-lo, ainda em 31 de outubro de 2003, foi encaminhado à Secretaria de Estado da Saúde pedido de tratamento fora do domicílio (documento 3), sendo que até a presente data o paciente aguarda atendimento. A Secretaria Municipal de Saúde, por diversas vezes, entrou em contato com a Diretora do Setor de Tratamento Fora do Domicílio, senhora Leila Danieleicv, informando da gravidade do caso, bem como solicitando que Marco Aurélio da Silva fosse atendido com a maior brevidade, pois há risco de amputação de sua perna esquerda, sendo que em 21 de janeiro encaminhou o Ofício DGCAA n. 011/2004, sugerindo que ele fosse atendido em 21 de janeiro de 2004 no lugar de outro paciente (documento 4), expediente que, até agora, ainda não foi sequer respondido. Confirmando a impossibilidade de Marco Aurélio da Silva continuar aguardando, sabe-se lá até quando, o dia em que será submetido ao tratamento de que necessita, compareceu nesta 9ª Promotoria de Justiça a médica Angela Vitória Domingues, auditora da Secretaria Municipal de Saúde de Chapecó, prestando as declarações que seguem: [...] Esclarece, ainda, que embora a situação de Marco Aurélio não caracterize emergência médica, a demora em seu atendimento implica em risco de amputação da perna, uma vez que as proporções da osteomielite vão aumentando, sendo que as lesões vão aumentando, o que poderá impossibilitar a colocação de prótese. Outrossim, ressalta que, devido ao tempo que Marco Aurélio vem sendo acometido pela osteomielite, o controle da moléstia, por intermédio de antibióticos, já não se mostra suficiente, sendo a secção da parte do osso afetado a única forma de se debelar referido processo infeccioso. [...] (documento 5) – grifo inexistente no original. Como se vê, a cada dia que passa, o processo infeccioso instaurado no fêmur esquerdo de Marco Aurélio da Silva vai aumentando, tendo sido diagnosticada a necessidade de extração da parte afetada ainda em outubro de 2003. Assim, não tarda, a infecção se espalhará por todo o osso afetado, podendo alastrar-se, também, 4 9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CHAPECÓ para outros ossos próximos, quando, então, a única solução será amputar o membro atingido, o que implicará em significativa diminuição da capacidade do paciente de se locomover sem a ajuda de outras pessoas. A demora no atendimento de Marco Aurélio da Silva deve-se, única e exclusivamente, ao fato de a Secretária Estadual da Saúde permanecer atrelada a um processo meramente burocrático, deixando de atentar à gravidade da situação ora relatada, não levando em consideração, igualmente, que para esse paciente, permanecer na fila de espera por tempo ainda não determinado, poderá implicar na perda da perna esquerda. Vale aqui transcrever o que foi registrado por Marlene Possan Foschiera, secretária municipal de saúde: “A dificuldade da população usuária é maior quando, associada a carência de serviços e profissionais, existe a ineficiência do sistema que, por rigidez administrativa, é incapaz de avaliar um caso específico e proteger o paciente, assim, submetendo usuários com risco de lesão corporal grave a filas de espera de meses.” (documento 1) – grifo inexistente no original Deste modo, urge compelir o Estado de Santa Catarina, por intermédio do Setor de Tratamento Fora de Domicílio da Secretaria de Estado de Saúde, a providenciar, imediatamente, o atendimento de Marco Aurélio da Silva pelo Sistema Único de Saúde, proporcionando-lhe os cuidados médicos indicados para o seu caso (osteotomia e prótese de fêmur), em hospital do Estado credenciado para tratamento de alta complexidade em ortopedia. 4. DO DIREITO A Constituição da República Federativa do Brasil, após alçar a saúde à condição de direito social (artigo 6º), estabelece ser ela “direito de todos e dever do Estado” (artigo 196) – grifo inexistente no original. Já a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, dispondo sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, consigna que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições 5 9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CHAPECÓ indispensáveis do seu pleno exercício”, consistindo o dever estatal “[...] na formulação e execução de política econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação” (artigo 2º) – grifos inexistentes no original. A mesma lei estabelece como um dos objetivos do Sistema Único de Saúde – SUS “a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde” (artigo 5º, inciso III), acrescentando que as ações e serviços públicos de saúde devem observar, entre outros, os princípios da “universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência” e da “integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (artigo 7º, incisos I e II). Ora, sendo a saúde direito indisponível do ser humano, incumbe ao Estado, por força de mandamento constitucional, prestá-la a todos quantos dela necessitem, notadamente à população menos favorecida economicamente, sujeita a freqüentes intempéries burocráticas para assegurar seu direito básico à saúde e à vida, sendo alvo, ainda, de toda a sorte de injustiças e humilhações. De outra parte, registre-se que, não obstante os costumeiros entraves opostos pelo Poder Público na consecução das políticas de saúde, é com alento e regozijo que se observa o Poder Judiciário agindo em prol da sociedade, em sintonia com a Constituição da República Federativa do Brasil, no que toca ao chamamento do Estado à responsabilidade, para o cumprimento da sua função social, especialmente no que se refere à obrigação de tornar efetiva a prestação dos serviços de saúde. A propósito, mutatis mutandis: [...] O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se 6 9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CHAPECÓ indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. [...].1 E mais recentemente: Sendo a saúde direito de todos e dever do Estado, não pode o Poder Público eximir-se de prestar a integral e universal assistência à manutenção da vida e integridade psíquica de seus cidadãos. Comprovando-se a doença e a impossibilidade financeira de o requerente arcar com os custos dos medicamentos que necessita, não pode o Estado negar-se a fornecê-los.2 Não se pode negar, portanto, em atenção ao indeclinável dever de prestar saúde, ser obrigação do Estado de Santa Catarina, por intermédio do Setor de Tratamento Fora de Domicílio da Secretaria de Estado de Saúde, providenciar, imediatamente, o atendimento de Marco Aurélio da Silva, proporcionando-lhe os cuidados médicos indicados para o seu caso (osteotomia e prótese de fêmur), em hospital do Estado credenciado pelo Sistema Único de Saúde – SUS para tratamento de alta complexidade em ortopedia Cumpre observar, ainda, que relativamente a supostas dificuldades orçamentárias e financeiras, o Supremo Tribunal Federal já pacificou: Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida. 3 Tratando especificamente da política de atenção de alta complexidade/custo no Sistema Único de Saúde – SUS, a Norma Operacional da Assistência à Saúde n. NOAS/SUS 01/2001, determina que o gestor estadual, no caso, a Secretária de Estado de Saúde, é responsável pela política de alta complexidade no 1 Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 271.286, do Rio Grande do Sul, relator Ministro Celso de Mello, julgado 2m 12 de setembro de 2000. 2 Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2002.006747-0, da Capital, relator Desembargador Luiz César Medeiros, julgada em 11 de novembro de 2002. 3 Supremo Tribunal Federal. Decisão monocrática proferida nos autos da Medida Cautelar n. 1.246, de Santa Catarina, relator Ministro Celso de Mello, proferida em 31 de janeiro de 1997. 7 9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CHAPECÓ âmbito local, devendo definir prioridades assistenciais, o que inclui “a otimização da oferta de serviços” (Capítulo I, n. I.5, item 17, alínea J). Embora o termo “otimizar” não tenha sido contemplado pela maioria dos léxicos, deve ele ser entendido como a ação de desenvolver, plenamente, a oferta de serviços de saúde, tornando-os mais favorável à população, estabelecendo como meta do setor público um conceito de excelência. Portanto, como forma de desenvolver com o máximo de eficiência o atendimento na área de saúde pública, deverá a Secretaria de Estado de Saúde atentar à gravidade e urgência do caso de Marco Aurélio da Silva, sem ficar atrelada ao critério meramente formal da ordem cronológica da solicitação de atendimento, prestando-lhe imediatamente o tratamento médico de que ele tanto necessita, sem submetê-lo a infindável fila de espera. Somente assim será possível se falar em “otimização” da oferta de serviços de saúde pública, por parte do Estado de Santa Catarina. 5. DA NECESSIDADE DA CONCESSÃO DE LIMINAR. Conforme o artigo 12 da lei n. 7.347/85, "poderá o juiz conceder mandado liminar com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. – grifo inexistente no original. Inicialmente, diante do que dispõe a Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992, vedando a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público sem prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público ré (artigo 2º), necessário ressaltar que, na espécie, mostra-se perfeitamente cabível esse tipo de provimento. Veja-se o que se decidiu em nosso Tribunal de Justiça: Justifica-se a concessão da medida liminar sem audiência da parte contrária sempre que, a par de prova inequívoca, aliada à plausibilidade jurídica do alegado na inicial, houver perigo de dano irreversível para o requerente caso a medida não seja deferida de imediato. As restrições legais ao poder cautelar do Juiz, dentre as quais sobreleva a vedação de liminares contra atos do Poder Público (art. 1º da Lei n. 8.437/92), consoante orientação do STF (RTJ — 132/571), devem ser interpretadas mediante um controle de razoabilidade da proibição imposta, a ser efetuado 8 9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CHAPECÓ em cada caso concreto, evitando-se o abuso das limitações e a conseqüente afronta à plenitude da jurisdição do Poder Judiciário. 4 Na hipótese dos autos, os pressupostos jurídicos para a concessão da medida liminar initio litis, isto é, o fumus boni juris e o periculum in mora, encontram-se plenamente demonstrados. Quanto ao plausibilidade do direito invocado, o que se pretende ver resguardado é a prerrogativa constitucional conferida a Marco Aurélio da Silva, bem como ao restante da população, de ter assegurado o acesso a serviço de saúde pública, cuja responsabilidade do Estado de Santa Catarina, no sentido de promover sua efetividade é inegável. Já no que se refere ao perigo na demora, a situação de extrema necessidade de Marco Aurélio da Silva, consistente na possibilidade de ter sua perna amputada caso não seja submetido rapidamente ao tratamento que lhe foi prescrito, caracteriza a “urgência/urgentíssima” da concessão da medida liminar inaudita altera parte, sob pena de resultar inócuo e absolutamente estéril o provimento a ser proferido ao final da presente ação civil pública, tanto mais quando a demora no atendimento especializado poderá resultar no agravamento do estado de saúde do paciente. Neste contexto, inegável a possibilidade e a necessidade de se conceder a medida liminar, sem prévia audiência do Estado de Santa Catarina. 6. DO PEDIDO 6.1. O recebimento da inicial; 6.2. A concessão da medida liminar propugnada inaudita altera parte, determinando que o Estado de Santa Catarina, por intermédio do Setor de Tratamento Fora de Domicílio da Secretaria de Estado de Saúde, providencie, imediatamente, o atendimento de Marco Aurélio da Silva pelo Sistema Único de Saúde, proporcionandolhe os cuidados médicos indicados para o seu caso (osteotomia e prótese de fêmur), em hospital do Estado credenciado para tratamento de alta complexidade em ortopedia; 4 Agravo de Instrumento n. 97.002945-4, relator Desembargador Eder Graf. 9 9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CHAPECÓ 6.3. A citação do requerido, na pessoa do senhor Procurador-Geral do Estado, para, querendo, contestar a presente ação civil pública; 6.4. A produção de todas as provas em direito admitidas, máxime testemunhal, documental e pericial; 6.5. Tornada definitiva a liminar requerida, a procedência integral da presente ação civil pública; 7. DO VALOR DA CAUSA Dá-se à causa, apenas para efeitos fiscais, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), não obstante tratar-se a saúde de bem de importância impossível de se mensurar em pecúnia. Chapecó, 6 de fevereiro de 2004. Ana Cristina Boni Promotora de Justiça Substituta 10