Revista Brasileira de Geografia Física

Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251
Revista Brasileira de
Geografia Física
ISSN:1984-2295
Homepage: www.ufpe.br/rbgfe
Uma Abordagem da Geografia do Clima Sobre os Eventos Extremos de
Precipitação em Recife-PE
Geórgia Cristina de Sousa Oliveira1, José Petronilo da Silva Junior2, Ranyére Silva Nóbrega3,
Osvaldo Girão4
1
Mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, email: [email protected] ;
Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, email:[email protected];
3
Professor Dr. Programa de Pós-graduação em Geografia. Universidade Federal de Pernambuco, email:
[email protected]
4
Professor Dr. Programa de Pós-graduação em Geografia. Universidade Federal Rural de Pernambuco, email:
[email protected]
2
Artigo recebido em 29/06/2011 e aceite em 02/08/2011
RESUMO
A região metropolitana de Recife-PE tem apresentado constantes casos de inundações decorrentes de eventos de
precipitação extremos. Estas inundações afetam significativamente a dinâmica da população uma vez que os
alagamentos dificultam a mobilidade urbana, inundam casas, desencadeiam deslizamentos de encostas, retardam as
atividades de infraestrutura da cidade, etc. Tendo em vista os fatos apresentados, este trabalho busca apresentar a
interrelação entre os eventos extremos de precipitação, suas causas (sistemas meteorológicos principais) e a dinâmica
social da região baseado no conceito da geografia do clima. Para isso, utilizou-se da análise descritiva dos dados de
precipitação diários de 2000 a 2010 de Recife-PE fornecidos pelo LAMEPE (Laboratório de Meteorologia de
Pernambuco). Os principais resultados destacam que nestes últimos dez anos, o ano de 2000 (considerado ano de La
Niña) e o de 2005 e 2010 (anos de El Niño) foram os de maiores ocorrências de eventos extremos.
Palavras-chave: Sistemas atmosféricos, dinâmica da população, urbanização, região metropolitana.
An Climate Geography Approach on Extreme
Precipitation Events in Recife-PE
ABSTRACT
Recife-PE metropolitan area has shown constant cases of flooding caused by extreme precipitation events. These floods
significantly affect population dynamics, since, flooding difficult urban mobility, flooding homes, triggering landslides,
slowing the activities of the city's infrastructure, etc. Given the facts presented, this work objective to show the
interrelationship between the extreme precipitation events, their causes (major weather systems) and social dynamics of
the region based on the concept of geography climate. For this, used descriptive analysis of daily rainfall data from
2000 to 2010 in Recife-PE, provided by LAMEPE (Meteorological Laboratory of Pernambuco). The main results point
out that over the past ten years, the year 2000 (La Niña years considered) and the 2005 and 2010 (El Niño years) were
the highest occurrences of extreme events.
Keywords: atmospheric systems, population dynamics, urbanization, metropolitan area.
1. Introdução
pessoas na região metropolitana de Recife
A interferência do clima sobre a
(PE) tem apresentado grande relevância,
produção do espaço e para o cotidiano das
tendo em vista o padrão de uso e ocupação do
* E-mail para correspondência: [email protected]
(Oliveira, G. C. S.).
Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O.
território em processo e a ocorrência de
238
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chuvas intensas. A construção desordenada
que tais índices promovem nas cidades.
das edificações, muitas vezes ocupando áreas
Dependendo do contexto espacial, um
impróprias como margem de mananciais,
evento extremo superior a 100 mm, por
vertentes íngremes, topos de morro, fundos de
exemplo, pode repercutir em dinâmicas
bacias,
com
pública
de
urbanas distintas. Enquanto se observa uma
evidenciam
a
rotina sem muitas mudanças nas áreas dotadas
de
de um eficiente sistema de macrodrenagem,
fragilidade espacial, face às suscetibilidades a
em algumas áreas periféricas, que se quer
ocorrência de eventos climáticos extremos.
contam com sistema viário instalado, as
drenagem
infraestrutura
precária,
configuração
de
etc.,
diferentes
níveis
Nessa perspectiva, a análise geográfica
consequências de tal precipitação podem ser
do clima, ou seja, a espacialização dos
catastróficas. Sob este aspecto, o referido
eventos climáticos no território, segundo Neto
artigo tem como objetivo apresentar através
(2008), ajuda a “compreender e explicar como
da Geografia Clima uma interpretação para os
e em quais circunstâncias o território foi (e
eventos climáticos extremos de precipitação
tem sido) produzido e como esta ação afeta de
na região metropolitana de Recife/PE de 2000
forma
a
diferenciada
os
diversos
agentes
2010,
tendo
ainda
como
objetivos
sociais”. Para o referido autor, na abordagem
específicos apresentar a média aritmética e os
da
ser
dados diários de precipitação, identificar os
conforto
fenômenos meteorológicos causadores dos
vulnerabilidade
distúrbios de precipitação e apresentar as
Geografia
do
Clima,
consideradas
variáveis
humano
ambiental,
e
devem
como
socioambiental e a produção do espaço
principais
urbano, sem, contudo, desconsiderar as
ocorrência
abordagens
precipitação no local.
clássicas
da
Climatologia
consequências
de
um
evento
quando
extremo
da
de
Geográfica.
A observância
e contextualização
espacial dos eventos extremos são de grande
1.1 Fundamentação Teórica
A
Geografia
Climática
trabalha
relevância para compreensão da dinâmica dos
essencialmente os mecanismos físicos do
processos naturais e sociais sobre o território.
tempo e do clima, enquanto que a Geografia
Apesar de contribuir numa macroescala para o
do Clima busca compreender a organização
estudo dos eventos climáticos, a utilização das
do espaço produzido pelos agentes sociais e
médias anuais dos dados de precipitação,
as conseqüências na ocorrência de eventos
apresenta barreiras metodológicas para a
climáticos extremos nestes espaços. Neto
compreensão da dinâmica do clima local. A
(2008), ao discorrer sobre a contribuição de
simples
não
Max Sorre à análise geográfica do clima,
evidencia, assim, a gradação dos impactos
destaca a importância da análise da dinâmica,
interpretação
das
médias
Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O.
239
Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251
gênese e ritmo, como elementos essenciais ao
dessas necessidades, que conduzem o homem
entendimento dos fenômenos atmosféricos
a elaboração de funções, o autor destaca as
como
necessidades
categorias
de
análise
geográfica,
“materiais,
imateriais,
combatendo dessa forma as abordagens
econômicas, sociais, culturais, morais e
generalizadoras e de caráter regional. Como
afetivas”, em que afirma que estas produzem
forma
análise
os objetos e as formas geográficas. Estas
integrada proposta pela Geografia do Clima,
necessidades criam, portanto, objetos técnicos
faz-se também necessário o resgate do
que têm a finalidade de antever determinada
conceito de espaço geográfico, como também
demanda da sociedade.
de
contribuir
com
essa
a compreensão do processo de constituição
dos padrões de ocupação humana.
desenvolvem
O espaço geográfico, suporte para a
ocupação
humana,
permite
Os padrões de ocupação humana se
inúmeras
substancialmente
sob
um
suporte natural onde, segundo Barrios (1986),
através
de
um
definições. Para Santos (1996, p.51), “o
sociedade
ou
espaço
e
suposto
classe
controle,
social
conseguem
um
conjunto
“produzir
e
também
materiais de existência”. Entretanto essa
contraditório, de sistemas de objetos e
tentativa de controle produz reações da
sistemas
considerados
natureza, pois, ainda segundo Barrios, “o
isoladamente, mas como o quadro único no
nível e o caráter do desenvolvimento das
qual a história se dá”, sendo os objetos1 tudo
forças produtivas alcançados pelas formações
aquilo engendrado pelo homem na superfície
sociais históricas definem as condições que se
da Terra e que se materializaram como
efetua a adequação sociedade/meio físico”.
herança histórica mediante as ações que
Ocorre que essa adequação, no caso de uma
compreendem os mecanismos de criação ou
exploração que desconsidera as limitações do
modificação dos objetos. Neste caso a ação é
meio,
um processo dotado de propósito, em que um
socioambientais bastante adversas, sendo
agente, quando muda alguma coisa, está
estas respostas do meio físico ao (re)
mudando a si mesmo (natureza íntima) e,
modelamento
concomitantemente, a natureza externa (o
adequação seguia ritmo pertinente à sua
espaço geográfico).
capacidade de suporte.
é
formado
indissociável,
de
por
solidário
ações,
não
reproduzir
uma
repercute
do
em
espaço
suas
condições
problemáticas
que antes da
Estas ações advêm de necessidades
A precipitação sobre um território
que, segundo Santos (1996) podem ser
desigual, tal como se apresenta na cidade do
naturais ou criadas. Ao exemplificar algumas
Recife, constroem diferentes espacialidades,
1
Objetos: segundo Santos (1996, p.59), “Esses objetos geográficos são do domínio tanto do que se chama a Geografia
Física como do domínio do que se chama a Geografia Humana e através da história desses objetos, isto é, da forma
como foram produzidos e mudam, essa Geografia Física e essa Geografia Humana se encontram”.
Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O.
240
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visíveis nas distintas paisagens urbanas diante
corroborar de forma propositiva com o
da incidência de eventos extremos. Nesse
diagnóstico socioespacial urbano. Segundo
aspecto, a análise do ritmo climático pode
Monteiro (apud Neto, 2008, p. 71), somente a
[...] análise rítmica detalhada ao nível de tempo, revelando a gênese dos
fenômenos climáticos pela interação dos elementos e fatores, dentro de uma
realidade regional, é capaz de oferecer parâmetros válidos à consideração dos
diferentes e variados problemas geográficos desta região.
Considerando
arcabouço
denominada Oscilação Sul. Nesse sentido,
conceitual, depreendem-se que a análise
quando o Índice de Oscilação Sul é positivo
rítmica
pelo
(La Niña), a célula de Walker (célula de
conhecimento da precipitação diária e dos
circulação vertical-zonal), revela movimento
tipos de eventos meteorológicos influentes em
ascendente do ar em Darwin e descendente no
uma determinada região, sistemas estes
meio do Pacífico devido às diferenças de
exemplificados por suas características físicas
pressão entre eles. Essa situação favorece à
bem como por suas particularidades.
ressurgência junto à costa sulamericana do
deve
este
ser
subsidiada
Nesse sentido, vale destacar que em
Pacífico, estimulando as atividades pesqueiras
Recife - PE foram identificados como
e um ramo ascendente permanece sobre a
responsáveis pelos eventos extremos de
Amazônia contribuindo para a ocorrência de
precipitação nos últimos anos os seguintes
chuva.
sistemas atmosféricos: La Niña, ZCIT (Zona
de
Convergência
Intertropical),
Já a ZCIT, é uma região de baixa
VCANs
pressão nas latitudes equatoriais, onde ocorre
(Vórtices Ciclones de Altos Níveis) e DOLs
a confluência e convergência dos alísios de
(Distúrbios
ou
nordeste e de sudeste, verificada nas imagens
simplesmente Ondas de Leste. Todavia, deve-
de satélite como uma banda de nebulosidade
se ser entendido que a maior ou menor
bem definida sobre a região tropical, como se
intensidade destes eventos podem estar
observa na área destacada da Figura 1. É
associados
caracterizada
Ondulatórios
a
outros
em
de
Leste)
menor
escala
por
grandes
aglomerados
geradores de intensa atividade convectiva
convectivos causadores de fortes aguaceiros,
(Nóbrega, R.S, consulta interna).
Cavalcanti (2009). Sua migração é sazonal e
Diante deste contexto, Nobre e Shukla
ocorre no Atlântico Equatorial entre agosto e
(1996), Nóbrega et al. (2000) e Mendonça e
setembro mais para o norte e durante março e
Danni-Oliveira (2007), explicam que as águas
abril mais para o sul. No entanto, quando de
do Pacífico interagem com a atmosfera e
sua permanência por mais tempo em ambos
geram uma espécie de gangorra barométrica
os hemisférios determina a qualidade da
entre as porções leste e oeste do oceano,
estação chuvosa no norte do Nordeste do
Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O.
241
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Brasil, podendo provocar chuvas abundantes
abril e início de maio, Melo e Cavalcanti
quando sua migração ocorrer entre o fim de
(2009).
Figura 1. Ilustração da Zona de Convergência Intertropical – ZCIT.
Segundo Ferreira, Ramírez e Gan
(2009),
os
VCANs
sistemas
apresentam um formato de vírgula invertida,
meteorológicos caracterizados por centros de
como pode ser observada na área destacada da
baixa pressão com origem na alta troposfera,
Figura 2. Todavia, quando um vórtice se
são quase estacionários, mas também podem
origina sobre o continente, parte da região
deslocar-se
oeste
Nordeste apresenta nebulosidade e chuva (na
permanecendo por vários dias. No Brasil, os
periferia do vórtice) com céu claro nas regiões
VCANs de origem tropical atuam mais
centrais.
para
leste
são
com um tempo de vida de quatro a onze dias e
ou
para
frequentemente entre dezembro e fevereiro
Figura 2. Ilustração de um Vórtice Ciclone de Altos Níveis – VCAN.
Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O.
242
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Os DOLs também conhecidos por
de leste provocam ocorrência de DOLs
Ondas de Leste se propagam desde o oeste da
(Figura 3), que se propagam para oeste,
África até o Atlântico Tropical e sua
imersos no campo dos alísios acompanhando
propagação dura de uma a duas semanas com
um
ocorrência no início e no fim do inverno
acontecem após a passagem do eixo do
austral, Machado et al (2009). Reconhecendo,
cavado, pois nesta área se processam os
Cavalcanti (2009) explica que no Atlântico
movimentos ascendentes mais fortes (Alves;
Sul, a convergência dos ventos de sul,
Nóbrega, 2010; Varejão-Silva, 2005).
cavado.
As
chuvas
mais
intensas
associados aos sistemas frontais com ventos
Figura 3. Ilustração de um Distúrbio Ondulatório de Leste.
2. Material e Métodos
entre as coordenadas geográficas de latitude
2.1 Localização da área de estudo
8º 04' 03'' S e longitude 34º 55' 00'' W.
A cidade do Recife, conforme dados
De
acordo
com
os
dados
do
do site da Prefeitura, possui um território de
recenseamento de 2000, a população da
220 km², limitando-se ao norte com as
cidade
cidades de Olinda e Paulista, ao sul com o
correspondendo a 18% da população do
município de Jaboatão dos Guararapes, a
Estado, e a 44% da Região Metropolitana do
oeste com São
Recife (RMR), o que lhe propicia uma
Lourenço
da Mata e
totaliza
1.422.905
Camaragibe, e a leste com o Oceano
densidade
Atlântico. O centro da cidade está situado
habitantes/km². A geomorfologia do território
Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O.
demográfica
habitantes,
de
6.458
243
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da cidade se distribui da seguinte forma:
morros:
67,43%;
aquáticas:
9,31%;
planícies:
Zonas
23,26%;
Especiais
de
A partir destes foram destacados os
anos com médias acima da normalidade, bem
como observados seus valores máximos
Preservação Ambiental - ZEPA: 5,58%; e
diários
e
os
sistemas
meteorológicos
extensão de praia: 8,6 km (Prefeitura do
propulsores. Esta caracterização possibilitou
Recite, 2011). Portanto, observa-se na capital
identificar as causas de um evento extremo de
pernambucana um quadro geomorfológico
precipitação e as conseqüências deste para
majoritariamente de risco, onde mais de 50%
uma dada população.
do território encontra-se nas feições de
morros,
mais
suscetíveis
aos
eventos
extremos de precipitação, sendo destaque os
3. Resultados e Discussão
3.1 Análise estatística e rítmica
eventos de deslizamentos.
A estatística descritiva dos dados de
Apesar de ter sido criada desde 1986,
precipitação dos anos 2000 a 2010 mostraram
com a publicação do Decreto Municipal
que a média anual foi de 177,7 mm e o desvio
N°13.603, a Coordenadoria de Defesa Civil
padrão de 167,8 mm, o que nos apresentou
do
em
uma zona de normalidade entre 9,9 mm e
“planejar e coordenar ações de defesa civil de
345,5 mm (Média+DP e Média-DP). A partir
natureza
e
desta aplicação destacou-se como o mês de
recuperativa, que se destinem a evitar ou
maior ocorrência de valores acima da média e
reduzir as consequências das calamidades”,
desvio
não disponibiliza em seu site dados relativos
precipitação acima da normalidade.
Recife (CODECIR),
preventiva,
responsável
assistencial
ao monitoramento das áreas de risco da
cidade do Recife.
padrão,
junho,
com
80%
de
Verificou-se também que os valores
acima da normalidade coincidem com o inicio
da estação chuvosa em Recife (de março a
2.2 Procedimentos Metodológicos
julho), no entanto, foi verificado que em
O método de abordagem da pesquisa
agosto, pós-estação chuvosa também ocorreu
foi o indutivo e o procedimento utilizado foi o
um evento de precipitação extremo que
estatístico baseando-se, sobretudo no conceito
garantiu a alta no volume médio total para
de análise rítmica. De posse dos dados diários
este mês.
de precipitação para Recife – PE, de 2000 a
2010,
fornecidos
pelo
Laboratório
Através da aplicação do coeficiente de
de
variação e dos valores médios mensais
Meteorologia de Pernambuco (LAMEPE),
(Figura 4), verificou-se que entre setembro e
foram identificadas as médias mensais e
março os valores registrados apresentam
anuais de precipitação e seus respectivos
variabilidade maior, ou seja, uma dispersão
desvios padrão e coeficientes de variação.
dos dados em torno da média bastante
Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O.
244
Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251
significativa, já entre abril e agosto os valores
valores proporcionais de precipitação, com
tendem
exceção dos eventos extremos.
a
homogeneidade,
apresentando
Figura 4. Médias mensais de precipitação (mm) e coeficiente de variação (%).
De posse destas informações e dos
considerado ano de El Niño não justificando
dados diários destacamos especificamente
os valores extremos de precipitação. Sugere-
para análise os anos de 2000 e 2005, pois
se a análise nos padrões do Dipolo do
apresentaram as maiores precipitações dos
Atlântico para este ano, em específico,
últimos 10 anos, e 2010, para subsidiar
podendo ser esta a condição de grande escala
especificamente as conseqüências que a
que potencializou a chuva acima da média.
intensidade e a concentração de um evento
Importante destacar que no ano de
podem propiciar, embora não tenha sido
2010, embora marcado pela ocorrência de um
ultrapassada a média para o mês de junho.
fenômeno extremo, apenas o mês de junho
Com relação aos valores médios
apresentou uma anormalidade na precipitação
mensais e desvio padrão observou-se que o
com relação a média anual e o desvio padrão,
ano de maior ocorrência de valores acima da
no entanto, quanto a média mensal, não foi
média foi 2000, considerado ano de La Niña,
verificado nada além do limite para o mês
este fenômeno, portanto, pode explicar o fato
supracitado. Nesse sentido, vale destacar que
deste ano ter sido o mais chuvoso entre os 10
este ano foi considerado ano de El Niño e
analisados,
apresentou tal característica, com destaque,
sendo
necessária
análise
adequada, que não é objeto deste estudo.
todavia para junho, que proporcionou um
Já o ano de 2005 quanto a média mais
volume acima do esperado devido a influência
o desvio padrão mensal apresentou-nos que os
de outro evento, conhecido como distúrbios
meses de maio (500,6 mm) e junho (634,5
ondulatórios de leste ou ondas de leste.
mm) tiveram uma precipitação acima da
normalidade,
com
respectivamente.
No
762,5
e
entanto,
811
este
Com relação às médias mensais de
mm
precipitação e desvio padrão para os anos de
foi
2000, 2005 e 2010, considerou-se como
Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O.
245
Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251
estação chuvosa de Recife o período de abril a
valores acima de 100 mm, atingindo duas
agosto (Figura 5), em que o desvio padrão
máximas, um em maio e a outra em julho.
apresenta um maior grau de dispersão com
Figura 5. Médias mensais de precipitação (mm) e Desvio Padrão (mm).
Os
principais
resultados
também
chuva se faz presente em pelo menos 20 dias.
mostram que a estação de maior freqüência de
Além disso, tem-se nos meses de junho e
precipitação pluvial é a outono-inverno
julho o maior número de ocorrências de
(Tabela 1), considerando o mês de abril o
precipitação/mês.
início da estação chuvosa, pois, em um mês, a
Tabela 1. Número de dias com precipitação > 1mm.
Ano/Mês Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov Dez
2000
14
12
12
20
17
22
25
18
20
6
3
5
2005
4
10
9
12
24
26
21
20
5
6
4
6
2010
18
9
7
20
16
21
23
19
10
4
2
0
Na Tabela 2 podemos observar os
Buscando identificar o número de
valores máximos de precipitação diária para
ocorrências
os anos 2000, 2005 e 2010. Os maiores picos
precipitação, foi contabilizado para tanto, o
se encontram nos meses de maio, junho e
número de dias com precipitação acima de
agosto,
e
100 mm (Tabela 3). Diante dos resultados,
169.5mm/dia, respectivamente. Diante deste
verifica-se que em 2000 ocorreram cinco
contexto, avalia-se a ocorrência de eventos
eventos, em 2005, quatro e em 2010, dois. É
extremos de precipitação, visto que em apenas
notável a diminuição
um dia os valores precipitados correspondem
temporal da precipitação, ficando esta mais
a 52,2, 35,9 e 91,1% dos valores médios
concentrada em um determinado mês.
chovendo
164.5,
126.3
de
eventos
na
extremos
de
espacialização
históricos para o dado período.
Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O.
246
Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251
Tabela 2. Valores máximos de precipitação diária para os anos de 2000, 2005 e 2010.
Ano/Mês Jan
Mai
Jun
52
98
57,3 20,8 13,4 42,9
16,5
27,8
32,6
91,1
92,2 21,0 15,2 142,4
2005
5,2
27,5 19,8
164,8 108,3 67,3
54,5
11,5 22,5
%
5,3
19,1
8,5
11,3
52,2
19,2
29,3
9,7
2010
28
3,8
21
46
41,5 126,3 56,5
24,5
12,5 29,5 11,5
0
%
28,3
2,6
9,0
15,8
13,1
35,9
16,1
13,2
10,6 46,8 34,8
0,0
Média
99
144
233
291
316
352
351
186
118
68
2000
%
56,7
Fev
Mar
Abr
30
31,3 124,8
33
Jul
Ago
Set
Out Nov Dez
114,5 169,5 108,8 13,2
30,8
5
96,8
5
88,5
35,7 15,2 130,1
63
33
Tabela 2. Número de dias com precipitação >100 mm.
Ano/Mês Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
2000
-
-
-
1
-
-
2
1
1
-
-
-
2005
-
-
-
-
3
1
-
-
-
-
-
-
2010
-
-
-
-
-
2
-
-
-
-
-
-
No entanto, as concentrações de chuva
3.2 Diagnóstico Socioambiental
no mês junho de 2010, apesar de menor
A
compreensão
variações
distintos
sistemas
ocorrência alterou significativamente a vida
conseqüentes
da população das áreas susceptíveis a
atmosféricos pode ser percebida pela análise
inundações, pois para estes dois dias choveu
rítmica, pois a mesma permite a associação
um montante de 228,1 mm, o equivalente a
das variações dos elementos do clima e tipos
64,8% da média mensal, sendo decretado
de tempo, decorrentes dos mecanismos de
estado de calamidade pública, com um
circulação regional (Monteiro, 2000; Girão,
balanço inestimável de perdas para as áreas
2007).
atingidas.
de
das
Segundo Neto (2008, p. 75),
A entrada de um sistema atmosférico, (...), por exemplo, se espacializa de
maneira mais ou menos uniforme num determinado espaço, em escala
local. Entretanto, em termos socioeconômicos, este sistema produzirá
diferentes efeitos em função da capacidade (ou possibilidade) que os
diversos grupos sociais tem para defenderem-se de suas ações.
Assim sendo, considerando o desigual
níveis de convivência com os eventos
padrão de uso e ocupação do solo em Recife,
climáticos extremos, tal como pode ser
é de se esperar o diagnóstico de diferentes
observado nos períodos de chuvas intensas
Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O.
247
Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251
que castigaram a capital do Pernambuco nos
de maio de 2005 e 18 de junho de 2010,
períodos
conforme Quadro 1.
que
tiveram
como
pico
de
precipitação os dias 01 de agosto de 2000, 30
Quadro 1. Resumos dos principais problemas identificados na Região Metropolitana do Recife em
2000, 2005 e 2010.
Evento de Pico de
Consequências na região metropolitana do Recife
Precipitação
01 de agosto de 22 mortos, 100 feridos e mais de 60 mil pessoas desabrigadas,
2000
transbordamento de rios e destruição de pontes e casas. Nas áreas
periféricas foram registrados 102 deslizamentos de barreiras
30 de maio de Casas parcialmente ou totalmente destruídas; pontes danificadas;
2005
rodovias estaduais atingidas e interditadas; a água inundou ruas
centrais, hospitais, escolas e casas comerciais, provocando
enormes prejuízos materiais. Escolas foram transformadas em
abrigos para os desabrigados, comprometendo o calendário
escolar.
18 de junho de Maior tragédia da década: dezenas de pessoas morreram,
2010
milhares ficaram desabrigadas desalojadas; casas foram
destruídas; pontes ficaram danificadas ou totalmente levadas pela
água; estradas foram danificadas.
Fonte: Portal UOL, 2011.
Diante
do
urbano
superficial da drenagem, bem como foram
metropolitano do Recife, tais consequências
objeto de amplo trabalho de manutenção dos
frequentes
de
sistemas, apesar da prática de boa parte dos
precipitação se processam de forma desigual
habitantes ainda insistir em lançar resíduos
na cidade. Observa-se pelo histórico de uso e
nas vias públicas que, quando levados pela
ocupação
drenagem nos períodos de chuva, obstruem as
dos
desenho
eventos
extremos
que as políticas públicas de
ordenamento
territorial
não
conseguiram
galerias responsáveis pelo escoamento da
preparar a cidade para uma perspectiva de
água precipitada. Ato contínuo, os cálculos
desenvolvimento urbano, onde deveria ser
considerados para o dimensionamento dos
objeto de preocupação a consideração das
sistemas de drenagem têm como referência as
bacias de micro e macro drenagem, a
médias climáticas,
preservação das áreas permeáveis/canais de
consideração dos eventos extremos.
drenagem e o controle mais rígido da
impermeabilização.
turísticas,
tiveram
Salvaguardando
contempladas
Entretanto, as áreas mais centrais e
nos
últimos
ainda
com
sendo
tais
rara a
localidades,
infra-estrutura
de
escoamento da drenagem urbana, nas regiões
anos
periféricas e próximas aos inúmeros canais
investimentos em sistemas de escoamento
fluviais que cortam a cidade, o que se observa
Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O.
248
Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251
é uma ausência de sistemas estruturados para
indivíduo, mas sim, no contexto do homem
o escoamento, a contento, da drenagem. No
como ser social, inserido numa sociedade de
bairro
exemplo,
classes e pertencente a um dado meio técnico
independentemente da quantidade de água
e científico”. Portanto, o homem não é
precipitada, são evidentes nas imediações da
passivo no processo de interação com a
Av. Caxangá, vias coletoras do sistema viário,
natureza, ele participa e deve fazer valer suas
desprovidas
pretensões, desde que estejam atentas as
de
Iputinga,
se
por
quer
de
pavimentação
primária, contribuindo para formação de
condicionantes
depressões comumente preenchidas pelas
eventos climáticos extremos.
águas
das
chuvas.
Muitas
quadras
dos próprios moradores.
da precipitação
em um
viário
determinado local é colaborativo quando do
metropolitano entra em colapso seguidamente
uso concomitante das medidas de dispersão
aos eventos de chuva, onde são comuns o
(desvio padrão) a fim de identificar a zona de
transbordamento
a
normalidade de um dado evento. No entanto,
interdição dos fundos de micro-bacias, o
devido a sua natureza sintetizadora, uma
comprometimento de passagens molhadas e
avaliação mais ampla do fenômeno necessita
pontes, o desmoronamento de barreiras, a
de
superlotação dos hospitais com vítimas dos
particularizada da ocorrência de eventos
eventos
extremos meteorológicos, apenas observados
dos
extremos
sistema
os
O uso da média para caracterizar o
comportamento
complexo
com
4. Conclusões
interditados por horas, obstruindo o trânsito
já
convivência
se
resumem, ao longo do dia, a trechos
O
de
canais
de
fluviais,
precipitação,
o
outros
agravamento do déficit habitacional devido a
com
destruição de residências, o comprometimento
precipitação.
do calendário escolar devido a ocupação das
a
parâmetros
análise
dos
para
dados
descrição
diários
de
As médias nos apresentam a tendência
instituições de ensino por desabrigados, etc.
dos
Tais
gradações
determinado valor central, já os dados diários
distintas na cidade, sendo mais agravadas nas
de precipitação nos permitiram além de
periferias e áreas cuja população apresenta um
indicar os valores médios, também a imagem
poder aquisitivo menor e que não possui
real da concentração da chuva em um período
histórico de mobilização social para cobrar
bem como sua variabilidade temporal. A
providências do poder público.
partir destas descrições pode-se procurar
problemáticas
Ainda,
atingem
segundo
Neto
(2008),
a
dados
identificar
os
“relação clima - sociedade, não mais se dá na
atuantes
dimensão do homem enquanto espécie, ou
concentração
Oliveira, G. C. S.; Silva Júnior, J. P.; Nóbrega, R. S.; Girão, O.
se
através
concentrarem
sistemas
do
da
em
um
meteorológicos
período
de
maior
precipitação,
sua
249
Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 238-251
periodicidade e as conseqüências para uma
de chuvas extremas no litoral da região
dada região, especialmente áreas consideradas
Nordeste do Brasil: aspectos numéricos na
de risco.
previsão operacional do tempo. Tese de
Tais análises podem corroborar para a
Doutorado. Universidade Federal do Rio de
compreensão de parte das causas das tragédias
Janeiro: Rio de Janeiro. Disponível em:
urbanas que tiveram e tem lugar no Recife.
fenix3.ufrj.br/60/teses/coppe_d/AlessandroSa
Todavia, sua leitura também deve estar
rmentoCavalcanti.pdf. Acessado em: 15 de
associada à avaliação do processo do uso e
mai de 2011.
ocupação
do
território,
bem
como
a
qualificação das ações do poder público frente
Ferreira, N. J; Ramírez, M. V; Gan, M. A.
(2009). Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis
aos eventos climáticos extremos.
que atuam na vizinhança do Nordeste do
Brasil (p.43-59). In: Cavalcanti, I. F. A. et al
5. Agradecimentos
Os autores agradecem ao apoio da
UFPE pela concessão de bolsas de pósgraduação
e
ao
grupo
de
(org.). Tempo e Clima no Brasil. São Paulo:
Oficina de Texto.
pesquisa
Tropoclima. Ao Laboratório de Meteorologia
de Pernambuco (LAMEPE) pelos dados de
precipitação
Girão, O. (2007). Análise de Processos
Erosivos em Encostas na Zona Sudoeste da
Cidade do Recife – Pernambuco. 305 f. Tese
(Doutorado em Geografia) – Universidade
6. Referências
Federal do Rio de Janeiro, CCMN, Rio de
Alves, K. M. A. S.; Nóbrega, Ranyére Silva.
Janeiro.
(2010). Discussão conceitual sobre Distúrbios
Ondulatórios de Leste (DOL S) e sua
influencia nos eventos pluviométricos do
Nordeste Brasileiro - NEB. In: II Workshop
de Mudanças Climáticas e Recursos Hídricos,
2010,
Recife.
Mudanças
Climáticas
e
Machado, L. A. T. et al. (2009). Distúrbios
Ondulatórios
de
Leste
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In:
Cavalcanti, I. F. A. et al (org.). Tempo e
Clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Texto.
Melo, A. B. C.; Cavalcanti, I. F de A.; Souza,
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P.
Barrios, S. (1986). A produção do espaço. In:
Intertropical do Atlântico (p.25-39). In:
Souza, Maria Adélia A. de; Santos, Milton
Cavalcanti, I. F. A. et al (org.). Tempo e
(Org.). A construção do espaço. São Paulo:
Clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Texto.
Nobel. p.1-24 (Coleção espaços).
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Convergência
Mendonça, F.; Danni-Oliveira, I. M. (2007).
Cavalcanti, A. S. (2009). Avaliação de
Climatologia: noções básicas e climas do
padrões atmosféricos associados à ocorrência
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Nordeste
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Curso
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