MUSICALIZAÇÃO: NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL. Elisabete Terezinha do Prado1 [email protected] Sérgio Rogério Azevedo Junqueira2 [email protected] RESUMO A música demonstrou sua importância e sua abrangência no decorrer da história: considerada pelos grandes filósofos não somente como prazer para a alma, mas como arte e ciência, com poder de “alterar o comportamento” como ressaltava o filósofo grego, Políbio. Platão, também nunca deixava de falar sobre a música ou demonstrar seus efeitos e, especialmente em seu livro “Leis”, assegurando que todas as partes da educação estão presentes na música e que “um homem bom” é o músico mais perfeito, porque consegue produzir a perfeita harmonia, não com um instrumento, mas com a vida. Nessa época era necessário ter presente a essência da música e não as FORMAS (a composição, a execução, a interpretação: melodia, harmonia e outros elementos, compreendidos como formas exteriores). A música para os antigos era considerada como investigadora, intelectual ou sagrada, para os modernos, teoria e prática, já para o compositor ou para o intérprete, arte. Este pequeno ensaio tem como princípio norteador, a análise dos elementos teóricos, metodológicos e práticos da música no espaço escolar, objetivando compreender como a música é concebida, vivida e executada na escola. O artigo sobre musicalização: nas séries iniciais do Ensino Fundamental, compreende três momentos: a elaboração da fundamentação teórica, baseada em vários autores; a pesquisa de campo realizada em uma escola particular de Curitiba: Séries iniciais do Ensino Fundamental, apontando para a importância e a necessidade do trabalho de musicalização nas séries iniciais; análise e reflexão sobre como a música é concebida e aplicada na escola, por meio da sua organização curricular e documental e dados coletados junto aos professores regentes, diretora e professora de arte/música. Palavras-chave: educação, arte-educação; música. 1 2 Aluna do 8º Período de Pedagogia da PUCPR Professor Orientador do presente artigo 3030 INTRODUÇÃO O presente artigo aborda “A Musicalização nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental”. O tema em discussão apresenta uma análise acerca da concepção da música nas séries iniciais do Ensino Fundamental, a partir dos dados da pesquisa de campo realizada em uma escola particular, de Curitiba: Séries iniciais do Ensino Fundamental. A importância da música, não se restringe apenas ao exercício de obras caracterizadas como belas, importantes, ou outro que seja. A música é uma ferramenta ampla de conhecimento e de transformação do homem e, portanto, na educação é tida como elemento dinamizador para um processo educativo e formativo voltado para o desenvolvimento integral do indivíduo, enquanto ser e cidadão. Marzullo (2001, p. 16) reforça esta idéia ao destacar as palavras de alguns especialistas como Ana Maria Gonçalves Weigel: “a música globaliza naturalmente aspectos a serem ativados no desenvolvimento da criança: cognitivo/lingüístico, psicomotor, afetivo/social”. Valle (1997), também defende a idéia de uma educação integral, que denomina de “educação emocional”, cuja concepção está fundamentada nas “inteligências múltiplas” de H. Gardner e J. Bruner. Ambos autores, buscam olhar o desenvolvimento da pessoa em sua totalidade. Segundo Rossini (2003, p. 43), “a inteligência se desenvolve pelas vias da motivação” ou seja, o aprender tem que ser gostoso. Valle (1997, p. 44) assinala, ainda, as sete inteligências estudadas e denominadas por H. Gardner inteligências racionais: a lógico-matemática, a lingüística e a espacial e inteligências emocionais, ou seja, a musical, a corporal-cinestésica, a interpessoal e a intrapessoal. Um grande desafio apontado pela teorização gardneriana é que “para entender o admirável mundo novo pós-tecnológico, o ser humano precisa recuperar urgentemente este sentido músico de simbiose com a vida e a natureza, com as cores, os movimentos, os sons, o amor, o belo e o gratuito”. Nesse processo, faz-se necessário considerar como a música é concebida e trabalhada na escola pelos profissionais da educação, nas séries iniciais do ensino fundamental, pois não basta ter conhecimento e domínio sobre a música, é preciso saber como, o quê, quando e por quê ensinar? Loureiro (2003, p. 24) acrescenta que esse paralelo do ensino da música possibilita “uma análise do ensino da música como um campo de conhecimento no qual as relações entre 3031 ideologia, valores e práticas sociais incorporam uma concepção de arte que é refletida dentro de uma instituição como a escola”. A MÚSICA NA EDUCAÇÃO: SEU PODER E SEU PAPEL O valor e o ensino da música na escola, segundo Oliveira (1960, p. 7-8), em seu “caderno pré-teórico”, passou por uma transformação. Historicamente, dentre outras dimensões, podemos ressaltar que a música era ensinada e aprendida particularmente e, “somente, pelos gênios ou super dotados”, e também em ambientes específicos, os chamados “Conservatórios”. Por volta de 1900, o pedagogo suíço Jaques Dalcroze chegou à conclusão de que o ensino elementar da Música deveria começar pelo som, e não por símbolos e regras. Seu sistema baseou-se no movimento ritmado, na educação da vista, do ouvido e do senso rítmico, criando assim, a ginástica rítmica. A música para Sekeff (2002, p. 34), é uma linguagem organicamente construída, sustentada por regras, princípios e leis, cujas diferentes combinações de sons adquirem uma lógica intelectual e uma significação psicológica tais que determinam um movimento direto sobre o ouvinte. Os PCNs sobre Arte na 2ª parte, sinalizam quatro dimensões: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. Para Busatto (2003, p. 57 e 58), é importante o brincar com o corpo para criar e experimentar “imagens corporais” o que possibilita aprender através do “simbolismo” por meio da “descoberta das imagens verbais, sonoras e corporais”, o que constitui assim “uma pedagogia da imaginação”. Segundo Byington (1996, p. 16, 20 e 21) “a realidade é sempre simbólica”. Nesse sentido “a Pedagogia Simbólica” é uma pedagogia da vivência, de relacionamentos que expressam a transformação do ser individual, cultural planetário e cósmico que engloba “as quatro grandes dimensões do ser: corpo, natureza, sociedade e idéias, imagens e emoções. Esta pedagogia se dá na relação buscando dinamizar de forma global e dinâmica a formação da identidade do Eu e do 3032 Outro, através da vivência e elaboração emocional dos símbolos estruturantes do dia-a-dia de cada um”. Um processo motivacional que envolve “o falar, o imaginar e o fazer”. Como a presença da música faz parte da vida da criança desde muito cedo, o papel da escola é de ampliar essa cultura musical. O trabalho na área da música deve estar pautado acima de tudo, no respeito ao nível de percepção e de desenvolvimento de cada criança, bem como, sua fase e suas diferenças socioculturais, possibilitando por meio da linguagem musical, o desenvolvimento da comunicação e expressão. Logo, a música se integrada aos conteúdos, torna a educação mais prazerosa, divertida e contextualizada. O educador por sua vez tem, nas palavras de Yogi (2003, p. 17) tem um ... papel fundamental nesse processo, pois faz com que os temas abordados na música desencadeiem projetos, atividades, brincadeiras, histórias, desafios, trabalhos de arte e tudo o que a valiosa imaginação da criança permitir. A educação musical se apresenta para Yogi (2003, p. 12) como “um importante mediador do desenvolvimento da criança nas suas habilidades físicas, mentais, verbais, sociais e emocionais”. Uma das características da educação musical é a liberdade de criar e adaptar, pois sendo assim as atividades também se tornam “atraentes aos olhos das crianças que buscam incansavelmente novidades, descobertas e vivências que lhes satisfaçam a curiosidade”. O ponto de partida na educação musical é o “próprio corpo e a voz da criança”. Segundo dados sinalizados pelo INSTITUTO Catarinense de Pós-Graduação ([email protected]. Org. de Blumenau, SC) são sinalizados quatro músicos e educadores que lançaram as bases de toda a educação musical moderna: Émile Jaques-Dalcroze (1865 – 1950) – Suiço – Destaque: desenvolveu um sistema que tinha por objetivo criar, através do ritmo, uma corrente de comunicação rápida, regular e constante entre o cérebro e o corpo transformando o sentido rítmico numa experiência corporal, físico; Zaltán Kodály (1882 – 1967) – Húngaro – Destaque: voz cantada / folclore e canto, enfatizando as canções do folclore nacional nas escolas públicas da Hungria; Carl Orff (1895-1982) – Alemão – Destaque: improvisação/ voz falada. Seu trabalho é baseado em atividades lúdicas infantis: cantar, bater palmas, etc. Para ele é preciso fazer música e só depois ler e escrever música. Essa é a base do processo; Shinichi Suzuki (1898- 3033 1998) – Japonês – Destaque: Criou o método Suzuki para o ensino do violino, bem como o Movimento de Educação para o talento, pois considerava que todo o indivíduo possui talentos que podem se desenvolvidos pela educação. Alguns autores, para designar o trabalho com a música nas escolas utilizam expressões como Musicalização nas escolas como Eliane Marzullo, em sua obra, e a própria expressão como Educação Musical como no método Willems, por Carmem Maria Mettig Rocha, expressão essa utilizada pelo próprio PCN – Arte. Portanto, O que é musicalizar? É a educação pela música, e que consiste em transformar as crianças em indivíduos que usam os sons musicais, fazem e criam música, apreciam música e, finalmente, se expandem por meio da música. Quando musicalizar? A musicalização pode começar na fase intra-uterina em meios gerais, e a educação musical dirigida já a partir de 3 anos de idade. Por que musicalizar? A musicalização pode auxiliar no desenvolvimento e aperfeiçoamento das seguintes áreas: socialização, alfabetização, inteligência, capacidade inventiva, expressividade, coordenação motora e tato fino, percepção sonora, percepção espacial, raciocínio lógico e matemático, estética, etc. Como musicalizar? Mediante recursos pedagógicos que ofereçam o máximo de possibilidades para que a criança viva a música, utilizando-se de seus dons naturais, que são o instinto rítmico, audição, sensorialidade, emotividade, inteligência ordenadora e criadora. (IELUSC, 13/06/05, p. 1). A música, para Loureiro é entendida como uma linguagem organizada e fundamentada culturalmente: é uma prática social e, por conseguinte, deve ser considerada na educação, não a música pela música, mas a música como um instrumento de educação. A educação musical precisa estar associada às práticas cotidianas dos alunos. CONSIDERAÇÕES A música, a musicalização, a educação musical abrem precedentes para a música na educação, como conhecimento específico trabalhado em artes, enquanto dimensão da arte (música), como aponta Parâmetros Curriculares Nacionais – 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental – e, como ponte para as demais disciplinas como “a língua (portuguesa e inglesa, italiana, latina, 3034 etc.), a história, a matemática, a física, a biologia” e, “outras tantas, mesmo que não estejam diretamente ligadas ao campo da sonoridade”, como acrescenta Ferreira (2002, p. 25) . A música contribui não só para o processo ensino-aprendizagem, mas de acordo com Loureiro, na formação da própria cidadania. Na maioria das escolas, a música ainda tem um papel bastante específico: animação na entrada e saída dos alunos, bem como, em datas comemorativas como o dia da escola, o dia dos pais, o dia das mães, o dia das crianças, e em eventos diversos que a escola promove. Este é o papel que, muitas vezes, a música assume, pois é preciso “agradar e ou conservar/atrair a clientela: os pais”. Sendo assim, o trabalho com a música torna-se o/um “marketing” da escola. Outro aspecto que se pode observar nesse processo é que muitos profissionais da educação não querem ou não sabem como trabalhar com a música em sala de aula e não buscam integrar outras áreas do conhecimento, outros saberes, e em parte isso também é resultado de uma formação profissional que não considera a arte ou a música em seus currículos de graduação, especialmente na pedagogia ou outras áreas das ciências humanas, o que é uma grande lacuna para a ação do futuro profissional, mais especificamente do profissional que atua nas séries inicias do Ensino Fundamental considerando as vivências cotidianas dos alunos. Sendo assim, quando há um trabalho com artes ou com a música na escola, ele é delegado à professora responsável. Das seis professoras que participaram na pesquisa, apenas quatro responderam e as respostas revelaram não haver um trabalho sistemático, por parte das professoras regentes em todas as séries. Já a professora de música sinalizou trabalhar a apostila de arte/ música com os alunos sem fazer conexão com outras áreas ou com o planejamento de qualquer professora regente. Em 100% das respostas, o trabalho com artes/música é responsabilidade das professoras especificas. Portanto, apesar da constatação de que a arte e a música recebem tratamento de destaque no currículo da escola e que uma aula por semana é destinada para esse trabalho desde a educação infantil até a 4ª série do Ensino Fundamental percebe-se pouca ou quase nada de integração com as demais áreas do conhecimento por parte das professoras regentes. O trabalho com a música não é prioridade para elas. A escola adota um material (apostila) muito rico o qual permite aos professores de arte/música um bom trabalho, porém o que é visível é que não há um trabalho articulado entre as 3035 professoras envolvidas nesse processo. Isso revela a falta de uma ação em conjunto somado à falta de contato e de conhecimento dos documentos (Projeto Político Pedagógico e outros) da própria escola. As professoras revelaram o gosto pela música e a arte, mas o fato de desconhecerem a proposta da escola com relação ao trabalho com a música, também sinalizou um aspecto muito sério e comprometedor e que denota uma ação junto aos alunos deficitária, com objetivos, desenvolvimento e resultados comprometidos. A professora de música também confirmou desconhecer a proposta da escola e em especial, com relação a música. Sendo assim, não basta que a escola tenha boa vontade, recursos ou uma clientela interessada, é necessário que tenha consciência e saiba como trabalhar o que está oferecendo e que, todos os envolvidos tenham consciência disso: busquem. Isso revela a importância e a necessidade de uma formação continuada, integrada, consciente e crítica para que, também isso, seja possível ao aluno, pois a música é mais do que um adereço. É possível considerar que o processo de ensino-aprendizagem, por meio da música, nas séries iniciais da escola pesquisada é ainda mínima, sem muita clareza e com um certo grau de timidez e falta de consciência do seu valor e abrangência. È necessário que ela favoreça à comunidade escolar e em especial, às professoras, o conhecimento da proposta da escola e demais documentos (PCNs e subsídios afins sobre o trabalho com a música, talvez alguns projetos), dando especial ênfase ao trabalho integrado e articulado, tendo como princípio, a condição do constante aprendizado. 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