Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 Revista Brasileira de Geografia Física ISSN:1984-2295 Homepage: www.ufpe.br/rbgfe Uma Abordagem da Geografia do Clima Sobre os Eventos Extremos de Precipitação em Recife-PE Geórgia Cristina de Sousa Oliveira1, José Petronilo da Silva Junior2, Ranyére Silva Nóbrega3, Osvaldo Girão4 1 Mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, email: [email protected] ; Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, email:[email protected]; 3 Professor Dr. Programa de Pós-graduação em Geografia. Universidade Federal de Pernambuco, email: [email protected] 4 Professor Dr. Programa de Pós-graduação em Geografia. Universidade Federal Rural de Pernambuco, email: [email protected] 2 Artigo recebido em 29/06/2011 e aceite em 02/08/2011 RESUMO A região metropolitana de Recife-PE tem apresentado constantes casos de inundações decorrentes de eventos de precipitação extremos. Estas inundações afetam significativamente a dinâmica da população uma vez que os alagamentos dificultam a mobilidade urbana, inundam casas, desencadeiam deslizamentos de encostas, retardam as atividades de infraestrutura da cidade, etc. Tendo em vista os fatos apresentados, este trabalho busca apresentar a interrelação entre os eventos extremos de precipitação, suas causas (sistemas meteorológicos principais) e a dinâmica social da região baseado no conceito da geografia do clima. Para isso, utilizou-se da análise descritiva dos dados de precipitação diários de 2000 a 2010 de Recife-PE fornecidos pelo LAMEPE (Laboratório de Meteorologia de Pernambuco). Os principais resultados destacam que nestes últimos dez anos, o ano de 2000 (considerado ano de La Niña) e o de 2005 e 2010 (anos de El Niño) foram os de maiores ocorrências de eventos extremos. Palavras-chave: Sistemas atmosféricos, dinâmica da população, urbanização, região metropolitana. An Climate Geography Approach on Extreme Precipitation Events in Recife-PE ABSTRACT Recife-PE metropolitan area has shown constant cases of flooding caused by extreme precipitation events. These floods significantly affect population dynamics, since, flooding difficult urban mobility, flooding homes, triggering landslides, slowing the activities of the city's infrastructure, etc. Given the facts presented, this work objective to show the interrelationship between the extreme precipitation events, their causes (major weather systems) and social dynamics of the region based on the concept of geography climate. For this, used descriptive analysis of daily rainfall data from 2000 to 2010 in Recife-PE, provided by LAMEPE (Meteorological Laboratory of Pernambuco). The main results point out that over the past ten years, the year 2000 (La Niña years considered) and the 2005 and 2010 (El Niño years) were the highest occurrences of extreme events. Keywords: atmospheric systems, population dynamics, urbanization, metropolitan area. 1. Introdução pessoas na região metropolitana de Recife A interferência do clima sobre a (PE) tem apresentado grande relevância, produção do espaço e para o cotidiano das tendo em vista o padrão de uso e ocupação do * E-mail para correspondência: [email protected] (Oliveira, G. C. S.). Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. território em processo e a ocorrência de 238 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 chuvas intensas. A construção desordenada que tais índices promovem nas cidades. das edificações, muitas vezes ocupando áreas Dependendo do contexto espacial, um impróprias como margem de mananciais, evento extremo superior a 100 mm, por vertentes íngremes, topos de morro, fundos de exemplo, pode repercutir em dinâmicas bacias, com pública de urbanas distintas. Enquanto se observa uma evidenciam a rotina sem muitas mudanças nas áreas dotadas de de um eficiente sistema de macrodrenagem, fragilidade espacial, face às suscetibilidades a em algumas áreas periféricas, que se quer ocorrência de eventos climáticos extremos. contam com sistema viário instalado, as drenagem infraestrutura precária, configuração de etc., diferentes níveis Nessa perspectiva, a análise geográfica consequências de tal precipitação podem ser do clima, ou seja, a espacialização dos catastróficas. Sob este aspecto, o referido eventos climáticos no território, segundo Neto artigo tem como objetivo apresentar através (2008), ajuda a “compreender e explicar como da Geografia Clima uma interpretação para os e em quais circunstâncias o território foi (e eventos climáticos extremos de precipitação tem sido) produzido e como esta ação afeta de na região metropolitana de Recife/PE de 2000 forma a diferenciada os diversos agentes 2010, tendo ainda como objetivos sociais”. Para o referido autor, na abordagem específicos apresentar a média aritmética e os da ser dados diários de precipitação, identificar os conforto fenômenos meteorológicos causadores dos vulnerabilidade distúrbios de precipitação e apresentar as Geografia do Clima, consideradas variáveis humano ambiental, e devem como socioambiental e a produção do espaço principais urbano, sem, contudo, desconsiderar as ocorrência abordagens precipitação no local. clássicas da Climatologia consequências de um evento quando extremo da de Geográfica. A observância e contextualização espacial dos eventos extremos são de grande 1.1 Fundamentação Teórica A Geografia Climática trabalha relevância para compreensão da dinâmica dos essencialmente os mecanismos físicos do processos naturais e sociais sobre o território. tempo e do clima, enquanto que a Geografia Apesar de contribuir numa macroescala para o do Clima busca compreender a organização estudo dos eventos climáticos, a utilização das do espaço produzido pelos agentes sociais e médias anuais dos dados de precipitação, as conseqüências na ocorrência de eventos apresenta barreiras metodológicas para a climáticos extremos nestes espaços. Neto compreensão da dinâmica do clima local. A (2008), ao discorrer sobre a contribuição de simples não Max Sorre à análise geográfica do clima, evidencia, assim, a gradação dos impactos destaca a importância da análise da dinâmica, interpretação das médias Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 239 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 gênese e ritmo, como elementos essenciais ao dessas necessidades, que conduzem o homem entendimento dos fenômenos atmosféricos a elaboração de funções, o autor destaca as como necessidades categorias de análise geográfica, “materiais, imateriais, combatendo dessa forma as abordagens econômicas, sociais, culturais, morais e generalizadoras e de caráter regional. Como afetivas”, em que afirma que estas produzem forma análise os objetos e as formas geográficas. Estas integrada proposta pela Geografia do Clima, necessidades criam, portanto, objetos técnicos faz-se também necessário o resgate do que têm a finalidade de antever determinada conceito de espaço geográfico, como também demanda da sociedade. de contribuir com essa a compreensão do processo de constituição dos padrões de ocupação humana. desenvolvem O espaço geográfico, suporte para a ocupação humana, permite Os padrões de ocupação humana se inúmeras substancialmente sob um suporte natural onde, segundo Barrios (1986), através de um definições. Para Santos (1996, p.51), “o sociedade ou espaço e suposto classe controle, social conseguem um conjunto “produzir e também materiais de existência”. Entretanto essa contraditório, de sistemas de objetos e tentativa de controle produz reações da sistemas considerados natureza, pois, ainda segundo Barrios, “o isoladamente, mas como o quadro único no nível e o caráter do desenvolvimento das qual a história se dá”, sendo os objetos1 tudo forças produtivas alcançados pelas formações aquilo engendrado pelo homem na superfície sociais históricas definem as condições que se da Terra e que se materializaram como efetua a adequação sociedade/meio físico”. herança histórica mediante as ações que Ocorre que essa adequação, no caso de uma compreendem os mecanismos de criação ou exploração que desconsidera as limitações do modificação dos objetos. Neste caso a ação é meio, um processo dotado de propósito, em que um socioambientais bastante adversas, sendo agente, quando muda alguma coisa, está estas respostas do meio físico ao (re) mudando a si mesmo (natureza íntima) e, modelamento concomitantemente, a natureza externa (o adequação seguia ritmo pertinente à sua espaço geográfico). capacidade de suporte. é formado indissociável, de por solidário ações, não reproduzir uma repercute do em espaço suas condições problemáticas que antes da Estas ações advêm de necessidades A precipitação sobre um território que, segundo Santos (1996) podem ser desigual, tal como se apresenta na cidade do naturais ou criadas. Ao exemplificar algumas Recife, constroem diferentes espacialidades, 1 Objetos: segundo Santos (1996, p.59), “Esses objetos geográficos são do domínio tanto do que se chama a Geografia Física como do domínio do que se chama a Geografia Humana e através da história desses objetos, isto é, da forma como foram produzidos e mudam, essa Geografia Física e essa Geografia Humana se encontram”. Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 240 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 visíveis nas distintas paisagens urbanas diante corroborar de forma propositiva com o da incidência de eventos extremos. Nesse diagnóstico socioespacial urbano. Segundo aspecto, a análise do ritmo climático pode Monteiro (apud Neto, 2008, p. 71), somente a [...] análise rítmica detalhada ao nível de tempo, revelando a gênese dos fenômenos climáticos pela interação dos elementos e fatores, dentro de uma realidade regional, é capaz de oferecer parâmetros válidos à consideração dos diferentes e variados problemas geográficos desta região. Considerando arcabouço denominada Oscilação Sul. Nesse sentido, conceitual, depreendem-se que a análise quando o Índice de Oscilação Sul é positivo rítmica pelo (La Niña), a célula de Walker (célula de conhecimento da precipitação diária e dos circulação vertical-zonal), revela movimento tipos de eventos meteorológicos influentes em ascendente do ar em Darwin e descendente no uma determinada região, sistemas estes meio do Pacífico devido às diferenças de exemplificados por suas características físicas pressão entre eles. Essa situação favorece à bem como por suas particularidades. ressurgência junto à costa sulamericana do deve este ser subsidiada Nesse sentido, vale destacar que em Pacífico, estimulando as atividades pesqueiras Recife - PE foram identificados como e um ramo ascendente permanece sobre a responsáveis pelos eventos extremos de Amazônia contribuindo para a ocorrência de precipitação nos últimos anos os seguintes chuva. sistemas atmosféricos: La Niña, ZCIT (Zona de Convergência Intertropical), Já a ZCIT, é uma região de baixa VCANs pressão nas latitudes equatoriais, onde ocorre (Vórtices Ciclones de Altos Níveis) e DOLs a confluência e convergência dos alísios de (Distúrbios ou nordeste e de sudeste, verificada nas imagens simplesmente Ondas de Leste. Todavia, deve- de satélite como uma banda de nebulosidade se ser entendido que a maior ou menor bem definida sobre a região tropical, como se intensidade destes eventos podem estar observa na área destacada da Figura 1. É associados caracterizada Ondulatórios a outros em de Leste) menor escala por grandes aglomerados geradores de intensa atividade convectiva convectivos causadores de fortes aguaceiros, (Nóbrega, R.S, consulta interna). Cavalcanti (2009). Sua migração é sazonal e Diante deste contexto, Nobre e Shukla ocorre no Atlântico Equatorial entre agosto e (1996), Nóbrega et al. (2000) e Mendonça e setembro mais para o norte e durante março e Danni-Oliveira (2007), explicam que as águas abril mais para o sul. No entanto, quando de do Pacífico interagem com a atmosfera e sua permanência por mais tempo em ambos geram uma espécie de gangorra barométrica os hemisférios determina a qualidade da entre as porções leste e oeste do oceano, estação chuvosa no norte do Nordeste do Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 241 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 Brasil, podendo provocar chuvas abundantes abril e início de maio, Melo e Cavalcanti quando sua migração ocorrer entre o fim de (2009). Figura 1. Ilustração da Zona de Convergência Intertropical – ZCIT. Segundo Ferreira, Ramírez e Gan (2009), os VCANs sistemas apresentam um formato de vírgula invertida, meteorológicos caracterizados por centros de como pode ser observada na área destacada da baixa pressão com origem na alta troposfera, Figura 2. Todavia, quando um vórtice se são quase estacionários, mas também podem origina sobre o continente, parte da região deslocar-se oeste Nordeste apresenta nebulosidade e chuva (na permanecendo por vários dias. No Brasil, os periferia do vórtice) com céu claro nas regiões VCANs de origem tropical atuam mais centrais. para leste são com um tempo de vida de quatro a onze dias e ou para frequentemente entre dezembro e fevereiro Figura 2. Ilustração de um Vórtice Ciclone de Altos Níveis – VCAN. Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 242 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 Os DOLs também conhecidos por de leste provocam ocorrência de DOLs Ondas de Leste se propagam desde o oeste da (Figura 3), que se propagam para oeste, África até o Atlântico Tropical e sua imersos no campo dos alísios acompanhando propagação dura de uma a duas semanas com um ocorrência no início e no fim do inverno acontecem após a passagem do eixo do austral, Machado et al (2009). Reconhecendo, cavado, pois nesta área se processam os Cavalcanti (2009) explica que no Atlântico movimentos ascendentes mais fortes (Alves; Sul, a convergência dos ventos de sul, Nóbrega, 2010; Varejão-Silva, 2005). cavado. As chuvas mais intensas associados aos sistemas frontais com ventos Figura 3. Ilustração de um Distúrbio Ondulatório de Leste. 2. Material e Métodos entre as coordenadas geográficas de latitude 2.1 Localização da área de estudo 8º 04' 03'' S e longitude 34º 55' 00'' W. A cidade do Recife, conforme dados De acordo com os dados do do site da Prefeitura, possui um território de recenseamento de 2000, a população da 220 km², limitando-se ao norte com as cidade cidades de Olinda e Paulista, ao sul com o correspondendo a 18% da população do município de Jaboatão dos Guararapes, a Estado, e a 44% da Região Metropolitana do oeste com São Recife (RMR), o que lhe propicia uma Lourenço da Mata e totaliza 1.422.905 Camaragibe, e a leste com o Oceano densidade Atlântico. O centro da cidade está situado habitantes/km². A geomorfologia do território Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. demográfica habitantes, de 6.458 243 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 da cidade se distribui da seguinte forma: morros: 67,43%; aquáticas: 9,31%; planícies: Zonas 23,26%; Especiais de A partir destes foram destacados os anos com médias acima da normalidade, bem como observados seus valores máximos Preservação Ambiental - ZEPA: 5,58%; e diários e os sistemas meteorológicos extensão de praia: 8,6 km (Prefeitura do propulsores. Esta caracterização possibilitou Recite, 2011). Portanto, observa-se na capital identificar as causas de um evento extremo de pernambucana um quadro geomorfológico precipitação e as conseqüências deste para majoritariamente de risco, onde mais de 50% uma dada população. do território encontra-se nas feições de morros, mais suscetíveis aos eventos extremos de precipitação, sendo destaque os 3. Resultados e Discussão 3.1 Análise estatística e rítmica eventos de deslizamentos. A estatística descritiva dos dados de Apesar de ter sido criada desde 1986, precipitação dos anos 2000 a 2010 mostraram com a publicação do Decreto Municipal que a média anual foi de 177,7 mm e o desvio N°13.603, a Coordenadoria de Defesa Civil padrão de 167,8 mm, o que nos apresentou do em uma zona de normalidade entre 9,9 mm e “planejar e coordenar ações de defesa civil de 345,5 mm (Média+DP e Média-DP). A partir natureza e desta aplicação destacou-se como o mês de recuperativa, que se destinem a evitar ou maior ocorrência de valores acima da média e reduzir as consequências das calamidades”, desvio não disponibiliza em seu site dados relativos precipitação acima da normalidade. Recife (CODECIR), preventiva, responsável assistencial ao monitoramento das áreas de risco da cidade do Recife. padrão, junho, com 80% de Verificou-se também que os valores acima da normalidade coincidem com o inicio da estação chuvosa em Recife (de março a 2.2 Procedimentos Metodológicos julho), no entanto, foi verificado que em O método de abordagem da pesquisa agosto, pós-estação chuvosa também ocorreu foi o indutivo e o procedimento utilizado foi o um evento de precipitação extremo que estatístico baseando-se, sobretudo no conceito garantiu a alta no volume médio total para de análise rítmica. De posse dos dados diários este mês. de precipitação para Recife – PE, de 2000 a 2010, fornecidos pelo Laboratório Através da aplicação do coeficiente de de variação e dos valores médios mensais Meteorologia de Pernambuco (LAMEPE), (Figura 4), verificou-se que entre setembro e foram identificadas as médias mensais e março os valores registrados apresentam anuais de precipitação e seus respectivos variabilidade maior, ou seja, uma dispersão desvios padrão e coeficientes de variação. dos dados em torno da média bastante Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 244 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 significativa, já entre abril e agosto os valores valores proporcionais de precipitação, com tendem exceção dos eventos extremos. a homogeneidade, apresentando Figura 4. Médias mensais de precipitação (mm) e coeficiente de variação (%). De posse destas informações e dos considerado ano de El Niño não justificando dados diários destacamos especificamente os valores extremos de precipitação. Sugere- para análise os anos de 2000 e 2005, pois se a análise nos padrões do Dipolo do apresentaram as maiores precipitações dos Atlântico para este ano, em específico, últimos 10 anos, e 2010, para subsidiar podendo ser esta a condição de grande escala especificamente as conseqüências que a que potencializou a chuva acima da média. intensidade e a concentração de um evento Importante destacar que no ano de podem propiciar, embora não tenha sido 2010, embora marcado pela ocorrência de um ultrapassada a média para o mês de junho. fenômeno extremo, apenas o mês de junho Com relação aos valores médios apresentou uma anormalidade na precipitação mensais e desvio padrão observou-se que o com relação a média anual e o desvio padrão, ano de maior ocorrência de valores acima da no entanto, quanto a média mensal, não foi média foi 2000, considerado ano de La Niña, verificado nada além do limite para o mês este fenômeno, portanto, pode explicar o fato supracitado. Nesse sentido, vale destacar que deste ano ter sido o mais chuvoso entre os 10 este ano foi considerado ano de El Niño e analisados, apresentou tal característica, com destaque, sendo necessária análise adequada, que não é objeto deste estudo. todavia para junho, que proporcionou um Já o ano de 2005 quanto a média mais volume acima do esperado devido a influência o desvio padrão mensal apresentou-nos que os de outro evento, conhecido como distúrbios meses de maio (500,6 mm) e junho (634,5 ondulatórios de leste ou ondas de leste. mm) tiveram uma precipitação acima da normalidade, com respectivamente. No 762,5 e entanto, 811 este Com relação às médias mensais de mm precipitação e desvio padrão para os anos de foi 2000, 2005 e 2010, considerou-se como Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 245 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 estação chuvosa de Recife o período de abril a valores acima de 100 mm, atingindo duas agosto (Figura 5), em que o desvio padrão máximas, um em maio e a outra em julho. apresenta um maior grau de dispersão com Figura 5. Médias mensais de precipitação (mm) e Desvio Padrão (mm). Os principais resultados também chuva se faz presente em pelo menos 20 dias. mostram que a estação de maior freqüência de Além disso, tem-se nos meses de junho e precipitação pluvial é a outono-inverno julho o maior número de ocorrências de (Tabela 1), considerando o mês de abril o precipitação/mês. início da estação chuvosa, pois, em um mês, a Tabela 1. Número de dias com precipitação > 1mm. Ano/Mês Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 2000 14 12 12 20 17 22 25 18 20 6 3 5 2005 4 10 9 12 24 26 21 20 5 6 4 6 2010 18 9 7 20 16 21 23 19 10 4 2 0 Na Tabela 2 podemos observar os Buscando identificar o número de valores máximos de precipitação diária para ocorrências os anos 2000, 2005 e 2010. Os maiores picos precipitação, foi contabilizado para tanto, o se encontram nos meses de maio, junho e número de dias com precipitação acima de agosto, e 100 mm (Tabela 3). Diante dos resultados, 169.5mm/dia, respectivamente. Diante deste verifica-se que em 2000 ocorreram cinco contexto, avalia-se a ocorrência de eventos eventos, em 2005, quatro e em 2010, dois. É extremos de precipitação, visto que em apenas notável a diminuição um dia os valores precipitados correspondem temporal da precipitação, ficando esta mais a 52,2, 35,9 e 91,1% dos valores médios concentrada em um determinado mês. chovendo 164.5, 126.3 de eventos na extremos de espacialização históricos para o dado período. Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 246 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 Tabela 2. Valores máximos de precipitação diária para os anos de 2000, 2005 e 2010. Ano/Mês Jan Mai Jun 52 98 57,3 20,8 13,4 42,9 16,5 27,8 32,6 91,1 92,2 21,0 15,2 142,4 2005 5,2 27,5 19,8 164,8 108,3 67,3 54,5 11,5 22,5 % 5,3 19,1 8,5 11,3 52,2 19,2 29,3 9,7 2010 28 3,8 21 46 41,5 126,3 56,5 24,5 12,5 29,5 11,5 0 % 28,3 2,6 9,0 15,8 13,1 35,9 16,1 13,2 10,6 46,8 34,8 0,0 Média 99 144 233 291 316 352 351 186 118 68 2000 % 56,7 Fev Mar Abr 30 31,3 124,8 33 Jul Ago Set Out Nov Dez 114,5 169,5 108,8 13,2 30,8 5 96,8 5 88,5 35,7 15,2 130,1 63 33 Tabela 2. Número de dias com precipitação >100 mm. Ano/Mês Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 2000 - - - 1 - - 2 1 1 - - - 2005 - - - - 3 1 - - - - - - 2010 - - - - - 2 - - - - - - No entanto, as concentrações de chuva 3.2 Diagnóstico Socioambiental no mês junho de 2010, apesar de menor A compreensão variações distintos sistemas ocorrência alterou significativamente a vida conseqüentes da população das áreas susceptíveis a atmosféricos pode ser percebida pela análise inundações, pois para estes dois dias choveu rítmica, pois a mesma permite a associação um montante de 228,1 mm, o equivalente a das variações dos elementos do clima e tipos 64,8% da média mensal, sendo decretado de tempo, decorrentes dos mecanismos de estado de calamidade pública, com um circulação regional (Monteiro, 2000; Girão, balanço inestimável de perdas para as áreas 2007). atingidas. de das Segundo Neto (2008, p. 75), A entrada de um sistema atmosférico, (...), por exemplo, se espacializa de maneira mais ou menos uniforme num determinado espaço, em escala local. Entretanto, em termos socioeconômicos, este sistema produzirá diferentes efeitos em função da capacidade (ou possibilidade) que os diversos grupos sociais tem para defenderem-se de suas ações. Assim sendo, considerando o desigual níveis de convivência com os eventos padrão de uso e ocupação do solo em Recife, climáticos extremos, tal como pode ser é de se esperar o diagnóstico de diferentes observado nos períodos de chuvas intensas Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 247 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 que castigaram a capital do Pernambuco nos de maio de 2005 e 18 de junho de 2010, períodos conforme Quadro 1. que tiveram como pico de precipitação os dias 01 de agosto de 2000, 30 Quadro 1. Resumos dos principais problemas identificados na Região Metropolitana do Recife em 2000, 2005 e 2010. Evento de Pico de Consequências na região metropolitana do Recife Precipitação 01 de agosto de 22 mortos, 100 feridos e mais de 60 mil pessoas desabrigadas, 2000 transbordamento de rios e destruição de pontes e casas. Nas áreas periféricas foram registrados 102 deslizamentos de barreiras 30 de maio de Casas parcialmente ou totalmente destruídas; pontes danificadas; 2005 rodovias estaduais atingidas e interditadas; a água inundou ruas centrais, hospitais, escolas e casas comerciais, provocando enormes prejuízos materiais. Escolas foram transformadas em abrigos para os desabrigados, comprometendo o calendário escolar. 18 de junho de Maior tragédia da década: dezenas de pessoas morreram, 2010 milhares ficaram desabrigadas desalojadas; casas foram destruídas; pontes ficaram danificadas ou totalmente levadas pela água; estradas foram danificadas. Fonte: Portal UOL, 2011. Diante do urbano superficial da drenagem, bem como foram metropolitano do Recife, tais consequências objeto de amplo trabalho de manutenção dos frequentes de sistemas, apesar da prática de boa parte dos precipitação se processam de forma desigual habitantes ainda insistir em lançar resíduos na cidade. Observa-se pelo histórico de uso e nas vias públicas que, quando levados pela ocupação drenagem nos períodos de chuva, obstruem as dos desenho eventos extremos que as políticas públicas de ordenamento territorial não conseguiram galerias responsáveis pelo escoamento da preparar a cidade para uma perspectiva de água precipitada. Ato contínuo, os cálculos desenvolvimento urbano, onde deveria ser considerados para o dimensionamento dos objeto de preocupação a consideração das sistemas de drenagem têm como referência as bacias de micro e macro drenagem, a médias climáticas, preservação das áreas permeáveis/canais de consideração dos eventos extremos. drenagem e o controle mais rígido da impermeabilização. turísticas, tiveram Salvaguardando contempladas Entretanto, as áreas mais centrais e nos últimos ainda com sendo tais rara a localidades, infra-estrutura de escoamento da drenagem urbana, nas regiões anos periféricas e próximas aos inúmeros canais investimentos em sistemas de escoamento fluviais que cortam a cidade, o que se observa Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 248 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 é uma ausência de sistemas estruturados para indivíduo, mas sim, no contexto do homem o escoamento, a contento, da drenagem. No como ser social, inserido numa sociedade de bairro exemplo, classes e pertencente a um dado meio técnico independentemente da quantidade de água e científico”. Portanto, o homem não é precipitada, são evidentes nas imediações da passivo no processo de interação com a Av. Caxangá, vias coletoras do sistema viário, natureza, ele participa e deve fazer valer suas desprovidas pretensões, desde que estejam atentas as de Iputinga, se por quer de pavimentação primária, contribuindo para formação de condicionantes depressões comumente preenchidas pelas eventos climáticos extremos. águas das chuvas. Muitas quadras dos próprios moradores. da precipitação em um viário determinado local é colaborativo quando do metropolitano entra em colapso seguidamente uso concomitante das medidas de dispersão aos eventos de chuva, onde são comuns o (desvio padrão) a fim de identificar a zona de transbordamento a normalidade de um dado evento. No entanto, interdição dos fundos de micro-bacias, o devido a sua natureza sintetizadora, uma comprometimento de passagens molhadas e avaliação mais ampla do fenômeno necessita pontes, o desmoronamento de barreiras, a de superlotação dos hospitais com vítimas dos particularizada da ocorrência de eventos eventos extremos meteorológicos, apenas observados dos extremos sistema os O uso da média para caracterizar o comportamento complexo com 4. Conclusões interditados por horas, obstruindo o trânsito já convivência se resumem, ao longo do dia, a trechos O de canais de fluviais, precipitação, o outros agravamento do déficit habitacional devido a com destruição de residências, o comprometimento precipitação. do calendário escolar devido a ocupação das a parâmetros análise dos para dados descrição diários de As médias nos apresentam a tendência instituições de ensino por desabrigados, etc. dos Tais gradações determinado valor central, já os dados diários distintas na cidade, sendo mais agravadas nas de precipitação nos permitiram além de periferias e áreas cuja população apresenta um indicar os valores médios, também a imagem poder aquisitivo menor e que não possui real da concentração da chuva em um período histórico de mobilização social para cobrar bem como sua variabilidade temporal. A providências do poder público. partir destas descrições pode-se procurar problemáticas Ainda, atingem segundo Neto (2008), a dados identificar os “relação clima - sociedade, não mais se dá na atuantes dimensão do homem enquanto espécie, ou concentração Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. se através concentrarem sistemas do da em um meteorológicos período de maior precipitação, sua 249 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 periodicidade e as conseqüências para uma de chuvas extremas no litoral da região dada região, especialmente áreas consideradas Nordeste do Brasil: aspectos numéricos na de risco. previsão operacional do tempo. Tese de Tais análises podem corroborar para a Doutorado. Universidade Federal do Rio de compreensão de parte das causas das tragédias Janeiro: Rio de Janeiro. Disponível em: urbanas que tiveram e tem lugar no Recife. fenix3.ufrj.br/60/teses/coppe_d/AlessandroSa Todavia, sua leitura também deve estar rmentoCavalcanti.pdf. Acessado em: 15 de associada à avaliação do processo do uso e mai de 2011. ocupação do território, bem como a qualificação das ações do poder público frente Ferreira, N. J; Ramírez, M. V; Gan, M. A. (2009). Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis aos eventos climáticos extremos. que atuam na vizinhança do Nordeste do Brasil (p.43-59). In: Cavalcanti, I. F. A. et al 5. Agradecimentos Os autores agradecem ao apoio da UFPE pela concessão de bolsas de pósgraduação e ao grupo de (org.). Tempo e Clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Texto. pesquisa Tropoclima. Ao Laboratório de Meteorologia de Pernambuco (LAMEPE) pelos dados de precipitação Girão, O. (2007). Análise de Processos Erosivos em Encostas na Zona Sudoeste da Cidade do Recife – Pernambuco. 305 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade 6. Referências Federal do Rio de Janeiro, CCMN, Rio de Alves, K. M. A. S.; Nóbrega, Ranyére Silva. Janeiro. (2010). Discussão conceitual sobre Distúrbios Ondulatórios de Leste (DOL S) e sua influencia nos eventos pluviométricos do Nordeste Brasileiro - NEB. In: II Workshop de Mudanças Climáticas e Recursos Hídricos, 2010, Recife. Mudanças Climáticas e Machado, L. A. T. et al. (2009). Distúrbios Ondulatórios de Leste (p.61-73). In: Cavalcanti, I. F. A. et al (org.). Tempo e Clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Texto. Melo, A. B. C.; Cavalcanti, I. F de A.; Souza, impactos ambientais. P. Barrios, S. (1986). A produção do espaço. In: Intertropical do Atlântico (p.25-39). In: Souza, Maria Adélia A. de; Santos, Milton Cavalcanti, I. F. A. et al (org.). Tempo e (Org.). A construção do espaço. São Paulo: Clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Texto. Nobel. p.1-24 (Coleção espaços). P. (2009). Zona de Convergência Mendonça, F.; Danni-Oliveira, I. M. (2007). Cavalcanti, A. S. (2009). Avaliação de Climatologia: noções básicas e climas do padrões atmosféricos associados à ocorrência Brasil. São Paulo: Oficina de Textos. Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O. 250 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251 Monteiro, Carlos Augusto de Figueiredo. option=com_content&view=article&id=337:e (2000). Geossistemas: A história de uma nchentes&catid=45:fenomenos-naturais&Item procura. São Paulo: Editora Contexto. 127 p. id=105 Neto, J. L. S. (2008). Da climatologia PREFEITURA DO RECIFE. Acessado em 12 geográfica à geografia do clima: gênese, de paradigmas e aplicações do clima como http://www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamen fenômeno to/inforec/ geográfico. In: Revista da maio de 2011 em ANPEGE, v. 4, p. 61 – 88. Santos, Milton. (1996). A natureza do Nóbrega, R. S.; et al. (2000). O fenômeno El espaço: técnica e tempo; razão e emoção. Niño ea influência conjunta do dipolo do 3.ed. São Paulo: Hucitec. Atlântico no Estado do Ceará. 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