Hepatites Virais HEPATITES VIRAIS CID 10: B15 (Hepatite A); B16 (Hepatite B); B17.1 (Hepatite C); B17.8 (Hepatite D); B17.2 (Hepatite E) Características clínicas e epidemiológicas Descrição As hepatites virais são doenças provocadas por diferentes agentes etiológicos, com tropismo primário pelo fígado, que apresentam características epidemiológicas, clínicas e laboratoriais distintas. A distribuição das hepatites virais é universal, sendo que a magnitude varia de região para região, de acordo com os diferentes agentes etiológicos. No Brasil, esta variação também ocorre. As hepatites virais têm grande importância para a saúde pública e para o individuo, pelo número de indivíduos atingidos e pela possibilidade de complicações das formas agudas e crônicas. 6 Agente etiológico Os agentes etiológicos que causam hepatites virais mais relevantes do ponto de vista clínico e epidemiológico são designados por letras do alfabeto (vírus A, vírus B, vírus C, vírus D e vírus E). Estes vírus têm em comum a predileção para infectar os hepatócitos (células hepáticas). Entretanto, divergem quanto às formas de transmissão e conseqüências clínicas advindas da infecção. São designados rotineiramente pelas seguintes siglas: vírus da hepatite A (HAV), vírus da hepatite B (HBV), vírus da hepatite C (HCV), vírus da hepatite D (HDV) e vírus da hepatite E (HEV). Existem alguns outros vírus que também podem causar hepatite (ex: TTV, vírus G, SEV-V). Todavia, seu impacto clínico e epidemiológico é menor. No momento, a investigação destes vírus está basicamente concentrada em centros de pesquisa. H Reservatório O homem é o único reservatório com importância epidemiológica. Os outros reservatórios apresentam importância como modelos experimentais para a pesquisa básica em hepatites virais. O HAV tem reservatório também em primatas, como chimpanzés e sagüis. Experimentalmente, a marmota, o esquilo e o pato-de-pequim podem ser reservatórios para o HBV; já o chimpanzé, para o HBV, HCV e HEV. Relatos recentes de isolamento do HEV em suínos, bovinos, galinhas, cães e roedores levantam a possibilidade de que esta infecção seja uma zoonose. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 409 Hepatites Virais Modo de transmissão Quanto às formas de transmissão, as hepatites virais podem ser classificadas em dois grupos: o grupo de transmissão fecal-oral (HAV e HEV) tem seu mecanismo de transmissão ligado a condições de saneamento básico, higiene pessoal, qualidade da água e dos alimentos. A transmissão percutânea (inoculação acidental) ou parenteral (transfusão) dos vírus A e E é muito rara, devido ao curto período de viremia dos mesmos. O segundo grupo (HBV, HCV, e HDV) possui diversos mecanismos de transmissão, como o parenteral, sexual, compartilhamento de objetos contaminados (agulhas, seringas, lâminas de barbear, escovas de dente, alicates de manicure), utensílios para colocação de piercing e confecção de tatuagens e outros instrumentos usados para uso de drogas injetáveis e inaláveis. Há também o risco de transmissão através de acidentes perfurocortantes, procedimentos cirúrgicos e odontológicos e hemodiálises sem as adequadas normas de biossegurança. Hoje, após a triagem obrigatória nos bancos de sangue (desde 1978 para a hepatite B e 1993 para a hepatite C), a transmissão via transfusão de sangue e hemoderivados é relativamente rara. A transmissão por via sexual é mais comum para o HBV que para o HCV. Na hepatite C poderá ocorrer a transmissão principalmente em pessoa com múltiplos parceiros, coinfectada com o HIV, com alguma lesão genital (DST), alta carga viral do HCV e doença hepática avançada. Os vírus das hepatites B, C e D possuem também a via de transmissão vertical (da mãe para o bebê). Geralmente, a transmissão ocorre no momento do parto, sendo a via transplacentária incomum. A transmissão vertical do HBV ocorre em 70% a 90% dos casos de mães com replicação viral (HBeAg positivas); nos casos de mães sem replicação viral (HBeAg negativas) a probabilidade varia entre 30% a 50% – o que não altera a conduta a ser adotada para a criança (vacinação e imunoglobulina nas primeiras doze horas de vida). Na hepatite C, a transmissão vertical é bem menos freqüente, podendo ocorrer em aproximadamente 6% dos casos. Entretanto, se a mãe for co-infectada com o HIV, este percentual sobe para até 17%. A transmissão vertical não tem importância para os vírus A e E. Período de incubação Varia de acordo com o agente (Quadro 1). Período de transmissibilidade Varia de acordo com o agente (Quadro 1). Hepatite B – a presença do HBsAg (assim como o HBV-DNA), que determina a condição de portador do HBV (sintomático ou assintomático), indica a existência de risco de transmissão do vírus. Pacientes com HBeAg (marcador de replicação viral) reagente têm maior risco de transmissão do HBV do que pacientes HBeAg não-reagentes. Hepatite C – a presença do HCV-RNA, que determina a condição de viremia do HCV, indica o risco de transmissão da hepatite C. Alguns estudos indicam que a carga viral do HCV é diretamente proporcional ao risco de transmissão do vírus. Em gestantes co-infectadas pelo HCV e HIV, a chance de transmissão vertical é maior do que em gestantes infectadas apenas pelo HCV. 410 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Hepatites Virais Quadro 1. Principais características dos vírus que causam a hepatite Agente etiológico Genoma Modo de transmissão Período de incubação Período de transmissibilidade HAV RNA Fecal-oral 15- 45 dias (média de 30 dias) Desde duas semanas antes do início dos sintomas até o final da segunda semana da doença HBV DNA Sexual, parenteral, percutânea, vertical 30-180 dias (média de 60 a 90 dias) Duas a três semanas antes dos primeiros sintomas, se mantendo durante a evolução clínica da doença. O portador crônico pode transmitir o HBV durante anos HCV RNA Parenteral, percutânea, vertical, sexual 15-150 dias Uma semana antes do início dos sintomas e mantém-se enquanto o paciente apresentar HCV-RNA detectável HDV RNA Sexual, parenteral, percutânea, vertical 30-180 dias. Este período é menor na superinfecção Uma semana antes do início dos sintomas da infecção conjunta (HBV e HDV). Na superinfecção não se conhece este período HEV RNA Fecal-oral 14- 60 dias (média de 42 dias) Duas semanas antes do início dos sintomas até o final da segunda semana da doença 6 Susceptibilidade e imunidade A susceptibilidade é universal. A infecção confere imunidade permanente e específica para cada tipo de vírus. A imunidade conferida pelas vacinas contra a hepatite A e hepatite B é duradoura e específica. Os filhos de mães imunes podem apresentar imunidade passiva e transitória durante os primeiros nove meses de vida. Detecção de imunidade adquirida naturalmente Para a hepatite A – a imunidade adquirida naturalmente é estabelecida pela presença do anti-HAV IgG (ou anti-HAV total positivo com anti-HAV IgM negativo). Este padrão sorológico é indistinguível da imunidade vacinal. Para a hepatite B – a imunidade adquirida naturalmente é estabelecida pela presença concomitante do anti-HBs e anti-HBc IgG ou total. Eventualmente, o anti-HBc pode ser o único indicador da imunidade natural detectável sorologicamente, pois com o tempo o nível de anti-HBs pode tornar-se indetectável. A ocorrência do anti-HBs como marcador isolado de imunidade contra o HBV adquirida naturalmente é possível, embora seja muito pouco freqüente. É aconselhável considerar a possibilidade de resultado falso-positivo nesta situação e repetir os marcadores para esclarecimento do caso. Para a hepatite C – a pessoa infectada pelo vírus C apresenta sorologia anti-HCV reagente por um período indefinido; porém, este padrão não distingue se houve resolução da infecção e conseqüente cura ou se a pessoa continua portadora do vírus. H Detecção de imunidade pós-vacinal Existem disponíveis, no momento, vacinas contra a hepatite A e contra a hepatite B. Para a hepatite A – são susceptíveis à infecção pelo HAV pessoas sorologicamente negativas para o anti-HAV IgG. A vacina contra a hepatite A induz à formação do antiHAV IgG. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 411 Hepatites Virais Para a hepatite B – são susceptíveis pessoas com perfil sorológico HBsAg, anti-HBc e anti-HBs negativos concomitantemente. A vacina contra a hepatite B tem como imunizante o HBsAg (produzido por técnica do DNA recombinante) induzindo, portanto, à formação do anti-HBs, isoladamente. Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas Após entrar em contato com o vírus da hepatite o indivíduo pode desenvolver um quadro de hepatite aguda, podendo apresentar formas clínicas oligo/assintomática ou sintomática. No primeiro caso, as manifestações clínicas estão ausentes ou são bastante leves e atípicas, simulando um quadro gripal. No segundo, a apresentação é típica, com os sinais e sintomas característicos da hepatite como febre, icterícia e colúria. A fase aguda (hepatite aguda) tem seus aspectos clínicos e virológicos limitados aos primeiros seis meses da infecção e a persistência do vírus após este período caracteriza a cronificação da infecção. Apenas os vírus B, C e D têm potencial para desenvolver formas crônicas de hepatite. O potencial para cronificação varia em função de alguns fatores ligados aos vírus e outros ligados ao hospedeiro. De modo geral, a taxa de cronificação do HBV é de 5% a 10% dos casos em adultos. Todavia, esta taxa chega a 90% para menores de 1 ano e 20% a 50% para crianças de 1 a 5 anos. Pessoas com qualquer tipo de imunodeficiência também têm maior chance de cronificação após uma infecção pelo HBV. Para o vírus C, a taxa de cronificação varia entre 60% a 90% e é maior em função de alguns fatores do hospedeiro (sexo masculino, imunodeficiências, mais de 40 anos). A taxa de cronificação do vírus D varia em função de aspectos ligados ao tipo de infecção (co-infecção/ superinfecção) e de taxa de cronificação do HBV. Fase aguda (hepatite aguda) Os vírus hepatotrópicos apresentam uma fase aguda da infecção. No nosso meio, a maioria dos casos de hepatite aguda sintomática deve-se aos vírus A e B (na região Norte a co-infecção HBV/HDV também é importante causa de hepatite aguda sintomática). O vírus C costuma apresentar uma fase aguda oligo/assintomática, de modo que responde por apenas pequena parte das hepatites agudas sintomáticas. Período prodrômico ou pré-ictérico – é o período após a fase de incubação do agente etiológico e anterior ao aparecimento da icterícia. Os sintomas são inespecíficos como anorexia, náuseas, vômitos, diarréia (ou raramente constipação), febre baixa, cefaléia, malestar, astenia e fadiga, aversão ao paladar e/ou olfato, mialgia, fotofobia, desconforto no hipocôndrio direito, urticária, artralgia ou artrite e exantema papular ou maculopapular. Fase ictérica – com o aparecimento da icterícia, em geral há diminuição dos sintomas prodrômicos. Existe hepatomegalia dolorosa, com ocasional esplenomegalia. Ocorre hiperbilirrubinemia intensa e progressiva, com aumento da dosagem de bilirrubinas totais, principalmente à custa da fração direta. A fosfatase alcalina e a gama-glutamil-transferase 412 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Hepatites Virais (GGT) permanecem normais ou discretamente elevadas. Há alteração das aminotransferases, podendo variar de 10 a 100 vezes o limite superior da normalidade. Este nível retorna ao normal no prazo de algumas semanas, porém se persistirem alterados por um período superior a seis meses, deve-se considerar a possibilidade de cronificação da infecção. Fase de convalescença – período que se segue ao desaparecimento da icterícia, quando retorna progressivamente a sensação de bem-estar. A recuperação completa ocorre após algumas semanas, mas a fraqueza e o cansaço podem persistir por vários meses. Fase crônica (hepatite crônica) Casos nos quais o agente etiológico permanece no hospedeiro após seis meses do início da infecção. Os vírus A e E não cronificam, embora o HAV possa produzir casos que se arrastam por vários meses. Os vírus B, C e D são aqueles que têm a possibilidade de cronificar. Os indivíduos com infecção crônica funcionam como reservatórios do respectivo vírus, tendo importância epidemiológica por serem os principais responsáveis pela perpetuação da transmissão. Portador assintomático – indivíduos com infecção crônica que não apresentam manifestações clínicas, que têm replicação viral baixa ou ausente e que não apresentam evidências de alterações graves à histologia hepática. Em tais situações, a evolução tende a ser benigna, sem maiores conseqüências para a saúde. Contudo, estes indivíduos são capazes de transmitir hepatite e têm importância epidemiológica na perpetuação da endemia. Hepatite crônica – indivíduos com infecção crônica que apresentam sinais histológicos de atividade da doença (inflamação, com ou sem deposição de fibrose) e que do ponto de vista virológico caracterizam-se pela presença de marcadores de replicação viral. Podem ou não apresentar sintomas na dependência do grau de dano hepático (deposição de fibrose) já estabelecido. Apresentam maior propensão para uma evolução desfavorável, com desenvolvimento de cirrose e suas complicações. Eventualmente, a infecção crônica só é diagnosticada quando a pessoa já apresenta sinais e sintomas de doença hepática avançada (cirrose e/ou hepatocarcinoma). 6 H Hepatite fulminante Este termo é utilizado para designar a insuficiência hepática no curso de uma hepatite aguda. É caracterizada por comprometimento agudo da função hepatocelular, manifestado por diminuição dos fatores da coagulação e presença de encefalopatia hepática no período de até 8 semanas após o início da icterícia. A mortalidade é elevada (40% e 80% dos casos). A etiologia da hepatite fulminante varia conforme as regiões geográficas. Nos países mediterrâneos, a maioria dos casos (45%) é de origem indeterminada e a hepatite A e B representam 15% e 10% dos casos. Em contraste, a hepatite por paracetamol é a principal causa na Inglaterra. Hepatite aguda C aparentemente não está associada a casos de hepatite fulminante. A co-infecção HBV/HDV pode ser uma causa em regiões endêmicas para os dois vírus. Na Índia, uma causa freqüente de hepatite fulminante entre mulheres grávidas é a hepatite por vírus E. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 413 Hepatites Virais Diagnóstico diferencial O perfil epidemiológico da macrorregião e a sazonalidade orientam a lista de enfermidades que devem ser consideradas no diagnóstico diferencial. No período prodrômico os principais diagnósticos diferenciais são: mononucleose infecciosa (causada pelo vírus Epstein Barr), toxoplasmose, citomegalovírus e outras viroses. Nestas patologias, quando há aumento de aminotransferases, geralmente são abaixo de 500UI. No período ictérico, temos algumas doenças infecciosas como leptospirose, febre amarela, malária e, mais incomum, dengue hemorrágica; para identificação do agente etiológico existem testes diagnósticos específicos para cada patologia citada. Temos também outras causas de hepatite como hepatite alcoólica, hepatite medicamentosa, hepatite auto-imune, hepatites reacionais ou transinfecciosas (acompanham infecções gerais, como sepse), icterícias hemolíticas (como anemia falciforme) e colestase extra-hepática por obstrução mecânica das vias biliares (tumores, cálculo de vias biliares, adenomegalias abdominais). Diagnóstico laboratorial Exames inespecíficos Aminotransferases (transaminases – a aspartato aminotransferase (AST/TGO) e a alanino aminotransferase (ALT/TGP) são marcadores de agressão hepatocelular. Nas formas agudas, chegam a atingir, habitualmente, valores até 25 a 100 vezes acima do normal, embora alguns pacientes apresentem níveis bem mais baixos, principalmente na hepatite C. Em geral, essas enzimas começam a elevar-se uma semana antes do início da icterícia e normalizam-se em cerca de três a seis semanas de curso clínico da doença. Nas formas crônicas, na maioria das vezes não ultrapassam 15 vezes o valor normal e, por vezes, em indivíduos assintomáticos, é o único exame laboratorial sugestivo de doença hepática. Bilirrubinas – elevam-se após o aumento das aminotransferases e, nas formas agudas, podem alcançar valores 20 a 25 vezes acima do normal. Apesar de haver aumento tanto da fração não-conjugada (indireta) quanto da conjugada (direta), esta última apresenta-se predominante. Na urina pode ser detectada precocemente, antes mesmo do surgimento da icterícia. Proteínas séricas – normalmente, não se alteram nas formas agudas. Nas hepatites crônicas e cirrose, a albumina apresenta diminuição acentuada e progressiva. Fosfatase alcalina – pouco se altera nas hepatites por vírus, exceto nas formas colestáticas, quando se apresenta em níveis elevados. Devido à presença normalmente aumentada da fração osteoblástica dessa enzima durante o período de crescimento, esse aspecto deve ser considerado no acompanhamento de crianças e adolescentes. Gama-glutamiltransferase (GGT) – é a enzima mais relacionada aos fenômenos colestáticos, sejam intra e/ou extra-hepáticos. Em geral, há aumento nos níveis da GGT em icterícias obstrutivas, hepatopatias alcoólicas, hepatites tóxico-medicamentosas, tumores hepáticos. Ocorre elevação discreta nas hepatites virais, exceto nas formas colestáticas. Atividade de protrombina – nas formas agudas benignas esta prova sofre pouca alteração, exceto nos quadros de hepatite fulminante. Nos casos de hepatite crônica, o alarga- 414 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Hepatites Virais mento do tempo de protrombina indica a deterioração da função hepática e em associação com alguns outros fatores clínicos e laboratoriais (encefalopatia, ascite, aumento de bilirrubina, queda da albumina) compõe a classificação de Child (um importante e prático meio de avaliar o grau de deterioração da função hepática, além de um marcador prognóstico). Alfafetoproteína – não tem valor clínico na avaliação das hepatites agudas. A presença de valores elevados, ou progressivamente crescentes, em pacientes portadores de hepatite crônica, em geral indica o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular, sendo por isto utilizada no screening deste tumor do fígado em pacientes cirróticos (Obs: pacientes com hepatite crônica pelo HBV podem desenvolver carcinoma hepatocelular mesmo sem a presença de cirrose hepática). Hemograma – a leucopenia é habitual nas formas agudas, entretanto muitos casos cursam sem alteração no leucograma. A presença de leucocitose sugere intensa necrose hepatocelular ou a associação com outras patologias. Não ocorrem alterações significativas na série vermelha. A plaquetopenia pode ocorrer na infecção crônica pelo HCV. 6 Provas específicas Marcadores sorológicos – em caso de hepatite aguda deve-se avaliar a faixa etária do paciente, a história pregressa de hepatites virais ou icterícia e a presença de fatores de risco, como o uso de drogas injetáveis, prática sexual não segura, contato com pacientes portadores de hepatite. Estas informações auxiliarão na investigação. Contudo, deve-se lembrar que não é possível determinar a etiologia de uma hepatite aguda apenas com base em dados clínicos e epidemiológicos (exceto em surtos de hepatite aguda pelo vírus A, que tenham vínculo epidemiológico com um caso confirmado laboratorialmente). Respeitando-se as ressalvas já feitas, recomenda-se em caso de suspeita de hepatite aguda a pesquisa inicial dos marcadores sorológicos: anti-HAV IgM, HBsAg , anti-HBc (total) e anti-HCV* (caso haja justificativa com base na história clínica). A necessidade da pesquisa de marcadores adicionais poderia ser orientada pelos resultados iniciais. Faz parte das boas práticas do laboratório manter acondicionados os espécimes já examinados por, pelo menos, duas semanas após a emissão do laudo, tempo necessário para elucidar eventuais dúvidas ou complementar algum exame referente à amostra. H Hepatite A Anti-HAV IgM – a presença deste marcador é compatível com infecção recente pelo HAV, confirmando o diagnóstico de hepatite aguda A. Este marcador surge precocemente na fase aguda da doença, começa a declinar após a segunda semana e desaparece após 3 meses. Anti-HAV IgG – os anticorpos desta classe não permitem identificar se a infecção é aguda ou trata-se de infecção pregressa. Este marcador está presente na fase de convalescença e persiste indefinidamente. É um importante marcador epidemiológico por demonstrar a circulação do vírus em determinada população. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 415 Hepatites Virais Quadro 2. Interpretação dos marcadores sorológicos da hepatite A Anti-HAV total Anti-HAV IgM Interpretação (+) (+) Infecção recente/hepatite aguda pelo HAV (+) (-) Infecção passada ou imunizado (ver história vacinal) (-) (-) Ausência de contato com o vírus, indivíduo não-imune (susceptível) Hepatite B São marcadores de triagem para a hepatite B: HBsAg e anti-HBc. HBsAg (antígeno de superfície do HBV) – primeiramente denominado como antígeno Austrália. É o primeiro marcador a surgir após a infecção pelo HBV, em torno de 30 a 45 dias, podendo permanecer detectável por até 120 dias. Está presente nas infecções agudas e crônicas. Anti-HBc (anticorpos IgG contra o antígeno do núcleo do HBV) – é um marcador que indica contato prévio com o vírus. Permanece detectável por toda a vida nos indivíduos que tiveram a infecção (mesmo naqueles que não cronificaram, ou seja, eliminaram o vírus). Representa importante marcador para estudos epidemiológicos. Quadro 3. Interpretação e conduta do screening sorológico para hepatite B HBsAg Anti-HBc Interpretação/conduta (+) (-) Início de fase aguda ou falso positivo/Repetir sorologia após 15 dias (+) (+) Hepatite aguda ou crônica/Solicitar anti-HBc IgM (-) (+) Janela imunológica ou falso-positivo ou cura/ Solicitar anti-HBs (-) (-) Não infectado Anti-HBc IgM (anticorpos da classe IgM contra o antígeno do núcleo do HBV) – é um marcador de infecção recente, portanto confirma o diagnóstico de hepatite B aguda. Pode persistir por até 6 meses após o início da infecção. Anti-HBs (anticorpos contra o antígeno de superfície do HBV) – indica imunidade contra o HBV. É detectado geralmente entre 1 a 10 semanas após o desaparecimento do HBsAg e indica bom prognóstico. É encontrado isoladamente em pacientes vacinados. HBeAg (antígeno “e” do HBV) – é indicativo de replicação viral e, portanto, de alta infectividade. Está presente na fase aguda, surge após o aparecimento do HBsAg e pode permanecer por até 10 semanas. Na hepatite crônica pelo HBV, a presença do HBeAg indica replicação viral e atividade da doença (maior probabilidade de evolução para cirrose). Anti-HBe (anticorpo contra o antígeno “e” do HBV) – marcador de bom prognóstico na hepatite aguda pelo HBV. A soroconversão HBeAg para anti-HBe indica alta pro- *A solicitação do anti-HCV segue o racional de que caso se trate de uma hepatite aguda pelo HCV o primeiro teste sorológico será negativo (janela imunológica) e o segundo, realizado 3 a 6 meses após, será positivo, o que caracteriza um quadro agudo com soroconversão. 416 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Hepatites Virais babilidade de resolução da infecção nos casos agudos (ou seja, provavelmente o indivíduo não vai se tornar um portador crônico do vírus). Na hepatite crônica pelo HBV a presença do anti-HBe, de modo geral, indica ausência de replicação do vírus, ou seja, menor atividade da doença e, com isso, menor chance de desenvolvimento de cirrose. Quadro 4. Resumo das definições de caso de hepatite viral por vírus B, a partir dos resultados sorológicos Condição de caso HBsAg Anti-HBc Anti-HBc IgM HBeAg Anti-HBe Anti-HBs Susceptível (-) (-) (-) (-) (-) (-) Incubação (+/-) (-) (-) (-) (-) (-) Hepatite B aguda (+) (+) (+) (+/-) (+/-) (-) Final da fase aguda / janela imunológica (-) (+) (-) (-) (+) Hepatite B fase crônica (+) (+) (-) (+/-) (+/-) (-) Hepatite B curada (-) (+) (-) (-) (+) (+)* Imunizado por vacinação (-) (-) (-) (-) (-) (+) (-) 6 Legenda: (+) positivo (-) negativo *Em alguns casos de hepatite B curada, o anti-HBs não é detectado por estar em baixos títulos. Nos casos de hepatite B (forma aguda, crônica ou fulminante) procedente de áreas conhecidas com circulação do HDV (região amazônica), será necessário investigar hepatite D (delta). H Hepatite C Anti-HCV (anticorpos contra o vírus HCV) – é o marcador de triagem para a hepatite C. Indica contato prévio com o vírus, mas não define se a infecção é aguda, crônica ou se já foi curada. O diagnóstico de infecção aguda só pode ser feito com a viragem sorológica documentada, isto é, paciente inicialmente anti-HCV negativo que converte, tornando-se anti-HCV positivo e HCV-RNA positivo, detectado por técnica de biologia molecular. A infecção crônica deve ser confirmada pela pesquisa de HCV-RNA. HCV-RNA (RNA do HCV) – é o primeiro marcador a aparecer entre uma a duas semanas após a infecção. É utilizado para confirmar a infecção em casos crônicos, monitorar a resposta ao tratamento e confirmar resultados sorológicos indeterminados, em especial em pacientes imunossuprimidos. Hepatite D O marcador sorológico mais usado é o anti-HDV (total). O vírus Delta é um vírus defectivo (incompleto) que não consegue, por si só, repro- Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 417 Hepatites Virais duzir seu próprio antígeno de superfície, o qual seria indispensável para exercer sua ação patogênica e se replicar nas células hepáticas. Desta forma, necessita da presença do vírus B, havendo duas possibilidades para a ocorrência da infecção pelo HDV: • Superinfecção – infecção pelo vírus delta em um portador crônico do HBV; • Co-infecção – infecção simultânea pelo HBV e Delta em indivíduo susceptível. Quadro 5. Interpretação sorológica da hepatite D Formas HBsAg AntiHBc Anti-HBcIgM AntiHDV total AntiHBs Co-infecção (+) (+) (+) (+)* (-) Superinfecção (+) (+) (-) (+)* (-) Cura (-) (+) (-) (+)** (+) *O antiHDIgM e IgG em altos títulos **O antiHD-IgG positivo em baixos títulos Hepatite E A hepatite aguda E é sorologicamente caracterizada por eventual conversão sorológica para anti-HEV ou detecção de anti-HEV IgM. Quadro 6. Interpretação sorológica da hepatite E Anti-HEV total Anti-HEV IgM Interpretação (+) / (-) (+) Infecção recente pelo HEV (+) (-) Exposição prévia pelo HEV (-) (-) Nunca teve contato com HEV (susceptível) Observação: na hepatopatia crônica, deve ser considerada a possibilidade de associação das infecções pelo HBV e HCV, inclusive por apresentarem vias de infecção semelhantes. Detecção de portador do HBV e HCV em doadores de sangue e hemodialisados – os marcadores realizados em banco de sangue devem ser repetidos pois, apesar de utilizar o mesmo método dos exames para o diagnóstico clínico, o cut off empregado é mais baixo, com o objetivo de aumentar a sensibilidade, o que proporciona a possibilidade de testes falso-positivos. Esta estratégia visa garantir a segurança do receptor, pois objetiva evitar que bolsas de sangue provenientes de doadores positivos para os vírus B e/ou C, mas que tenham baixos títulos de seus marcadores sorológicos, sejam utilizadas. Contudo, propicia o aparecimento de um número maior de resultados falso-positivos. Torna-se necessário, por outro lado, que os indivíduos com resultados inicialmente positivos tenham investigação clínica e sorológica para definição de seu verdadeiro estado (positivo ou negativo). Indicação de provas diagnósticas para indivíduos sem sintomatologia – além das circunstâncias citadas, diversas outras levam à necessidade de solicitar sorologia para marcadores de infecção pelos vírus das hepatites, dentre as quais destacam-se: monitoramento de pacientes hemofílicos e demais usuários crônicos de hemoderivados; exames de profis- 418 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Hepatites Virais sionais vítimas de acidente com material biológico; exames pré-natais (hepatite B); exame de população exposta e de contatos de casos e exames de doadores e receptores de órgãos. Tratamento Hepatite aguda Não existe tratamento específico para as formas agudas. Se necessário, apenas tratamento sintomático para náuseas, vômitos e prurido. Como norma geral, recomenda-se repouso relativo até a normalização das aminotransferases. Dieta pobre em gordura e rica em carboidratos é de uso popular, porém seu maior benefício é ser mais agradável ao paladar ao paciente anorético. De forma prática, deve ser recomendado que o próprio paciente defina sua dieta de acordo com seu apetite e aceitação alimentar. A única restrição está relacionada à ingestão de álcool, que deve ser suspensa por no mínimo seis meses. Medicamentos não devem ser administrados sem a recomendação médica para que não agravem o dano hepático. As drogas consideradas “hepatoprotetoras”, associadas ou não a complexos vitamínicos, não têm nenhum valor terapêutico. 6 Hepatite crônica É necessária a realização de biópsia hepática para avaliar a indicação de tratamento específico. A biópsia por agulha é a preferida, pois permite a retirada de fragmentos de áreas distantes da cápsula de Glisson (as áreas subcapsulares mostram muitas alterações inespecíficas). Além disso, a biópsia transcutânea é mais segura, dispensa anestesia geral e reduz o custo do procedimento. O procedimento deve ser realizado com agulhas descartáveis apropriadas. O exame anátomo-patológico avalia o grau de atividade necro-inflamatória e de fibrose do tecido hepático. As formas crônicas da hepatite B e C têm diretrizes clínico-terapêuticas definidas por meio de portarias do Ministério da Saúde. Devido à alta complexidade do tratamento, acompanhamento e manejo dos efeitos colaterais, deve ser realizado em serviços especializados (média ou alta complexidade do SUS). O tratamento da hepatite B crônica está indicado nas seguintes situações: • HBsAg (+) por mais de seis meses; • HBeAg (+) ou HBV-DNA > 30 mil cópias/ml (fase de replicação); • ALT/TGP > duas vezes o limite superior da normalidade; • biópsia hepática com atividade inflamatória moderada a intensa (> A2) e/ou fibrose moderada a intensa (> F1), segundo critério da Sociedade Brasileira de Patologia/Metavir. • ausência de contra-indicação ao tratamento. H O tratamento da hepatite C crônica está indicado nas seguintes situações: • anti-HCV (+) e HCV-RNA (+); • ALT/ TGP > 1,5 vez o limite superior da normalidade; Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 419 Hepatites Virais • biópsia hepática com atividade inflamatória moderada a intensa (> A2) e/ou fibrose moderada a intensa (> F1), segundo critério da Sociedade Brasileira de Patologia/ Metavir; • ausência de contra-indicação ao tratamento. Após a indicação do tratamento, deverá ser feito exame de genotipagem para definir o tipo de tratamento (interferon convencional ou peguilado) e duração (6 ou 12 meses). Quadro 7. Tratamento das hepatites B e C Situação Droga Dose Hepatite B crônica IFN ou LMV 5 MUI/dia ou 10MUI 3x / semana ou 100mg/dia Hepatite C crônica* (genótipo 1) INF peguilado + RBV Interferon peguilado α2a 180 μg/sem ou Interferon peguilado α2b 1,5μg /kg/sem + 11-15mg/kg/dia (1 mil-1.200mg, em duas tomadas) Hepatite C crônica (genótipo 2 ou 3) IFN + RBV Interferon α2a ou α2b 3 MUI 3x /semana + 11-15mg /kg /dia (800-1200mg em duas tomadas) Via Duração SC 4 meses VO 12 meses SC 12 meses VO 12 meses SC VO 6 meses 6 meses IFN: interferon; LMV-lamivudina; RBV: ribavirina; MUI: milhões de unidades internacionais. *Interferon pequilado indicado para pacientes com hepatite C – genótipo 1, virgens de tratamento e com fibrose ≥ 2. O tratamento da hepatite delta é complexo, com resultados insatisfatórios na maioria das vezes, e deve ser realizado por serviços de referência (alta complexidade do SUS). Prognóstico Hepatite A – geralmente após 3 meses o paciente já está recuperado. Apesar de não haver forma crônica da doença, há a possibilidade de formas prolongadas e recorrentes, com manutenção das aminotransferases em níveis elevados por vários meses. A forma fulminante, apesar de rara (menos que 1% dos casos), apresenta prognóstico ruim. O quadro clínico é mais intenso à medida que aumenta a idade do paciente. Hepatite B – a hepatite aguda B normalmente tem bom prognóstico: o indivíduo resolve a infecção e fica livre dos vírus em cerca de 90% a 95% dos casos. As exceções ocorrem nos casos de hepatite fulminante (<1% dos casos), hepatite B na criança (90% de chance de cronificação em menores de 1 ano e 20% a 50% para aquelas que se infectaram entre 1 e 5 anos de idade) e pacientes com algum tipo de imunodeficiência. Entre os pacientes que não se livram do vírus e tornam-se portadores crônicos, o prognóstico está ligado à presença de replicação do vírus (expressa pela presença do HBeAg e/ou HBV-DNA > 30 mil cópias/ml). A presença destes marcadores determina maior deposição de fibrose no fígado, o que pode resultar na formação de cirrose hepática. Hepatite C – a cronificação ocorre em 60% a 90% dos casos, dos quais, em média, um quarto a um terço evolui para formas histológicas graves num período de 20 anos. 420 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Hepatites Virais Este quadro crônico pode ter evolução para cirrose e hepatocarcinoma, fazendo com que o HCV seja, hoje em dia, responsável pela maioria dos transplantes hepáticos no ocidente. O uso concomitante de bebida alcoólica, em pacientes portadores do HCV, determina maior propensão para desenvolver cirrose hepática. Hepatite D – na superinfecção o índice de cronicidade é significativamente maior (80%) se comparado ao que ocorre na co-infecção (3%). Na co-infecção pode haver uma taxa maior de casos de hepatite fulminante. Já a superinfecção determina, muitas vezes, uma evolução mais rápida para cirrose. Hepatite E – não há relato de evolução para a cronicidade ou viremia persistente. Em gestantes, porém, a hepatite é mais grave e pode apresentar formas fulminantes. A taxa de mortalidade em gestantes pode chegar a 25%, especialmente no terceiro trimestre, podendo ocorrer em qualquer período da gestação. Também há referências de abortos e mortes intra-uterinas. 6 Aspectos epidemiológicos As hepatites virais são um importante problema de saúde pública, apresentando distribuição universal e magnitude que varia de região para região. A hepatite A apresenta alta prevalência nos países com precárias condições sanitárias e socioeconômicas. Para o Brasil, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) estima que ocorram 130 casos novos/ano por 100 mil habitantes e que mais de 90% da população maior de 20 anos tenha tido exposição ao vírus. Entretanto, em regiões que apresentam melhores condições de saneamento, estudos têm demonstrado um acúmulo de susceptíveis em adultos jovens acima desta idade. Em relação ao HBV, alguns estudos do final da década de 80 e início de 90 sugeriram uma tendência crescente do HBV em direção às regiões Sul/Norte, descrevendo três padrões de distribuição da hepatite B: alta endemicidade presente na região amazônica, alguns locais do Espírito Santo e oeste de Santa Catarina; endemicidade intermediária, nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste e baixa endemicidade, na região Sul do país. No entanto, este padrão vem se modificando com a política de vacinação contra o HBV iniciada sob a forma de campanha em 1989, no estado do Amazonas, e de rotina a partir de 1991, em uma seqüência de inclusão crescente de estados e faixas etárias maiores em função da endemicidade local. Assim, trabalhos mais recentes mostram que na região de Lábrea, estado do Amazonas, a taxa de portadores do HBV passou de 15,3%, em 1988, para 3,7%, em 1998. Na região de Ipixuna, no mesmo estado, esta queda foi de 18 para 7%. No estado do Acre, estudo de base populacional em 12 de seus 24 municípios apresentou taxa de HBsAg de 3,4%. Outros trabalhos também classificam a região Norte como de baixa ou moderada endemicidade, permanecendo com alta endemicidade a região sudeste do Pará. Na região Sul, a região oeste de Santa Catarina apresenta prevalência moderada e o oeste do Paraná, alta endemicidade. A região Sudeste como um todo apresenta baixa endemicidade, com exceção do sul do Secretaria de Vigilância em Saúde / MS H 421 Hepatites Virais Espírito Santo e do nordeste de Minas Gerais, onde ainda são encontradas altas prevalências. A região Centro-Oeste é de baixa endemicidade, com exceção do norte do Mato-Grosso, com prevalência moderada. O Nordeste como um todo está em situação de baixa endemicidade. Quanto à hepatite C, ainda não existem estudos capazes de estabelecer sua real prevalência no país. Com base em dados da rede de hemocentros de pré-doadores de sangue, em 2002, a distribuição variou entre as regiões brasileiras: 0,62% no Norte; 0,55% no Nordeste; 0,28% no Centro-Oeste; 0,43% no Sudeste e 0,46% no Sul. Um dos poucos estudos de base populacional realizado na região Sudeste revelou 1,42% de portadores de anti-HCV na cidade de São Paulo. A hepatite delta concentra-se na Amazônia Ocidental, que apresenta uma das maiores incidências deste agente no mundo. No Acre, a prevalência de antidelta foi de 1,3% (Viana, 2003). Nas regiões Sudeste, Nordeste e na Amazônia Oriental a infecção está ausente. Em relação ao HEV, apesar de o país apresentar condições sanitárias deficientes em muitas regiões, ainda não foi descrita nenhuma epidemia pelo HEV. Alguns casos isolados têm sido notificados, demonstrando que há circulação deste vírus. Vigilância epidemiológica Objetivos Objetivo geral Controlar as hepatites virais no Brasil. Objetivos específicos • Conhecer o comportamento epidemiológico das hepatites virais quanto ao agente etiológico, pessoa, tempo e lugar. • Identificar os principais fatores de risco para as hepatites virais. • Ampliar estratégias de imunização contra as hepatites virais. • Detectar, prevenir e controlar os surtos de hepatites virais oportunamente. • Reduzir a prevalência de infecção das hepatites virais. • Avaliar o impacto das medidas de controle. Definição de caso Suspeito Suspeita clínica/bioquímica • Sintomático ictérico ❯ Indivíduo que desenvolveu icterícia subitamente (recente ou não), com ou sem sintomas como febre, mal-estar, náuseas, vômitos, mialgia, colúria e hipocolia fecal. ❯ Indivíduo que desenvolveu icterícia subitamente e evoluiu para óbito, sem outro diagnóstico etiológico confirmado. 422 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Hepatites Virais • Sintomático anictérico ❯ Indivíduo sem icterícia, que apresente um ou mais sintomas como febre, malestar, náuseas, vômitos, mialgia e na investigação laboratorial apresente valor aumentado das aminotransferases. • Assintomático ❯ Indivíduo exposto a uma fonte de infecção bem documentada (na hemodiálise, em acidente ocupacional com exposição percutânea ou de mucosas, por transfusão de sangue ou hemoderivados, procedimentos cirúrgicos/odontológicos/colocação de “piercing”/tatuagem com material contaminado, por uso de drogas endovenosas com compartilhamento de seringa ou agulha). ❯ Comunicante de caso confirmado de hepatite, independente da forma clínica e evolutiva do caso índice. ❯ Indivíduo com alteração de aminotransferases no soro igual ou superior a três vezes o valor máximo normal destas enzimas, segundo o método utilizado. 6 Suspeito com marcador sorológico reagente • Doador de sangue ❯ Indivíduo assintomático doador de sangue, com um ou mais marcadores reagentes para hepatite. A,B, C, D ou E. • Indivíduo assintomático com marcador reagente para hepatite viral A, B, C, D ou E. Caso confirmado Hepatite A • Indivíduo que preenche as condições de caso suspeito, no qual detecta-se o anticorpo da classe IgM contra o vírus A (anti HAV–IgM) no soro. • Indivíduo que preenche as condições de caso suspeito e apresente vínculo epidemiológico com caso confirmado de hepatite A. H Hepatite B Indivíduo que preenche as condições de suspeito e que apresente os marcadores sorológicos reagentes a seguir listados e/ou exame de biologia molecular positivos para hepatite B: • HBsAg reagente; • HBeAg reagente; • Anti-HBc IgM reagente; • DNA do HBV positivo; • DNA polimerase do HBV positiva; • Óbito em que se detecte antígenos ou DNA do vírus B em tecido. Hepatite C • Indivíduo que preenche as condições de suspeito, no qual detecta-se anti-HCV reagente e PCR positivo para o HCV. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 423 Hepatites Virais • Óbito em que se detecte antígeno ou RNA do vírus C em tecido, quando não for possível a coleta de soro. Hepatite D • Detecção de anticorpos contra o vírus D em indivíduo portador crônico do vírus da hepatite B. Hepatite E • Detecção de anticorpos da classe IgM (anti-HEV IgM) contra o vírus da hepatite E, em pacientes não-reagentes a marcadores de hepatites A e B agudas. Descartado • Caso suspeito com diagnóstico laboratorial negativo (desde que amostras sejam coletadas e transportadas oportuna e adequadamente); • Caso suspeito com diagnóstico confirmado de outra doença; • Caso notificado como hepatite viral que não cumpre os critérios de caso suspeito; • Indivíduos com marcadores sorológicos de infecção passada, porém curados no momento da investigação: hepatite A – anti-HAV IgG reagente isoladamente hepatite B – anti-HBc (total) reagente + Anti-HBs reagentes hepatite C – anti-HCV reagente + RNA-HCV não detectável Embora indivíduos com marcador sorológico indicando cura no momento da investigação sejam descartados no sistema de notificação, os comunicantes dos mesmos devem ser investigados pois podem ter sido contaminados durante o curso da doença no passado. Casos inconclusos São aqueles que atendem aos critérios de suspeito, dos quais não foram coletadas e/ou transportadas amostras oportunas ou adequadas ou não foi possível a realização dos testes para os marcadores sorológicos específicos. Notificação É doença incluída na lista de notificação compulsória e, portanto, todos os casos suspeitos de hepatites virais devem ser notificados na ficha do Sinan e encaminhados ao nível hierarquicamente superior ou ao órgão responsável pela vigilância epidemiológica municipal, regional, estadual ou federal. As principais fontes notificadoras são a comunidade, serviços de assistência médica, hemocentros e bancos de sangue, clínicas de hemodiálise, laboratórios, escolas, creches e outras instituições. Além disso, casos podem ser capturados no SIM, SIA/SIH e nos sistemas de informação das vigilâncias sanitária e ambiental. 424 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Hepatites Virais Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente O atendimento pode ser feito em nível ambulatorial, sendo indicados para internação, de preferência em unidade de referência, apenas casos graves ou com hepatite crônica descompensada. Qualidade da assistência Verificar se os pacientes estão sendo orientados convenientemente, de acordo com a via de transmissão e gravidade da doença. Proteção individual e coletiva Em situações de surtos de hepatite A ou E, que são de transmissão fecal-oral, logo no primeiro caso dar alerta para os familiares e a comunidade, visando cuidados com a água de consumo, manipulação de alimentos e vetores mecânicos. Em situações em que se verifique, desde o início, aglomerado de casos de pacientes atendidos em unidade de hemodiálise ou outra circunstância parecida, contatar a vigilância sanitária para inspecionar os locais suspeitos. 6 Confirmação diagnóstica Verificar se o médico assistente solicitou exames específicos e inespecíficos (aminotransferases); caso necessário, orientar de acordo o Anexo 1, adiante apresentado. H Investigação Imediatamente após a notificação de casos de hepatites virais deve-se iniciar a investigação epidemiológica para permitir que as medidas de controle possam ser adotadas em tempo oportuno. O instrumento de coleta de dados, a ficha epidemiológica do Sinan, contém os elementos essenciais a serem coletados em uma investigação de rotina. Todos seus campos devem ser criteriosamente preenchidos, mesmo quando a informação for negativa. Outros itens podem ser incluídos no campo “observações”, conforme as necessidades e peculiaridades de cada situação. Roteiro da investigação epidemiológica Identificação do paciente Preencher todos os campos da ficha de investigação epidemiológica relativos aos dados gerais, notificação individual e dados de residência. Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Antecedentes epidemiológicos – caso importado • Na investigação da hepatite D deve-se registrar no campo de observações da ficha de investigação se o paciente já esteve, principalmente, na região amazônica. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 425 Hepatites Virais • Na investigação da hepatite E deve-se investigar se o paciente esteve no exterior no período de dois meses antecedentes ao início dos sintomas. ❯ Para confirmar a suspeita diagnóstica – acompanhar os resultados dos exames laboratoriais, visando fortalecer ou descartar a suspeita diagnóstica. ❯ Para identificação e definição da extensão da área de transmissão das hepatites de transmissão oral-fecal – iniciar buscando história de contatos, comunicantes e outros casos suspeitos e/ou confirmados de hepatite, levantando hipóteses sobre como ocorreu a transmissão. ❯ Surtos de hepatites de transmissão pessoa a pessoa ou fecal-oral – investigar se os pacientes se expuseram a possíveis fontes de contaminação, particularmente de água de uso comum, refeições coletivas, uso de água de fonte não habitual por grupo de indivíduos, etc. Fazer busca ativa de casos na comunidade e/ou no grupo de participantes do evento coletivo, quando for o caso. Verificar deslocamentos visando estabelecer qual o provável local de aquisição da infecção. Alertar aos demais contatos e/ou seus responsáveis sobre a possibilidade de aparecimento de novos casos nas próximas semanas, recomendando-se o pronto acompanhamento clínico destes e a imediata (quando possível) tomada de decisões referentes às medidas de prevenção e controle. • Para investigação de casos de hepatite de transmissão parenteral/sexual – investigar uso de sangue, hemocomponentes e hemoderivados principalmente se ocorreu antes de 1993; uso de drogas injetáveis, hábito de compartilhar seringas, etc. Nas situações em que se suspeite de contaminação coletiva, em unidades de hemodiálise, serviços odontológicos, ambientes ambulatoriais e hospitalares que não estão adotando medidas de biossegurança, ou fornecedores de sangue ou hemocomponentes, avaliar a aplicação de medidas imediatas junto aos órgãos de vigilância sanitária. • Coleta e remessa de material para exame – verificar e/ou orientar os procedimentos de coleta e transporte de amostras para realização dos testes laboratoriais específicos, de acordo com as normas do Anexo 1. Análise dos dados A avaliação dos dados é necessária para compreender a situação epidemiológica e orientar as medidas de controle e deve ser realizada sistematicamente pela equipe de vigilância epidemiológica. Consiste em descrever os casos segundo as características de pessoa (sexo, idade, etc.), lugar (local de residência, local de exposição, etc.) e tempo (data do início dos sintomas, data da exposição, etc.). Encerramento de casos As fichas epidemiológicas de cada caso devem ser analisadas visando definir qual o critério utilizado para o diagnóstico (clínico-laboratorial, clínico-epidemiológico, labora- 426 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Hepatites Virais torial), forma clínica, classificação etiológica e provável fonte ou mecanismo de infecção. Quando a exposição estiver relacionada a procedimentos de saúde, tais como transfusão de sangue, tratamento dentário, cirúrgico, etc., agregar as informações avaliadas pela vigilância sanitária. Instrumentos disponíveis para o controle Em relação à fonte de infecção Água para consumo humano – a disponibilidade de água potável, em quantidade suficiente nos domicílios, é a medida mais eficaz para o controle das doenças de veiculação hídrica, como as hepatites por vírus tipo A e E. Nos lugares onde não existe sistema público de abastecimento de água potável, deve-se procurar, inicialmente, soluções alternativas junto à comunidade para o uso e acondicionamento da água em depósitos limpos e tampados. Deve-se orientar a população quanto à utilização de produtos à base de cloro, fervura da água e higiene domiciliar, tais como a limpeza e desinfecção da caixa d´água, em intervalos de 6 meses ou de acordo com a necessidade. Outra importante medida preventiva, depende da existência de um sistema destinado ao escoamento e depósito de dejetos de origem humana, que pode ser por meio de fossas sépticas adequadamente construídas e localizadas, ou de enterramento, conforme as instruções contidas no Manual de Saneamento da Fundação Nacional de Saúde. É fundamental que se faça, concomitantemente, um trabalho educativo na comunidade, no sentido de valorizar o saneamento e o consumo de água de boa qualidade, para a prevenção de doenças de veiculação hídrica. Alimentos – o cuidado no preparo dos alimentos com boas práticas de higiene é essencial, adotando-se medidas como lavagem rigorosa das mãos antes do preparo de alimentos e antes de comer, além da desinfecção de objetos, bancada e chão. Para a ingestão de alimentos crus, como hortaliças e frutas, deve-se fazer a sanitização prévia. Pode-se utilizar a imersão em solução de hipoclorito de sódio a 0,02% (200ppm) por 15 minutos. Alimentos como frutos do mar, carne, aves e peixes devem ser submetidos ao cozimento adequado. Profissionais da área da saúde – ao manipular pacientes infectados, durante exame clínico, procedimentos invasivos, exames diversos de líquidos e secreções corporais, obedecer às normas universais de biossegurança: lavar as mãos após exame de cada paciente; estar vacinado contra o vírus da hepatite B; usar luvas de látex, óculos de proteção e avental descartável durante procedimentos em que haja contato com secreções e líquidos corporais de pacientes infectados; no caso de cirurgiões (médicos e odontólogos), não realizar procedimentos cirúrgicos quando tiverem solução de continuidade nas mãos, desinfectar/esterilizar, após uso em pacientes, todo instrumental e máquinas utilizadas. Manicures/pedicures e podólogos – devem utilizar alicates esterilizados (o ideal é que cada cliente tenha seu próprio material). Outros instrumentos, como palitos, devem ser descartáveis. Portadores – em hepatites com transmissão parenteral, sexual, vertical e percutânea (B C e D), os pacientes devem ser orientados em relação ao não compartilhamento de ob- Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 6 H 427 Hepatites Virais jetos de uso pessoal como lâmina de barbear, escova de dente, alicates de unha. Deve-se utilizar “camisinha” nas relações sexuais e não compartilhar utensílios e materiais para colocação de piercing e tatuagem. Pessoas com passado de hepatite viral não são candidatos para doação de sangue. Comunicantes – em hepatites com transmissão fecal-oral (A e E) pode ser necessário o isolamento/afastamento do paciente de suas atividades normais (principalmente se forem crianças que freqüentam creches, pré-escolas ou escola) durante as primeiras duas semanas da doença, e não mais que um mês após início da icterícia. Esta situação deve ser reavaliada e prolongada em surtos em instituições que abriguem crianças sem o controle esfincteriano (uso de fraldas), onde a exposição entérica é maior. Nestes casos de hepatite também se faz necessária a disposição adequada de fezes, urina e sangue, com os devidos cuidados de desinfecção e máxima higiene. Os parceiros sexuais e comunicantes domiciliares susceptíveis devem ser investigados, através de marcadores sorológicos para o vírus da hepatite B, C ou D de acordo com o caso índice, e vacinados contra a hepatite B, se indicado. Iniciar imediatamente o esquema de vacinação contra a hepatite B nos não vacinados ou completar esquema dos que não completaram (não aguardar o resultado dos marcadores sorológicos). Indica-se utilizar preservativo de látex (camisinha) nas relações sexuais. Usuário de drogas injetáveis e inaláveis – pelo risco de transmissão de hepatites e outras doenças, é recomendável não compartilhar agulhas, seringas, canudos e cachimbos para uso de drogas, além de realizar vacinação contra a hepatite B e usar preservativos nas relações sexuais. Filhos de mães HBsAg positivas – é recomendável a administração em locais diferentes de imunoglobulina contra o HBV e vacina contra a hepatite (nas primeiras 12 horas de vida). A segunda e terceira doses da vacina devem seguir o calendário vacinal normal, isto é, aos trinta dias e aos seis meses de idade, respectivamente. Aleitamento materno – o HBsAg pode ser encontrado no leite materno de mães HBsAg positivas; no entanto, a amamentação não traz riscos adicionais para os seus recém-nascidos, desde que tenham recebido a primeira dose da vacina e imunoglobulina nas primeiras 12 horas de vida. Na hepatite C, embora o HCV tenha sido encontrado no colostro e no leite maduro, não há evidências conclusivas até o momento de que o aleitamento acrescente risco à transmissão do HCV, exceto na ocorrência de fissuras e sangramentos nos mamilos. Imunização Vacinação contra o vírus da hepatite A – está disponível nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Crie), estando indicada apenas para pessoas com hepatopatias crônicas susceptíveis para a hepatite A, receptores de transplantes alogênico ou autólogos, após transplante de medula óssea, candidatos a receber transplantes autólogos de medula óssea, antes da coleta, e doadores de transplante alogênico de medula óssea a patologias que indicam esplectomia. A vacina só deve ser utilizada por maiores de um ano, conforme o laboratório produtor. 428 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Hepatites Virais A vacina da hepatite A é clinicamente bem tolerada e altamente imunogênica. Cerca de 30 dias após a primeira dose, mais de 95% dos adultos desenvolvem anticorpos anti-HAV. O título mínimo necessário para a prevenção é de 10UI/ml de anti-HAV, considerado como soroprotetor. A vacina contra a hepatite A é contra-indicada na ocorrência de hipersensibilidade imediata (reação anafilática) após o recebimento de qualquer dose anterior ou de história de hipersensibilidade aos componentes da vacina. Vacinação contra o vírus da hepatite B – a vacina disponível é constituída de antígenos de superfície do vírus B, obtidos por processo de DNA-recombinante, é eficaz, segura, e confere imunidade em cerca de 90% dos adultos e 95% das crianças e adolescentes. A imunogenicidade é reduzida em neonatos prematuros, indivíduos com mais de 40 anos, imunocomprometidos, obesos, fumantes, etilistas, pacientes em programas de hemodiálise ou portadores de cardiopatia, cirrose hepática ou doença pulmonar crônica. A vacina é administrada em três doses, com os seguintes intervalos 0, 1 e 6 meses, por via muscular, no músculo deltóide em adultos e na região anterolateral da coxa em menores de 2 anos. A revacinação é feita em caso de falha da imunização (títulos protetores < de 10UI/ml), que acontece em 5% a 10% dos casos. 6 O Programa Nacional de Imunizações normatiza a vacinação universal dos recémnascidos e adolescentes (população menor que 20 anos) e também grupos populacionais mais vulneráveis, tais como profissionais de saúde, bombeiros, policiais militares, civis e rodoviários envolvidos em atividade de resgate, carcereiros de delegacias e penitenciárias, usuários de drogas injetáveis e inaláveis, pessoas em regime carcerário, pacientes psiquiátricos, homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, populações indígenas (todas as faixas etárias), comunicantes domiciliares de portadores de HBsAg positivos, pacientes em hemodiálise, politransfundidos, talassêmicos, portadores de anemia falciforme, portadores de neoplasias, portadores de HIV (sintomáticos e assintomáticos), portadores de hepatite C e coletadores de lixo hospitalar e domiciliar. Para pacientes imunocomprometidos, com insuficiência hepática (fazendo hemodiálise) ou transplantados o volume de cada dose deve ser dobrado. Não há contra-indicação à sua administração na gestação e nem trabalhos demonstrando danos ao feto de mulheres vacinadas na gestação. A vacinação não contra-indica o aleitamento materno, pois a vacina não contém partículas infecciosas do HBV. H Imunoglobulina humana anti-hepatite B A imunoglobulina humana anti-hepatite tipo B (IGHAHB) é indicada para pessoas não vacinadas após exposição ao vírus da hepatite B. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 429 Hepatites Virais Quadro 8. Conduta na exposição ao HBV Grupos Imunobiológicos Observações Vítimas de abuso sexual Aplicar o mais precocemente possível, no máximo 14 dias após exposição Comunicantes sexuais de caso agudo de hepatite B Aplicar o mais precocemente possível no máximo 14 dias após exposição Recém-nascido de mãe sabidamente HBsAg+ IGHAHB + vacina Recém-nascido (com peso ≤ 2000g ou ≤ 34 semanas de gestação) de mãe sabidamente HBsAg positivo recémnascido de mãe simultaneamente HIV e HBsAg positivo Nas primeiras doze horas após o nascimento Nas primeiras doze horas após o nascimento. Esquema de quatro doses da vacina (0, 1, 2 e 6 meses) Quadro 9. Recomendações para profilaxia da hepatite B após exposição ocupacional a material biológico* (Recomendações conjuntas PNHV e PNI, pois inclui a necessidade de testagem para conhecimento do status sorológico dos profissionais que já foram vacinados, uma vez que até 10% dos vacinados podem não soroconverter para anti-HBs positivo após o esquema vacinal completo). Situações vacinal e sorológica do profissional de saúde exposto Paciente-fonte HBsAg positivo HBsAg negativo HBsAg desconhecido ou não testado Não vacinado IGHAHB + iniciar vacinação Iniciar vacinação Iniciar vacinação1 Com vacinação incompleta IGHAHB + completar vacinação Completar vacinação Completar vacinação1 • Com resposta vacinal conhecida e adequada (≥10mUI/ml) Nenhuma medida específica Nenhuma medida específica Nenhuma medida específica • Sem resposta vacinal após a 1ª série (3 doses) IGHAHB + 1 dose da vacina contra hepatite B Iniciar nova série de vacina (3 doses) Iniciar nova série de vacina (3 doses)2 • Sem resposta vacinal após 2ª série (6 doses) IGHAHB (2x)2 Nenhuma medida específica IGHAHB (2x)2 • Resposta vacinal desconhecida Testar o profissional de saúde Previamente vacinado Testar o profissional de saúde Se resposta vacinal adequada: nenhuma medida específica Se resposta vacinal adequada: nenhuma medida específica Se resposta vacinal adequada: nenhuma medida específica Se resposta vacinal inadequada: IGHAHB + 1 dose da vacina contra hepatite Se resposta vacinal inadequada: fazer nova série de vacinação Se resposta vacinal inadequada: fazer nova série de vacinação *Profissionais que já tiveram hepatite B estão imunes à reinfecção e não necessitam de profilaxia pós-exposição. Tanto a vacina quanto a imunoglobulina devem ser aplicadas dentro do período de 7 dias após o acidente, idealmente, nas primeiras 24 horas. 430 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Hepatites Virais 1. Uso associado de imunoglobulina hiperimune está indicado se o paciente-fonte tiver alto risco para infecção pelo HBV, como usuários de drogas injetáveis, pacientes em programas de diálise, contatos domiciliares e sexuais de portadores de HBsAg positivo, homens que fazem sexo com homens, heterossexuais com vários parceiros e relações sexuais desprotegidas, história prévia de doenças sexualmente transmissíveis, pacientes provenientes de áreas geográficas de alta endemicidade para hepatite B, pacientes provenientes de prisões e de instituições de atendimento a pacientes com deficiência mental. 2. IGHAHB (2x) = 2 doses de imunoglobulina hiperimune para hepatite B com intervalo de 1 mês entre as doses. Esta opção deve ser indicada para aqueles que já fizeram 2 séries de 3 doses da vacina mas não apresentaram resposta à vacina ou apresentem alergia grave à mesma. Obs.: na impossibilidade de saber o resultado do teste de imediato, iniciar a profilaxia como se o paciente apresentasse resposta vacinal inadequada. Ações de educação em saúde É importante ressaltar que, além das medidas de controle específicas, faz-se necessário o esclarecimento da comunidade quanto às formas de transmissão, tratamento e prevenção das hepatites virais. O desconhecimento, eventualmente, pode também levar à adoção de atitudes extremas e inadequadas, como queima de casas e objetos de uso pessoal, nos locais onde ocorreram casos de hepatites. Deve-se lembrar que o uso de bebida alcoólica e outras drogas pode tornar as pessoas mais vulneráveis em relação aos cuidados à sua saúde. O trabalho preventivo/educativo que foca o uso de preservativos em relações sexuais, o não compartilhamento de instrumentos para o consumo de drogas, etc. deve ser intenso. 6 H Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 431 Hepatites Virais Anexo 1 Normas para procedimentos laboratoriais Coleta de amostras clínicas (marcadores virais) O sangue (para a separação do soro ou plasma) deverá ser coletado assepticamente em tubo de coleta à vácuo (preferencialmente com gel separador) ou com o auxílio de seringas descartáveis; neste último caso, vertendo o conteúdo para um tubo seco e estéril para aguardar a coagulação. Em caso de utilização de plasma, o sangue deverá ser coletado com ACD ou EDTA. Nunca usar heparina como anticoagulante. Os tubos contendo o sangue deverão ser centrifugados a 2.500 rpm por 10 minutos, à temperatura ambiente. O soro ou plasma deve ser acondicionado em tubo de polipropileno, esterilizado e hermeticamente fechado, devidamente identificado. No rótulo, colocar o nome completo, número de registro laboratorial e data de coleta. A tampa deve ser vedada e fixada com filme de parafina ou esparadrapo. Pode ser acondicionado entre 2ºC e 8ºC por 72h. Para períodos maiores, conservar entre -20ºC e -70ºC. Para transporte, o material deve ser embalado dentro de saco plástico transparente bem vedado (por um nó ou por elástico), que por sua vez será colocado em um isopor ou caixa térmica contendo gelo reciclável ou gelo seco (a quantidade de gelo deverá corresponder a, no mínimo, 1/3 do volume da embalagem). Usar, preferencialmente, gelo seco. Se não for possível, utilizar gelo embalado em sacos plásticos bem vedados. Nunca congelar sangue total e não colocá-lo em contato direto com o gelo. Coleta para procedimentos de biologia molecular (HBV-DNA e HCV-RNA) O sangue (para a separação do soro ou plasma) deverá ser coletado assepticamente em tubo de coleta à vácuo (preferencialmente com gel separador) ou com auxílio de seringas descartáveis; neste último caso, vertendo o conteúdo para um tubo seco e estéril para aguardar a coagulação. Caso se pretenda separar o plasma, este pode ser coletado com ACD ou EDTA. Nunca usar heparina como anticoagulante. Os tubos contendo o sangue deverão ser centrifugados a 2.500 rpm por 10 minutos, à temperatura ambiente. A amostra deverá ser centrifugada e separada nas duas primeiras horas após a coleta. A amostra deve ser acondicionada em frasco novo e esterilizado (fechar hermeticamente e vedar a tampa com filme de parafina ou esparadrapo). No rótulo, colocar identificação completa e data de coleta. Conservar as amostras entre -20ºC e -70ºC. 432 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Hepatites Virais Evitar congelamentos e descongelamentos sucessivos. Para transporte, os frascos devem ser acondicionados em recipientes vedados (por exemplo, dentro de um saco plástico bem vedado por um nó ou elástico) e colocados dentro de caixa de isopor apropriada. Usar, preferencialmente, gelo seco. Coleta de material de necropsia ou de viscerotomia (hepatites fulminates) Coletar, preferencialmente, nas primeiras seis horas após o óbito (este prazo pode chegar até 12 horas, porém o risco de autólise é maior nesta circunstância). Identificar e datar adequadamente os recipientes. É indispensável o nome do paciente, a data da coleta, a identificação do órgão/tecido. Caso, além do fígado, outros órgãos sejam coletados, devem ser acondicionados em frascos individualizados. Acondicionar os fragmentos em formol (preferencialmente tamponado) a 10% (utilizar solução salina para diluir o formol). Manter a proporção aproximada de 1:10 entre os fragmentos e o volume de formol. Certificar-se de que o frasco está bem vedado. Manter a amostra sempre em temperatura ambiente. Em outro recipiente, rigorosamente estéril, acondicionar fragmentos para serem congelados em nitrogênio líquido (preferencialmente abaixo de -20ºC, caso não esteja disponível colocar em congelador de geladeira). 6 H Não colocar fixador ou outro conservante junto a essa amostra. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 433 Influenza (Gripe) INFLUENZA (gripe) CID 10: J10 a J11 Características clínicas e epidemiológicas Descrição A influenza ou gripe é uma infecção viral aguda do sistema respiratório que tem distribuição global e elevada transmissibilidade. Classicamente, apresenta-se com início abrupto de febre, mialgia e tosse seca. Em geral, tem evolução auto-limitada, de poucos dias. Sua importância deve-se ao seu caráter epidêmico, caracterizado por disseminação rápida e marcada morbidade nas populações atingidas. Sinonímia Gripe. Agente etiológico A doença é causada pelos vírus Influenza da família dos Ortomixovirus. São vírus RNA de hélice única e subdividem-se em três tipos: A, B e C, de acordo com sua diversidade antigênica. Os dois primeiros, principalmente os vírus influenza A, são altamente transmissíveis e mutáveis, causando maior morbidade e mortalidade e, por isto, merecem destaque em saúde pública. Os vírus da influenza A são classificados de acordo com os tipos de proteína que se localizam em sua superfície, chamadas de hemaglutinina (H) e neuraminidase (N). A proteína H está associada a infecção das células do trato respiratório superior, onde o vírus se multiplica, enquanto a proteína N facilita a saída das partículas virais do interior das células infectadas. Nos vírus influenza A humanos estão caracterizados três subtipos de hemaglutinina imunologicamente distintos (H1, H2 e H3) e duas neuraminidases (N1 e N2). A nomenclatura dos vírus influenza definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) inclui o tipo de vírus influenza, a localização geográfica onde o vírus foi isolado pela primeira vez, o número de série que recebe no laboratório, o ano do isolamento e, entre parênteses, a descrição dos antígenos de superfície do vírus, ou seja, da hemaglutinina e da neuraminidase. Por exemplo, A/Sydney/5/97(H3N2). Reservatório Os vírus influenza do tipo B infectam exclusivamente os seres humanos e os do tipo C infectam humanos e suínos. Os vírus influenza do tipo A são encontrados em várias espécies de animais, além dos seres humanos, tais como suínos, cavalos, mamíferos marinhos e aves. As aves migratórias desempenham importante papel na disseminação natural da doença entre distintos pontos do globo terrestre. 434 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Influenza (Gripe) Modo de transmissão A influenza é uma doença respiratória transmitida por meio de gotículas (< 10μl) expelidas pelo indivíduo doente ao falar, espirrar e tossir. Em surtos, há evidências de disseminação aérea por gotículas em aerossol. A transmissão também pode ocorrer por contato direto ou indireto com secreções nasofaringeanas, destacando-se aqui a importância da lavagem adequada das mãos no controle desta doença. Apesar da transmissão inter-humana ser a mais comum, já foi documentada a transmissão direta do vírus para o homem, a partir de aves e suínos. Período de incubação Em geral, de um a quatro dias. Período de transmissibilidade Um indivíduo infectado pode transmitir o vírus desde dois dias antes até cinco dias após o início dos sintomas. 6 Susceptibilidade e imunidade Acomete pessoas de todas as faixas etárias. Nos adultos sadios a recuperação geralmente é rápida. Entretanto, complicações graves podem ocorrer nos idosos e nos muito jovens, determinando elevados níveis de morbimortalidade. A imunidade aos vírus da influenza resulta de infecção natural ou vacinação anterior com o vírus homólogo. Desta maneira, um hospedeiro que teve infecção com determinada cepa do vírus influenza terá pouca ou nenhuma resistência a uma nova infecção com a cepa variante do mesmo vírus. Isto explica, em parte, a grande capacidade deste vírus em causar freqüentes epidemias nas populações atingidas. I Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas Clinicamente, a doença inicia-se com a instalação abrupta de febre alta, em geral acima de 38ºC, seguida de mialgia, dor de garganta, prostração, calafrios, dor de cabeça e tosse seca. A febre é, sem dúvida, o sintoma mais importante e perdura em torno de três dias. Os sintomas sistêmicos são muito intensos nos primeiros dias da doença. Com a progressão desta, os sintomas respiratórios tornam-se mais evidentes e mantém-se em geral por três a quatro dias após o desaparecimento da febre. É comum a queixa de garganta seca, rouquidão, tosse seca e queimação retro-esternal ao tossir. Os pacientes apresentam a pele quente e úmida, olhos hiperemiados e lacrimejantes. Há hiperemia das mucosas, com aumento de secreção nasal hialina. O quadro clínico em adultos sadios pode variar de intensidade. Nas crianças, a temperatura pode atingir níveis mais altos, sendo comum o achado de aumento dos linfonodos cervicais. Quadros de bronquite ou bronquiolite, além de sintomas gastrointestinais, Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 435 Influenza (Gripe) também podem fazer parte da apresentação clínica em crianças. Os idosos quase sempre se apresentam febris, às vezes sem outros sintomas, mas em geral a temperatura não atinge níveis tão altos. As complicações são mais comuns em idosos e indivíduos debilitados. As situações sabidamente de risco incluem doença crônica pulmonar (asma e doença pulmonar obstrutiva crônica – DPOC), cardiopatias (insuficiência cardíaca crônica), doença metabólica crônica (diabetes, por exemplo), imunodeficiência ou imunodepressão, gravidez, doença crônica renal e hemoglobinopatias. As complicações pulmonares mais comuns são as pneumonias bacterianas secundárias, sendo mais freqüentes as provocadas pelos seguintes agentes infecciosos: Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus e Haemophillus influenzae. Uma complicação incomum, e muito grave, é a pneumonia viral primária pelo vírus da influenza. Nos imunocomprometidos, o quadro clínico é geralmente mais arrastado e muitas vezes mais grave. Gestantes com quadro de influenza no segundo ou terceiro trimestres da gravidez estão mais propensas à internação hospitalar. Dentre as complicações não-pulmonares em crianças, destaca-se a síndrome de Reye, que também está associada aos quadros de varicela. Esta síndrome caracteriza-se por encefalopatia e degeneração gordurosa do fígado, após o uso do ácido acetilsalicílico, na vigência de um destes dois quadros virais. Recomenda-se, portanto, que não sejam utilizados medicamentos do tipo ácido acetilsalicílico em crianças com síndrome gripal ou varicela. Outras complicações incluem miosite, miocardite, pericardite, síndrome do choque tóxico, síndrome de Guillain-Barré e, mais raramente, encefalite e mielite transversa. Diagnóstico diferencial É importante destacar que as características clínicas da gripe não são específicas e podem ser similares àquelas causadas por outros vírus respiratórios que também ocorrem sob a forma de surtos e eventualmente circulam ao mesmo tempo, tais como rinovírus, vírus para influenza, vírus sincicial respiratório, coronavírus ou adenovírus. Apesar de os sintomas sistêmicos serem mais intensos na influenza que nas demais infecções que cursam com quadro clínico semelhante (daí a denominação de síndrome gripal para as infecções causadas por estes agentes), o diagnóstico definitivo dessas infecções apenas pela clínica torna-se difícil. Chama-se a atenção para o diagnóstico diferencial de casos de influenza grave (pneumonia primária) com possíveis casos de síndrome respiratória aguda grave (Sars). Diagnóstico laboratorial Os procedimentos apropriados de coleta, transporte, processamento e armazenamento de espécimes clínicos são fundamentais no diagnóstico da infecção viral. O espécime preferencial para o diagnóstico laboratorial são as secreções da nasofaringe (SNF) obtidas por meio de aspirado de nasofaringe com auxílio de um coletor descartável ou por meio de swab combinado (oral + nasal). Estas amostras devem ser coletadas até o quinto dia (preferencialmente até o terceiro) do início dos sintomas e transportadas em gelo reciclável (não congelar) até o laboratório, para o devido processamento. 436 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Influenza (Gripe) A detecção do vírus influenza é realizada pelas técnicas de imunofluorescência (IF), de isolamento do agente em cultivos celulares/ovos embrionados (considerado método padrão) e de detecção por reação em cadeia da polimerase (PCR). Adicionalmente, o diagnóstico pode ser estabelecido através do exame de inibição de hemaglutinação (HI). Para isso, coletar amostras pareadas de sangue durante a fase aguda e convalescente (15 dias de intervalo entre as duas colheitas). A IF é realizada nos laboratórios estaduais onde a vigilância da influenza está implantada, utilizando-se um painel de soros que detecta, além da influenza, outros vírus respiratórios de interesse (vírus respiratório sincicial, parainfluenza e adenovírus). A cultura e a PCR são realizadas nos três laboratórios de referência (Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Fiocruz/MS e Instituto Adolfo Lutz/SES/SP), que também procedem à caracterização antigênica e genômica dos vírus da influenza isolados. Uma caracterização complementar para influenza é realizada em um dos laboratórios de referência internacional da OMS. Para o vírus da influenza A, a tipagem completa é essencial para que o mesmo seja introduzido na composição anual da vacina do hemisfério sul. Para efeito da vigilância epidemiológica, esse diagnóstico é realizado apenas em alguns pacientes atendidos em unidades sentinelas. 6 Tratamento Recomenda-se repouso e hidratação adequada. Medicações antitérmicas podem ser utilizadas, lembrando-se de evitar o uso de ácido acetil salicílico nas crianças. No caso de complicações pulmonares graves, podem ser necessárias medidas de suporte intensivo. Em casos de internação por complicações secundárias ou por apresentações graves da infecção, devem ser instituídas precauções contra a transmissão do vírus influenza através de gotículas respiratórias. Uma prática adequada de lavagem de mãos parece ser suficiente para impedir a transmissão por contato. Precauções contra a transmissão por aerossóis devem ser adotadas em caso de internação próxima a pacientes gravemente imunodeprimidos ou em infecções por cepas emergentes de influenza A com potencial pandêmico. Atualmente, há duas classes de drogas utilizadas no tratamento específico da influenza. Licenciadas há alguns anos, a amantadina e a rimantadina são drogas similares, com 70% a 90% de eficácia na prevenção da doença pelo vírus da influenza A em adultos jovens e crianças, caso sejam administradas profilaticamente durante o período de exposição ao vírus. Também podem reduzir a intensidade e a duração do quadro, se administradas terapeuticamente. Ressalta-se, porém, que nenhuma destas drogas demonstrou ser eficaz na diminuição das complicações graves da influenza. Duas grandes limitações do uso dessa classe de drogas são a ocorrência de efeitos colaterais no sistema nervoso central e no trato gastrointestinal (principalmente com o uso da amantadina) e a indução de resistência viral. Já o oseltamivir e o zanamivir fazem parte de uma nova classe de drogas chamadas de inibidoras da neuraminidase e que podem ser utilizadas contra a infecção pelos vírus da influenza A e B. Estas drogas, se administradas até dois dias após o início dos sintomas, podem reduzir o tempo da doença não complicada. No entanto, como as do grupo anterior, nenhuma das duas drogas desta classe foi eficaz em prevenir as complicações da influenza, Secretaria de Vigilância em Saúde / MS I 437 Influenza (Gripe) havendo poucos dados sobre a efetividade do zanamivir em indivíduos de alto risco para complicações da doença. Uma limitação importante para o seu uso é o custo elevado do tratamento e a existência de restrições ainda existentes para seu uso profilático. Aspectos epidemiológicos A gripe ocorre em âmbito mundial, como surto localizado ou regional, em epidemias e, também, devastadoras pandemias. O potencial pandêmico da influenza reveste-se de grande importância. No século passado ocorreram três importantes pandemias de influenza (a Gripe Espanhola, entre 1918-20; a Gripe Asiática, entre 1957-60 e a de Hong Kong, entre 1968-72). Destaca-se ainda a ocorrência de uma pandemia em 1977/78 (Gripe Russa), que afetou primordialmente crianças e adolescentes. Com os modernos meios de transporte, a propagação do vírus da influenza tornouse muito rápida e hoje o mesmo vírus pode circular ao mesmo tempo em várias partes do mundo, causando epidemias quase simultâneas. Em anos epidêmicos, a taxa de ataque na comunidade atinge aproximadamente 15%, sendo ao redor de 2% em anos não-epidêmicos. Em comunidades fechadas, este número sobe para 40% a 70%, com taxa de ataque secundário em torno de 30%. Tanto a morbidade quanto a mortalidade, devido à influenza e suas complicações, podem variar ano a ano, dependendo de fatores como as cepas circulantes, o grau de imunidade da população geral e da população mais susceptível, entre outros. Destaca-se ainda a ocorrência de transmissão direta do vírus da influenza aviária de alta patogenicidade (H5N1) ao homem, gerando surtos de elevada mortalidade. Esse fenômeno foi detectado pela primeira vez em 1997, em Hong Kong, quando 18 pessoas foram afetadas, das quais 6 morreram (letalidade de 33,3%). Novos episódios ocorreram em períodos mais recentes, destacando-se os surtos verificados no Vietnã e na Tailândia entre dezembro de 2003 e abril de 2004, que afetaram um total de 33 pessoas. As taxas de letalidade observadas foram de, respectivamente, 45,4% e 70%. Este processo de transmissão se deu em meio a uma epizootia de influenza aviária de alta patogenicidade em países do sudeste asiático em proporções e extensão geográfica inusitadas. Também se verificaram, no período 2003/2004, episódios de transmissão direta de influenza aviária de baixa patogenicidade para o homem, com registro de surtos pela cepa H7 na Holanda, Canadá e Estados Unidos. No Brasil, os dados disponíveis no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Influenza (Sivep-Gripe) demonstram, para o período 2000/2003, a ocorrência de casos de síndrome gripal predominantemente em crianças na faixa etária de 0-4 anos (48,2%), seguida da faixa de 5-14 anos (25,4%) e de 15-24 anos (10,2%). As demais faixas contribuíram com 16,2%. Os principais vírus respiratórios detectados pelo método de imunofluorescência neste período foram o vírus sincicial respiratório (31%), influenza A (30,7%), parainfluenza 1, 2 e 3 (18,5%), adenovírus (16,8%) e influenza B (3%). Em 2004, até a semana epidemiológica nº 36 foram coletadas 1.168 amostras na rede sentinela, das 438 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Influenza (Gripe) quais 366 (31,3%) foram positivas para vírus respiratórios pelo método da imunofluorescência. Destas, 152 foram positivas para influenza A, tendo sido possível fazer a caracterização antigênica inicial de 23 (15%) dessas amostras, assim identificadas: influenza A H3N2 (67%), influenza B (20%) e influenza A H1N1 (13%). No ano de 2002 foram detectados e investigados dois importantes surtos comunitários de influenza no país, nas cidades de Araraquara/SP e do extremo oeste de Santa Catarina, totalizando aproximadamente 3 mil casos confirmados (influenza B Hong Kong). Em 2003, novo surto comunitário foi detectado nas cidades de Pium e Araguacema/TO, com a confirmação de cerca de 500 casos (influenza A Tocantins H3N2). Em 2004, foram investigados surtos de influenza em comunidades fechadas (presídios e abatedouros de aves) nos municípios de Marília e Araçatuba/SP e Francisco Beltrão e Almirante Tamandaré/PR, devido à infecção por influenza A Fujian H3N2 e influenza A Korea H3N2. 6 Vigilância epidemiológica O Sistema de Vigilância da Influenza no Brasil é de implantação recente (a partir do ano 2000) e baseia-se em uma estratégia de vigilância sentinela que tem por função monitorar a circulação das cepas e a carga de morbidade por síndrome gripal* nas cinco regiões brasileiras. Objetivos • • • • • Monitorar as cepas dos vírus da influenza que circulam nas cinco regiões brasileiras. Avaliar o impacto da vacinação contra a doença. Acompanhar a tendência da morbidade e da mortalidade associadas à doença. Responder a situações inusitadas. Produzir e disseminar informações epidemiológicas. I Definição de caso suspeito Indivíduo com doença aguda (com duração máxima de 5 dias), apresentando febre (ainda que referida) e pelo menos um sintoma respiratório (tosse ou dor de garganta), na ausência de outros diagnósticos. Confirmado Caso suspeito com confirmação laboratorial e/ou caso suspeito com vínculo epidemiológico com casos laboratorialmente confirmados. Descartado Caso suspeito em que o resultado do exame foi negativo, em amostra adequadamente *Para definir síndrome gripal pode-se utilizar os seguintes códigos da 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID 10): J00 (todos) – Nasofaringite aguda (resfriado comum); J02.9 – Faringite aguda não especificada; J03.9 – Amigdalite aguda não especificada; J04.0 – Laringite aguda; J04.1 – Traqueíte aguda; J04.2 – Laringotraqueíte aguda; J06 (todos) – Infecção aguda das vias aéreas superiores e não especificadas; J10 (todos) – Influenza devida a vírus influenza identificado; J11 (todos) - Influenza devida a vírus influenza não identificado. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 439 Influenza (Gripe) colhida e transportada, ou quando for identificado laboratorialmente outro agente etiológico que não o vírus da influenza. Notificação A influenza não é doença de notificação compulsória. Os dados da vigilância sentinela são informados em um sistema de informação específico, através da Web, chamado de Sivep-Gripe. No entanto, considerando o potencial epidêmico desta doença, qualquer suspeita de surto comunitário ou institucional (em particular os surtos com casos graves) deve ser comunicada (por telefone, fax, e/ou e-mail) à secretaria estadual de saúde e Coordenação de Vigilância de Doenças de Transmissão Respiratória e Imunopreveníveis da SVS/MS. Investigação Recomenda-se a investigação de surtos pelas secretarias municipais e estaduais de saúde, se necessário com apoio do nível federal, com os seguintes objetivos: • confirmar a ocorrência do surto de síndrome gripal; • descrever o surto por tempo, pessoa e lugar; • caracterizar o processo de transmissão; • identificar e caracterizar o vírus respiratório; • monitorar os grupos de maior risco para complicações da doença; • avaliar o impacto do surto na morbidade e na mortalidade; • avaliar a necessidade da adoção de medidas emergenciais de controle; • recomendar medidas de prevenção e controle de surtos. Sugere-se realizar busca ativa de pessoas com síndrome gripal, utilizando a definição de caso ou os códigos das CID descritos anteriormente. Os locais-alvo para a busca ativa são as unidades de saúde (centros de saúde, hospitais) do município, as unidades de ensino, creches, asilos, entre outras. Para padronizar as informações coletadas na busca ativa recomenda-se a utilização de um formulário que permita agregar os dados por semana epidemiológica e que contenha as seguintes variáveis: total de pessoas com síndrome gripal e total de pessoas, unidade de saúde por faixa etária (Anexo 1). Deve-se coletar amostras para análise laboratorial. Se o município onde estiver ocorrendo o surto de síndrome gripal não pertencer à rede de vigilância da influenza, a secretaria estadual de saúde deve entrar em contato imediatamente com a Coordenação de Vigilância de Doenças de Transmissão Respiratória e Imunopreveníveis (Cover) e com a Coordenação Geral de Laboratório (CGLAB) do Ministério da Saúde/SVS, com vistas a possibilitar a coleta, transporte e análise laboratorial das amostras. Sugere-se realizar estudo descritivo detalhado da população doente ou pelo menos em uma amostra desta. Para isso, é importante a aplicação de um questionário padronizado a todas as pessoas do estudo. Este instrumento deve conter, entre outras, as seguintes variáveis: • demográficas (idade, sexo, endereço, ocupação); 440 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Influenza (Gripe) • sinais e sintomas (febre, tosse, dor de garganta, dor no corpo, dor de ouvido, dor nas articulações, dor de cabeça, etc.); • uso da vacina contra a influenza; • participação em festas, shows (aglomerado), viagem recente; • contato com pessoas que adoeceram com síndrome gripal; • presença de doenças crônicas (diabetes, cardiopatas, renais crônicos, hipertensos, pneumopatas, etc.) e doenças imunosupressoras (aids, lúpus, etc.); • uso de medicamentos; • presença de alergia; • necessidade de hospitalização; • história de exposição a aves e suínos, principalmente criadouros de aves, bem como relato de contato com aves doentes ou mortas; • outras variáveis consideradas importante de acordo com as características do surto. 6 Em situações de surto, orientações específicas deverão ser buscadas junto à SVS/MS. Instrumentos disponíveis para controle Imunização Desde 1999, o Ministério da Saúde implantou a vacinação contra gripe no Brasil, com o objetivo de proteger os grupos de maior risco contra as complicações da influenza, ou seja, os idosos e os portadores de doenças crônicas (doenças pulmonares ou cardiovasculares, imunocomprometidos, transplantados, dentre outros). É também recomendável a vacinação de profissionais de saúde que atuam na assistência individual de casos de infecção respiratória e de trabalhadores de asilos e creches, como forma de reduzir o potencial de transmissão da doença em comunidades fechadas e grupos mais vulneráveis à infecção. Outro grupo de risco são os trabalhadores de avicultura, cuja vacinação visa protegê-los contra infecção cruzada com vírus da influenza aviária. A vacina é a melhor estratégia disponível para a prevenção da influenza e suas conseqüências, proporcionando redução da morbidade, diminuição do absenteísmo no trabalho e dos gastos com medicamentos para tratamento de infecções secundárias. A vacinação ocorre na forma de campanhas prolongadas, em geral duas semanas. O período para a realização dessas campanhas deve ser anterior ao período de maior circulação do vírus na população das diferentes regiões do país. Este imunógeno também encontra-se disponível nos Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais (Cries) dos estados. A vacina é constituída por três tipos de cepas dos vírus influenza, cultivados em ovos embrionados de galinha e posteriormente inativados e purificados. Contém ainda neomicina, gentamicina e o timerosal como conservantes. É composta por dois tipos de vírus de influenza A e um vírus de influenza B. Para conferir proteção adequada a vacina deve ser administrada a cada ano, já que sua composição também varia anualmente, em função das cepas circulantes. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS I 441 Influenza (Gripe) O esquema vacinal preconizado pelo Ministério da Saúde varia conforme a faixa etária da pessoa a ser vacinada, demonstrado na tabela a seguir: Idade Dose (ml) Nº de doses 6-35 meses 0,25ml 1-2* 3-8 anos 0,5ml 1-2* > 9 anos e adultos 0,5ml 1 *A segunda dose com intervalo de 4 a 6 semanas. Após a vacinação em adultos saudáveis, a detecção de anticorpos protetores ocorre entre 1 a 2 semanas e seu pico máximo é após 4 a 6 semanas. A imunidade obtida com a vacinação pode variar: • em idosos, uma vez que a formação de anticorpos é modulada pela experiência cumulativa através dos anos de estimulação repetitiva do sistema imunológico com o vírus influenza; • em pacientes com câncer, pois a produção de anticorpos é menor do que em controles sadios. A soroconversão é de 24% a 71%, sendo a terapia antineoplásica o fator determinante da resposta mais baixa nesse grupo. As crianças que não estão em quimioterapia há mais de quatro semanas e com linfócitos >1000/mm3 possuem altas taxas de soroconversão com o uso da vacina; • em transplantados, a imunização deve ser feita previamente à realização do procedimento. No transplante de rim a soroconversão ocorre em cerca de 50% dos casos um mês após a vacinação; • em portadores do HIV/aids, a vacina contra influenza produz títulos protetores de anticorpos em pessoas infectadas por HIV pouco sintomáticas e com contagens adequadas de linfócitos CD4. No entanto, nos pacientes com a doença avançada e/ou contagem baixa de CD4 a vacina pode não induzir anticorpos protetores e uma segunda dose não melhora a resposta imunológica à mesma. A contra-indicação para esta vacina é a presença de reação de hipersensibilidade do tipo anafilática a proteínas do ovo de galinha e indivíduos com história pregressa de síndrome de Guillain-Barré. Os eventos adversos mais freqüentemente associados temporalmente à vacina são locais e resolvidos geralmente em 48 horas: dor leve no local da aplicação e eritema ocorrendo em 10% a 64% dos vacinados. Outras reações sistêmicas também podem estar presentes tais como febre, astenia, mialgia e cefaléia que, geralmente se apresentam entre 6 a 12 horas após a aplicação. Como a vacina é composta por vírus inativados, não tem o poder de provocar doença. “Casos de gripe” eventualmente diagnosticados em pessoas recentemente vacinadas podem ser devidos a infecção por outras cepas não presentes na vacina, a falhas de conversão sorológica ou a infecção por outros vírus respiratórios. 442 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Influenza (Gripe) Anexo 1 MINISTÉRIO DA SAÚDE SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE Vigilância de Síndrome Gripal 6 Unidade: _______________________________________________________________ Município: ____________________________________________________ UF: ______ Responsável pela informação: _______________________________________________ Semana de ____/____/____ a ____/____/____ Faixa etária (em anos) Número de consultas Consultas de síndrome gripal Total de consultas da unidade I <4 5 a 14 15 a 24 25 a 59 60 a 64 > 65 Idade ignorada Total Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 443 Leishmaniose Tegumentar Americana LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA CID 10: B55.1 Características clínicas e epidemiológicas Descrição A leishmaniose tegumentar americana – LTA é uma doença infecciosa, não-contagiosa, causada por protozoário do gênero Leishmania, de transmissão vetorial, que acomete pele e mucosas; é primariamente uma infecção zoonótica, afetando outros animais que não o homem, o qual pode ser envolvido secundariamente. Agente etiológico Há diferentes subgêneros e espécies de Leishmania, sendo as mais importantes no Brasil: Leishmania (Leishmania) amazonensis – distribuída pelas florestas primárias e secundárias da Amazônia (Amazonas, Pará, Rondônia, Tocantins e sudoeste do Maranhão), particularmente em áreas de igapó e de floresta tipo “várzea”. Sua presença amplia-se para o Nordeste (Bahia), Sudeste (Minas Gerais e São Paulo) e Centro-Oeste (Goiás). Leishmania (Viannia) guyanensis – aparentemente limitada ao norte da Bacia Amazônica (Amapá, Roraima, Amazonas e Pará) e estendendo-se pelas Guianas, é encontrada principalmente em florestas de terra firme – áreas que não se alagam no período de chuvas. Leishmania (Viannia) braziliensis – tem ampla distribuição, do sul do Pará ao Nordeste, atingindo também o centro-sul do país e algumas áreas da Amazônia Oriental. Na Amazônia, a infecção é usualmente encontrada em áreas de terra firme. Quanto ao subgênero Viannia, existem outras espécies de Leishmania recentemente descritas: L.(V) lainsoni, L.(V) naiffi, com poucos casos humanos no Pará; L.(V) shawi com casos humanos encontrados no Pará e Maranhão. Reservatório Varia conforme a espécie da Leishmania: Leishmania (Leishmania) amazonensis – tem como hospedeiros naturais vários marsupiais e roedores, tais como “rato-soiá” (Proechymis), além do Oryzomys que, às vezes, apresenta o parasita na pele sem lesões cutâneas. Leishmania (Viannia) guyanensis – vários mamíferos silvestres foram identificados como hospedeiros naturais, tais como a preguiça (Choloepus didactilus), o tamanduá (Tamandua tetradactyla), marsupiais e roedores. A infecção animal é geralmente inaparente, com parasitas encontrados na pele e vísceras. Leishmania (Viannia) braziliensis – esta espécie de Leishmania foi identificada em roedores silvestres como Bolomys lasiurus e Nectomys squamipes, no estado de Pernambu- 444 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Tegumentar Americana co. É freqüente o encontro desta espécie em animais domésticos como o cão (CE, BA, ES, RJ e SP), eqüinos e mulas (CE, BA e RJ), albergando em proporção expressiva o parasita. Vetores O vetor transmissor da LTA pode pertencer a várias espécies de flebotomíneos (conhecido como palha, cangalhinha, tatuquira, mulambinho, catuqui, etc.), de diferentes gêneros (Psychodopigus, Lutzomyia), dependendo da localização geográfica. Assim como os reservatórios, os vetores também mudam de acordo com a espécie de Leishmania. Leishmania (Leishmania) amazonensis – seus principais vetores são Lutzomyia flaviscutellata, Lutzomyia reducta e Lutzomyia olmeca nociva (Amazonas e Rondônia), têm hábitos noturnos, vôo baixo e são pouco antropofílicos. Leishmania (Viannia) guyanensis – os vetores são Lutzomyia anduzei, Lutzomyia whitmani e Lutzomyia umbratilis, que é o principal vetor, tendo o hábito de pousar durante o dia em troncos de árvores e atacar o homem em grande quantidade, quando perturbado. Leishmania (Viannia) braziliensis – em área silvestre, o único vetor demonstrado transmissor foi o Psychodopigus wellcomei, encontrado na Serra dos Carajás, altamente antropofílico, picando o homem mesmo durante o dia e com grande atividade na estação das chuvas. Em ambientes modificados, rural e peridomiciliar, são mais freqüentemente implicadas a Lutzomyia whitmani, Lutzomyia intermedia e Lutzomyia migonei. 6 Modo de transmissão Picada de insetos transmissores infectados. Não há transmissão de pessoa a pessoa. Período de incubação No homem, em média de 2 meses, podendo apresentar períodos mais curtos (duas semanas) e mais longos (dois anos), após a picada do flebotomíneo infectado. L Susceptibilidade e imunidade A susceptibilidade é universal. A infecção e a doença não conferem imunidade ao paciente. Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas Lesões cutâneas A apresentação cutânea da LTA, as lesões de pele, podem caracterizar a forma localizada (única ou múltipla), a forma disseminada (lesões muito numerosas em várias áreas do tegumento) e a forma difusa. Na maioria das vezes, a doença apresenta-se como uma lesão ulcerada única. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 445 Leishmaniose Tegumentar Americana Nas formas cutâneas localizadas e múltiplas, a lesão ulcerada franca é a mais comum e se caracteriza por úlcera com bordas elevadas, em moldura. O fundo é granuloso, com ou sem exsudação. Em geral, as úlceras são indolores. Observam-se também outros tipos de lesões como úlcero-crostosa, impetigóide, ectimatóide, úlcero-vegetante, verrucosa-crostosa, tuberosa, linquenóide e outras. Nestas formas, na fase inicial, é freqüente a linfangite e/ou adenopatia satélite que poderia preceder a lesão de pele. Às vezes, no cordão linfático podem se desenvolver nódulos que ulceram, lembrando a esporotricose. Podem ser observadas pápulas na periferia das lesões. A forma cutânea disseminada caracteriza-se por lesões ulceradas pequenas, às vezes acneiformes, distribuídas por todo o corpo (disseminação hematogênica). A leishmaniose cutânea disseminada é rara, as lesões são eritematosas, sob a forma de pápulas, tubérculos, nódulos e infiltrações difusas e, menos freqüentemente, sob a forma tumoral. A infiltração pode envolver extensas áreas do tegumento e, quando presente na face, confere ao paciente uma face típica conhecida como facieis leonina, confundindose, por isso e pela grande área de infiltração cutânea, com a hanseníase virchowiana. Seu prognóstico é ruim, por não responder adequadamente à terapêutica. Lesões mucosas A apresentação mucosa da LTA é, na maioria das vezes, secundária às lesões cutâneas, surgindo geralmente meses ou anos após a resolução das lesões de pele. Às vezes, porém, não se identifica a porta de entrada, supondo-se que as lesões sejam originadas de infecção subclínica. São mais freqüentemente acometidas as cavidades nasais, seguidas da faringe, laringe e cavidade oral. As queixas mais comuns no acometimento nasal são obstrução, epistaxes, rinorréia e crostas; da faringe, odinofagia; da laringe, rouquidão e tosse; da cavidade oral, ferida na boca. As lesões podem ser discretas, com poucos sintomas, daí a necessidade de sempre se buscar a identificação de doença em mucosas, incluindo o exame rotineiro dessas áreas. Ao exame clínico, pode-se observar infiltração, ulceração, perfuração do septo nasal, lesões úlcero-vegetantes, úlcero-crostosas ou úlcero-destrutivas. Poderá ocorrer destruição parcial ou total da pirâmide nasal e outras estruturas acometidas na boca. Outras mucosas, como língua e órgãos genitais, são raramente atingidas. A presença de uma ou várias cicatrizes atróficas em pele ou história de úlcera cutânea com evolução prolongada, ao lado das queixas acima referidas, reforça o diagnóstico clínico de leishmaniose mucosa. A ausência de cicatrizes não afasta a suspeita clínica de acometimento mucoso por leishmaniose, devendo ser investigadas outras doenças com o diagnóstico diferencial. A lesão mucosa associada ao comprometimento cutâneo da LTA pode ser concomitante (o acometimento mucoso a distância da lesão ativa de pele) ou contígua (o comprometimento mucoso ocorre por extensão da lesão de pele situada próxima de mucosas). O diagnóstico precoce, de qualquer lesão mucosa, é essencial para que a resposta terapêutica seja mais efetiva e evitem-se as seqüelas deformantes e/ou funcionais. 446 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Tegumentar Americana Comprometimento de linfonodos Pode ser primário (enfartamento de cadeia linfonodal precedendo a lesão de pele) ou secundário (enfartamento de cadeia de linfonodos na região da lesão de pele, após a identificação desta) e raramente pode apresentar-se generalizado. A classificação clínica da LTA, envolvendo as diferentes formas e apresentações da doença, e seus respectivos agentes etiológicos está esquematizada no Anexo 1. Diagnóstico diferencial Nas lesões cutâneas, devem ser excluídas as doenças que compõem o síndrome verrucoso conhecido como Plect, que são as iniciais de paracoccidioidomicose, leishmaniose, esporotricose, cromomicose, tuberculose cutânea. Devem ainda ser afastadas as úlceras traumáticas, úlceras de estase, úlceras tropicais, úlceras de membros inferiores por anemia falciforme, piodermites, neoplasias cutâneas, sífilis. A hanseníase virchowiana deverá ser incluída no diagnóstico diferencial, principalmente quando se tratar de suspeita de leishmaniose cutânea difusa. Nas lesões mucosas, o diagnóstico diferencial deve ser feito com a paracoccidioidomicose, hanseníase virchowiana, rinoscleroma, sarcoidose, bouba, sífilis terciária, granuloma médio facial e neoplasias. 6 Diagnóstico laboratorial O diagnóstico laboratorial, na rede de saúde, baseia-se principalmente em exames parasitológicos (exame direto) e imunológicos (intradermorreação de Montenegro/IRM), podendo-se proceder em laboratórios de referência outros exames de maior complexidade, conforme esquema abaixo (ver normas e procedimentos no Anexo 2). L Exames parasitológicos • Exame direto (esfregaço de lesão, imprint por aposição): diagnóstico de certeza pelo encontro do parasito na sua forma amastigota. • Histopatológico ❯ Hematoxilina eosina ❯ Imunoperoxidase • Cultura em meios artificiais • Inoculação em animais experimentais (hamsters) Exames imunológicos • Intradermorreação de Montenegro (IRM): em áreas endêmicas, a IRM deve ser avaliada de forma criteriosa considerando os achados clínicos. • Sorologia ❯ Imunofluorescência indireta (IFI): a imunofluorescência não deve ser utilizada como critério isolado para diagnóstico de LTA. Entretanto, pode ser considerada Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 447 Leishmaniose Tegumentar Americana ❯ como critério adicional no diagnóstico diferencial com outras doenças, especialmente nos casos sem demonstração de qualquer agente etiológico. Elisa: utilizado como pesquisa em centros de referência. Caracterização das espécies de Leishmania • Anticorpos monoclonais. • Testes moleculares: a reação em cadeia de polimerase – PCR representa nova perspectiva para o diagnóstico da LTA. Entretanto, os seus resultados dependem de algumas variáveis envolvidas, entre elas: área endêmica, tipo de amostra; alvo do DNA utilizado para amplificação; método de extração do DNA, cuidados de contaminação do material, etc. Tratamento A droga de primeira escolha é o antimonial pentavalente. Visando padronizar o esquema terapêutico, a Organização Mundial da Saúde recomenda que a dose deste antimonial seja calculada em mg/Sb+5/kg/dia (Sb+5 significando antimônio pentavalente). Há dois tipos de antimoniais pentavalentes que podem ser utilizados, o antimoniato N-metilglucamina e o stibogluconato de sódio (este último não comercializado no Brasil). O antimoniato N-metilglucamina apresenta-se comercialmente em frascos de 5ml que contém 1,5g do antimoniato bruto, correspondente a 405mg de Sb+5. Portanto, uma ampola com 5ml tem 405mg de Sb+5, e cada ml contém 81mg de Sb+5. Este antimonial é indicado para o tratamento de todas as formas de LTA, embora as formas mucosas exijam maior cuidado, podendo apresentar respostas mais lentas e maior possibilidade de recidivas. Não havendo resposta satisfatória com o tratamento pelo antimonial pentavalente, as drogas de segunda escolha são a anfotericina B e o isotionato de pentamidina. As lesões ulceradas podem sofrer contaminação secundária, razão pela qual devem ser prescritos cuidados locais, como limpeza com água e sabão e, se possível, compressas com permanganato de potássio (KMNO4), com diluição de 1/5 mil ml de água morna. Antimoniato-N-metil-glucamina Lesões cutâneas – nas formas cutânea localizada e disseminada, a dose recomendada varia entre 10 a 20mg Sb+5/kg/dia. Sugere-se 15mg Sb+5/kg/dia, tanto para o adulto quanto para crianças, durante 20 dias seguidos. Nunca deve ser utilizada dose superior a 3 ampolas/dia ou 15ml/dia para o adulto. Se não houver cicatrização completa no período de três meses (12 semanas) após o término do tratamento, ou se neste mesmo período houver reativação da lesão, o esquema deverá ser repetido, prolongando-se, desta vez, a duração da série para 30 dias. Em caso de falha terapêutica, utilizar uma das drogas de segunda escolha. Na forma difusa, a dose é de 20mg/Sb+5/kg/dia, durante 20 dias seguidos. Na fase inicial pode responder ao antimonial, porém são freqüentes as múltiplas recidivas, sendo necessário encaminhar o paciente para serviços especializados. 448 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Tegumentar Americana Lesões mucosas – em todas as formas de acometimento mucoso, a dose recomendada é de 20mg/Sb+5/kg/dia, durante 30 dias seguidos, de preferência em ambiente hospitalar. Se não houver cicatrização completa no período de três meses (12 semanas) após o término do tratamento, ou se neste mesmo período houver reativação da lesão, o esquema deverá ser repetido apenas uma vez. Em caso de não-resposta, utilizar uma das drogas de segunda escolha. Esquema terapêutico preconizado para as diversas formas clínicas de LTA, segundo OMS e Ministério da Saúde Forma clínica Dose 10 - 20mg / Sb / kg/dia Tempo de duração +5 Leishmaniose cutânea (recomenda-se 15mg / Sb+5 /kg/dia) 20 dias Leishmaniose difusa 20mg/ Sb+5 / kg/dia 20 dias Leishmaniose mucosa 20mg / Sb /kg/dia 30 dias +5 6 Modo de aplicação – as aplicações devem ser feitas por via parenteral, intramuscular ou intravenosa, com repouso após a aplicação. A via intramuscular apresenta grande inconveniente de dor local. Sugere-se, então, alternância dos locais de aplicação, preferindo-se a região glútea. Por via intravenosa, não há necessidade de diluição e a aplicação, com agulha fina (calibre 25x8) ou “scalp”, deve ser LENTA (duração de 5 minutos). Esta é a melhor via, pois permite a aplicação de doses mais adequadas e não tem o inconveniente da dor local. Contra-indicação – não deve ser administrado em gestantes, cujo tratamento consiste em cuidados locais, observação clínica e sorológica (se possível). Nas formas graves, cutâneas ou mucosas, discutir a possibilidade de tratamento a partir do sexto mês, com doses de antimônio mais baixas e controle laboratorial. Nos casos em que exista associação com outras doenças, tais como tuberculose, malária, esquistossomose, o tratamento das mesmas deve ser efetuado primeiramente. Há restrições para o tratamento de pacientes com idade acima de 50 anos, portadores de cardiopatias, nefropatias, hepatopatias e doença de Chagas. Quando for necessária a administração nos pacientes portadores de uma dessas doenças, deverá ser feita rigorosa avaliação clínica antes do tratamento e reavaliações clínicas periódicas, com acompanhamento eletrocardiográfico (ECG), duas vezes por semana, e exame bioquímico do sangue para avaliação das funções renal (dosagem de uréia e creatinina) e hepática (dosagem das transaminases, bilirrubinas e fosfatase alcalina) e leucograma. Todos esses exames deverão ser realizados semanalmente, para orientação da conduta quanto à redução da dose ou utilização de outra alternativa terapêutica. Efeitos colaterais – podem ocorrer um ou mais efeitos colaterais, na seguinte ordem de frequência: artralgia, mialgia, inapetência, náuseas, vômitos, plenitude gástrica, epigastralgia, pirose, dor abdominal, prurido, febre, fraqueza, cefaléia, tontura, palpitação, insônia, nervosismo, choque pirogênico, edema e insuficiência renal aguda (IRA). Secretaria de Vigilância em Saúde / MS L 449 Leishmaniose Tegumentar Americana Essas queixas são, geralmente, discretas ou moderadas e raramente exigem a suspensão do tratamento. Porém, nas doses de 20mg/Sb+5/kg/dia, o antimonial pode atingir o limiar de toxicidade, podendo levar a alterações cardíacas ou renais que obriguem a suspensão do tratamento. Por isso, deve-se proceder ao acompanhamento eletrocardiográfico prévio e semanal e avaliação da função renal em todos os pacientes, especialmente naqueles acima de 50 anos. Algumas vezes, no início do tratamento, há uma exacerbação do quadro clínico com o aumento do infiltrado, eritema das lesões, aumento da secreção nasal e faríngea. Presume-se que isto decorra de uma resposta aos antígenos liberados com a morte do parasita (reação do tipo Jarich-Herxheimer). Este quadro pode ocorrer com qualquer tratamento específico. Em casos de lesões de laringe e faringe, podem ocorrer edema e insuficiência respiratória aguda. Assim, é aconselhável que a medicação seja administrada por equipe especializada, em paciente hospitalizado, e com possibilidade de realizar traqueostomia de urgência. Os corticosteróides por via sistêmica podem ser utilizados nos quadros de hipersensibilidade. Recomendações – é recomendável a abstinência de bebidas alcoólicas durante o período de tratamento, devido às alterações hepáticas. Também é recomendável o repouso físico durante o tratamento. Todas as reações adversas graves ou potencialmente graves abaixo descritas, devem ser notificadas às autoridades sanitárias: ❯ arritmias cardíacas e/ou outras manifestações de cardiotoxicidade; ❯ insuficiência renal aguda ou elevação dos níveis séricos de uréia e creatinina e/ou outras manifestações de nefrotoxicidade; ❯ icterícia e/ou elevação de enzimas hepáticas e/ou outras manifestações de hepatotoxicidade; ❯ pancreatite aguda e/ou hiperamilasemia; ❯ outras não citadas acima e que não tenham sido descritas anteriormente. Não há nenhum impedimento de que se notifiquem casos que não se encaixem na classificação acima, apenas não é imperativo que tais notificações sejam feitas. Na dúvida, notifique. Tratamento para crianças – emprega-se o mesmo esquema terapêutico utilizado para o tratamento de pacientes adultos. A via de administração (intramuscular ou intravenosa) deve ser decidida de acordo com a apresentação clínica, o estado geral das crianças e as condições operacionais dos serviços. Anfotericina B É a droga de segunda escolha, empregada quando não se obtém resposta ao tratamento com antimonial ou na impossibilidade de seu uso. A anfotericina B é também a droga de escolha para o tratamento de pacientes grávidas. 450 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Tegumentar Americana É importante esclarecer que a medicação deve ser feita sob vigilância, em serviços especializados, com o paciente hospitalizado. Dose – 1mg/kg/dia em dias alternados, sem contudo ultrapassar a dose total de 50mg em cada aplicação. Deve ser administrada até atingir as seguintes doses totais: ❯ na forma cutânea: 1 a 1,5g; ❯ na forma mucosa: 2,5 a 3g. Se necessário, esta dose total poderá ser elevada, desde que o paciente esteja sob vigilância clínica rigorosa, acompanhada das provas laboratoriais (uréia, creatinina e potássio) que permitam avaliar, principalmente, a função renal. O exame ECG também deverá ser realizado. Realizar avaliação clínica e laboratorial e ECG ao iniciar o tratamento, com exames bioquímicos do sangue para avaliação das funções renal (uréia e creatinina) e hepática (dosagem de bilirrubinas, transaminases e fosfatase alcalina) e hemograma, seguindo-se reavaliações semanais durante o tratamento. Em idosos, a reavaliação da função renal e cardíaca deve ser feita duas vezes por semana. Modo de aplicação – deve ser administrada por via intravenosa, gota a gota, lentamente (4 horas de infusão), utilizando-se equipo em “Y”, onde a anfotericina B é diluída em 250ml de soro glicosado a 5%, alternando sua administração com 250ml de soro glicosado a 5% contendo 50 a 100mg de hidrocortisona, para a prevenção de efeitos colaterais. Aplicase em dias alternados. Contra-indicação – é contra-indicada a administração da anfotericina B em cardiopatas, nefropatas e hepatopatas. Efeitos colaterais – são de ocorrência muito freqüente: febre, anorexia, náuseas, vômitos e flebite, que podem ser atenuados ou evitados usando-se antipiréticos, antieméticos ou 50 a 100mg de hidrocortisona, acrescentados ao soro. A presença dos sintomas descritos não contra-indica a administração do medicamento. Outros efeitos colaterais importantes que geralmente surgem no decorrer do tratamento são hipopotassemia, insuficiência renal, anemia, leucopenia e alterações cardíacas. Recomendações – ratifica-se a necessidade de se fazer monitoramento laboratorial semanal cardíaco (ECG), hepático (AST/ALT/FA) e renal (uréia/creatinina). Deve-se ainda proceder à dosagem de K+ sérico, fazendo a reposição via oral quando indicada. 6 L Isotionato de pentamidina É usada como medicamento alternativo, nos casos que não respondem aos antimoniais pentavalentes ou na impossibilidade de seu uso. Tem-se obtido bons resultados, com baixas doses, na LTA causada pela L.(V.) guyanensis. Dose e modo de aplicação – classicamente, a dose recomendada é de 4mg/kg/dia, por via intramuscular profunda, de 2 em 2 dias, recomendando-se não ultrapassar a dose total de 2g. Após 1g de aplicação o paciente deve ser monitorado com rigorosidade, destacando a necessidade de realizar exame de glicose (glicemia) semanalmente. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 451 Leishmaniose Tegumentar Americana Devido ao medicamento ter ação no metabolismo da glicose, pode haver hipoglicemia seguida de hiperglicemia, quando do seu uso. O paciente deve ser orientado a alimentar-se anteriormente e permanecer em repouso quinze minutos antes e após as injeções. Apresentação comercial – sob a forma de dois sais (isotionato de pentamidina e mesilato de pentamidina). No Brasil é comercializado apenas o isotionato de pentamidina, que se apresenta em frasco-ampola contendo 300mg/sal. O mesmo deve ser diluído em 3ml de água destilada para uso clínico em aplicações intramusculares profundas. Efeitos colaterais – as reações adversas mais freqüentes são dor, induração e abscessos estéreis no local da aplicação, além de náuseas, vômitos, tontura, adinamia, mialgias, cefaléia, hipotensão, lipotimias, síncope, hipoglicemia e hiperglicemia. O diabetes mellitus pode se manifestar a partir da administração da dose total de 1g. O efeito diabetogênico pode ser cumulativo e dose-dependente. Recomendações – recomenda-se o acompanhamento clínico e a reavaliação de exame bioquímico do sangue para avaliação das funções renal (dosagem de uréia e creatinina) e hepática (dosagem das transaminases, bilirrubinas e fosfatase alcalina), periodicamente, no curso do tratamento, bem como dosagem da glicemia e acompanhamento eletrocardiográfico antes, durante e no final do tratamento. A glicemia deve ser acompanhada mensalmente durante um período de seis meses, quando ultrapassar a dose total de 1g. Contra-indicações – para gestantes, portadores de diabetes, insuficiência renal, insuficiência hepática, doenças cardíacas e em crianças com peso inferior a 8kg. Critérios de cura O critério de cura é clínico e recomenda-se fazer o acompanhamento mensal nos três primeiros meses e, quando curado o paciente, bimensalmente, até completar 12 meses após o término do tratamento. Forma cutânea – definido pelo aspecto clínico das lesões: reepitelização das lesões ulceradas ou não, regressão total da infiltração e eritema, até 3 meses após a conclusão do esquema terapêutico. Forma mucosa – é também clínico, definido pela regressão de todos os sinais e comprovado pelo exame otorrinolaringológico, até 6 meses após a conclusão do esquema terapêutico. Na ausência do especialista, o clínico deve ser treinado para realizar, pelo menos, rinoscopia anterior. Nos locais onde não há clínico, o paciente deve ser encaminhado para serviço de referência, para avaliação de cura. Acompanhamento regular – o paciente deve retornar mensalmente à consulta, durante três meses consecutivos após o término do esquema terapêutico, para ser avaliada a cura clínica. Uma vez curado, o mesmo deverá ser acompanhado de 2 em 2 meses até completar 12 meses após o tratamento. Situações que podem ser observadas • Tratamento regular da forma cutânea – definido como aquele caso que utilizou 10 a 20mg Sb+5/kg/dia entre 20 a 30 dias, não ocorrendo intervalo superior a 72 horas entre as doses. 452 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Tegumentar Americana • Tratamento regular da forma mucosa – caso que utilizou 20mg Sb+5/kg/dia entre 30 a 40 dias, não ocorrendo intervalo superior a 72 horas entre as doses. • Tratamento irregular da forma cutânea e mucosa – caso que ultrapassou o tempo previsto para um tratamento regular ou que tenha ocorrido um intervalo superior a 72 horas entre as doses. • Falha terapêutica – caso que, mesmo tendo realizado dois esquemas terapêuticos regulares, não apresentou remissão clínica. • Recidiva – reaparecimento de lesão no período inferior a um ano, após a cura clínica. • Abandono – caso que não tendo recebido alta não compareceu até 30 dias após o terceiro agendamento para avaliação da cura. O terceiro agendamento se refere ao 3º mês após o término do esquema terapêutico, período destinado ao acompanhamento do caso e à avaliação de cura. Condutas frente às situações que podem ser observadas • Tratamento regular – paciente que retornar mensalmente à consulta, durante três meses após o término do esquema terapêutico, para ser avaliado. Poderá receber alta no transcorrer deste período ou reiniciar o tratamento, durante ou ao final dos três meses de observação. • Tratamento irregular – quando o paciente utilizou mais de 50% das doses preconizadas, observa-se as seguintes condutas: ❯ cura clínica: alta; ❯ melhora clínica: observação por até 3 meses, quando será reavaliado para alta; ou ao final deste período, persistindo os sinais clínicos, dar início a novo esquema terapêutico completo; ❯ sem melhora clínica: reiniciar de imediato o esquema terapêutico; ❯ caso o paciente tenha utilizado menos de 50% das doses prescritas, iniciar de imediato o esquema terapêutico completo, a não ser que se apresente clinicamente curado. • Abandono – início do esquema terapêutico com antimonial pentavalente, a não ser que se apresente clinicamente curado. 6 L Leishmaniose tegumentar e HIV/Aids As leishmanioses podem modificar a progressão da doença pelo HIV e a imunodepressão causada por este vírus facilita a progressão das leishmanioses. A avaliação do conjunto de manifestações clínicas das leishmanioses em pacientes portadores de HIV indica não existir definição de um perfil clínico que possa ser indiscutivelmente associado à co-infecção. Chamam a atenção os relatos de disseminação da doença cutânea com envolvimento de órgãos raramente acometidos em indivíduos imunocompetentes, em um processo conhecido como visceralização da leishmaniose tegumentar. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 453 Leishmaniose Tegumentar Americana Quadro 1. Condições em que deve ser oferecida a sorologia para o HIV em portadores de leishmaniose tegumentar Qualquer forma clínica sem exposição recente (durante o último ano) a uma área de transmissão de LTA Forma disseminada com ou sem acometimento mucoso concomitante Forma mucosa com acometimento fora da cavidade nasal Forma cutânea ou mucosa com achado de parasitas em vísceras Forma difusa Qualquer forma clínica associada à reação de Montenegro negativa Achado de amastigotas no exame direto de material obtido de lesões mucosas Isolamento em material de pele ou mucosas de espécies de leishmanias viscerotrópicas Leishmania (Leishmania) chagasi ou não descritas como causadoras de lesões tegumentares Falha terapêutica após o uso de antimonial pentavalente1 Recidiva tardia (mais de 6 meses após a cura clínica) Lesões cutâneas que aparecem após o diagnóstico de lesão mucosa em atividade Ausência de cura clínica após duas tentativas de tratamento com antimoniato de meglumina (10 a 20mg SbV kg/dia por 20 a 30 dias), com período de observação de três meses após cada série de tratamento. 1 Quadro 2. Condição em que portadores de HIV/aids devem ser investigados para leishmaniose tegumentar Qualquer tipo de lesão cutânea ou mucosa de mais de duas semanas de evolução em pacientes expostos à área de transmissão de leishmaniose tegumentar em qualquer época da vida.1 1 Deve ser considerado como área de transmissão, para fins de avaliação da exposição de risco, qualquer município que tenha notificado pelo menos um caso autóctone de leishmaniose tegumentar durante o período em que o paciente esteve exposto. Aspectos terapêuticos e evolução – o critério de escolha das drogas utilizadas para a terapêutica das leishmanioses em pacientes portadores de HIV não difere do preconizado para os pacientes imunocompetentes. Considerando que os pacientes com LTA co-infectados com o HIV são indivíduos que podem apresentar outras doenças oportunistas que os debilitam, a sua vulnerabilidade às reações adversas ao tratamento pode ser maior pelo que se recomenda extremo cuidado no monitoramento adequado da toxicidade medicamentosa. Um dos aspectos mais marcantes na evolução da leishmaniose, na presença de infecção por HIV, é a tendência a recidivas. Por isso, o paciente deverá ser acompanhado mensalmente por 6 meses e, uma vez curado, bimensalmente, até completar 12 meses após o término do tratamento. 454 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Tegumentar Americana Aspectos epidemiológicos A leishmaniose tegumentar americana (LTA) apresenta-se em expansão geográfica. Nas últimas décadas, as análises de estudos epidemiológicos da LTA têm sugerido mudanças em seu comportamento epidemiológico. Inicialmente considerada zoonose de animais silvestres que acometia ocasionalmente pessoas em contato com florestas, a LTA começa a ocorrer em zonas rurais já praticamente desmatadas e em regiões periurbanas. Observase a coexistência de um duplo perfil epidemiológico, expresso pela manutenção de casos oriundos dos focos antigos ou de áreas próximas a eles, e pelo aparecimento de surtos epidêmicos associados a fatores decorrentes do surgimento de atividades econômicas como garimpos, expansão de fronteiras agrícolas e extrativismo, em condições ambientais altamente favoráveis à transmissão da doença. No período de 1985 a 2003, a LTA no Brasil vem apresentando coeficientes de detecção que oscilam entre 10,45 a 21,23 por 100 mil habitantes. Ao longo desse período, observouse tendência ao crescimento da endemia, registrando-se os coeficientes mais elevados nos anos de 1994 e 1995, quando atingiram níveis de 22,83 e 22,94 por 100 mil habitantes, respectivamente. O ano de 1998 apresentou queda significativa neste coeficiente (13,47 por 100 mil habitantes), fato que pode estar relacionado a problemas operacionais naquele ano. Ao analisar a evolução da LTA nesse período, observa-se uma expansão geográfica, sendo que no início da década de 1980 foram registrados casos autóctones em 19 unidades federadas. Nos últimos anos, todos os estados registraram autoctonia da doença. A região Nordeste vem contribuindo com o maior número de casos (cerca de 37,2% do total registrado no período) e a região Norte com os coeficientes mais elevados (93,84 por 100 mil habitantes), seguidas pelas regiões Centro-Oeste (42,70 por 100 mil habitantes) e Nordeste (26,50 por 100 mil habitantes). A distribuição das densidades médias de casos de LTA por município, para os períodos de 2000-2002, permitiu a identificação de regiões de influência da LTA, caracterizando os circuitos de produção da doença no país (Figura 1). Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 6 L 455 Leishmaniose Tegumentar Americana Figura 1. Circuitos de produção de casos de LTA (2000-2002) e casos de LTA por municípios. Brasil, 2003 Circuitos de LTA, 2000-2002 Casos de LTA – 2003 (1 ponto = 5 casos) Fonte: Fiocruz/Ensp/Desp, SVS/MS Vigilância epidemiológica Objetivos • Diagnosticar e tratar precocemente os casos, com vistas a reduzir as deformidades provocadas pela doença. • Em áreas de transmissão domiciliar, reduzir a incidência da doença adotando medidas de controle pertinentes, após investigação dos casos. Definição de caso Suspeito Leishmaniose cutânea – todo indivíduo com presença de úlcera cutânea, com fundo granuloso e bordas infiltradas em moldura. Leishmaniose mucosa – todo indivíduo com presença de úlcera na mucosa nasal, com perfuração ou perda do septo nasal, podendo atingir lábios e boca (palato e nasofaringe). 456 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Tegumentar Americana Confirmado Critério clínico-laboratorial de leishmaniose cutânea e/ou mucosa – a confirmação dos casos clinicamente suspeitos deverá preencher, no mínimo, um dos seguintes critérios: • residência, procedência ou deslocamento em/para área com confirmação de transmissão e encontro do parasito nos exames parasitológicos diretos e/ou indireto; • residência, procedência ou deslocamento em/para área com confirmação de transmissão e intradermorreação de Montenegro (IRM) positiva; • residência, procedência ou deslocamento em/para área com confirmação de transmissão com outros métodos de diagnóstico positivo. Critério clínico-epidemiológico de leishmaniose cutânea e/ou mucosa – todo caso com suspeita clínica, sem acesso a métodos de diagnóstico laboratorial e com residência, procedência ou deslocamento em área com confirmação de transmissão. Nas formas mucosas, considerar a presença de cicatrizes cutâneas como critério complementar para confirmação do diagnóstico. 6 Descartado Caso suspeito com diagnóstico laboratorial negativo ou caso suspeito com diagnóstico confirmado de outra doença. Casos autóctones – são os casos confirmados de LTA com provável infecção no local de residência. Notificação É doença de notificação compulsória; portanto, todo caso confirmado deve ser notificado pelos serviços públicos, privados e filantrópicos, utilizando a ficha de investigação epidemiológica padronizada no Sinan. L Primeiras medidas a serem adotadas Assistência ao paciente Todo caso suspeito deve ser submetido às investigações clínica e epidemiológica e aos métodos auxiliares de diagnóstico. Caso seja confirmado, inicia-se o tratamento segundo normas técnicas e acompanha-se mensalmente (para avaliação da cura clínica) pelos três primeiros meses e, uma vez curado, bimensalmente, até completar 12 meses após o término do tratamento. Investigação Após a detecção de casos de LTA, a investigação epidemiológica faz-se necessária para identificar: • se a área é endêmica ou se é um novo foco; • se o caso é autóctone ou importado (no segundo, informar ao serviço de saúde do local de origem); Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 457 Leishmaniose Tegumentar Americana • as características do caso (forma clínica, idade e sexo); • novos casos e caracterizá-los clínica e laboratorialmente. O instrumento de coleta de dados e a ficha epidemiológica do Sinan, contém os elementos essenciais a serem coletados em uma investigação de rotina. Todos os seus campos devem ser criteriosamente preenchidos, mesmo quando a informação for negativa (9- ignorado). Outros itens e observações podem ser incluídos conforme as necessidades e peculiaridades de cada situação. Roteiro da investigação epidemiológica Identificação do paciente Preencher todos os campos da ficha de investigação epidemiológica do Sinan, relativos aos dados gerais, notificação individual e dados de residência. Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Preencher os campos da ficha de investigação epidemiológica do Sinan relativos aos antecedentes epidemiológicos, dados clínicos, laboratoriais e tratamento. Os dados entomológicos deverão ser preenchidos após estudo na provável área de transmissão. • Para identificação da área de transmissão ❯ Verificar se o local de residência corresponde a uma área de provável transmissão da leishmaniose. ❯ Investigar se houve deslocamento do caso, para áreas endêmicas, no período de 6 meses anterior ao início dos sintomas. ❯ Levantar se há conhecimento de outras pessoas com as mesmas manifestações clínicas no local onde reside, no trabalho e outros. Estes procedimentos devem ser feitos mediante entrevista com o paciente, familiares ou responsáveis. Tais dados, que serão anotados na ficha de investigação, permitirão identificar o provável local de transmissão da leishmaniose. A detecção de casos de LTA pode ocorrer por meio de: ❯ busca ativa de casos na área de foco; ❯ visitas domiciliares dos profissionais do Pacs e PSF; ❯ demanda espontânea à unidade de saúde; ❯ encaminhamento de suspeitos. Quando o paciente residir em área reconhecidamente endêmica, a caracterização do local de transmissão é facilitada. Entretanto, a história dos deslocamentos do paciente permitirá definir os locais prováveis de infecção. Se o local provável de transmissão é o intra ou peridomicílio, é recomendado solicitar a realização de estudo entomológico (captura e identificação de flebotomíneos) para ajudar na investigação e adoção de medidas de controle. 458 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Tegumentar Americana Lembrar que a identificação da área onde se deu a transmissão é de fundamental importância para o processo de investigação e as medidas de controle, se indicadas. Encerramento de caso A ficha epidemiológica de cada caso deve ser analisada visando definir qual o critério utilizado para o diagnóstico, considerando as seguintes alternativas: Confirmado por critério clínico-laboratorial – encontro do parasito nos exames parasitológicos diretos e/ou indiretos ou intradermorreação de Montenegro positiva ou outros métodos diagnósticos positivo. Confirmado por critério clínico-epidemiológico – verificar se a suspeita clínica está associada à residência, procedência ou ao deslocamento em área com confirmação de transmissão. 6 Evolução do caso Para a vigilância da leishmaniose tegumentar americana é de extrema importância tratar e acompanhar os casos confirmados e conhecer a evolução clínica dos mesmos, conforme normas técnicas, visando reduzir a forma grave da doença (forma mucosa) e evitar deformidades. Análise dos dados A análise dos dados da investigação deve permitir a avaliação da magnitude, transcendência e vulnerabilidade do problema e da indicação e/ou adequação das medidas de controle, para reduzir o número de casos em áreas com transmissão domiciliar. Estes dados são indispensáveis para a construção dos indicadores necessários à análise epidemiológica da doença e ao acompanhamento e avaliação operacional das atividades de controle, em cada nível de atuação. L Divulgação dos dados Após análise dos dados, os mesmos deverão ser amplamente divulgados. Instrumentos disponíveis para controle Atuação na cadeia de transmissão A diversidade de agentes, reservatórios, vetores e situações epidemiológicas, aliada ao conhecimento ainda insuficiente sobre vários desses aspectos, torna complexo o controle desta doença. O propósito das medidas de prevenção é a redução do contato homem-vetor, através de medidas de proteção individual, controle de reservatórios e aplicação do inseticida, quando indicados. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 459 Leishmaniose Tegumentar Americana Em virtude das características epidemiológicas peculiares da LTA, as estratégias de controle devem ser flexíveis e distintas, adequadas a cada região ou foco particular. Para a seleção de estratégias, adequadas a cada região geográfica, deverá ser considerada a análise epidemiológica dos dados referentes a: • registro dos casos humanos quanto à forma clínica, sexo, idade e procedência; • estudos entomológicos para definir as espécies vetoriais, sua dispersão, graus de antropofilia e exotilia, infecção natural; • estudos parasitológicos para definir a espécie do agente etiológico circulante no foco; • estudos ecológicos para determinação dos reservatórios animais envolvidos; e • caracterização de um surto epidêmico. Proteção individual Meios mecânicos, através do uso de mosquiteiros simples ou impregnados com deltametrina (em fase de experiência), telas finas em portas e janelas, uso de repelentes, uso de camisas de manga comprida, calças compridas, meias e sapatos (de difícil aplicação nas regiões de clima quente e úmido). Em áreas de risco para assentamento de populações humanas, tem sido sugerida uma faixa de segurança de 200 a 300 metros entre as residências e a floresta. Entretanto, uma faixa deste tipo teria que ser muito bem planejada para evitar erosão e outros problemas decorrentes do desequilíbrio ambiental, no caso de desmatamento. Controle de reservatórios Em pesquisas, a realização de inquéritos é necessária para melhor evidenciação do papel dos reservatórios no ambiente peri e intradomiciliar. Não se considera, atualmente, a possibilidade de controle dos reservatórios silvestres. A identificação de lesões nos prováveis reservatórios, quando domésticos (cães e eqüídeos), demanda a realização de exames. Caso positivo, quando autorizado pelo proprietário, realizar a eutanásia do animal após avaliação. Vale destacar que não é recomendada como rotina a realização de inquéritos sorológicos caninos em áreas com transmissão de LTA. É importante lembrar que a eutanásia em cães e eqüinos só é indicada em situações em que estes animais apresentem exames sorológicos positivos com presença de lesão cutânea e com autorização do seu proprietário. A geração, acondicionamento e destino inadequado do lixo orgânico pela população favorecem a proliferação de reservatórios silvestres importantes (marsupiais e roedores) da LTA. O lixo, portanto, deve ter destino adequado para evitar a atração dos mesmos. Controle vetorial O emprego de inseticidas contra os flebótomos é factível em situações de transmissão peridomiciliar, domiciliar (caracterizada pela notificação de um ou mais casos autóctones de LTA em menores de dez anos, residentes em áreas urbanas ou periurbanas). Ressalte-se que a investigação epidemiológica do caso e a pesquisa entomológica indicarão o seu uso. Nas áreas florestais, este método é impraticável. 460 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Tegumentar Americana A aplicação do inseticida, quando indicada pela vigilância entomológica, deve ser realizada com ação residual, sobre a superfície de paredes do domicílio e anexos domiciliares (abrigo de animais domésticos, paióis, etc.). A aplicação espacial de inseticida não apresenta relação custo/benefício satisfatória, motivo pelo qual não é indicada. A escolha do grupo de inseticidas que pode ser usado para tratamento residual deve obedecer a seguinte ordem de preferência: piretróides, carbamatos e organofosforados. A formulação do inseticida a ser utilizado e a época mais adequada para sua aplicação deverão ser orientadas pelos estudos entomológicos sugeridos anteriormente, considerando, ainda, fatores biológicos, ambientais e climáticos. Não é indicado o uso indiscriminado de controle químico. O serviço de entomologia é quem deverá indicar o seu uso, após estudo e confirmação de transmissão de LTA no peri e/ou intradomicílio. 6 As normas de biossegurança, bem como as de proteção individual, como uso de máscaras, luvas e roupas especiais, devem ser rigorosamente observadas quando da utilização de inseticidas. Medidas educativas As atividades de educação em saúde devem estar inseridas em todos os serviços que desenvolvem ações de controle da LTA, requerendo o envolvimento efetivo das equipes multiprofissionais e multiinstitucionais, com vistas ao trabalho articulado nas diferentes unidades de prestação de serviços através de: • capacitação das equipes, englobando conhecimento técnico, aspectos psicológicos e prática profissional em relação à doença e aos doentes; • adoção de medidas preventivas, considerando o conhecimento da doença, atitudes e práticas da população (clientela), relacionadas às condições de vida e trabalho das pessoas; • estabelecimento de relação dinâmica entre o conhecimento do profissional e a vivência dos diferentes estratos sociais, através da compreensão global do processo saúde/doença, no qual intervêm fatores sociais, econômicos, políticos e culturais. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS L 461 462 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Investigar outros agravos Descartar o caso Incompatível Tratar Notificar Positivo Reativação ou não fechamento da lesão Fazer 2º esquema Reativação ou não fechamento da lesão Regressão e reepitelização da lesão Cura clínica Encerrar o caso Encaminhar para centro de referência Investigar outros agravos Descartar o caso Avaliação da clínica e epidemiologia Incompatível Negativo Aplicação da IRM Medidas de proteção coletiva Avaliar e se necessário iniciar droga de 2ª escolha Medidas de proteção individual Investigação Encaminhar para unidade de saúde Controle de reservatório Negativa ausência do vetor no peri e/ou intradomicílio Positiva Pesquisa entomológica presença do vetor no peri e/ou intradomicílio Controle vetorial Casos suspeitos Busca ativa de casos Provável transmissão no peri e/ou intradomicílio Foco novo Identificar local provável de infecção Caso confirmado Foco antigo Transmissão em área silvestre Educação em saúde Coleta de dados clínicos e epidemiológicos do paciente Positivo Compatível Acompanhar – 1 a 3 meses Compatível Avaliar: clínica, epidemiologia e IRM Negativo Esfregaço da lesão Diagnóstico parasitológico Exame laboratorial Atenção médica/dados clínicos Caso(s) suspeito(s) de leishmaniose cutânea Investigação epidemiológica da leishmaniose tegumentar americana Leishmaniose Tegumentar Americana Leishmaniose Tegumentar Americana Anexo 1 Leishmaniose tegumentar americana no Brasil – classificação clínica e respectivos agentes etiológicos segundo Marzochi, M. Leishmaniose tegumentar americana Leishmaniose cutânea Leishmaniose mucosa (1) Forma cutânea única (6) Forma mucosa tardia (2) Forma cutânea múltipla (7) Forma mucosa concomitante (3) Forma cutânea disseminada (8) Forma mucosa contígua (4) Forma recidiva cútis (9) Forma mucosa primária (5) Forma cutânea difusa (10) Forma mucosa indeterminada Leishmania braziliensis (1, 2, 3, 4) Leishmania amazonensis (1, 2, 3, 4, 5) Leishmania guyanensis (1, 2, 3) 6 Leishmania braziliensis (6, 7, 8, 9, 10,) Leishmania amazonensis (8) Leishmania guyanensis (8) Secretaria de Vigilância em Saúde / MS L 463 Leishmaniose Tegumentar Americana Anexo 2 Normas para procedimentos laboratoriais O diagnóstico laboratorial do paciente com suspeita de leishmaniose tegumentar americana é da maior importância pois esta é uma doença que tem diagnóstico diferencial com numerosas outras dermatoses e o medicamento disponível para seu tratamento pode causar sérios efeitos colaterais. Embora a confirmação laboratorial seja imprescindível para o paciente, em determinadas áreas pode se proceder a confirmação pelo critério clínico-epidemiológico, de acordo com as orientações do tópico Definição de caso. A seguir, descrevem-se os exames laboratoriais disponíveis, sua interpretação e as normas de coleta dos espécimes. Destaca-se que o diagnóstico laboratorial baseia-se na evidenciação do parasito e em provas imunológicas. O material pode ser a pele, mucosa ou linfonodos acometidos. 1. Exame parasitológico A evidenciação do parasito é feita através de exames direto e indireto. Para a pesquisa direta, são utilizados os seguintes procedimentos: escarificação, biópsia com impressão por aposição e punção aspirativa. O exame parasitológico direto é o procedimento de primeira escolha, por ser mais rápido, de menor custo e fácil execução. O sucesso no achado do parasito é inversamente proporcional ao tempo de evolução da lesão cutânea, sendo rara após um ano. Lesões muito contaminadas também contribuem para diminuir a sensibilidade do método. Recomenda-se a coleta do material após assepsia local com água e sabão e, se possível, com água destilada ou soro fisiológico. Escarificação – Pode ser realizada na borda da lesão ulcerada mais recente, sem secreção purulenta, ou na superfície da lesão não-ulcerada utilizando-se um estilete descartável, lâmina de bisturi estéril ou palito de madeira, com extremidade em bisel, previamente esterilizado. Com o material coletado, realiza-se um esfregaço em lâmina. Na medida do possível, deve-se coletar material abundante para aumentar a possibilidade de positividade. Impressão por aposição – É realizada através da compressão do fragmento de tecido, obtido por biópsia, sobre uma lâmina microscópica, depois de retirada do sangue em uma superfície absorvente (papel de filtro). Tanto o esfregaço como a impressão devem ser realizados sobre lâmina de vidro previamente desengordurada e seca. O material coletado deve ser fixado em metanol, durante 3 minutos, e corado pelas técnicas de Giemsa ou Leishman. A punção aspirativa pode ser realizada utilizando-se uma seringa de 5ml e agulha 25x8, com 3ml de solução salina estéril. Em centros de referência, este procedimento pode ser realizado na investigação de comprometimento linfonodal primário. Histopatologia – A biópsia pode ser feita com “punch” de 4mm de diâmetro, ou em cunha, com o uso de bisturi. Nas lesões ulceradas, deve-se preferir a borda íntegra da lesão 464 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Tegumentar Americana que, em geral, mostra aspecto tumefeito e hiperêmico. O local a ser biopsiado deve ser limpo com água e sabão; a seguir, infiltra-se lidocaína ou xilocaína a 2%, para anestesiar o local. O material retirado por biópsia deve ser fixado em formol a 10%, em quantidade, aproximadamente, 20 vezes maior que o volume do fragmento. Cultivo – é um método de confirmação etiológica que permite a definição da espécie de Leishmania envolvida. O parasita cresce relativamente bem em meios de cultivo, como o NNN e o LIT entre 24°C e 26°C. Após o quinto dia, já podem ser encontradas formas promastigotas do parasito, devendo-se manter a cultura até um mês. Inoculação em animais de laboratório – o animal de escolha é o hamster (Mesocricetus auratus) e os locais de preferência são as extremidades, principalmente as patas posteriores. O inóculo deve ser obtido a partir de suspensão homogeneizada do material de biópsia em solução salina estéril. As lesões no hamster desenvolvem-se tardiamente (a partir de um mês), sendo este método reservado para pesquisas. 6 2. Diagnóstico imunológico Intradermorreação de Montenegro (IRM) – traduz a resposta de hipersensibilidade celular retardada. A reação de Montenegro é realizada através da inoculação intradérmica de 0,1ml do antígeno padronizado em 40mg N/ml, no antebraço esquerdo, a mais ou menos 2 a 3cm abaixo da dobra do cotovelo, de modo a formar pequena elevação ou pápula. A leitura deve ser feita após 48 a 72 horas. A reação é considerada positiva quando a induração resultante for maior ou igual a 5mm. É um teste de grande valor preditivo devido à sua sensibilidade, sendo positivo em mais de 90% dos casos de LTA. Nas áreas onde predomina a L.(L) amazonensis, a positividade pode ser mais baixa. Pode apresentar-se negativa nos seguintes casos: • nos primeiros 30 dias após o início das lesões, excepcionalmente se prolongando; • nos casos de leishmaniose disseminada, positivando-se no decorrer do tratamento; • na leishmaniose cutâneo-difusa; • na leishmaniose visceral; • em pacientes imunodeprimidos. L A reação de Montenegro geralmente permanece positiva após o tratamento ou cicatrização da lesão cutânea tratada ou curada espontaneamente, negativando nos indivíduos fraco-reatores e nos precocemente tratados. Em áreas endêmicas, deve-se considerar leishmaniose anterior ou exposição ao parasito (infecção) sem doença. Nas lesões mucosas, a resposta cutânea ao teste de Montenegro é mais intensa, podendo ocorrer até ulceração e necrose local. Imunofluorescência indireta (IFI) e teste imunoenzimático (Elisa) – os pacientes com LTA geralmente apresentam títulos de anticorpos baixos. Assim, não há indicação para Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 465 Leishmaniose Tegumentar Americana utilização dos testes que expressam os níveis de anticorpos circulantes na rotina como critério de diagnóstico, pois não representam boa ferramenta para esse fim. As reações sorológicas de imunofluorescência indireta (IFI) e o ensaio imunoenzimático (Elisa) podem ser utilizados em centros de referência, com fins de pesquisa, e são úteis principalmente nos casos com lesões extensas e múltiplas e nas lesões mucosas. Após o tratamento e cura em ambas as formas de doença, os títulos podem cair ou desaparecer em alguns meses. Coleta e conservação de material para diagnóstico laboratorial da leishmaniose tegumentar americana Tipo de diagnóstico Parasitológico Quantidade Período da coleta Recipiente O suficiente para o esfregaço e para colocar no meio de cultura Na presença de úlcera cutânea e/ou mucosa e/ou quadro clínico suspeito (forma mucosa metastásica) Lâmina ponta fosca ou meio de cultura apropriado para transporte Tipo de material Secreção da lesão Armazenamento/ conservação Temperatura ambiente ou - 4ºC Transporte Porta-lâminas ou em material que garanta a integridade da lâmina Gelo seco ou reciclável Nitrogênio líquido IRM Aplicação no antebraço de antígeno de Montenegro 0,1ml intradérmico (tipo tuberculina) Inocular em temperatura ambiente Leitura em 48 e 72 horas Sangue Sorologia Obtenção da amostra: punção venosa Crianças: 2-5ml Adultos: 10ml Na presença de úlcera cutânea e/ou mucosa e/ou quadro clínico suspeito (forma mucosa metastásica) Não se aplica Na presença de úlcera cutânea e/ou mucosa e/ou quadro clínico suspeito (forma mucosa metastásica) Tubo estéril de plástico ou vidro com tampa de rosca com vácuo Não se aplica - 4ºC Não se aplica Gelo seco ou reciclável Nitrogênio líquido Observações • Em situações em que a lesão cutânea e/ou mucosa apresente infecção secundária, a mesma deverá ser tratada antes de se proceder a coleta para exame laboratorial. • Lembrar que o antígeno de Montenegro deverá ser acondicionado em temperatura de 2ºC a 8ºC. • A necessidade de sorologia deve ser analisada criteriosamente, considerando a baixa resposta humoral que a doença provoca. Todo o material deverá ser enviado devidamente identificado e acompanhado de informações clínicas para orientar os técnicos do laboratório quanto aos exames. Lembrar que o perfeito acondicionamento das amostras para remessa é de fundamental importância para o êxito dos procedimentos laboratoriais. 466 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral LEISHMANIOSE VISCERAL CID 10: B55.0 Características clínicas e epidemiológicas Descrição A leishmaniose visceral (LV) foi primariamente uma zoonose, caracterizada como doença de caráter eminentemente rural. Mais recentemente, vem se expandindo para áreas urbanas de médio e grande porte e se tornou crescente problema de saúde pública no país e em outras áreas do continente americano, sendo uma endemia em franca expansão geográfica. É uma doença crônica, sistêmica, caracterizada por febre de longa duração, perda de peso, astenia, adinamia e anemia, dentre outras manifestações. Quando não tratada, pode evoluir para óbito em mais de 90% dos casos. 6 Sinonímia Calazar, esplenomegalia tropical, febre dundun, dentre outras denominações menos conhecidas. Reservatórios Na área urbana, o cão (Canis familiaris) é a principal fonte de infecção. A enzootia canina tem precedido a ocorrência de casos humanos e a infecção em cães tem sido mais prevalente que no homem. No ambiente silvestre os reservatórios são as raposas (Dusicyon vetulus e Cerdocyon thous) e os marsupiais (Didelphis albiventris). L Vetores No Brasil, duas espécies, até o momento, estão relacionadas com a transmissão da doença, Lutzomyia longipalpis e Lutzomyia cruzi. A primeira é considerada a principal espécie transmissora da L. (L.) chagasi mas a L. cruzi também foi incriminada como vetora no estado do Mato Grosso do Sul. São insetos denominados flebotomíneos, conhecidos popularmente como mosquito palha, tatuquiras, birigui, entre outros. Em nosso país, a distribuição geográfica de L. longipalpis é ampla e parece estar em expansão. Esta espécie é encontrada em quatro das cinco regiões geográficas: Nordeste, Norte, Sudeste e Centro-Oeste. A L. longipalpis adapta-se facilmente ao peridomicílio e a variadas temperaturas, podendo ser encontrada no interior dos domicílios e em abrigos de animais domésticos. Há indício de que o período de maior transmissão da leishmaniose visceral ocorra durante e logo após a estação chuvosa, quando há aumento da densidade populacional do inseto. A atividade dos flebotomíneos é crepuscular e noturna. No intra e peridomicílio, a L. longipalpis é encontrada, principalmente, próxima a uma fonte de alimento. Durante o dia, Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 467 Leishmaniose Visceral estes insetos ficam em repouso, em lugares sombreados e úmidos, protegidos do vento e de predadores naturais. Modo de transmissão No Brasil, a forma de transmissão é através da picada dos vetores – L. longipalpis ou L. cruzi – infectados pela Leishmania (L.) chagasi. A transmissão ocorre enquanto houver o parasitismo na pele ou no sangue periférico do hospedeiro. Alguns autores admitem a hipótese da transmissão entre a população canina através da ingestão de carrapatos infectados e, mesmo, através de mordeduras, cópula e ingestão de vísceras contaminadas, porém não existem evidências sobre a importância epidemiológica destes mecanismos de transmissão para humanos ou na manutenção da enzootia. Não ocorre transmissão direta da leishmaniose visceral de pessoa a pessoa. Período de incubação É bastante variável tanto para o homem como para o cão; no homem, é de 10 dias a 24 meses, com média entre 2 a 6 meses; no cão, varia de 3 meses a vários anos, com média de 3 a 7 meses. Susceptibilidade e imunidade Crianças e idosos são mais susceptíveis. Existe resposta humoral detectada através de anticorpos circulantes, que parecem ter pouca importância como defesa. A Leishmania é um parasito intracelular obrigatório de células do sistema fagocitário mononuclear e sua presença determina uma supressão reversível e específica da imunidade mediada por células, o que permite a disseminação e multiplicação incontrolada do parasito. Só uma pequena parcela de indivíduos infectados desenvolve sinais e sintomas da doença. Após a infecção, caso o indíviduo não desenvolva a doença, observa-se que os exames que pesquisam imunidade celular ou humoral permanecem reativos por longo período. Isso requer a presença de antígenos, podendo-se concluir que a Leishmania ou alguns de seus antígenos estão presentes no organismo infectado durante longo tempo, depois da infecção inicial. Esta hipótese apoia-se no fato de que indivíduos que desenvolvem alguma imunossupressão podem apresentar quadro de leishmaniose visceral muito além do período habitual de incubação. Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas A infecção pela L.(L) chagasi caracteriza-se por um amplo espectro clínico, que pode variar desde manifestações clínicas discretas (oligossintomáticas) a moderadas e graves, que se não tratadas podem levar o paciente à morte. 468 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral Infecção As infecções inaparentes ou assintomáticas são aquelas em que não há evidência de manifestações clínicas. O diagnóstico, quando feito, é pela coleta de sangue para exames sorológicos (imunofluorescência indireta/IFI ou enzyme linked immmunosorbent assay/Elisa) ou através da intradermorreação de Montenegro reativa. Os títulos de anticorpos em geral são baixos e podem permanecer positivos por longo período. Vale a pena lembrar que os pacientes que apresentam cura clínica ou aqueles com leishmaniose tegumentar (formas cutânea e mucosa) podem apresentar reatividade nos exames sorológicos e na intradermorreação de Montenegro. É importante destacar que os pacientes com infecção inaparente não são notificados e não devem ser tratados. Leishmaniose visceral A suspeita clínica da leishmaniose visceral deve ser levantada quando o paciente apresentar febre e esplenomegalia associada ou não à hepatomegalia. Para facilitar sua compreensão e considerando a evolução clínica da doença, optou-se em dividi-la em períodos: período inicial, período de estado e período final. Período inicial – esta fase da doença, também chamada de “aguda” por alguns autores, caracteriza o início da sintomatologia que pode variar de paciente para paciente, mas na maioria dos casos inclui febre com duração inferior a quatro semanas, palidez cutâneo-mucosa e hepatoesplenomegalia. Em área endêmica, uma pequena proporção de indivíduos, geralmente crianças, pode apresentar quadro clínico discreto, de curta duração, aproximadamente 15 dias, que freqüentemente evolui para cura espontânea (forma oligossintomática). A combinação de manifestações clínicas e alterações laboratoriais que melhor parece caracterizar a forma oligossintomática é: febre, hepatomegalia, hiperglobulinemia e velocidade de hemossedimentação alta. Período de estado – caracteriza-se por febre irregular, geralmente associada a emagrecimento progressivo, palidez cutâneo-mucosa e aumento da hepatoesplenomegalia. Apresenta, no mais das vezes, um quadro clínico arrastado, geralmente com mais de dois meses de evolução, na maioria das vezes associado a comprometimento do estado geral. Período final – caso não seja feito o diagnóstico e tratamento, a doença evolui progressivamente para o período final, com febre contínua e comprometimento mais intenso do estado geral. Instala-se a desnutrição (cabelos quebradiços, cílios alongados e pele seca) e edema dos membros inferiores, que pode evoluir para anasarca. Outras manifestações importantes incluem hemorragias (epistaxe, gengivorragia e petéquias), icterícia e ascite. Nestes pacientes, o óbito geralmente é determinado por infecções bacterianas e/ou sangramentos. 6 L Complicações no curso evolutivo da doença As complicações mais freqüentes da leishmaniose visceral são de natureza infecciosa bacteriana. Dentre elas, destacam-se: otite média aguda, piodermites, infecções dos tratos urinário e respiratório. Caso estas infecções não sejam tratadas com antimicrobianos, o paciente poderá desenvolver um quadro séptico com evolução fatal. As hemorragias são geralmente secundárias à plaquetopenia, sendo a epistaxe e a gengivorragia as mais comu- Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 469 Leishmaniose Visceral mente encontradas. A hemorragia digestiva e a icterícia, quando presentes, indicam gravidade do caso. Por ser uma doença de notificação compulsória e com características clínicas de evolução grave, o diagnóstico deve ser feito de forma precisa e o mais precocemente possível. As rotinas de diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes necessitam ser implantadas e/ou implementadas obrigatoriamente em todas as áreas com transmissão ou em risco de transmissão. Os níveis de complexidade de atendimento dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) contemplam os três níveis de atendimento ao paciente: atendimento primário (postos de saúde), secundário (centros de saúde) e terciário (hospitais gerais e/ou de referência). O diagnóstico e tratamento dos pacientes deve ser realizado precocemente e sempre que possível a confirmação parasitológica da doença deve preceder o tratamento. Em situações onde o diagnóstico sorológico e/ou parasitológico não estiver disponível ou na demora da liberação dos mesmos, o início do tratamento não deve ser postergado. Diagnóstico diferencial Muitas entidades clínicas podem ser confundidas com a leishmaniose visceral, destacando-se, entre elas, a enterobacteriose de curso prolongado (associação de esquistossomose com salmonela ou outra enterobactéria), cujas manifestações clínicas se superpõem perfeitamente ao quadro da leishmaniose visceral. Em muitas situações, esse diagnóstico diferencial só pode ser concluído por provas laboratoriais, já que as áreas endêmicas se superpõem em grandes faixas do território brasileiro. Somam-se a essa entidade outras patologias (malária, brucelose, febre tifóide, esquistossomose hepatoesplênica, forma aguda da doença de Chagas, linfoma, mieloma múltiplo, anemia falciforme, etc.). Diagnóstico laboratorial O diagnóstico laboratorial, na rede básica de saúde, baseia-se principalmente em exames imunológicos e parasitológicos: Diagnóstico imunológico – pesquisa de anticorpos contra leishmania Imunofluorescência indireta (Rifi) – o resultado da imunofluorescência indireta é normalmente expresso em diluições. Considera-se como positivas as amostras reagentes a partir da diluição de 1:80. Nos títulos iguais a 1:40, com clínica sugestiva de leishmaniose visceral, recomenda-se a solicitação de nova amostra em 30 dias. Ensaio imunoenzimático (Elisa) – o resultado desse teste é expresso em unidades de absorvância a um raio de luz, em uma reação com diluições fixas ou mais comumente, apenas como reagente ou não. IDRM – a intradermorreação de Montenegro, ou teste de leishmanina, ao contrário do que ocorre na leishmaniose tegumentar, é geralmente negativo durante o período de estado da doença, não sendo assim, utilizado para o diagnóstico. Na maioria dos pacientes, torna-se positivo após a cura clínica em um período de seis meses a três anos após o término do tratamento. 470 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral É importante observar que títulos variáveis dos exames sorológicos podem persistir positivos por longo período, mesmo após o tratamento. Assim, o resultado de um teste positivo, na ausência de manifestações clínicas, não autoriza a instituição de terapêutica. Diagnóstico parasitológico É o diagnóstico de certeza feito pelo encontro de formas amastigotas do parasito em material biológico obtido preferencialmente da medula óssea, por ser um procedimento mais seguro, do linfonodo ou do baço; no caso deste último, deve ser realizado em ambiente hospitalar e em condições cirúrgicas. A punção aspirativa esplênica é o método que oferece maior sensibilidade (90%-95%) para demonstração do parasito (porém apresenta restrições quanto ao procedimento), seguida pelo aspirado de medula óssea, biópsia hepática e aspiração de linfonodos. O material aspirado deverá ser examinado segundo a seguinte seqüência: Exame direto – formas amastigotas do parasito podem ser visualizadas pelas colorações de Giemsa ou Wright, Leishman, Panóptico. O encontro de parasitos no material examinado depende do número de campos observados (200 campos devem ser examinados antes de se considerar uma lâmina como negativa). Isolamento em meio de cultura (in vitro) – formas amastigotas do parasito, inoculadas em meios de cultura especiais contendo ágar e sangue de coelho, transformam-se em formas promastigotas. O clássico meio de NNN é o mais comumente empregado. A utilização de meio líquido sobre o NNN, como o meio LIT ou de Schneider, aumenta e acelera a positividade da cultura. As culturas devem ser mantidas entre 24ºC-26ºC e observadas em microscopia óptica comum ou invertida, semanalmente, até 4 semanas. Os tubos positivos devem ser encaminhados para laboratórios de referência, para identificação da espécie. Isolamento em animais susceptíveis (in vivo) – a inoculação experimental em hamsters (Mesocricetus spp), de amostras de tecidos de pacientes com suspeita de leishmaniose visceral, não tem valor prático no diagnóstico da doença devido ao seu tempo de positividade (1 a 3 meses). Novos métodos de diagnóstico – o método do PCR (amplificação do DNA do parasito) constitui uma nova perspectiva para o diagnóstico da leishmaniose visceral, pois apresenta 94% de sensibilidade. Entretanto, seus resultados dependem de algumas variáveis envolvidas, entre elas: área endêmica, tipo de amostra, alvo do DNA utilizado para amplificação, método de extração do DNA, etc. 6 L Tratamento Primeira escolha A droga de primeira escolha é o antimonial pentavalente. Visando padronizar o esquema terapêutico, a Organização Mundial da Saúde recomenda que a dose deste antimonial Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 471 Leishmaniose Visceral seja calculada em mg/Sb+5/kg/dia (Sb+5 significando antimônio pentavalente). Há dois tipos de antimoniais pentavalentes que podem ser utilizados, o antimoniato N-metilglucamina e o stibogluconato de sódio, porém este último não é comercializado no Brasil. O antimoniato de N-metil glucamina apresenta-se comercialmente em frascos de 5ml que contêm 1,5g do antimoniato bruto, correspondente a 405mg de Sb+5. Portanto, uma ampola com 5ml tem 405mg de Sb+5, e cada ml contém 81mg de Sb+5. A dose recomendada para o tratamento é de 20mg/kg/dia de Sb+5 durante 20 dias, podendo chegar a 30 dias e, no máximo, 40 dias, utilizando o limite máximo de 3 ampolas/dia. Modo de aplicação – as aplicações devem ser feitas por via parenteral, intramuscular ou endovenosa, com repouso após a aplicação. A via intramuscular apresenta o inconveniente da dor local. Sugere-se, então, alternância dos locais de aplicação, preferindo-se a região glútea. Por via endovenosa, não há necessidade de diluição e a aplicação, com agulha fina (calibre 25x8) ou “scalp” deve ser lenta (duração de 5 minutos). Esta é a melhor via, pois permite a aplicação de doses mais adequadas e não tem o inconveniente da dor local. Contra-indicação – não deve ser administrado em gestantes, cujo tratamento consiste em cuidados locais, observação clínica e sorológica, se possível. Nas formas graves, cutâneas ou mucosas, discutir a possibilidade de tratamento a partir do sexto mês, com doses mais baixas de antimônio e controle laboratorial. Nos casos em que exista associação com outras doenças, tais como tuberculose, malária, esquistossomose, deve ser efetuado o tratamento destas patologias primeiramente ou utilizar a droga de segunda escolha. Há restrições para o tratamento de pacientes com idade acima dos 50 anos, portadores de cardiopatias, nefropatias, hepatopatias e doença de Chagas. Quando for necessária a administração nos pacientes portadores de uma dessas doenças, deverá ser feita rigorosa avaliação clínica antes do tratamento e reavaliações clínicas periódicas, com acompanhamento eletrocardiográfico, duas vezes por semana, e exame bioquímico do sangue para avaliação das funções renal (dosagem de uréia e creatinina) e hepática (dosagem das transaminases, bilirrubinas e fosfatase alcalina) e leucograma. Todos esses exames deverão ser realizados semanalmente, para orientação da conduta quanto à redução da dose ou utilização de outra alternativa terapêutica. Efeitos colaterais – podem ocorrer um ou mais efeitos colaterais, na seguinte ordem de freqüência: artralgia, mialgia, inapetência, náuseas, vômitos, plenitude gástrica, epigastralgia, pirose, dor abdominal, prurido, febre, fraqueza, cefaléia, tontura, palpitação, insônia, nervosismo, choque pirogênico, edema e insuficiência renal aguda (IRA). Essas queixas são, geralmente, discretas ou moderadas e raramente exigem a suspensão do tratamento. Porém, nas doses de 20mg/Sb+5/kg/dia, o antimonial pode atingir o limiar de toxicidade, podendo levar a alterações cardíacas ou renais que obriguem a suspensão do tratamento. Por isso, deve-se proceder ao acompanhamento eletrocardiográfico prévio e semanal e avaliação da função renal, especialmente em pacientes acima de 50 anos. É aconselhável que a medicação seja administrada por equipe especializada pois há possibilidade de realizar procedimentos de urgência. Os corticóides por via sistêmica podem ser utilizados nos quadros de hipersensibilidade. 472 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral Recomendações – é recomendável a abstinência de bebidas alcoólicas durante o período de tratamento, devido às alterações hepáticas. Também é recomendável o repouso físico durante o tratamento. Tratamento para crianças – emprega-se o mesmo esquema terapêutico utilizado para o tratamento de pacientes adultos. Todas as reações adversas graves ou potencialmente graves abaixo descritas devem ser notificadas às autoridades sanitárias: • arritmias cardíacas e/ou outras manifestações de cardiotoxicidade; • insuficiência renal aguda ou elevação dos níveis séricos de uréia e creatinina e/ou outras manifestações de nefrotoxicidade; • icterícia e/ou elevação de enzimas hepáticas e/ou outras manifestações de hepatotoxicidade; • pancreatite aguda e/ou hiperamilasemia; • outras não citadas acima e que não tenham sido descritas anteriormente. 6 Não há nenhum impedimento de que se notifiquem casos que não se encaixem na classificação acima, apenas não é imperativo que tais notificações sejam feitas. Na dúvida, notifique. Critérios de cura – os critérios de cura são essencialmente clínicos. O desaparecimento da febre é precoce e acontece por volta do 5º dia de medicação; a redução da hepatoesplenomegalia ocorre nas primeiras semanas. Ao final do tratamento o baço geralmente apresenta redução de 40% ou mais em relação à medida inicial. A melhora dos parâmetros hematológicos (hemoglobina e leucócitos) surgem a partir da segunda semana. As alterações vistas na eletroforese de proteínas se normalizam lentamente, podendo levar meses. O ganho ponderal do paciente é visível, com retorno do apetite e melhora do estado geral. Nesta situação, o controle através de exame parasitológico ao término do tratamento é dispensável. O seguimento do paciente tratado deve ser feito aos 3, 6 e 12 meses após o tratamento e na última avaliação, se permanecer estável, é considerado curado. O aparecimento de eosinofilia ao final do tratamento ou ao longo dos seguimentos é sinal de bom prognóstico. As provas sorológicas não são indicadas para seguimento do paciente. L Conceitos adotados pelo Programa de Controle da Leishmaniose Visceral Tratamento regular – caso que utilizou 20 doses de 20mg/Sb+5 /kg/dia de antimonial pentavalente em, no máximo, 30 dias, não ocorrendo intervalos superiores a 72 horas entre as doses. Tratamento irregular – caso que ultrapassou o tempo previsto para o tratamento regular ou que tenha ocorrido intervalos superiores a 72 horas entre as doses. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 473 Leishmaniose Visceral Falha terapêutica – caso em que não ocorreu cura clínica após a segunda série regular de tratamento com antimonial pentavalente. Abandono de tratamento – caso que não completou 20 doses de tratamento com antimonial pentavalente no tempo preestabelecido, ou pacientes que não tendo recebido alta não compareceram até 30 dias após o agendamento, para avaliação clínica. Recidiva – recrudescimento da sintomatologia, em até 12 meses após cura clínica. É considerado caso novo o reaparecimento de sintomatologia após 12 meses de cura clínica, desde que não haja evidência de imunodeficiência. Condutas diante do abandono de tratamento Quando houver a interrupção no tratamento, deve ser considerado o número de doses, o estado clínico atual e o tempo decorrido da última dose. Caso o paciente retorne antes de sete dias de interrupção da droga, completar 20 doses; após sete dias, considerar o que se segue: Retorno após 7 dias Número de doses Clinicamente curado Clinicamente doente Menos de 10 Reiniciar tratamento Reiniciar tratamento 10 ou mais Observar Reiniciar tratamento Segunda escolha Estão incluídos nesta categoria o desoxicolato sódico de anfotericina B e suas formulações lipossomais (anfotericina-B-lipossomal e anfotericina-B-dispersão coloidal) , as pentamidinas (sulfato e mesilato) e os imunomoduladores (interferon gama e GM-CSF). Com exceção das duas primeiras drogas, as demais encontram-se ainda em fase de investigação. O desoxicolato sódico de anfotericina B está disponível na rede e só deve ser administrado em hospitais de referência. Anfotericina B É a droga leishmanicida mais potente disponível comercialmente, atuando nas formas promastigotas e amastigotas do parasito, tanto in vitro quanto in vivo. Seu mecanismo de ação se dá através da ligação preferencial com esteres (ergosterol ou episterol) presentes na membrana plasmática da Leishmania. Tem sido demonstrado que doses menores do medicamento podem ser utilizadas sem prejuízo da eficácia e com conseqüente diminuição de toxicidade. No Brasil, a dose de 1mg/kg/dia durante 14 dias consecutivos (dose total de 14mg/kg) foi utilizada em 80 pacientes, com idades variando de 6 meses a 19 anos, com índices de cura de 97%. Nos casos de resposta insatisfatória aos antimoniais, a anfotericina B deve ser utilizada na dose total de 15 a 25mg/kg de peso administrada em dias alternados. Doses acima das recomendadas podem ser usadas em casos especiais (máximo de 3g de dose total). Em decorrência de sua baixa solubilidade, a anfotericina B mesma deve ser reconstituída em 10ml de água destilada no momento do uso, podendo ser mantida em refrigeração (2ºC a 8ºC) por um período de até 7 dias. No momento da administração, a solução deverá 474 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral ser diluída em soro glicosado a 5% na proporção de 1mg para 10ml. Devido ao risco de precipitação, a anfotericina B não deve ser misturada a outros medicamentos ou soluções que contenham eletrólitos. Deve ser sempre administrada por via endovenosa, em infusão lenta (4-6 horas), com limite máximo de 50mg/dose/dia. Efeitos colaterais – são inúmeros e freqüentes, todos dose-dependentes, sendo altamente tóxica para as células do endotélio vascular, causando flebite, considerada um paraefeito comum. Durante a infusão poderá ocorrer cefaléia, febre, calafrios, astenia, dores musculares e articulares, vômitos e hipotensão. A infusão rápida (menos de 1 hora) é responsável pela instalação de hiperpotassemia, determinando alterações cardiovasculares, às vezes com parada cardíaca caso a infusão seja muito rápida. Ao longo do tratamento poderão surgir sobrecarga hídrica e hipopotassemia. Alterações pulmonares, como desconforto respiratório, dispnéia e cianose também são descritas. Em caso de efeitos colaterais com o uso da anfotericina B o paciente pode ser medicado com uma dessas drogas (por exemplo, o diclofenaco, que deve ser administrado 2 horas antes do início da infusão). As complicações renais com o uso da anfotericina B são as mais importantes - graus variados de comprometimento renal ocorrem em praticamente todos os pacientes ao longo do tratamento. As alterações renais são totalmente reversíveis quando a droga é usada nas doses recomendadas. Novas formulações – atualmente, outras formulações tornaram-se disponíveis comercialmente: anfotericina-B-lipossomal e anfotericina-B-dispersão coloidal. A experiência acumulada com o uso da anfotericina-B-lipossomal no tratamento do calazar é maior do que aquela com a dispersão coloidal, que parece ser mais tóxica que a anterior. A anfotericina B lipossomal é uma outra droga disponível, porém de custo elevado o que impossibilita o seu uso na rotina do serviço. Está sendo indicada aos pacientes graves de leishmaniose visceral, principalmente os que desenvolveram insuficiência renal ou toxicidade cardíaca durante o uso do antimoniato de N-metil-glucamina e de outras drogas de escolha não obtendo melhora ou cura clínica. Para o tratamento de leishmaniose visceral, a dose recomendada é de 3,0mg/kg/dia, durante 7 dias. 6 L Situações específicas que devem ser observadas Leishmaniose visceral em gestantes No Brasil, a ocorrência de leishmaniose visceral durante a gravidez é considerada rara. O tratamento em pacientes no período gestacional teria dupla indicação: tratar a gestante e prevenir uma possível transmissão transplacentária. Devem ser feitas considerações importantes em relação às drogas disponíveis na atualidade e às possibilidades de efeitos teratogênicos e toxicidade para o concepto. Os antimoniais pentavalentes atravessam a barreira placentária e podem impregnar tecidos nervosos no feto, levando a síndromes severas de retardo mental. Portanto, está contra-indicada a utilização do antimonial pentavalente durante os dois primeiros trimestres da gravidez. Não há contra-indicação de seu uso durante a amamentação. A anfotericina B é a droga de escolha para o tratamento da leishmaniose visceral em pacientes grávidas. Recomenda-se a dose de 1mg/kg/dia, durante 14 dias consecutivos. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 475 Leishmaniose Visceral Leishmaniose visceral e HIV/Aids A tríade clássica da leishmaniose visceral é também a manifestação mais comum na co-infecção Leishmania/HIV: hepatoesplenomegalia, anemia, leucopenia (média de 2.300/ ml), plaquetopenia, febre, adenopatia, astenia, emagrecimento. Certamente, como conseqüência do maior número de casos de co-infecção ocorrer em pacientes com menos de 200 células CD4+/ml, outras infecções oportunistas são freqüentemente associadas. As mais relatadas são candidíase esofagiana, pneumonia por Pneumocystis carini; infecção por Mycobacterium tuberculosis, toxoplasmose do sistema nervoso central e criptococose do sistema nervoso central. A leishmaniose visceral deve ser incluída no diagnóstico diferencial com doenças oportunistas como tuberculose disseminada, linfomas, salmoneloses, citomegalovírus, Toxoplasma gondii, Pneumocystis carinii, histoplasmose e coccidiodomicose, entre outras. Diagnóstico da co-infecção Leishmania/HIV Os testes convencionais de diagnóstico sorológico da leishmaniose visceral que oferecem sensibilidade em torno de 90% a 100% em pacientes imunocompetentes apresentam sensibilidade de 50% a 60% em pacientes com HIV. Quando técnicas sorológicas foram associadas, 20% dos pacientes co-infectados apresentaram resultados negativos em todas as técnicas utilizadas (imunofluorescência indireta, Elisa, Western Blot e contra-imunoeletroforese). Devido ao grande número de parasitos em macrófagos circulantes observados nos pacientes co-infectados, os métodos para sua detecção têm se mostrado os mais sensíveis. A punção de medula óssea é considerado o procedimento mais simples e menos arriscado. Aspectos terapêuticos e evolução O critério de escolha das drogas utilizadas para a terapêutica das leishmanioses em pacientes portadores de HIV não difere do preconizado para os pacientes imunocompetentes. Considerando que os pacientes com leishmaniose visceral co-infectados com o HIV são indivíduos que podem apresentar outras doenças oportunistas que os debilitam, a sua vulnerabilidade às reações adversas ao tratamento pode ser maior, pelo que se recomenda extremo cuidado no monitoramento adequado da toxicidade medicamentosa. Um dos aspectos mais marcantes na evolução da leishmaniose na presença de infecção por HIV é a tendência a recidivas. Sessenta por cento dos pacientes tratados apresentam recidiva após seis a nove meses e 90%, após 12 meses. Leishmaniose visceral e outras doenças tropicais Com a expansão da leishmaniose visceral no Brasil, observa-se o aumento da freqüência de sua associação com outras doenças tropicais. Nas regiões Nordeste, Sudeste e Norte, poderá haver associação com quadros de esquistossomose mansônica. Recomenda-se o tratamento inicial da esquistossomose com oxanminiquine ou praziquentel, nas doses habituais. A seguir, procede-se o tratamento da leishmaniose visceral com a utilização de antimonial pentavalente nas doses recomendadas anteriormente. Porém, em pacientes com a forma grave da esquistossomose mansônica, onde há hipertensão porta e volumosa he- 476 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral patoesplenomegalia, a dose do antimonial deverá ser reduzida à metade, ou seja, 10mg/ Sb+5/kg/dia, por via intramuscular ou intravenosa, durante 30 a 40 dias consecutivos. Na região Norte, esta associação poderá ocorrer com a malária (causada pelo Plasmodium vivax ou P. falciparum). Nestas circunstâncias, procede-se da mesma maneira, iniciando-se o tratamento com os antimaláricos em suas doses habituais e, posteriormente, o antimonial pentavalente, também nas doses habituais. Nos casos de associação da leishmaniose visceral com tuberculose e leishmaniose visceral com hanseníase, os pacientes deverão ser referenciados para o serviço de atendimento terciário, para melhor seguimento. Quadro 1. Condições em que deve ser oferecida a sorologia para o HIV em portadores de leishmaniose visceral Qualquer forma clínica sem exposição recente (durante o último ano) a uma área de transmissão de leishmaniose visceral 6 Uso de drogas intravenosas Forma clássica associada a ausência de anticorpos antiLeishmania Achado de formas amastigotas no sangue periférico Envolvimento de órgãos raramente acometidos na leishmaniose visceral1 Falha terapêutica2 ou recidiva3 após o uso de antimonial pentavalente Desenvolvimento de infecções sugestivas de imunodeficiência após o uso de antimonial pentavalente4 Isolamento de espécies de leishmanias dermotrópicas ou leishmanias não descritas como causadoras de acometimento visceral 1- Acometimento de trato respiratório, esôfago, estômago, duodeno, pele, etc.; 2- Ausência de cura clínica após duas tentativas de tratamento com antimoniato de meglumina (20mg de SbV/kg/dia por 30 dias); 3- Recrudescimento da sintomatologia, em até 12 meses após cura clínica; 4 - Herpes zoster, tuberculose miliar, etc. L Quadro 2. Condições em que portadores de HIV/Aids devem ser investigados para leishmaniose visceral Febre associada à hepatomegalia, esplenomegalia ou citopenias em pacientes expostos à área de transmissão em qualquer período Usuários de drogas intravenosas em qualquer período Aspectos epidemiológicos No Brasil, a leishmaniose visceral é uma doença endêmica com registro de surtos freqüentes. Inicialmente, sua ocorrência estava limitada a áreas rurais e a pequenas localidades urbanas mas atualmente encontra-se em franca expansão para grandes centros. A leishmaniose visceral está distribuída em 19 estados da Federação, atingindo quatro das cinco regiões brasileiras. Nos últimos dez anos, a média anual de casos de leishmaniose visceral foi de 3.383 casos; e a incidência, de 2,00 casos por 100 mil hab. (Figura 1). Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 477 Leishmaniose Visceral Figura 1. Número de casos de leishmaniose visceral. Brasil, 1984-2003* 5.000 4.500 4.000 3.500 3.000 2.500 2.000 1.500 1.000 500 0 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Casos Fonte: Covev/Devep/CGDT/SVS-MS *Dados sujeitos a revisão A doença é mais freqüente em menores de 10 anos (54,4%), sendo 41% dos casos registrados em menores de 5 anos. O sexo masculino é proporcionalmente o mais afetado (60%). A razão da maior susceptibilidade em crianças é explicada pelo estado de relativa imaturidade imunológica celular agravado pela desnutrição, tão comum nas áreas endêmicas, além de maior exposição ao vetor no peridomicílio. Por outro lado, o envolvimento do adulto tem repercussão significativa na epidemiologia da leishmaniose visceral, pelas formas frustras (oligossintomáticas) ou assintomáticas, além das formas com expressão clínica. No Brasil, em função de sua ampla distribuição geográfica, a leishmaniose visceral apresenta aspectos geográficos, climáticos e sociais diferenciados envolvendo as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Na década de 90, aproximadamente 90% dos casos notificados ocorreram na região Nordeste. À medida que a doença se expande para as outras regiões e atinge áreas urbanas e periurbanas, esta situação vem se modificando: em 2003, a região Nordeste apresenta 65% dos casos do país. Os dados epidemiológicos dos últimos dez anos revelam a periurbanização e a urbanização da leishmaniose visceral, destacando-se os surtos ocorridos no Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Araçatuba (SP), Santarém (PA), Corumbá (MS), Teresina (PI), Natal (RN), São Luís (MA), Fortaleza (CE), Camaçari (BA) e, mais recentemente, as epidemias ocorridas nos municípios de Três Lagoas (MS), Campo Grande (MS) e Palmas (TO). As áreas de transmissão da doença no Brasil estão representadas na Figura 2. 478 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral Figura 2. Distribuição de casos autóctones de leishmaniose visceral, por período. Brasil, 1984-2001 1984-2001 1996-2001 1 ponto = 1 caso 1992-1995 6 Fonte: Covev/Devep/CGDT/SVS-MS Vigilância epidemiológica L Objetivos A vigilância epidemiológica da leishmaniose visceral é um dos componentes do Programa de Controle da Leishmaniose Visceral (PCLV), cujos objetivos são reduzir as taxas de letalidade e grau de morbidade através do diagnóstico e tratamento precoce dos casos, bem como diminuir os riscos de transmissão mediante controle da população de reservatórios e do agente transmissor. A vigilância da leishmaniose visceral compreende a vigilância entomológica de casos humanos e caninos. A análise da situação epidemiológica indicará as ações de prevenção e controle a serem adotadas. Dentre os objetivos da vigilância, destacam-se: • identificar as áreas vulneráveis e/ou receptivas para transmissão da leishmaniose visceral; • avaliar a autoctonia referente ao município de residência; • investigar o local provável de infecção-LPI; • conhecer a presença, a distribuição e monitorar a dispersão do vetor; • dar condições para que os profissionais da rede de saúde possam diagnosticar e tratar precocemente os casos; Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 479 Leishmaniose Visceral • dar condições para realização do diagnóstico e adoção de medidas preventivas, de controle e destino adequado do reservatório canino; • investigar todos os supostos óbitos de leishmaniose visceral; • monitorar a tendência da endemia, considerando a distribuição no tempo e no espaço; • indicar as ações de prevenção de acordo com a situação epidemiológica; • desencadear e avaliar o impacto das ações de controle; • monitorar os eventos adversos aos medicamentos. Critérios para classificação de áreas para a vigilância e controle da leishmaniose visceral A metodologia proposta pelo PCLV para a definição de recomendações de vigilância e controle da leishmaniose visceral partiu da classificação das áreas com transmissão e das áreas sem transmissão de leishmaniose visceral no Brasil. O novo enfoque é incorporar os estados e municípios silenciosos, ou seja, sem ocorrência de casos humanos ou caninos da doença, nas ações de vigilância e controle da mesma, visando, assim, evitar ou minimizar os problemas referentes a este agravo em novas áreas. Através da análise epidemiológica realizada em cada estado ou município, os profissionais de saúde poderão identificar e classificar as diferentes áreas aqui apresentadas e a partir delas adotar as recomendações propostas para a vigilância, monitoramento e controle da leishmaniose visceral. Para as áreas de transmissão foi utilizado um indicador (média de caso nos últimos 5 anos), tendo como base os dados de leishmaniose visceral enviados pelas secretarias estaduais de saúde referentes ao período de 1998 a 2002. Os pontos de cortes para estratificação das áreas foram: média de 2,4 casos de leishmaniose visceral em 5 anos e média de 4,4 casos de leishmaniose visceral em 5 anos. Os municípios foram divididos em três classes de transmissão de leishmaniose visceral: municípios com média de casos menor que 2,4 estão classificados como de transmissão esporádica; municípios com média de casos > 2,4 e < 4,4 estão classificados como de transmissão moderada; e municípios com média de casos > 4,4 estão classificados como de transmissão intensa. Os municípios com transmissão de leishmaniose visceral terão uma das classificações acima referidas, porém os municípios de médio e grande porte, utilizando o mesmo indicador acima referido, poderão estratificar subáreas ou setores dentro do próprio município, permitindo, assim, trabalhar as ações de vigilância e controle específicas para cada situação. Destacamos que anualmente deverá ser feita uma análise para a reclassificação dos municípios, lembrando que para a análise do número médio de casos deverão ser considerados os últimos 5 anos. É importante evidenciar que as medidas de controle são distintas para cada situação epidemiológica e adequadas a cada área a ser trabalhada, conforme detalhamento no Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral, 2003. 480 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral Conceitos básicos para definição das áreas de transmissão de leishmaniose visceral Áreas de transmissão – setor, conjunto de setores ou município onde esteja ocorrendo a transmissão de leishmaniose visceral. Entende-se por setor a estratificação realizada quando implementado o Programa de Controle de Aedes aegypti – PEAa. Área sem casos ou silenciosas – municípios sem registro de casos autóctones de leishmaniose visceral humana ou canina. Área com casos – municípios com registro de pelo menos um caso autóctone de leishmaniose visceral humana. Áreas em processo de investigação Os municípios com casos suspeitos humanos ou caninos deverão aguardar a conclusão da investigação para serem classificados em uma das definições acima. Nesta situação, será classificado como “área em investigação”. 6 Áreas vulneráveis – municípios sem casos autóctones de leishmaniose visceral humana mas que atendem um ou mais dos seguintes critérios estabelecidos: são contíguos àqueles com casos de leishmaniose visceral; possuem fluxo migratório intenso ou fazem parte do mesmo eixo rodoviário dos municípios com casos de leishmaniose visceral. Áreas não-vulneráveis – municípios que não atendem nenhum dos critérios para as áreas vulneráveis. Áreas receptivas – municípios classificados como vulneráveis, nos quais após a realização do inquérito entomológico foi verificada a presença do L. longipalpis ou L. cruzi. Áreas não-receptivas – municípios classificados como vulneráveis, nos quais após a realização do inquérito entomológico foi verificada a ausência do L. longipalpis ou L. cruzi. Áreas com registro do primeiro caso autóctone de leishmaniose visceral – municípios que registraram pela primeira vez a autoctonia da doença em humanos. Áreas com transmissão esporádica – municípios cuja média de casos de leishmaniose visceral nos últimos 5 anos é inferior ao Percentil 90, ou seja, <2,4. Áreas com transmissão moderada – municípios cuja média de casos de leishmaniose visceral nos últimos 5 anos constitui o Percentil 90, ou seja, > 2,4 e < 4,4. Áreas com transmissão intensa – municípios cuja média de casos de leishmaniose visceral nos últimos 5 anos está acima do Percentil 90, ou seja, > 4,4. Áreas em situação de surto – municípios com transmissão, independente de sua classificação, que apresentem um número de casos superior ao esperado ou municípios com transmissão recente que apresentem dois ou mais casos. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS L 481 Leishmaniose Visceral Classificação de áreas para vigilância e controle da leishmaniose visceral Classificação de áreas de leishmaniose visceral Áreas com casos de LV Área com registro do primeiro caso confirmado de leishmaniose visceral humana Área silenciosa ou sem casos de LV Vulnerável Áreas com transmissão esporádica Áreas com transmissão moderada e intensa Áreas com surto Área receptiva Não vulnerável Área não receptiva Vigilância entomológica No PCLV, o objetivo das investigações entomológicas é levantar as informações de caráter quantitativo e qualitativo sobre os flebotomíneos transmissores da leishmaniose visceral. Várias são as metodologias que podem ser empregadas do ponto de vista operacional, tais como: a coleta manual com tubo de sucção tipo Castro, a coleta manual com capturador motorizado, a coleta com armadilha adesiva, a coleta com armadilhas luminosas (modelo CDC ou similar) e as armadilhas com animais ou com feromônios, que nada mais são que uma otimização das metodologias anteriores. Algumas considerações sobre as técnicas para coleta de flebotomíneos estão descritas no Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral. Caberá as secretarias estaduais de saúde, por meio do núcleo de entomologia ou setor afim, a responsabilidade pela capacitação de recursos humanos, assessoria técnica para definição de estratégias, definição das áreas a serem trabalhadas, acompanhamento e/ou execução das ações de investigação entomológica e avaliação do controle químico, entre outras. As secretarias municipais de saúde deverão colaborar com a secretaria estadual de saúde ou realizar integralmente as ações de vigilância entomológica, desde que tenham um serviço de entomologia organizado, buscando um trabalho integrado com o estado, a fim de otimizar os recursos e a efetividade das ações de controle do vetor. Levantamento entomológico O levantamento entomológico tem como objetivos: • verificar a presença de L. longipalpis e/ou L. cruzi em municípios sem casos humanos de leishmaniose visceral ou municípios silenciosos. • verificar a presença de L. longipalpis e/ou L. cruzi em municípios com transmissão esporádica, moderada ou intensa e nos quais não tenham sido realizadas investigações anteriores. 482 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral • conhecer a dispersão do vetor no município, a fim de apontar nos municípios sem casos autóctones de leishmaniose visceral as áreas receptivas para realização do inquérito amostral canino e, nos municípios com transmissão da leishmaniose visceral, orientar as ações de controle do vetor. Metodologia Utiliza-se armadilha de isca luminosa. A unidade de pesquisa para a zona rural será a localidade e para a zona urbana, os setores de zoneamento para o controle do Aedes aegypti. A coleta de flebótomos deverá ser realizada em todos os setores/localidade do município, utilizando-se de duas até dez armadilhas em cada setor/localidade. Cada armadilha deverá ser instalada no peridomicílio, preferencialmente em abrigos de animais. As armadilhas deverão ser expostas uma hora após o crepúsculo até o período matutino seguinte (de preferência, retirar antes das 7h), durante três noites consecutivas. Os domicílios selecionados deverão ser, preferencialmente, aqueles sugestivos para a presença do vetor, tais como residências com peridomicílio que possua presença de plantas (árvores, arbustos), acúmulo de matéria orgânica e presença de animais domésticos (cães, galinhas, porcos, cavalos, cabritos, aves em geral, entre outros). As condições socioeconômicas e o tipo de moradia são critérios que podem ser levados em consideração para a seleção da unidade domiciliar. 6 Padronizou-se que a armadilha adesiva é um conjunto de cinco folhas confeccionadas com folhas de papel sulfite, tamanho ofício II ou A4, impregnadas com óleo de rícino. L Investigação entomológica A investigação entomológica terá como objetivos: • verificar a presença de L. longipalpis e/ou L. cruzi em municípios com a ocorrência de primeiro caso de leishmaniose visceral ou em situações de surto. • confirmar a área como de transmissão autóctone. Metodologia Utilizam-se a coleta manual e a armadilha adesiva. A coleta manual deverá ser realizada com o auxílio de um tubo de sucção (tipo aspirador de Castro) ou aspiradores elétricos (6 volts) e uma fonte de luz (lanterna). Deverão ser pesquisadas as paredes do intradomicílio, especialmente dos dormitórios. No peridomicílio, deverão ser pesquisados, principalmente, os anexos e os abrigos de animais. As coletas deverão ser realizadas, no mínimo, em três noites consecutivas em cada domicílio. O período mínimo de pesquisa será estabelecido em 30 minutos/domicílio (15 minutos para a coleta no intradomicílio e 15 minutos para o peridomicílio), tempo que poderá ser aumentado em função do tipo de habitação. A coleta manual deverá ser iniciada uma hora após o crepúsculo e prosseguir, se possível, até as 22h. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 483 Leishmaniose Visceral As armadilhas adesivas para coleta deverão ser expostas de forma suspensa (tipo bandeirola) em um fio de náilon ou barbante. Deverão ser penduradas no intradomicílio, especialmente no dormitório; e no peridomicílio, preferencialmente em abrigos de animais, protegidos da chuva. Deverá ser exposta, no mínimo, uma armadilha em cada ambiente. O tempo de exposição deverá ser de quatro dias. O período de exposição deverá ser iniciado uma hora após o crepúsculo, do primeiro dia até a manhã do quinto. O monitoramento objetiva conhecer a distribuição sazonal e abundância relativa das espécies L. longipalpis e/ou L. cruzi, visando estabelecer o período mais favorável para a transmissão da leishmaniose visceral e direcionar as medidas de controle químico do vetor. O monitoramento é recomendado em municípios com transmissão moderada e/ou intensa. Deverão ser selecionados um ou mais municípios, de acordo com as regiões climáticas e/ou topográficas. Sabendo-se que a presença e a flutuação estacional das populações de flebotomíneos, em determinada região geográfica, está ligada aos fatores climáticos (temperatura, umidade relativa do ar e índice pluviométrico) e aos fatores fisiográficos (composição do solo, altitude, relevo e tipo de vegetação). O desenvolvimento desta atividade é de responsabilidade do nível estadual. Metodologia Utiliza-se a armadilha de isca luminosa. Deverão ser selecionados dez domicílios, que serão os pontos de coleta no município. Em cada peridomicílio será instalada uma armadilha, preferencialmente disposta em abrigos de animais. As armadilhas deverão ser expostas por 12 horas, iniciando-se uma hora a partir do crepúsculo, durante quatro noites consecutivas por mês. O domicílio escolhido deverá ser preferencialmente aquele sugestivo para a presença do vetor, tais como residências com peridomicílio, presença de plantas (árvores, arbustos), acúmulo de matéria orgânica e presença de animais domésticos (cães, galinhas, porcos, cavalos, cabritos, aves em geral, entre outros). As condições socioeconômicas e o tipo de moradia são critérios que podem ser levados em consideração para a seleção da unidade domiciliar. Embora as pesquisas no ambiente intradomiciliar não estejam priorizadas pelo PCLV, sabe-se que este monitoramento também permite verificar a relação da abundância relativa do vetor no peri e intradomicílio, com a finalidade de orientar medidas de controle nestes ambientes. Para tanto, as pesquisas no peri e intradomicílio deverão ser concomitantes. Vigilância no cão Definição de caso Caso canino suspeito – todo cão proveniente de área endêmica ou onde esteja ocorrendo surto, com manifestações clínicas compatíveis com a leishmaniose visceral canina (LVC) (febre irregular, apatia, emagrecimento, descamação furfurácea e úlceras na pele, em geral no focinho, orelhas e extremidades, conjuntivite, paresia do trem posterior, fezes sanguinolentas e crescimento exagerado das unhas). 484 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral Caso canino confirmado • Critério laboratorial – cão com manifestações clínicas compatíveis de LVC e que apresente teste sorológico reagente e/ou exame parasitológico positivo; • Critério clínico-epidemiológico – cão proveniente de áreas endêmicas ou onde esteja ocorrendo surto e que apresente quadro clínico compatível de LVC sem a confirmação do diagnóstico laboratorial. Cão infectado – todo cão assintomático com sorologia reagente e/ou parasitológico positivo em município com transmissão confirmada. Ações de vigilância • Alertar os serviços e a classe médica veterinária quanto ao risco da transmissão da leishmaniose visceral canina-LVC. • Divulgar à população informes sobre a ocorrência da LVC na região e alertar sobre os sinais clínicos e os serviços para o diagnóstico, bem como as medidas preventivas para eliminação dos prováveis criadouros do vetor. • Articular com o poder público responsável a implementação de ações de limpeza urbana em terrenos, praças públicas, jardins e logradouros, dentre outros, destinando de maneira adequada a matéria orgânica recolhida. • Na suspeita clínica de cão, delimitar a área para investigação do foco. Define-se como área para investigação aquela que a partir do primeiro caso canino (suspeito ou confirmado) estiver circunscrita em um raio de, no mínimo, 100 cães a serem examinados. Nesta área deverão ser desencadeadas a busca ativa de cães sintomáticos para coleta de exame parasitológico e confirmação da identificação da espécie de Leishmania. Uma vez confirmada a L. chagasi, coletar material sorológico em todos os cães da área, a fim de avaliar a prevalência canina e desencadear as demais medidas. 6 L Monitoramento Inquérito sorológico amostral – deverá ser realizado nas seguintes situações: • municípios silenciosos e receptivos, isto é, onde a L. longipalpis já foi detectada mas não tenha sido confirmada a transmissão da leishmaniose visceral humana ou canina, com a finalidade de verificar ausência de enzootia; • municípios com transmissão moderada e intensa, o que permitirá avaliar as taxas deprevalência em cada setor, a fim de identificar as áreas prioritárias a serem trabalhadas. O inquérito poderá ser realizado em todo ou em parte do município, dependendo do tamanho do mesmo e da distribuição do vetor. Deverá ser utilizada amostragem estratificada por conglomerados, onde o estrato é um setor do PEAa (setorização realizada quando for implementado o plano de erradicação do Aedes aegypti) e o conglomerado, o quarteirão. Para cada setor deverá ser calculada a amostra de cães, considerando-se a prevalência esperada e o número de cães do setor. Para aqueles municípios que já tenham uma estimativa de Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 485 Leishmaniose Visceral prevalência conhecida, utilizar este valor como parâmetro. Caso contrário, utilizar a prevalência de 2%. Setores com população canina inferior a 500 cães deverão ser agrupados com um ou mais setores contíguos, para o cálculo da amostra. Por outro lado, em municípios com população inferior a 500 cães, deverá ser realizado inquérito canino censitário. Ver informações mais detalhadas no Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral. Inquérito sorológico censitário – deverá ser realizado nas seguintes situações: • zona urbana de município classificado como silencioso e receptivo com população canina menor que 500 cães; • setores urbanos de municípios acima de 20 mil habitantes classificados como de transmissão moderada ou intensa; • zona rural de municípios em qualquer uma das situações de transmissão de leishmaniose visceral. Este tipo de inquérito objetiva o controle através da identificação de cães infectados para a realização da eutanásia, bem como avaliar a prevalência. Estes inquéritos deverão ser realizados anualmente, no período de agosto a novembro, por no mínimo 3 anos consecutivos, independente da notificação de novos casos humanos confirmados de leishmaniose visceral. A fim de não sobrecarregar os laboratórios de saúde pública de referência para a realização dos exames, o planejamento das ações deverá ser realizado em conjunto com as instituições que compõem o Programa de Controle da leishmaniose visceral no estado. Existem duas técnicas sorológicas recomendadas pelo Ministério da Saúde para avaliação da soroprevalência em inquéritos caninos amostrais ou censitários, o Elisa e a imunofluorescência indireta (IFI). Entretanto, por estar ainda em fase de implantação, o Elisa inicialmente está sendo recomendado para a triagem de cães sorologicamente negativos e a Rifi para a confirmação dos cães soro-reagentes ou indeterminados ao teste Elisa, ou como técnica diagnóstica de rotina. Os exames sorológicos poderão ser realizados nos laboratórios centrais estaduais (Lacens) ou nos laboratórios e centros de controle de zoonoses (CCZs) municipais. É importante realizar periodicamente o controle de qualidade dos exames efetuados. As amostras de soro, a serem analisadas na referência nacional, devem ser impreterivelmente encaminhadas pelo Lacen. É importante ressaltar que em situações nas quais o proprietário do animal exija uma contraprova, esta deverá ser uma prova sorológica, realizada por um laboratório da rede. O período estimado para liberação do resultado dependerá do tempo de deslocamento da amostra até as referências, sendo a média esperada de 15 dias. Os resultados liberados por este laboratório serão considerados oficiais para fins de diagnóstico da infecção e da doença. 486 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral Vigilância em humanos Definição de caso Caso humano suspeito – todo indivíduo proveniente de área com ocorrência de transmissão, com febre e esplenomegalia, ou todo indivíduo de área sem ocorrência de transmissão, com febre e esplenomegalia, desde que descartados os diagnósticos diferenciais mais freqüentes na região. Caso humano confirmado: • Critério clínico-laboratorial – a confirmação dos casos clinicamente suspeitos deverá preencher, no mínimo, um dos seguintes critérios: ❯ encontro do parasito nos exames parasitológicos direto e/ou cultura; ❯ imunofluorescência reativa com título de 1:80 ou mais, desde que excluídos outros diagnósticos diferenciais. • Critério clínico-epidemiológico – paciente de área com transmissão de leishmaniose visceral, com suspeita clínica sem confirmação laboratorial mas com resposta favorável ao teste terapêutico. 6 Infecção Todo indivíduo com exame sorológico reagente e/ou parasitológico positivo, sem manifestações clínicas. Estes casos não devem ser notificados e/ou tratados. Notificação A leishmaniose visceral humana é uma doença de notificação compulsória, portanto todo caso suspeito deve ser notificado e investigado pelos serviços de saúde através da ficha de investigação padronizada pelo Sinan. A detecção de casos de leishmaniose visceral pode ocorrer através de: • demanda espontânea à unidade de saúde; • busca ativa de casos no local de transmissão; • visitas domiciliares dos profissionais do Pacs e PSF; • encaminhamento de suspeitos, através da rede básica de saúde. L Investigação de casos humanos de leishmaniose visceral A investigação epidemiológica faz-se necessária para: • identificar se o caso é autóctone ou importado (caso seja importado, informar o serviço de vigilância epidemiológica estadual ou municipal do local provável de infecção); • verificar se a área é endêmica ou se é um novo local de transmissão; • conhecer as características epidemiológicas do caso (idade e sexo); • realizar busca ativa de casos novos e caracterizá-los clínica e laboratorialmente; • orientar medidas de controle, conforme a situação epidemiológica e a classificação da área. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 487 Leishmaniose Visceral O instrumento de coleta de dados, atualmente disponível no Sinan através da ficha de investigação epidemiológica, contém os elementos essenciais a serem coletados em uma investigação de rotina. Todos os campos desta ficha devem ser criteriosamente preenchidos, mesmo quando a informação for negativa. Outros itens e observações podem ser incluídos, conforme as necessidades e peculiaridades de cada situação. Pelo fato de a ficha de investigação de casos de leishmaniose visceral não conter dados referentes ao vetor e ao reservatório, os mesmos, quando indicados conforme critério de classificação da área, devem ser coletados e preenchidos nas planilhas específicas. Estes dados, após análise, irão orientar a adoção de medidas de vigilância e controle. Vale ressaltar que estas informações também devem fazer parte do relatório da investigação do caso. Roteiro de investigação epidemiológica Identificação do paciente – preencher todos os campos da ficha de investigação epidemiológica do Sinan relativos aos dados gerais, notificação individual e dados de residência. Coleta de dados clínicos e epidemiológicos – preencher os campos da ficha de investigação epidemiológica do Sinan relativos aos antecedentes epidemiológicos, dados clínicos, laboratoriais e tratamento. Caracterização do local provável de infecção - LPI – estabelecer o possível local de infecção do caso, de acordo com a história epidemiológica e conhecimento de ocorrência de outros casos em períodos anteriores. A caracterização da área de transmissão é de fundamental importância para o processo de investigação e adoção de medidas e controle. No processo de caracterização do LPI deve-se: • investigar se o paciente se deslocou para áreas endêmicas no período de até 6 meses anteriores ao início dos sintomas; • caracterizar a espécie de Leishmania, se for uma nova área de transmissão; • realizar busca ativa de casos humanos e caninos; • realizar levantamento entomológico, caso não tenha sido verificada a presença do vetor; • conhecer as características ambientais, sociais e econômicas. Classificação dos casos humanos Caso confirmado – caso suspeito que cumpriu um dos seguintes critérios de confirmação: critério clínico-laboratorial ou critério clínico-epidemiológico. Caso descartado – caso suspeito com exames sorológicos e/ou parasitológicos negativos, sem resposta favorável ao teste terapêutico ou caso suspeito que após investigação clínico-laboratorial confirma outro diagnóstico. Evolução do caso É de extrema importância para a vigilância da leishmaniose visceral tratar os casos confirmados e acompanhá-los durante toda a evolução clínica, conforme normas técnicas. Esta conduta visa reduzir a letalidade, recidiva, gravidade e outras complicações da doença e/ou toxicidade do medicamento. Ressalta-se a necessidade de estruturar o serviço de saúde 488 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral para acompanhar os pacientes até a cura clínica. Em situações de pacientes que não comparecem às consultas agendadas durante o tratamento, faz-se necessária a busca dos faltosos, utilizando estratégias locais. Investigação de óbitos As fontes de informações para a investigação e monitoramento dos óbitos podem ser o Sinan, o Sistema de Informações sobre Mortalidade − SIM e a notificação informal do serviço ou da comunidade. Todos os supostos óbitos de leishmaniose visceral devem ser investigados para que suas causas sejam determinadas. Ver informações mais detalhadas no Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral. Após a coleta de dados (junto à família, comunidade, prontuário hospitalar, prontuário da unidade de saúde, profissionais que atenderam o paciente, entre outras), as informações devem ser consolidadas e o caso discutido com todos os profissionais envolvidos, objetivando a adoção de medidas que possam corrigir as deficiências e, conseqüentemente, reduzir a letalidade da leishmaniose visceral. 6 Atenção Todos os supostos óbitos por leishmaniose visceral devem ser investigados. Encerramento de casos humanos Todos os casos devem ser encerrados no Sinan, no período máximo de 180 dias. Os serviços de vigilância epidemiológica municipal e estadual deverão estar atentos para o encerramento de todos os casos suspeitos de leishmaniose visceral. L Análise dos dados A análise dos dados da investigação deve permitir a avaliação da magnitude e transcendência do problema, distribuição segundo pessoa, tempo e espaço. Assim, os dados coletados no processo, além de permitir estabelecer a área e extensão da ocorrência do caso, devem indicar qual a possibilidade de continuidade da transmissão, probabilidade de continuidade de aparecimento de novos casos, população sob risco e qual a extensão que as medidas de controle devem assumir, dentre outras. Em áreas com transmissão, análises periódicas dos indicadores epidemiológicos, operacionais, entomológicos, entre outros, devem ser realizados para avaliar a efetividade das medidas de controle e a progressão da situação epidemiológica, tais como redução ou elevação da incidência, da letalidade; expansão ou limitação das áreas de transmissão, intervenções ambientais que possam estar contribuindo para o agravamento do problema, etc. (ver Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral). Em situações de surtos, os dados devem ser analisados criteriosamente, permitindo melhor orientação e aprimoramento tanto nas medidas de prevenção e controle quanto na necessidade de implementação das ações de diagnóstico e assistência. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 489 Leishmaniose Visceral Divulgação dos dados Após análise dos dados, os mesmos deverão ser amplamente divulgados através de boletins epidemiológicos ou informativos, reuniões de avaliação, oficinas de trabalho, seminários, congressos e publicações científicas, por exemplo. Medidas preventivas Dirigidas à população humana – medidas de proteção individual. Dirigidas ao vetor – saneamento ambiental. Dirigidas à população canina: • controle da população canina errante; • doação de animais: fazer exame sorológico prévio; • uso de telas em canis individuais ou coletivos; • coleiras impregnadas com deltametrina a 4%. Instrumentos disponíveis para controle Em virtude das características epidemiológicas e do conhecimento ainda insuficiente sobre os vários elementos que compõem a cadeia de transmissão da leishmaniose visceral, as estratégias de controle desta endemia ainda são pouco efetivas e estão centradas no diagnóstico e tratamento precoce dos casos, redução da população de flebotomíneos, eliminação dos reservatórios e atividades de educação em saúde. Vale destacar que as ações voltadas para o diagnóstico e tratamento dos casos e atividades educativas devem ocorrer em todas as situações priorizadas, lembrando que as demais medidas de controle devem estar sempre integradas para que possam ser efetivas. Orientações dirigidas para o diagnóstico precoce e tratamento adequado dos casos humanos De acordo com a política de saúde vigente em nosso país, o controle da leishmaniose visceral é de responsabilidade do SUS. Inicialmente, a execução das ações ficavam sob a responsabilidade do governo federal. Com o processo de descentralização das endemias, as ações passaram a ser executadas pelos níveis estadual e/ou municipal, e para cada uma de suas instâncias as atribuições estão estabelecidas na Portaria nº 1.399/GM, de 15/12/99, substituída recentemente pela Portaria/GM nº 172, de 15/6/04. As secretarias municipais de saúde, com o apoio das secretarias estaduais de saúde, têm a responsabilidade de organizar a rede básica de saúde para suspeitar, assistir, acompanhar e/ou encaminhar para referência hospitalar os pacientes com leishmaniose visceral. Para tanto, faz-se necessário estabelecer um fluxo de referência e contra-referência, bem 490 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral como oferecer as condições necessárias para diagnosticar e tratar precocemente os casos de leishmaniose visceral. Este atendimento pode ser realizado pela demanda passiva, registro e busca ativa de casos em áreas de maior risco ou quando indicadas pela vigilância epidemiológica, ou ainda onde o acesso da população à rede é dificultado por diversos fatores. É importante que na fase de organização dos serviços de saúde para atendimento precoce dos pacientes seja viabilizado: • identificar os profissionais e unidades de saúde de referência para o atendimento aos pacientes, bem como para a execução dos exames laboratoriais; • capacitar os recursos humanos que irão compor a equipe multiprofissional das unidades básicas e/ou hospitalar responsáveis pelo atendimento e realização dos exames laboratoriais; • sensibilizar todos os profissionais da rede para a suspeita clínica; • suprir as unidades de saúde com materiais e insumos necessários para o diagnóstico clínico, laboratorial e tratamento, visando melhorar a resolubilidade e contribuir para o diagnóstico e tratamento precoce e, conseqüentemente, para a redução da letalidade; • integrar as equipes do Pacs e PSF; • estabelecer um fluxo de atendimento para os pacientes, integrando as ações de vigilância e assistência; • oferecer condições necessárias para o acompanhamento dos pacientes em tratamento, evitando o abandono e as complicações da doença; • aprimorar o sistema de informação e estar sempre divulgando, informando e atualizando os profissionais de saúde sobre a situação epidemiológica da doença, bem como sensibilizando-os para a suspeita clínica; • realizar atividades de educação em saúde visando a participação-ativa da comunidade para buscar o atendimento precoce, bem como contribuir de forma participativa nas medidas de controle da doença (saneamento ambiental, controle vetorial, controle do reservatório, entre outras). 6 L Assistência ao paciente Todo caso suspeito deve ser submetido à investigação clínica, epidemiológica e aos métodos auxiliares de diagnóstico. Caso seja confirmado, inicia-se o tratamento segundo procedimentos terapêuticos padronizados e acompanha-se o paciente mensalmente (para avaliação da cura clínica). Os casos graves de leishmaniose visceral devem ser internados e tratados em hospitais de referência; e os leves ou intermediários devem ser assistidos no nível ambulatorial, em unidades de saúde com profissionais capacitados. Qualidade da assistência É comum o diagnóstico de pacientes com leishmaniose visceral em fase avançada, o que pode ser atribuído a demora com que procuram os serviços de saúde e, por outro lado, a baixa capacidade de detecção dos casos pelos profissionais da rede básica de saúde. Deste Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 491 Leishmaniose Visceral modo, o serviço de vigilância local deve estruturar as unidades de saúde promovendo a capacitação de profissionais para suspeitar, diagnosticar e tratar precocemente os casos, bem como organizar o serviço para agilizar o diagnóstico laboratorial e a assistência ao paciente. Deve ser definido, estabelecido e divulgado o fluxo das unidades de referência e contra-referência. Na área de transmissão intensa, bem como nas áreas cobertas pelo Pacs/PSF, é recomendada a realização de busca ativa de casos, encaminhando os suspeitos para atendimento médico. Neste momento, todos os profissionais de saúde devem ser alertados e sensibilizados para o problema e é importante que a população seja constantemente informada sobre os serviços disponíveis, bem como da necessidade de buscar atendimento precocemente. Atenção Esta é uma área com transmissão de leishmaniose visceral, portanto todo paciente com febre e esplenomegalia é um caso suspeito. Notifique, investigue e faça o diagnóstico e tratamento do paciente o mais precocemente possível ou o encaminhe para o serviço de referência. Atuação na cadeia de transmissão Orientações dirigidas ao controle do vetor A indicação das atividades voltadas para o controle vetorial dependerão das características epidemiológicas e entomológicas de cada localidade. As recomendações propostas para cada área estão descritas conforme a classificação epidemiológica, sendo importante salientar que as ações de controle deverão ser sempre realizadas de forma integrada. Controle químico O controle químico por meio da utilização de inseticidas de ação residual é a medida de controle vetorial recomendada no âmbito da proteção coletiva. Dirigida apenas para o inseto adulto tem como objetivo evitar e/ou reduzir o contato entre o inseto transmissor e a população humana, conseqüentemente, diminuir o risco de transmissão da doença. Quando é recomendado o controle químico? • Em áreas com registro de primeiro caso autóctone de leishmaniose visceral, imediatamente após a investigação entomológica. • Em áreas com transmissão moderada e intensa, se a curva de sazonalidade do vetor for conhecida, a aplicação do inseticida de ação residual deverá ser realizada no período do ano em que se verifica aumento da densidade vetorial. Caso contrário, o primeiro ciclo de tratamento deverá ser realizado após o início do período chuvoso e o segundo, 3 a 4 meses após o primeiro ciclo. 492 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral • Em áreas com surto de leishmaniose visceral, uma vez avaliada e delimitada a área para o controle químico, deverá ser imediatamente realizado um ciclo de tratamento com inseticida de ação residual. A programação de novo ciclo deverá estar de acordo com a curva de sazonalidade do vetor. Se conhecida, a aplicação do inseticida de ação residual deverá ser realizada no período do ano em que se verifica aumento da densidade vetorial. Caso contrário, o primeiro ciclo de tratamento deverá ser realizado ao final do período chuvoso e 3 a 4 meses após o primeiro ciclo. Ciclo de borrifação Entende-se por ciclo de borrifação o período necessário para cobrir a área delimitada a ser borrifada no menor espaço de tempo. Para efeito de organização da atividade, inicialmente deverá ser considerado o período de 4 meses, tempo que pode ser reduzido de acordo com a capacidade operacional do município. 6 Onde deve ser feita a borrifação? • Nas paredes internas e externas do domicílio, incluindo o teto, quando a altura deste for de até 3 metros. • Nos abrigos de animais ou anexos, quando os mesmos forem feitos com superfícies de proteção (parede) e possuam cobertura superior (teto). Qual produto deverá ser utilizado? • Os produtos mais empregados no controle a esses vetores são a cipermetrina, na formulação pó molhável (PM), e a deltametrina, em suspensão concentrada (SC), usados, respectivamente, nas doses de 125mg. i.a./m² e de 25mg. i.a/m². Atualmente, o Programa de Controle da Leishmaniose Visceral tem utilizado alfacipermetrina, na formulação suspensão concentrada (SC), na dose de 40mg.ia/m2. Como deverão ser os ciclos de tratamento? • Segundo indicações obtidas em pesquisas operacionais, o efeito residual dos piretróides em superfícies de parede tem duração aproximada de três meses (excetuando as superfícies de madeira onde esse efeito poderá ser mais duradouro). Sendo assim, é recomendado que nas áreas selecionadas para controle químico, de acordo com a classificação epidemiológica, deverão ser realizados dois ciclos de borrifação durante o ano, com intervalo de três a quatro meses. O início do ciclo deverá seguir as orientações já descritas. Que tipo de equipamento deve ser usado? • Para este tipo de aplicação são indicados os equipamentos de compressão variável, tipo Hudson-X-Pert ou Jacto com capacidade de 10 litros, devendo ser revisados para evitar vazamentos e outros inconvenientes durante a aplicação. • O bico indicado para uso em saúde pública é o Tee Jet 8002E, que proporciona uma vazão de 757ml e deposição uniforme nas laterais do leque de aplicação. Em decorrência da erosão, os bicos que apresentarem vazão maior que 900ml/minuto devem ser descartados. ® L ® Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 493 Leishmaniose Visceral Como delimitar a área para o controle químico? • Na zona rural, o controle químico será realizado em todos os domicílios da localidade onde ocorreu a transmissão. • Na zona urbana, para o controle deverá ser considerada a área de transmissão previamente delimitada. Quais são os procedimentos de segurança? • Os cuidados no manuseio, transporte e aplicação de praguicidas no controle de vetores, bem como os equipamentos de proteção individual-EPI, estão descritos no Manual de Controle de Vetores – Procedimentos de Segurança, 2001. • Os agentes, deverão usar os EPI indicados para cada tipo de atividade envolvendo aplicações de praguicidas. Avaliação do controle químico A avaliação das ações de operação de inseticidas para o controle do flebotomíneo é de fundamental importância, para verificar o impacto das ações realizadas, a persistência do inseticida nas superfícies tratadas e a efetividade do produto em relação a mortalidade do vetor. O método utilizado para este tipo de avaliação foi padronizado pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 1970). No entanto, por se tratar de uma atividade específica, esta atribuição deve ser de competência do estado, quando este reunir as condições necessárias. Orientações dirigidas ao controle do reservatório canino Eutanásia de cães A prática da eutanásia canina é recomendada a todos os animais com sorologia positiva e/ou parasitológico positivo. Para a realização da eutanásia, deve-se ter como base a Resolução nº 714, de 20 de junho de 2002, do Conselho Federal de Medicina Veterinária, que dispõe sobre os procedimentos e métodos de eutanásia em animais e dá outras providências, dentre as quais merecem destaque: • Os procedimentos de eutanásia são de exclusiva responsabilidade do médico veterinário, que dependendo da necessidade pode delegar esta prática a terceiros, que a realizará sob sua supervisão. Na localidade ou município onde não existir médico veterinário, a responsabilidade será da autoridade sanitária local; • Os animais deverão ser submetidos à eutanásia em ambiente tranqüilo e adequado, longe de outros animais e do alojamento dos mesmos; • A eutanásia deverá ser realizada segundo a legislação municipal, estadual e federal no que se refere a compra e armazenamento de drogas, saúde ocupacional e eliminação de cadáveres e carcaças; • Para a realização da eutanásia são recomendados os barbitúricos, anestésicos inaláveis, dióxido de carbono – CO2, monóxido de carbono – CO e cloreto de potássio – KCl; para este último, será necessária anestesia geral prévia; 494 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral • Os procedimentos de eutanásia, se mal empregados, estão sujeitos à legislação federal de crimes ambientais. Destino de cadáveres Os cadáveres de animais submetidos à eutanásia ou que tiveram morte devido à leishmaniose deverão ser considerados como resíduos de serviços de saúde. Portanto, o destino de seus cadáveres deverá obedecer o previsto na Resolução RDC nº 33, de 25 de fevereiro de 2003, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Segundo a resolução, os cadáveres de animais errantes ou domésticos são considerados do Grupo D (resíduos comuns), que são os gerados nos serviços de saúde e que, por suas características, não necessitam de procedimentos diferenciados. O destino do cadáver destes animais deverá ser valas comuns de aterros sanitários. 6 Orientações dirigidas às atividades de educação em saúde As atividades de educação em saúde devem estar inseridas em todos os serviços que desenvolvem ações de controle da leishmaniose visceral, requerendo o envolvimento efetivo das equipes multiprofissionais e multiinstitucionais com vistas ao trabalho articulado nas diferentes unidades de prestação de serviços, através de: • divulgação à população sobre a ocorrência da leishmaniose visceral na região, alertando sobre os sinais clínicos e os serviços para o diagnóstico e tratamento; • capacitação das equipes, englobando o conhecimento técnico, os aspectos psicológicos e a prática profissional em relação à doença e aos doentes; • adoção de medidas preventivas considerando o conhecimento da doença, atitudes e práticas da população (clientela) relacionadas às condições de vida e trabalho das pessoas; • estabelecimento de relação dinâmica entre o conhecimento do profissional e a vivência dos diferentes estratos sociais através da compreensão global do processo saúde/doença, no qual intervêm fatores sociais, ambientais, econômicos, políticos e culturais; • incorporação das atividades de educação em saúde voltadas à leishmaniose visceral dentro de um processo de educação continuada; • desenvolvimento de atividades de educação em saúde junto à comunidade; • estabelecimento de parcerias buscando a integração institucional. L Recomendações específicas para cada uma das classificações das áreas para vigilância e controle da leishmaniose visceral Serão apresentados fluxogramas relativos às recomendações específicas para cada uma das áreas, referentes as ações de vigilância e controle da leishmaniose visceral. Para maiores detalhamentos, ver Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 495 Leishmaniose Visceral Áreas sem casos de leishmaniose visceral As áreas sem casos de leishmaniose visceral humana ou canina podem apresentar uma das seguintes situações: Áreas sem casos de LV Vulnerável Receptiva Não-vulnerável Não-receptiva A definição de cada uma das áreas acima está descrita no tópico Vigilância epidemiológica. Os municípios sem casos humano e canino de leishmaniose visceral são classificados em vulnerável ou não-vulnerável. Assim, deve-se considerar como vulnerável o que apresentar qualquer uma das seguintes situações: • municípios contíguos aos de casos humanos; • municípios que fazem parte do mesmo eixo rodoviário dos casos humanos; • municípios com fluxo migratório intenso. A confirmação do exame parasitológico é obrigatória apenas nas áreas sem casos humanos. 496 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral Vigilância e controle em áreas sem casos autóctones de leishmaniose visceral Área sem casos autóctones ou silenciosa Vulnerável Não-vulnerável Levantamento entomológico Não programada ação Ação não-receptiva Saneamento ambiental Controle da população canina errante Busca ativa de cães com suspeita clínica Repetir estudo entomológico no máximo a cada 2 anos Desenvolver atividades de educação e saúde Realizar inquérito amostral canino para verificar a presença de epizootia canina Inquérito canino positivo Inquérito canino negativo Confirmar parasitológico e espécie de leishmania circulando na área Treinar profissionais para diagnóstico precoce e tratamento Eutanásia nos cães positivos Vigilância e monitoramento Ação receptiva Vigilância e monitoramento Parasitológico com pelo menos uma amostra positiva Parasitológico negativo ou outra espécie de leishmania Investigar autoctonia Vigilância e monitoramento Cão autóctone Cão importado 6 Eutanásia nos cães positivos Vigilância e monitoramento Prevalência canina <2% Busca ativa de cães com suspeita clínica Prevalência canina >2% Implementação das ações de vigilância epidemiológica Realizar inquérito censitário Treinar profissionais para diagnóstico precoce e tratamento Desenvolver atividades de educação em saúde Eutanásia nos cães positivos L Seguir as recomendações conforme resultado do inquérito censitário Áreas com casos de leishmaniose visceral As áreas com casos de leishmaniose visceral humana podem apresentar uma das seguintes situações: • ser um município com registro de primeiro caso autóctone; • ser um município com transmissão esporádica; • ser um município com transmissão moderada; • Ser um município com transmissão intensa; • ser um município com surto. A definição de cada uma das áreas referidas está descrita no tópico Vigilância Epidemiológica. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 497 Leishmaniose Visceral Áreas com casos de LV Áreas com primeiro caso de LV Transmissão moderada e intensa Transmissão esporádica Áreas com surto A partir da classificação dos municípios, são recomendadas as seguintes ações: Áreas com registro do primeiro caso autóctone de leishmaniose visceral Vigilância e controle em áreas com registro do primeiro caso autóctone de leishmaniose visceral Registro do primeiro caso autóctone de leishmaniose visceral Ações referentes ao caso humano Notificação e investigação Implementar as ações para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes Busca ativa de casos suspeitos no local de transmissão Ações referentes ao reservatório canino Ações referentes ao vetor Realizar investigação entomológica no local de transmissão Saneamento ambiental Presença de vetor Ausência de vetor Busca ativa de cães com suspeita clínica Indicação imediata de controle químico no local de transmissão Avaliar mensalmente até o encontro do vetor Realizar sorologia Programar dois novos ciclos de borrifação Investigar a causa do óbito, se for o caso Desenvolver atividades de educação e saúde Sorologia positiva Sorologia negativa Eutanásia Vigilância e monitoramento Inquérito censitário canino anual no local de transmissão Controle da população canina errante Cães com sorologia positiva Cães com sorologia negativa Eutanásia Vigilância e monitoramento Observação: a confirmação do exame parasitológico canino é obrigatória apenas nas áreas sem casos humanos. Áreas com transmissão esporádica de leishmaniose visceral Ações específicas referentes ao vetor – nos municípios com transmissão esporádica, as ações referentes ao vetor estão restritas ao conhecimento da espécie e a dispersão da população do vetor no município, que orientará a delimitação da área para a realização do inquérito canino. Cabe salientar que nenhuma ação de controle químico deverá ser realizada. 498 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral Vigilância e controle em áreas com transmissão esporádica de leishmaniose visceral Áreas com transmissão esporádica Ações referentes a casos humanos Notificação e investigação Implementar as ações para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes Busca ativa de casos suspeitos Monitorar e investigar óbitos de LV Ações referentes ao reservatório canino Ações referentes ao vetor Realizar levantamento entomológico no local de transmissão Desenvolver atividades de educação em saúde Saneamento ambiental Busca ativa de cães com suspeita clínica Realizar sorologia Sorologia positiva Sorologia negativa Eutanásia Vigilância e monitoramento Inquérito censitário canino anual no local de transmissão Cães com sorologia positiva Cães com sorologia negativa Eutanásia Vigilância e monitoramento Controle da população canina errante 6 Observação: a confirmação do exame parasitológico canino não será obrigatória em áreas com transmissão esporádica, moderada ou intensa. Áreas com transmissão moderada/intensa de leishmaniose visceral Ações específicas referentes ao vetor – nos municípios com transmissão moderada/ intensa, a presença do vetor e a dispersão da população do vetor no município devem ser conhecidas, o que permite melhor direcionamento das ações de controle (vetor e reservatório). Caso estas informações não sejam possíveis, é indicado priorizar o levantamento entomológico. Destaque-se que o controle químico nestas áreas deverá ser programado para o período propício do aumento do vetor. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS L 499 Leishmaniose Visceral Vigilância e controle em áreas com transmissão moderada e intensa de leishmaniose visceral Áreas com transmissão moderada e intensa Ações referentes a casos humanos Notificação e investigação Implementar as ações para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes Busca ativa de casos suspeitos Ações referentes ao vetor Realizar levantamento entomológico no local de transmissão Ações referentes ao reservatório canino Indicação de controle químico na área de transmissão Saneamento ambiental Área sem casos humanos: realizar inquérito amostral canino anualmente Área com casos humanos: inquérito censitário anual Eutanásia de cães positivos Controle da população canina errante Vigilância e monitoramento Prevalência canina >2% Monitorar e investigar óbitos de leishmaniose visceral Desenvolver atividades de educação em saúde Eutanásia de cães positivos Prevalência canina <2% Vigilância e monitoramento Manter vigilância Inquérito canino censitário e anualmente Eutanásia de cães positivos Eutanásia de cães positivos Observação: a confirmação do exame parasitológico canino não será obrigatória em áreas com transmissão esporádica, moderada ou intensa. Áreas em situação de surto de leishmaniose visceral Vigilância e controle em áreas com surto de leishmaniose visceral Áreas em situação de surto Municípios com transmissão conhecida Seguir as orientações previstas para as áreas com transmissão moderada/intensa, acrescendo um ciclo de borrifação imediato na área do surto Municípios com transmissão recente Seguir as orientações previstas para as áreas com registro do primeiro caso de LV humana, acrescendo um ciclo de borrifação imediato na área do surto Observação: a confirmação do exame parasitológico canino não será obrigatória em áreas com transmissão esporádica, moderada ou intensa. 500 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leishmaniose Visceral Anexo 1 Coleta e conservação de material para diagnóstico da leishmaniose visceral humana e canina Tipo de diagnóstico Tipo de material Sorológico (humano ou canino) Parasitológico Quantidade 5-10ml Sangue (mínimo 2ml de soro) Aspirado de medula, linfonodo ou baço Método Recipiente Tubo de vidro ou Imunofluoresde plástico estéril cência indireta/ e com tampa (meIFI ou Elisa lhor se Ependorf®) Esfregaço fino - Transporte Sangue total 2ºC a 8ºC Gelo seco ou reciclável Soro -20ºC Nitrogênio líquido Duas lâminas para esfregaço Lâminas fixadas e coradas pelos métodos de Giemsa ou Wright, Leishman, Panóptico Após a secagem, anexar e embrulhar a lâmina junto com o papel identificatório Tubo de vidro ou de plástico estéril e com tampa Meio de NNN a 24-26ºC Caixa para transporte de material biológico Aspirado de medula, linfonodo ou baço ou biópsia de fígado Armazenamento/ conservação 6 Observação: para inquéritos sorológicos caninos pode ainda ser utilizada, em situações excepcionais, a coleta de sangue em papel de filtro (eluato) desde que seja criteriosamente adotada a metodologia abaixo descrita. É fundamental que cada amostra seja identificada, para evitar sua troca acidental. Material • Microlanceta descartável • Papel de filtro tipo qualitativo, 80 gramas • Papel celofane hidrófobo • Algodão • Solução antisséptica (álcool a 70%, álcool iodado, etc.) L Método Colher a amostra de sangue através de punção da veia marginal auricular do cão, utilizando microlancetas descartáveis e transferindo o material obtido por capilaridade para lâminas de papel de filtro. A área embebida deve ser de aproximadamente 3×3 centímetros com distribuição homogênea no papel. Após secarem, cada folha de papel de filtro deve ser separada por lâminas de papel celofane, para evitar a contaminação das amostras de sangue que devem estar devidamente identificadas. Após a coleta do material descrito, o mesmo deve ser embalado em saco plástico e conservado à temperatura ambiente durante uma semana ou refrigerado a 4°C e enviado para o laboratório central do estado ou município. Todo material enviado para o laboratório deve estar devidamente identificado, constando os seguintes dados: identificação do animal (nome, idade e sexo), nome e endereço completo do proprietário e identificação do responsável pela colheita do material. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 501 Leptospirose LEPTOSPIROSE CID 10: A27 Características clínicas e epidemiológicas Descrição É uma doença infecciosa febril de início abrupto, cujo espectro pode variar desde um processo inaparente até formas graves. Trata-se de zoonose de grande importância social e econômica por apresentar elevada incidência em determinadas áreas, alto custo hospitalar e perdas de dias de trabalho, bem como por sua letalidade, que pode chegar a até 40% dos casos mais graves. Sua ocorrência está relacionada às precárias condições de infra-estrutura sanitária e alta infestação de roedores infectados. As inundações propiciam a disseminação e a persistência do agente causal no ambiente, facilitando a eclosão de surtos. Sinonímia Doença de Weil, síndrome de Weil, febre dos pântanos, febre dos arrozais, febre outonal, doença dos porqueiros, tifo canino e outras. Atualmente, evita-se a utilização desses termos, pois são potencialmente passíveis de confusão. Agente etiológico Bactéria helicoidal (espiroqueta) aeróbica obrigatória do gênero Leptospira, do qual se conhecem atualmente sete espécies patogênicas, sendo a mais importante a L. interrogans. A unidade taxonômica básica é o sorovar (sorotipo). Mais de 200 sorovares já foram identificados e cada um tem o(s) seu(s) hospedeiro(s) preferencial(ais), ainda que uma espécie animal possa albergar um ou mais sorovares. Qualquer sorovar pode determinar as diversas formas de apresentação clínica no homem; em nosso meio, os sorovares Icterohaemorrhagiae e Copenhagen freqüentemente estão relacionados aos casos mais graves. Dentre os fatores ligados ao agente etiológico, favorecendo a persistência dos focos de leptospirose, especial destaque deve ser dado ao elevado grau de variação antigênica, à capacidade de sobrevivência no meio ambiente (até 180 dias) e à ampla variedade de animais susceptíveis que podem hospedar o microrganismo. Reservatórios Os animais sinantrópicos, domésticos e selvagens são os reservatórios essenciais para a persistência dos focos da infecção. Os seres humanos são apenas hospedeiros acidentais e terminais dentro da cadeia de transmissão. O principal reservatório é constituído pelos roedores sinantrópicos (domésticos) das espécies Rattus norvegicus (ratazana ou rato de esgoto), Rattus rattus (rato de telhado ou rato preto) e Mus musculus (camundongo ou catita). Ao se infectarem, não desenvolvem a doença e tornam-se portadores, albergando a leptospira nos rins e eliminando-a viva no 502 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leptospirose meio ambiente, contaminando, desta forma, água, solo e alimentos. O Rattus norvegicus é o principal portador da Leptospira icterohaemorraghiae, uma das mais patogênicas para o homem. Outros reservatórios de importância são caninos, suínos, bovinos, eqüinos, ovinos e caprinos. Modo de transmissão A infecção humana resulta da exposição direta ou indireta à urina de animais infectados. A penetração do microrganismo dá-se através da pele lesada ou das mucosas da boca, narinas e olhos. Pode também ocorrer através da pele íntegra quando imersa em água por longo tempo. O contato com água e lama contaminadas demonstra a importância do elo hídrico na transmissão da doença ao homem. Outras modalidades de transmissão relatadas, porém com pouca freqüência: contato com sangue, tecidos e órgãos de animais infectados, transmissão acidental em laboratórios e ingestão de água ou alimentos contaminados. 6 Período de incubação Varia de 1 a 30 dias (média entre 7 e 14 dias). Período de transmissibilidade Os animais infectados podem eliminar a leptospira através da urina durante meses, anos ou por toda a vida, segundo a espécie animal e o sorovar envolvido. A transmissão inter-humana é muito rara, podendo ocorrer pelo contato com urina, sangue, secreções e tecidos de pessoas infectadas. Susceptibilidade e imunidade A susceptibilidade no homem é geral. A imunidade adquirida pós-infecção é sorovarespecífica, podendo um mesmo indivíduo apresentar a doença mais de uma vez, sendo que o agente causal de cada episódio pertencerá a um sorovar diferente do(s) anterior(es). L Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas A leptospirose humana apresenta manifestações clínicas muito variáveis, com diferentes graus de severidade. A infecção pode ser assintomática, subclínica ou ocasionar quadros clínicos leves, moderados ou graves com alta letalidade. Clinicamente, a leptospirose apresenta-se sob duas formas: Forma anictérica (leve, moderada ou grave) Responsável por 90% a 95% dos casos, mas devido às dificuldades inerentes à suspeita e à confirmação, não ultrapassam 45% nos registros oficiais. A doença pode ser discreta, de início súbito com febre, cefaléia, dores musculares, anorexia, náuseas e vômitos. Tende a ser autolimitada e cura em poucos dias sem deixar Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 503 Leptospirose seqüelas. É freqüentemente rotulada como “síndrome gripal”, “virose” ou outras doenças que ocorrem na mesma época, como dengue ou influenza. Uma história de exposição direta ou indireta a coleções hídricas (incluídas água ou lama de enchentes) ou a outros materiais passíveis de contaminação por leptospiras pode servir como alerta para o médico suspeitar desse diagnóstico. Infecção mais grave pode ocorrer, apresentando-se classicamente como uma doença febril bifásica. A primeira fase, “septicêmica” ou “leptospirêmica”, inicia-se abruptamente com febre alta, calafrios, cefaléia intensa, dores musculares e prostração. As mialgias envolvem caracteristicamente os músculos das panturrilhas, mas podem afetar também coxas, regiões paravertebrais e abdome, podendo até mesmo simular um abdome agudo cirúrgico. Podem ocorrer anorexia, náuseas, vômitos, obstipação ou diarréia, artralgias, hiperemia ou hemorragia conjuntival, fotofobia e dor ocular, bem como hepatomegalia e, mais raramente, hemorragia digestiva (melena, enterorragia), esplenomegalia e pancreatite. Podem ser também observados: epistaxe, dor torácica, tosse seca ou com expectoração hemoptóica, dispnéia e cianose. A hemoptise franca denota extrema gravidade e pode ocorrer de forma súbita, levando ao óbito por asfixia. Distúrbios neurológicos como confusão, delírio e alucinações, sinais de irritação meníngea e outros podem estar presentes. A “fase septicêmica” dura de 4 a 7 dias, após a qual o paciente pode curar-se ou evoluir com recrudescimento da febre e sintomas gerais, com ou sem agravamento. As manifestações clínicas da “fase imune” iniciam-se geralmente na segunda semana da doença e desaparecem em 1 a 3 semanas. Nesta fase, as manifestações neurológicas freqüentemente apresentam um quadro de meningite, com cefaléia intensa, vômitos e sinais de irritação meníngea. Menos freqüentemente ocorrem encefalite, paralisias focais, espasticidade, nistagmo, convulsões, distúrbios visuais de origem central, neurite periférica, paralisia de nervos cranianos, radiculite, síndrome de Guillain-Barré e mielite. Podem ocorrer acidentes vasculares cerebrais hemorrágicos ou meníngeos, com quadros graves de hipertensão intracraniana e coma. As manifestações mais comuns do envolvimento cardíaco (miocardite) são alterações eletrocardiográficas e arritmias. Pode ocorrer comprometimento ocular com hiperemia ou hemorragia das conjuntivas, hemorragia intra-ocular e, mais tardiamente, uveíte. Alguns pacientes apresentam alterações do volume e do sedimento urinário, porém a insuficiência renal aguda é rara na leptospirose anictérica. As lesões cutâneas são pouco freqüentes, ainda que bastante variadas: exantemas maculares, maculopapulares, eritematosos, urticariformes, petequiais ou hemorrágicos. Forma ictérica (moderada ou grave) Em alguns pacientes a “fase septicêmica” evolui como uma doença ictérica grave com disfunção renal, fenômenos hemorrágicos, alterações hemodinâmicas, cardíacas, pulmonares e de consciência (doença de Weil), com taxas de letalidade entre 10% e 40%. O curso bifásico é raro e os sintomas e sinais que precedem a icterícia são mais intensos, destacando-se as mialgias, sobretudo nas panturrilhas. A icterícia, de tonalidade alaranjada (icterí- 504 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leptospirose cia rubínica), bastante intensa e característica, tem início entre o 3º e 7º dia da doença. A disfunção hepática é associada a maior incidência de complicações e a maior mortalidade, embora a insuficiência hepática não constitua importante causa de morte, diferentemente do que ocorre com a febre amarela. A insuficiência renal aguda (IRA) e a desidratação acometem na maioria dos pacientes. A forma oligúrica é menos freqüente que a forma não-oligúrica, mas está associada a pior prognóstico. Diferentemente de outras formas de IRA, os níveis de potássio plasmático estão normais ou diminuídos, raramente elevados. Os fenômenos hemorrágicos são freqüentes, podendo ocorrer na pele, nas mucosas ou nos órgãos internos, sob a forma de petéquias, equimoses e sangramento nos locais de venopunção, e também em qualquer estrutura orgânica, inclusive no sistema nervoso central. As hemorragias gastrointestinais e pulmonares são os principais mecanismos implicados com o óbito dos pacientes. O envolvimento cardíaco mais comum é a miocardite, com alterações eletrocardiográficas, arritmias e insuficiência cardíaca ou choque cardiogênico. Ao exame do abdome, com freqüência há dor à palpação; constata-se hepatomegalia em aproximadamente 70% dos casos. A esplenomegalia é rara. 6 Nos últimos anos, têm sido descritos casos da forma pulmonar grave da leptospirose, com quadros respiratórios evoluindo para insuficiência respiratória aguda, com hemorragia pulmonar maciça ou síndrome de angústia respiratória do adulto. Muitas vezes precede o quadro de icterícia e insuficiência renal. O óbito pode ocorrer nas primeiras 24 horas de internação. L Convalescença e seqüelas Atrofia muscular e anemia são freqüentemente observadas por ocasião da alta do paciente. A convalescença dura de 1 a 2 meses, período no qual podem persistir a febre, a cefaléia, as mialgias e mal-estar geral por alguns dias. A leptospirúria pode continuar por uma semana ou eventualmente até vários meses após o desaparecimento dos sintomas. Os níveis de anticorpos, detectados pelos testes sorológicos, diminuem progressivamente mas em alguns casos podem permanecer elevados por vários meses, fato que não deve ser interpretado como uma infecção prolongada, situação não descrita para a leptospirose humana. Diagnóstico diferencial Forma anictérica – “virose”, dengue, influenza, hantavirose, arboviroses, apendicite aguda, sepse, febre tifóide, pneumonias da comunidade, malária, pielonefrite aguda, riquetsioses, toxoplasmose, meningites e outras. Forma ictérica – sepse com icterícia, hepatites virais agudas, febre tifóide com icterícia, febre amarela, malária grave (principalmente por P. falciparum), riquetsioses, colangite, colecistite aguda, coledocolitíase, síndrome hemolítico-urêmico grave com icterícia, síndrome hepatorrenal, esteatose aguda da gravidez e outras. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 505 Leptospirose Diagnóstico laboratorial Exames específicos O método laboratorial de escolha depende da fase evolutiva em que se encontra o paciente. Na fase aguda ou septicêmica, durante o período febril, as leptospiras podem ser visualizadas no sangue através de exame direto, de cultura em meios apropriados ou a partir de inoculação em animais de laboratório. A cultura somente se finaliza (positiva ou negativa) após algumas semanas, o que garante apenas um diagnóstico retrospectivo. Na fase imune, as leptospiras podem ser encontradas na urina, cultivadas ou inoculadas. Pelas dificuldades inerentes à realização dos exames anteriormente citados, os métodos sorológicos são consagradamente eleitos para o diagnóstico da leptospirose. Os mais utilizados em nosso meio são o teste Elisa-IgM, a macroaglutinação e a microaglutinação. Vide normas de coleta e interpretação dos resultados no Anexo I. Exames inespecíficos São relevantes para o diagnóstico e acompanhamento clínico da leptospirose: hemograma, coagulograma, transaminases, bilirrubinas, uréia, creatinina e eletrólitos, gasometria, elementos anormais e sedimentos no exame sumário de urina, raios X de tórax e eletrocardiograma. As alterações mais comuns são: • leucocitose, neutrofilia e desvio para a esquerda; • anemia hipocrômica; • aumento da velocidade de hemossedimentação (VHS); • plaquetopenia; • elevação das bilirrubinas, principalmente da fração direta que pode atingir com freqüência níveis elevados acima de 15mg/dl; • transaminases normais ou com aumentos de 3 a 5 vezes o valor da referência (geralmente não ultrapassam 500 UI/dl), estando a TGO (AST) usualmente mais elevada que a TGP (ALT); • fosfatase alcalina e gama glutamiltransferase (Gama GT) elevadas; • atividade de protrombina diminuída ou tempo de protrombina aumentado; • potássio sérico normal ou abaixo do normal, mesmo na vigência de insuficiência renal aguda; • uréia e creatinina elevadas; • baixa densidade urinária, proteinúria, hematúria microscópica e leucocitúria são achados freqüentes no exame sumário de urina; • líquor com xantocromia (nos casos ictéricos), pleocitose moderada (abaixo de 1 mil células/mm3) linfomonocitária ou neutrofílica, comum na segunda semana da doença, mesmo na ausência clínica da evidência de envolvimento meníngeo. Pode haver predomínio de neutrófilos, gerando confusão com meningite bacteriana inespecífica; • CK (creatinoquinase) e fração MB (CK-MB) poderão estar elevadas; • gasometria arterial mostrando acidose metabólica e hipoxemia. 506 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leptospirose Tratamento Antibioticoterapia Publicações anteriores têm enfatizado seu efeito benéfico quando iniciada até o 5º dia do início dos sintomas; porém, estudos mais recentes sugerem sua eficácia, mesmo quando iniciada mais tarde, no curso dos casos graves. A droga de escolha é a penicilina G cristalina (adultos: de 6 a 12 milhões de unidades/dia, divididas em 4 a 6 tomadas diárias, durante 7 a 10 dias; crianças: 50 mil a 100 mil unidades/kg/dia pelo mesmo período). Como alternativas podem ser utilizadas a ampicilina (4 g/dia para adultos e 50 a 100 mg/kg/dia para crianças), a tetraciclina (2 g/dia) ou a doxiciclina (100mg de 12/12horas) por igual período. Para os pacientes alérgicos à penicilina ou que apresentem lesão renal e icterícia, sugerese o uso do cloranfenicol (2g/dia para adultos e 50 a 100 mg/kg/dia para crianças). 6 Observação: a tetraciclina e a doxiciclina são contra-indicadas em gestantes, menores de 9 anos e pacientes com insuficiência renal aguda ou insuficiência hepática. Medidas terapêuticas de suporte Constituem aspectos da maior relevância no atendimento de casos moderados e graves e devem ser iniciadas precocemente na tentativa de evitar complicações da doença, principalmente as renais: reposição hidreletrolítica, assistência cardiorrespiratória, transfusões de sangue e derivados, nutrição enteral ou parenteral, proteção gástrica, etc. O acompanhamento do volume urinário e da função renal são fundamentais para se indicar a instalação de diálise peritoneal precoce, o que reduz o dano renal e a letalidade da doença. L Aspectos epidemiológicos A leptospirose apresenta distribuição universal. No Brasil, é uma doença endêmica, tornando-se epidêmica em períodos chuvosos, principalmente nas capitais e áreas metropolitanas, devido às enchentes associadas à aglomeração populacional de baixa renda em condições inadequadas de saneamento e à alta infestação de roedores infectados. Algumas profissões facilitam o contato com as leptospiras, como trabalhadores em limpeza e desentupimento de esgotos, garis, catadores de lixo, agricultores, veterinários, tratadores de animais, pescadores, magarefes, laboratoristas, militares e bombeiros, dentre outras. Contudo, em nosso meio, a maior parte dos casos ainda ocorre entre pessoas que habitam ou trabalham em locais com más condições de saneamento e expostos à urina de roedores. Em análise realizada para o período 2001 a 2003, no Brasil, o local provável de infecção (LPI) de 55% dos casos era o domicílio; de 32%, o ambiente de trabalho e de 13%, as situações de lazer. Ao se observar apenas o meio rural/silvestre como LPI, observou-se que 54% dos casos ocorreram no ambiente de trabalho, 28% no domicílio e 17% em situações de lazer. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 507 Leptospirose No período de 1999 a 2003, foram confirmados 14.334 casos de leptospirose, com uma média anual de 2.866 casos, variando entre 2.415 (2003) e 3.532 casos (2001). Nesse mesmo período foram informados 1.683 óbitos, numa média de 336 óbitos/ano. A taxa de letalidade foi de 12% e o coeficiente médio de incidência de 1,7/100 mil hab. Entre os casos notificados, as maiores freqüências têm sido encontradas entre indivíduos do sexo masculino (81%) e na faixa etária de 20 a 49 anos, ainda que não exista uma predisposição de gênero ou idade para contrair a infecção. Do total de casos confirmados, 77% foram hospitalizados, o que claramente demonstra que o sistema de vigilância sofre um importante grau de subnotificação, captando principalmente os casos moderados e graves. A média de permanência no hospital foi de 7,5 dias. Casos confirmados e coeficientes de incidência de leptospirose. Brasil, 1991-2003 4 6.000 Número de casos 3 4.000 2,5 3.000 2 1,5 2.000 CI p / 100 mil hab. 3,5 5.000 1 1.000 0,5 0 1991 Casos C.I. 3.014 2 1992 1993 1994 1995 1996 2.094 1.728 2.893 4.293 5.579 1,4 1,1 1,8 2,7 3,5 1997 1998 3.298 3.449 2 2,1 1999 2.436 2 2000 3.493 2 2001 3.532 2 2002 2003 2.455 2.415 1,4 1,4 0 Fonte: SVS/MS Os sintomas mais freqüentemente relatados foram febre (92%), mialgia (87%), cefaléia (82%), icterícia (73%), náusea ou vômitos (70%), alterações respiratórias (37%), diarréia (34%), conjuntivite (26%), insuficiência renal (27%), hemorragia (17%), alterações cardíacas (11%) e meningismo (8,5%). As situações mais freqüentes de exposição foram aquelas relacionadas à ocorrência de enchentes, seguidas por contato com córregos ou cursos d’água, lavoura, lixo, esgoto e, em menor escala, com limpeza de caixas d’água e outras situações. Vigilância epidemiológica Objetivos • Monitorar a ocorrência de casos e surtos e determinar a sua distribuição espacial e temporal. 508 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leptospirose • Reduzir a letalidade da doença, mediante a garantia de diagnóstico e tratamento precoce e adequado. • Identificar os sorovares circulantes em cada área. • Direcionar as medidas preventivas e de controle destinadas à população, ao meio ambiente e aos reservatórios animais. Definição de caso Suspeito • Indivíduo com febre de início súbito, mialgias, cefaléia, mal-estar e/ou prostração, associados a um ou mais dos seguintes sinais e/ou sintomas: sufusão conjuntival ou conjuntivite, náuseas e/ou vômitos, calafrios, alterações do volume urinário, icterícia, fenômeno hemorrágico e/ou alterações hepáticas, renais e vasculares compatíveis com leptospirose ictérica (síndrome de Weil) ou anictérica grave. • Indivíduo que apresente sinais e sintomas de processo infeccioso inespecífico com antecedentes epidemiológicos sugestivos nos últimos 30 dias anteriores à data de início dos primeiros sintomas. 6 São considerados como antecedentes epidemiológicos sugestivos: • exposição a enchentes, lama ou coleções hídricas potencialmente contaminadas; • exposição a esgoto e fossas; • atividades que envolvam risco ocupacional, como coleta de lixo, limpeza de córregos, trabalho em água ou esgoto, manejo de animais e agricultura em áreas alagadas, dentre outras; • presença de animais infectados (roedores, cães, bovinos, etc.) nos locais freqüentados pelo paciente. L Confirmado Critério clínico-laboratorial – presença de sinais e sintomas clínicos compatíveis, associados a um ou mais dos seguintes resultados de exames laboratoriais: • teste Elisa-IgM reagente (ou reação de macroaglutinação reagente, se disponível); • soroconversão na reação de microaglutinação, entendida como uma primeira amostra (fase aguda) não-reagente e uma segunda amostra (14-21 dias após, máximo até 60 dias) com título maior ou igual a 1:200; • aumento de 4 vezes ou mais nos títulos de microaglutinação entre duas amostras sangüíneas coletadas com um intervalo de 14 a 21 dias (máximo de 60 dias); • quando não houver disponibilidade de duas ou mais amostras, um título maior ou igual a 1:800 na microaglutinação confirma o diagnóstico; • isolamento da Leptospira (em sangue, líquor, urina ou tecidos) ou detecção de DNA de leptospira patogênica por PCR; • imunohistoquímica positiva para leptospirose em pacientes suspeitos que evoluíram para óbito. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 509 Leptospirose Critério clínico-epidemiológico – todo caso suspeito que apresente sinais e/ou sintomas inespecíficos associados com alterações nas funções hepáticas e/ou renais e/ou vasculares e antecedentes epidemiológicos (descritos nos critérios de definição de caso suspeito) que, por algum motivo, não tenha colhido material para exames laboratoriais específicos ou estes tenham resultado não-reagente com amostra única coletada antes do 7º dia de doença. O resultado negativo (não-reagente) de qualquer exame sorológico específico para a leptospirose (macroaglutinação, microaglutinação, Elisa-IgM, ou outros), com amostra sangüínea coletada antes do 7º dia do início dos sintomas, não descarta o caso suspeito. Outra amostra sangüínea deverá ser coletada a partir do 7º dia do início dos sintomas, para auxiliar na interpretação do diagnóstico, conforme referido anteriormente (lembrar que o pico de produção de anticorpos ocorre a partir do 14º dia do início dos sintomas). Todo caso suspeito com o mesmo vínculo epidemiológico (mesmos fatores de risco) de um caso já confirmado por critério clínico-laboratorial que, por algum motivo, não tenha colhido material para exames laboratoriais específicos ou estes tenham resultado nãoreagente com amostra única coletada antes do 7º dia de doença. Descartado • Teste Elisa-IgM não-reagente, em amostra sangüínea coletada a partir do 7º dia de início dos sintomas. • Reação de macroaglutinação não-reagente, em amostra sangüínea coletada a partir do 7º dia de início dos sintomas. • Duas reações de microaglutinação não-reagentes (ou reagentes sem apresentar soroconversão nem aumento de 4 vezes ou mais nos títulos), com amostras sangüíneas coletadas a partir do primeiro atendimento do paciente e com intervalo de 2 a 3 semanas entre elas. Notificação A leptospirose é uma doença de notificação compulsória no Brasil. Tanto a ocorrência de casos suspeitos isolados como a de surtos devem ser notificadas, o mais rapidamente possível, para o desencadeamento das ações de vigilância epidemiológica e controle. Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente Hospitalização imediata dos casos graves, visando evitar complicações e diminuir a letalidade. Nos casos leves, o atendimento é ambulatorial. Qualidade da assistência Os casos deverão ser atendidos em unidade de saúde com capacidade para prestar atendimento adequado e oportuno. Aqueles que apresentarem complicações, principal- 510 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leptospirose mente metabólicas, renais, respiratórias e hemorrágicas, deverão ser encaminhados para internação em hospitais de maior complexidade, que disponham de capacidade para realizar procedimentos de diálise e cuidados de terapia intensiva, se necessários. Proteção individual A transmissão pessoa a pessoa é rara e sem importância epidemiológica. Em geral, adotam-se medidas de precaução universal no manejo dos casos suspeitos e confirmados. O destino adequado das excretas evitará o contato da urina de doentes com pessoas susceptíveis. Confirmação diagnóstica Coletar material para diagnóstico laboratorial específico de todos os casos suspeitos, sempre que possível, de acordo com as orientações do Anexo 1. Acompanhar os resultados dos exames inespecíficos que auxiliam no esclarecimento do diagnóstico. 6 Proteção da população Orientar e adotar as medidas de prevenção da doença, particularmente antes e durante o período das grandes chuvas. Alertar a população para que realize as medidas de desinfecção de domicílios após as enchentes e evite entrar ou permanecer desnecessariamente em áreas alagadas ou enlameadas sem a devida proteção individual. Descartar os alimentos que entraram em contato com águas contaminadas, bem como verificar se o tratamento da água de uso doméstico está adequado. Medidas de anti-ratização são indicadas, principalmente em áreas endêmicas sujeitas a inundações. Ações continuadas de informação, comunicação e educação em saúde deverão ser empreendidas no sentido de repassar à população informações relativas às formas de transmissão, reservatórios animais envolvidos e situações de risco. L Investigação A investigação epidemiológica de cada caso suspeito e/ou confirmado deverá ser realizada com base no preenchimento da ficha específica de investigação, visando determinar a forma e local provável de infecção (LPI), o que irá orientar a adoção de medidas adequadas de controle. Roteiro da investigação epidemiológica Identificação do paciente Preencher todos os campos da ficha de investigação epidemiológica do Sinan relativos aos dados gerais, dados do caso e de residência do paciente. Coleta de dados epidemiológicos, clínicos e laboratoriais Coletar dados referentes aos antecedentes epidemiológicos, com especial atenção para a ocupação e situação de risco ocorrida nos 30 dias que antecederam os primeiros sintomas Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 511 Leptospirose do paciente, registrando a data e endereço do local provável de infecção (LPI) e a ocorrência de casos anteriores de leptospirose humana ou animal no mesmo. Registrar a data do atendimento e os sinais e sintomas apresentados pelo paciente desde o início do quadro clínico, a ocorrência de hospitalização, datas de internação e alta e o endereço do hospital. Levantar dados referentes à coleta e encaminhamento de amostra(s) para diagnóstico laboratorial, técnicas utilizadas (Elisa, microaglutinação, etc.), datas de coleta e respectivos resultados. Os exames inespecíficos (níveis de uréia, creatinina, bilirrubinas, transaminases, plaquetas e potássio) poderão ser sugestivos para confirmação ou descarte do caso, na dependência da evolução clínica e dos exames sorológicos específicos. Para confirmar a suspeita diagnóstica – seguir os critérios de definição e de confirmação de casos. Para identificação da área de risco – determinar forma e local provável de infecção (LPI), sendo importante pesquisar: • contato com água, solo ou alimentos que possam estar contaminados pela urina de roedores infectados; • contato direto com roedores ou outros reservatórios animais; • condições propícias à proliferação ou presença de roedores nos locais de trabalho ou moradia; • ocorrência de enchentes, níveis de precipitações pluviométricas, atividades de lazer em áreas potencialmente contaminadas, dentre outras. O mapeamento de todos os casos deverá ser feito para se conhecer a distribuição espacial da doença, possibilitando a identificação de áreas de aglomeração de casos humanos. Para determinação da extensão da área de risco – as áreas de risco são definidas após o mapeamento dos locais prováveis de infecção de cada caso, associando-as: • às áreas com antecedentes de ocorrência da doença em humanos e/ou animais; • aos fatores ambientais predisponentes: topografia, hidrografia, temperatura, umidade, precipitações pluviométricas, pontos críticos de enchente, pH do solo, condições de saneamento básico, disposição, coleta e destino do lixo; • aos fatores socioeconômicos e culturais: classes sociais predominantes, níveis de renda, aglomerações populacionais, condições de higiene e habitação, hábitos e costumes da população, proteção aos trabalhadores sob risco; • aos níveis de infestação de roedores na área em questão. Coleta e remessa de material para exames Verificar se a equipe de assistência adotou as providências para realizar o exame específico, cujo material deve ser coletado e conservado de acordo com as orientações do Anexo 1. Por tratar-se de patologia freqüentemente confundida com outras doenças febris, ictéricas ou não, e em algumas situações ocorrerem surtos concomitantes de hepatite, dengue e outras doenças, deve-se atentar para o fato de que os exames inespecíficos são valiosos para 512 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leptospirose Roteiro de investigação epidemiológica da leptospirose Caso suspeito Investigação epidemiológica Atenção médica/ dados clínicos Caso Ambiental Coleta de dados clínicos/ epidemiológicos do paciente Identificação do local provável de infecção (LPI) e áreas de transmissão 6 Acionar medidas de controle e manejo integrado de roedores Exame laboratorial Coleta e remessa de material Anti-ratização Não Sim Diagnóstico descartado Educação em saúde Diagnóstico confirmado L Acompanhar evolução Avaliar critérios clínicoepidemiológicos Cura Descarte Desratização Óbito Confirmação Acionar medidas de controle Manejo integrado de roedores fortalecer ou afastar a suspeita diagnóstica. A unidade de atendimento deverá estar orientada para solicitar os exames inespecíficos de rotina para os casos suspeitos, bem como exames específicos para outras doenças caso o diagnóstico diferencial assim o exija. Análise dos dados A distribuição dos casos notificados e confirmados deve ser apresentada em gráficos e tabelas agregados segundo faixa etária, sexo, ocupação, data dos primeiros sintomas, fre- Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 513 Leptospirose qüência e distribuição dos sinais ou sintomas, área geográfica de ocorrência, etc. Também devem ser considerados os dados referentes a hospitalizações, estimativas de incidência e de mortalidade, taxa de letalidade, etc. Percentuais e critérios de confirmação de casos devem ser explicitados. Quando possível, relacionar os sorovares infectantes de acordo com os sinais e/ou sintomas dos pacientes (gravidade) e a respectiva distribuição geográfica. A forma de contágio da doença e a evolução do evento serão úteis na determinação do perfil epidemiológico dos indivíduos afetados. A construção do diagrama de controle permite a comparação da incidência atual da doença com a de anos anteriores, evidencia mais claramente o comportamento da doença em cada área – endêmico ou epidêmico – e permite melhor direcionar as medidas de controle, bem como avaliar sua efetividade. Encerramento de casos Seguir os critérios de confirmação e descarte de casos, descritos no tópico Definição de caso. Relatórios Por tratar-se de doença endêmica, a elaboração e a divulgação de relatórios periódicos será de essencial importância para se obter um perfil epidemiológico da doença no tempo e no espaço, de modo a direcionar as medidas de prevenção e controle a médio e longo prazos. Nas situações de surtos e/ou epidemias, deverão ser elaborados relatórios parciais e finais, visando orientar as medidas imediatas e mediatas para a redução da transmissão e da morbimortalidade. Instrumentos disponíveis para controle Vários fatores interagem na ocorrência de um caso de leptospirose; portanto, as medidas de prevenção e/ou controle deverão ser direcionadas não-somente aos reservatórios como também à melhoria das condições de proteção dos trabalhadores expostos, das condições higiênico-sanitárias da população e às medidas corretivas no meio ambiente. Imunização No Brasil, não existe uma vacina disponível para uso humano contra a leptospirose. A vacinação de animais domésticos (cães, bovinos e suínos) evita que adoeçam mas não impede que se infectem. Neste caso, podem apresentar leptospirúria, tornando-se fontes de infecção, ainda que em grau mais leve e por um período menor do que ocorre com a infecção em animais não-vacinados. Controle de reservatórios A efetividade das ações de prevenção e controle voltadas aos animais (sinantrópicos, domésticos ou de criação) e a conseqüente diminuição do nível de contaminação ambiental 514 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leptospirose levarão à redução do número de casos humanos de leptospirose. As principais medidas voltadas aos reservatórios são: • controle da população de roedores ❯ anti-ratização – visa modificar as características ambientais que favorecem a penetração, instalação e livre proliferação de roedores, por meio da eliminação dos fatores que propiciem o acesso desses animais a alimento, água e abrigo; ❯ desratização – visa a eliminação direta dos roedores através de métodos mecânicos (ratoeiras) e químicos (raticidas). Estas atividades devem ser planejadas e executadas por equipes devidamente capacitadas. Os métodos biológicos (predadores) não são aplicáveis na prática; • segregação e tratamento de animais domésticos infectados e/ou doentes e proteção das áreas humanas de moradia, trabalho e lazer contra a contaminação pela urina destes animais; • imunização de animais domésticos e de produção (caninos, bovinos e suínos) através do uso de vacinas preparadas com os sorovares prevalentes na região; • cuidados com a higiene, remoção e destino adequado de excretas de animais e desinfecção permanente dos canis ou locais de criação. 6 Ações de educação em saúde • Alertar a população sobre a distribuição da doença, formas de transmissão, manifestações clínicas e medidas de prevenção. • Esclarecer sobre o problema, visando a busca conjunta de soluções, as medidas que os órgãos de saúde estão desenvolvendo, os locais para encaminhamento dos casos suspeitos, etc. • Definir formas de participação da população nas ações de controle da doença, considerando as estratégias propostas a seguir. L Estratégias de prevenção Dentre as principais medidas de prevenção e/ou controle da leptospirose, destacam-se: Relativas às fontes de infecção • Controle da população de roedores (anti-ratização e desratização); • Segregação e tratamento de animais de produção e companhia; • Vigilância epidemiológica dos doadores de sêmen animal e dos comunicantes, controle sanitário da inseminação artificial; • Cuidados com a higiene animal: remoção e destino adequado de resíduos alimentares, excretas, cadáveres e restos de animais; limpeza e desinfecção permanente dos canis ou locais de criação; • Armazenamento apropriado dos alimentos em locais inacessíveis a roedores; • Coleta, condicionamento e destino adequado do lixo, principal fonte de alimento para roedores; • Manutenção de terrenos baldios, públicos ou privados, murados e livres de mato e Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 515 Leptospirose entulhos, evitando condições à instalação de roedores. • Eliminar entulho, materiais de construção ou objetos em desuso que possam oferecer abrigo a roedores. Observação: para a viabilização das medidas de anti-ratização faz-se necessário agilizar e conscientizar a população e os órgãos competentes sobre a importância dos serviços integrados de coleta de lixo, aprimoramento do uso de aterros sanitários e limpeza pública, aperfeiçoamento da legislação sanitária e promoção do envolvimento e participação da comunidade. Relativas às vias de transmissão Cuidados com a água para consumo humano direto Deve-se garantir a utilização de água potável, filtrada, fervida ou clorada para consumo humano. Se o domicílio for abastecido por sistema público e, no ponto de consumo (torneira, jarra, pote, etc.), não for verificada a presença de cloro na quantidade recomendada (maior que 0,5 mg/l) ou se a água utilizada for proveniente de poço, cacimba, fonte, rio, riacho, açude, barreira, etc., deve-se proceder à cloração no local utilizado para armazenamento (reservatório, tanque, tonel, jarra, etc.). Indica-se o uso de hipoclorito de sódio a 2,5% ou água sanitária, numa das seguintes diluições: Volume de água Hipoclorito de sódio a 2,5% (ou água sanitária) Dosagem Medida prática 1 mil litros 100ml 2 copinhos de café (descartáveis) 200 litros 15ml 1 colher de sopa 20 litros 2ml 1 colher de chá 1 litro 0,0045ml 2 gotas Tempo de contato 30 minutos Obs.: aguardar 30 minutos para consumir Limpeza da lama residual das enchentes A lama das enchentes tem alto poder infectante e nestas ocasiões fica aderida a móveis, paredes e chão. Recomenda-se retirar essa lama (sempre se protegendo com luvas e botas de borracha) e lavar o local, desinfetando-o a seguir com solução de água sanitária (hipoclorito de sódio a 2,5%) na seguinte proporção: Para um balde de 20 litros de água: adicionar 1 copo (200 ml) de água sanitária. Limpeza de reservatórios domésticos de água (caixa d’água) Nas enchentes, o sistema doméstico de armazenamento de água pode ser contaminado, mesmo quando não diretamente atingido pela água da enchente, pois a rede de distribuição pode apresentar vazamentos que permitem a entrada de água poluída. Para limpar e desinfetar o reservatório (caixa d’água), recomenda-se: 516 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leptospirose • esvaziar a caixa d’água completamente e lavá-la esfregando bem as paredes e o fundo, retirando toda a sujeira utilizando pá, balde e panos. Não esquecer de usar botas e luvas de borracha; • após concluída a limpeza, colocar 1 litro de água sanitária (hipoclorito de sódio a 2,5%) para cada 1 mil litros de água do reservatório; • abrir a entrada (registro ou torneira) para encher a caixa com água limpa; • após 30 minutos, abrir as torneiras da casa por alguns segundos, com vistas à entrada da água clorada na tubulação doméstica; • aguardar 1 hora e 30 minutos para que ocorra a desinfecção do reservatório e das canalizações; • abrir as torneiras, podendo aproveitar a água para limpeza em geral de chão e paredes. Cuidados com os alimentos É fundamental que as ações de vigilância sanitária relativas à produção, armazenamento, transporte e conservação dos alimentos sejam continuadas. Os alimentos que entraram em contato com as águas de enchentes deverão ser descartados, pois é perigosa qualquer tentativa de reaproveitamento. O ideal, como prevenção, é armazená-los em locais elevados, acima do nível das águas. 6 Alimentos enlatados Latas amassadas, enferrujadas ou semi-abertas deverão ser inutilizadas, porém as que permanecerem em bom estado e nas quais se tenha certeza de que não houve contato das águas com os alimentos nela contidos poderão ser lavadas com solução de água sanitária na proporção de 1/100, preparada do seguinte modo: 1 litro de água sanitária para 100 litros de água; ou 1/2 litro de água sanitária para 50 litros de água; ou 1/4 litro de água sanitária para 25 litros de água. L Águas superficiais e esgotos • desassoreamento, limpeza e canalização de córregos; • emprego de técnicas de drenagem de águas livres supostamente contaminadas; • construção e manutenção permanente das galerias de águas pluviais e esgoto em áreas urbanas. Relativas ao susceptível • Medidas de proteção individual para trabalhadores ou indivíduos expostos ao risco, através do uso de equipamentos de proteção individual como luvas e botas. • Redução do risco de exposição de ferimentos às águas/lama de enchentes ou outra situação de risco. • Imunização de animais domésticos (cães, bovinos e suínos) com vacinas preparadas com sorovares prevalentes na região. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 517 Leptospirose Anexo 1 Normas para procedimentos laboratoriais Coleta e conservação de material para diagnóstico de leptospirose Tipo de diagnóstico Cultura Tipo de material Quantidade Sangue 1, 2 e 3 gotas por tubo* (total= 3 tubos por paciente) Microaglutinação Soro (sem hemólise) Elisa-IgM Soro (sem hemólise) Macroaglutinação Soro (sem hemólise) 3,0ml 3,0ml 3,0ml Nº de amostras Período da coleta Recipiente Transporte Estocagem longo prazo 1 Fase aguda, preferencialmente antes de tratamento antibiótico. Ideal até o 7º dia do início dos sintomas Meio de cultura EMJH ou Fletcher Temperatura ambiente Não se aplica 2 Amostras pareadas nas fases aguda e convalescente: a primeira, no primeiro atendimento; a segunda, após um intervalo de 14 a 21 dias (máx. 60) Frasco adequado para congelamento (tubo de ensaio) sem anticoagulante No gelo (4oC) Congelado (-20ºC a -70ºC) 1 ou 2 Fase aguda (no primeiro atendimento); se for negativo, coletar uma segunda amostra em 5-7 dias Frasco adequado para congelamento (tubo de ensaio) sem anticoagulante No gelo (4o C ) Congelado (-20ºC a -70ºC ) 1 ou 2 Fase aguda (no primeiro atendimento); se for negativo, repetir em 5-7 dias Frasco adequado para congelamento (tubo de ensaio) sem anticoagulante No gelo (4oC) Congelado (-20ºC a -70ºC) *O sangue para o isolamento das leptospiras deverá ser semeado em três tubos contendo o meio de cultura específico. No primeiro tubo, deverá ser colocada uma gota de sangue; no segundo, duas e no terceiro, três gotas. Volumes de sangue maiores que os recomendados podem acarretar o insucesso diagnóstico. Teste de Elisa-IgM O teste imunoenzimático Elisa-IgM é um método sensível e específico, implantado desde 2003 em todos os laboratórios centrais das unidades federadas, que permite a detecção de anticorpos a partir da primeira semana da doença até 1 ou 2 meses após. Para facilidade operacional, a coleta deve ser feita a partir do 7º dia do início dos sintomas: o resultado “reagente” confirma o caso e o resultado “não-reagente” descarta o caso. No entanto, em muitas ocasiões, este teste é solicitado no primeiro atendimento ao paciente, antes de decorrido o período referido; apresentará conseqüentemente, resultado não-reagente. Por isso, aconselha-se a coleta de uma segunda amostra, apenas nestes casos, uma semana depois (ver fluxograma em seguida). 518 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Leptospirose Fluxograma para Elisa ou macroaglutinação Caso suspeito Elisa ou macro Amostra de sangue antes do 7º dia de sintomas Não-reagente Repetir com outra amostra colhida após o 7º dia Amostra de sangue após o 7º dia de sintomas Reagente Reagente Confirma o caso Não-reagente Descarta o caso 6 Reação de macroaglutinação Trata-se de um exame acessível e de fácil execução, podendo ser realizado até por pequenos laboratórios em hospitais gerais e/ou unidades de saúde. Por detectar, principalmente, anticorpos antileptospira da classe IgM, é um exame bastante útil na fase aguda da doença. O período ideal de coleta de amostra sangüínea é a partir do 7º dia de início dos sintomas. No entanto, em muitas ocasiões este teste é solicitado no primeiro atendimento ao paciente, antes de decorrido este período, apresentando conseqüentemente resultado não-reagente. Por isso, aconselha-se a coleta de uma segunda amostra, apenas nestes casos, uma semana depois (ver fluxograma anterior). L Reação de microaglutinação • A prova de aglutinação microscópica (microaglutinação) realizada a partir de antígenos vivos é considerada como o exame laboratorial “padrão-ouro” para a confirmação do diagnóstico da leptospirose. Além de detectar anticorpos específicos, é usada na identificação e classificação dos sorovares isolados e deve ser realizada em laboratórios especializados ou de referência. • Geralmente, os anticorpos começam a surgir na primeira semana da doença e alcançam títulos máximos em torno da terceira e quarta semanas. Os títulos decaem progressivamente e persistem baixos durante meses e até anos. Este fato dificulta a avaliação, no sentido de se concluir, diante de um exame reagente, se estamos diante de uma infecção em atividade ou de uma infecção passada (cicatriz sorológica). Por esta razão, recomenda-se comparar duas amostras de soro, a primeira colhida na fase aguda da doença e a segunda, duas a três semanas após. O aumento de 4 vezes ou mais (2 ou mais diluições) no título de anticorpos da 1ª para a 2ª amostra confirma o diagnóstico de infecção aguda. Se houver um resultado não-reagente na primeira amostra e um resultado reagente com título maior ou igual a 1:200 na Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 519 Leptospirose segunda amostra, teremos o que se conhece como soroconversão, o que também confirma o caso. • Deve-se ressaltar que o uso precoce de antibióticos pode interferir na resposta imunológica, alterando os títulos de anticorpos. Por esta razão, muitos pacientes não chegam a apresentar soroconversão ou o aumento de 4 vezes ou mais nos títulos entre a primeira e a segunda amostra, o que impediria a sua confirmação se não fossem realizados outros exames laboratoriais confirmatórios (isolamento, PCR e outros). • Excepcionalmente, quando se conta apenas com uma amostra sangüínea com teste de microaglutinação reagente, com título igual ou maior que 1:800, confirma-se o caso. Exames laboratoriais em caso de óbito por síndrome febril • Em caso de óbito de pacientes com síndrome febril, febril-ictérica ou febril-hemorrágica, sem diagnóstico nosológico definitivo, recomenda-se colher imediatamente após o óbito uma amostra de 10ml de sangue para sorologia de leptospirose (pesquisa de anticorpos IgM), mesmo que tenham sido colhidas amostras anteriormente. • A amostra de soro deve ser identificada, mantida refrigerada e enviada ao Lacen juntamente com a ficha de notificação devidamente preenchida. A coleta para sorologia servirá para diagnóstico laboratorial de leptospirose e outras patologias que cursem com um quadro semelhante, como hepatite viral, febre amarela, dengue, hantavirose. • Para meningococcemia e septicemia, sugere-se também colher sangue para hemocultura. • Estes procedimentos são particularmente importantes em casos de óbito de pacientes internados (UTI ou enfermaria) cuja etiologia ainda não foi esclarecida. • Recomenda-se também a coleta de tecidos, conforme descrito a seguir. Amostras de tecidos para histopatologia e imunohistoquímica após o óbito • É importante coletar amostras de tecidos (fragmentos de aproximadamente 1cm) de diversos órgãos, incluindo o cérebro, pulmão, rim, fígado, pâncreas, coração e músculo esquelético (panturrilha). As amostras devem ser coletadas o mais rápido possível, no máximo até 8 horas após a morte. Devem ser identificadas e conservadas em solução de formalina tamponada ou embebidas em parafina e transportadas em temperatura ambiente. A ficha de notificação e um resumo dos achados macroscópicos devem ser encaminhados juntamente com as amostras. • Cada Lacen deverá orientar os serviços de vigilância e assistência de sua unidade federada acerca da melhor maneira de proceder a coleta e encaminhamento de amostras nestes casos, bem como estabelecer os fluxos com os laboratórios de referência para a realização dos exames, se necessários. • Outros exames, como o PCR, cultura e isolamento de leptospiras, podem ser realizados por laboratórios de referência (amostras criopreservadas). 520 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Malária MALÁRIA CID 10: B50 a B54 Características clínicas e epidemiológicas Descrição Doença infecciosa febril aguda, causada por protozoários transmitidos por vetores. Reveste-se de importância epidemiológica por sua gravidade clínica e elevado potencial de disseminação em áreas com densidade vetorial que favoreça a transmissão. Causa consideráveis perdas sociais e econômicas na população sob risco, concentrada na região amazônica. 6 Agente etiológico Protozoários do gênero Plasmodium. No Brasil, três espécies causam a malária em seres humanos: P. vivax, P. falciparum e P. malariae. Uma quarta espécie, o P. ovale, só é encontrado em áreas restritas do continente africano. Reservatório O homem é o único reservatório com importância epidemiológica para a malária. Vetor Mosquito pertencente à ordem dos dípteros, família Culicidae, gênero Anopheles. Este gênero compreende mais de 400 espécies. Em nosso país, as principais espécies transmissoras da malária, tanto na zona rural quanto na urbana, são: Anopheles darlingi, Anopheles aquasalis, Anopheles albitarsis s.l., Anopheles cruzii e Anopheles bellator. A espécie Anopheles darlingi é o principal vetor no Brasil, destacando-se na transmissão da doença pela distribuição geográfica, antropofilia e capacidade de ser infectado por diferentes espécies de plasmódios. Popularmente, os vetores da malária são conhecidos por “carapanã”, “muriçoca”, “sovela”, “mosquito-prego” e “bicuda”. M Modo de transmissão Através da picada da fêmea do mosquito Anopheles, infectada por Plasmodium. Os vetores são mais abundantes nos horários crepusculares, ao entardecer e ao amanhecer. Todavia, são encontrados picando durante todo o período noturno, porém em menor quantidade em algumas horas da noite. Não há transmissão direta da doença de pessoa a pessoa. Pode ocorrer a transmissão induzida, por meio de transfusão de sangue contaminado ou do uso compartilhado de seringas contaminadas. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 521 Malária Período de incubação O período de incubação da malária varia de acordo com a espécie de plasmódio. Para P. falciparum, de 8 a 12 dias; P. vivax, 13 a 17; e P. malariae, 18 a 30 dias. Período de transmissibilidade O mosquito é infectado ao sugar o sangue de uma pessoa com gametócitos circulantes. Os gametócitos surgem na corrente sangüínea, em período que varia de poucas horas para o P. vivax e de 7 a 12 dias para o P. falciparum. Para malária causada por P. falciparum, o indivíduo pode ser fonte de infecção por até 1 ano; P. vivax, até 3 anos; e P. malariae, por mais de 3 anos, desde que não seja adequadamente tratado. Susceptibilidade e imunidade Em geral, toda pessoa é susceptível à infecção por malária. Os indivíduos que desenvolvem atividades em assentamentos na região amazônica e outras, relacionadas ao desmatamento, exploração mineral, extrativismo vegetal, estão mais expostos à doença. Indivíduos que tiveram vários episódios de malária podem atingir um estado de imunidade parcial, apresentando quadro subclínico ou assintomático. Em regiões não-endêmicas, as áreas de risco são determinadas pelo potencial malarígeno, relacionado com a receptividade e vulnerabilidade da área. A receptividade se mantém pela presença, densidade e longevidade do mosquito Anopheles. A vulnerabilidade é causada pela chegada de portadores de malária, oriundos da região amazônica e de outros países. Com exceção do Rio Grande do Sul e Distrito Federal, todos os estados são ainda total ou parcialmente receptivos para a malária. Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas O quadro clínico típico é caracterizado por febre alta, acompanhada de calafrios, sudorese profusa e cefaléia, que ocorrem em padrões cíclicos, dependendo da espécie de plasmódio infectante. Em alguns pacientes, aparecem sintomas prodrômicos, vários dias antes dos paroxismos da doença, a exemplo de náuseas, vômitos, astenia, fadiga, anorexia. Período de infecção – a fase sintomática inicial caracteriza-se por mal-estar, cansaço e mialgia. O ataque paroxístico inicia-se com calafrio, acompanhado de tremor generalizado, com duração de 15 minutos a 1 hora. Na fase febril, a temperatura pode atingir 41oC. Esta fase pode ser acompanhada de cefaléia, náuseas e vômitos. Remissão – caracteriza-se pelo declínio da temperatura (fase de apirexia). A diminuição dos sintomas causa sensação de melhora no paciente. Esta fase pode durar 48 horas para P. falciparum e P. vivax (febre terçã) e 72 horas para P. malariae (febre quartã). Período toxêmico – se o paciente não recebe terapêutica específica, adequada e oportuna os sinais e sintomas podem evoluir para formas graves e complicadas, relacionadas à resposta imunológica do organismo, aumento da parasitemia e espécie de plasmódio. 522 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Malária Hipoglicemia, convulsões, vômitos repetidos, hiperpirexia, icterícia e distúrbios da consciência são indicadores de mau prognóstico. Esses sintomas podem preceder as formas clínicas da malária grave e complicada, tais como malária cerebral, insuficiência renal aguda, edema pulmonar agudo, disfunção hepática e hemoglobinúria. Dignóstico diferencial O diagnóstico diferencial da malária é feito com a febre tifóide, febre amarela, leptospirose, hepatite infecciosa, calazar e outros processos febris. Na fase inicial, principalmente na criança, a malária confunde-se com outras doenças infecciosas dos tratos respiratório, urinário e digestivo, quer de etiologia viral ou bacteriana. No período de febre intermitente, as principais doenças que se confundem com a malária são as infecções urinárias, tuberculose miliar, salmoneloses septicêmicas, calazar, endocardite bacteriana e as leucoses. Todas apresentam febre e, em geral, esplenomegalia. Algumas delas apresentam anemia e hepatomegalia. 6 Diagnóstico laboratorial O diagnóstico laboratorial específico de rotina é realizado mediante demonstração de parasitos, através do método da gota espessa (usado preferencialmente) ou esfregaço ou testes imunocromatográficos (testes rápidos) em áreas de baixa endemicidade ou difícil acesso. Existem ainda os testes de imunodiagnóstico, como a imunofluorescência indireta (IFI), imunoabsorção enzimática (Elisa), aglutinação, precipitação e radiodiagnóstico, não utilizados na prática diária. Dentre os métodos de imunodiagnóstico, o IFI e o Elisa são mais factíveis operacionalmente. Gota espessa – sua técnica baseia-se na visualização das formas do parasito através de microscopia óptica, após coloração pelo método de Walker ou Giemsa. Permite a diferenciação específica dos parasitos a partir da análise de sua coloração, morfologia e estágios de desenvolvimento no sangue periférico, devido à sua alta concentração. Esfregaço – é o método mais utilizado para a identificação das espécies de plasmódios, porém a sensibilidade do diagnóstico é menor que o da gota espessa, em virtude da menor concentração do sangue. A preparação é corada pelos métodos de Giemsa ou Wright. Imunotestes rápidos – nova metodologia diagnóstica representada pelos testes imunocromatográficos de diagnóstico rápido da malária. Esses testes são realizados em fitas de nitrocelulose contendo anticorpo monoclonal contra antígenos específicos do parasito. Os testes hoje disponíveis discriminam especificamente o P. falciparum e as demais espécies simultaneamente, não sendo capazes, portanto, de diagnosticar a malária mista. Pela sua praticidade e facilidade de realização, esses métodos têm sido considerados úteis principalmente em situações onde é complicado processar o exame da gota espessa, como áreas de difícil acesso ao serviço de saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS M 523 Malária Tratamento A quimioterapia da malária tem como objetivos: interromper a esquizogonia sangüínea responsável pela patogenia e manifestações clínicas da infecção; proporcionar a erradicação de formas latentes do parasito (hipnozoítas) das espécies P. vivax e P. ovale no ciclo tecidual, evitando as recaídas; e reduzir as fontes de infecção para os mosquitos, eliminando as formas sexuadas dos parasitos. O tratamento adequado e oportuno da malária previne o sofrimento humano, a ocorrência do caso grave, o óbito e elimina a fonte de infecção. As principais drogas antimaláricas são assim classificadas: • pelo grupo químico – quinolinometanóis (quinina e mefloquina); 4-aminoquinolinas (cloroquina); 8-aminoquinolinas (primaquina); peróxido de lactona sesquiterpênica (derivados da artemisinina); antibióticos (tetraciclina, doxiciclina e clindamicina); • pelo alvo de ação no ciclo biológico do parasito – esquizonticidas teciduais ou hipnozoiticidas (cura radical do P. vivax e P. ovale); esquizonticidas sangüíneos (promovem a cura clínica); gametocitocidas (bloqueiam a transmissão). A decisão de como tratar o paciente com malária deve estar de acordo com o Manual de Terapêutica da Malária e ser precedida de informações sobre os seguintes aspectos: • gravidade da doença – pela necessidade de drogas injetáveis de ação mais rápida sobre os parasitos, visando reduzir a letalidade; • espécie de plasmódio – deve ser diferenciada, em face do perfil variado de resposta do P. falciparum aos antimaláricos. Caso não seja possível determinar a espécie do parasito, deve-se optar pelo tratamento do P. falciparum, pelo risco de evolução grave, devido à alta parasitemia; • idade do paciente – pelo pior prognóstico na criança e no idoso; • história de exposição anterior à infecção – indivíduos não-imunes (primoinfectados) tendem a apresentar formas clínicas mais graves. • susceptibilidade dos parasitos aos antimaláricos convencionais – para indicar tratamento com drogas sabidamente eficazes para área de ocorrência do caso, evitando atraso no efeito terapêutico e agravamento do quadro clínico; • gravidez – a gravidez aumenta o risco de gravidade da malária e de morte. As gestantes não-imunes correm risco de aborto, parto prematuro e natimortalidade. Estão mais propensas à malária cerebral, a hipoglicemia e edema agudo do pulmão. 524 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Malária Esquemas de tratamento para a malária recomendados pelo Ministério da Saúde Nas tabelas a seguir, encontram-se os tratamentos preconizados pelo Ministério da Saúde, relativos aos esquemas. Caso surjam dúvidas, recorrer ao texto do Manual de Terapêutica da Malária, editado pelo Ministério da Saúde. Quadro 1. Equivalência entre grupo etário e peso corporal aproximado Grupos etários Peso corporal Menor de 6 meses Menos de 5kg 6 a 11 meses 5 a 9kg 1 a 2 anos 10 a 14kg 3 a 6 anos 15 a 19kg 7 a 11 anos 20 a 29kg 12 a 14 anos 30 a 49kg 15 ou mais anos 50kg ou mais 6 Observação Todos os profissionais de saúde envolvidos no tratamento da malária, desde o auxiliar de saúde da comunidade até o médico, devem orientar adequadamente, com linguagem compreensível, os pacientes quanto ao tipo de medicamento que está sendo oferecido, a forma de ingeri-lo e os respectivos horários. Muitas vezes, os pacientes sequer dispõem de relógio para verificar as horas. M O uso de expressões locais para a indicação do momento da ingestão do remédio é recomendável. As expressões de 8 em 8 horas ou de 12 em 12 horas muitas vezes não ajudam os pacientes a saber quando devem ingerir os medicamentos. Por outro lado, sempre que possível, deve-se também orientar os acompanhantes ou responsáveis, além dos próprios pacientes, que, geralmente, além de humildes, encontram-se desatentos como conseqüência da febre, das dores e do mal-estar causados pela doença. O tratamento da malária, mesmo em nível periférico, é muito complexo. Dificilmente, apenas um medicamento é utilizado. Em geral, são duas ou três diferentes drogas associadas. É muito fácil haver confusão e troca de medicamentos. Em vários lugares, as pessoas que distribuem os remédios e orientam o seu uso utilizam envelopes de cores diferentes para cada medicamento. O importante é evitar a ingestão incorreta dos remédios, pois as conseqüências podem ser graves. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 525 Malária Esquemas de primeira escolha Tabela 1. Esquema recomendado para tratamento das infecções por Plasmodium vivax com cloroquina em 3 dias e primaquina em 7 dias Drogas e doses 1o dia Grupos etários Cloroquina (comp.) 2o e 3o dias Primaquina (comp.) Adulto Cloroquina (comp.) Infantil 4o ao 7o dias Primaquina (comp.) Adulto Primaquina (comp.) Infantil Adulto Infantil Menor de 6 meses 1/4 - - 1/4 - - - - 6 a 11 meses 1/2 - 1 1/2 - 1 - 1 1 a 2 anos 1 - 1 1/2 - 1 - 1 3 a 6 anos 1 - 2 1 - 2 - 2 7 a 11 anos 2 1 1 1 e 1/2 1 1 1 1 12 a 14 anos 3 1 e 1/2 - 2 1 e 1/2 - 1 e 1/2 - 15 ou mais anos 4 2 - 3 2 - 2 - Primaquina: comprimidos para adultos com 15mg da base e para crianças com 5mg da base. A cloroquina e a primaquina deverão ser ingeridas preferencialmente às refeições. Não administrar primaquina para gestantes e crianças até 6 meses de idade. Ver Tabela 10. Se surgir icterícia, suspender a primaquina. Tabela 2. Esquema recomendado para tratamento das infecções por Plasmodium falciparum com quinina em 3 dias + doxiciclina em cinco dias + primaquina no 6o dia Drogas e doses Grupos etários 1º, 2º e 3º dias Quinina (comp.) Doxiciclina (comp.) 4º e 5º dias 6º dia Doxiciclina (comp.) Primaquina (comp.) 8 a 11 anos 1 e 1/2 1 1 1 12 a 14 anos 2 e 1/2 1 e 1/2 1 e 1/2 2 4 2 2 3 15 ou mais anos As doses diárias de quinina e doxiciclina devem ser divididas em duas tomadas, de 12/12 horas. A doxiciclina e a primaquina não devem ser dadas a gestantes. Neste caso, ver Tabela 7. Para menores de 8 anos e maiores de 6 meses de idade, ver a Tabela 6. 526 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Malária Tabela 3. Esquema recomendado para tratamento das infecções mistas por Plasmodium vivax + Plasmodium falciparum com mefloquina em dose única e primaquina em 7 dias Drogas e doses 1 dia 2o ao 7o dias o Grupos etários Primaquina (comp.) Mefloquina (comp.) dose única Adulto Menor de 6 meses Primaquina (comp.) Infantil Adulto Infantil * - - - - 6 a 11 meses 1/4 - 1 - 1 1 a 2 anos 1/2 - 1 - 1 3 a 4 anos 1 - 2 - 2 5 a 6 anos 1 e 1/4 - 2 - 2 7 a 8 anos 1 e 1/2 1 1 1 1 9 a 10 anos 2 1 1 1 1 11 a 12 anos 2 e 1/2 1 e 1/2 - 1 e 1/2 - 13 a 14 anos 3 1 e 1/2 - 1 e 1/2 - 15 ou mais 4 2 - 2 - 6 *Calcular 15 a 20mg/kg de peso. A dose diária de mefloquina pode ser dividida em duas tomadas com intervalo de até 12 horas. Não usar primaquina em gestantes e menores de 6 meses. Ver Tabela 10. Tabela 4. Esquema recomendado para tratamento das infecções por Plasmodium malariae com cloroquina em 3 dias Drogas e doses Grupos etários Cloroquina (comp.) M 1º dia 2º dia 3º dia Menor de 6 meses 1/4 1/4 1/4 6 a 11 meses 1/2 1/2 1/2 1 a 2 anos 1 1/2 1/2 3 a 6 anos 1 1 1 7 a 11 anos 2 1 e 1/2 1 e 1/2 12 a 14 anos 3 2 2 15 ou mais anos 4 3 3 Obs. Diferentemente do P. vivax, não se usa primaquina para o P. malariae. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 527 Malária Esquemas alternativos Tabela 5. Esquema alternativo para tratamento das infecções por Plasmodium vivax em crianças apresentando vômitos, com cápsulas retais de artesunato em 4 dias e primaquina em 7 dias Drogas e doses 1º, 2º e 3º dias Grupos etários 4º dia Artesunato cápsula retal Artesunato cápsula retal 1 a 2 anos 1 3 a 5 anos 2 (A) 6 a 9 anos 3 (B) 10 a 12 anos 3 (B) 5º ao 11º dias Primaquina (comp.) Adulto Infantil 1 - 1 1 1/2 - 1 - 2 3 (B) 1 - Cápsula retal com 50mg. A cápsula retal pode ser conservada em temperatura ambiente. Primaquina infantil e adulto com 5mg e 15mg de primaquina-base, respectivamente. A dose de primaquina é de 0,50mg/kg de peso e deve ser ingerida, preferencialmente, às refeições. (A) Administrar uma cápsula retal de 12 em 12 horas; (B) Administrar uma cápsula retal de 8 em 8 horas. Para menores de um ano e maiores de 12 anos, ver a Tabela 1. Obs.: não usar este esquema para crianças com diarréia. Tabela 6. Esquema alternativo para tratamento das infecções por Plasmodium falciparum com mefloquina em dose diária e primaquina no 2º dia Drogas e doses Grupos etários 1º dia Mefloquina (comp.) Menor de 6 meses * 2º dia Primaquina (comp.) Adulto Infantil - - 6 a 11 meses 1/4 - 1 1 a 2 anos 1/2 1/2 - 3 a 4 anos 1 1 - 5 a 6 anos 1 e 1/4 1 - 7 a 8 anos 1 e 1/2 1 e 1/2 - 9 a 10 anos 2 1 e 1/2 - 11 a 12 anos 2 e 1/2 1 e 1/2 - 13 a 14 anos 3 2 - 15 ou mais 4 3 - *Calcular 15 a 20mg/ kg de peso. A dose diária de mefloquina pode ser dada em duas tomadas, com intervalo máximo de 12 horas. Não usar mefloquina se tiver usado quinina nas últimas 24 horas. Não usar mefloquina em gestantes no primeiro trimestre. Não usar primaquina em gestantes e menores de 6 meses. 528 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Malária Tabela 7. Tratamento alternativo das infecções por Plasmodium falciparum com quinina em 7 dias Drogas e doses Grupos etários Quinina (comp.) (dose diária durante 7 dias) Menor de 6 meses 1/4 6 a 11 meses 1/2 1 a 2 anos 3/4 3 a 6 anos 1 7 a 11 anos 1 e 1/2 12 a 14 anos 2 15 anos ou mais 3 A dose diária de quinina deve ser fracionada em 3 tomadas, de 8 em 8 horas. Tabela 8. Esquema alternativo para tratamento das infecções por Plasmodium falciparum de crianças, com cápsulas retais de artesunato em 4 dias e dose única de mefloquina no 3o dia e primaquina no 5o dia 6 Drogas e doses Grupos etários 1º e 2º dias 3º dia Artesunato cápsula retal 4º dia 5º dia Artesunato cápsula retal Mefloquina (comp.) Artesunato cápsula retal Primaquina (adulto) 1/2 1 a 2 anos 1 1 1/2 1 3 a 5 anos 2 (A) 2 (A) 1 1 1 6 a 9 anos 3 (B) 3 (B) 1 e 1/2 1 1 e 1/2 10 a 12 anos 3 (B) 3 (B) 2 e 1/2 3 (B) 2 A cápsula retal pode ser conservada em temperatura ambiente. A mefloquina pode ser administrada na dose de 15-20mg/kg, dividida em duas tomadas, com intervalo de 12 horas. M (A) Administrar uma cápsula retal de 12 em 12 horas; (B) Administrar uma cápsula retal de 8 em 8 horas. Para menores de um ano, ver a Tabela 7; e maiores de 12 anos, as Tabelas 2 ou 6. Obs.: não usar este esquema para crianças com diarréia. Tabela 9. Esquema alternativo para tratamento das infecções mistas por Plasmodium vivax + Plasmodium falciparum com quinina em 3 dias, doxiciclina em 5 dias e primaquina em 7 dias Drogas e doses Grupos etários 1º, 2º e 3º dias Quinina (comp.) Doxiciclina (comp.) 4º dia Doxiciclina (comp.) 5º dia Doxiciclina (comp.) 6º ao 11º dias Primaquina (comp.) (adulto) Primaquina (comp.) (adulto) 8 a 11 anos 1 e 1/2 1 1 1 1 1 12 a 14 anos 2 e 1/2 1 e 1/2 1 e 1/2 1 e 1/2 1 e 1/2 1 e 1/2 4 2 2 2 2 2 15 ou mais anos A dose diária de quinina e de doxiciclina deve ser fracionada em duas tomadas, de 12 em 12 horas. Não usar doxiciclina e primaquina em gestantes. Nesses casos, ver as Tabelas 7 e 10. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 529 Malária Tabela 10. Esquema de prevenção de recaída da malária por Plasmodium vivax, com cloroquina em dose única semanal, durante 3 meses* Peso (Kg) Idade Número de comprimidos (150mg/base) por semana 5-6 < 4 meses 1/4 7 - 14 4 meses a 2 anos 1/2 15 - 18 3 - 4 anos 3/4 19 - 35 5 - 10 anos 1 36 e mais 11 e + anos 2 *Esquema recomendado para pacientes que apresentam recaídas após tratamento correto; e para gestantes e menores de 1 ano. Só deve ser iniciado após o término do tratamento com cloroquina em três dias. Tratamento da malária grave e complicada Quadro 2. Esquema recomendado para malária grave por P. falciparum Droga 1. Primeira escolha Derivados da artemisinina A. Artesunato endovenoso: 2,4mg/kg como dose de ataque e 1,2mg/kg nos momentos 4, 24 e 48 horas. Diluir cada dose em 50ml de solução isotônica (de preferência glicosada a 5% ou 10%), via endovenosa em uma hora ou, B. Artemeter intramuscular: aplicar 3,2mg/kg de peso em dose única no 1º dia. Após 24 horas, aplicar 1,6mg/kg de peso a cada 24 horas, por 4 dias, totalizando 5 dias de tratamento Observações importantes Completar o tratamento com clindamicina, 20mg/kg de peso/dia, por 5 dias, dividida em duas tomadas (12 em 12 horas), via oral; ou doxiciclina, 3,3mg/kg de peso/dia, dividida em duas tomadas (12 em 12 horas), por 5 dias, via oral; ou mefloquina, 15-20mg/kg de peso, em dose única, via oral. Estes medicamentos devem ser administrados ao final do tratamento com os derivados da artemisinina. A doxiciclina não deve ser administrada a gestantes e menores de 8 anos. A mefloquina não deve ser usada em gestantes do primeiro trimestre 2. Segunda escolha Quinina endovenosa Infusão de 20-30mg do sal de dicloridrato de quinina/kg/ dia, diluída em solução isotônica, de preferência glicosada, a 5% ou 10% (máximo de 500ml), a cada 8 horas. Importante: esta infusão deve ser administrada lentamente, durante 4 horas Quando o paciente estiver em condições de ingestão oral e a parasitemia em declínio, utiliza-se a apresentação oral de sulfato de quinina, na mesma dosagem, a cada 8 horas. Manter o tratamento até 48 horas após a negativação da gota espessa (em geral, 7 dias) 3. Terceira escolha Quinina endovenosa associada à clindamicina endovenosa A quinina na mesma dosagem da segunda escolha até 3 dias. Simultaneamente, administrar a clindamicina, 20mg/kg de peso, dividida em 2 doses, uma a cada 12 horas, diluída em solução glicosada a 5% ou 10% (15ml/kg de peso), infundida, gota-a-gota, em uma hora, por 7 dias Esquema indicado para gestantes Observação: os derivados da artemisinina têm se mostrado muito eficazes e de ação muito rápida na redução e eliminação da parasitemia. Assim, é necessário que estes medicamentos sejam protegidos de seu uso abusivo e indicados fundamentalmente para casos graves e complicados. Em gestantes, o esquema terapêutico específico preferencial é a associação quinina e clindamicina endovenosa, pela sua eficácia e inocuidade para a mãe e para o feto. 530 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Malária Aspectos epidemiológicos A malária é reconhecida como grave problema de saúde pública no mundo, ocorrendo em mais de 40% da população de mais de 100 países e territórios. Sua estimativa é de 300 a 500 milhões de novos casos e 1 milhão de mortes por ano. No Brasil, aproximadamente 99% dos casos de malária se concentram na região amazônica, composta pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. A região é considerada a área endêmica do país para malária. A maioria dos casos ocorre em áreas rurais, mas há registro da doença também em áreas urbanas. Mesmo na área endêmica, o risco de contrair a doença não é uniforme. Este risco é medido pelo índice parasitário anual (IPA), que classifica as áreas de transmissão em alto, médio e baixo risco, de acordo com o número de casos por 1 mil habitantes (Figura 1). Figura 1. Classificação das áreas de risco para malária, segundo o índice parasitário anual (IPA). Amazônia Legal, 2003 6 M Índice parasitário anual (IPA) Por 1 mil habitantes Estados da Amazônia Legal, 2003 0 (227 municípios) > 0,1 a 9,9 (Baixo risco: 391 municípios) > 10 a 49,9 (Médio risco: 111 municípios) > 49,9 (Alto risco: 76 municípios) Fonte: CGPNCM/Diges/SVS/MS Na série temporal, a partir dos anos 60 pode ser observado que até 1976 foram registrados menos de 100 mil casos de malária por ano. A partir daquele ano, houve forte tendência na elevação da doença em função da ocupação desordenada da região amazônica. Este incremento deveu-se também à implantação, na região, de projetos de colonização e mineração. Em 1983, registrou-se 300 mil casos. No período de 1984 a 1986, a malária se manteve na faixa dos 400 mil casos. De 1987 a 1995, foram registrados 500 mil casos em média. Em 1996 e 1997 houve redução importante nos registros da doença, 21,3% e 28,1%, respecti- Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 531 Malária vamente, se comparados a 1995. Nos anos de 1998 e 1999, a malária aumentou de forma preocupante, atingindo seu limite, em 1999, com 637.472 casos. Em 2000, a doença volta a apresentar nova queda, para 615.245 casos. Em 2001, foi observado o maior declínio na ocorrência da malária nos últimos 40 anos. Neste ano, registrou-se 389.775 casos, o que representou 38,5% de queda em relação a 2000. Em 2003 registrou-se um aumento de 15,8% em relação ao número de casos de 2002 (348.259 casos). Até a década de 80, houve relativa equivalência entre as espécies parasitárias (P. vivax e P. falciparum). A partir de então, nota-se um distanciamento no número de registro das duas espécies, que culminou com a predominância do P. vivax, responsável por cerca de 78% dos casos notificados em 2003 (Figura 2). Figura 2. Registro de casos de malária e espécies parasitárias (P.falciparum e P. vivax). Brasil, 1961-2003 700 600 500 400 300 200 100 0 61 63 65 67 69 71 73 75 77 79 81 P. falciparum 83 85 P. vivax 87 89 91 93 95 97 99 01 03 Casos Fonte: CGPNCM/Diges/SVS/MS Na região extra-amazônica, 92% dos casos registrados são importados dos estados pertencentes à área endêmica e da África. Casos autóctones esporádicos ocorrem em áreas focais restritas desta região. Destacam-se os municípios localizados às margens do lago da usina hidrelétrica de Itaipu, áreas cobertas pela Mata Atlântica nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia; a região Centro-Oeste, nos estados de Goiás e Mato Grosso do Sul, e a região Nordeste, nos estados do Piauí, Pernambuco e Ceará. 532 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Malária Vigilância epidemiológica Objetivos • • • • • Estimar a magnitude da morbidade e mortalidade da malária. Identificar tendências, grupos e fatores de risco. Detectar surtos e epidemias. Evitar o restabelecimento da endemia, nas áreas onde a transmissão foi interrompida; Recomendar as medidas necessárias para prevenir ou controlar a ocorrência da doença. • Avaliar o impacto das medidas de controle. Definição de caso Suspeito Área endêmica – toda pessoa que apresente quadro febril, seja residente ou tenha se deslocado para área onde haja transmissão de malária no período de 8 a 30 dias anteriores à data dos primeiros sintomas. Área não-endêmica – toda pessoa procedente de área onde haja transmissão de malária, no período de 8 a 30 dias anteriores à data dos primeiros sintomas, e apresente quadro de paroxismo febril com os seguintes sintomas: calafrios, tremores generalizados, cansaço, mialgia. 6 Confirmado Critério clínico-laboratorial – toda pessoa cuja presença de parasito no sangue, sua espécie e parasitemia tenham sido identificadas através de exame laboratorial. M Descartado Caso suspeito com diagnóstico laboratorial negativo para malária. Recaída (P. vivax, P. ovale) ou recrudescência (P. falciparum, P. malariae) Lâmina de verificação de cura (LVC) – classifica-se como LVC o exame de microscopia (gota espessa e esfregaço) realizado durante e após tratamento recente, em paciente previamente diagnosticado para malária, por busca ativa ou passiva. Objetivos da realização de LVC • No que diz respeito à atenção clínica (individual) – acompanhar o paciente para verificar se o tratamento foi eficaz. • No que diz respeito à vigilância epidemiológica (coletivo) – a LVC constitui importante indicador para a detecção de deficiências dos serviços de saúde na vigilância de fontes de infecção, atenção e tratamento do doente com malária. Além disso, é útil para diferenciar uma nova infecção (caso novo) de uma recidiva (recrudescência ou recaída). Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 533 Malária Critérios para a aplicação de LVC Para a Amazônia Legal – não há obrigatoriedade na realização dos controles periódicos pela LVC durante o tratamento. Desta forma, todo paciente que demandar o diagnóstico de malária deverá ser assim classificado: • resultado do exame atual = P. vivax Se o paciente realizou tratamento para P. vivax dentro dos últimos 60 dias do diagnóstico atual, deverá ser classificado como LVC. • resultado do exame atual = P. falciparum Se o paciente realizou tratamento para P. falciparum dentro dos últimos 40 dias do diagnóstico atual, deverá ser classificado como LVC. • para a região extra-amazônica – a realização dos controles periódicos pela LVC durante os primeiros 40 (P. falciparum) e 60 dias (P. vivax) após o início do tratamento deve constituir-se na conduta regular na atenção a todos os pacientes maláricos nessa região. Desta forma, a LVC deverá ser realizada: ❯ nos dias 2, 4, 7, 14, 21, 28, 40 e 60 após o início do tratamento de pacientes com malária causada pelo P. vivax; ❯ nos dias 2, 4, 7, 14, 21, 28 e 40 após o início do tratamento de pacientes com malária causada pelo P. falciparum. Em caso de lâmina positiva após os limites máximos acima especificados, o paciente deverá ser classificado como caso novo e deve-se considerar a investigação epidemiológica para confirmar ou afastar autoctonia. Caso seja afastada a possibilidade de autoctonia, classificar o exame como LVC. Notificação Todo caso de malária deve ser notificado às autoridades de saúde, tanto na área endêmica quanto na área não-endêmica. A notificação deverá ser feita através da ficha de notificação de caso de malária, conforme fluxo e modelo adiante apresentados. Primeiras medidas a serem adotadas Assistência ao paciente Atendimento ambulatorial ao paciente suspeito, para coleta da amostra de sangue e exame parasitoscópico. O caso confirmado recebe tratamento em regime ambulatorial. O caso grave deverá ser hospitalizado de imediato. No paciente com resultado negativo para malária, outras doenças deverão ser pesquisadas. Qualidade da assistência Um dos indicadores para se avaliar a qualidade da assistência é o tempo verificado entre a coleta da amostra de sangue para exame e o início do tratamento, que não deve ser superior a 24 horas. Outra forma de garantir boa assistência é o monitoramento do tratamento, por meio de visitas domiciliares ou de idas do paciente à unidade de saúde, para assegurar a cura. 534 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Malária Confirmação diagnóstica Coletar material para diagnóstico laboratorial, de acordo com as orientações técnicas. Proteção da população Como medidas utilizadas para o controle da malária na população, podemos destacar: • tratamento imediato dos casos diagnosticados; • busca de casos junto aos comunicantes; • investigação epidemiológica; • orientação à população quanto à doença, uso de repelentes, mosquiteiros impregnados, roupas protetoras, telas em portas e janelas; • investigação entomológica com determinação dos hábitos hematofágicos, infectividade natural nos vetores e paridade; • borrifação residual em todas as casas da localidade acometida, com periodicidade determinada por provas biológicas para residualidade, sazonalidade do vetor ou verificação do aumento da taxa de paridade; • aplicação espacial de inseticidas nos horários de maior densidade vetorial, com intervalos de, no máximo, sete dias; ❯ aplicação de larvicidas em criadouros do vetor; e pequenas obras de saneamento, para eliminação de criadouros do vetor. 6 Investigação Após a notificação de um ou mais casos de malária, deve-se iniciar a investigação epidemiológica para permitir que as medidas de controle possam ser adotadas. O instrumento de coleta de dados é a ficha de notificação de caso de malária, que contém os elementos essenciais a serem coletados em uma investigação de rotina. Todos os seus campos devem ser criteriosamente preenchidos. As informações sobre “dados preliminares da notificação”, “dados do paciente”, “local provável da infecção” e os campos, “sintomas”, “data dos primeiros sintomas” e “paciente é gestante?” devem ser preenchidos no primeiro atendimento ao paciente. M Roteiro de investigação epidemiológica Identificação do paciente Preencher todos os campos da ficha de notificação de casos de malária relativos aos “dados preliminares da notificação”, “dados do paciente” e “paciente é gestante?” Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Anotar na ficha de notificação de caso de malária • Se o paciente está com ou sem sintomas. • Data dos primeiros sintomas. • Coletar amostra de sangue, anotando a data da notificação e, posteriormente, verificar o resultado do exame laboratorial. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 535 Malária Para identificação da área de transmissão (local provável da infecção) • Identificar se o local de residência corresponde a uma área de transmissão da malária. • Verificar se o paciente esteve em área de transmissão de malária no período de 8 a 30 dias anteriores à data dos primeiros sintomas e se os mesmos ocorreram à noite. • Verificar a principal atividade exercida pelo paciente no período de 8 a 30 dias anteriores à data dos primeiros sintomas, e se os mesmos ocorreram em horários de hábitos alimentares dos vetores. Estes procedimentos devem ser feitos mediante entrevista com o paciente, familiares, responsáveis ou pessoas da comunidade. Os dados serão anotados na ficha de notificação, permitindo identificar o local de infecção da malária. Quando o paciente residir em área endêmica, a caracterização do local de transmissão é facilitada. Entretanto, a história dos deslocamentos de todos os casos suspeitos permitirá definir, com maior certeza, o local provável de infecção. Lembrar que a identificação da área onde se deu a transmissão é de fundamental importância para nortear a extensão das medidas de controle. Para determinação da extensão da área de transmissão Em áreas rurais e urbanas – após a identificação do local provável de infecção, faz-se a busca ativa de outros casos, delimitando a área de transmissão. Uma equipe treinada em pesquisa de vetores deve ser deslocada para esta área, para a captura dos prováveis mosquitos vetores. Os espécimes coletados devem ser enviados ao laboratório de entomologia, para identificação e verificação de infectividade e paridade. Coleta e remessa de material para exames A coleta e remessa da amostra de sangue para exame de malária devem ser feitas por técnicos devidamente preparados pelo serviço de saúde, de acordo com os procedimentos abaixo: • coleta da amostra de sangue e preparação da lâmina; • identificação da lâmina; • coloração da lâmina: gota espessa, pelo método de Walker; esfregaço, pelos métodos de Giemsa ou Wright; • exame da lâmina e registro do resultado. Em locais que somente coletam amostras de sangue, após preparação e identificação da lâmina, estas devem ser enviadas ao laboratório de referência, juntamente com a ficha de notificação de caso. O resultado do exame deverá ser enviado, posteriormente, ao local da coleta. 536 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Malária Fluxograma do Sistema de Vigilância da Malária Caso suspeito Unidade de saúde, agente de saúde (coleta de sangue, início da notificação) Laboratório (exame e registro de resultado) Resultado do exame (positivo) Resultado do exame (negativo) Unidade de saúde, agente de saúde (tratamento) Unidade de saúde (notificação) Análise de informações Secretaria municipal de saúde (digitação) Análise de informações Regional estadual de saúde (consolidação dos dados) Divulgação de informações Análise de informações Secretaria estadual de saúde (consolidação dos dados) Divulgação de informações 6 Unidade de saúde (pesquisar outros agravos) Divulgação de informações M Lacen (controle de qualidade) Análise de informações CGPNCM/SVS/MS (consolidação dos dados) Divulgação de informações Análise dos dados A análise dos dados da notificação deve permitir a avaliação da magnitude, segundo as características de pessoa, tempo e lugar. O nível local deverá fazer as primeiras avaliações, de forma que se possa adotar as ações adequadas e oportunas ao controle da malária. Estas ações serão constantemente reavaliadas para medição do impacto sobre a transmissão da doença e redirecionamento, caso necessário. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 537 Malária Encerramento de casos Confirmado o diagnóstico laboratorial e iniciado o tratamento, encerra-se o caso de malária. Caso descartado – caso suspeito notificado, cujo resultado do exame laboratorial foi negativo. Relatório final Os dados da investigação deverão ser sumarizados em um relatório com as principais conclusões, das quais destacam-se: • distribuição da doença, por sexo e faixa etária; • identificação do local provável da infecção e período da ocorrência; • descrição dos fatores de risco envolvidos na transmissão; • descrição das espécies de plasmódios causadoras da doença; • análise da situação da doença, segundo os indicadores de risco de transmissão e de gravidade (IPA, percentagem de falciparum, coeficiente de internação, mortalidade e letalidade); • descrição dos criadouros potenciais de Anopheles e respectivas espécies vetoras, responsáveis pela transmissão. Instrumentos disponíveis para coleta Imunização Vários antígenos plasmodiais foram identificados nas últimas décadas. Ensaios de campo foram realizados para avaliar a eficácia de algumas vacinas, porém os resultados destes estudos ainda não são satisfatórios para a implantação da vacinação. Controle vetorial O controle vetorial da malária deve ser desenvolvido, preferencialmente, ao nível municipal, com o objetivo de reduzir o risco de transmissão, prevenindo a ocorrência de epidemias, com a conseqüente diminuição da morbimortalidade. Os principais métodos empregados são o controle dos mosquitos adultos e, quando viável, de larvas. Para o controle larvário, o ordenamento do meio por drenagem, aterro, modificação do fluxo da água e controle da vegetação aquática e limpeza das margens é o método mais indicado. Larvicidas químicos não são indicados devido ao impacto ambiental que podem causar. O controle biológico, com utilização de biolarvicidas, peixes larvófagos e outros, é indicado para pequenas coleções de água, em criadouros limitados em número e com baixo fluxo de água. Para o controle de mosquitos adultos, utiliza-se o controle químico por meio da aplicação intradomiciliar de inseticida de efeito residual e pulverização espacial de inseticida. A partir de 1999, vem ocorrendo na região amazônica a implantação do controle seletivo de vetores. Esse novo direcionamento para as ações de controle origina-se da neces- 538 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Malária sidade de implantar estratégias criativas para o enfrentamento do problema. O controle seletivo pode ser entendido como a seleção de medidas de controle mais efetivas, seguras, de baixo custo, que causem menor impacto ambiental e sejam adaptadas à realidade local. Ações de educação em saúde A população deve ser informada sobre a doença, da necessidade de se procurar a unidade de saúde aos primeiros sintomas, a importância do tratamento, os cuidados com a proteção individual e coletiva. Várias técnicas pedagógicas podem ser utilizadas, tanto para educação em saúde coletiva (teatro, música, imprensa falada, escrita, entre outras) quanto individual (cartilhas, “folders” e outros). Tendo em vista que os determinantes da ocorrência de malária não são exclusivos do setor saúde, é necessário que a comunidade esteja mobilizada para se articular junto aos demais setores envolvidos com o controle da endemia. 6 Estratégia de prevenção Além de evitar freqüentar os locais de transmissão à noite, utilizam-se como medidas de prevenção individual: uso de mosquiteiros impregnados ou não com inseticidas, roupas que protejam pernas e braços, telas em portas e janelas, uso de repelentes. As medidas de prevenção coletiva utilizadas são: drenagem, pequenas obras de saneamento para eliminação de criadouros do vetor, aterro, limpeza das margens dos criadouros, modificação do fluxo da água, controle da vegetação aquática, melhoramento da moradia e das condições de trabalho, uso racional da terra. Programas coletivos de quimioprofilaxia não têm sido adotados devido à resistência do P. falciparum à cloroquina e outros antimaláricos, à toxicidade e custo mais elevado de novas drogas. Porém, em situações especiais, como missões militares, religiosas, diplomáticas e outras, em que haja deslocamento para áreas maláricas dos continentes africano e asiático, recomenda-se entrar em contato com os setores responsáveis pelo controle da malária nas secretarias municipais e estaduais de saúde, e do Ministério da Saúde. No Brasil, a política adotada atualmente centra-se no diagnóstico e tratamento oportuno e adequado, pois existe estrutura na rede pública de saúde para diagnóstico e tratamento da malária. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS M 539 Malária 540 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites MENINGITES CID 10: A17.0 (M. tuberculosa); A39.0 (M. meningocócica); A87 (M. virais); G00.0 (M. haemophilus); G00.1 (M. pneumocócica) Características clínicas e epidemiológicas Descrição O termo meningite expressa a ocorrência de um processo inflamatório das meninges, membranas que envolvem o cérebro. Agente etiológico A meningite pode ser causada por diversos agentes infecciosos, como bactérias, vírus e fungos, dentre outros, e agentes não-infecciosos (ex: traumatismo). As meningites de origem infecciosa, principalmente as causadas por bactérias e vírus, são as mais importantes do ponto de vista da saúde pública, pela magnitude de sua ocorrência e potencial de produzir surtos. Dentre elas, destacam-se: 6 Meningites bacterianas Os principais agentes bacterianos causadores de meningite são: Neisseria meningitidis (meningococo) Bactéria gram-negativa em forma de coco. Possui diversos sorogrupos, de acordo com o antígeno polissacarídeo da cápsula. Os mais freqüentes são os sorogrupos A, B, C, W135 e Y. Podem também ser classificados em sorotipos e subtipos, de acordo com os antígenos protéicos da parede externa do meningococo. M Mycobacterium tuberculosis Bacilo não formador de esporos, sem flagelos e que não produz toxinas. É uma espécie aeróbica estrita, necessitando de oxigênio para crescer e se multiplicar. Tem a forma de bastonete, medindo de 1 a 4 micra. Quando corado pelo método de Ziehl-Neelsen, fixa a fucsina, não se descorando depois de tratado pelos álcoois (álcool-ácido resistente). Haemophilus influenzae Bactéria gram-negativa que pode ser classificada, atualmente, em 6 sorotipos (a, b, c, d, e, f), a partir da diferença antigênica da cápsula polissacarídica. O Haemophilus influenzae, desprovido de cápsula, se encontra nas vias respiratórias de forma saprófita, podendo causar infecções assintomáticas ou doenças não-invasivas tais como bronquite, sinusites e otites, tanto em crianças como em adultos. A forma capsulada do Haemophilus influenzae do tipo b, antes da introdução da vacina Hib, era responsável por 95% das doenças invasivas (meningite, septicemia, pneumonia, epiglotite, celulite, artrite séptica, osteomielite e pericardite). Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 541 Meningites Streptococcus pneumoniae Bactéria gram-positiva com característica morfológica esférica (cocos), disposta aos pares. É alfa-hemolítico e não-agrupável, possuindo mais de 90 sorotipos capsulares. Meningites virais São representadas principalmente pelos enterovírus. Neste grupo estão incluídas as três cepas dos poliovírus, 28 cepas de echovírus, 23 cepas do vírus coxsackie A, 6 do vírus coxsackie B e 5 outros enterovírus. O Quadro 1 apresenta a lista com os principais agentes etiológicos de meningite: Quadro 1 Bactérias Vírus Outros Neisseria meningitidis RNA Vírus Fungos Haemophilus influenzae • Enterovírus • Cryptococcus neoformans Streptococcus pneumoniae • Arbovírus • Candida albicans e C. tropicalis Mycobacterium tuberculosis • Vírus do sarampo Staphylococcus aureus • Vírus da caxumba Protozoários Pseudomona aeruginosa • Arenavírus – coriomeningite linfocitária • Toxoplasma gondii Escherichia coli • HIV 1 • Trypanosoma cruzi Klebsiella sp DNA vírus • Plasmodium sp Enterobacter sp • Adenovírus Salmonella sp • Vírus do grupo Herpes Helmintos Proteus sp • Varicela zoster • Infecção larvária da Taenia solium Listeria monocytogenes • Epstein Barr • Cysticercus cellulosae (cisticercose) Leptospira sp • Citomegalovírus Reservatório O principal reservatório é o homem. No caso da meningite tuberculosa, outros animais, em especial o gado bovino, podem ser reservatórios da doença. No entanto, o homem com a forma pulmonar bacilífera é o reservatório de maior importância epidemiológica. Modo de transmissão Em geral, a transmissão é de pessoa a pessoa, através das vias respiratórias, por gotículas e secreções da nasofaringe, havendo necessidade de contato íntimo (residentes na mesma casa, colega de dormitório ou alojamento, namorado) ou contato direto com as secreções respiratórias do paciente. A transmissão fecal-oral é de grande importância em infecções por enterovírus. A meningite tuberculosa é uma complicação da infecção tuberculosa. Os casos de tuberculose pulmonar com escarro positivo à baciloscopia constituem a principal fonte de infecção, 542 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites pois eliminam grande número de bacilos, podendo provocar uma infecção maciça dos contatos, com maior probabilidade de desenvolvimento de formas graves da doença, como a meningite. Período de incubação Em geral, de 2 a 10 dias; em média, 3 a 4 dias. Pode haver alguma variação em função do agente etiológico responsável. A meningite tuberculosa, em geral, ocorre nos primeiros seis meses após a infecção. Período de transmissibilidade É variável, dependendo do agente infeccioso e da instituição do diagnóstico e tratamento precoces. No caso da doença meningocócica, a transmissibilidade persiste até que o meningococo desapareça da nasofaringe. O que geralmente ocorre após 24 horas de antibioticoterapia. Aproximadamente, 10% da população pode apresentar-se como portador assintomático. 6 Susceptibilidade e imunidade A susceptibilidade é geral, mas o risco de adoecer declina com a idade. O grupo de menores de 5 anos é o mais vulnerável. Os neonatos raramente adoecem, em virtude da proteção conferida pelos anticorpos maternos. Esta imunidade vai declinando até os 3 meses de idade, com o conseqüente aumento da susceptibilidade. Em relação à meningite pneumocócica, idosos e indivíduos portadores de quadros crônicos ou de doenças imunossupressoras apresentam maior risco de adoecimento. São exemplos de doenças imunossupressoras: síndrome nefrótica, asplenia anatômica ou funcional, insuficiência renal crônica, diabetes mellitus, infecção pelo HIV. Nos primeiros meses de vida os lactentes estão protegidos por anticorpos específicos da classe IgG. M Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas A meningite é uma síndrome que se caracteriza por febre, cefaléia intensa, vômitos e sinais de irritação meníngea, acompanhadas de alterações do líquido cefalorraquidiano. A irritação meníngea associa-se aos sinais descritos a seguir: Sinal de Kernig – resposta em flexão da articulação do joelho, quando a coxa é colocada em certo grau de flexão, relativamente ao tronco. Há duas formas de se pesquisar esse sinal: • paciente em decúbito dorsal: eleva-se o tronco, fletindo-o sobre a bacia; há flexão da perna sobre a coxa e desta sobre a bacia; e Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 543 Meningites • paciente em decúbito dorsal: eleva-se o membro inferior em extensão, fletindo-o sobre a bacia; após pequena angulação, há flexão da perna sobre a coxa. Essa variante chama-se, também, manobra de Laségue. Sinal de Brudzinski – flexão involuntária da perna sobre a coxa e desta sobre a bacia, ao se tentar fletir a cabeça do paciente. Crianças de até nove meses poderão não apresentar os sinais clássicos de irritação meníngea. Outros sinais e sintomas permitem a suspeita diagnóstica, tais como febre, irritabilidade ou agitação, choro persistente, grito meníngeo (criança grita ao ser manipulada, principalmente quando se flete as pernas para trocar a fralda) e recusa alimentar, acompanhada ou não de vômitos, convulsões e abaulamento da fontanela. Meningites bacterianas As infecções causadas pelas bactérias Neisseria meningitidis, Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae podem limitar-se à nasofaringe ou evoluir para septicemia ou meningite. Em geral, o quadro clínico da meningite bacteriana é grave e caracteriza-se por febre, cefaléia intensa, náusea, vômito, rigidez de nuca, prostração e confusão mental. No curso da doença podem surgir delírio e coma. Dependendo do grau de comprometimento encefálico, o paciente poderá também apresentar convulsões, paralisias, tremores, transtornos pupilares, hipoacusia, ptose palpebral e nistagmo. Casos fulminantes com sinais de choque também podem ocorrer. As principais complicações das meningites bacterianas são perda da audição, distúrbio de linguagem, retardo mental, anormalidade motora e distúrbios visuais. A presença de alguns sinais clínicos pode sugerir a suspeita etiológica. É o caso da Neisseria meningitidis que, em alguns casos, é responsável pelos quadros de meningococcemia com ou sem meningite, caracterizada por um exantema (“rash”) principalmente nas extremidades do corpo. Este exantema apresenta-se tipicamente eritematoso e macular no início da doença, evoluindo rapidamente para exantema petequial. A infecção pela Neisseria meningitidis pode provocar meningite, meningococcemia e as duas formas clínicas associadas (meningite meningocócica com meningococcemia), ao que se denomina doença meningocócica. A vigilância da doença meningocócica é de grande importância para a saúde pública em virtude de sua magnitude e gravidade, bem como do potencial de causar epidemias. Diferentemente das demais meningites, as meningites tuberculosa e fúngica podem apresentar uma evolução mais lenta, de semanas ou meses, tornando difícil o diagnóstico de suspeição. Na meningite tuberculosa não tratada, classicamente o curso da doença é dividido em três estágios: Estágio I – em geral, tem duração de 1 a 2 semanas, caracterizando-se pela inespecificidade dos sintomas, podendo ocorrer febre, mialgias, sonolência, apatia, irritabilidade, cefaléia, anorexia, vômitos, dor abdominal e mudanças súbitas do humor, sintomas comuns 544 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites a qualquer processo inespecífico. Nessa fase, o paciente pode encontrar-se lúcido e o diagnóstico geralmente é estabelecido pelos achados liquóricos. Estágio II – caracteriza-se pela persistência dos sintomas sistêmicos e pelo surgimento de evidências de dano cerebral (sinais de lesão de nervos cranianos, exteriorizando-se por paresias, plegias, estrabismo, ptose palpebral, irritação meníngea e hipertensão endocraniana). Nessa fase, alguns pacientes apresentam manifestações de encefalite, com tremores periféricos, distúrbios da fala, trejeitos e movimentos atetóides. Estágio III ou período terminal – ocorre quando surge o déficit neurológico focal, opistótono, rigidez de nuca, alterações do ritmo cardíaco e da respiração e graus variados de perturbação da consciência, incluindo o coma. Em qualquer estágio clínico da doença pode-se observar convulsões focais ou generalizadas. Na maioria dos casos de meningite tuberculosa observa-se alterações radiológicas pulmonares. O teste tuberculínico pode ou não ser reator. É importante lembrar que este teste somente tem valor nos pacientes não vacinados com BCG e que poderá apresentar resultados negativos nos indivíduos anérgicos, pacientes em fase terminal, pacientes com tuberculose disseminada, na desnutrição grave e nos pacientes com Aids (síndrome da imunodeficiência adquirida). 6 Meningites virais O quadro clínico é semelhante ao das demais meningites agudas. Entretanto, ao exame físico chama a atenção o bom estado geral associado à presença de sinais de irritação meníngea. Em geral, o restabelecimento do paciente é completo mas em alguns casos pode permanecer alguma debilidade, como espasmos musculares, insônia e mudanças de personalidade. A duração do quadro é geralmente inferior a uma semana. Em geral, as meningites virais não estão associadas a complicações, a não ser que o indivíduo seja portador de alguma imunodeficiência. Quando se trata de enterovírus, é importante destacar que os sinais e sintomas inespecíficos que mais antecedem e/ou acompanham o quadro da meningite são: manifestações gastrointestinais (vômitos, anorexia e diarréia), respiratórias (tosse, faringite), mialgia e erupção cutânea. M As características do líquor nas diferentes etiologias estão descritas no Quadro 1 do Anexo 1. Diagnóstico diferencial Deve ser feito com as doenças febris hemorrágicas, tais como septicemias, febre purpúrica brasileira e ricketsioses. Com relação à meningite viral, o diagnóstico diferencial deve ser feito também com outras encefalites. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 545 Meningites Diagnóstico laboratorial O diagnóstico laboratorial das meningites é realizado através do estudo do líquido cefalorraquidiano, podendo também ser utilizada a hemocultura, o raspado de lesões petequiais, urina e fezes. A punção liquórica é freqüentemente realizada na região lombar, entre as vértebras L1 e S1, sendo mais indicados os espaços L3-L4, L4-L5 ou L5-S1. Uma das contra-indicações para a punção lombar é a existência de infecção no local da punção (piodermite). No caso de haver hipertensão endocraniana grave, é aconselhável solicitar um especialista para a retirada mais cuidadosa do líquor, ou aguardar a melhora do quadro, priorizando-se a análise de outros espécimes clínicos. O líquor normal é límpido e incolor, como “água de rocha”. O volume normal é de 80 a 150ml. O aumento de elementos figurados (células) causa turvação, cuja intensidade varia de acordo com a quantidade e o tipo desses elementos. Os principais exames para o esclarecimento diagnóstico de casos suspeitos de meningite são: • exame quimiocitológico do líquor; • bacterioscopia direta (líquor ou soro); • cultura (líquor, sangue, petéquias ou fezes); • contra-imuneletroforese cruzada (CIE) (líquor ou soro); • aglutinação pelo látex (líquor ou soro). Obs.: ver rotina laboratorial para diagnóstico das meningites (Anexos 1 e 2). Tratamento Em se tratando de meningite bacteriana, o tratamento com antibiótico deve ser instituído tão logo seja possível, preferencialmente logo após a punção lombar e a coleta de sangue para hemocultura. O uso de antibiótico deve ser associado a outros tipos de tratamento de suporte, como reposição de líquidos e cuidadosa assistência. Observações: • Nos casos de concomitância entre tuberculose meningoencefálica e em qualquer outra localização, usar o esquema II. • Nos casos de tuberculose meningoencefálica em qualquer idade, recomenda-se o uso de corticosteróides (prednisona, dexametasona ou outros) por um período de 1 a 4 meses, no início do tratamento. • Na criança, a prednisona é administrada na dose de 1 a 2mg/kg de peso corporal, até a dose máxima de 30mg/dia. No caso de se utilizar outro corticosteróide, aplicar a tabela de equivalência entre eles. • A fisioterapia na tuberculose meningoencefálica deverá ser iniciada o mais cedo possível. 546 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites Recomendação de antibioticoterapia nos casos de meningite bacteriana sem etiologia determinada Faixa etária Antibiótico (1ª escolha) Antibiótico (2ª escolha) Ampicilina + aminoglicosídeo Cefalosporina 3ª geração (gentamicina ou amicacina) (cefataxina ou ceftriaxone) + ampicilina 2 meses a 5 anos Ampicilina + cloranfenicol Ceftriaxone > 5 anos Penicilina G. cristalina + ampicilina Cloranfenicol ou ceftriaxone < 2 meses Recomendação de antibioticoterapia, segundo etiologia Agentes Antibióticos Dose (EV) 300 a 500 milUI/kg/dia Neisseria meningitidis Penicilina G. cristalina até Duração 24.000.000UI/dia 200 a 400mg/kg/dia até 15g/dia Cloranfenicol ou ceftriaxone 75 a 100mg/kg/dia até 6g/dia 100mg/kg/dia até 4g/dia 6 3/3h ou 4/4h 7 dias ou ampicilina Haemophilus influenzae Intervalo 4/4h ou 6/6h 6/6 h 12/12h ou 24/24h) 7 a 10 dias 300 a 500 milUI/kg/dia até Streptococcus pneumoniae Penicilina G. cristalina* 24.000.000UI/dia 200 a 400mg/kg/dia 3/3h ou 4/4h 10 - 14 dias M 4/4h ou 6/6h até 15g/dia Staphilococcus Oxacilina ou vancomicina Ceftriaxone ou Enterobactérias sulfametaxazol + trimetropim 200mg/kg/dia até 12g/dia 4/4hs ou 6/6h 300 a 400mg/kg/dia até 2g/dia 6/6h 100mg/kg/dia até 8g/dia 12/12h ou 24/24h 100mg/kg/dia 8/8h ou 12/12h 21 dias 14 a 21 dias 100mg/kg/dia até 8g/dia Pseudomonas Ceftaridima + amicacina ou carbenicilina + amicacina 20 a 30mg/kg/dia até 1,5g/dia 8/8h 3/3h 21 dias 400 a 600mg/kg/dia até 30g/dia O tratamento da meningite tuberculosa é feito com o esquema II, padronizado pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 547 Meningites Esquema II: 2 RHZ/7RH* − Indicado na meningite tuberculosa Peso do doente Fases do tratamento Drogas Até 20kg Mais de 20kg e até 35kg Mais de 35kg e até 45kg Mais de 45kg mg/kg/dia mg/dia mg/dia mg/dia 600 R 10 300 450 H 10 200 300 400 Z 35 1 mil 1.500 2 mil 2ª fase R 10 300 450 600 (4 meses – RH) H 10 200 300 400 1ª fase (2 meses – RHZ) *2RHZ – 1ª fase (2 meses), 7RH (7 meses). Obs: R – Rifampicina; H – Isoniazida; Z – Pirazinamida. Siglas utilizadas pela Organização Mundial da Saúde De modo geral, a antibioticoterapia é administrada por via venosa por um período de 7 a 14 dias ou até mais, dependendo da evolução clínica e do agente etiológico. A adoção imediata do tratamento adequado não impede a coleta de material para o diagnóstico etiológico, seja líquor, sangue ou outros. O prognóstico está relacionado a vários fatores, tais como agente etiológico, condições clínicas e a faixa etária do paciente. Entretanto, apesar destes fatores o prognóstico será tanto melhor na medida em que for realizado o diagnóstico e o tratamento precoces. O uso de corticóide nas situações de choque é discutível, existindo controvérsias sobre a influência favorável ao prognóstico. Há evidências de que poderia agir favoravelmente na prevenção de seqüelas nos casos de meningite originada pelo Haemophilus influenzae tipo b. Contudo, sua eficácia para meningites por outras bactérias ainda permanece em fase de estudos. A emergência de cepas bacterianas com diferentes graus de resistência antimicrobiana é o aspecto mais alarmante na terapia das doenças infecciosas. O principal fator que leva a níveis elevados de resistência é o uso empírico abusivo dos antibióticos. Nos casos de meningite viral, o tratamento antiviral específico não tem sido amplamente utilizado. Em geral, utiliza-se o tratamento de suporte, com criteriosa avaliação e acompanhamento clínicos. Tratamentos específicos somente estão preconizados para a meningite herpética (HSV 1 e 2 e VZV) com acyclovir endovenoso. Na caxumba, a globulina específica hiperimune pode diminuir a incidência de orquite, porém não melhora a síndrome neurológica. Aspectos epidemiológicos As meningites têm distribuição mundial e sua expressão epidemiológica depende de fatores como o agente infeccioso, existência de aglomerados populacionais e características socioeconômicas dos grupos populacionais e do meio ambiente (clima). 548 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites De modo geral, a sazonalidade da doença caracteriza-se pelo predomínio das meningites bacterianas no inverno e das meningites virais no verão. A Neisseria meningitidis é a principal bactéria causadora de meningite. Tem distribuição mundial e potencial de ocasionar epidemias. O “cinturão africano” – região ao norte da África – é freqüentemente acometido por epidemias causadas por este agente. No Brasil, na década de 70 e 80 ocorreram epidemias em várias cidades devido aos sorogrupos A e C e, posteriormente, o B. A partir da década de 90, houve diminuição proporcional do sorogrupo B e aumento progressivo do sorogrupo C. Desde então, surtos isolados do sorogrupo C têm sido identificados e controlados no país. Até 1999, as meningites causadas pelo Haemophilus influenzae do tipo b (Hib) representavam a 2ª causa de meningite bacteriana depois da doença meningocócica. A partir do ano 2000, após a introdução da vacina conjugada contra a Hib, houve uma queda de 90% na incidência de meningites por este agente e a 2ª maior causa de meningites bacterianas passou a ser representada pelo Streptococcus pneumoniae. A meningite tuberculosa não sofre variações sazonais e sua distribuição não é igual em todos os continentes. A doença guarda íntima relação com as características socioeconômicas, principalmente naqueles países onde a população está sujeita à desnutrição e condições precárias de habitação. Com relação à faixa etária, o risco de adoecimento é elevado nos primeiros anos de vida e muito baixo na idade escolar, voltando a se elevar na adolescência e início da idade adulta. Os indivíduos HIV (+) também têm maior risco de adoecimento. A meningite viral tem distribuição universal e potencial de ocasionar epidemias, principalmente relacionadas a enterovírus. O aumento de casos também pode estar relacionado a epidemias de varicela, sarampo, caxumba e também a eventos adversos pós-vacinais. A partir de 2004, foi desencadeada a implementação do diagnóstico laboratorial de meningite viral, com o intuito de conhecer melhor os agentes virais causadores desse tipo de meningite no país. A implementação da vigilância das meningites virais, juntamente com as ações de vigilância vetorial, permitirá a detecção precoce de casos da febre do Nilo Ocidental, doença em expansão no mundo a partir dos focos existentes nos Estados Unidos. 6 M Vigilância epidemiológica O Sistema de Vigilância das Meningites (SVE/Meningites) compreende todas as atividades e atores envolvidos desde a identificação de um caso suspeito até a adoção das medidas de prevenção e controle da doença na comunidade. Desta forma, a operação deste Sistema pressupõe uma boa integração técnica entre as atividades de assistência aos casos, de identificação e estudo das características do agente etiológico e de análise epidemiológica do comportamento da doença na população. O SVE/Meningites teve sua implantação em 1975, quando tinha como objetivo principal o controle da doença meningocócica, em virtude dos surtos então verificados no país. Ao longo dos anos, foi incorporada a este Sistema a vigilância de outras meningites de interesse para a saúde pública, como a meningite Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 549 Meningites tuberculosa, a meningite por Haemophilus influenzae, a meningite por Streptococcus pneumoniae e as meningites virais. Objetivos gerais • Monitorar a situação epidemiológica das meningites no país. • Orientar a utilização das medidas de prevenção e controle disponíveis e avaliar a efetividade do uso dessas tecnologias. • Avaliar o desempenho operacional do SVE/Meningites. • Produzir e disseminar informações epidemiológicas. Objetivos específicos • Detectar surtos de doença meningocócica e de meningite viral. • Monitorar a prevalência dos sorogrupos e sorotipos de Neisseria meningitidis, dos sorotipos de Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae circulantes no país. • Monitorar o perfil da resistência bacteriana das cepas de Neisseria meningitidis, Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae. Definição de caso Suspeito • Crianças acima de 1 ano e adultos com febre, cefaléia intensa, vômitos em jato, rigidez da nuca, sinais de irritação meníngea (Kernig, Brudzinski), convulsões e/ou manchas vermelhas no corpo. • Em crianças abaixo de um ano de idade, os sintomas clássicos acima referidos podem não ser tão evidentes. É importante considerar para a suspeita diagnóstica sinais de irritabilidade, como choro persistente, e verificar a existência de abaulamento de fontanela. Confirmado • Todo caso suspeito confirmado através dos seguintes exames laboratoriais específicos: cultura, CIE e látex, ou • Todo caso suspeito de meningite com história de vínculo epidemiológico com caso confirmado laboratorialmente por um dos exames especificados acima, ou • Todo caso suspeito com exames laboratoriais inespecíficos (bacterioscopia, quimiocitológico ou outro) ou com evolução clínica compatível, ou • Todo caso suspeito de meningite tuberculosa com história de vínculo epidemiológico com casos de tuberculose. Obs.: vide Anexo 3 ‒ Tabela de inconsistência entre etiologia e critério diagnóstico. Descartado Caso suspeito com diagnóstico confirmado de outra doença. 550 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites Notificação A meningite faz parte da Lista Nacional de Doenças de Notificação Compulsória, de acordo com a Portaria GM nº 2.325, de 8 de dezembro de 2003. É de responsabilidade do serviço de saúde notificar todo caso suspeito às autoridades municipais de saúde, que deverão providenciar, de forma imediata, a investigação epidemiológica e avaliar a necessidade de adoção das medidas de controle pertinentes. Todos os profissionais de saúde de unidades de saúde públicas e privadas, bem como de laboratórios públicos e privados, são responsáveis pela notificação. O funcionamento de unidades de vigilância epidemiológica (UVE) nos hospitais é fundamental para a busca ativa de casos dentro dos mesmos. Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente – hospitalização imediata dos casos suspeitos, coleta de líquor cefalorraquidiano e de sangue para o esclarecimento diagnóstico, medidas de suporte geral e instituição de terapêutica específica, conforme a suspeita clínica. Qualidade da assistência – o tratamento precoce e adequado dos casos reduz significativamente a letalidade da doença. Para o bom desempenho no atendimento ao paciente grave toda a equipe de assistência deve estar familiarizada com as técnicas de suporte cardiorrespiratório e contar com a infra-estrutura necessária. A abordagem inicial, o rápido reconhecimento da falência respiratória e do choque, a identificação e realização de drenagem de abcessos, dentre outros procedimentos de suporte ao paciente, são de fundamental importância na diminuição da morbimortalidade. O transporte dos casos para outra unidade de saúde, quando necessário, deve ser efetuado após a estabilização da ventilação, oxigenação e perfusão orgânica e com acesso venoso com antibioticoterapia. Proteção individual e da população – o isolamento do paciente está indicado apenas durante as primeiras 24 horas do tratamento com o antibiótico adequado. Deve-se proceder à desinfecção concorrente em relação às secreções nasofaríngeas e aos objetos contaminados por elas. Nos casos de doença meningocócica ou meningite por Haemophilus influenzae está indicada a quimioprofilaxia do caso e dos contatos íntimos (ver tópico Instrumentos disponíveis para prevenção e controle). É importante a vigilância destes contatos por um período mínimo de 10 dias, orientando a população sobre os sinais e sintomas da doença e indicando os serviços de saúde a que devem recorrer frente a uma suspeita diagnóstica de meningite. 6 M Contato íntimo: moradores do mesmo domicílio, indivíduos que compartilham o mesmo dormitório, comunicantes de creches e pessoas diretamente expostas às secreções do paciente. A quimioprofilaxia não está indicada para pessoal médico ou de enfermagem que tenha atendido pacientes com meningites bacterianas, a menos que tenha havido exposição às secreções respiratórias durante procedimentos como respiração boca a boca e/ou entubação. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 551 Meningites Confirmação diagnóstica – é imprescindível a coleta de espécimes clínicos do paciente para a confirmação do diagnóstico etiológico (Anexo 1). Investigação – deve-se proceder à investigação epidemiológica frente à notificação de qualquer caso suspeito de meningite, para que se obtenha informações quanto à caracterização clínica do caso (incluindo a análise dos exames laboratoriais) e as possíveis fontes de transmissão da doença. Além disso, verificar a necessidade de identificação de contatos e a implementação das medidas de controle cabíveis em cada situação. Roteiro da investigação epidemiológica Identificação do caso Preencher todos os campos da ficha de investigação do Sinan referentes à notificação (dados gerais, do caso e de residência). Coleta de dados clínicos e epidemiológicos O instrumento de coleta de dados é a ficha de investigação do Sinan, que contém as informações essenciais a serem coletadas em uma investigação de rotina. Todos os seus campos devem ser criteriosamente preenchidos, mesmo que a informação seja negativa. Outras informações podem ser incluídas, conforme a necessidade. As fontes de coleta de dados são: entrevista com o médico ou outro profissional de saúde que atendeu ao caso, dados do prontuário e entrevista de familiares e pacientes (quando possível). Para confirmar a suspeita diagnóstica • Verificar se preenche a definição de caso. • Verificar a coleta e resultados de exames de líquor, sangue/soro e fezes encaminhados ao laboratório. • Verificar a evolução do(s) paciente(s). Para identificação e determinação da extensão da área de transmissão • Coletar informações na residência e nos locais usualmente freqüentados pelos indivíduos acometidos (creches, escolas, locais de trabalho, quartéis, discotecas, etc.), para identificar possíveis fontes de infecção. • Identificar todos os contatos íntimos. • Investigar a existência de casos secundários e co-primários. • Verificar histórico vacinal do paciente. Coleta e remessa de material para exames A punção lombar para coleta de líquor e a coleta de sangue e/ou fezes para o diagnóstico laboratorial devem ser realizadas logo após a suspeita clínica de meningite, preferencialmente antes do início do tratamento com antibiótico. O material coletado em meio estéril deve ser processado no laboratório local para orientação da conduta médica. Posteriormente, deve ser encaminhado para o laboratório central de saúde pública (Lacen), para os 552 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites Roteiro de investigação epidemiológica das meningites (parte 1) Caso suspeito Notificação imediata Investigação imediata Coleta de dados clínico-epidemiológicos Suspeita clínica de bacteriana Suspeita clínica de viral 6 Caso isolado Surto Orientações individuais Coleta de material Medidas de controle MHi DM Identificar contatos íntimos Outras bacterianas Orientações gerais Busca ativa de casos Quimioprofilaxia Encerramento Surto Atualização do Sinan Medidas adicionais de controle Imunização se necessário Orientações gerais M Encerramento Atualização do Sinan Legenda DM – Doença meningocócica; MHi – Meningite por Haemophilus influenzae procedimentos de identificação etiológica, de acordo com as normas técnicas apresentadas nos Anexos 1 e 2. Análise de dados Esta é uma etapa fundamental da investigação epidemiológica e corresponde à interpretação dos dados coletados em seu conjunto. Esta análise deverá ser orientada por algumas perguntas, tais como: quais foram as fontes de infecção? O caso atual, sob investi- Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 553 Meningites Roteiro de investigação epidemiológica das meningites (parte 2) Caso suspeito Notificação imediata Investigação imediata Coleta de dados clínico-epidemiológicos Suspeita clínica de viral Suspeita clínica de bacteriana Coleta Sangue Líquor Surto Até 20 amostras Caso isolado Laboratório local Bacterioscopia Citoquímica Coleta Sangue Líquor Fezes Laboratório local Citoquímica Lacen Cultura CIE Látex Lacen Preparo das amostras LRN IAL CGLAB LRN Fiocruz IEC Legenda CGLAB – Coordenação Geral de Laboratórios; Lacen – Laboratório de Saúde Pública; LRN – Laboratório de Referência Nacional; IAL – Instituto Adolfo Lutz; Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz; IEC – Instituto Evandro Chagas. gação, transmitiu a doença para outras pessoas? Trata-se de casos isolados ou de um surto? Existem medidas de controle a serem executadas? Isto significa que a investigação epidemiológica não se esgota no preenchimento da ficha de investigação do Sinan. A análise do prontuário, a realização de estudos adicionais e a pesquisa em diferentes fontes de dados (busca ativa de novos casos) são atividades inerentes 554 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites para o alcance do objetivo final da vigilância epidemiológica: o controle das doenças. Para esta análise, é importante: • acompanhamento semanal do número de casos de doença meningocócica e meningite viral por município, para detectar surtos; • revisão dos dados da ficha de investigação de casos; • acompanhamento da situação epidemiológica das meningites (incidência e letalidade por etiologia, sazonalidade, sorogrupo predominante de Neisseria meningitidis, etc.); • análise de indicadores operacionais da vigilância (oportunidade de realização da quimioprofilaxia, oportunidade de encerramento dos casos, percentual de meningites bacterianas confirmadas por cultura e critério laboratorial, etc.), conforme descrito no Caderno de Análise do Sinan. Encerramento de caso Deve ser realizado após a verificação de todas as informações necessárias para a conclusão do caso. A ficha de investigação deve ter sido devidamente preenchida para possibilitar a revisão e discussão do caso para o encerramento. O encerramento deverá ser feito com base na tabela de inconsistência entre etiologia e critério diagnóstico (Anexo 3), no prazo máximo de 60 dias e posterior atualização dos dados no Sinan. 6 Instrumentos disponíveis para prevenção e controle A meningite é uma síndrome que pode ser causada por diferentes agentes infecciosos. Para alguns destes, é possível dispor de medidas de prevenção primária, tais como vacinas e quimioprofilaxia. O diagnóstico e o tratamento precoces são fundamentais para um bom prognóstico da doença. M Quimioprofilaxia A quimioprofilaxia, muito embora não assegure efeito protetor absoluto e prolongado, tem sido adotada como eficaz medida na prevenção de casos secundários. Está indicada para os contatos íntimos de casos de doença meningocócica e meningite por Haemophilus influenzae e também para o paciente, no momento da alta, no mesmo esquema preconizado para os contatos, exceto se o tratamento foi com ceftriaxona, pois há evidências de que esta droga é capaz de eliminar o meningococo da orofaringe. A droga de escolha para a quimioprofilaxia é a rifampicina, que deve ser administrada em dose adequada e simultaneamente a todos os contatos íntimos, no prazo de 48 horas da exposição à fonte de infecção. Considerar o período de transmissibilidade da doença. O uso restrito da droga visa evitar a seleção de estirpes resistentes de meningococos. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 555 Meningites Esquema de rifampicina indicado por etiologia Agente etiológico Dose Adultos - 600mg/dose Intervalo Duração 12/12h 2 dias 12/12h (dose máxima de 600mg) 2 dias 12/12h (dose máxima de 600mg) 2 dias Crianças Neisseria meningitidis > 1 mês até 10 anos dose - 10mg/kg/dose < 1 mês Dose - 5mg/kg/dose Adultos - 600mg/dose Crianças Haemophilus influenzae > 1 mês até 10 anos dose - 20mg/kg/dose < 1 mês Dose - 10mg/kg/dose 4 dias 24/24h 24//24h (dose máxima de 600mg) 4 dias 24/24h (dose máxima de 600mg) 4 dias Observação: criança com o esquema vacinal completo contra Haemophilus influenzae tipo b não precisa receber quimioprofilaxia, exceto nos casos de ser imunocomprometida. Imunização As vacinas contra meningite são específicas para determinados agentes etiológicos. Algumas fazem parte do calendário básico de vacinação da criança e outras estão indicadas apenas em situações de surto. Vacina contra Haemophilus influenzae tipo b (Hib) ou tetravalente Esta vacina previne contra as infecções invasivas causadas pelo Haemophilus influenzae do tipo b, como meningite, pneumonia, septicemia, otite, etc. Faz parte do calendário básico de vacinação infantil e está recomendada para menores de um ano no esquema de três doses com intervalo de 60 dias entre as doses (esquema: 2, 4 e 6 meses de idade). É utilizada juntamente com a vacina DPT, compondo a vacina tetravalente. Suas contra-indicações são as gerais, relacionadas à hipersensibilidade. As reações adversas são raras e, quando ocorrem, são locais (dor, eritema e enduração) e surgem nas primeiras 24 a 48 horas após a administração. Esta vacina também está indicada em casos de: • crianças e adolescentes até 18 anos, com asplenia anatômica ou funcional ou com imunodeficiência congênita ou adquirida; • menores de cinco anos, com doença pulmonar ou cardiovascular crônica e grave; • transplantados de medula óssea de qualquer idade. Vacina contra o bacilo de Koch A vacina BCG (bacilo de Calmette-Guérin, estirpe Moreau Rio de Janeiro) previne contra as formas graves de tuberculose (miliar e meníngea). É uma vacina composta de 556 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites cepas atenuadas do bacilo Mycobacterium bovis. O esquema recomendado é uma dose ao nascer, devendo ser administrada o mais precocemente possível, na própria maternidade ou na sala de vacinação da rede pública de saúde. A utilização de uma dose de reforço entre 6 e 10 anos de idade, já introduzida em alguns estados, é recomendada. Em criança que recebeu BCG há seis meses ou mais, na qual esteja ausente a cicatriz vacinal, indica-se a revacinação, sem necessidade de realização prévia do teste tuberculínico (PPD). A vacina é contra-indicada nas seguintes situações: • em portador HIV positivo, sintomático ou assintomático; • em menores de 13 anos infectados pelo HIV, considerar a Tabela 1 e avaliar os parâmetros clínicos e risco epidemiológico para a tomada de decisão; • nos trabalhadores de saúde reatores à prova tuberculínica (reator forte/acima de 10mm); • nos portadores de imunodeficiências congênitas. 6 Em recém-nascidos com peso inferior a 2kg, devido à escassez do tecido cutâneo e em presença de afecções dermatológicas extensas em atividade, doenças graves, ou nos casos de uso de drogas imunossupressoras, recomenda-se o adiamento até que a criança esteja clinicamente bem. Os eventos adversos mais comuns são: formação de abscesso subcutâneo frio ou quente, ulceração com diâmetro maior que 1cm no local da aplicação, linfadenite regional supurada, cicatriz quelóide, reação lupóide e outras lesões localizadas ou generalizadas (maiores detalhes, ver Manual de Vigilância Epidemiológica dos Eventos Adversos, disponível no site www.saude.gov.br/svs/publicações). Vacinas contra Neisseria meningitidis As vacinas antimeningocócicas podem ser polissacarídicas ou conjugadas. M Tabela 1. Categoria imunológica da classificação da infecção pelo HIV na criança (menores de 13 anos) Contagem de LT CD4+ em células/mm3 Idade Alteração imunológica <12 meses 1 a 5 anos 6 a 12 anos Ausente (1) ≥1.500 (≥25%) ≥1 mil (≥25%) ≥500 (≥25%) Moderada 750-1.499 (15-24%) 500-999 (15-24%) 200-499 (15-24%) Grave (3) <750 (<15%) <500 (<15%) <200 (<15%) Fonte: BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Recomendações para vacinação em pessoas infectadas pelo HIV. -Brasília: Ministério da saúde, 2002. As vacinas polissacarídicas têm por base a reação imunogênica do hospedeiro ao polissacarídeo capsular do meningococo e, portanto, são sorogrupo específicas (A, C, W135, Y) ou sorosubtipo específicas (B:4,7 P1, 15). Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 557 Meningites Vacina polissacarídica contra o meningococo dos sorogrupos A e C – é constituída por polissacarídeos capsulares purificados de Neisseria meningitidis (isolados ou combinados) que foram quimicamente identificados, induzindo uma resposta imunológica de célula T independente. A eficácia em adultos é alta, mas no grupo de menores de 2 anos é baixa. Além disso, produzem imunidade de curta duração (12 a 24 meses). Os eventos adversos pós-vacinação são leves e pouco freqüentes, consistindo, principalmente, de manifestações locais como dor, edema e eritema local com duração de 1 a 2 dias. As manifestações sistêmicas são leves e pouco freqüentes, consistindo principalmente de febre baixa, com início até 48 horas após a aplicação da vacina e persistindo por 24 a 48 horas. No Brasil, estas vacinas estão indicadas no controle de surtos, não estando disponíveis na rotina dos serviços de saúde. Vacina polissacarídica contra o meningococo do sorogrupo B – existe uma vacina disponível cujos resultados dos estudos realizados no Brasil indicam baixa efetividade em menores de 2 anos. A vacina contra o meningococo B possui baixa eficácia porque o polissacarídeo da cápsula desse meningococo é fracamente imunogênico, devido à sua semelhança estrutural com tecidos corporais humanos. Os eventos adversos pós-vacinação mais observados são a dor no local da aplicação e tumefação. A febre é a mais comum das manifestações gerais, ocorrendo na maioria das vezes nas primeiras 48 horas após a vacinação. A síndrome de reação sistêmica precoce pode manifestar-se dentro de 3 horas após a aplicação da vacina com um ou mais dos seguintes sintomas: tremores, calafrios, febre, cefaléia intensa, vômitos, sonolência, prostração, cianose perioral ou de dedos. Vacina conjugada contra o meningococo do sorogrupo C – a vacina antimeningocócica conjugada do sorogrupo C é constituída por polissacarídeo meningocócico do grupo C, conjugado ao toxóide tetânico. Está indicada na prevenção da infecção invasiva pelo meningococo C em crianças acima de 2 meses de idade. Esta vacina está disponível nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Crie) sendo recomendada nas seguintes situações: • crianças e adolescentes com asplenia anatômica ou funcional ou com imunodeficiência congênita ou adquirida; • menores de cinco anos, com doença pulmonar ou cardiovascular crônica e grave; • transplantados de medula óssea. Os eventos adversos mais freqüentes são dor, vermelhidão e inchaço no local da aplicação. Em crianças que começam a andar e em bebês, observa-se choro, irritabilidade, sonolência, insônia. Febre, vômito, náusea, perda de apetite e diarréia ocorrem em menor freqüência. 558 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites Vacina contra Streptococcus pneumoniae Esta vacina está disponível nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Crie) em duas apresentações, sendo indicada nas seguintes situações: 23 Valente • Adultos a partir de 60 anos de idade, quando hospitalizados, institucionalizados ou acamados; • Crianças com dois anos e mais, adolescentes e adultos com imunodeficiência adquirida ou congênita, síndrome nefrótica, disfunção anatômica e funcional do baço, doença pulmonar ou cardiovascular crônica e grave, insuficiência renal crônica, diabetes mellitus insulino-dependente, cirrose hepática, fístula liquórica e transplantados de medula óssea de qualquer idade. 7 Valente A partir dos dois meses de idade até 23 meses: menores de dois anos de idade imunocompetentes, com doença pulmonar ou cardiovascular crônicas graves, insuficiência renal crônica, síndrome nefrótica, diabetes mellitus, cirrose hepática, fístula liquórica, asplenia congênita ou adquirida, hemoglobinopatias, imunodeficiência congênita ou adquirida, crianças HIV positivo assintomáticas e com aids. 6 Observação: a vacina deve ser administrada 15 dias antes de esplenectomia eletiva e quimioterapia imunossupressora. Vacinação para bloqueio de surto Recomendações A vacinação para bloqueio está indicada nas situações em que haja a caracterização de um surto de doença meningocócica para o qual seja conhecido o sorogrupo responsável e exista vacina eficaz disponível. Estas vacinas somente serão utilizadas a partir de decisão conjunta das três esferas de gestão: secretaria municipal de saúde, secretaria estadual de saúde e a Secretaria de Vigilância em Saúde/MS, após comprovação do sorogrupo responsável pelo surto. A estratégia de vacinação (campanha indiscriminada ou discriminada) será definida considerando a análise epidemiológica, as características da população (faixa etária, etc.) e a área geográfica de ocorrência dos casos. Todos os procedimentos relacionados com o desencadeamento de campanha de vacinação deverão estar de acordo com as normas técnicas preconizadas pelo Programa Nacional de Imunização. Após a vacinação, são necessários 7 a 10 dias para a obtenção de títulos protetores de anticorpos. Casos ocorridos em pessoas, no período de até 10 dias após a vacinação não devem ser considerados falhas da vacinação. Estes casos são passíveis de ocorrência, haja vista que o indivíduo pode ainda não ter produzido imunidade ou estar em período de incubação da doença, que varia de 2 a 10 dias. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS M 559 Meningites As orientações técnicas para a administração de vacinas estão descritas no Manual de Procedimentos do Programa Nacional de Imunizações. Ações de educação em saúde A população deve ser orientada sobre os sinais e sintomas da doença, bem como os hábitos, condições de higiene e disponibilidade de outras medidas de controle e prevenção, tais como quimioprofilaxia e vacinas, alertando para a procura imediata do serviço de saúde frente a suspeita da doença. A divulgação de informações é fundamental para diminuir a ansiedade e evitar o pânico. Resumo das estratégias de prevenção e controle • Orientar a população sobre a importância da higiene corporal e ambiental, bem como a manutenção de ambientes domiciliares e ocupacionais ventilados, e evitar aglomerados em ambientes fechados. • Informar sobre os mecanismos de transmissão da doença. • Capacitar os profissionais de saúde para o diagnóstico e tratamento precoces. • Notificar todos os casos suspeitos às autoridades de saúde. • Investigar imediatamente todos os casos notificados como meningite. • Realizar, de forma adequada e em tempo hábil, a quimioprofilaxia dos contatos íntimos, quando indicada. • Manter alta cobertura vacinal contra BCG e Hib, observando a importância da cobertura homogênea nos municípios. • Detectar precocemente e investigar rapidamente os surtos. • Realizar a vacinação para bloqueio de surtos, quando indicada. 560 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites Anexo 1 O diagnóstico etiológico dos casos suspeitos de meningite é de extrema importância para a vigilância epidemiológica, tanto na situação endêmica da doença quanto em situações de surto. Para todo caso suspeito de meningite bacteriana, utilizar o kit de coleta para o diagnóstico laboratorial, distribuído pelos Lacens em todo o território nacional, composto de: • 1 frasco para hemocultura (com caldo TSB ou BHI acrescido do anticoagulante SPS); • 1 frasco com meio de cultura ágar chocolate base Müller Hinton ou similar, para líquor; • 1 frasco estéril para coleta de soro, para realizar CIE e látex; • 1 frasco estéril para coleta de líquor, para citoquímica, CIE e látex; • 2 lâminas sem uso prévio, perfeitamente limpas e desengorduradas, para bacterioscopia (uma é corada e processada no laboratório do hospital; a outra, enviada para o Lacen). 6 Kit para colheita e transporte do líquido cefalorraquidiano/sangue/soro Ágar chocolate base Müeller Hinton Caldo TSB frasco hemocultura M 2 lâminas de microscopia Frasco vazio para LCR Frasco vazio para soro As culturas positivas devem ser sempre encaminhadas ao Lacen, que a seguir as enviará para o Instituto Adolfo Lutz (IAL/SP), que é o laboratório de referência nacional para as meningites bacterianas, onde serão realizados os seguintes estudos complementares: confirmação de espécie, sorogrupo, sorotipo e sorosubtipo, caracterização molecular e controle da resistência antimicrobiana da cepa. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 561 Meningites Quadro 1. Alteração do LCR em algumas patologias (exames laboratoriais) Exames laboratoriais Meningites Bacteriana Tuberculosa Viral Encefalites Neurocisticercose Meningoencefalia por fungos Normal Aspecto Turvo Límpido ou ligeiramente turvo (opalescente) Límpido Límpido Límpido ou ligeiramente turvo Límpido Límpido Cor Branca-leitosa ou ligeiramente xantocrômica Incolor ou xantocrômica Incolor ou opalescente Incolor Incolor Incolor Incolor, cristalino (“água de rocha”) Coágulo Presença ou ausência (fibrina delicada) ou ausência Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Cloretos Diminuídos Diminuídos Normal Normal Normal Normal Normal Glicose Diminuída Diminuída Normal Normal Normal Normal 45 a 100mg/dl Proteínas totais Aumentadas Aumentadas Levemente Discretamente aumentadas aumentadas Discretamente aumentadas Discretamente aumentadas 15 a 50mg/dl Globulinas Positiva (gamaglobulina) Positiva (alta e gamaglobulinas) Negativa ou positiva Aumento discreto (gamaglobulina) Normal 200 a milhares 25 a 500 5 a 500 1 a 100 1 a 100 (neutrófilos) (linfócitos) (linfócitos) (linfócitos) (linfócitos) Presença Leucócitos VDRL - Aumento - (gamaglobulina) 1 a 100 (linfócitos ou eosinófilos) 0 a 5 mm3 - - - - - - Contraimunoeletroforese (CIE) Reagente (1) - - - - - - Látex Reagente (5) - - - - - - Microscopia Positiva para DGN, BGN, CGP, BGP (2) ou não Gramnegativa (4) Cultura Crescimento em ágar chocolate (3) Crescimento em meio LowesteinJansen Gramnegativa - Gramnegativa Positiva (tinta nanquim p/ C. neoformans ou para Candida sp - Crescimento em meio Sabouraud e ágar sangue Gramnegativa - - - Observação: (1) Contra-imunoeletroforese (CIE) reagente para N. meningitidis, H. influenzae tipo b. (2) DGN = Diplococo gram-negativo; BGN = Bacilo gram-negativo; CGP = Cocos gram-positivo; BGP = Bacilo gram-positivo. (3) Quando sem uso prévio de antibióticos e condições adequadas de coletas e semeadura do LCR. (4) Exame baciloscópico é de valor relativo porque a presença de BAAR é sempre pequena no LCR (paucibacilar). A baciloscopia é feita com coloração de Ziehl-Nielsen. (5) Látex = reagente para S. pneumoniae (grupos A e B), H. influenzae e N. meningitidis A, B, C, Y, W135 ou outros agentes, dependendo do produto disponível. 562 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites Exames laboratoriais A seguir, descrevem-se os exames laboratoriais disponíveis, sua interpretação e as normas de coleta dos espécimes clínicos. Para isso, é necessário que a coleta seja realizada no ato da entrada do paciente na unidade de saúde, no primeiro atendimento, preferencialmente antes da utilização da primeira dose do antibiótico. • Cultura – exame de alto grau de especificidade, podendo ser realizado com diversos tipos de fluidos corporais, mais comumente líquor e sangue. O seu objetivo é identificar a espécie da bactéria. • Contra-imunoeletroforese cruzada (CIE) – os polissacarídeos de Neisseria meningitidis e Haemophilus influenzae tipo b apresentam carga negativa e, quando submetidos a um campo elétrico sob determinadas condições de pH e força iônica, migram em sentido contrário ao do anticorpo. Assim, tanto o antígeno quanto o anticorpo dirigem-se para um determinado ponto e, ao se encontrarem, formam uma linha de precipitação que indica a positividade da reação. A contra-imunoeletroforese fornece uma sensibilidade de aproximadamente 70% na identificação de Neisseria meningitidis e de 90% na identificação de H. influenzae, e uma especificidade da reação de 98%. O material indicado para o ensaio é o LCR, soro e outros fluidos. • Aglutinação pelo látex – partículas de látex, sensibilizadas com anti-soros específicos permitem, por técnica de aglutinação rápida (em lâmina ou placa), detectar o antígeno bacteriano em líquor, soro e outros fluidos biológicos. Pode ocorrer resultado falso-positivo em indivíduos portadores do fator reumático ou em reações cruzadas com outros agentes. A sensibilidade do teste de látex é da ordem de 90% para H. influenzae, 94,4% para S. pneumoniae e 80% para N. meningitidis. A especificidade da reação é de 97%. • Bacterioscopia – pela técnica de coloração de Gram, caracteriza-se morfológica e tintorialmente os agentes bacterianos, permitindo sua classificação com pequeno grau de especificidade. Pode ser realizada a partir do líquor e outros fluidos corpóreos normalmente estéreis. • Quimiocitológico – permite a leitura citológica do líquor e a dosagem de glicose, proteínas e cloretos. Traduz a intensidade do processo infeccioso e orienta a suspeita clínica, mas não deve ser utilizado para conclusão do diagnóstico final, por seu baixo grau de especificidade. • Outros exames – alguns métodos vêm sendo utilizados, principalmente nos laboratórios de pesquisa, como PCR, Elisa e imunofluorescência, cujos resultados ainda se encontram em avaliação e, portanto, não são preconizados na rotina diagnóstica. • Reação em cadeia pela polimerase (PCR) – a detecção do DNA bacteriano pode ser obtida por amplificação da cadeia de DNA pela enzima polimerase, que permite a identificação do agente utilizando oligonucleotídeos específicos. Possui alta sensibilidade e especificidade; entretanto, a técnica para o diagnóstico de meningite ainda não está validada, não sendo utilizada como rotina diagnóstica. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 6 M 563 Meningites • Método da imunofluorescência – este método consiste na marcação de anticorpos específicos com substâncias fluorescentes para a identificação de H. influenzae, S.pneumoniae e N. meningitidis, em esfregaços de materiais clínicos. A sensibilidade dos resultados foi comparável à dos métodos convencionais, como exame direto, através da coloração de Gram e cultura atingindo 70% a 93%. O material indicado para o ensaio é o LCR e o soro. • Método imunoenzimático (Elisa) – o método fundamenta-se na capacidade do anticorpo ou antígeno ligar-se a uma enzima, resultando em conjugado, com a atividade imunológica inalterada e, portanto, possível de detectar tanto antígeno como anticorpo. O material indicado é o LCR e o soro. Além dos métodos supracitados, há outros inespecíficos que são utilizados de forma complementar: tomografia computadorizada, raios X, ultra-sonografia, angiografia cerebral e ressonância magnética. • Os exames realizados pelos Lacens são cultura e antibiograma, CIE, látex e bacterioscopia. • Todo material deverá ser enviado ao Lacen devidamente identificado e acompanhado de cópia da ficha de investigação do Sinan, que servirá de orientação quanto aos exames indicados. • O perfeito acondicionamento, para remessa de amostras, é de fundamental importância para o êxito dos procedimentos laboratoriais. 564 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites Quadro 2. Coleta e conservação de material para diagnóstico de meningite bacteriana Tipo de diagnóstico Cultura Cultura Tipo de material Sangue Líquor Quantidade 10% a 20% do volume total do frasco 5 a 10 gotas Nº de amostras Período da coleta 1 Preferencialmente no ato do 1º atendimento 1 Preferencialmente no ato do 1º atendimento Semear imediatamente ou até 3h após a punção Recipiente Armazenamento/ conservação Frasco adequado para hemocultura (caldo BHI ou TSB acrescido de SPS) Colocar imediatamente em estufa entre 35º e 37ºC, logo após a semeadura, até o envio ao laboratório. Fazer subculturas em ágar chocolate após 8 horas Frasco com meio de cultura ágar chocolate base Müller-Hinton ou similar Incubar a 35ºC-37ºC em atmosfera de CO2 (chama de vela), úmido após a semeadura, até o envio ao laboratório Transporte Nunca refrigerar Manter o frasco em temperatura ambiente e encaminhar o mais rápido possível para o laboratório Nunca refrigerar Manter o frasco em temperatura ambiente e encaminhar o mais rápido possível para o laboratório Em temperatura ambiente, em até 1 hora CIE Líquor ou soro 1ml 1 Preferencialmente no ato do 1º atendimento Frasco estéril Tempo superior a 1 hora, conservar a 4ºC Pode ser congelado, se o exame não for realizado nas primeiras 24 horas. Estocar o restante para a necessidade de realizar outros procedimentos Enviar imediatamente ao laboratório, conservado em gelo 6 Em temperatura ambiente, em até 1 hora Látex Soro 2ml 1 Preferencialmente no ato do 1º atendimento Frasco estéril Sangue colhido sem anti-coagulante Tempo superior a 1 hora, conservar a 4ºC Pode ser congelado, se o exame não for realizado nas primeiras 24 horas Após separar o soro, enviar imediatamente ao laboratório ou conservar Estocar o restante para a necessidade de realizar outros procedimentos Em temperatura ambiente, em até 1 hora Látex Líquor 1 a 2ml 1 Preferencialmente no ato do 1º atendimento Frasco estéril Tempo superior a 1 hora, conservar a 4ºC Pode ser congelado, se o exame não for realizado nas primeiras 24 horas Enviar imediatamente ao laboratório, conservado em gelo Estocar o restante para a necessidade de realizar outros procedimentos Bacterioscopia Líquor 1 gota a partir do sedimento do material quimiocitológico Quimiocitológico Líquor 2ml 2 Preferencialmente no ato do 1º atendimento 2 lâminas de microcospia virgens 1 Preferencialmente no ato do 1º atendimento Frasco estéril Em temperatura ambiente, em até 3 horas Tempo superior a 3 horas, conservar a 4ºC M Enviar imediatamente ao laboratório Observações: • Nenhum dos exames citados substitui a cultura de líquor e/ou sangue. A recuperação do agente etiológico viável é de extrema importância para a sua caracterização e para o monitoramento da resistência bacteriana aos diferentes agentes microbianos. • Sempre colher o líquor em recipiente estéril, de preferência com tampa de borracha. Se o paciente for transferido de hospital, deve ser encaminhado juntamente com o líquor e com o resultado dos exames obtidos. • Os frascos contendo material biológico para exames devem ser rotulados e identificados com: material biológico, suspeita clínica, nome completo, idade, município de residência, data e hora da coleta. • Proceder a antissepsia no local da punção com solução de iodo a 2%. Após a punção, remover o resíduo de iodo com álcool a 70%, visando evitar queimadura ou reação alérgica. • Na suspeita de meningite por agente bacteriano anaeróbico, a eliminação do ar residual deve ser realizada após a coleta do material. Transportar na própria seringa da coleta, com agulha obstruída, em tubo seco e estéril ou inoculada direto nos meios de cultura. Em temperatura ambiente, o tempo ótimo para transporte de material ao laboratório é de 15 minutos para menos de 1ml e 30 minutos para volume superior. • O exame de látex deve ser processado com muito cuidado, para que não ocorram reações inespecíficas. Observar, portanto, as orientações do manual do kit, uma vez que a sensibilidade do teste varia de acordo com o produtor. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 565 Meningites Fluxo de encaminhamento de amostras (meningites virais) Hospital Punção lombar • Coletar em um tubo 1ml de LCR • Coletar em um tubo 1,5 a 2ml de LCR • Fazer o quimiocitológico do LCR utilizando a amostra de 1ml • Congelar imediatamente a amostra de 1,5 a 2ml de LCR Laboratório do hospital • Coletar de 4 a 8g de fezes em frasco coletor universal e acondicionar imediatamente sob refrigeração • Coletar duas amostras de 5ml de sangue sem anticoagulante, com intervalo de 15 a 20 dias. Separar o soro e acondicionar imediatamente a -20o • Caso o quimiocitológico seja sugestivo de MV, enviar ao Lacen as amostras de LCR, fezes e soro Lacen Laboratório de referência regional Laboratório de referência nacional • Acondicionar imediatamente as amostras de LCR, fezes e soro a -70o e enviar, o mais rápido possível, em gelo seco, ao LRR • Processar as amostras de LCR e fezes para isolamento viral • Processar a RT-PCR em caso de isolamento positivo • Enviar as amostras de soro ao LRN • Identificar o sorotipo viral por sequenciamento • Pesquisar anticorpos no soro Observação: os relatórios contendo os resultados devem ser encaminhados trimestralmente dos Lacen aos laboratórios hierarquicamente superiores, bem como à CGLAB. Da mesma forma, o laboratório de referência nacional (LRN) deverá encaminhar relatório trimestral dos exames realizados aos laboratórios de referência Regional (LRR), Lacen e CGLAB. 566 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Meningites Anexo 2 O diagnóstico laboratorial específico das meningites virais, em situações de surtos e em alguns casos isolados, é de extrema importância para a vigilância epidemiológica. A seguir, estão descritas as normas de coleta dos espécimes, os exames laboratoriais disponíveis e suas interpretações. Para isso, é necessário que a coleta seja realizada no ato da entrada do caso suspeito na unidade de saúde, no primeiro atendimento. Para casos suspeitos de meningite viral deve ser utilizado o kit completo de coleta, distribuído pelos Lacen em todo o território nacional, constituído de: • 1 frasco de polipropileno com tampa de rosca para líquor; • 2 frascos de polipropileno com tampa de rosca para soro; • 1 coletor universal para fezes. 6 Exames laboratoriais Isolamento viral em cultura celular – pode ser realizado com diversos tipos de fluidos corporais, mais comumente líquor e fezes. São utilizados cultivos celulares sensíveis para o isolamento da maioria dos vírus associados às meningites assépticas: RD (rabdomiosarcoma embrionário humano), Hep-2 (carcinoma epidermóide de laringe) e Vero (rim de macaco verde africano). Reação de soroneutralização e de imunofluorescência – técnicas imunológicas para identificação do vírus isolado; serão utilizados conjuntos de anti-soros específicos para a identificação dos sorotipos. Reação em cadeia pela polimerase (PCR e RT-PCR) – técnica baseada na amplificação de seqüências nucleotídicas definidas presentes no DNA ou RNA viral. Possui alto grau de especificidade quanto à identificação do agente etiológico, sendo utilizada para detecção direta ou identificação de diferentes grupos de vírus associados às meningites virais. Pesquisa de anticorpos no soro do paciente – serão utilizados testes de soroneutralização, em amostras pareadas de soro, para a pesquisa de anticorpos para enterovírus; para os demais vírus, serão utilizados ensaios imunoenzimáticos com a finalidade de se detectar anticorpos da classe IgG e IgM. M Observações: • Estes exames são realizados a partir de contato com a secretaria estadual de saúde e Lacen. No caso de ocorrência de surto, serão analisadas amostras clínicas coletadas de, no máximo, 20 pacientes. • As amostras devem ser encaminhadas ao laboratório com as seguintes informações: nome do paciente, estado e cidade de notificação, cidade, estado e país de residência do paciente, tipo de amostra (líquor e/ou fezes), data de início dos sintomas, data de coleta da amostra, data de envio da amostra para o laboratório, história de vacinação recente e história de viagem recente. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 567 Meningites • As amostras devem ser individualmente acondicionadas em sacos plásticos e enviadas ao laboratório, em condições adequadas de transporte (caixas isotérmicas com gelo reciclável e, preferencialmente, em gelo seco para o transporte de líquor). • O material deve chegar ao Lacen no prazo de 12 a 24 horas após a coleta. • O tempo de procedimento técnico para o isolamento de vírus e sua identificação é de 30 dias contados a partir da entrada da amostra no laboratório de referência para o diagnóstico de meningite viral. Todo material deverá ser enviado ao laboratório, devidamente identificado e acompanhado de cópia da ficha de investigação do Sinan, que servirá de orientação quanto aos exames indicados. O perfeito acondicionamento, para remessa de amostras, é de fundamental importância para o êxito dos procedimentos laboratoriais. Quadro 3. Coleta e conservação de material para diagnóstico de meningite viral Tipo de diagnóstico Isolamento e identificação Isolamento e identificação Detecção direta Pesquisa de anticorpos da classe IgG Pesquisa de anticorpos da classe IgM 568 Tipo de material Quantidade Líquor 1,5 a 2ml Fezes 4 a 8g, aproximadamente 1/3 do coletor Líquor 1,5 a 2ml Soro 5ml de sangue em frasco sem anticoagulante para obter o soro Soro 5ml de sangue em frasco sem anticoagulante para obter o soro Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Nº de amostras Período da coleta Recipiente Armazenamento/ conservação Transporte 1 No ato do atendimento ao paciente (fase aguda da doença) 1 frasco de polipropileno com tampa rosqueada Acondicionar imediatamente em banho de gelo e conservar a -70oC ou a -20oC até 24 horas Enviar imediatamente ao laboratório em banho de gelo ou em gelo seco em caixas isotérmicas 1 No ato do atendimento ao paciente (fase aguda da doença) 1 coletor universal Conservar em geladeira por até 72 horas Sob refrigeração, em caixas isotérmicas, com gelo reciclável 1 No ato do atendimento ao paciente (fase aguda da doença) 1 frasco de polipropileno com tampa rosqueada Acondicionar imediatamente em banho de gelo Enviar imediatamente ao laboratório em banho de gelo ou em gelo seco em caixas isotérmicas 2 frascos de polipropileno com tampa rosqueada Após a retração do coágulo, separar o soro e conservar a -20oC Sob refrigeração, em caixas isotérmicas, com gelo reciclável 1 frasco de polipropileno com tampa rosqueada Após a retração do coágulo, separar o soro e conservar a -20oC Sob refrigeração, em caixas isotérmicas, com gelo reciclável 2 (só serão processadas as amostras pareadas) 1 1ª amostra no ato do atendimento ao paciente (fase aguda da doença); 2ª amostra 15 a 20 dias após a 1ª (fase convalescente) 1 amostra no ato do atendimento ao paciente (fase aguda da doença) 2 3 4 5 6 7 8 9 10 MM MM+MCC Meningite tuberculosa Meningite por outras bactérias Meningite não especificada Meningite viral Meningite por outra etiologia Meningite por Haemophilus influenzae Meningite pneumocócica 2 CIE CULTURA LÁTEX 3 4 CLÍNICO *O critério de PCR ainda não está validado para confirmação de caso. DOENÇA MENINGOCÓCICA 1 DIAGNÓSTICO INCONSISTENTE COM CRITÉRIO 1 MCC Critério diagnóstico Etiologia 6 7 VÍNC. BACTERIOSCOPIA QUIMIOCITOLÓGICO EPIDEMIOLÓGICO 5 Anexo 3. Tabela de inconsistência entre etiologia e critério diagnóstico* 8 ISOLAMENTO VIRAL 9 OUTRA TÉCNICA LABORATORIAL Meningites 6 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS M 569 Parotidite Infecciosa PAROTIDITE INFECCIOSA CID 10: B26 Características clínicas e epidemiológicas Descrição Doença viral aguda, caracterizada por febre e aumento do volume de uma ou mais glândulas salivares, geralmente a parótida e, às vezes, glândulas sublinguais ou submandibulares. Antes da instituição da imunização em massa, esta virose era muito comum na infância, apresentando-se sob a forma de surtos sazonais. Sinonímia Papeira, caxumba. Agente etiológico Vírus da família Paramyxoviridae, gênero Paramyxovirus. Reservatório O homem. Modo de transmissão Vias aéreas, através da disseminação de gotículas ou por contato direto com saliva de pessoas infectadas. Período de incubação De 12 a 25 dias, sendo, em média, de 16 a 18 dias. Período de transmissibilidade Varia entre 6 e 7 dias antes das manifestações clínicas até 9 dias após o surgimento dos sintomas. O vírus pode ser encontrado na urina até 14 dias após o início da doença. Susceptibilidade e imunidade A imunidade é de caráter permanente, sendo adquirida após infecções inaparentes, aparentes ou após imunização ativa. 570 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Parotidite Infecciosa Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas A principal e mais comum manifestação desta doença é o aumento das glândulas salivares, principalmente a parótida, acometendo também as glândulas sublinguais e submaxilares, acompanhada de febre. Aproximadamente, 30% das infecções podem não apresentar hipertrofia aparente dessas glândulas. Cerca de 20% a 30% dos homens adultos acometidos apresentam orquite. Mulheres acima de 15 anos podem apresentar mastite (aproximadamente 15% dos casos). Em menores de 5 anos de idade, são comuns sintomas das vias respiratórias e perda neurossensorial da audição. O vírus também apresenta tropismo pelo sistema nervoso central, observando-se com certa freqüência meningite asséptica de curso benigno, que na maioria das vezes não deixa seqüelas. Outras complicações são encefalite e pancreatite. Não há relato de óbitos relacionados à parotidite. Sua ocorrência durante o primeiro trimestre da gestação pode ocasionar aborto espontâneo. 6 Diagnóstico diferencial Cálculo de dutos parotidianos, reação à iodetos, ingestão de amidos, sarcoidose, cirrose, diabetes, bulimia, parotidite de etiologia piogênica, inflamação de linfonodos. Diagnóstico laboratorial O diagnóstico da doença é eminentemente clínico-epidemiológico. Existem testes sorológicos (Elisa, inibição da hemaglutinação e fixação do complemento) ou de cultura para vírus, porém não utilizados como rotina. Tratamento Não existe tratamento específico, indicando-se apenas repouso, analgesia e observação cuidadosa quanto à possibilidade de aparecimento de complicações. Nos casos que cursam com meningite asséptica, o tratamento também é sintomático. Nas encefalites, tratar o edema cerebral e manter as funções vitais. P Tratamento de apoio para a orquite • Suspensão da bolsa escrotal, através de suspensório, aplicação de bolsas de gelo e analgesia, quando necessárias. • Redução da resposta inflamatória: prednisona, 1ml/kg/dia, via oral, com redução gradual, semanal. Aspectos epidemiológicos A parotidite infecciosa costuma apresentar-se sob a forma de surtos, que acometem mais as crianças. Estima-se que, na ausência de imunização, 85% dos adultos poderão ter a Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 571 Parotidite Infecciosa doença, sendo que 1/3 dos infectados não apresentarão sintomas. A doença é mais grave em adultos. As estações com maior ocorrência de casos são o inverno e a primavera. Vigilância epidemiológica Objetivos Investigar surtos para a adoção de medidas de controle. Definição de caso Suspeito Paciente com febre e aumento de glândulas salivares, principalmente parótidas. Confirmado Caso suspeito com história de contato com indivíduos doentes por caxumba nos 15 dias anteriores ao surgimento dos primeiros sintomas. Descartado Caso suspeito em que se confirma outra doença. Notificação Não é doença de notificação compulsória. A ocorrência de surtos deverá ser notificada. Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente O atendimento é ambulatorial e o tratamento é feito no domicílio. A hospitalização dos pacientes só é indicada para os casos que apresentem complicações graves, como meningites e encefalites. Confirmação diagnóstica Em geral, não se indica a realização de exames laboratoriais. A grande maioria dos casos tem diagnóstico clínico-epidemiológico. Proteção da população A administração da vacina está indicada antes da exposição. Assim, diante da ocorrência de surtos, deve-se verificar a cobertura vacinal da área, para avaliar a indicação de vacinação dos indivíduos susceptíveis. 572 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Parotidite Infecciosa Investigação Não é doença de investigação obrigatória. Em situação de surto, avaliar a necessidade de bloqueio vacinal. Instrumentos disponíveis para controle Imunização Esquema vacinal básico Vacina tríplice viral (sarampo, rubéola, caxumba), aos 12 meses de idade. O reforço deve ser administrado entre 4 e 6 anos de idade. Para detalhes operacionais sobre a organização das atividades de vacinação de rotina, consultar o site www.saude.gov.br/svs/imunizacoes. 6 Eventos adversos Os eventos adversos são raros, consistindo predominantemente em manifestações locais. As reações sistêmicas mais associadas ao componente caxumba, são febre, parotidite, orquite, meningite e, mais raramente, meningoencefalite, encefalite, surdez e reação anafilática. Contra-indicações Uso recente de imunoglobulinas ou de transfusão sangüínea nos últimos 3 meses, pacientes com imunodeficiência (leucemia e linfoma), uso de corticosteróide e gravidez. Pacientes com infecção sintomática HIV mas que não estejam gravemente imunocomprometidos devem ser vacinados. P Ações de educação em saúde A população deve ser informada quanto às características da parotidite infecciosa e a possibilidade de complicações, devendo ser orientada quanto a busca de assistência médica adequada, quando necessária (orquites, mastites, meningite, encefalite), e a importância de vacinar as crianças. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 573 Peste PESTE CID 10: A20 Características clínicas e epidemiológicas Descrição Doença infecciosa aguda, transmitida principalmente por picada de pulgas infectadas, que se manifesta sob três formas clínicas principais: bubônica, septicêmica e pneumônica. Constitui perigo potencial para as populações, devido a persistência da infecção em roedores silvestres e ao seu importante potencial epidêmico. Agente etiológico Yersinia pestis, bactéria que se apresenta sob a forma de bacilo gram-negativo, com coloração mais acentuada nos pólos (bipolar). Reservatório A peste é primordialmente uma zoonose de roedores que pode, em determinadas condições, infectar outros mamíferos (coelhos, camelos, cães, gatos), inclusive o homem. Os roedores mais freqüentemente encontrados infectados nos focos do Nordeste do Brasil são: Bolomys, Calomys, Oligoryzomys, Oryzomys, R. rattus, Galea, Trychomys. Alguns marsupiais (carnívoros) são também freqüentemente envolvidos durante epizootias em roedores, principalmente Monodelphis domestica. Vetores A Xenopsylla cheopis, X. brasiliensis e X. astia têm grande capacidade vetora; Nosopsyllus fasciatus e Leptosylla segnis são menos eficientes; Ctenocephalides canis e C. felis podem transmitir peste de animais domésticos para o homem; Pulex irritans também é um provável vetor; Polygenis bolhsi jordani e P. tripus são parasitos de roedores silvestres e têm grande importância na epizootização da peste entre os roedores nos campos e nas casas, bem como na gênese da peste humana no Nordeste do Brasil. Modo de transmissão O principal modo de transmissão da peste bubônica ao homem é a picada de pulgas infectadas. No caso da peste pneumônica, as gotículas transportadas pelo ar e os fômites de pacientes são a forma de transmissão mais freqüente de pessoa a pessoa. Tecidos de animais infectados, fezes de pulgas e culturas de laboratório também são fontes de contaminação para quem os manipula sem obedecer as regras de biossegurança. Período de incubação Dois a seis dias para a peste bubônica e um a três dias para a peste pneumônica. 574 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Peste Período de transmissibilidade A peste bubônica não é transmitida diretamente de uma pessoa a outra, exceto se existir contato com o pus de bubões supurados. No caso da peste pneumônica o período de transmissibilidade começa com o início da expectoração, permanecendo enquanto houver bacilos no trato respiratório. As pulgas podem permanecer infectadas durante meses, se existirem condições propícias de temperatura e umidade. Susceptibilidade e imunidade A susceptibilidade é geral e a imunidade temporária e relativa, não protegendo contra grandes inóculos. Aspectos clínicos e laboratoriais 6 Manifestações clínicas Peste bubônica É a mais comum no Brasil. O quadro clínico pode apresentar os seguintes sinais e sintomas, em intensidades variáveis: cefaléia, febre, dores generalizadas, mialgias, anorexia, náuseas, vômitos, confusão mental, congestão das conjuntivas, pulso rápido e irregular, taquicardia, hipotensão arterial, prostração e mal-estar geral. Os casos da forma bubônica podem, com certa freqüência, apresentar sintomatologia moderada ou mesmo benigna. No segundo ou terceiro dia de doença, aparecem as manifestações de inflamação aguda e dolorosa dos linfonodos da região, ponto de entrada da Y. pestis. Este é o chamado bubão pestoso, formado pela conglomeração de vários linfonodos inflamados. O tamanho varia de 1 a 10 cm. A pele do bubão é brilhante, distendida e de coloração vermelho-escura; é, de regra, extremamente doloroso e freqüentemente se fistuliza, com drenagem de material purulento. Podem ocorrer manifestações hemorrágicas e necróticas em virtude da ação da endotoxina bacteriana sobre os vasos. P Peste septicêmica primária É uma forma muito rara, na qual não há reações ganglionares visíveis. É caracterizada pela presença permanente do bacilo no sangue. O início é fulminante, com febre elevada, pulso rápido, hipotensão arterial, grande prostração, dispnéia, fácies de estupor, dificuldade de falar e hemorragias cutâneas, às vezes serosas e mucosas e até nos órgãos internos. De modo geral, a peste septicêmica aparece na fase terminal da peste bubônica não tratada. Peste pneumônica Pode ser secundária à peste bubônica ou septicêmica por disseminação hematógena. É a forma mais grave e perigosa da doença, por seu quadro clínico e alta contagiosidade, podendo provocar epidemias explosivas. Inicia-se com quadro infeccioso grave, de evolu- Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 575 Peste ção rápida, com abrupta elevação térmica, calafrios, arritmia, hipotensão, náuseas, vômitos, astenia, obnubilação mental. A princípio, os sinais e sintomas pulmonares são discretos e ausentes. Depois, surge dor no tórax, respiração curta e rápida, cianose, expectoração sangüinolenta ou rósea, fluida, muito rica em germes. Surgem fenômenos de toxemia, delírio, coma e morte, se não houver instituição do tratamento precoce e adequado. • Período de infecção – cerca de 5 dias após, os microrganismos inoculados difundem-se pelos vasos linfáticos até os linfonodos regionais que passarão a apresentar inflamação, edema, trombose e necrose hemorrágica, constituindo os característicos bubões pestosos. Quando se institui tratamento correto, este período se reduz para 1 ou 2 dias. • Período toxêmico – dura de 3 a 5 dias, correspondendo ao período de bacteremia. A ação da toxina nas arteríolas e capilares determina hemorragias e necrose. Petéquias e equimose são encontradas quase sempre na pele e mucosas. Há hemorragias nas cavidades serosas, nos aparelhos respiratórios, digestivos e urinário. Nos casos graves, estas manifestações conferirão à pele um aspecto escuro. • Remissão – em geral, se inicia por volta do oitavo dia e caracteriza-se por uma regressão dos sintomas, com a febre caindo em lise e os bubões reabsorvidos ou fistulados. Quando o quadro é de peste bubônica, pode haver remissão mesmo sem tratamento em percentual considerável dos casos; entretanto, nos casos de peste pneumônica se não for instituída a terapia adequada o óbito ocorre em poucos dias. Diagnóstico diferencial A peste bubônica deve ser diferenciada de adenites regionais supurativas, linfogranuloma venéreo, cancro mole, tularemia e sífilis. Em alguns focos brasileiros, a peste bubônica pode, inclusive, ser confundida com a leishmaniose tegumentar americana, na sua forma bubônica. A forma septicêmica deve ser diferenciada de septicemias bacterianas das mais diversas naturezas e de doenças infecciosas de início agudo e de curso rápido e grave. Nas áreas endêmicas de tifo exantemático, tifo murino e febre maculosa, pode haver dificuldade diagnóstica com a septicemia pestosa. A peste pulmonar, pela sua gravidade, deve ser diferenciada de outras pneumonias, broncopneumonias e estados sépticos graves. A suspeita diagnóstica pode ser difícil no início de uma epidemia ou quando é ignorada a existência da doença em uma localidade, já que suas primeiras manifestações são semelhantes a muitas outras infecções bacterianas. A história epidemiológica compatível facilita a suspeição do caso. Diagnóstico laboratorial É realizado mediante o isolamento e a identificação da Y. pestis, em amostras de aspirado de bubão, escarro e sangue. Pode-se realizar imunofluorescência e também sorologia por meio das técnicas de hemaglutinação/inibição da hemaglutinação (PHA/PHI), Elisa, Dot-Elisa) e diagnóstico bacteriológico por meio de cultura e hemocultura. 576 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Peste Tratamento O tratamento com antibióticos ou quimioterápicos deve ser instituído precoce e intensivamente, não se devendo, em hipótese alguma, aguardar os resultados de exames laboratoriais, devido à gravidade e rapidez da instalação do quadro clínico. Amostras para exame devem ser colhidas antes do início do tratamento. O ideal é que se institua a terapêutica específica nas primeiras 15 horas após o início dos sintomas. Estreptomicina – é o antibiótico mais eficaz contra a Y. pestis, particularmente na forma pneumônica. Entretanto, atualmente, seu uso está bastante restrito devido às suas manifestações tóxicas. A dose pode ser de 30mg/kg/dia (não ultrapassando o total de 2g/dia), por via intramuscular, durante 10 dias ou até 3 dias depois da temperatura ter voltado ao normal. Cloranfenicol – é a droga de eleição para as complicações que envolvem espaços tissulares (peste meníngea), onde outros medicamentos penetram com dificuldade. A via de administração pode ser oral ou venosa. A dosagem é de 50mg/kg/dia, dividida em 4 tomadas diárias (6 em 6 horas), durante 10 dias. Tetraciclinas – este grupo de antibiótico é bastante efetivo no tratamento primário de pacientes com peste sem complicações. Aplicar uma dose inicial de15 mg/kg (não devendo exceder 1g total) e continuar com 25-50 mg/kg/dia (não ultrapassar 2g/dia) por 10 dias. As tetraciclinas podem também ser usadas combinadas com outros antibióticos. Sulfamidas – têm sido usadas extensivamente em prevenção e tratamento da peste. Entretanto, alguns estudos têm mostrado serem bem menos efetivas do que os antibióticos anteriormente referidos. A sulfadiazina é usada em doses de 2-4g, seguida de dose de 1g, de 4-6 horas, por um período de 10 dias. Em crianças, a dose oral é de 75mg/kg, seguida de 150 mg/kg/dia, dividida em 6 doses. A combinação das drogas sulfametoxazol + trimetoprima tem sido usada na prevenção e tratamento da peste. 6 Atenção: os antibióticos das classes das penicilinas, cefalosporinas e macrolídeos não são eficazes no tratamento da peste. P Tratamento da peste em grávidas e crianças – é importante atentar para a escolha do antibiótico durante a gravidez, devido aos efeitos adversos. Experiências têm mostrado que os aminoglicosídeos administrados de forma cuidadosa são eficazes e seguros para mãe, feto e crianças. A gentamicina é o antibiótico preferencial para tratamento da peste em mulheres grávidas. Tratamento de suporte – deve-se buscar controlar os sintomas à medida que forem aparecendo. Como medidas gerais e de tratamento sintomático, recomenda-se desde o princípio observar o estado da circulação, da pressão arterial e da função cardíaca. Se necessário, empregar analépticos cardiovasculares para contrabalançar os efeitos da toxina sobre o coração, sedativos para combater a agitação e o delírio e anti-hemorrágicos para as manifestações hemorrágicas. Fazer reidratação e reposição dos eventuais distúrbios hidreletrolíticos. Manter cuidados com as mucosas e a mobilização do paciente. O bubão tende à reabsorção sob a ação dos antibióticos, dispensando qualquer tratamento local, devendo-se fazer a drenagem unicamente nos casos de bubões supurados. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 577 Peste Aspectos epidemiológicos A peste continua sendo potencialmente perigosa em diversas partes do mundo, devido à persistência da infecção em roedores silvestres e ao seu contato com ratos comensais. Focos naturais de peste persistem na África, Ásia, sudeste da Europa, América do Norte e América do Sul. Na América do Norte, tem sido comprovada a existência da peste na região ocidental dos Estados Unidos. Na América do Sul, a peste tem sido notificada pelos seguintes países: Brasil, Bolívia, Equador e Peru. No Brasil, existem duas áreas principais de focos naturais: o Nordeste e Teresópolis. O foco do Nordeste está localizado na região semi-árida do Polígono das Secas, em vários estados (Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia), e nordeste de Minas Gerais (Vale do Jequitinhonha), além de outra zona pestosa no estado de Minas Gerais fora do Polígono das Secas (Vale do Rio Doce). O foco de Teresópolis fica localizado na Serra dos Órgãos, nos limites dos municípios de Teresópolis, Sumidouro e Nova Friburgo (Figura 1). Figura 1. Regiões pestígenas. Brasil, 1983-2000 Fonte: SVS/MS De 1983 a 2000, foram notificados 487 casos humanos no país. Estes registros foram procedentes dos focos do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Bahia e Minas Gerais (Figura 2). Além do potencial epidêmico, outro aspecto epidemiológico que se destaca é o potencial letal da peste. A forma bubônica quando não tratada pode chegar a 50% e a pneumônica e septicêmica, próximas a 100% de letalidade. 578 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Peste Figura 2. Casos de peste humana por UF. Brasil, 1983-2000 350 300 250 200 150 100 50 0 CE 125 RN 1 PB 54 BA 302 MG 6 6 Unidade federada Fonte: SVS/MS Vigilância epidemiológica Objetivos • Impedir a transmissão para humanos mediante controle dos focos naturais (prevenção primária). • Realizar diagnóstico precoce de casos humanos (prevenção secundária) visando diminuir a letalidade da doença. • Impedir a reintrodução da peste urbana através de portos e aeroportos. P Definição de caso Suspeito • Paciente que apresentar quadro agudo de febre em área pertencente a um foco natural de peste, que evolua com adenite (“sintomático ganglionar”). • Paciente proveniente de área com ocorrências de peste pneumônica (de 1 a 10 dias) e que apresente febre e/ou outras manifestações clínicas da doença, especialmente sintomatologia respiratória. Confirmado Critério clínico-laboratorial Todo caso com quadro clínico de peste e diagnóstico laboratorial confirmado (positivo classe I). Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 579 Peste Critério clínico-epidemiológico Todo caso com quadro clínico sugestivo de peste e história epidemiológica, em área onde tenha sido confirmada laboratorialmente a ocorrência de peste humana ou animal (positivo classe II). Descartado • Caso suspeito com diagnóstico laboratorial negativo. • Caso suspeito com história epidemiológica não compatível. • Caso com história epidemiológica porém sem nenhuma confirmação anterior de caso confirmado laboratorialmente. Notificação A peste é uma doença de notificação compulsória, sujeita ao Regulamento Sanitário Internacional. Todos os casos suspeitos devem ser imediatamente notificados por telefone, fax ou e-mail às autoridades sanitárias superiores. A rapidez nas notificações visa à prevenção de novos casos e até mesmo de um surto. Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente Tratar precoce e adequadamente o paciente. Qualidade da assistência Verificar se os casos estão sendo atendidos de acordo com as orientações pertinentes. Proteção individual Manter em isolamento restrito os casos de peste pneumônica, com precauções contra a disseminação aérea até se tenha completado 48 horas de esquema de tratamento com antibiótico apropriado. Confirmação diagnóstica Coletar material para diagnóstico laboratorial de acordo com as orientações constantes do Anexo 1. Proteção da população Proteção de contatos – logo que se tenha conhecimento da suspeita de caso(s) de peste é indicada a quimioprofilaxia para contatos de pacientes com peste pneumônica e para indivíduos suspeitos de terem tido contato com pulgas infectadas. Devem ser intensificadas ações de esclarecimento à população sobre o ciclo de transmissão da doença, gravidade e situação de risco, utilizando-se os meios comunicação de massa, bem como visitas domiciliares e palestras. 580 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Peste Investigação Todos os casos de peste devem ser cuidadosamente investigados, não só para o correto diagnóstico dos pacientes como também para orientar as medidas de controle a serem adotadas. O instrumento de coleta de dados, a ficha epidemiológica disponível no Sinan, contém os elementos essenciais a serem coletados em uma investigação de rotina. Todos os seus campos devem ser criteriosamente preenchidos, mesmo quando a informação for negativa. Outros itens e observações podem ser incluídos, conforme as necessidades e peculiaridades de cada situação. Roteiro da investigação epidemiológica Identificação do paciente Preencher todos os campos da ficha de investigação epidemiológica do Sinan relativos aos dados gerais, notificação individual e dados de residência. 6 Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Para confirmar a suspeita diagnóstica – anotar na ficha de investigação dados sobre critério de confirmação, classificação da forma clínica e gravidade. Para identificação da área de transmissão – verificar se o local de residência corresponde a uma área de provável transmissão da doença (focos naturais da doença). A identificação da área onde se deu a transmissão é de suma importância para a condução das medidas de controle. Para determinação da extensão da área de transmissão • Busca ativa de caso humano: após a identificação do possível local de transmissão iniciar imediatamente a busca ativa de outros casos humanos na localidade. • Captura, identificação e exames de reservatórios e vetores: a morte de roedores na área é sugestiva da circulação da Y. pestis, daí a importância de capturar roedores para identificação. Proceder também à captura, identificação e exame das pulgas existentes no local, para pesquisa da Y. pestis. Esse trabalho deve ser executado por equipes treinadas, com observância dos cuidados de biossegurança. P Coleta e remessa de material para exames Logo após a suspeita clínica de peste, coletar material para exame, antes de iniciar o tratamento (conforme o Anexo 1). Atenção Em vista da gravidade e rapidez da instalação do quadro clínico da doença, não se deve em hipótese alguma aguardar os resultados de exames laboratoriais para instituir o tratamento. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 581 Peste Roteiro de investigação epidemiológica da peste Ocorrência de caso suspeito de peste Atendimento clínico Avaliação criteriosa da história clínica e do exame físico 1a instância de investigação Interrogatório meticuloso sobre dados de caráter epidemiológico De acordo com dados clínico-epidemiológicos confirmar ou descartar a suspeita do(s) caso(s) 2a instância de investigação Nos casos em que se mantiver a suspeita diagnóstica coletar material para testes laboratoriais de acordo com procedimentos do Anexo 1 Realizar investigação epidemiológica de campo Busca ativa de outros casos suspeitos 3a instância de investigação Busca ativa de indícios de outros roedores Testagem laboratorial das amostras coletadas visando a identificação da Y. pestis Bacteriológico 4a instância de investigação Coleta de espécimes para testes laboratoriais tanto dos casos humanos como dos animais suspeitos Sorológico De posse de todos os dados, fazer uma reavaliação do(s) caso(s) classificando-os em conformidade com o resultado da investigação Observação: da mesma forma que os eventos envolvendo pessoas, as denúncias sobre epizootias de roedores devem ser objeto de investigação. 582 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Peste Análise dos dados O profissional deve interpretar passo a passo os dados coletados, englobando o surgimento de casos humanos de peste (confirmados e suspeitos); comprovação de peste animal em roedores, pulgas, carnívoros ou outros mamíferos e descoberta de roedores mortos na localidade com causa atribuível à peste, para orientar e desencadear as medidas de controle. Encerramento de casos A ficha epidemiológica de cada caso deve ser analisada visando definir qual o critério utilizado para o diagnóstico, considerando as seguintes alternativas: Confirmado por critério clínico-laboratorial Caso o objeto de investigação seja confirmado por um ou mais testes de laboratório (Classe I). 6 Confirmado por critério clínico-epidemiológico Caso não confirmado por teste laboratorial, mas que se enquadra em critérios clínicos e epidemiológicos bem estabelecidos, os quais caracterizam, com boa margem de segurança, a nosologia pestosa (Classe II). Situações abrangidas: • caso humano com quadro clínico compatível com nosologia pestosa, claramente associado com peste comprovada em roedores, pulgas ou carnívoros; • caso com quadro clínico sugestivo, bastante compatível com peste, de ocorrência em região pestígena reconhecida como tal e associado a indício de peste animal; • caso com quadro clínico não característico, porém ainda assim considerado compatível com peste, ocorrido em região pestígena conhecida e aliado a indícios seguros de peste animal. P Óbito Caso investigado, com evolução para óbito. Caso descartado Caso investigado, cujo resultado dos testes laboratoriais foram negativos, com isolamento de outro agente patogênico; caso não submetido a testes laboratoriais, com quadro clínico-epidemiológico considerado suficiente para excluir com segurança a hipótese de peste. Relatório final Os dados da investigação deverão ser sumarizados em um relatório com as principais conclusões, das quais destacam-se: • área de transmissão dos casos. Distribuição dos casos segundo espaço, pessoa e tempo; • situação atual do foco e medidas de controle adotadas para impedir a transmissão para humanos; Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 583 Peste • situação de risco para a ocorrência de novos casos ou surtos; • critérios de confirmação e descarte dos casos. Instrumentos disponíveis para controle Imunização A vacina disponível é muito pouco utilizada, pois é de baixa tolerabilidade e a proteção conferida é de curta duração (alguns meses), após a administração de duas ou três doses e mais uma de reforço. Controle vetorial O ambiente onde vivem os contatos deve ser desinfestado (despulizado) de pulgas através do uso de inseticidas. Caso se suspeite que outras habitações possam estar com pulgas contaminadas, deve-se estender essa medida. Se houver indicação de desratização ou anti-ratização, a eliminação das pulgas deve anteceder a eliminação dos roedores. Vários tipos de inseticidas podem ser empregados com sucesso para o controle das pulgas, destacando-se o grupo dos carbamatos e piretróides. Ações de educação em saúde A prática educativa nas ações de controle é tão mais efetiva quanto mais se contar com a compreensão e participação ativa da comunidade. Orientações devem ser dadas quanto a necessidade de se evitar que roedores disponham de abrigo e alimento próximos às habitações humanas e as formas de eliminá-los quando presentes – precedendo com o cuidado de eliminação das pulgas; caso contrário, sem seu alimento habitual, elas terão como alternativa invadir o ambiente doméstico. Evitar que os roedores entrem em contato com grãos armazenados pelo homem, mesmo em anexos fora do domicílio. Evitar contato com roedores silvestres em áreas de foco pestoso. Estratégias de prevenção • Monitoramento da atividade pestosa em roedores e pulgas. • Busca de outras situações que indiquem aumento do risco de contágio (índices de roedores e pulgas acima do usual, infestação murina domiciliar). • Identificação precoce de casos para pronta intervenção da vigilância epidemiológica. • Vigilância nas áreas portuárias e aeroportuárias (incluindo naves e aeronaves): estado de alerta para a possibilidade de importação da peste. Vigilância epidemiológica – de acordo com o período de incubação da peste, preconiza-se que todo indivíduo que tenha contato com paciente de peste pneumônica deva ficar sob vigilância durante sete dias, visando diagnóstico precoce e adoção de medidas de prevenção. Os contatos devem ser informados a respeito dos sinais, sintomas e gravidade da 584 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Peste doença, para buscar assistência médica imediata caso haja alteração no seu estado de saúde, informando ao médico o fato de ter tido contato com paciente de peste. Proteção de contatos Quimioprofilaxia Indicada para contatos de pacientes com peste pneumônica e para indivíduos suspeitos de terem tido contato com pulgas infectadas nos focos da doença. Drogas indicadas Sulfadiazina: 2 a 3 gramas por dia (divididas em 4 ou 6 tomadas, durante 6 dias) Sulfametoxazol + trimetoprima: 400mg e 80mg, respectivamente, de 12 em 12 horas, durante 6 dias. Tetraciclina: 1 grama ao dia, durante 6 dias. 6 Atenção É importante lembrar que os menores de 7 anos não podem fazer uso de tetraciclinas. P Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 585 Peste Anexo 1 Normas para procedimentos laboratoriais O diagnóstico específico da peste é de extrema importância para a vigilância epidemiológica. O diagnóstico laboratorial compreende o isolamento e identificação da Y. pestis, bem como a detecção de anticorpos em material coletado. Pode ser realizado por técnicas bacteriológicas e sorológicas. No quadro abaixo, consta o tipo de material que deve ser coletado dependendo da forma clínica da doença. Coleta e conservação de material para diagnóstico de peste Forma da doença Tipo de material Acondicionamento das amostras para transporte e diagnóstico bacteriológico Análises bacteriológicas Exame de esfregaço corado (azul de metileno ou gram) Bubônica Aspirado de bubão Cary-Blair Semeio em duas placas de gelose (Blood ágar base), colocar o fago antipestoso em 1 placa Exame de esfregaço corado (azul de metileno ou gram) Pneumônica Septicêmica Esputo Cary-Blair Hemocultura 2ml de sangue em 20ml de caldo (BHI) Digitotomia (falange) Óbito Morte recente: Sangue Aspirado de bubão 586 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS In natura (em frasco estanque) Cary-Blair Cary-Blair Semeio em duas placas de gelose (Blood ágar base), colocar o fago antipestoso em 1 placa Subcultivo em gelose e teste de bacteriófago Enquanto perdurar a ausência de crescimento, repetir os subcultivos a cada 48 horas, até 8 dias Aspirar a medula óssea, fazer esfregaços e semeio em duas placas de gelose (uma com fago) Exame de esfregaço corado (azul de metileno ou gram); semeio em duas placas de gelose (uma com o fago) Exame de esfregaço corado (azul de metileno ou gram); semeio em duas placas de gelose (um com o fago) Poliomielite POLIOMIELITE CID 10: A80 Características clínicas e epidemiológicas Descrição A poliomielite ou “paralisia infantil” é uma doença infecto-contagiosa viral aguda, caracterizada por quadro de paralisia flácida, de início súbito. O déficit motor instala-se subitamente e a evolução desta manifestação, freqüentemente, não ultrapassa três dias. Acomete em geral os membros inferiores, de forma assimétrica, tendo como principais características a flacidez muscular, com sensibilidade conservada e arreflexia no segmento atingido. Esta doença encontra-se erradicada no país desde o início dos anos 90, em virtude do êxito da política de prevenção, vigilância e controle desenvolvida pelos três níveis do Sistema Único de Saúde. 6 Agente etiológico Os poliovírus pertencem ao gênero enterovírus, da família Picornaviridae, e apresentam três sorotipos: I, II e III. Reservatório O homem. Modo de transmissão A transmissão ocorre principalmente por contato direto pessoa a pessoa, fazendo-se a transmissão pelas vias fecal-oral ou oral-oral, esta última através de gotículas de muco da orofaringe (ao falar, tossir ou espirrar). As más condições habitacionais, a higiene pessoal precária e o elevado número de crianças numa mesma habitação constituem fatores que favorecem a transmissão do poliovírus. P Período de incubação O período de incubação é, geralmente, de 7 a 12 dias, podendo variar de 2 a 30 dias. Período de transmissibilidade O período de transmissibilidade pode iniciar-se antes do surgimento das manifestações clínicas. Em indivíduos susceptíveis, a eliminação do vírus se faz pela orofaringe, por um período de cerca de uma semana, e pelas fezes, por cerca de seis semanas, enquanto nos indivíduos reinfectados a eliminação do vírus se faz por períodos mais reduzidos. Período de susceptibilidade e imunidade Todas as pessoas não imunizadas são susceptíveis de contrair a doença. A infecção natural ou a vacinação conferem imunidade duradoura, tipo-específica (ou seja, de acordo Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 587 Poliomielite com o poliovírus responsável pelo estímulo antigênico). Contudo, embora não desenvolvendo a doença, as pessoas imunes podem reinfectar-se e eliminar o poliovírus, ainda que em menor quantidade e por um período menor de tempo. Esta reinfecção é mais comum pelos tipos 1 e 3. O recém-nascido é provido de anticorpos séricos maternos da classe IgG transferidos, da mãe sensibilizada, para o feto por via placentária, que conferem proteção transitória à criança nos primeiros meses de vida extra-uterina. Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas As manifestações clínicas devidas à infecção pelo poliovírus são, em sua maioria, infecções inaparentes (90% a 95%). No entanto, em 1%-1,6% dos casos a doença pode manifestar-se clinicamente por quadros de paralisia grave, levando à morte. Apenas as formas paralíticas possuem características clínicas típicas que permitem sugerir o diagnóstico de poliomielite, quais sejam: • instalação súbita da deficiência motora, acompanhada de febre; • assimetria, acometendo sobretudo a musculatura dos membros, com mais freqüência os inferiores; • flacidez muscular, com diminuição ou abolição de reflexos profundos na área paralisada; • sensibilidade conservada; • persistência de alguma paralisia residual (seqüela), após 60 dias do início da doença. Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial da poliomielite deve ser feito com polineurite pós-infecciosa e outras infecções que causam paralisia flácida aguda. As principais doenças a serem consideradas no diagnóstico diferencial são: síndrome de Guillain-Barré (SGB), mielite transversa, meningite viral, meningoencefalite e outras enteroviroses (Echo tipo 71 e coxsackie, especialmente do grupo A tipo 7). Para o adequado esclarecimento diagnóstico, a investigação epidemiológica e a análise dos exames complementares são essenciais. Diagnóstico laboratorial Exames específicos Isolamento do vírus – é feito a partir de amostras de fezes do caso ou de seus contatos. O isolamento de poliovírus selvagem nessas amostras permite a confirmação diagnóstica. A identificação do agente viral isolado pode ser realizada através de testes de soroneutralização com o uso de soros imunes específicos ou através da técnica de PCR. Esta técnica, que amplifica seqüências nucleotídicas específicas presentes no genoma viral, permite reconhecer o vírus isolado como pertencente ao gênero dos enterovírus, além de propiciar 588 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Poliomielite Elementos para o diagnóstico diferencial entre Poliomielite, síndrome de Guillain-Barré e mielite transversa Especificação Poliomielite Síndrome de Guillain-Barré Mielite transversa Instalação da paralisia 24 a 28 horas Desde horas até 10 dias Desde horas até 4 dias Febre ao início Alta. Sempre presente no início da paralisia, desaparece no dia seguinte Não é freqüente Raramente presente Paralisia Aguda, assimétrica, principalmente proximal Geralmente aguda Simétrica e distal Aguda, simétrica em membros inferiores Reflexos osteotendinosos profundos Diminuídos ou ausentes Globalmente ausentes Ausentes em membros inferiores Sinal de Babinsky Ausente Ausente Presente Sensibilidade Grave mialgia Parestesia, hipoestesia Anestesia de MMII com nível sensitivo Sinais de irritação meníngea Geralmente presentes Geralmente ausentes Ausentes Comprometimento de nervos cranianos Somente nas formas bulbares Pode estar presente Ausente Insuficiência respiratória Somente nas formas bulbares Em casos graves, exarcebada por pneumonia bacteriana Em geral torácica, com nível sensorial Líquido cefalorraquidiano Inflamatório Dissociação proteíno-citológica Células normais ou elevadas; aumento moderado ou acentuado de proteínas Disfunção vesical Ausente Às vezes transitória Presente Velocidade de condução nervosa Normal ou pode-se detectar apenas redução na amplitude do potencial da unidade motora Redução da velocidade de condução motora e sensitiva Dentro dos limites da normalidade Presença ou não de fibrilações e pontas positivas. Potencial da unidade motora pode ser normal ou neurogênico Dentro dos limites da normalidade Presença ou não de fibrilações Eletromiografia (EMG) Potencial da unidade motora com longa duração e aumento da amplitude 6 P identificação do sorotipo de poliovírus isolado, bem como a sua origem, se vacinal ou selvagem. O isolamento viral a partir do líquor, quando disponível, pode ser realizado pois a presença de vírus no líquor permite também a confirmação diagnóstica. O seqüenciamento nucleotídico identifica o número de mutações e as possíveis recombinações que possam ter ocorrido no genoma do poliovírus vacinal isolado, em relação à sequência do vírus Sabin padrão correspondente. O vírus é considerado como sendo semelhante ao vírus vacinal se o número de mutações for de até 0,9%. A partir de 1%, o vírus é considerado como poliovírus vacinal derivado. Os vírus derivados readquirem as características biológicas dos poliovírus selvagens, tais como neurovirulência e capacidade de circulação por tempo prolongado na comunidade. Para a vigilância epidemiológica, estes vírus devem ser considerados como selvagens. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 589 Poliomielite Os poliovírus, selvagem e vacinal, também podem ser isolados a partir de amostras de água de esgoto. As mesmas técnicas anteriormente descritas, podem ser utilizadas para a identificação do enterovírus detectado. Os laboratórios nacionais de referência para o diagnóstico laboratorial dos poliovírus e demais enterovírus de interesse em saúde pública são o Instituto Evandro Chagas/SVS/ MS, o Laboratório Central de Saúde Pública da secretaria de saúde do estado de Pernambuco e a Fundação Oswaldo Cruz/MS. Sorologia – no Brasil, a sorologia deixou de ser utilizada como apoio para o diagnóstico de poliomielite a partir de maio de 1990, devido à grande quantidade de vacina oral contra a poliomielite (VOP) administrada no país, que resultou em elevados títulos de anticorpos para os três tipos de poliovírus na população, dificultando a interpretação dos resultados. Exames complementares (inespecíficos) Líquor – permite o diagnóstico diferencial com a síndrome de Guillain-Barré e com as meningites que evoluem com deficiência motora. Na poliomielite, observa-se discreto aumento do número de células, podendo haver discreto aumento de proteínas. Na síndrome de Guillain-Barré observa-se uma dissociação proteíno-citológica (aumento acentuado de proteínas sem elevação da celularidade) e nas meningites observa-se aumento do número de células, com alterações bioquímicas. Eletromiografia – os achados e o padrão eletromiográfico da poliomielite são comuns a um determinado grupo de doenças que afetam o neurônio motor inferior. Este exame pode contribuir para descartar a hipótese diagnóstica de poliomielite quando seus achados são analisados conjuntamente com os resultados do isolamento viral e da evolução clínica. Anatomopatologia – o exame anatomopatológico do sistema nervoso não permite o diagnóstico de certeza, pois não há alterações patognomônicas. Entretanto, dada a predileção do parasitismo do poliovírus pelas células motoras do corno anterior da medula e de alguns núcleos motores dos nervos cranianos, as alterações histológicas podem ser extremamente sugestivas e possibilitam fechar o diagnóstico diante de um quadro clínico suspeito. As alterações consistem em atividade inflamatória, perivasculite linfocitária, nódulos ou atividade microglial difusa e figuras de neuronofagia (neurônios sendo fagocitados por células da microglia). Essas alterações são comuns a quaisquer encefalomielites virais, sendo que nos casos de poliomielite predominam nitidamente no corno anterior da medula e no tronco cerebral. Coleta, conservação e transporte de amostras clínicas Coleta de amostras de fezes dos casos A amostra de fezes constitui o material mais adequado para o isolamento do poliovírus. Embora os pacientes com poliomielite eliminem poliovírus durante semanas, os melhores resultados de isolamento são alcançados com amostras fecais coletadas na fase aguda da doença. • Todo caso conhecido tardiamente deverá ter uma amostra de fezes, coletada até 60 dias após o início da deficiência motora. 590 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Poliomielite • O swab retal somente é recomendado naqueles casos de paralisia flácida aguda (PFA) que foram a óbito antes da coleta adequada de fezes. Em crianças que apresentam obstipação intestinal, dificultando a coleta de amostras de fezes, pode-se utilizar supositório de glicerina. Coleta de amostras de fezes de contatos Deverão ser coletadas exclusivamente nas seguintes situações: • contatos de caso com clínica compatível com poliomielite, quando houver suspeita de reintrodução da circulação do poliovírus selvagem. • contato de caso em que haja confirmação do vírus derivado vacinal. Observações Outras situações que requeiram coleta de contatos, não previstas neste Guia, deverão ser previamente discutidas com a Coordenação Nacional da Vigilância das PFA/Pólio. Lembrar-se de que os contatos não são necessariamente intradomiciliares (embora, quando presentes, devam ser priorizados para coleta de amostras de fezes). Não coletar amostras de contato que recebeu a vacina contra a poliomielite (VOP) nos últimos 30 dias. 6 Conservação e transporte de amostras de fezes • Colocar cada amostra em um recipiente limpo e seco (de preferência nos coletores distribuídos para esse fim) e vedar bem. A quantidade de fezes recomendada deve equivaler ao tamanho de dois dedos polegares de adulto. • Os recipientes contendo amostras fecais devem ser conservados em freezer a -20°C, até o momento do envio. Na impossibilidade da utilização de freezer, colocar em geladeira comum (4º-8ºC) por até, no máximo, 3 dias, não devendo jamais ser colocados em congelador comum. • O transporte deve ser feito em caixa térmica com gelo seco. Os recipientes das amostras devem estar acondicionados em saco plástico bem vedado, para que, em caso de descongelamento, não haja risco de molhar o material. • A caixa térmica deve conter gelo suficiente para resistir ao transporte para entrega ao laboratório. Deve ser fechada por fora, com fita adesiva, e ser acondicionada em outra caixa de papelão de acordo com as especificações do Departamento de Aviação Civil ou Agência Nacional de Transporte Terrestre. • Deve ser enviada ao laboratório, acompanhando as amostras de fezes, uma cópia da ficha de envio de amostras devidamente preenchida e acondicionada em saco plástico para evitar que seja molhada, prejudicando as informações. P Líquor (LCR) – se disponível e coletado na fase aguda do quadro clínico, deve ser enviado ao laboratório de referência em tubo estéril, em volume de aproximadamente 2ml. O LCR deve ser conservado em freezer e transportado congelado em caixas térmicas contendo gelo seco ou gelo reciclável. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 591 Poliomielite Tratamento Não há tratamento específico. Todos os casos devem ser hospitalizados, fazendo-se o tratamento de suporte de acordo com o quadro clínico do paciente. Aspectos epidemiológicos Até a primeira metade da década de 80, a poliomielite foi de alta incidência no Brasil, contribuindo de forma significativa para a elevada prevalência anual de seqüelas físicas observada naquele período. Em 1994, a Organização Pan-Americana da Saúde/OMS certificou a erradicação da transmissão autóctone do poliovírus selvagem nas Américas, após 3 anos sem circulação deste vírus neste continente. Desde então, todos os países da região assumiram o compromisso de manter altas e homogêneas coberturas vacinais, bem como uma vigilância epidemiológica ativa e sensível para identificar imediatamente a reintrodução do poliovírus selvagem em cada território nacional e adotar medidas de controle capazes de impedir sua disseminação. No Brasil, o último caso de infecção pelo poliovírus selvagem ocorreu em 1989, na cidade de Souza/PB. A estratégia adotada para a erradicação no país foi centrada na realização de campanhas de vacinação em massa com a vacina oral contra a pólio (VOP), que, além de propiciar imunidade individual, aumenta a imunidade de grupo na população em geral através da disseminação do poliovírus vacinal no meio ambiente em curto espaço de tempo. O número de casos de paralisia flácida aguda e poliomielite, no período 1980-2003, encontram-se representados no gráfico a seguir. Dois fatores foram decisivos para a erradicação da poliomielite no Brasil: os elevados níveis de cobertura vacinal obtidos nas campanhas nacionais a partir de 1988 e o aumento do poder imunogênico da vacina utilizada no país, pela substituição do componente P3 até então utilizado. Observa-se que no período imediatamente após a certificação da erradicação do poliovírus selvagem das Américas houve redução na sensibilidade do Sistema de Vigilância Epidemiológica, que foi recuperada somente na década atual como resultado de intenso esforço institucional para aprimorar a vigilância da poliomielite junto às unidade da Federação. No momento atual, chama-se a atenção para um fenômeno já observado em algumas ocasiões em países com coberturas vacinais insuficientes e/ou heterogêneas: a emergência de cepas de vírus derivados da vacina, que passam a readquirir neurovirulência e patogenicidade, provocando surtos de poliomielite em países que já tinham a doença sob controle parcial ou total. O surto mais importante desta doença devido a vírus derivado vacinal (PVDV) ocorreu na ilha de Hispaniola (que pertence ao Haiti e à República Dominicana), em 2000/01, quando foram registrados 22 casos (50% na faixa de 1-4 anos). Outros surtos de menor magnitude, ocorridos no período 1988/2002, foram registrados no Egito, em Guizhou/China, nas Filipinas e em Madagascar. O fator chave para o controle do poliovírus derivado da vacina é o mesmo daquele necessário para controlar a circulação de poliovírus selvagem: alcançar e manter altas e homogêneas coberturas vacinais. 592 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Poliomielite Chama-se também a atenção para o risco de importações de casos de países onde ainda há circulação endêmica do poliovírus selvagem, o que demanda ações permanentes e efetivas de vigilância da doença e níveis adequados de proteção imunológica da população. Número de casos notificados de paralisia flácida aguda e confirmados de poliomielite. Brasil, 1980-2003 1.400 1.200 1.000 800 6 600 400 200 0 80 81 82 1.290 122 69 0 0 0 83 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 45 130 329 612 196 106 35 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Poliomielite 84 85 0 86 0 0 87 0 88 0 0 517 538 419 453 432 369 437 528 678 637 654 PFA Fonte: Cover/CGDEP/Devep/SVS/MS P Vigilância epidemiológica Objetivos Geral Manter erradicada a poliomielite no Brasil. Específicos • Monitorar a ocorrência de casos de paralisia flácida aguda (PFA) em menores de 15 anos de idade. • Acompanhar e avaliar o desempenho operacional do Sistema de Vigilância Epidemiológica das PFAs no país. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 593 Poliomielite • Assessorar tecnicamente os demais níveis do Sistema Único de Saúde. • Produzir e disseminar informações epidemiológicas. A suspeita de poliomielite em indivíduos de qualquer idade e as PFAs em menores de 15 anos são de notificação e investigação obrigatórias. Para a detecção de casos de poliomielite em tempo hábil, o Sistema de Vigilância Epidemiológica deve ser suficientemente sensível e ágil para: • identificar, notificar e investigar imediatamente todo caso de deficiência motora flácida, de início súbito, em menores de 15 anos, independente da hipótese diagnóstica, e em pessoas de qualquer idade que apresentem suspeita diagnóstica de poliomielite; • analisar e detectar oportunamente os surtos de PFA/Pólio, para que as medidas de controle possam ser rapidamente reforçadas; • acompanhar e avaliar as tendências das paralisias flácidas agudas; • identificar e investigar todo caso de evento adverso da vacina oral contra a poliomielite; • estimular pesquisas de casos associados à vacina e ao comportamento de outras síndromes paralíticas. Definição de caso Suspeito • Todo caso de deficiência motora flácida, de início súbito, em menores de 15 anos, independente da hipótese diagnóstica de poliomielite. • Toda hipótese diagnóstica de poliomielite, em pessoas de qualquer idade. Nota: os casos de paralisia ocular isolada e paralisia facial periférica não devem ser investigados. Confirmado Caso de paralisia flácida aguda em que houve isolamento de poliovírus selvagem na(s) amostra(s) de fezes do caso ou de um de seus comunicantes, independente de haver ou não seqüela, após 60 dias do início da deficiência motora. Poliomielite compatível Caso de PFA que não teve coleta adequada de amostra de fezes e que apresentou seqüela aos 60 dias ou evoluiu para óbito ou teve evolução clínica ignorada. Descartado (não-poliomielite) Caso de paralisia flácida aguda no qual não houve isolamento de poliovírus selvagem em amostra(s) adequada(s) de fezes, ou seja, amostra (s) coletada(s) até 14 dias do início da deficiência motora. 594 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Poliomielite Poliomielite associada à vacina Casos de PFA em que há isolamento de vírus vacinal na(s) amostra(s) de fezes e presença de seqüela compatível com poliomielite, 60 dias após o início da deficiência motora. Há dois tipos de poliomielite relacionados com a vacina: • paralisia flácida aguda, que se inicia entre 4 e 45 dias após o recebimento da VOP e que apresenta seqüela neurológica, compatível com poliomielite, 60 dias após o início do déficit motor; • caso de poliomielite associado à vacina administrada em contatos: PFA que surge após contato com criança que tenha recebido VOP até 40 dias antes. A paralisia surge de 4 a 85 dias após a exposição ao contato vacinado e o indivíduo apresenta seqüela neurológica compatível com poliomielite 60 dias após o déficit motor. Em qualquer das situações acima, o isolamento de poliovírus vacinal nas fezes é condição imprescindível para que o caso seja considerado como associado à vacina. Insiste-se na necessidade de coletar as fezes adequadamente, nos primeiros 14 dias após o início do déficit motor. Caso a coleta seja tardia, entre 15 e 40 dias após o início do déficit motor, e haja isolamento de vírus vacinal, o caso será classificado como associado à vacina. 6 Poliovírus derivado vacinal (PVDV) Poliovírus que apresenta mais de 1% de diferença genética em relação ao vírus vacinal correspondente. Notificação Diante da definição adotada para caso suspeito, todas as afecções neurológicas agudas, em menores de 15 anos, que cursam com paralisia flácida devem entrar no sistema de vigilância, isto é, devem ser notificadas e investigadas para afastar possíveis associações com o poliovírus. P Primeiras medidas a serem adotadas Em virtude das características de transmissão do poliovírus, silenciosa e rápida, e da ocorrência de grande número de infecções sem manifestações clínicas, a vigilância deve ser intensificada com a finalidade de detectar a ocorrência de outros casos de PFA e de caracterizar o processo de transmissão. A manutenção dessa vigilância deve abranger, além do local de residência do doente, as localidades visitadas nos 30 dias anteriores ao início da paralisia, em caso de viagem, bem como os locais de residência das visitas recebidas no mesmo período, onde pode estar a provável fonte de infecção. Ao lado da intensificação da vigilância, também recomenda-se: avaliação da cobertura vacinal específica da área, visita às unidades de saúde, busca ativa de outros casos na área e contato com profissionais de saúde. Assistência médica ao paciente O repouso completo no leito e o tratamento sintomático são fundamentais. A internação em unidade de terapia intensiva é indicada nas formas graves da doença. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 595 Poliomielite Qualidade da assistência O atendimento dos casos de PFA deve ser realizado em unidade com adequado suporte, visando o monitoramento do paciente. Proteção individual para evitar circulação viral A proteção se dá através da vacina oral contra a poliomielite. Caso haja a suspeita de infecção por poliovírus selvagem em pacientes internados, orienta-se a adoção de precauções entéricas. Confirmação diagnóstica Utiliza-se a pesquisa de poliovírus nas fezes, coletadas nos primeiros 14 dias da deficiência motora. Proteção da população A principal proteção ocorre pela manutenção de elevadas coberturas vacinais na rotina e nas campanhas de vacinação em massa, com a vacina VOP. Quando houver casos notificados de PFA com hipótese diagnóstica de poliomielite, recomenda-se a vacinação com VOP indiscriminada para menores de 5 anos na área de abrangência do caso. Investigação epidemiológica Todo caso de paralisia flácida aguda deve ser investigado nas primeiras 48 horas após o conhecimento. Esta medida visa subsidiar o processo de tomada de decisão quanto ao desencadeamento, em tempo hábil, das medidas de controle indicadas em cada situação. A ficha de investigação epidemiológica de PFA é o instrumento de coleta de dados. Todos os seus campos devem ser rigorosamente preenchidos. Roteiro da investigação epidemiológica • Caracterizar clinicamente o caso, para determinar sua inclusão no sistema de investigação. • Colher uma amostra de fezes do caso, preferencialmente até o 14º dia do início da deficiência motora, para investigação etiológica. • Obter informações detalhadas e uniformes para todos os casos, através do preenchimento de todos os campos da ficha do Sinan para investigação epidemiológica de PFA, de modo a permitir a comparabilidade e análise dos dados. • Visitar imediatamente o domicílio para complementar dados da ficha de investigação (história vacinal, fonte de infecção, etc.) e buscar outros casos, quando necessário. • Orientar medidas de controle pertinentes. • Realizar a revisita do caso para avaliação de seqüela, 60 dias após o início da deficiência motora. • Classificar o caso conforme os critérios estabelecidos. • Retroalimentar a fonte notificadora. 596 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Poliomielite Identificação do paciente Preencher todos os itens da ficha de investigação epidemiológica do Sinan relativos aos dados gerais, notificação e residência. Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Registrar na ficha de investigação dados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais da doença. Os dados são coletados através das informações obtidas dos profissionais que prestaram assistência, das contidas no prontuário e das coletadas por ocasião da visita domiciliar. Coleta e remessa de material para exames Verificar o tópico Diagnóstico laboratorial. Análise dos dados Os dados devem ser analisados sistematicamente, visando produzir informações úteis ao processo de tomada de decisão sobre as ações de vigilância e controle da doença. 6 Encerramento de casos Os casos de PFA devem ser encerrados após 60 dias da notificação, quando se realiza a avaliação neurológica; faz-se necessário que todos os achados da investigação epidemiológica sejam minuciosamente avaliados. A classificação final dos casos deverá seguir as definições constantes do tópico Definição de casos. Relatório final A elaboração de relatório final não faz parte da rotina de investigação de caso de PFA; a ficha de notificação constitui o instrumento que fornece todas as informações necessárias para a inclusão, avaliação e descarte final dos casos. P Avaliação Indicadores e metas mínimas estabelecidas para acompanhamento e avaliação do sistema de vigilância epidemiológica da PFA/Pólio: • taxa de notificação de PFA: deve ser de, no mínimo, um caso para cada 100 mil habitantes menores de 15 anos de idade; • Proporção de casos investigados em 48 horas: pelo menos 80% dos casos notificados devem ser investigados dentro das 48 horas após a notificação; • Proporção de casos com coleta adequada de fezes: pelo menos 80% dos casos devem ter uma amostra de fezes, para cultivo do vírus, coletadas dentro das duas semanas seguintes do início da deficiência motora; • Notificação negativa: pelo menos 80% das unidades notificantes devem notificar a ocorrência ou não de casos de PFA, semanalmente. Este indicador é obtido a partir das informações produzidas nas fontes notificadoras de PFA existentes nos estados. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 597 Poliomielite Observação: o sistema de informação oficial para a vigilância das PFAs é o Sinan, e a alimentação e o fluxo de dados obedecerá normatização específica da Secretaria de Vigilância em Saúde/MS. Resumo da investigação epidemiológica da PFA/Poliomielite Caso suspeito Notificação Investigar em 48 horas Coletar dados clínicos e epidemiológicos Coletar uma amostra de fezes até o 14o dia do início do déficit motor Fazer a avaliação neurológica após 60 dias do déficit motor Verificar a ocorrência de outros casos na área Analisar a cobertura vacinal contra a poliomielite na área Reforçar, se necessário, as atividades de vacinação na área Complementar a investigação epidemiológica Encerrar o(s) caso(s), atualizar os sistemas de informações e retroalimentar as fontes notificadoras Instrumentos disponíveis para controle Juntamente com uma vigilância epidemiológica efetiva das PFAs, a vacinação constitui a principal medida para manter erradicada a circulação do poliovírus selvagem nas Américas. Portanto, deverão ser mantidas a vacinação de rotina nos serviços de saúde, além das campanhas nacionais de vacinação. Há dois tipos de vacinas: a vacina de vírus vivos atenuados para uso oral (VOP ou Sabin) e a vacina de vivos inativados (VIP ou Salk). 598 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Poliomielite Vacinação de rotina Compreende as atividades realizadas de forma contínua, através dos serviços permanentes de saúde, visando assegurar, o mais precocemente possível, a imunização adequada das crianças nascidas, para evitar a formação de bolsões populacionais susceptíveis à doença. O esquema vacinal preconizado consiste na administração de três doses de vacina antipólio oral (VOP), com intervalo de no mínimo 30 dias (iniciando-se aos dois meses de vida), com a administração de uma dose de reforço um ano após a 3ª dose. Esta vacina confere imunidade individual contra os três tipos de vírus, como também impede a multiplicação e eliminação do poliovírus selvagem no meio ambiente. Esta característica deve-se ao estímulo à produção de IgA secretória, que permite a competição dos vírus vacinais com o poliovírus selvagem nos sítios de acoplamento do mesmo na luz intestinal. Definição de criança adequadamente vacinada – é aquela que recebeu três ou mais doses de vacina oral contra poliomielite, com um intervalo mínimo de 30 dias entre cada dose. A VOP contém vírus atenuados nas seguintes concentrações de partículas antigênicas: • poliovírus tipo I – 1 milhão Dict 50 (dose infectante em cultura de tecido); • poliovírus tipo II – 100 mil Dict 50; • poliovírus tipo III – 600 mil Dict 50. 6 Outras substâncias estão presentes na vacina, como o cloreto de magnésio, a sacarose, a neomicina, a estreptomicina ou a eritromicina (estabilizantes) e o vermelho de amarante ou roxo de fenol (corante indicador de Ph). A vacina deve ser conservada entre +2ºC e +8ºC. Cada dose, em geral, corresponde a duas gotas, podendo variar conforme especificações do laboratório produtor. A eficácia situa-se em torno de 90% a 95% após a aplicação da 3ª dose. P Campanhas de vacinação As campanhas constituem ação complementar para a vacinação de rotina, quando a rede de serviços de saúde for insuficiente para assegurar satisfatória cobertura vacinal. É importante salientar que a vacina oral contra a poliomielite, aplicada em campanhas, produz extensa disseminação do vírus vacinal, capaz de competir com a circulação do vírus selvagem, interrompendo abruptamente a cadeia de transmissão da doença. Por ser de administração oral, apresenta facilidade operacional de aplicação e pelas características já descritas, aliadas às condições de saneamento básico, proporciona maior disseminação das partículas dos vírus vacinais, que podem, direta ou indiretamente, imunizar um maior número de crianças nas campanhas e bloqueios. As atividades de rotina e campanhas devem alcançar coberturas vacinais altas (95%) e uniformes em todos os municípios. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 599 Poliomielite Riscos de índices inadequados de cobertura vacinal Os baixos índices de coberturas vacinais e/ou sua heterogeneidade numa certa região geográfica favorecem a reintrodução do poliovírus, de duas maneiras: • através da importação do poliovírus, por intermédio de um indivíduo infectado que chegue ao país – o poliovírus é altamente infeccioso. Pelo menos 99% das infecções por poliovírus selvagem são assintomáticas, mas podem proporcionar a eliminação de grande quantidade do agente infeccioso através das fezes e secreções respiratórias; • através de mutações genéticas – a dispersão persistente de poliovírus derivado da vacina oral por imunodeficientes com insuficiência de linfócitos B pode conduzir a uma contínua circulação deste agente entre indivíduos mal vacinados numa comunidade e, conseqüentemente, a sua alteração genética, adquirindo neurovirulência e transmissibilidade, à semelhança do poliovírus selvagem. Observações demonstram que uma margem de diferenciação genética de 1% a 15% é característica das cepas responsáveis por surtos de poliovírus derivados vacinais compatíveis com uma transmissão extensa e capacidade de causar doença paralítica em uma comunidade. Utilização da vacina inativada de poliomielite (VIP) A VIP é utilizada no Brasil nas seguintes situações especiais: • em crianças imunodeprimidas ou que tenham contato freqüente ou familiar com crianças ou adultos imunocomprometidos; • em adultos e gestantes não-imunes, nos casos de epidemias. A vacina inativada estimula a presença de anticorpos protetores circulantes mas a proteção intestinal é transitória e de baixo nível. Desse modo, apesar de sua eficácia na proteção individual contra a doença, é incompleta contra a infecção pelo poliovírus selvagem, que mantém a capacidade de multiplicar-se nas células intestinais e de ser eliminado pelas fezes de pessoas vacinadas com a VIP. O seu emprego é eficaz em países com bons níveis de saneamento e altas e homogêneas coberturas vacinais. Ações de educação em saúde A educação em saúde compreende as atividades desenvolvidas pelas equipes de saúde e outras organizações governamentais e não-governamentais tendo em vista não apenas a difusão de informações para apoiar o trabalho específico – campanhas de vacinação, por exemplo – mas, também, a participação das pessoas nas ações de saúde, atuando, inclusive, em áreas tradicionalmente consideradas como exclusivas dos técnicos de saúde, tais como a vigilância e controle de doenças. Nas atividades de manutenção da erradicação da poliomielite devem ser levados em consideração os seguintes aspectos: • a necessidade de informar às pessoas a importância do seu papel no esforço de manter a erradicação da doença; 600 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Poliomielite • a necessidade de que as pessoas conheçam as causas e as conseqüências dessa doença, bem como as ações individuais e coletivas que podem contribuir para manter sua erradicação. Funções da educação em saúde • Identificação e análise de fatores inerentes à equipe de saúde e à população, que interfiram nos propósitos de manutenção da erradicação da poliomielite. • Articulação com as organizações existentes na comunidade (governamentais e nãogovernamentais), tendo em vista o engajamento de seus representantes no programa de manutenção da erradicação da poliomielite. • Capacitação de pessoas da comunidade, principalmente aquelas ligadas às organizações comunitárias, para atuarem junto às equipes de saúde na notificação, investigação e controle de casos de paralisia flácida aguda, tendo em vista a manutenção da erradicação da poliomielite. • Capacitação das equipes de saúde para atuarem, de forma conjunta, com pessoas, grupos e organizações da comunidade. • Divulgação de informações sobre poliomielite, vacina, notificação, investigação e medidas de controle adotadas. 6 P Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 601 Poliomielite Anexo 1 Fluxograma do envio de fezes para pesquisa de enterovírus e liberação de resultados Unidade de saúde Secretaria estadual de saúde Lacen/SES Laboratórios de referência Cover/CGDT/Devep/SVS/MS Resultados CGLAB/Devep/SVS/MS 602 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Fiocruz/RJ Evandro Chagas Lacen-PE Raiva RAIVA CID 10: A82 Características clínicas e epidemiológicas Descrição Encefalite viral aguda, transmitida por mamíferos, que apresenta dois ciclos principais de transmissão: urbano e silvestre. Reveste-se da maior importância epidemiológica por apresentar letalidade de 100%, além de ser doença passível de eliminação no seu ciclo urbano, por se dispor de medidas eficientes de prevenção tanto em relação ao ser humano quanto à fonte de infecção. 6 Agente etiológico O vírus rábico pertence ao gênero Lyssavirus, da família Rhabdoviridae. Possui aspecto de um projétil e seu genoma é constituído por RNA. Apresenta dois antígenos principais: um de superfície, constituído por uma glicoproteína, responsável pela formação de anticorpos neutralizantes e adsorção vírus-célula, e outro interno, constituído por uma nucleoproteína, que é grupo específico. Reservatório No ciclo urbano, as principais fontes de infecção são o cão e o gato. No Brasil, o morcego é o principal responsável pela manutenção da cadeia silvestre. Outros reservatórios silvestres são: macaco, raposa, coiote, chacal, gato-do-mato, jaritataca, guaxinim e mangusto. Ciclos epidemiológicos de transmissão da raiva R Ciclo aéreo Ciclo silvestre Ciclo rural Ciclo urbano Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 603 Raiva Modo de transmissão A transmissão da raiva se dá pela penetração do vírus contido na saliva do animal infectado, principalmente pela mordedura e, mais raramente, pela arranhadura e lambedura de mucosas. O vírus penetra no organismo, multiplica-se no ponto de inoculação, atinge o sistema nervoso periférico e, posteriormente, o sistema nervoso central. A partir daí, dissemina-se para vários órgãos e glândulas salivares, onde também se replica e é eliminado pela saliva das pessoas ou animais enfermos. Existem relatos de casos de transmissão inter-humana na literatura, que ocorreram através de transplante de córnea. A via respiratória, transmissão sexual, via digestiva (em animais) e transmissão vertical também são aventadas, mas com possibilidade remota. Período de incubação É extremamente variável, desde dias até anos, com uma média de 45 dias no homem e de 10 dias a 2 meses no cão. Em crianças, existe tendência para um período de incubação menor que no indivíduo adulto. O período de incubação está diretamente ligado a: • localização, extensão e profundidade da mordedura, arranhadura, lambedura ou contato com a saliva de animais infectados; • distância entre o local do ferimento, o cérebro e troncos nervosos; • concentração de partículas virais inoculadas e cepa viral. Período de transmissibilidade Nos cães e gatos, a eliminação de vírus pela saliva ocorre de 2 a 5 dias antes do aparecimento dos sinais clínicos, persistindo durante toda a evolução da doença. A morte do animal acontece, em média, entre 5 a 7 dias após a apresentação dos sintomas. Em relação aos animais silvestres, há poucos estudos sobre o período de transmissão, sabendo-se que varia de espécie para espécie. Por exemplo, especificamente os quirópteros podem albergar o vírus por longo período, sem sintomatologia aparente. Susceptibilidade e imunidade Todos os mamíferos são susceptíveis à infecção pelo vírus da raiva. Não há relato de casos de imunidade natural no homem. A imunidade é conferida através de vacinação, acompanhada ou não por soro. Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas Após um período variável de incubação, aparecem os pródromos que duram de 2 a 4 dias e são inespecíficos. O paciente apresenta mal-estar geral, pequeno aumento de temperatura, anorexia, cefaléia, náuseas, dor de garganta, entorpecimento, irritabilidade, inquietude e sensação de angústia. Podem ocorrer hiperestesia e parestesia no trajeto de nervos periféricos, próximos ao local da mordedura, e alterações de comportamento. A infecção 604 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva progride, surgindo manifestações de ansiedade e hiperexcitabilidade crescentes, febre, delírios, espasmos musculares involuntários, generalizados e/ou convulsões. Espasmos dos músculos da laringe, faringe e língua ocorrem quando o paciente vê ou tenta ingerir líquido, apresentando sialorréia intensa. Os espasmos musculares evoluem para um quadro de paralisia, levando a alterações cardiorrespiratórias, retenção urinária e obstipação intestinal. O paciente se mantém consciente, com período de alucinações, até à instalação de quadro comatoso e evolução para óbito. Observa-se ainda a presença de disfagia, aerofobia, hiperacusia, fotofobia. O período de evolução do quadro clínico, após instalados os sinais e sintomas até o óbito, é em geral de 5 a 7 dias. Diagnóstico diferencial Não existem dificuldades para estabelecer o diagnóstico quando o quadro clínico vier acompanhado de sinais e sintomas característicos da raiva, precedidos por mordedura, arranhadura ou lambedura de mucosas provocadas por animal raivoso. Este quadro clínico típico ocorre em cerca de 80% dos pacientes. No caso da raiva humana transmitida por morcegos hematófagos, cuja forma é predominantemente paralítica, o diagnóstico é incerto e a suspeita recai em outros agravos que podem ser confundidos com raiva humana. Nestes casos, o diagnóstico diferencial deve ser realizado com: tétano; pasteurelose, por mordedura de gato e de cão; infecção por vírus B (Herpesvirus simiae), por mordedura de macaco; botulismo e febre por mordida de rato (Sodóku); febre por arranhadura de gato (linforreticulose benigna de inoculação); encefalite pós-vacinal; quadros psiquiátricos; outras encefalites virais, especialmente as causadas por outros rabdovírus; e tularemia. Cabe salientar a ocorrência de outras encefalites por arbovírus e intoxicações por mercúrio, principalmente na região amazônica, apresentando quadro de encefalite compatível com o da raiva. É importante ressaltar que a anamnese do paciente deve ser realizada junto ao acompanhante e ser bem documentada, com destaque para sintomas prodrômicos, antecedentes epidemiológicos e vacinais. No exame físico, frente à suspeita clínica, observar atentamente o fácies, presença de hiperacusia, hiperosmia, fotofobia, aerofobia, hidrofobia e alterações do comportamento. 6 R Diagnóstico laboratorial A confirmação laboratorial em vida, dos casos de raiva humana, pode ser realizada pelo método de imunofluorescência direta (IFD) em impressão de córnea, raspado de mucosa lingual (swab) ou tecido bulbar de folículos pilosos, obtidos por biópsia de pele da região cervical (procedimento que deve ser feito por profissional habilitado mediante o uso de equipamento de proteção individual/EPI). A sensibilidade dessas provas é limitada e, quando negativas, não se pode excluir a possibilidade de infecção. A realização da autópsia é de extrema importância para a confirmação diagnóstica. O sistema nervoso central (cérebro, cerebelo e medula) deverá ser encaminhado para o laboratório, conservado preferencialmente refrigerado em até 24 horas, e congelado após este prazo. Na falta de condições adequadas de refrigeração, conservar Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 605 Raiva em solução salina com glicerina a 50%, em recipientes de paredes rígidas, hermeticamente fechados, com identificação de material de risco biológico e cópia da ficha de notificação ou de investigação. Não usar formol. O diagnóstico laboratorial é realizado com fragmentos do sistema nervoso central através das técnicas de IFD e inoculação em camundongos recémnascidos ou de 21 dias. Tratamento Independente do ciclo, não existe tratamento específico para a doença. Por isso, a profilaxia pré ou pós-exposição ao vírus rábico deve ser adequadamente executada. O paciente deve ser atendido na unidade hospitalar de saúde mais próxima, sendo evitada sua remoção. Quando imprescindível, tem que ser cuidadosamente planejada. Manter o enfermo em isolamento, em quarto com pouca luminosidade, evitar ruídos e formação de correntes de ar, proibir visitas e somente permitir a entrada de pessoal da equipe de atendimento. As equipes de enfermagem, higiene e limpeza devem estar devidamente capacitadas para lidar com o paciente e com o seu ambiente e usar equipamentos de proteção individual, bem como estarem pré-imunizados. Recomenda-se como tratamento de suporte: dieta por sonda nasogástrica e hidratação para manutenção do balanço hídrico e eletrolítico; na medida do possível, usar sonda vesical para reduzir a manipulação do paciente; controle da febre e vômito; betabloqueadores na vigência de hiperatividade simpática; uso de antiácidos, para prevenção de úlcera de estresse; realizar os procedimentos para aferição da pressão venosa central (PVC) e correção da volemia na vigência de choque; tratamento das arritmias cardíacas. Sedação de acordo com o quadro clínico, não devendo ser contínua. Aspectos epidemiológicos A raiva é uma antropozoonose transmitida ao homem pela inoculação do vírus rábico contido na saliva do animal infectado, principalmente através da mordedura. Apesar de ser conhecida desde a antiguidade, continua sendo problema de saúde pública nos países em desenvolvimento, principalmente a transmitida por cães e gatos, em áreas urbanas, mantendo-se a cadeia de transmissão animal doméstico/homem. Esta doença ocorre em todos os continentes, com exceção da Oceania. Alguns países das Américas (Uruguai, Barbados, Jamaica e Ilhas do Caribe), da Europa (Portugal, Espanha, Irlanda, Grã-Bretanha, Países Baixos e Bulgária) e da Ásia (Japão) encontram-se livres da infecção no seu ciclo urbano. Entretanto, alguns países da Europa (França, Inglaterra) e da América do Norte (EUA e Canadá) ainda enfrentam problemas quanto ao ciclo silvestre da doença. A raiva apresenta dois ciclos básicos de transmissão: o urbano, que ocorre principalmente entre cães e gatos e é de grande importância nos países do terceiro mundo, e o silvestre, que ocorre principalmente entre morcegos, macacos e raposas. Na zona rural, a doença afeta animais de produção como bovinos, eqüinos e outros. 606 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva A distribuição da raiva não é obrigatoriamente uniforme, podendo existir áreas livres e outras de baixa ou alta endemicidade, apresentando, em alguns momentos, formas epizoóticas. No Brasil, a raiva é endêmica, em grau diferenciado de acordo com a região geopolítica. A região Nordeste responde por 54,2% dos casos humanos registrados de 1980 a 2003; seguida da região Norte, com 17,5%; Sudeste, com 10,8%; Centro-Oeste, com 10,4% e Sul, com 0,4%. Desde 1987 não há registro de casos nos estados do Sul, sendo o último no Paraná, cuja fonte de infecção foi um morcego hematófago. No período de 1991 a 2003, cães e gatos foram responsáveis por transmitir 80% dos casos humanos de raiva; os morcegos, por 10,6% e outros animais (raposas, sagüis, gato selvagem, bovinos, eqüinos, caititus, gambás, suínos e caprinos), 4,8%. Casos cuja fonte de infecção foi desconhecida representaram 4,6%. O coeficiente de morbimortalidade de raiva humana nos últimos anos vem diminuindo de forma gradativa: de 0,05/100 mil habitantes, em 1990, para 0,01/100 mil habitantes, atualmente. A taxa de letalidade é de 100%. 6 Vigilância epidemiológica Há muitas interfaces entre a raiva humana e a animal. Na vigilância da raiva, os dados epidemiológicos são essenciais tanto para os médicos, para que seja tomada a decisão de tratamento pós-exposição, como para os veterinários, que devem adotar medidas relativas ao animal envolvido. Sem dúvida, um caso de raiva humana representa falência do sistema de saúde local, além de ser um indicador para avaliação da qualidade dos serviços. Objetivos • Detectar precocemente a circulação do vírus em animais (urbanos e silvestres), visando impedir a ocorrência de casos humanos. • Propor e avaliar as medidas de prevenção e controle. • Identificar a fonte de infecção de cada caso humano ou animal. • Determinar a magnitude da raiva humana e as áreas de risco, para intervenção. R Definição de caso Suspeito Todo paciente com quadro clínico sugestivo de encefalite rábica, com antecedentes ou não de exposição à infecção pelo vírus rábico. Confirmado Todo caso suspeito comprovado laboratorialmente ou todo indivíduo com quadro clínico compatível de encefalite rábica associado a antecedentes de agressão ou contato com animal suspeito (associação epidemiológica), com evolução para óbito. Critério clínico-laboratorial – detecção de anticorpos específicos, pela técnica de soroneutralização em cultura celular, em pacientes sem antecedentes de vacinação contra a Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 607 Raiva raiva; demonstração do antígeno pela técnica de imunofluorescência direta, e isolamento do vírus através da prova biológica (PB) em camundongos ou células, ou por meio da reação de cadeia pela polimerase (PCR). Atualmente, um importante instrumento de vigilância epidemiológica é a tipificação antigênica através da imunofluorescência indireta com anticorpos monoclonais, que é uma técnica específica e rápida, e da caracterização genética. É importante destacar que o uso das técnicas de biologia molecular deve estar sempre associado à investigação epidemiológica de campo, visto que somente assim se atingirá o maior poder discriminatório. Recomenda-se, também, a realização do estudo antigênico e genético em 100% das amostras isoladas de humanos, cães e gatos de áreas livres ou controladas, e de animais silvestres. Critério clínico-epidemiológico – paciente com quadro neurológico agudo (encefalite), que apresente formas de hiperatividade, seguido de síndrome paralítica com progressão para coma e morte, geralmente por insuficiência respiratória, sem possibilidade de diagnóstico laboratorial mas com antecedente de exposição a provável fonte de infecção em região com comprovada circulação de vírus rábico. Mesmo nos casos nos quais a suspeita foi aventada após o óbito, a possibilidade de exumação deve ser considerada, visto que atualmente se dispõe de técnicas laboratoriais que, no seu conjunto, apresentam grande sensibilidade e especificidade. Caso descartado Todo caso suspeito com IFD e PB negativa ou que durante a investigação teve seu diagnóstico confirmado laboratorialmente por outra etiologia, ou todo caso suspeito que não tenha evoluído para óbito. Notificação Todo caso humano suspeito de raiva é de notificação individual, compulsória e imediata aos níveis municipal, estadual e federal. Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente Toda pessoa com histórico de exposição deve procurar assistência médica e, conforme avaliação, receber vacinação ou soro-vacinação ou, ainda, acompanhamento durante o período de observação animal. Qualidade da assistência Verificar se os casos estão sendo atendidos em unidade de saúde com capacidade para prestar atendimento adequado e oportuno. Deve-se ficar atento para evitar o abandono, garantindo o esquema de vacinação completo e a obrigatoriedade da busca ativa pelos profissionais da rede dos serviços de saúde. 608 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva Confirmação diagnóstica Coletar material para diagnóstico laboratorial, de acordo com as orientações constantes no tópico Diagnóstico laboratorial dos diferentes animais. Proteção da população Logo que se tenha conhecimento da suspeita de caso de raiva, deve-se organizar um bloqueio vacinal em cães e gatos em até 72 horas após a notificação, em um raio de 5km ou mais, dependendo da zona de abrangência (zona urbana ou rural) onde o paciente foi agredido, não sendo necessário aguardar resultados de exames laboratoriais para confirmação do caso suspeito. É necessária, ainda, a captura e o envio de amostras de animais da área de atuação para o diagnóstico laboratorial e/ou comprovação da circulação viral. As informações sobre as coberturas vacinais dos animais da área endêmica, quando disponíveis, são importantes para o processo de decisão quanto à extensão inicial e seletividade do bloqueio. Devem ser organizadas ações de esclarecimento à população, utilizando-se meios de comunicação de massa, visitas domiciliares e palestras. É também importante a veiculação de conhecimentos sobre o ciclo de transmissão da doença, gravidade e esclarecimentos da situação de risco e ações envolvendo a participação efetiva da comunidade. 6 Investigação Imediatamente ou até 72 horas após a notificação de um caso de raiva, deve-se iniciar a investigação epidemiológica para permitir que as medidas de controle possam ser adotadas. O instrumento de coleta de dados, a ficha epidemiológica disponível no Sinan, contém os elementos essenciais a serem coletados em uma investigação de rotina. Todos os seus campos devem ser criteriosamente preenchidos, mesmo quando a informação for negativa. Outros itens e observações podem ser incluídos em relatório anexo, conforme as necessidades e peculiaridades de cada situação. Casos de raiva em animais de produção (bovinos, eqüinos e outros), notificar imediatamente às autoridades da agricultura para o desencadeamento das ações de controle: indicação de vacinação nos rebanhos, captura e combate aos morcegos hematófagos e educação sanitária. R Roteiro da investigação epidemiológica Identificação do paciente Preencher todos os campos da ficha de investigação epidemiológica, relativos aos dados gerais, notificação individual e dados de residência. Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Para confirmar a suspeita diagnóstica – anotar na ficha de investigação dados da história, manifestações clínicas e antecedentes de exposição às prováveis fontes de infecção. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 609 Raiva • Como, em geral, quando se suspeita de raiva humana os doentes são hospitalizados, impõe-se a consulta do prontuário e a entrevista ao médico assistente para completar as informações clínicas sobre o paciente. Estas informações servirão para definir se o quadro apresentado é compatível com a doença; • Sugere-se fazer uma cópia da anamnese, exame físico e evolução do doente, com vistas ao enriquecimento das análises e, também, para que possam servir como instrumento de aprendizagem dos profissionais do nível local; • Verificar data, local e modo de ocorrência da exposição, tipo e localização, história de tratamento profilático anterior e atual, data de início dos sintomas, coleta e envio de material para diagnóstico laboratorial, critério de confirmação de caso, observação do animal, espécie, história de vacinação e outras informações de acordo com a situação de cada caso. Se não houve tratamento atual, identificar as razões; • Acompanhar a evolução dos pacientes e os resultados dos exames laboratoriais específicos. Para identificação da área de transmissão – no local de ocorrência da exposição, identificar fatores de risco como baixa cobertura vacinal canina, presença de cães errantes, regime de criação de cães (com proprietário restrito, parcialmente restrito, com mais de um proprietário), presença de casos suspeitos ou confirmados de raiva animal e outros elementos que possam determinar o grau de risco de disseminação. Avaliar o acidente quanto às causas que o motivaram, métodos de manutenção para a observação do animal no domicílio, cuidados e prevenção de doenças com o animal e riscos de contaminação a que foi exposto em períodos de até 180 dias antes. Providências necessárias: • buscar, no provável local de infecção e em um raio de até 5km, pessoas e outros animais que foram expostos ao mesmo animal agressor ou a outros suspeitos; • verificar o acesso dos expostos aos serviços de saúde e realizar busca ativa dos faltosos e/ou abandonos de tratamento profilático anti-rábico humano; • notificar os casos positivos em animais ao serviço de controle de raiva (vigilância epidemiológica, centros de controle de zoonozes e agricultura), para controle de focos e outras ações pertinentes; • analisar a situação epidemiológica da área de abrangência, visando impedir a ocorrência de novos casos. Nos casos de suspeita de raiva humana transmitida por morcegos hematófagos, recomenda-se observar os seguintes fatores: • presença de mordeduras em animais e humanos; • existência de circulação viral; • aparecimento de casos humanos de encefalite; • existência de pequena população de animais de criação (bovinos, equídeos, etc.); • presença de áreas de desmatamento ou reflorestamento; • presença de moradias sem proteção adequada; 610 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva • novos assentamentos urbanos e rurais, regiões de garimpo, áreas com projetos de exploração de madeira e outras culturas; • proximidade de povoados com matas florestais; • ocorrência de baixos indicadores socioeconômicos. Para determinação da extensão da área de risco • Em áreas silvestres – sendo a fonte de infecção da espécie quiróptera (morcegos), determinar a extensão da ação de bloqueio em um raio de até 12km. • Em áreas urbanas – para cães e gatos, determinar a extensão da ação de bloqueio em um raio de até 5km. Lembrar que a identificação da área onde se deu a transmissão é de fundamental importância para nortear a continuidade do processo de investigação e a extensão das medidas de controle imediatas. 6 Coleta e remessa de amostra para diagnóstico • Logo após a suspeita clínica de raiva, deve-se orientar sobre a coleta de amostra para laboratório. Quando do óbito, é imprescindível coletar e enviar amostras do cérebro, cerebelo, tronco encefálico e medula ao laboratório, para confirmação do caso, de acordo com as normas técnicas apresentadas no tópico Definição de caso, observando-se criteriosamente todas as recomendações. • É da responsabilidade dos profissionais da vigilância epidemiológica e/ou dos laboratórios centrais ou de referência viabilizar, orientar ou mesmo proceder a essas coletas. Não se deve aguardar os resultados dos testes laboratoriais para desencadear as medidas de controle e outras atividades da investigação, embora sejam imprescindíveis para a confirmação de casos e para nortear o encerramento das investigações. R Análise dos dados Identificar as falhas da vigilância epidemiológica, assistência e dos serviços de saúde que propiciaram a ocorrência de caso humano e em animais domésticos. Observar a distribuição temporal e geográfica dos casos, localização e data das ocorrências, sexo, idade, ocupação, zona urbana ou rural, natureza da agressão, espécie agressora, história de vacinação e outros dados de interesse para cada localidade. A análise destes dados deverá orientar o desencadeamento, duração e extensão das ações de controle desenvolvidas e posterior avaliação de sua adequação. Encerramento de casos Confirmado por critério clínico-laboratorial (isolamento viral, sorologia ou histopatologia) – pacientes com sintomatologia compatível, na qual a imunofluorescência ou exame histopatológico ou a inoculação em camundongos foi positiva para raiva. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 611 Raiva Confirmado por critério clínico-epidemiológico – paciente com sintomatologia compatível, cujo histórico permite realizar vínculo epidemiológico entre o caso suspeito e a região de ocorrência, com comprovada circulação do vírus rábico, que selaria o diagnóstico de raiva. Caso descartado – caso notificado cujos resultados de exames laboratoriais foram negativos, afastando a hipótese de raiva, ou pacientes com evolução incompatível com raiva. Relatório final Os dados da investigação deverão ser consolidados em um relatório com as principais conclusões, das quais destacam-se: • intervenção sobre a fonte de infecção: dados de cobertura vacinal animal, bloqueios de foco, número de animais capturados, animais submetidos à eutanásia, envio de amostras ao laboratório, ações educativas e mobilização comunitária; • dados pessoais: sexo, idade, ocupação, zona urbana ou rural; • antecedentes epidemiológicos: tipo da exposição (arranhadura, mordedura, lambedura, contato indireto), localização (mucosa, cabeça/pescoço, mãos/pés, tronco, membros superiores/inferiores), tipo de ferimento (único, múltiplo, superficial, profundo, dilacerante), espécie do animal agressor e data da exposição; • dados de atendimento: hospitalização (avaliação da qualidade do atendimento ao paciente), vacinação e/ou sorovacinação, número de doses aplicadas e data de início de tratamento; • exames laboratoriais: tipo de exame realizado e resultados; • encerramento de caso. Instrumentos disponíveis para controle A prevenção de raiva humana é direcionada para o tratamento profilático anti-rábico toda vez que houver suspeita de exposição ao vírus rábico. Após o início do quadro clínico não existe tratamento que forneça resultados satisfatórios. Conduta em caso de possível exposição ao vírus da raiva Em caso de possível exposição ao vírus da raiva é imprescindível a limpeza do ferimento com água corrente abundante e sabão, ou outro detergente, pois essa conduta diminui, comprovadamente, o risco de infecção. Deve ser realizada o mais rápido possível após a agressão e repetida na unidade de saúde, independentemente do tempo transcorrido. A limpeza deve ser cuidadosa, visando eliminar as sujidades sem agravar o ferimento e, em seguida, devem ser utilizados antissépticos que inativem o vírus da raiva (como o livinilpirrolidona-iodo, por exemplo, o polvidine ou gluconato de clorexidine ou álcool-iodado). Lembrar que essas substâncias deverão ser utilizadas uma única vez, na primeira consulta, e sempre que possível, posteriormente, a região deve ser lavada com solução fisiológica. 612 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Confirma o caso Descartar o caso Avaliar** Captura e eutanásia de animais Bloqueio (raio de até 5km) Antecedentes epidemiológicos Vigilância laboratorial (6 meses no mínimo) Histórico de vacinação Coleta de dados Investigação Busca ativa de pessoas agredidas Avaliar** Educação em saúde Busca ativa de pessoas expostas Vigilância laboratorial Identificação de abrigos e controle da população de morcegos Atender em conjunto com a DSA Notificar unidade local de DSA* Outras espécies Educação sanitária, Silvestre Quirópteros Urbano Determinar ciclo de transmissão e local provável de infecção Vacinação do animal de bloqueio Educação em saúde Mobilização comunitária Clínicos Notificação de Caso Humano Suspeito **Avaliar se as estratégias de prevenção, vigilância e controle adotadas são suficientes. Vacinação de cães e gatos casa a casa Encerrar investigação Iniciar investigação Busca ativa de pessoas e animais agredidos Sem caso Busca ativa de casos em outros animais Outro caso *DSA: Defesa Sanitária Animal. Encerrar o caso Positivo Negativo Resultado dos exames Após o óbito, coletar material Dados clínicos e epidemiológicos Roteiro de investigação epidemiológica da raiva humana Raiva 6 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS R 613 Raiva Deve-se fazer anamnese completa, utilizando-se a ficha de atendimento anti-rábico humano, visando à indicação correta do tratamento profilático. Classificar o acidente de acordo com as seguintes características do ferimento e do animal envolvido no acidente: Características do ferimento Em relação à transmissão do vírus da raiva, os acidentes causados por animais devem ser avaliados quanto ao: Local do acidente – acidentes que ocorrem em regiões próximas ao sistema nervoso central (cabeça, face ou pescoço) ou em locais muito inervados (mãos, polpas digitais e planta dos pés) são graves porque facilitam a exposição do sistema nervoso ao vírus. A lambedura da pele íntegra não oferece risco, mas a lambedura de mucosas também é grave porque as mesmas são permeáveis ao vírus, mesmo quando intactas, e também porque as lambeduras, geralmente, abrangem áreas mais extensas. Profundidade do acidente – os acidentes devem ser classificados como superficiais (sem presença de sangramento) ou profundos (apresentam sangramento, ou seja, ultrapassam a derme). Os ferimentos profundos, além de aumentar o risco de exposição do sistema nervoso, oferecem dificuldades à assepsia. Mas vale ressaltar que os ferimentos puntiformes são considerados como profundos e algumas vezes não apresentam sangramento. Extensão e número de lesões – deve-se observar a extensão da lesão e se ocorreu apenas uma única lesão ou múltiplas, ou seja, uma porta de entrada ou várias. De acordo com os critérios acima estabelecidos, as exposições podem ser assim classificadas: Acidentes leves • ferimentos superficiais, pouco extensos, geralmente únicos, em tronco e membros (exceto mãos, polpas digitais e planta dos pés); podem acontecer em decorrência de mordeduras ou arranhaduras causadas por unha ou dente; • lambedura de pele com lesões superficiais. Acidentes graves • ferimentos na cabeça, face, pescoço, mão, polpa digital e/ou planta do pé; • ferimentos profundos, múltiplos ou extensos, em qualquer região do corpo; • lambeduras de mucosas; • lambeduras de pele onde já existe lesão grave; • ferimentos profundos causados por unha de gato; • quaisquer ferimentos causados por morcego. Atenção O contato indireto, como a manipulação de utensílios potencialmente contaminados, e a lambedura na pele íntegra não são considerados acidentes de risco e não exigem tratamento profilático. 614 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva Características do animal envolvido no acidente Cão e gato – as características da doença em cães e gatos, como período de incubação, transmissão e quadro clínico, são bem conhecidas e semelhantes. Por esta razão estes animais são analisados em conjunto, nos seguintes elementos: • estado de saúde do animal no momento da agressão – avaliar se o animal estava sadio ou apresentava sinais sugestivos de raiva. A maneira como ocorreu o acidente pode fornecer informações sobre seu estado de saúde. O acidente provocado (por exemplo, o animal que reage em defesa própria, a estímulos dolorosos ou outras provocações) geralmente indica uma reação normal do animal, enquanto que a agressão espontânea (sem causa aparente) pode indicar alteração do comportamento e sugere que o animal pode estar acometido de raiva. Lembrar que o animal também pode agredir devido à sua índole ou adestramento; • possibilidade de observação do animal por 10 dias – mesmo se o animal estiver sadio no momento do acidente, é importante que seja mantido em observação por 10 dias. Nos cães e gatos, o período de incubação da doença pode variar de alguns dias a anos, mas em geral é de cerca de 60 dias. No entanto, a excreção de vírus pela saliva, ou seja, o período em que o animal pode transmitir a doença, só ocorre a partir do final do período de incubação, variando entre dois e cinco dias antes do aparecimento dos sinais clínicos, persistindo até sua morte, que pode ocorrer em até cinco dias após o início dos sintomas. Portanto, o animal deve ser observado por 10 dias; se em todo esse período permanecer vivo e saudável, não há risco de transmissão do vírus; • procedência do animal – é necessário saber se a região de procedência do animal é área de raiva controlada ou não controlada; • hábitos de vida do animal – o animal deve ser classificado como domiciliado ou não-domiciliado. Animal domiciliado é o que vive exclusivamente dentro do domicílio, não tem contato com outros animais desconhecidos e só sai à rua acompanhado do seu dono. Desse modo, esses animais podem ser classificados como de baixo risco em relação à transmissão da raiva. Ao contrário, aqueles animais que passam longos períodos fora do domicílio, sem controle, devem ser considerados como animais de risco, mesmo que tenham proprietário e recebam vacinas, o que geralmente só ocorre nas campanhas de vacinação. 6 R Animais silvestres – morcego de qualquer espécie, micos (sagüi e “soin”), macaco, raposa, guaxinim, quati, gambá, roedores silvestres, etc. devem ser classificados como animais de risco, mesmo que domiciliados e/ou domesticados, haja vista que nesses animais a patogenia da raiva não é bem conhecida. Relatos recentes mostram que o risco de transmissão do vírus pelo morcego é sempre elevado, independentemente da espécie e gravidade do ferimento. Por isso, toda agressão por morcego deve ser classificada como grave. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 615 Raiva Animais domésticos de interesse econômico ou de produção – bovinos, bubalinos, eqüídeos, caprinos, ovinos, suínos e outros também são animais de risco. É importante conhecer o tipo, freqüência e grau do contato ou exposição que os tratadores e outros profissionais têm com estes animais, e a incidência da raiva na região, para avaliar a indicação de tratamento pré ou pós-exposição. Animais de baixo risco – os seguintes roedores e lagomorfos (áreas urbanas ou de criação) são considerados como de baixo risco para a transmissão da raiva e, por isto, não é necessário indicar tratamento profilático da raiva em caso de acidentes causados pelos mesmos: • ratazana-de-esgoto (Rattus norvegicus); • rato-de-telhado (Rattus rattus); • camundongo (Mus musculus); • cobaia ou porquinho-da-índia (Cavea porcellus); • hamster (Mesocricetus auratus); • coelho (Oryetolagus cuniculus). Observação válida para todos os animais de risco: sempre que possível, coletar amostra de tecido cerebral e enviar para o laboratório de diagnóstico. O diagnóstico laboratorial é importante tanto para definir a conduta em relação ao paciente como para se conhecer o risco de transmissão da doença na área de procedência do animal. Se o resultado for negativo, o tratamento não precisa ser indicado ou, caso tenha sido iniciado, pode ser suspenso. Todas as características acima são fundamentais para determinar a indicação ou não da profilaxia anti-rábica de acordo com os esquema descrito no Quadro 1 da vacina de cultivo celular. Conduta em caso de possível reexposição ao vírus da raiva Pessoas com risco de reexposição ao vírus da raiva, que já tenham recebido tratamento pós-exposição anteriormente, devem ser tratadas novamente de acordo com as indicações do Quadro 2. Para estas pessoas, quando possível, também é recomendável a pesquisa de anticorpos. Observações: em caso de reexposição, com história de tratamento anterior completo, não é necessário administrar o soro anti-rábico (homólogo ou heterólogo). No entanto, o soro poderá ser indicado se houver dúvidas ou conforme a análise de cada caso, especialmente nos pacientes imunodeprimidos que devem receber sistematicamente soro e vacina. Recomenda-se que, ao final do tratamento, seja realizada a avaliação sorológica após o 14º dia da aplicação da última dose. Devem ser avaliados, individualmente, os pacientes que receberam muitas doses de vacina, como, por exemplo, os que receberam mais de uma vez o esquema completo de 616 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva pós-exposição e vários esquemas de re-exposição. O risco de reações adversas às vacinas aumenta proporcionalmente ao número de doses aplicadas. Nestes casos, se possível, solicitar a avaliação sorológica do paciente. Se o título de anticorpos neutralizantes (AcN) for igual ou maior a 0,5UI/ml, não é necessário indicar tratamento ou, caso tenha sido iniciado, pode ser suspenso. Importante Em caso de reexposição com histórico de tratamento anterior completo e se o animal agressor, cão ou gato, for passível de observação, considerar a hipótese de somente observar o animal. Quando o paciente tiver o esquema de pré-exposição, em qualquer momento, adotar conduta conforme o Quadro 3. 6 Conduta em caso de possível exposição ao vírus da raiva em pacientes que receberam esquema de pré-exposição O Quadro 3 indica os procedimentos a serem adotados para pacientes que, acidentalmente, se expuseram ao risco de infecção pelo vírus da raiva e que tenham recebido tratamento pré-exposição anteriormente. Considerar as notas de rodapé do Quadro 2, caso o esquema recebido anteriormente tenha sido incompleto. Profilaxia pré-exposição É indicada para pessoas que, por força de suas atividades profissionais ou de lazer, estejam expostas permanentemente ao risco de infecção pelo vírus da raiva, tais como profissionais e estudantes das áreas de medicina veterinária e de biologia e profissionais e auxiliares de laboratórios de virologia e/ou anatomia patológica para raiva. É indicada, também, para aqueles que atuam no campo na captura, vacinação, identificação e classificação de mamíferos passíveis de portarem o vírus, bem como funcionários de zoológicos. R Com a vacina de cultivo celular Esquema: 3 doses. Dias de aplicação: 0, 7, 28. Via de administração e dose: intramuscular profunda, utilizando dose completa; ou havendo capacitação técnica, por via intradérmica, utilizando a dose de 0,1ml. Local de aplicação: músculo deltóide ou vasto lateral da coxa (não aplicar em glúteo). Controle sorológico: a partir do 14º dia após a última dose do esquema. Resultados: • insatisfatório – se o título de anticorpos for menor do que 0,5 UI/ml. Nesse caso, aplicar uma dose de reforço e reavaliar a partir do 14º dia após o reforço; • satisfatório – se o título de anticorpos for maior ou igual a 0,5 UI/ml. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 617 Raiva Quadro 1. Esquema para tratamento profilático anti-rábico humano com a vacina de cultivo celular Condições do animal agressor1 Cão ou gato sem suspeita de raiva no momento da agressão Cão ou gato clinicamente suspeito de raiva no momento da agressão Cão ou gato raivoso, desaparecido ou morto; Animais silvestres (inclusive os domiciliados)2 Animais domésticos de interesse econômico ou de produção Tipo de exposição Lavar com água e sabão Lavar com água e sabão Lavar com água e sabão Não tratar Não tratar Não tratar Acidentes leves Lavar com água e sabão Lavar com água e sabão Lavar com água e sabão Ferimentos superficiais, pouco extensos, geralmente únicos, em tronco e membros (exceto mãos, polpas digitais e planta dos pés) Observar o animal durante 10 dias após a exposição Iniciar tratamento com duas doses, uma no dia 0 e outra no dia 3 Iniciar imediatamente o tratamento com 5 (cinco) doses de vacina administradas nos dias 0, 3, 7, 14 e 28 Contato indireto Podem acontecer em decorrência de mordeduras ou arranhaduras causadas por unha ou dente Se o animal permanecer sadio no período de observação, encerrar o caso Se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso, administrar 5 doses de vacina (dias 0, 3, 7, 14 e 28) Observar o animal durante 10 dias após a exposição Se a suspeita de raiva for descartada após o 10º dia de observação, suspender o tratamento e encerrar o caso Se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso, completar o esquema até 5 doses. Aplicar uma dose entre o 7º e o 10º dia e uma dose nos dias 14 e 28 Lambedura de pele com lesões superficiais Acidentes graves Lavar com água e sabão Lavar com água e sabão Lavar com água e sabão Ferimentos na cabeça, face, pescoço, mão, polpa digital e/ou planta do pé Observar o animal durante 10 dias após exposição Iniciar o tratamento com soro3 e 5 doses de vacina nos dias 0, 3, 7, 14 e 28 Iniciar imediatamente o tratamento com soro3 e 5 doses de vacina nos dias 0, 3, 7, 14 e 28 Ferimentos profundos, múltiplos ou extensos, em qualquer região do corpo Lambedura de mucosas Lambedura de pele onde já existe lesão grave Ferimento profundo causado por unha de gato Iniciar tratamento com duas doses: uma no dia 0 e outra no dia 3 Se o animal permanecer sadio no período de observação, encerrar o caso Se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso, dar continuidade ao tratamento, administrando o soro3 e completando o esquema até 5 (cinco) doses. Aplicar uma dose entre o 7º e o 10º dia e uma dose nos dias 14 e 28 Observar o animal durante 10 dias após a exposição Se a suspeita de raiva for descartada após o 10º dia de observação, suspender o tratamento e encerrar o caso 1. É preciso sempre avaliar os hábitos e cuidados recebidos pelo cão e gato. Podem ser dispensadas do tratamento as pessoas agredidas por cão ou gato que, com certeza, não têm risco de contrair a infecção rábica. Por exemplo, animais que vivem dentro do domicílio (exclusivamente), não têm contato com outros animais desconhecidos e que somente saem às ruas acompanhados de seus donos, que não circulem em área com a presença de morcegos hematófagos. Em caso de dúvida, iniciar o esquema de profilaxia indicado. Se o animal for procedente de área de raiva controlada, não é necessário iniciar o tratamento. Manter o animal sob observação e só indicar o tratamento (soro + vacina) se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso. 2. Nas agressões por morcegos, deve-se indicar a soro-vacinação independente da gravidade da lesão, ou indicar conduta de reexposição. 3. Aplicação do soro perifocal na(s) porta(s) de entrada. Quando não for possível infiltrar toda a dose, a quantidade restante deve ser aplicada pela via intramuscular, podendo ser utilizada a região glútea. Sempre aplicar em local anatômico diferente do que aplicou a vacina. 618 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva Quadro 2. Esquemas de reexposição, conforme o esquema e vacina prévios e a vacina a ser utilizada por ocasião da reexposição Tipo de esquema Vacina Completo Cultivo celular Incompleto2 Cultivo celular1 Esquema de reexposição Cultivo celular a) até 90 dias: não tratar b) após 90 dias: duas doses, uma no dia 0 e outra no dia 3 a) até 90 dias: completar o número de doses b) após 90 dias: ver esquema de pós-exposição (conforme o caso) 1. Pelo menos duas doses de vacina de cultivo celular em dias alternados; 2. Não considerar o esquema anterior se o paciente recebeu número menor de doses do que aqueles referidos nas notas acima. Quadro 3. Conduta em caso de possível exposição ao vírus da raiva em pacientes que receberam esquema de pré-exposição Sorologia comprovada (titulação) 6 Vacina Cultivo celular Com comprovação sorológica (título maior ou igual a 0,5UI/ml) Duas doses: uma no dia 0 e outra no dia 3 Sem comprovação sorológica ou titulo inferior a 0,5UI/ml Verificar o Quadro 2, em caso de esquema vacinal incompleto Observação: o controle sorológico é exigência básica para a correta avaliação da pessoa vacinada. Importante Deve-se fazer o controle sorológico anual dos profissionais que se expõem permanentemente ao risco de infecção ao vírus da raiva, administrando-se uma dose de reforço sempre que os títulos forem inferiores a 0,5 UI/ml. Repetir a sorologia a partir do 14º dia, após a dose de reforço. R Vacina Vacina de cultivo celular São vacinas mais potentes, seguras e isentas de risco. São produzidas em cultura de células (diplóides humanas, células Vero, células de embrião de galinha, etc.) com cepas de vírus Pasteur (PV) ou Pittman-Moore (PM) inativados pela betapropiolactona. São apresentadas sob a forma liofilizada, acompanhadas de diluente; devem ser conservadas em geladeira, fora do congelador, na temperatura entre + 2ºC a + 8ºC, até o momento de sua aplicação, observando o prazo de validade do fabricante. A potência mínima destas vacinas é 2,5 UI/dose. Dose e via de aplicação – são apresentadas nas doses de 0,5ml e 1ml, dependendo do fabricante (verificar embalagem e/ou lote). A dose indicada pelo fabricante independe da Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 619 Raiva idade e do peso do paciente. A via de aplicação recomendada é a intramuscular, na região do deltóide ou vasto lateral da coxa. Em crianças até 2 anos de idade, está indicado o vasto lateral da coxa. A vacina não deve ser aplicada na região glútea. Contra-indicação – a vacina não tem contra-indicação (gravidez, mulheres lactantes, doença intercorrente ou outros tratamentos). Sempre que possível, recomenda-se a interrupção do tratamento com corticóides e/ou imunossupressores ao iniciar o esquema de vacinação. Não sendo possível, tratar a pessoa como imunodeprimida. Eventos adversos – as manifestações adversas relatadas com maior freqüência são reação local, febre, mal-estar, náuseas e cefaléia. Não há relato de ocorrência de óbito associado ao uso da vacina de cultivo celular. A freqüência de reações neurológicas associadas a esta vacina, citada na literatura científica, é baixa. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), até junho de 1996 haviam sido relatados seis casos de reações neurológicas temporalmente associadas à vacina. Em cinco foram registrados quadros de fraqueza ou parestesia, sendo que em um dos pacientes ocorreu déficit muscular permanente do músculo deltóide. O sexto paciente apresentou quadro neurológico semelhante ao de esclerose múltipla. A incidência de manifestações neurológicas, considerando-se todos estes casos como realmente provocados pela vacina, é de cerca de 1 para cada 500 mil pacientes tratados. Nos EUA, a incidência de reações alérgicas notificadas à vacina de células diplóides foi de 11 casos por 10 mil pacientes tratados (0,11%). As reações variam de urticária a anafilaxia e ocorrem principalmente após as doses de reforço; em 1/10 mil tratamentos é registrada reação anafilática do tipo I; a maioria das reações, 10/10 mil, é de hipersensibilidade do tipo III. A evolução é boa e a maioria dos pacientes não necessita internação hospitalar. Soros Soro heterólogo O soro heterólogo é uma solução concentrada e purificada de anticorpos, preparada em eqüídeos imunizados contra o vírus da raiva. Deve ser conservado em geladeira, entre +2º a +8ºC, observando o prazo de validade do fabricante. A dose indicada é de 40 UI/kg de peso do paciente. Deve-se infiltrar nas lesões a maior quantidade possível da dose do soro. Quando a lesão for extensa e múltipla, a dose pode ser diluída em soro fisiológico, para que todas as lesões sejam infiltradas. Caso a região anatômica não permita a infiltração de toda a dose, a quantidade restante, a menor possível, deve ser aplicada por via intramuscular, na região glútea. Quando não se dispuser do soro ou de sua dose total, aplicar inicialmente a parte disponível. Iniciar imediatamente a vacinação e administrar o restante da dose de soro recomendada antes da 3ª dose da vacina de cultivo celular. Após esse prazo, o soro não é mais necessário. O uso do soro não é necessário quando o paciente recebeu tratamento completo anteriormente. No entanto, em situações especiais, como pacientes imunodeprimidos ou dúvidas com relação ao tratamento anterior, se houver indicação o soro deve ser recomendado. 620 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva Eventos adversos – os soros atualmente produzidos são seguros mas podem causar eventos adversos, como qualquer imunobiológico. As reações mais comuns são benignas, fáceis de tratar e apresentam boa evolução. A possibilidade de ocorrência destas reações nunca contra-indica a prescrição do soro. Eventos adversos que podem ocorrer após a administração do soro heterólogo: • manifestações locais – dor, edema e hiperemia e, mais raramente, presença de abscesso. São as manifestações mais comuns, normalmente de caráter benigno. Conduta: não é necessário notificar. Deve ser feito tratamento local, com o objetivo de diminuir a dor, a tumefação e a vermelhidão. • manifestações imediatas – choque anafilático. Manifestação rara que pode ocorrer nas primeiras duas horas após a aplicação. Os sintomas mais comuns são formigamento nos lábios, palidez, dispnéia, edemas, exantemas, hipotensão e perda de consciência. Conduta: notificar e investigar. Substituir o soro por imunoglobulina anti-rábica. Cuidado intensivo. 6 • manifestações tardias: ocorrem com mais freqüência até a segunda semana após a aplicação do soro. ❯ Doença do soro – caracterizada por edema e eritema no local de aplicação do soro, febre, mioartralgia (poliartrite serosa), astenia, cefaléia, sudorese, desidratação, exantema com máculas e pápulas pruriginosas, infartamento e inflamações ganglionar e, mais raramente, vasculite e nefrite. ❯ Reação de Arthus – caracterizada por vasculite local acompanhada de necrose, dor, tumefação, rubor e úlceras profundas. Também é um quadro muito raro. Conduta: notificar e investigar. Deve ser feito acompanhamento clínico por serviço especializado. R Com o conhecimento existente na literatura disponível e pela experiência acumulada, é possível inferir que o teste de sensibilidade ao soro heterólogo tem valor preditivo baixo e por isso não é indicado. A conduta mais importante antes de sua administração é rigoroso interrogatório sobre os antecedentes do paciente, avaliando: • ocorrência e gravidade de quadros anteriores de hipersensibilidade; • uso prévio de imunoglobulinas de origem eqüídea; • existência de contatos freqüentes com animais, principalmente com eqüídeos, por exemplo, nos casos de contato profissional (veterinário) ou por lazer. Em caso de resposta afirmativa a um dos itens anteriores, classificar o paciente como de risco e considerar a possibilidade de substituição do soro heterólogo pelo soro homólogo (imunoglobulina humana anti-rábica), se disponível. Caso não haja disponibilidade de Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 621 Raiva soro homólogo, aconselha-se a pré-medicação deste paciente antes da aplicação do soro heterólogo. Antes da administração do soro heterólogo, aconselha-se sempre a seguinte rotina, para qualquer paciente: • garantir bom acesso venoso, mantendo-o com soro fisiológico a 0,9% (gotejamento lento); • dentro das possibilidades, é conveniente deixar preparado: ❯ laringoscópio com lâminas e tubos traqueais adequados para o peso e idade; ❯ frasco de soro fisiológico e/ou solução de Ringer lactado; ❯ solução aquosa de adrenalina (preparada na diluição de 1:1 mil) e de aminofilina (10ml = 240mg). Após receber o soro heterólogo, o paciente deverá ser observado pelo prazo de duas horas. Pré-medicação – na tentativa de prevenir ou atenuar possíveis reações adversas imediatas em pacientes de risco, podem ser utilizadas drogas bloqueadoras dos receptores H1 e H2 da histamina (anti-histamínicos) e um corticosteróide em dose anti-inflamatória: Eventos adversos Manifestações locais – pode provocar reações de caráter benigno com dor, edema e hiperemia e, mais raramente, presença de abscesso. Conduta: não é necessário notificar. Deve ser feito tratamento local com o objetivo de diminuir a dor, a tumefação e a vermelhidão. Manifestações imediatas – choque anafilático. Raro, mas pode ocorrer na administração do soro anti-rábico heterólogo. Nas primeiras duas horas após a aplicação, podem ocorrer formigamento nos lábios, palidez, dispnéia, edemas, exantemas, hipotensão e perda da consciência. Conduta: notificar e investigar. Substituir o soro por imunoglobulina anti-rábica. Cuidado intensivo. Manifestações tardias • Doença do soro – febre, mioartralgia (poliartrite serosa), astenia, cefaléia, sudorese, desidratação, exantema com máculas e pápulas pruriginosas, infartamento e inflamações dos linfonodos, vasculite, nefrite. • Reação de Arthus – vasculite local acompanhada de necrose, dor, tumefação, rubor, necrose, úlceras profundas. Conduta: notificar e investigar. Deve ser feito acompanhamento clínico por serviço especializado. 622 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva Opção 1. Via parenteral Crianças Adultos Maleato de dextroclorfeniramina ou 0,08mg/kg 5mg Prometazina 0,5mg/kg 50mg Cimetidina ou 10mg/kg 300mg Ranitidina 1,5mg/kg 50mg Corticosteróide 10mg/kg 500mg Antagonistas dos receptores H1 da histamina Antagonistas dos receptores H2 da histamina A aplicação do soro anti-rábico heterólogo deverá ser realizada 20 a 30 minutos após a aplicação da pré-medicação acima (esquema parenteral). 6 Opção 2. Via oral Posologia Dose máxima Antagonistas dos receptores H1 Maleato de dextroclorfeniramina oral (xarope) 0,2mg/kg 5mg Cimetidina ou 20 a 30mg/kg 400mg Ranitidina 1 a 2mg/kg 300mg Hidrocortisona (via venosa) ou 10mg/kg 1000mg Dexametasona (fosfato) intramuscular 2 ou 4mg 20mg Antagonistas dos receptores H2 Corticosteróide A aplicação do soro anti-rábico heterólogo deverá ser realizada aproximadamente 2 horas após a aplicação da pré-medicação acima (esquema oral). R Opção 3. Esquema misto Posologia Dose máxima 0,2mg/kg 5mg 10mg/kg 300mg 3mg/kg 100mg Hidrocortisona – intravenosa ou 10mg/kg 1000mg Dexametasona – intramuscular 2 ou 4mg 20mg Antagonistas dos receptores H1 - via oral Maleato de dextroclorfeniramina oral (xarope) Antagonistas dos receptores H2 – parenteral Cimetidina ou Ranitidina Corticosteróide Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 623 Raiva Imunoglobulina humana anti-rábica – Soro homólogo A imunoglobulina humana anti-rábica, uma solução concentrada e purificada de anticorpos, preparada a partir de hemoderivados de indivíduos imunizados com antígeno rábico, é um produto mais seguro que o soro anti-rábico porém de produção limitada e, por isso, de baixa disponibilidade e alto custo. Deve ser conservada entre + 2° e + 8° C, protegida da luz, observando-se o prazo de validade do fabricante. A dose indicada é de 20 UI/kg de peso. Deve-se infiltrar a maior quantidade possível na(s) lesão(ões). Quando a lesão for muito extensa e múltipla, a dose indicada pode ser diluída em soro fisiológico para que todas as lesões sejam infiltradas. Caso a região anatômica não permita a infiltração de toda a dose, a quantidade restante, a menor possível, deve ser aplicada por via intramuscular, na região glútea. Eventos adversos Manifestações locais – pode provocar reações de caráter benigno como dor, edema, eritema e, mais raramente, abscesso. Conduta: não é necessário notificar. Deve ser feito tratamento local com o objetivo de diminuir a dor, a tumefação e a vermelhidão. Manifestações sistêmicas – leve estado febril. Em presença de gama-globulinemia ou hipogamaglobulinemia pode ocorrer reação anafilática. Raramente, reação de hipersensibilidade. Conduta: notificar e investigar. Notas: • A imunoglobulina humana anti-rábica (soro homólogo) está disponível nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Cries) do Programa de Imunizações das secretarias de saúde dos estados e do Distrito Federal. • Os eventos adversos ao soro anti-rábico humano (heterólogo ou homólogo) devem ser investigados e notificados ao sistema de vigilância de eventos adversos do Programa Estadual de Imunizações da secretaria de saúde dos estados ou do Distrito Federal. Abandono de tratamento O tratamento profilático anti-rábico humano deve ser garantido todos os dias, inclusive nos finais de semana e feriados, até a última dose prescrita (esquema completo). É de responsabilidade do serviço de saúde que atende o paciente realizar busca ativa imediata daqueles que não comparecem nas datas agendadas para a aplicação de cada dose da vacina prescrita. As condutas indicadas para pacientes que não comparecem na data agendada estão a seguir descritas. 624 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva Paciente em uso da vacina de cultivo celular • No esquema recomendado (dias 0, 3, 7, 14 e 28 ), as cinco doses devem ser administradas no período de 28 dias a partir do início do tratamento. • Quando o paciente faltar para a segunda dose: aplicar no dia que comparecer e agendar a terceira dose com intervalo mínimo de 2 dias. • Quando o paciente faltar para a terceira dose: aplicar no dia que comparecer e agendar a quarta dose com intervalo mínimo de 4 dias. • Quando o paciente faltar para a quarta dose: aplicar no dia que comparecer e agendar a quinta dose para 14 dias após. Bases gerais do tratamento • A profilaxia contra a raiva deve ser iniciada o mais precocemente possível. • Sempre que houver indicação, tratar o paciente em qualquer momento, independentemente do tempo transcorrido entre a exposição e o acesso à unidade de saúde. • A história vacinal do animal agressor não constitui elemento suficiente para a dispensa da indicação do tratamento anti-rábico humano. • Havendo interrupção do tratamento, completar as doses da vacina prescritas anteriormente e não iniciar nova série. • Recomenda-se que o paciente evite esforços físicos excessivos e bebidas alcoólicas durante e logo após o tratamento. • Em caso de acidente por vacina anti-rábica de vírus vivo, o paciente deve receber esquema completo (soro + vacina). • Não se indica o uso de soro anti-rábico para os pacientes considerados imunizados por tratamento anterior, exceto nos casos de paciente imunodeprimido ou em caso de dúvidas sobre o tratamento anterior, quando deve-se indicar o soro. • Nos casos em que só tardiamente se conhece a necessidade do uso do soro antirábico ou quando há qualquer impedimento para o seu uso, aplicar a dose de soro recomendada antes da aplicação ou até a 3ª dose da vacina de cultivo celular. Após esse prazo o soro não é mais necessário. 6 R Sobre o ferimento • Lavar imediatamente o ferimento com água corrente, sabão ou outro detergente. A seguir, devem ser utilizados antissépticos que inativem o vírus da raiva (como o polvidine, clorexidine e álcool-iodado). Essas substâncias deverão ser utilizadas uma única vez, na primeira consulta. Posteriormente, lavar a região com solução fisiológica. • A mucosa ocular deve ser lavada com solução fisiológica ou água corrente. • O contato indireto é aquele que ocorre por meio de objetos ou utensílios contaminados com secreções de animais suspeitos. Nestes casos, indica-se apenas lavar bem o local com água corrente e sabão. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 625 Raiva • Em casos de lambedura na pele íntegra, por animal suspeito, recomenda-se lavar o local com água e sabão. • Não se recomenda a sutura dos ferimentos. Quando for absolutamente necessário, aproximar as bordas com pontos isolados. Havendo necessidade de aproximar as bordas, o soro anti-rábico, se indicado, deverá ser infiltrado uma hora antes da sutura. • Proceder à profilaxia do tétano segundo o esquema preconizado (caso não seja vacinado ou com esquema vacinal incompleto) e uso de antibióticos nos casos indicados, após avaliação médica. • Havendo contaminação da mucosa, seguir o tratamento indicado para lambedura na mucosa. Sobre o animal • O período de observação de 10 (dez) dias é restrito aos cães e gatos. • Considera-se suspeito todo cão ou gato que apresentar mudança brusca de comportamento e/ou sinais e sintomas compatíveis com a raiva, tais como salivação abundante, dificuldade para engolir, mudança nos hábitos alimentares e paralisia das patas traseiras. • Sempre que possível, o animal agressor, cão ou gato, deverá ser observado. Se durante o período de observação o animal morrer ou desenvolver sintomatologia compatível com raiva, amostras de seu sistema nervoso central (SNC) deverão ser enviadas para o laboratório de diagnóstico. Se necessário, o animal deverá ser sacrificado após o aparecimento de sintomas de paralisia. Cuidados deverão ser observados no manuseio do animal (EPIs), para evitar acidentes. • A agressão por outros animais domésticos (bovinos, ovinos, caprinos, eqüídeos e suínos) deverá ser avaliada e, se necessário, deverá ser indicado o tratamento profilático, lembrando que não se indica a observação desses animais com o objetivo de definir a conduta para o ser humano. Se o animal morrer, sempre que possível coletar amostra de tecido do SNC e enviar ao laboratório de diagnóstico. • Está indicado tratamento, sistematicamente, para todos os casos de agressão por animais silvestres, mesmo quando domiciliados e domesticados. • Não é indicado tratamento nas agressões causadas pelos seguintes roedores e lagomorfos (de áreas urbanas ou de criação): ❯ ratazana-de-esgoto (Rattus norvegicus); ❯ rato-de-telhado (Rattus rattus); ❯ camundongo (Mus musculus); ❯ cobaia ou porquinho-da-índia (Cavea porcellus); ❯ hamster (Mesocricetus auratus); ❯ coelho (Oryetolagus cuniculus). • Nas agressões por morcegos, deve-se proceder a sorovacinação, independentemente do tipo de morcego agressor, tempo decorrido e gravidade da lesão. Em caso de reexposição, seguir as orientações específicas para cada caso. 626 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva Importante A imunofluorescência para raiva é um exame importante, de alta sensibilidade e especificidade. Quando o diagnóstico laboratorial do animal agressor for negativo pela técnica de imunofluorescência, o tratamento do paciente, a critério médico, pode ser suspenso aguardando-se o resultado da prova biológica. Isso não se aplica para eqüídeos (cavalo, burro, jumento), exceto nos casos em que os fragmentos encaminhados para o diagnóstico desses animais tenham sido o tronco encefálico e a medula. Medidas de controle para raiva animal Aspectos clínicos da raiva animal 6 Raiva no cão – os animais mais jovens são mais susceptíveis à infecção, cujo período de incubação varia de dez dias a dois meses, em média. A fase prodrômica dura, aproximadamente, 3 dias. O animal demonstra alterações sutis de comportamento, anorexia, esconde-se, parece desatento e, por vezes, nem atende ao próprio dono. Nessa fase ocorre um ligeiro aumento de temperatura, dilatação de pupilas e reflexos corneanos lentos. Há duas apresentações de raiva no cão: • furiosa – angústia, inquietude, excitação, tendência à agressão (morde objetos, outros animais e o próprio dono), alterações do latido (latido rouco), dificuldade de deglutição, sialorréia, tendência a fugir de casa, excitação das vias geniturinárias, irritação no local da agressão, incoordenação motora, crise convulsiva, paralisia, coma e morte; • muda ou paralítica – fase de excitação ausente, inaparente ou curta, busca de lugares escondidos ao abrigo da luz (fotofobia), sintomas predominantes paralíticos, que se iniciam pelos músculos da cabeça e pescoço, paralisia dos membros posteriores, estendendo-se por todo o corpo do animal, dificuldade de deglutição, sialorréia, coma e morte. Deve-se considerar que os sinais e sintomas das diferentes apresentações não seguem, necessariamente, seqüências obrigatórias ou apresentam-se em sua totalidade. O curso da doença dura em média dez dias e o animal pode estar eliminando vírus na saliva desde o 5° dia, antes de apresentar os primeiros sintomas. Em conseqüência das características da doença, o animal raivoso é facilmente atropelado em vias públicas, o que exige muito cuidado ao prestar socorro a um animal; • diagnóstico diferencial da raiva canina – cinomose, encefalites não especificadas, infestação por helmintos (migração de larvas para o cérebro), intoxicação por estricnina, atropina, doença de Aujeszky, eclâmpsia, ingestão de corpos estranhos. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS R 627 Raiva Raiva no gato – geralmente, apresenta-se sob a forma furiosa, com sintomatologia similar à do cão. A mudança de comportamento, muitas vezes, não é observada, uma vez que os gatos são animais “semidomésticos”. Em conseqüência das próprias características dos felinos, o primeiro ataque é feito com as garras e depois com a mordida. Devido ao hábito de se lamberem constantemente, as arranhaduras são sempre graves. • diagnóstico diferencial da raiva felina – pode-se fazer o diagnóstico diferencial com encefalites, intoxicação e traumatismo cranioencefálico. Raiva em morcego – a patogenia da doença é pouco conhecida. O mais importante a considerar é o fato de que o morcego pode albergar o vírus rábico em sua saliva e ser infectante antes de adoecer, por períodos maiores que os de outras espécies. Algumas apresentações da doença em morcegos foram assim registradas: • raiva furiosa típica, com paralisia e morte; • raiva furiosa e morte sem paralisia; • raiva paralítica típica e morte. Obs.: Deve-se ressaltar que um morcego é considerado suspeito de estar infectado com o vírus da raiva quando for encontrado em horário e locais não habituais. Diagnóstico laboratorial dos diferentes animais O diagnóstico laboratorial é essencial tanto para a eleição de estratégias e definição de intervenção no paciente como para o conhecimento do risco da doença na região de procedência do animal. Os materiais de eleição para exame são cérebro, cerebelo e medula. Em se tratando de eqüídeos, enviar também o tronco encefálico e a medula. Caso não seja possível realizar a coleta do material, pode-se enviar a cabeça ou o animal inteiro, quando de pequeno porte. O material deverá ser coletado por profissional habilitado, de acordo com técnicas de biossegurança. Acondicionamento, conservação e transporte – o material para diagnóstico deve ser acondicionado em saco plástico duplo, vedado hermeticamente, identificado de forma clara e legível, não permitindo que a identificação se apague em contato com a água ou gelo. A amostra, devidamente embalada e identificada, deve ser colocada em caixa de isopor, com gelo suficiente para que chegue bem conservada ao seu destino. A caixa deve ser rotulada e bem fechada, não permitindo vazamentos que possam contaminar quem a transporte. O modo de conservação dependerá do tempo (estimado) decorrido entre a remessa ao laboratório e o processamento da amostra: • até 24 horas – refrigerado; • mais de 24 horas – congelado; • na falta de condições adequadas de refrigeração, conservar em solução com glicerina a 50%. 628 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva A qualidade do resultado laboratorial dependerá do estado de conservação do material enviado. Materiais autolisados interferem nas técnicas laboratoriais, muitas vezes tornando impossível a emissão do laudo. Juntamente com o material, deve ser enviada a ficha epidemiológica completa, com o nome e endereço do solicitante, a espécie do animal e os possíveis contatos com humanos e animais; se houve observação do animal doente e qual o período; se o animal foi sacrificado ou morreu naturalmente, etc. Quando enviados dois ou mais fragmentos de tecidos, especificar no pedido e identificar os mesmos. Quadro 4. Espécie animal e fragmentos de eleição do SNC a ser coletado para diagnóstico laboratorial da raiva Espécie animal Fragmentos do SNC a serem coletados (preferencialmente) 6 Humana Cérebro, cerebelo e medula Canina/felina Corno de Amon e medula Bovino Cerebelo e medula Eqüídeo (cavalo, jumento, burro) Tronco encefálico e medula Ovino, caprino e suíno Cérebro, cerebelo e medula Animal silvestre Quando possível, enviar o animal inteiro, para identificação da espécie; se não for possível, enviar o cérebro, cerebelo e medula Observações: Todo indivíduo que executa ou auxilia necropsias de animais com suspeita de raiva deve se submeter ao esquema vacinal pré-exposição e ter seu soro dosado para anticorpos anti-rábicos duas vezes ao ano, como forma de verificar a manutenção do título protetor. Como a raiva acomete todas as espécies de mamíferos, recomenda-se que todo e qualquer animal suspeito de estar infectado com o vírus da raiva seja encaminhado para diagnóstico laboratorial. Ressalte-se o crescente número de morcegos positivos para a raiva e os inúmeros acidentes que vêm causando aos humanos. Morcegos e outros animais silvestres pequenos devem ser encaminhados inteiros, refrigerados ou congelados, para a identificação da espécie e orientação de ações de controle de foco em até 72 horas após a notificação, se possível. Os procedimentos de biossegurança devem ser rigorosamente seguidos, tanto no trato com os animais suspeitos quanto com os pacientes humanos. R Definição de caso suspeito e confirmado em cão e gato Caso suspeito – todo cão ou gato que apresente sintomatologia compatível com raiva e que possua história de agressão por outro animal suspeito ou raivoso. Todo cão ou gato que apresente sintomatologia compatível com a raiva, mesmo sem antecedentes de contato ou agressão conhecida por outro suspeito ou raivoso que resida ou provenha de áreas endêmicas. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 629 Raiva Caso confirmado – todo cão ou gato submetido a exame laboratorial e cujo material se revele positivo para raiva em laboratório de diagnóstico. Todo cão ou gato que tenha sido clinicamente diagnosticado como raivoso, por médico veterinário, e tenha evoluído para óbito, ainda que não se tenha enviado material para laboratório de diagnóstico. Como proceder diante de 1 ou mais casos de raiva canina: • notificar imediatamente o caso à vigilância epidemiológica municipal, centro de controle de zoonoses (quando existir) e coordenação estadual do Programa de Profilaxia da Raiva das secretarias estaduais de saúde; • se o animal estiver vivo, não matar; juntamente com a autoridade sanitária garantir que seja observado com segurança e alimentação adequadas, para o acompanhamento da evolução do quadro. Se o animal apresentar sintomatologia compatível com a raiva e não houver possibilidades de observação em local seguro, recomenda-se o sacrifício do mesmo, por profissional habilitado. Se o animal morrer, providenciar o envio do encéfalo ao laboratório, devidamente conservado em gelo, jamais em formol. Decisão/ação (agir até 72 horas após a notificação): • investigar o caso; • diagnosticar a situação; • definir as intervenções. Em caso de intervenção Cabe ao proprietário – entregar para sacrifício todo animal que tenha sido agredido por animal raivoso e contribuir para a execução do trabalho. Cabe aos serviços de saúde – diante da recusa do proprietário, os profissionais de saúde, legalmente baseados nos códigos sanitários (federal, estadual ou municipal), devem retirar o animal do domicílio ou via pública; os animais sem vacinação prévia devem ser sacrificados, podendo-se abrir exceção quando existir a segurança de que o animal agredido tenha sido vacinado e esteja dentro do período de imunidade previsto para esse imunobiológico (1 ano). Se não for realizado o sacrifício, o animal agredido deve ser mantido confinado e em observação por pelo menos 6 meses. Encaminhar à unidade de saúde todos os indivíduos que tenham sido agredidos ou tiveram contato com o animal. Prosseguir a investigação epidemiológica, a quantificação de casos em animais e a caracterização da área do foco, com vistas a: • informar e envolver a comunidade para participação efetiva nas ações de controle; • vacinar os animais susceptíveis, sob cadastramento. Essa vacinação dos susceptíveis dentro da área de foco deve ser do tipo “casa a casa”, com o objetivo de imunizar 100% da população canina estimada, devendo ser realizada nas primeiras 72 horas após a detecção do foco; • apreender cães errantes; • realizar em locais adequados a observação de animais (cães e gatos) agressores, por um período de 10 dias; • estimular e providenciar o envio de amostras para laboratório; 630 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Raiva • proceder a revacinação, em prazo não inferior a 90 dias; • delimitar o foco com base nos critérios estabelecidos pelo rastreamento da possível fonte de infecção, barreiras naturais e organização do espaço urbano; • estimular tanto a notificação negativa como a positiva. Aspectos específicos da epidemiologia e controle da raiva animal • Casos surgidos após 90 dias de intervenção caracterizam novos focos. • A concomitância de casos dispersos em um município, considerando a baixa notificação, pode caracterizar uma epizootia. • A persistência de casos animais, apesar da existência de intervenções, faz pensar na falta de qualidade e eficácia das medidas sanitárias ou, ainda, de que se trata de um problema crônico – endemia ou até mesmo, em uma exacerbação do comportamento da doença, epidemia. • Sobretudo em áreas endêmicas impõe-se a necessidade da constituição de serviço de apreensão rotineira de cães errantes. Calcula-se que se deva recolher anualmente 20% da população canina estimada aos canis públicos, onde devem permanecer por prazo não superior a 72 horas – para serem resgatados por seus donos. Passado esse prazo, serão doados às instituições de ensino biomédico ou submetidos à eutanásia. O sucesso no controle da raiva canina depende de uma cobertura vacinal acima de 80% (desde que a estimativa canina seja confiável). A estratégia a ser adotada nas campanhas de vacinação em massa pode ser do tipo casa a casa, postos fixos ou mistos (casa a casa + postos fixos), a critério de cada município. • O controle da raiva silvestre, sobretudo do morcego hematófago, exige uma intervenção específica. Em função da gravidade das agressões por morcegos, deve-se comunicar o caso imediatamente aos serviços de saúde e à agricultura, para o desencadeamento das ações de controle de competência de cada instituição, e reportar-se ao Manual sobre morcegos em áreas urbanas e rurais: manejo e controle, do Ministério da Saúde. 6 R Ações de educação em saúde Orientar o processo educativo no programa da raiva (urbana, rural e silvestre) tem como ferramentas básicas a participação e a comunicação social, devendo ser necessariamente envolvidos os serviços interinstitucionais, intersetoriais e multidisciplinares (profissionais de saúde, agricultura, escolas, universidades, meio ambiente, Ongs, associações de moradores, sindicatos rurais, proprietários de animais de estimação, proprietários de grandes animais e a população em geral). Estimular a posse responsável de animais. Desmistificar a castração dos animais de estimação. Adotar medidas de informação/comunicação que levem a população a reconhecer a gravidade de qualquer tipo de exposição a um animal; a necessidade de atendimento imediato; as medidas auxiliares que devem ser adotadas às pessoas que foram expostas e/ou agredidas; a identificar os sintomas de um animal suspeito. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 631 Raiva Divulgar os serviços existentes, desmistificando simultaneamente o tratamento profilático anti-rábico humano e estimulando a responsabilidade do paciente com o cumprimento do esquema indicado, visando à diminuição do abandono e risco de ocorrência de casos. Não valorizar a proteção do cão errante. Estimular a imunização anti-rábica animal. Desenvolver ações educativas especificamente voltadas para o ensino fundamental. Estratégias de prevenção O tratamento profilático de pessoas agredidas previne a ocorrência de novos casos. Assim, o tratamento adequado é de suma importância para a eliminação da raiva humana. Lembrar que pessoas sob risco devem tomar a vacina para evitar a doença. A vacinação periódica e rotineira de 80% dos cães (população real estimada) e gatos pode quebrar o elo da cadeia epidemiológica, impedindo que o vírus alcance a população, interrompendo, assim, o ciclo urbano da raiva. A captura de animais e o envio de amostras ao laboratório ajudam no monitoramento da circulação do vírus. Já que dificilmente se consegue vacinar os cães errantes, fundamentais para a persistência da cadeia de transmissão, recomenda-se a eliminação de 20% da população canina visando reduzir a circulação do vírus. Com relação a morcegos, a ocorrência crescente de casos de raiva humana transmitida pelos mesmos faz com que se conheça cada vez mais detalhadamente a raiva dos quirópteros (morcegos): seu comportamento, distribuição e maneiras de controle. Estimular a pesquisa, juntamente com os órgãos ambientais, da raiva no ciclo silvestre permitirá traçar o perfil epidemiológico e identificar a circulação viral. 632 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Rubéola RUBÉOLA CID 10: B06 Características clínicas e epidemiológicas Descrição É uma doença exantemática aguda, de etiologia viral, que apresenta alta contagiosidade, acometendo principalmente crianças. Doença de curso benigno, sua importância epidemiológica está relacionada ao risco de abortos, natimortos e malformações congênitas como cardiopatias, catarata e surdez, denominada síndrome da rubéola congênita (SRC) quando a infecção ocorre durante a gestação. 6 Agente etiológico O agente infeccioso da rubéola é um vírus pertencente ao gênero Rubivirus, família Togaviridae. Reservatório O homem. Modo de transmissão Através de contato com as secreções nasofaríngeas de pessoas infectadas. A infecção é produzida por disseminação de gotículas ou contato direto com os pacientes. A transmissão indireta, mesmo pouco freqüente, ocorre mediante contato com objetos contaminados com secreções nasofaringeanas, sangue e urina. Período de incubação R Em geral, varia de 14 a 21 dias, durando, em média, 17 dias. A variação máxima observada é de 12 a 23 dias. Período de transmissibilidade Aproximadamente, de 5 a 7 dias antes do início do exantema até 5 a 7 dias após. Susceptibilidade e imunidade A susceptibilidade é geral. A imunidade ativa é adquirida através da infecção natural ou por vacinação, permanecendo por quase toda a vida. Os filhos de mães imunes podem apresentar imunidade passiva e transitória durante 6 a 9 meses. Tem sido relatada a ocorrência de reinfecção em pessoas previamente imunes através de vacinação ou infecção natural, quando reexpostas ao vírus. Esta reinfecção é usualmente assintomática, detectável apenas por métodos sorológicos. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 633 Rubéola Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas O quadro clínico é caracterizado por exantema máculo-papular e puntiforme difuso, iniciando-se na face, couro cabeludo e pescoço, espalhando-se posteriormente para o tronco e membros. Além disso, apresenta febre baixa e linfadenopatia retroauricular, occipital e cervical posterior, geralmente antecedendo ao exantema no período de 5 a 10 dias, podendo perdurar por algumas semanas. Formas inaparentes são freqüentes, principalmente em crianças. Adolescentes e adultos podem apresentar um período prodrômico com febre baixa, cefaléia, dores generalizadas (artralgias e mialgias), conjuntivite, coriza e tosse. A leucopenia é comum e raramente ocorrem manifestações hemorrágicas. Apesar de raras, complicações podem ocorrer com maior freqüência em adultos, destacando-se artrite ou artralgia, encefalites (1 para 5 mil casos) e manifestações hemorrágicas (1 para 3 mil casos). Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial deve ser feito com sarampo, escarlatina, dengue, exantema súbito (crianças até 2 anos), eritema infeccioso, enteroviroses (coxsackie e echo) e, também, com outras doenças que podem causar síndromes congênitas, como mononucleose infecciosa, toxoplasmose e infecção por citomegalovírus. Diagnóstico laboratorial É realizado mediante detecção de anticorpos específicos no soro (IgM e IgG) e isolamento viral (ver normas e procedimentos no Anexo 1). Tratamento Não há tratamento específico para a rubéola. Os sinais e sintomas apresentados devem ser tratados de acordo com a sintomatologia e terapêutica adequada. Aspectos epidemiológicos A rubéola foi introduzida na lista de doenças de notificação compulsória no Brasil na segunda metade da década de 90. Em 1997, ano em que o país enfrentou a última epidemia de sarampo, foram notificados cerca de 30 mil casos de rubéola, sendo que no período compreendido entre 1999 a 2001 ocorreram surtos desta doença em vários estados. Neste período, observou-se aumento progressivo no número de casos suspeitos de SRC (de 200 para 600), o que reflete tanto o aumento da circulação do vírus (a taxa de incidência de rubéola na população feminina, em 2001, chegou a 5/100 mil mulheres na faixa etária de 15 a 19 anos e de 6,3/100 mil mulheres na faixa etária de 20 a 29 anos) como o incremento de estratégias de vigilância para a detecção de casos. A vigilância epidemiológica dessas doenças tem se mostrado sensível, oportuna e específica. 634 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Rubéola A implementação do Plano de Erradicação do Sarampo no país, a partir de 1999, impulsionou a vigilância e o controle da rubéola. Em 2002, ocorreram 1.480 casos de rubéola no Brasil, o que corresponde a um decréscimo de 95% quando comparados à incidência de 1997. As taxas de incidência no sexo feminino, em 2002, ficaram em 1/105 mulheres tanto na faixa etária de 15 a 19 como de 20 a 29 anos. Em 2003, foram confirmados 561 casos de rubéola entre os 16.036 casos suspeitos notificados, demonstrando a alta sensibilidade e especificidade do sistema de vigilância. Destaca-se a realização de uma campanha de vacinação em massa dirigida às mulheres em idade fértil (MIF) durante 2001 e 2002, ao tempo em que completou-se a introdução da vacina dupla ou tríplice viral no calendário básico de imunização, processo iniciado em 1992. O fortalecimento da vigilância do sarampo e da rubéola revelou a necessidade de controle e prevenção da SRC. Figura 1. Evolução da taxa de incidência de rubéola e estratégias de controle. Brasil, 1992-2003 6 Incidência /100 mil hab. 25 Notificação compulsória 20 MIF – RN MIF – PR 15 MIF – 13 UFs Implantação VTV 1 – 11 anos 10 11 UFs 5 0 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 Fonte: Cover/CGDT/Devep/SVS/MS Figura 2. Número de casos confirmados e taxa de incidência de rubéola por grupos etários. Brasil, 2000-2003 4.000 R 25 3.600 3.200 20 2.800 2.400 15 2.000 1.600 10 1.200 800 5 400 0 < 1a 1-4 Casos 00 Incid 00 5-9 10 - 14 Casos 01 Incid 01 15 - 19 Casos 02 Incid 02 20 - 29 30 + 0 Casos 03 Incid 03 Fonte: Cover/CGDT/Devep/SVS/MS Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 635 Rubéola Vigilância epidemiológica Objetivos Detectar a circulação do vírus em determinado tempo e área geográfica, identificar a população sob risco para SRC nessas áreas e proteger a população susceptível. Definição de caso Suspeito Todo paciente que apresente febre e exantema máculo-papular, acompanhada de linfoadenopatia retroauricular, occipital e cervical, independente da idade e situação vacinal. Confirmado Laboratorial – quando a interpretação dos resultados dos exames sorológicos for positivo para rubéola. Vínculo epidemiológico – quando o caso suspeito teve contato com um ou mais casos de rubéola, confirmados por laboratório, e apresentou os primeiros sintomas da doença entre 12 a 23 dias após a exposição ao(s) caso(s). Clínico – quando há suspeita clínica de rubéola, mas as investigações epidemiológica e laboratorial não foram realizadas ou concluídas. Como o diagnóstico de rubéola não pode ser confirmado nem descartado com segurança, este caso representa uma falha do sistema de vigilância epidemiológica. Descartado Laboratorial – quando o resultado do exame laboratorial: • for negativo para IgM específica para rubéola; • for positivo para outra doença; • em duas amostras pareadas, não detectar soroconversão dos anticorpos. Quando o resultado for IgM negativo em amostra tardia, o caso é descartado apenas se não for gestante. Vínculo epidemiológico – quando o caso tiver como fonte de infecção um ou mais casos descartados pelo critério laboratorial ou quando, na localidade, estiver ocorrendo outros casos, surtos ou epidemia de outra doença exantemática febril, confirmada por diagnóstico laboratorial. Clínico – caso suspeito de rubéola em que não houve coleta de amostra para exame laboratorial, mas a avaliação clínica e epidemiológica detectou sinais e sintomas compatíveis com outro diagnóstico diferente da rubéola. 636 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Rubéola Critérios para o descarte de casos suspeitos de rubéola com associação temporal à vacina A avaliação clínica e epidemiológica indica uma associação temporal entre a data do início dos sintomas e a data do recebimento da última dose da vacina com o componente contra a rubéola, mesmo que não tenha sido realizada coleta de amostra. Os critérios para descarte como associação temporal à vacina são os seguintes: • febre com temperatura que pode chegar a 39ºC ou mais, com início entre o 5º e 12º dias após a vacinação e duração média de um a dois dias, podendo chegar até cinco dias; • exantema, geralmente benigno, que dura de um a dois dias e que surge entre o 7º e 10º dias após a administração da vacina; • cefaléia ocasional, irritabilidade, conjuntivite ou manifestações catarrais observadas entre o 5º e 12º dias após a vacinação; • linfadenopatias que se instalam entre 7 a 21 dias após a data de vacinação; • resultado do exame laboratorial “reagente” ou “positivo para IgM” em amostra colhida no período de 8 a 56 dias após a data da última dose de vacina. 6 Notificação Todos os casos suspeitos devem ser imediatamente notificados pelo nível local à secretaria municipal de saúde, seguindo o fluxo definido pelo nível estadual. A ocorrência de um surto de rubéola deve ser notificado de imediato aos demais níveis do sistema. Caso suspeito de rubéola Toda pessoa com febre e exantema maculopapular acompanhada de linfoadenopatia retroauricular, occipital e cervical, independente da idade e situação vacinal Suspeitar de rubéola Notificar a secretaria municipal de saúde Investigar em até 48h Coletar sangue para sorologia no primeiro contato com o paciente R Vacinação de bloqueio Vacinar os contatos susceptíveis Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente A assistência ocorre em unidades básicas de saúde e, quando gestantes, em serviços de pré-natal. A necessidade de hospitalização é muito rara. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 637 Rubéola Qualidade da assistência Verificar se os casos estão sendo atendidos de forma adequada nas unidades básicas de saúde, bem como se há orientação disponível sobre procedimentos frente a um caso de rubéola, principalmente relacionados ao cuidado com as gestantes. Proteção individual para evitar circulação viral As crianças e adultos acometidos de rubéola devem ser afastados da escola, creche ou local de trabalho durante o período de transmissibilidade (cinco a sete dias antes do início do exantema e pelo menos cinco a sete dias depois). Confirmação diagnóstica Coletar material para diagnóstico laboratorial, de acordo com as orientações constantes do Anexo 1. Proteção da população A principal medida de controle da rubéola é feita através da vacinação dos susceptíveis, que inclui: vacinação da rotina da rede básica de saúde, bloqueio vacinal, intensificação e/ou campanhas de vacinação. Ressalte-se que a cada caso suspeito notificado a ação de bloqueio vacinal deve ser desencadeada imediatamente. A faixa etária prioritária para a realização do bloqueio vacinal é a de 6 meses a 39 anos de idade. A redução ou aumento da idade para a realização do bloqueio vacinal deverá ser avaliada de acordo com a situação epidemiológica local. Extensa busca ativa de novos casos suspeitos e susceptíveis deve ser realizada para um controle mais eficiente da doença. As gestantes susceptíveis devem ser afastadas do contato com casos e comunicantes durante o período de transmissibilidade e incubação da doença. Se a gestante mantiver contato com um doente de rubéola deve ser avaliada sorologicamente, o mais precocemente possível, para posterior acompanhamento e orientação. Ações de esclarecimento à população mediante visitas domiciliares, palestras nas comunidades e por meio de veículos de comunicação de massa devem ser implementadas. O conteúdo dos esclarecimentos deve incluir conhecimentos sobre o ciclo de transmissão da doença, gravidade, situação de risco e imunização. Investigação Todo caso suspeito de rubéola deve ser investigado, objetivando coletar as informações necessárias para o correto diagnóstico final. Além disso, a possibilidade de detecção de novos casos deve ser considerada e, nesse momento, devem ser adotadas medidas de controle frente à ocorrência de um ou mais casos. 638 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Rubéola Roteiro da investigação epidemiológica Identificação do paciente Preencher todos os campos da ficha de investigação epidemiológica do Sinan, relativos aos dados gerais, notificação individual e dados de residência. Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Para confirmar a suspeita diagnóstica Todo caso suspeito de rubéola deve ser investigado até 48 horas após seu conhecimento, com os seguintes objetivos: • caracterizar clinicamente o caso para determinar sua classificação como suspeito. Preencher a ficha de investigação epidemiológica de doenças exantemáticas febris (sarampo/rubéola), nacionalmente padronizada pelo Sinan; • coletar amostra de sangue para exame sorológico, a fim de confirmar o diagnóstico. Desencadear as medidas de controle pertinentes; • a gestante assintomática (contato/exposta a casos suspeitos ou confirmados de rubéola) com resultado IgM positivo, que foi notificada à vigilância epidemiológica, deverá ser acompanhada da mesma forma que as gestantes sintomáticas para rubéola. 6 Para identificação da área de transmissão É importante registrar todas as informações referentes aos casos suspeitos, para identificar os grupos populacionais acometidos ou sob risco de doença, o período e a área de transmissão (Quem? Quando? Onde?). Essas informações orientam a tomada de decisões quanto às medidas de controle (por exemplo, quem, quando e onde vacinar?) e permitem acompanhar adequadamente e divulgar a situação de cada município alvo de surto. Um surto de rubéola caracteriza-se pela ocorrência de incidência acima do valor esperado, quando comparada aos anos anteriores. A ocorrência de um surto de rubéola é considerada situação de emergência epidemiológica pois, além de se tratar de doença infecciosa, há uma real possibilidade de ocorrência da SRC. Uma vez caracterizada a ocorrência de surto ou epidemia numa área determinada, não é necessário coletar amostra de todos os casos que surgirem, exceto nas gestantes, desde que a investigação comprove que estão relacionados entre si. Em uma situação de surto, as mulheres expostas durante a gravidez devem ser acompanhadas durante a gestação e no pós-parto; e o recém-nascido, durante o primeiro ano de vida. Na ocorrência de um surto, a possível fonte de infecção dos casos deve ser exaustivamente investigada para identificar novas áreas de circulação viral. Quando a investigação detecta que o caso de rubéola esteve viajando no período de 12 a 23 dias antes do início dos sintomas, a equipe de vigilância do município de origem do caso deve informar à equipe de vigilância do local onde o paciente esteve, a fim de que adote as medidas de investigação e controle. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS R 639 Rubéola Para determinação da extensão da área de transmissão Deve ser feito um detalhado estudo para caracterizar o perfil da ocorrência e os fatores que contribuíram para a circulação do vírus na população. Atenção especial deve ser dada à detecção da rubéola em mulheres em idade fértil, visando identificar os futuros casos suspeitos de SRC. A obtenção de informações detalhadas e uniformes, para todos os casos, possibilita a comparação dos dados e a análise adequada da situação epidemiológica da doença. Considerando que, com grande freqüência, se pode encontrar casos suspeitos de rubéola entre as pessoas que viajam, a identificação de um viajante nestas condições deve ser notificada, de imediato, às autoridades sanitárias. Além disso, o viajante-paciente ou seu acompanhante deve ser informado sobre a doença, complicações e transmissibilidade, bem como sobre a necessidade de manter-se recolhido ao local de hospedagem (hotel ou outro) até cinco dias após o aparecimento do exantema. Coleta e remessa de material para exames Todo caso suspeito de rubéola e toda gestante com história de contato com caso confirmado deverão ter uma amostra de sangue coletada para sorologia. Na ocorrência de surto, deve-se coletar também espécimes clínicas para isolamento viral, de acordo com as normas e procedimentos do Anexo 1. É da responsabilidade dos profissionais da vigilância epidemiológica e/ou dos laboratórios centrais ou de referência viabilizar, orientar ou mesmo realizar estas coletas. Os resultados laboratoriais devem ser interpretados com base nas datas de coleta, de aparecimento dos sintomas e da última dose de vacina. Análise dos dados A análise dos dados deve ser realizada rotineiramente, em todos os níveis do sistema (local, municipal, estadual e federal), para identificar duplicidade de casos e informações incorretas. Deve-se buscar responder, pelo menos, às três questões: quando? (distribuição temporal), onde? (distribuição geográfica), e quem? (distribuição segundo atributos pessoais). O cálculo do coeficiente de incidência é fundamental, principalmente para realizar comparações com períodos anteriores (análise de tendência). Essas informações, juntamente com a cobertura vacinal, permitem a avaliação das estratégias de vacinação adotadas e orientam novas medidas, como a intensificação da vacinação em locais de baixa cobertura. Encerramento de casos Após análise das fichas epidemiológicas, os casos deverão ser encerrados em até 30 dias e digitados no Sinan. Relatório final É realizado somente em situações de surto, onde deverão estar relatadas as ações realizadas para o controle do surto. 640 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Rubéola Roteiro de investigação epidemiológica da rubéola Notificação de caso suspeito Investigação Coletar dados clínicos e epidemiológicos Coletar material para sorologia Realizar medidas de controle Identificar novos casos suspeitos Enviar ao laboratório Bloqueio vacinal Identificar ocorrência de surtos Laboratório informa o resultado à secretaria estadual de saúde/ secretaria municipal de saúde Operação limpeza Realizar educação em saúde 6 Identificar área de transmissão Avaliar a cobertura vacinal da área Secretarias municipais e estaduais de saúde encerram o caso, conforme o algoritmo (Anexos 2 e 3) Instrumentos disponíveis para controle R Imunização Recomendações gerais para a vacinação A vacina é a única forma de prevenir a ocorrência da rubéola na população. O risco da doença para indivíduos susceptíveis permanece em função da circulação do vírus entre a população masculina não vacinada em campanhas ou bloqueios, e porque o vírus circula em várias regiões do mundo. É necessário, portanto, manter um alto nível de imunidade na população por meio de coberturas vacinais elevadas, iguais ou superiores a 95%, o que reduz a possibilidade da ocorrência da rubéola em coortes vacinadas. Vacinação na rotina É a atividade realizada de forma contínua na rede de serviços de saúde, em todo o território nacional. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 641 Rubéola No Brasil, atualmente, a vacinação de rotina contra a rubéola é realizada aos 12 meses de vida, utilizando-se a vacina tríplice viral (sarampo, rubéola e cachumba), com um reforço entre os 4-6 anos. Chama-se a atenção para o fato de que quando a vacinação é iniciada e as coberturas não são satisfatórias (<95%) pode haver deslocamento da faixa etária dos casos, com elevados níveis de incidência em adultos e conseqüente aumento do risco da ocorrência de casos de SRC. A vacina tríplice viral também deverá ser aplicada em adolescentes entre 11 e 19 anos, que não tiverem a comprovação de duas doses anteriores. Para a prevenção da SRC faz-se necessária a vacinação de 100% das mulheres em idade fértil. Desse modo, todas as mulheres na faixa de 12 a 39 ano,s ainda não vacinadas, deverão receber uma dose da tríplice dupla viral (sarampo/rubéola) ou nas distintas oportunidades de contato com os serviços de saúde (na rede básica de saúde, maternidades, pós-parto, pós-aborto). Estratégias de vacinação frente a casos suspeitos Diante de uma pessoa com sinais e sintomas, é realizado o bloqueio vacinal para os contatos sem esperar o resultado da sorologia. Na vacinação de bloqueio, utilizar a vacina tríplice viral para a faixa etária de 6 meses a 39 anos, de forma seletiva para homens e mulheres. A dose de vacina tríplice viral aplicada em menores de 1 ano não será considerada dose válida. Neste caso, aos 12 meses a criança deverá ser revacinada com a vacina tríplice viral. Não há garantia de que a vacinação dos comunicantes, após a exposição ao doente, proteja contra a infecção. No entanto, é importante aproveitar a oportunidade da detecção de um caso para vacinar os contatos susceptíveis, principalmente as mulheres em idade fértil. Medidas de controle para um surto de rubéola Após a identificação de um surto de rubéola, atenção especial deve ser dada à detecção da doença nas mulheres em idade fértil, para identificar casos potenciais de SRC. Quando as medidas de controle não são efetivas, o surto de rubéola pode ser prolongado pela incapacidade de conter a propagação da doença. A “operação limpeza”, que é a estratégia de vacinação a ser usada, terá maior ou menor abrangência de acordo com: • a situação epidemiológica; • a cobertura vacinal da área; • a estimativa do número de susceptíveis que possam residir na localidade. A cobertura vacinal da área deve ser cuidadosamente analisada com o objetivo de identificar as micro localidades que concentram as pessoas susceptíveis. Na “operação limpeza”, a vacinação é feita casa a casa (incluindo os estabelecimentos coletivos e as populações institucionalizadas), tanto na zona urbana quanto na rural, com prioridade para as áreas de risco. 642 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Rubéola Todos os profissionais de saúde, em especial os obstetras, neonatologistas e pediatras, devem receber informações sistemáticas sobre: • ocorrência de surtos; • implicações do surto em mulheres grávidas; • definição de casos suspeitos e condutas pertinentes a cada um; • importância da notificação imediata frente à suspeita de rubéola. Quando da ocorrência de um surto, a vigilância da SRC deve continuar por nove meses, no mínimo, desde a ocorrência do último caso notificado de rubéola. Ações de educação em saúde Esclarecer a população, principalmente da área de educação, sobre a doença e a importância de vacinação das crianças e mulheres, com vistas à prevenção da SRC. 6 Estratégias complementares de prevenção Intensificação da vacinação extramuros A intensificação da vacinação compreende, de maneira geral, o desenvolvimento de atividades fora dos serviços de saúde (extramuros). O principal objetivo é eliminar bolsões de susceptíveis, devendo ser realizada sempre que os índices de vacinação estiverem abaixo de 95%. Com isso, assegura-se que nenhum município tenha cobertura vacinal contra o sarampo/rubéola abaixo da meta. A intensificação das atividades consiste, sobretudo, na realização de vacinação casa a casa (incluindo residências e instituições em geral, como, por exemplo, escolas, creches, orfanatos, etc.), alcançando crianças de 12 meses até menores de 12 anos de idade que não foram vacinadas na rotina e nas campanhas de multivacinação e de seguimento, especialmente as que vivem nas áreas urbanas e rurais de difícil acesso e que, geralmente, não são trabalhadas pelos serviços de saúde. R Campanhas de multivacinação As campanhas de multivacinação (que acontecem duas vezes ao ano) são excelentes oportunidades para aumentar as coberturas vacinais. No entanto, quando a meta é controlar a rubéola e eliminar a SRC, não se devem esperar as campanhas para vacinar os susceptíveis. Por ocasião das campanhas de multivacinação são vacinadas as crianças de 12 meses até menores de 12 anos de idade que não foram atingidas pelas atividades de rotina e campanhas de seguimento. Vacinação de grupos de risco Mesmo considerando que as crianças são prioridade das estratégias voltadas à erradicação do sarampo e as mulheres em idade fértil para o controle da rubéola e eliminação Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 643 Rubéola da SRC, um percentual da população permanece susceptível à doença, pois escapou tanto da infecção natural como da vacinação. São os chamados grupos de risco, entre os quais destacam-se: • profissionais e estudantes da área de saúde e educação; • populações institucionalizadas de quartéis, prisões, centros de reclusão de menores, albergues, alojamentos, universidades, etc.; • populações que migram de localidades onde as coberturas vacinais, anteriores e/ou atuais, são baixas; • adolescentes e adultos jovens que viajam para países onde o sarampo é endêmico; • vendedores ambulantes, profissionais do sexo e trabalhadores dos setores hoteleiro e de turismo, bem como de portos, feiras, aeroportos e rodoviárias; Ressalte-se a importância de disponibilizar a vacina às pessoas que chegam ao país, oriundas de locais com ocorrência de rubéola e sarampo. Para prevenir a ocorrência de surtos de rubéola e sarampo entre os adolescentes e adultos jovens que compõem os grupos de risco, faz-se necessário um esforço adicional para vaciná-los. 644 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Rubéola Anexo 1 Normas para procedimentos laboratoriais Fazer o diagnóstico diferencial com base na clínica entre a rubéola e outras doenças exantemáticas é bastante difícil, daí a importância do exame laboratorial para a confirmação do diagnóstico. O diagnóstico laboratorial é realizado por meio do isolamento do vírus ou por métodos sorológicos para detecção de anticorpos específicos, sendo necessário assegurar a coleta da amostra de sangue logo no primeiro atendimento. No caso da gestante que teve contato com pessoa doente de rubéola, a primeira amostra também deve ser coletada no momento do primeiro atendimento. Os anticorpos específicos para o vírus da rubéola aparecem logo após o início da doença. A presença de IgM positivo significa que houve infecção recente, mas geralmente não são mais detectados após 4 a 6 semanas do início do exantema, quando predominam os anticorpos IgG, que usualmente persistem por toda a vida. 6 1. Tipos de exames Ensaio imunoenzimático (EIE) – na maioria dos casos, o ensaio imunoenzimático de captura para IgM anti-rubéola permite o diagnóstico através da realização do exame de uma amostra, coletada durante o comparecimento ao serviço de saúde. Inibição da hemaglutinação (HI) – mais utilizada por ser de baixo custo e simples execução, apresentando também boa sensibilidade e especificidade. Devem ser coletadas duas amostras: a primeira, durante o período exantemático, quando do comparecimento do doente ao serviço de saúde; a segunda, 14 dias a partir da data da coleta da primeira amostra. Outros métodos que podem ser utilizados – EIE para detecção de IgG, aglutinação passiva do látex, hemólise radial e detecção de IgM por hemoabsorção. R Procedimentos Sorologia Coleta – de acordo com o Plano de Controle da Rubéola deverá ser coletada uma amostra de sangue para realização de exame sorológico, visando-se a detecção de anticorpos específicos, na primeira visita do paciente ao serviço de saúde. As amostras deverão ser coletadas nos primeiros 28 dias após o início do exantema. Aquelas coletadas após o 28o dia são consideradas tardias mas mesmo assim devem ser aproveitadas e encaminhadas ao laboratório para realização da pesquisa de IgM. É importante ressaltar que resultados não-reagentes para IgM não descartam a possibilidade de infecção recente pelo vírus da rubéola. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 645 Rubéola Material – o material a ser colhido é o sangue venoso sem anticoagulante, na quantidade de 5 a 10ml. Quando se tratar de criança muito pequena e não for possível coletar o volume estabelecido, obter no mínimo 3ml. Conservação e envio ao Lacen – após a separação do soro, conservar o tubo com o soro sob refrigeração na temperatura de +4ºC a +8ºC, por no máximo 48 horas. Enviar ao laboratório no prazo de dois dias, no máximo, colocando o tubo em embalagem térmica ou caixa de isopor com gelo ou gelox. Caso o soro não possa ser encaminhado ao laboratório no prazo de dois dias (48h), conservá-lo no freezer em uma temperatura de -20ºC até o momento do transporte para o laboratório de referência. O prazo máximo para chegar ao Lacen é de até 5 dias. Interpretação do resultado Rubéola pós-natal (exceto gestantes) Coleta da amostra Até 28 dias Após 28 dias Resultado Classificação do caso IgM (+) Confirmar o caso IgM (-) Descartar o caso IgM (+) Confirmar o caso IgM (-) Embora não se possa afirmar que não houve infecção recente, des cartar o caso Rubéola em gestante sintomática Coleta da amostra Do 1º ao 4º dia Resultado IgM (+) IgM (-) Realizar pesquisa de IgG IgG (+) IgG (-) Do 5º ao 28º dia IgM (+) IgM (-) IgM (+) Após 28 dias 646 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Classificação do caso Confirmar o caso Descartar o caso Colher 2ª amostra após 7 a 21 dias da 1ª Confirmar o caso – acompanhar Descartar o caso Confirmar o caso IgM (-) Não se pode afirmar que não houve infecção, realizar IgG IgG (+) Confirmar o caso IgG (-) Descartar o caso Rubéola Gestante assintomática por contato de rubéola Coleta da amostra Até 27 dias Resultado Classificação do caso IgM (+) Acompanhar – recém-nascido suspeito de SRC IgM (-) Realizar pesquisa de IgG IgG (+) Gestante não-susceptível IgG (-) Colher 2ª amostra entre a 4ª e 6ª semanas (29 a 42 dias) após o contato 2ª amostra Entre 28 e 42 dias IgM (+) Acompanhar – recém-nascido suspeito de SRC IgM (-) Vacinar após o parto IgM (+) Acompanhar – recém-nascido suspeito de SRC IgM (-) Realizar pesquisa de IgG IgM (+) Acompanhar – recém-nascido suspeito de SRC IgM (-) Após 42 dias IgG (+) IgG (-) Realizar pesquisa de IgG 6 Não se pode afirmar que houve infecção Acompanhar – recém-nascido suspeito de SRC Vacinar após o parto Isolamento viral – o vírus da rubéola pode ser isolado a partir das secreções nasofaríngeas. Este procedimento é recomendado na ocorrência de surtos ou epidemias já confirmados por laboratório. Coletar de 5 a 10 espécimes por surto, numa determinada área geográfica, não necessitando realizar a coleta de todos os casos suspeitos de rubéola. Todo espécime clínico coletado deve ser encaminhado ao laboratório central do estado (Lacen), para o processamento inicial da amostra. Cabe a este Lacen o encaminhamento ao Centro de Referência Nacional para Sarampo/Rubéola, na Fiocruz/RJ. Quanto mais perto do início do exantema a amostra for coletada e quanto mais rápido chegar ao laboratório de referência nacional (Fiocruz/RJ), maiores serão as possibilidades de isolamento do vírus, que tem por objetivos: • identificar o padrão genético do vírus circulante no país; • diferenciar, dos casos importados, os casos autóctones de rubéola; • diferenciar o vírus selvagem do vírus vacinal. R Critérios para a coleta de espécimes para isolamento – a coleta dos espécimes clínicos para isolamento viral deve ser priorizada nas seguintes situações: • em todos os municípios com ocorrência de surtos de rubéola, independente da distância do laboratório central estadual; • obedecer ao critério de 5 a 10 casos suspeitos por área geográfica, em situações de surtos ou epidemias. Período para coleta dos espécimes clínicos – as amostras dos espécimes clínicos, ou seja, de secreções nasofaríngeas, devem ser coletadas até o 5° dia a partir do aparecimento Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 647 Rubéola do exantema (preferencialmente, nos primeiros três dias; em casos esporádicos, para que não se perca a oportunidade de recolher amostras clínicas para o isolamento viral, o período pode ser estendido em até 7 dias após o início do exantema). Quantidade, coleta, encaminhamento e processamento de secreção nasofaríngea (SNF) – deve ser coletado o máximo possível de SNF, por meio da técnica de swab ou aspiração. A SNF, o melhor material para o isolamento do vírus da rubéola, pode ser coletada: • Com uma sonda nasal conectada a uma seringa, instilar no nariz do paciente de 3 a 5ml de solução salina: ❯ aspirar a maior quantidade possível de material; ❯ colocar em tubo contendo meio DMEM específico fornecido pelo laboratório. ❯ caso não se disponha do meio, colocar o material aspirado com a salina em um tubo. • Coletar com uma sonda acoplada a um equipo de soro, com ajuda de um vácuo (hospitais têm vácuo na parede). Este material pode permanecer no próprio equipo. • Swabs: ❯ Coletar 3 amostras de swab, uma amostra de cada narina e uma da garganta, com o uso de fricção para obter as células de mucosa, uma vez que o vírus está estreitamente associado às células. Colocar os 3 swabs em um tubo contendo 3ml de meio (Earle, Dulbecco, Salina, etc., fornecido pelo laboratório). ❯ A SNF e os swabs no tubo com meio podem ser conservados em geladeira por 24 a 48 horas. Não devem ser congelados. ❯ Enviar em gelo reciclável ao Lacen. ❯ Para conservar e transportar a SNF devem ser adotados os seguintes cuidados: no Lacen, colocar a SNF em freezer a -70ºC; ❯ Encaminhar a amostra para o Centro de Referência Nacional para Sarampo/Rubéola, na Fiocruz/RJ, em isopor com gelo seco. 648 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Rubéola Anexo 2 Diagnóstico laboratorial – Rubéola pós-natal Amostra coletada entre o 1º e 28º dias após o início do exantema IgM negativa Caso descartado por laboratório IgM positiva Caso confirmado por laboratório IgM negativa Caso descartado por amostras tardias com IgM negativa IgM positiva Caso confirmado por laboratório Amostra coletada após o 28º dia do início do exantema 6 R Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 649 Rubéola Anexo 3 Diagnóstico laboratorial – Rubéola em gestante sintomática Amostra coletada entre o 1º e o 4º dias após o início do exantema Amostra coletada entre o 5º e o 28º dias após o início do exantema Amostra coletada após o 28º dia do exantema IgM negativa Secretaria de Vigilância em Saúde / MS IgG positiva Caso descartado IgG negativa Colher 2ª amostra Pesquisar IgG IgM positiva Caso confirmado IgM negativa Caso descartado IgM positiva Caso confirmado IgM negativa 650 Caso confirmado IgM positiva IgG positiva Caso confirmado por amostra tardia com IgM negativa IgG negativa Caso descartado Pesquisar IgG Rubéola Diagnóstico laboratorial – Gestante assintomática que teve contato com caso confirmado ou suspeito de rubéola 1ª amostra Até 28 dias após a exposição Entre 29 e 42 dias após a exposição IgM negativa IgM positiva Após o 42º dia pós-exposição IgM negativa IgM positiva 6 Pesquisar IgG Pesquisar IgG IgG positiva IgG negativa IgG positiva IgG negativa** Coletar amostra de 28 a 42 dias após exposição para pesquisa de IgM IgM negativa** IgM positiva R Caso confirmado* Caso descartado *Se a gestante assintomática é classificada como caso confirmado, fazer a investigação do recém-nascido que é considerado caso suspeito de síndrome da rubéola congênita. **Se a gestante apresentar IgG negativo, sem outra evidência de infecção (IgM positiva na 2a amostra), será necessária a vacinação pós-parto. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 651 Sarampo SARAMPO CID 10: B05 Características clínicas e epidemiológicas Descrição O sarampo é uma doença infecciosa aguda, de natureza viral, grave, transmissível e extremamente contagiosa. A viremia causada pela infecção provoca uma vasculite generalizada, responsável pelo aparecimento das diversas manifestações clínicas, inclusive pelas perdas consideráveis de eletrólitos e proteínas, gerando o quadro espoliante característico da infecção. Além disso, as complicações infecciosas contribuem para a gravidade do sarampo, particularmente em crianças desnutridas e menores de 1 ano. Agente etiológico O vírus do sarampo pertence ao gênero Morbillivirus, família Paramyxoviridae. Reservatório e fonte de infecção O homem é o único hospedeiro natural conhecido. Modo de transmissão É transmitido diretamente de pessoa a pessoa, através das secreções nasofaríngeas expelidas ao tossir, espirrar, falar ou respirar. Essa forma de transmissão é responsável pela elevada contagiosidade da doença. Tem sido também descrito o contágio por dispersão de gotículas com partículas virais no ar, em ambientes fechados como escolas, creches e clínicas. Período de transmissibilidade Ocorre entre 4 a 6 dias antes do aparecimento do exantema, e até 4 dias após. O período de maior transmissibilidade é o de 2 dias antes e 2 dias após o início do exantema. O vírus vacinal não é transmissível. Período de incubação Geralmente, de 10 dias (variando de 7 a 18 dias), desde a data da exposição até o aparecimento da febre, e cerca de 14 dias até o início do exantema. Susceptibilidade e imunidade A susceptibilidade ao vírus do sarampo é geral. Os lactentes cujas mães já tiveram sarampo ou foram vacinadas possuem, temporariamente, anticorpos transmitidos por via placentária, conferindo imunidade provisória à doença, geralmente até os 9 meses de idade, o 652 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sarampo que interfere na resposta à vacina se administrada neste período. Chama a atenção o fato de que a queda dos níveis desses anticorpos já se faz de maneira acentuada aos 6 meses de vida, o que, em situação de bloqueio vacinal, justifica a vacinação de crianças a partir desta idade. A imunidade ativa é adquirida por meio da infecção natural ou pela vacinação. Após a infecção natural, a imunidade é duradoura. A imunidade “de grupo” é obtida com 95% de cobertura vacinal, no mínimo. Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas Caracteriza-se por febre alta, acima de 38ºC, exantema maculopapular generalizado, tosse, coriza, conjuntivite e manchas de Koplik (pequenos pontos brancos que aparecem na mucosa bucal, antecedendo ao exantema). 6 Período de infecção – dura cerca de sete dias, iniciando com o período prodrômico, onde surge febre acompanhada de tosse produtiva, coriza, conjuntivite e fotofobia. Do 2° ao 4° dia desse período surge o exantema, quando acentuam-se os sintomas iniciais: o paciente fica prostrado e aparecem as lesões características do sarampo, como exantema cutâneo máculo-papular de coloração vermelha, iniciando na região retroauricular. Remissão – caracteriza-se pela diminuição dos sintomas, principalmente pelo declínio da febre. O exantema torna-se escurecido e, em alguns casos, surge descamação fina, lembrando farinha, daí o nome de furfurácea. Período toxêmico – o sarampo é uma doença que compromete a resistência do hospedeiro, facilitando a ocorrência de superinfecção viral ou bacteriana. Por isso são freqüentes as complicações, principalmente nas crianças até dois anos de idade, em especial as desnutridas, e adultos jovens. A ocorrência de febre por mais de três dias após o aparecimento do exantema é um sinal de alerta, indicando o aparecimento de complicações. As mais comuns são: • infecções respiratórias; • desnutrição; • doenças diarréicas; • doenças neurológicas. S Geralmente, as complicações sistêmicas se instalam durante o período exantemático, embora a encefalite possa aparecer após o 20º dia. Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial do sarampo deve ser realizado com as doenças exantemáticas febris agudas. Dentre as quais destacam-se: rubéola, eritema infeccioso (parvovírus Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 653 Sarampo B19), exantema súbito (roséola infantum – herpes vírus 6), dengue, enteroviroses e ricketioses. Rubéola – doença de natureza viral que, em geral, apresenta-se com pródromos somente em crianças. O exantema é róseo, discreto e, excepcionalmente, confluente, com máxima intensidade no segundo dia, desaparecendo até o sexto dia, sem descamação. Há presença de linfadenopatia, principalmente retroauricular e occipital. Eritema infeccioso (parvovírus B19) – caracterizado por exantema, febre, adenopatia, artralgia e dores musculares, acometendo principalmente as crianças de 4 a 14 anos de idade, sendo moderadamente contagiosa. O exantema surge, em geral, sete dias após os primeiros sinais e sintomas, caracterizando-se por três estágios: estágio 1: face eritematosa, conhecida como “aparência de bochecha esbofeteada”; estágio 2: surge um a quatro dias após o estágio 1, caracterizado como exantema maculopapular, distribuído simetricamente no tronco e nas extremidades, podendo ser acompanhado de prurido; estágio 3: mudança de intensidade no rash, com duração de uma ou mais semanas, exarcebado por exposição ao sol ou fatores emocionais. Exantema súbito (roséola infantum) – doença de natureza viral provocada pelo herpes vírus 6, acometendo principalmente os menores de 5 anos. O paciente apresenta 3 a 4 dias de febre alta e irritabilidade, podendo ocorrer convulsões. O exantema é semelhante ao da rubéola e pode durar apenas horas. Inicia-se, caracteristicamente, no tronco, após o desaparecimento da febre, e não há descamação. Dengue – caracteriza-se por início súbito, com febre, cefaléia intensa, mialgias, artralgias, dor retroorbital e dor abdominal difusa. Alguns casos podem cursar também com erupção maculopapular generalizada, que aparece freqüentemente com o declínio da febre. É também uma doença de natureza viral. Enteroviroses (coxsackioses e echoviroses) e ricketioses – para o diagnóstico diferencial das enteroviroses considerar, no caso de infecção pelo vírus echo, que o período prodômico dura de três a quatro dias com a ocorrência de febre. Não existem pródromos quando se trata de vírus coxsackie. O exantema pode manifestar-se de várias formas, predominando o maculopapular discreto. São mais freqüentes em crianças de baixa idade, na maioria dos casos acometendo a região palmo-plantar e não provocando descamação. Diagnóstico laboratorial É realizado mediante detecção de anticorpos IgM no sangue na fase aguda da doença, desde os primeiros dias até quatro semanas após o aparecimento do exantema. Os anticorpos específicos da classe IgG podem eventualmente aparecer na fase aguda da doença e geralmente são detectados durante muitos anos após a infecção. Técnicas de diagnóstico laboratorial Para detecção de anticorpos podem ser utilizadas as seguintes técnicas: • ensaio imunoenzimático (EIE/Elisa) para dosagem de IgM e IgG; 654 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sarampo • inibição de hemaglutinação (HI) para dosagem de anticorpos totais; • imunofluorescência para dosagem de IgM e IgG; • neutralização em placas. Todos os testes têm sensibilidade e especificidade entre 85% a 98%. No Brasil, a rede laboratorial de saúde pública de referência para o sarampo utiliza a técnica de Elisa para a detecção de IgM e IgG. Número de amostras A amostra de sangue do caso suspeito deve ser colhida, sempre que possível, no primeiro atendimento ao paciente. São consideradas amostras oportunas (S1) as coletadas entre o 1º e o 28º dias do aparecimento do exantema. Mesmo que a coleta seja tardia (após o 28º dia) ainda assim deve ser enviada ao laboratório. Os resultados IgM positivo ou indeterminado, independente da suspeita clínica inicial, devem ser comunicados imediatamente à vigilância epidemiológica estadual, para a realização da reinvestigação e coleta da segunda amostra de sangue. A realização desta segunda coleta (S2) é obrigatória e imprescindível para a classificação final desses casos e deverá ser realizada entre 2 a 3 semanas após a data da primeira coleta. Os procedimentos laboratoriais estão descritos no Anexo 1. 6 Isolamento viral O vírus do sarampo pode ser isolado da urina, das secreções nasofaríngeas, do sangue, do liquor cérebro-espinhal ou de tecidos do corpo. Este isolamento objetiva identificar o genoma do vírus circulante no país, o que permite diferenciar os casos autóctones dos casos importados e o vírus selvagem do vírus vacinal. Período para coleta As amostras dos espécimes clínicos (urina, secreções nasofaríngeas ou sangue total) devem ser coletadas até o 5º dia a partir do início do exantema, preferencialmente nos 3 primeiros dias. Em casos esporádicos, para não se perder a oportunidade de colher amostra de urina para o isolamento viral, o período pode ser estendido em até 7 dias após a data de início do exantema. S Critérios para a coleta de espécimes para isolamento • Em presença de surto de sarampo, independente da distância do laboratório central. • Casos importados, independente do país de origem. • Em todos os casos com resultado laboratorial IgM positivo ou indeterminado para o sarampo, independente da suspeita clínica inicial, observando-se o período de coleta adequado. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 655 Sarampo Tratamento Não existe tratamento específico para a infecção por sarampo. O tratamento profilático com antibiótico é contra-indicado. É recomendável a administração da vitamina A em crianças acometidas pela doença, a fim de reduzir a ocorrência de casos graves e fatais. A OMS recomenda administrar a vitamina A para todas as crianças, no mesmo dia do diagnóstico do sarampo, nas seguintes dosagens: Menores de seis meses de idade – 50 mil UI (unidades internacionais): • uma dose, em aerossol, no dia do diagnóstico; • outra dose no dia seguinte. Entre 6 e 12 meses de idade – 100 mil UI: • uma dose, em aerossol, no dia do diagnóstico; • outra dose no dia seguinte. Maiores de 12 meses de idade – 200 mil UI: • uma dose, em aerossol ou cápsula, no dia do diagnóstico; • outra dose no dia seguinte. Para os casos não complicados, manter a hidratação, o suporte nutricional e diminuir a hipertermia. Muitas crianças necessitam de quatro a oito semanas para recuperar o estado nutricional que apresentavam antes da doença. Complicações como diarréia, pneumonia e otite média devem ser tratadas de acordo com normas e procedimentos estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Aspectos epidemiológicos O sarampo é uma das principais causas de morbimortalidade entre menores de cinco anos, sobretudo os desnutridos e os que vivem nos países de menor desenvolvimento econômico. É uma doença de distribuição universal que apresenta variação sazonal. Nos climas temperados, observa-se aumento da incidência no período compreendido entre o final do inverno e o início da primavera; nos climas tropicais, a transmissão parece aumentar depois da estação chuvosa. O comportamento endêmico-epidêmico do sarampo varia de um local para outro e depende basicamente da relação entre o grau de imunidade e a susceptibilidade da população, bem como da circulação do vírus na área. Nos locais onde as coberturas vacinais não são homogêneas e estão abaixo de 95%, a doença tende a comportar-se de forma endêmica, com a ocorrência de epidemias a cada dois ou três anos, aproximadamente. Na zona rural, a doença apresenta-se com intervalos cíclicos mais longos. O sarampo afeta igualmente ambos os sexos. Sua incidência, evolução clínica e letalidade são influenciadas pelas condições socioeconômicas e estado nutricional e imunitário do doente. Elevadas densidades demográficas e condições que favorecem a aglomeração em lugares públicos e em habitações de tamanho inadequado para o grupo familiar são fatores 656 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sarampo que modulam o processo de transmissão da doença em situações de circulação viral e existência de grupos de susceptíveis. Atualmente, nos países que conseguem manter altos níveis de cobertura vacinal, a incidência da doença é reduzida, ocorrendo em períodos de cinco a sete anos. No entanto, quando os susceptíveis vão se acumulando e chegam a um quantitativo suficiente para sustentar uma transmissão ampla, podem ocorrer surtos explosivos que também afetam, escolares, adolescentes e adultos jovens. No Brasil, o sarampo é doença de notificação compulsória desde 1968. Até 1991, o país enfrentou nove epidemias, uma a cada dois anos, em média. O maior número de casos notificados foi registrado em 1986 (129.942), representando um coeficiente de incidência de 97,7 por 100 mil habitantes (Figura 1). Até o início da década de 90, a faixa etária mais atingida foi a de menores de 15 anos. Até o final dos anos 70 esta virose era uma das principais causas de óbito dentre as doenças infectocontagiosas, sobretudo em menores de cinco anos, em decorrência de complicações, especialmente a pneumonia. Na década de 80, ocorreu um declínio gradativo no registro de óbitos por esta doença, passando para 15.638 mortes. Essa redução foi atribuída ao aumento da cobertura vacinal e à melhoria da assistência médica ofertada às crianças com complicações pós-sarampo. Na década de 90 ocorreram 822 óbitos por sarampo, ou seja, uma redução de cerca de 95% dos registrados na década anterior (Figura 2). Em 1997, após um período de 4 anos de controle, o país experimentou o ressurgimento do sarampo com um surto iniciado na cidade de S. Paulo e propagado para outras unidades da Federação. Com a adoção do Plano de Ação Suplementar de Emergência contra o Sarampo, em 1999, foi criado um grupo tarefa para atuar junto à vigilância epidemiológica de cada estado, o que propiciou a implementação das ações de vigilância e controle da doença, viabilizando o alcance da meta de erradicação de sua transmissão autóctone. Em 1999, dos 10.007 casos suspeitos de sarampo notificados, 908 (8,9%) foram confirmados, sendo 378 (42%) por laboratório. Dos 8.358 casos suspeitos de sarampo notificados em 2000, 36 (0,4%) foram confirmados, dos quais 30 (83%) por laboratório. Neste mesmo ano, 92% dos casos descartados tiveram por base testes laboratoriais. O último surto de sarampo ocorreu em fevereiro de 2000, com 15 casos. Nos anos de 2001 a 2003 foram confirmados quatro casos de sarampo (dois casos importados do Japão e dois importados da Europa). Atualmente, não existe evidência de transmissão autóctone de sarampo no Brasil, sendo importante a manutenção da sensisibilidade e especificidade atual do sistema de vigilância epidemiológica desta doença, com vistas à detecção oportuna de casos importados e a adoção imediata de todas as medidas de controle pertinentes ao caso. Para que a população brasileira continue efetivamente livre do sarampo, é imprescindível a manutenção de coberturas vacinais minimamente adequadas para impedir a formação de um estoque de susceptíveis. Isto significa a obtenção de níveis de cobertura de 95% em todos os municípios do país, atentando-se para que esta homogeneidade de cobertura também seja alcançada em todas as localidades dos mesmos. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 6 S 657 Sarampo Figura 1. Incidência de sarampo e cobertura vacinal em menores de 1 ano (até 2001) e de 1 ano (a partir de 2002), com a vacina tríplice viral. Brasil, 1980-2003 Incidência/100 mil Cobertura (%) 100 100 90 90 80 80 70 70 60 60 50 50 40 40 30 30 20 20 10 10 0 0 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 Incidência Cobertura Fonte: CGDT/CGPNI/Devep/SVS/MS Figura 2. Coeficiente de mortalidade e letalidade por sarampo. Brasil, 1977-2000 Letalidade (%) Óbitos/100 mil hab. 3 6 2,7 5,4 2,4 4,8 2,1 4,2 1,8 3,6 1,5 3 1,2 2,4 0,9 1,8 0,6 1,2 0,3 0,6 0 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 Coef. mortalidade Fonte: CGDT/Devep/SVS/MS 658 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Letalidade 0 Sarampo Vigilância epidemiológica Objetivos Consolidar a erradicação do sarampo através de uma vigilância epidemiológica sensível, ativa e oportuna, permitindo a identificação e notificação imediata de todo e qualquer caso suspeito na população, para a adoção das medidas de prevenção e controle pertinentes, bem como monitorar as demais condições de risco. Definição de caso Suspeito Todo paciente que, independente da idade e situação vacinal, apresentar febre e exantema maculopapular, acompanhados de um ou mais dos seguintes sinais e sintomas: tosse, coriza e conjuntivite. 6 Confirmado Todo caso suspeito comprovado como caso de sarampo a partir de, pelo menos, um dos critérios a seguir detalhados: Laboratorial – caso suspeito cujo exame laboratorial teve como resultado “reagente” ou “positivo para IgM”, e a análise clínica epidemiológica indica a confirmação do sarampo (Algoritmo, Anexo 2). Observação: tendo em vista o momento atual do processo de erradicação do sarampo, todos os casos com IgM positivo, reagente ou indeterminado para o sarampo devem ser analisados conjuntamente pela SES e pela Cover/CGDT/Devep/SVS/MS. Vínculo epidemiológico – caso suspeito, contato de um ou mais casos de sarampo confirmados pelo laboratório, que apresentou os primeiros sintomas da doença entre 7 a 18 dias da exposição ao caso confirmado. Observação: considera-se também confirmação por vínculo epidemiológico todo caso suspeito cujo exame laboratorial teve como resultado “não-reagente” ou “negativo para IgM” em amostra colhida entre o 1º e o 3º dia a partir do aparecimento do exantema, com história de exposição a um ou mais casos de sarampo confirmados pelo laboratório (esta exposição deve ter ocorrido dentro de um período de sete a 18 dias antes do aparecimento dos sinais e sintomas). S Clínico – caso suspeito de sarampo que: • pela avaliação clínica apresente sinais e sintomas compatíveis com a definição de caso suspeito, porém sem a obtenção de amostras de sangue para a realização de sorologia; • não foi investigado; • evoluiu para óbito sem a realização de qualquer exame laboratorial. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 659 Sarampo A confirmação de casos de sarampo pelo critério clínico representa falha do sistema de vigilância epidemiológica. Descartado Todo paciente considerado como caso suspeito e que não foi comprovado como caso de sarampo, de acordo com os critérios assim definidos: Laboratorial • Caso suspeito de sarampo cujo exame laboratorial teve como resultado “não-reao gente” ou “negativo para IgM”, em amostra oportuna, ou seja, colhida até o 28 dia do aparecimento do exantema. • Caso suspeito de sarampo cujo exame laboratorial teve como resultado outra doença (Anexo 2). • Caso suspeito de sarampo cuja análise dos resultados da sorologia em duas amostras pareadas não evidencia soroconversão dos anticorpos IgG. Vínculo epidemiológico • Caso suspeito de sarampo que tiver como fonte de infecção um ou mais casos descartados pelo critério laboratorial. • Quando na localidade estiver ocorrendo surto ou epidemia de outras doenças exantemáticas febris, comprovadas pelo diagnóstico laboratorial; nessa situação, os casos devem ser criteriosamente analisados antes de serem descartados e a provável fonte de infecção deve ser especificada. Clínico Caso suspeito de sarampo em que não houve coleta de amostra para exame laboratorial mas a avaliação clínica e epidemiológica detectou sinais e sintomas compatíveis com diagnóstico diferente do sarampo. O descarte clínico do sarampo representa falha do sistema de vigilância epidemiológica. Critérios para o descarte de casos suspeitos de sarampo associados temporalmente a eventos adversos à vacina Sem coleta de amostra – quando a avaliação clínica e epidemiológica indicou associação temporal entre a data do início dos sintomas e a data do recebimento da última dose da vacina com o componente contra o sarampo, que se enquadre nas especificações abaixo: • febre com temperatura que pode chegar a 39ºC ou mais, com início entre o 5º e 12º dias após a vacinação e duração média de um a dois dias, podendo chegar até cinco dias; • exantema – cerca de 5% das pessoas que recebem a vacina pela primeira vez poderão apresentar exantema com início no 7º ao 10º dia após a vacinação, que dura de dois a quatro dias; 660 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sarampo • cefaléia ocasional, irritabilidade, conjuntivite ou manifestações catarrais observadas entre o 5º e o 12º dia após a vacinação. Com coleta de amostra – IgM positivo associado temporalmente à vacina, cuja coleta de sangue ocorreu entre 8 a 56 dias após a vacinação. Classificação dos casos confirmados de sarampo, de acordo com a fonte de infecção Caso importado – caso cuja exposição ocorreu fora do continente americano durante os 14 a 23 dias prévios ao surgimento do exantema, de acordo com a análise dos dados epidemiológicos e/ou virológicos. A confirmação deve ser laboratorial e a coleta de espécimes clínicas (urina ou secreção de nasofaringe) para isolamento viral deve ser realizada no primeiro contato com o paciente. Caso relacionado com importação – infecção contraída localmente, que ocorre como parte de uma cadeia de transmissão originada por um caso importado, de acordo com a análise dos dados epidemiológicos e/ou virológicos. Caso com origem de infeçcção desconhecida – caso em que não foi possível estabelecer a origem da fonte de infecção, após investigação epidemiológica minuciosa. Caso índice – primeiro caso ocorrido entre os vários casos de natureza similar e epidemiologicamente relacionados, sendo a fonte de infecção no território nacional. A confirmação deve ser laboratorial e a coleta de espécimes clínicos (urina ou swab de nasofaringe) para isolamento viral deve ser realizada no primeiro contato com o paciente. Caso secundário – caso novo de sarampo surgido a partir do contato com o caso índice. A confirmação deve ser laboratorial e a coleta de espécimes clínicas (urina ou secreção de nasofaringe) para isolamento viral deve ser realizada no primeiro contato com o paciente. Caso autóctone – caso novo ou contato de um caso secundário de sarampo, após a introdução do vírus no país. A confirmação deve ser laboratorial e a coleta de espécimes clínicas (urina ou secreção de nasofaringe) para isolamento viral deve ser realizada no primeiro contato com o paciente. 6 S Notificação A notificação do sarampo é obrigatória e imediata. Deve ser realizada por telefone à secretaria municipal de saúde, dentro das primeiras 24 horas a partir do atendimento do paciente. O caso deve ser notificado à secretaria estadual de saúde por telefone, fax ou email, para acompanhamento junto ao município. Considerando a alta infectividade e contagiosidade da doença, todos os profissionais dos serviços públicos e privados, principalmente os médicos pediatras, clínicos, infectologistas, enfermeiros e laboratoristas, devem notificar, de imediato, todo caso suspeito de sarampo. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 661 Sarampo Observação: para efeito de acompanhamento pelo nível nacional, todos os casos suspeitos provenientes de áreas com circulação endêmica ou epidêmica do vírus do sarampo devem também ser imediatamente comunicados à Secretaria de Vigilância em Saúde/MS. Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente Geralmente ocorre em unidades básicas de saúde. A hospitalização é necessária quando há infecção bacteriana (complicações) e em indivíduos imunocomprometidos, principalmente crianças desnutridas. Definição de caso suspeito Toda pessoa com febre e exantema, acompanhadas de tosse e/ou coriza e/ou conjuntivite, independemente da idade ou situação vacinal Suspeitar de sarampo Notificar à secretaria municipal de saúde Investigar em até 48 horas Coletar sangue para sorologia no primeiro contato com o paciente Notificar a Secretaria de Vigilância em Saúde se proveniente de área de circulação endêmica ou epidêmica do vírus Vacinação de bloqueio Vacinar os contatos susceptíveis Qualidade da assistência Os casos deverão ser atendidos na rede de serviços de saúde. Os profissionais devem ser orientados sobre os procedimentos frente a um caso de sarampo. A hospitalização só se faz necessária em situações graves. Proteção individual para evitar circulação viral No plano individual, o isolamento domiciliar ou hospitalar dos casos consegue diminuir a intensidade da transmissão. Deve-se evitar, principalmente, a freqüência às escolas ou creches, agrupamentos ou qualquer contato com pessoas susceptíveis, até 4 dias após o início do período exantemático. O impacto do isolamento dos doentes é relativo porque o período prodrômico da doença já apresenta elevada transmissibilidade do vírus e, em geral, não é possível isolar os doentes a não ser no período exantemático. Portanto, a vigilância dos contatos deve ser necessariamente realizada por um período de 21 dias. 662 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sarampo Como o risco de transmissão intra-hospitalar é muito alto, deve ser feita a vacinação seletiva de todos os pacientes e profissionais do setor de internação do caso suspeito de sarampo e, dependendo da situação, de todos os profissionais do hospital. Pacientes internados devem ser submetidos a isolamento respiratório, até 4 dias após o início do exantema. Confirmação diagnóstica De acordo com as orientações constantes do tópico Diagnóstico diferencial e dos Anexos 1 e 2. Proteção da população A principal medida de controle do sarampo é a vacinação dos susceptíveis, que inclui vacinação de rotina na rede básica de saúde, bloqueio vacinal, intensificação e campanhas de vacinação de seguimento. Ressalte-se que a cada caso suspeito notificado a ação de bloqueio vacinal deve ser desencadeada imediatamente e uma extensa busca ativa de novos casos suspeitos e susceptíveis deve ser realizada. A faixa etária prioritária para as ações de bloqueio vacinal é a de 6 meses a 39 anos, mas sua redução ou ampliação deve ser avaliada de acordo com a situação epidemiológica apresentada na localidade. A investigação epidemiológica, principalmente através da busca ativa de casos, leva a um melhor controle da doença. Devem ser organizadas ações de esclarecimento à população, utilizando os meios de comunicação de massa, visitas domiciliares e palestras nas comunidades, bem como conhecimentos sobre o ciclo de transmissão da doença, gravidade, vacinação e esclarecimentos da situação de risco veiculados. 6 Investigação A investigação do caso suspeito de sarampo deve ser realizada pela equipe municipal, objetivando de adotar medidas de controle frente a um ou mais casos, surtos e epidemias, e coleta dos dados que permitirão analisar a situação epidemiológica. As informações obtidas na investigação epidemiológica deverão responder às perguntas básicas da análise epidemiológica, ou seja: quem foi afetado, quando ocorreram os casos e onde se localizam. A partir dessas informações serão desencadeadas as condutas adequadas. Todos os casos suspeitos de sarampo devem ser investigados no prazo máximo de 48 horas após a notificação. S Roteiro da investigação epidemiológica Identificação do paciente Preencher todos os campos da ficha de notificação individual e investigação epidemiológica do Sinan relativos aos dados gerais, individuais e de residência. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 663 Sarampo Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Para confirmar a suspeita diagnóstica Na investigação, todas as informações necessárias à verificação do diagnóstico do caso devem ser coletadas, especialmente os dados sobre a situação clínica e epidemiológica do caso suspeito. A investigação, de forma geral, é iniciada no domicílio do caso suspeito de sarampo, por meio da visita domiciliar feita especialmente para: • completar as informações sobre o quadro clínico apresentado pelo caso suspeito; • confirmar a situação vacinal do caso suspeito e seus contatos familiares, sociais e profissionais, mediante verificação do cartão de vacinação; • estabelecer um prazo entre sete e 18 dias para realizar a revisita, a fim de detectar a ocorrência de complicações e/ou o surgimento de novos casos; • acompanhar a evolução do caso; • confirmar ou descartar o caso. Para identificar a área de transmissão A investigação na comunidade visa verificar a ocorrência de outros casos suspeitos não notificados. Essa investigação é realizada, principalmente, em torno da área de residência e convivência do caso suspeito, ou seja, na vizinhança, local de trabalho, escola, creche, igrejas, e outros locais também freqüentados pelo paciente, nos últimos sete a 18 dias. Na investigação deve-se: • coletar dados que permitam analisar a situação epidemiológica, respondendo às perguntas básicas: quem foi afetado? quando e como ocorreram os casos? onde se localizam?; • preencher a ficha de investigação individual específica para o sarampo e rubéola, registrando corretamente todos os dados e colocando o mesmo número da ficha de notificação individual; • colher uma amostra de sangue para o diagnóstico laboratorial. Caso a amostra não tenha sido colhida no serviço de saúde que fez a notificação, identificar a provável fonte de infecção; • avaliar a cobertura vacinal da área; • verificar se estão ocorrendo surtos em outras áreas; • tomar decisões quanto às medidas de controle da doença, ou seja, definir e orientar a equipe do serviço de saúde sobre a estratégia de vacinação a ser adotada; • orientar a comunidade sobre a necessidade de comunicar aos serviços de saúde o surgimento de pessoas com sinais e sintomas de sarampo. Para determinação da extensão da área de transmissão Busca ativa dos casos: a partir da notificação de um caso suspeito de sarampo, fazer a busca ativa durante a atividade de investigação do caso, numa determinada área geográfica, a fim de detectar outros possíveis casos, mediante: 664 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sarampo • visitas às residências, creches, colégios, centros de saúde, hospitais, farmácias, quartéis, etc.; • contatos com médicos, líderes comunitários e pessoas que exercem práticas alternativas de saúde (curandeiros, benzedeiras); • visitas periódicas aos serviços de saúde que atendam doenças exantemáticas febris na área, particularmente se os mesmos não vêm notificando casos suspeitos; • visitas a laboratórios da rede pública ou privada, objetivando verificar se foram realizados exames para a detecção de sarampo, rubéola ou outro quadro semelhante e que não tenham sido notificados. Coleta e remessa de material para exames Em todo caso suspeito de sarampo, deverão ser colhidos espécimes clínicos para sorologia, de acordo com o constante no tópico Diagnóstico diferencial e Anexo 2. 6 Análise de dados Em cada nível do SUS (municipal, estadual e federal) devem ser realizadas análises periódicas dos dados epidemiológicos coletados, da forma mais padronizada possível, abrangendo, conforme já referido, a distribuição temporal, a localização espacial e a distribuição segundo atributos pessoais. Distribuição temporal (quando?) – a análise temporal considera a distribuição do número de casos notificados e confirmados (segundo critério laboratorial, vínculo epidemiológico e clínico) de acordo com o intervalo de tempo como, por exemplo, semana epidemiológica, mês ou ano. Também devem ser calculados os coeficientes de incidência e mortalidade mensais e anuais, conforme a situação epidemiológica vigente, para verificação da tendência da doença na população. A distribuição no tempo é um dado essencial para o adequado acompanhamento do aumento ou redução da ocorrência de casos na população e para o estabelecimento da variação sazonal da doença. S Localização espacial (onde?) – a análise da situação, segundo a localização dos casos, permite o conhecimento da área geográfica de ocorrência que pode ser melhor visualizada, assinalando-os com cores diferentes em um mapa, destacando: • local de residência dos casos (rua, bairro, distrito, município, estado, país); • local onde o caso permaneceu por mais tempo (escola, creche, alojamento, canteiro de obra, quartéis, entre outros); • zona de residência/permanência (urbana, rural); • as áreas que concentram elevado número de susceptíveis. Distribuição segundo atributos pessoais (quem?) – a análise da distribuição segundo atributos pessoais permite conhecer o perfil da população que está sendo acometida e se o comportamento da doença apresenta fatores distintos que indicam mudanças em seu perfil, como, por exemplo, o deslocamento da faixa etária. Para isso, é importante considerar: Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 665 Sarampo • • • • a distribuição dos casos confirmados por faixa etária; a história vacinal dos casos confirmados, segundo número de doses recebidas; histórias de deslocamento; outros atributos, tais como: ocupação, escolaridade, etc. Encerramento de casos Por se tratar de doença em processo de erradicação, os casos deverão ser encerrados no Sinan, no prazo de até 30 dias após a notificação. Roteiro de investigação epidemiológica do sarampo Notificação de caso suspeito Investigação Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Coleta de material para sorologia Realiza medidas de controle Identificar novos casos suspeitos Enviar ao laboratório Bloqueio vacinal Identificar ocorrência de surtos Identificar área de transmissão Laboratório informa o resultado à secretaria estadual de saúde/secretaria municipal de saúde Ações de educação em saúde Operação limpeza Secretarias municipais e estaduais de saúde encerram o caso, conforme o algoritmo (Anexo 1) Avaliar a cobertura vacinal da área Relatório final Os dados das fichas de notificação individual e de investigação deverão estar adequadamente processados e digitados no Sinan, até 30 dias após a notificação. O encerramento oportuno dos casos possibilitará a análise epidemiológica necessária à tomada de decisão. Em situações de surtos, o relatório permite analisar a extensão e as medidas de controle adotadas, bem como caracterizar o perfil de ocorrência e os fatores que contribuíram para a circulação do vírus na população. 666 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sarampo Instrumentos disponíveis para controle Imunização Recomendações gerais para a vacinação A vacina é a única forma de prevenir a ocorrência do sarampo. O risco da doença para indivíduos susceptíveis permanece, em função da circulação do vírus do sarampo em várias regiões do mundo e de sua facilidade de propagação. É necessário, portanto, manter um alto nível de imunidade na população, por meio de coberturas vacinais elevadas (iguais ou superiores a 95%), o que reduz a possibilidade da ocorrência do sarampo, permitindo a erradicação da transmissão do vírus na população. Vacinação na rotina É a atividade realizada de forma contínua na rede de serviços de saúde, em todo o território nacional. O objetivo é vacinar todas as crianças aos 12 meses, a fim de manter alta imunidade de grupo, sendo necessário alcançar e manter coberturas vacinais iguais ou superiores a 95%, em todas as localidades e municípios. Recomenda-se, ainda, uma dose de reforço para as crianças entre 4 e 6 anos de idade, para corrigir possível falha vacinal primária e vacinar aqueles que porventura não tenham sido vacinados anteriormente. Para detalhes operacionais sobre a organização das atividades de vacinação de rotina, ver www.saude.gov.br/imunizações. Observação: a vacina contra o sarampo pode ser aplicada simultaneamente com qualquer outra vacina do calendário de imunizações. 6 Eventos adversos Esta vacina é pouco reatogênica. Os eventos adversos apresentam boa evolução, sendo que os mais observados são febre e cefaléia. As reações de hipersensibilidade são raras. Estratégia de vacinação frente a ocorrência de casos suspeitos S Vacinação de bloqueio limitada aos contatos – diante de uma pessoa com sinais e sintomas do sarampo, deve ser realizado o bloqueio vacinal dirigido aos contatos do caso suspeito. A vacinação de bloqueio fundamenta-se no fato de que a vacina consegue imunizar o susceptível em prazo menor que o período de incubação da doença. Em função disso, a vacina deve ser administrada, de preferência, dentro de 72 horas após a exposição. A vacinação de bloqueio deve abranger as pessoas do mesmo domicílio do caso suspeito, vizinhos próximos, creches ou, quando for o caso, pessoas da mesma sala de aula, mesmo quarto de alojamento, sala de trabalho, etc. Utilizar a vacina tríplice viral para a faixa etária de 6 meses a 39 anos, de forma seletiva. Se aplicada em crianças menores de 1 ano, esta vacina não será considerada como dose válida. Aos 12 meses, a criança deverá ser revacinada com a vacina tríplice viral. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 667 Sarampo A inclusão de pessoas acima de 40 anos na vacinação de bloqueio só será indicada com base na análise da situação epidemiológica. Estratégia de vacinação frente a um caso confirmado ou surto Operação limpeza – o objetivo desta estratégia é interromper a cadeia de transmissão do vírus do sarampo numa área geográfica determinada, através da busca exaustiva de todos os susceptíveis. A operação limpeza também é utilizada de forma seletiva, devendo abranger: • os locais habitualmente freqüentados pelo caso confirmado; • todo o quarteirão, área residencial ou bairro, se necessário; • a escola, creche, cursinhos, faculdade, alojamento, local de trabalho e outros estabelecimentos coletivos freqüentados pelo caso; • todo o município, quando indicado. A faixa etária a ser vacinada é a mesma referida para o bloqueio vacinal. Estratégias complementares de prevenção Vacinação indiscriminada em campanhas de seguimento – esta atividade é realizada periodicamente, em nível nacional, com o objetivo de alcançar crianças susceptíveis não vacinadas e revacinar as demais, principalmente as em idade pré-escolar. Esta estratégia é recomendada sempre que o número de susceptíveis, em nível nacional, se aproximar de uma coorte de nascimentos. O intervalo entre uma campanha de seguimento e outra depende da cobertura vacinal alcançada na rotina, nesse período. Intensificação da vacinação extramuros – o principal objetivo é eliminar bolsões de susceptíveis, devendo ser realizada sempre que os índices de vacinação estiverem abaixo de 95%. Com isso, fica assegurado que nenhum município tenha cobertura vacinal contra o sarampo/rubéola abaixo do mínimo necessário para obter um nível seguro de imunidade de grupo. A intensificação das atividades consiste, sobretudo, na realização de vacinação casa a casa (incluindo residências e instituições em geral, como, por exemplo, escolas, creches, orfanatos, etc.), alcançando crianças de 12 meses até menores de 12 anos, não vacinadas na rotina e nas campanhas de multivacinação e de seguimento, especialmente as que vivem nas áreas urbanas e rurais de difícil acesso e que, geralmente, não são trabalhadas pelos serviços de saúde. Campanhas de multivacinação – as campanhas de multivacinação, que acontecem duas vezes ao ano, são excelentes oportunidades para aumentar as coberturas vacinais. No entanto, quando a meta é erradicar o sarampo, não se deve esperar as campanhas para vacinar os susceptíveis. 668 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sarampo Por ocasião das campanhas de multivacinação são vacinadas as crianças na faixa de 12 meses a menores de 12 anos que não foram atingidas pelas atividades de rotina e campanhas de seguimento. Vacinação de grupos de risco – considera-se que um determinado percentual de adolescentes e adultos jovens permanece susceptível à doença, devido ao fato de não terem sido expostos nem à infecção natural e nem à vacinação. Devido às características das atividades que os indivíduos pertencentes a esse grupo etário desenvolvem, há um risco aumentado de contrair a infecção pelo vírus do sarampo. Dentre essas atividades, destacam-se: • profissionais e estudantes da área de saúde e educação; • populações institucionalizadas de quartéis, prisões, centros de reclusão de menores, albergues, alojamentos, universidades, etc.; • populações que migram de localidades onde as coberturas vacinais, anteriores e/ou atuais, são baixas; • adolescentes e adultos jovens que viajam para países onde o sarampo é endêmico; • trabalhadores dos setores hoteleiro, turismo e portuário, bem como de feiras, aeroportos, vendedores ambulantes, profissionais do sexo e rodoviárias; 6 Para prevenir a ocorrência de surtos de sarampo nesses grupos de risco faz-se necessário um esforço adicional de vacinação, mesmo em locais com elevadas coberturas vacinais. Ações de educação em saúde O melhor modo é desenvolver atividades de forma integrada com a área de educação. Na escola, deverão ser trabalhados a doença e os meios de prevenção. No momento da investigação deve-se orientar as pessoas sobre a importância da prevenção do sarampo e o dever de cada cidadão de informar ao serviço de saúde mais próximo de sua casa a existência de um caso suspeito. S Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 669 Sarampo Anexo 1 Classificação de caso suspeito de sarampo Coleta de sangue no primeiro contato com o paciente + investigação epidemiológica IgM negativo IgM positivo Considerar a última dose de vacina contra sarampo (mono ou polivalente) Data de início dos sintomas entre 5 e 12 dias após a aplicação da vacina ou Coleta de sangue entre 8 e 56 dias após a aplicação da vacina SIM NÃO Reinvestigação epidemiológica* Sem 2ª amostra para sorologia: avaliar IgG na 1ª amostra Colher urina para isolamento viral IgM positivo Com 2ª amostra para sorologia: há soroconversão IgG? IgM negativo SIM Até o 5 dia do início do exantema o Vírus selvagem detectado? SIM NÃO Após o 5 dia do início do exantema o Protocolo diagnóstico diferencial DESCARTAR CONFIRMAR *Ver roteiro de investigação epidemiológica 670 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS NÃO Sarampo Anexo 2 Na situação epidemiológica atual, em que não há circulação autóctone do vírus do sarampo no país e frente ao aumento da disseminação de vacinas contra a doença na população, espera-se que ocorram, com relativa frequência, “casos” que na verdade representam eventos adversos à vacina, bem como o aparecimento de resultados laboratoriais falso-positivos – o que significa que o diagnóstico etiológico e sua interpretação devem ser feitos de forma bastante criteriosa. O diagnóstico laboratorial de rotina é realizado por meio da sorologia para detecção de anticorpos específicos. Para tanto, é imprescindível assegurar a coleta de amostras de sangue para análise, no primeiro contato com o paciente. Na infecção primária, os anticorpos IgM e IgG anti-sarampo podem ser detectados no sangue nos primeiros dias após o início do exantema. O IgM pode permanecer elevado por 4 a 6 semanas após o aparecimento do exantema, enquanto o IgG pode ser detectado por toda a vida, após a infecção. Para a detecção desses anticorpos, nos indivíduos vacinados ou que tiveram a doença, utiliza-se a técnica de ensaio imunoenzimático (Elisa). Em situações específicas, será também necessária a coleta de espécimes clínicos para o isolamento viral, com o objetivo de se conhecer o genótipo do vírus que está circulando. A urina é o material clínico de escolha para o isolamento viral, por ser de mais fácil coleta nos ambulatórios. 6 Procedimentos Sorologia • Coleta oportuna – a amostra de sangue do caso suspeito deve ser colhida, sempre que possível, no primeiro atendimento do paciente ou, no máximo, em até 28 dias após o aparecimento do exantema. • Material – sangue venoso sem anticoagulante, na quantidade de 5 a 10ml. Quando tratar-se de criança muito pequena e não for possível coletar o volume estabelecido, colher pelo menos 3ml. A separação do soro pode ser feita por meio de centrifugação ou após retração do coágulo, em temperatura ambiente ou a 37ºC. • Conservação e envio ao Lacen – após a separação do soro, conservar o tubo com o soro sob refrigeração na temperatura de +4ºC a + 8ºC, por no máximo 48 horas. • Remessa – enviar ao laboratório no prazo máximo de dois dias, colocando o tubo em embalagem térmica ou caixa de isopor com gelo ou gelox. Caso o soro não possa ser encaminhado ao laboratório neste prazo, conservá-lo no freezer na temperatura de -20ºC até o momento do transporte para o laboratório de referência. S Observação: todas as amostras com resultado sorológico IgM+ ou inconclusivo deverão ser enviadas ao laboratório de referência nacional (Fiocruz/RJ) para reteste. É importante o envio dos soros da 1ª e 2ª amostras. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 671 Sarampo Diagnóstico diferencial A realização de testes diagnósticos para a detecção de outras doenças exantemáticas febris em amostras negativas de casos suspeitos de sarampo, bem como a realização de sorologia para o sarampo em amostras negativas de casos suspeitos de outras doenças exantemáticas febris, dependerá da situação epidemiológica que está sendo considerada (surtos, casos isolados, áreas de baixa cobertura vacinal, resultados sorológicos IgM+ para o sarampo, etc.). Como esta situação é dinâmica, a indicação e interpretação dos exames laboratoriais para o diagnóstico diferencial de doenças exantemáticas febris deverão ser discutidas conjuntamente pelos técnicos responsáveis das secretarias estaduais de saúde (vigilância epidemiológica e laboratório), ouvido o Ministério da Saúde (através do endereço [email protected]). Isolamento viral O isolamento viral tem por objetivos identificar o padrão genotípico do vírus circulante e diferenciar casos autóctones de casos importados e o vírus selvagem do vacinal. Espécimes clínicos – urina ou secreções nasofaríngeas. Devem ser coletadas até o 5° dia a partir do aparecimento do exantema, preferencialmente nos primeiros três dias. Excepcionalmente, em casos com IgM positivo para sarampo, este período poderá ser estendido para que não se perca a oportunidade de colher amostras de urina para o isolamento viral. Quantidade e cuidados com os espécimes clínicos: • coletar de 15 a 100ml de urina, em frasco estéril; • colher, de preferência, a primeira urina da manhã, após higiene íntima, desprezando o primeiro jato e coletando o jato médio; não sendo possível obter a primeira urina do dia, colher em outra hora; • logo após a coleta, colocar a urina em caixa de isopor com gelo reciclável e enviar ao Lacen, dentro de 24 a 48 horas, no máximo, para evitar que o crescimento de bactérias diminua a possibilidade de isolamento do vírus. A urina não deve ser congelada; • processar a amostra no Lacen ou no laboratório municipal, se houver, adotando os seguintes procedimentos: ❯ centrifugar a amostra de urina a 1.500 rpm, a +4ºC (se possível); ❯ ressuspender o sedimento em 2ml de meio de transporte de vírus ou em solução salina estéril com adição de antibióticos; ❯ congelar (preferencialmente) os espécimes centrifugados a -70ºC e enviá-los ao Centro de Referência Nacional para o Sarampo, na Fiocruz/RJ, em gelo seco, dentro de, no máximo, 72 horas. Para orientação geral e interpretação dos resultados dos exames laboratoriais frente a um caso suspeito de sarampo, ver Anexo 1. 672 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sífilis Congênita SÍFILIS CONGÊNITA CID 10: A50 Características clínicas e epidemiológicas Descrição A sífilis é uma doença infectocontagiosa sistêmica, de evolução crônica, sujeita a surtos de agudização e períodos de latência. A sífilis congênita é conseqüente à infecção do feto pelo Treponema pallidum, por via placentária, em qualquer momento da gestação. Sua ocorrência evidencia falhas dos serviços de saúde, particularmente da atenção ao pré-natal, pois o diagnóstico precoce e tratamento da gestante são medidas relativamente simples e bastante eficazes na prevenção desta forma da doença. A taxa de óbito (aborto, natimorto, óbito neonatal precoce) é elevada, estimada de 25% a 40% dos casos. 6 Agente etiológico O Treponema pallidum tem forma de espiral e motilidade em “saca-rolhas”. Não é cultivável, mas a inoculação em cobaia permite seu isolamento e confirmação laboratorial. Pode ser visualizado sob microscopia de campo escuro, coloração pela prata ou imunofluorescência direta. Reservatório O homem é o único reservatório. Infecções experimentais em cobaias não repetem a evolução humana, não contaminando outros animais e findando espontaneamente. Modo de transmissão A sífilis adquirida é uma doença de transmissão predominantemente sexual e aproximadamente um terço dos indivíduos expostos a um parceiro sexual com sífilis adquirirá a doença. O Treponema pallidum, quando presente na corrente sangüínea da gestante, atravessa a barreira placentária e penetra na corrente sangüínea do feto. A transmissão pode ocorrer em qualquer fase da gestação, estando, entretanto, na dependência do estado da infecção na gestante, ou seja, quanto mais recente a infecção, mais treponemas estarão circulantes e, portanto, mais gravemente o feto será atingido. Inversamente, infecção antiga leva à formação progressiva de anticorpos pela mãe, o que atenuará a infecção ao concepto, produzindo lesões mais tardias na criança. Sabe-se que a taxa de transmissão vertical da sífilis, em mulheres não tratadas, é superior a 70% quando estas encontram-se nas fases primária e secundária da doença, reduzindo-se para 10% a 30% nas fases latente ou terciária. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS S 673 Sífilis Congênita Período de incubação Na sífilis adquirida, é de cerca de 21 dias a partir do contato sexual infectante. A criança com sífilis congênita ao nascimento pode já se encontrar gravemente enferma ou com manifestações clínicas menos intensas, ou até aparentemente saudável, vindo a manifestar sinais da doença mais tardiamente, meses ou anos depois, quando seqüelas graves e irreversíveis ter-se-ão instalado. Período de transmissibilidade A transmissão vertical pode ocorrer por todo o período gestacional. Acreditava-se que a infecção fetal não ocorresse antes do 4º mês de gestação. Entretanto, já se constatou a presença de T. pallidum em fetos abortados, ainda no primeiro trimestre da gravidez. Susceptibilidade e imunidade A resposta imune, celular e humoral, que se desenvolve não impede a implantação do agente no local de inoculação nem previne sua disseminação, com o conseqüente aparecimento de manifestações determinadas pela reação do hospedeiro à presença de antígenos treponêmicos nos tecidos corporais. A susceptibilidade à doença é universal e infecções anteriores não determinam imunidade frente a novas exposições ao treponema. Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas O quadro clínico da sífilis congênita é variável, de acordo com alguns fatores: o tempo de exposição fetal ao treponema (duração da gestação com sífilis sem tratamento), a carga treponêmica materna, a virulência do treponema, o tratamento da infecção materna, a coinfecção materna pelo HIV ou outra causa de imunodeficiência. Esses fatores poderão acarretar aborto, natimorto ou óbito neonatal, bem como sífilis congênita “sintomática” ou “assintomática” ao nascimento. Didaticamente, a sífilis congênita é classificada em recente e tardia. Sífilis congênita recente Sinais e sintomas surgem nos primeiros dois anos de vida mas tornam-se evidentes entre o nascimento e o terceiro mês (comumente, nas cinco primeiras semanas). Os principais sinais são baixo peso, rinite com coriza serossanguinolenta, obstrução nasal, prematuridade, osteocondrite, periostite ou osteíte, choro ao manuseio, hepatoesplenomegalia, alterações respiratórias ou pneumonia, hidropsia, pseudoparalisia dos membros, fissura orificial, condiloma plano, pênfigo palmoplantar e outras lesões cutâneas, icterícia e anemia. Quando ocorre invasão maciça de treponemas e/ou estes são muito virulentos, a evolução do quadro é grave e a letalidade, alta. A placenta encontra-se volumosa, com lesões e manchas amareladas ou esbranquiçadas. 674 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sífilis Congênita Sífilis congênita tardia Os sinais e sintomas são observados a partir do segundo ano de vida, geralmente devido à infecção por treponemas menos virulentos ou infecção de longa evolução materna: tíbia em lâmina de sabre, fronte olímpica, nariz em sela, dentes deformados (dentes de Hutchinson), mandíbula curta, arco palatino elevado, ceratite intersticial com cegueira, surdez neurológica, dificuldade no aprendizado, hidrocefalia e retardo mental. Período de infecção – o tempo de evolução é extremamente variável, geralmente interrompido com o tratamento. A remissão espontânea da doença é improvável. A evolução da infecção treponêmica determinará lesões deformantes, com destruição tecidual em tecido ósseo e cutâneo-mucoso, além das graves seqüelas neurológicas. Pode ocorrer contágio involuntário quando do manuseio inadequado/desprotegido das crianças com sífilis congênita, por parte dos familiares e profissionais de saúde, quando estão presentes lesões cutâneas e mucosas, ricas em treponemas. Período toxêmico – o quadro clínico é variável. Manifestações gerais e sinais de comprometimento simultâneo de múltiplos órgãos, como febre, icterícia, hepatoesplenomegalia, linfadenopatia generalizada, anemia, entre outros sinais, podem ser observadas isoladas ou simultaneamente. Manifestações graves ao nascimento, tais como pneumonia intersticial e insuficiência respiratória, com risco de vida, requerem especial atenção. O óbito perinatal pode chegar a taxas expressivas. Remissão – o tratamento adequado dos casos diagnosticados promove a remissão dos sintomas em poucos dias. As lesões tardias já instaladas, a despeito da interrupção da evolução da infecção, não serão revertidas com a antibioticoterapia. 6 Diagnóstico diferencial O múltiplo comprometimento de órgãos e sistemas impõe o diagnóstico diferencial com septicemia e outras infecções congênitas, tais como rubéola, toxoplasmose, citomegalovirose, infecção generalizada pelo vírus do herpes simples e malária. Lesões mais tardias poderão ser confundidas com sarampo, catapora, escarlatina e até escabiose. S Diagnóstico laboratorial Baseia-se na execução de um conjunto de exames, quais sejam: Microscopia – a pesquisa do T. pallidum em material coletado de lesão cutâneo-mucosa, de biópsia ou autópsia, assim como de placenta e cordão umbilical, é um procedimento que apresenta sensibilidade de 70% a 80% . A preparação e a observação em campo escuro imediatamente após a coleta do espécime permite visualizar os treponemas móveis; quando a observação não pode ser realizada logo após a coleta, a imunofluorescência direta está indicada. Os fatores que diminuem a sensibilidade do teste são: coleta inadequada dos espécimes, tratamento prévio e coleta nas fases finais da evolução das lesões, quando a população de T. pallidum estará muito reduzida; Sorologia não-treponêmica (VDRL) – indicada para o diagnóstico e seguimento terapêutico, devido à propriedade de ser passível de titulação. A sensibilidade do teste na Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 675 Sífilis Congênita fase primária é de 78%, elevando-se nas fases secundária (100%) e latente (cerca de 96%). Com mais de um ano de evolução, a sensibilidade cai progressivamente, fixando-se, em média, em 70%. A especificidade do teste é de 98%. O teste pode resultar reagente por longos períodos, mesmo após a cura da infecção (cicatriz sorológica), porém, após instituído o tratamento, apresenta queda progressiva nas titulações, até que se torna não reagente. Recém-nascidos de mães com sífilis, mesmo os não infectados, podem apresentar anticorpos maternos transferidos passivamente pela placenta. Nesses casos, em geral, o teste será reagente até o sexto mês de vida. A coleta de sangue de cordão umbilical para a realização do teste está contra-indicada pela baixa sensibilidade. Deve-se coletar sangue periférico do RN, cuja mãe apresentar resultado reagente no momento do parto; Sorologia treponêmica (FTA-abs, MHA-Tp) – são testes específicos, úteis na exclusão de resultados de VDRL falso-positivos em adultos mas de uso limitado quando para o diagnóstico de recém-nascidos, pois os anticorpos IgG maternos ultrapassam a barreira placentária. O FTA-abs/IgM, por sua baixa sensibilidade, também pode apresentar desempenho inadequado para a definição diagnóstica do recém-nascido. Assim, a realização de testes treponêmicos em recém-nascidos não auxiliam na confirmação do caso, recomendando-se, então, a análise clínico-epidemiológica de cada caso, especialmente o histórico da doença materna, para aplicação das condutas clínicas. Já em maiores de 18 meses, um resultado reagente de teste treponêmico confirma a infecção, pois os anticorpos maternos transferidos passivamente já terão desaparecido. A sensibilidade dos testes treponêmicos na sífilis adquirida é de 84% na fase primária, de 100% nas fases secundária e latente e de cerca de 96% na sífilis terciária; Raios X de ossos longos – o achado de anormalidades em radiografias de ossos longos é comum na sífilis congênita sintomática (70% a 90%). A sensibilidade das alterações radiológicas para diagnóstico de sífilis congênita, em crianças assintomáticas, é desconhecida – estima-se em 4% a 20% dos recém-nascidos assintomáticos infectados. A única alteração é o achado radiográfico, o que justifica a realização deste exame nos casos suspeitos de sífilis congênita; Exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) – recomenda-se realizar a análise do LCR em todos os recém-nascidos que se enquadrem na definição de caso . A presença de leucocitose (>25 leucócitos/mm3) e o elevado conteúdo protéico (>150 mg/dl) no LCR de um recém-nascido (antes de 28 dias), suspeito de ser portador de sífilis congênita, devem ser considerados como evidências adicionais para o diagnóstico. Uma criança com VDRL positivo no LCR deve ser diagnosticada como portadora de neurossífilis, independente da existência de alterações na celularidade e/ou na proteinorraquia, porém um resultado negativo não afasta o diagnóstico da afecção do sistema nervoso central. A ocorrência de alterações no LCR é muito mais freqüente nas crianças com outras evidências clínicas de sífilis congênita do que nas crianças assintomáticas (86% versus 8%, respectivamente). Se a criança for identificada após o período neonatal (>28 dias de vida), as anormalidades liquóricas incluem teste VDRL positivo e/ou leucócitos >5/mm3 e/ou proteínas >40 mg/dl. 676 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sífilis Congênita Tratamento No período neonatal (antes de 28 dias) A penicilina é a droga de escolha para todas as apresentações da sífilis. Não há relatos consistentes na literatura de casos de resistência treponêmica à droga. A análise clínica do caso indicará o melhor esquema terapêutico. A. Nos recém-nascidos de mães com sífilis não tratada ou inadequadamente tratada, independentemente do resultado do VDRL do recém-nascido, realizar hemograma, radiografia de ossos longos, punção lombar e outros exames, quando clinicamente indicados. De acordo com a avaliação clínica e de exames complementares: • A1 – se houver alterações clínicas e/ou sorológicas e/ou radiológicas e/ou hematológicas, o tratamento deverá ser feito com penicilina G cristalina na dose de 50 mil UI/kg/dose, via intravenosa, a cada 12 horas (nos primeiros 7 dias de vida) e a cada 8 horas (após 7 dias de vida), durante 10 dias; ou penicilina G procaína 50 mil UI/kg, dose única diária, via intramuscular, durante 10 dias; • A2 – se houver alteração liquórica, o tratamento deverá ser feito com penicilina G cristalina1, na dose de 50 mil UI/kg/dose, via intravenosa, a cada 12 horas (nos primeiros 7 dias de vida) e a cada 8 horas (após 7 dias de vida), durante 10 dias; • A3 – se não houver alterações clínicas, radiológicas, hematológicas e/ou liquóricas, e a sorologia for negativa, proceder ao tratamento com penicilina G benzatina, via intramuscular, na dose única de 50 mil UI/kg. O acompanhamento é obrigatório, incluindo o seguimento com VDRL sérico após conclusão do tratamento (ver Seguimento, adiante). Sendo impossível garantir o acompanhamento, o recém-nascido deverá ser tratado com o esquema A1. 6 B. Nos recém-nascidos de mães adequadamente tratadas: realizar o VDRL em amostra de sangue periférico do recém-nascido; se for reagente com titulação maior do que a materna e/ou na presença de alterações clínicas, realizar hemograma, radiografia de ossos longos e análise do LCR: • B1 – se houver alterações clínicas e/ou radiológicas e/ou hematológica sem alterações liquóricas, o tratamento deverá ser feito como em A1; • B2 – se houver alteração liquórica, o tratamento deverá ser feito como em A2; S C. Nos recém-nascidos de mães adequadamente tratadas: realizar o VDRL em amostra de sangue periférico do recém-nascido: • C1 – se for assintomático e o VDRL não for reagente, proceder apenas ao seguimento clínico-laboratorial. Na impossibilidade de garantir o seguimento, realizar o tratamento com penicilina G benzatina, via intramuscular, na dose única de 50 mil UI/kg; O tratamento com penicilina G procaína por 10 dias em pacientes assintomáticos e com exames complementares normais não mostrou nenhum benefício adicional quando comparado ao esquema de penicilina G benzatina. 1 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 677 Sífilis Congênita • C2 – se for assintomático e tiver VDRL reagente com título igual ou menor que o materno, acompanhar clinicamente. Na impossibilidade do seguimento clínico, tratar como A1 e, se houver alterações no LCR, tratar como A2. No período pós-natal (após o 28º dia) Crianças com quadro clínico sugestivo de sífilis congênita devem ser cuidadosamente investigadas, obedecendo-se à rotina acima referida. Confirmando-se o diagnóstico, proceder ao tratamento conforme preconizado, observando-se o intervalo das aplicações que, para a penicilina G cristalina, deve ser de 4 em 4 horas, e para a penicilina G procaína, de 12 em 12 horas, mantendo-se os mesmos esquemas de doses anteriormente preconizados. Seguimento • Consultas ambulatoriais mensais no primeiro ano de vida. • Realizar VDRL com 1, 3, 6, 12 e 18 meses de idade, interrompendo o seguimento com dois exames de VDRL negativos consecutivos. • Diante de elevação do título sorológico ou da sua não-negativação até os 18 meses de idade, reinvestigar o paciente e proceder o tratamento. • Recomenda-se o acompanhamento oftalmológico, neurológico e audiológico semestral por dois anos. • Nos casos em que o LCR mostrou-se alterado, deve ser realizada uma reavaliação liquórica a cada 6 meses, até a normalização do mesmo; alterações persistentes indicam avaliação clínico-laboratorial completa e retratamento. • Nos casos de crianças tratadas de forma inadequada, na dose e/ou tempo do tratamento preconizado, deve-se convocar a mesma para reavaliação clínico-laboratorial e reiniciar o tratamento, obedecendo aos esquemas anteriormente descritos. Observações • No caso de interrupção do tratamento por mais de 1 dia, o mesmo deverá ser reiniciado. • Em relação à biossegurança hospitalar, são recomendadas precauções de contato para todos os casos de sífilis congênita até 24 horas do início do tratamento com penicilina. • O uso de outro antimicrobiano não é adequado. O curso de 10 dias de penicilina deve ser realizado mesmo quando a ampicilina é inicialmente prescrita para possível sepse neonatal. Atenção Na impossibilidade de realizar a punção lombar, considerar o caso, para efeito de tratamento, como neurossífilis. 678 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sífilis Congênita Tratamento inadequado para sífilis materna • tratamento realizado com qualquer medicamento que não seja a penicilina; ou • tratamento incompleto, mesmo tendo sido feito com penicilina; ou • tratamento inadequado para a fase clínica da doença; ou • instituição de tratamento dentro do prazo dos 30 dias anteriores ao parto; ou • ausência de documentação de tratamento anterior; ou • ausência de queda dos títulos (sorologia não-treponêmica) após tratamento adequado; ou • parceiro não tratado ou tratado inadequadamente ou quando não se tem a informação disponível sobre o seu tratamento. Obs.: realizar exames neurológico, oftalmológico (fundo de olho) e audiológico em todas as crianças incluídas como caso de sífilis congênita. 6 Aspectos epidemiológicos A sífilis congênita é doença de notificação compulsória, com compromisso internacional de eliminação enquanto problema de saúde pública. Estudo nacional realizado em 2000 mostra prevalência de 1,7%2 de sífilis em parturientes. O subdiagnóstico e a subnotificação da sífilis congênita ainda são elevados, porém observa-se um incremento de casos notificados nos últimos oito anos, passando de pouco mais de 200, em 1995, para mais de 3 mil, nos últimos 4 anos. Nos últimos 5 anos, foram registrados 16.119 internamentos. No período de 1998 a 2003, os dados nacionais de sífilis congênita mostram uma incidência média de 1,15/1 mil nascidos vivos. Maiores coeficientes são encontrados na região Sudeste, principalmente nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, o que pode estar refletindo não uma realidade mais desfavorável que a de outros estados, mas a intensidade dos esforços para detectar e notificar a doença3. No que tange às características maternas, 74% estão na faixa etária de 20 a 39 anos; mais de 40% dos casos com escolaridade informada têm de 1 a 3 anos de estudo; aproximadamente 70% dos casos notificados fizeram pré-natal e cerca de 50% realizaram 4 ou mais consultas e tiveram diagnóstico de sífilis durante a gravidez. Os dados do Sinan mostram que mais de 54% dos parceiros não foram tratados. As crianças se apresentavam assintomáticas ao nascimento em 75% das notificações onde consta a informação. S Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST/Aids. Estudo Sentinela Parturiente Corte Nacional – outubro de 2000. 2 Fonte dos dados: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)/MS/SVS/PN-DST/Aids – casos notificados até 8/1/2004. 3 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 679 Sífilis Congênita Vigilância epidemiológica Objetivo • Identificar os casos de sífilis congênita para subsidiar as ações de prevenção e controle desse agravo, intensificando-as no pré-natal. • Conhecer o perfil epidemiológico da sífilis congênita no Brasil e suas tendências. Definição de caso Para fins de vigilância epidemiológica, será considerado caso de sífilis congênita e assim deverá ser notificado: • toda criança ou aborto4 ou natimorto5 de mãe com evidência clínica6 para sífilis e/ou com sorologia não-treponêmica reagente para sífilis com qualquer titulação, na ausência de teste confirmatório treponêmico, realizada no pré-natal ou no momento do parto ou curetagem que não tenha sido tratada ou recebido tratamento inadequado; • todo indivíduo com menos de 13 anos com as seguintes evidências sorológicas: ❯ titulações ascendentes (testes não-treponêmicos); e/ou ❯ testes não-treponêmicos reagentes após 6 meses de idade (exceto em situação de seguimento terapêutico); e/ou ❯ testes treponêmicos reagentes após 18 meses de idade; e/ou títulos em teste não-treponêmico maiores que os da mãe. Obs.: Em caso de evidência sorológica apenas, deve ser afastada a possibilidade de sífilis adquirida. • todo indivíduo com menos de 13 anos com teste não-treponêmico reagente e evidência clínica ou liquórica ou radiológica de sífilis congênita; • toda situação de evidência de T. pallidum em placenta ou cordão umbilical e/ou amostra de lesão, biópsia ou autópsia de criança, aborto ou natimorto. Notificação e investigação É doença de notificação compulsória e todo caso definido como sífilis congênita, segundo os critérios descritos na definição de caso, deve ser notificado à vigilância epidemiológica. A notificação é feita pelo preenchimento e envio da ficha de notificação e investigação epidemiológica de caso de sífilis congênita, que deve ser preenchida pelo médico ou outro profissional de saúde no exercício de sua função. A investigação de sífilis congênita será desencadeada nas seguintes situações: Aborto é toda perda gestacional até 22 semanas de gestação ou com peso menor ou igual a 500g. 4 Natimorto é todo feto morto após 22 semanas de gestação ou com peso maior que 500g. 5 Evidência clínica para sífilis na gestação: sífilis primária – cancro duro; sífilis secundária – lesões cutâneo-mucosas (roséolas sifilíticas, sifílides papulosas, condiloma plano sifilítico, alopecia e lesões palmoplantares); sífilis terciária – lesões cutâneo-mucosas (tubérculos ou gomas); alterações neurológicas (tabes dorsalis, demência); alterações cardiovasculares (aneurisma aórtico); alterações articulares (artropatia de Charcot). 6 680 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sífilis Congênita • todas as crianças nascidas de mãe com sífilis (evidência clínica e/ou laboratorial), diagnosticadas durante a gestação, parto ou puerpério; • todo indivíduo com menos de 13 anos com suspeita clínica e/ou epidemiológica de sífilis congênita. Primeiras medidas a serem adotadas frente a um caso identificado Assistência médica ao paciente Tendo em vista o projeto de eliminação da sífilis congênita, toda gestante deverá ser testada para sífilis na primeira consulta, no início do terceiro trimestre do pré-natal e na admissão para o parto. As mulheres reagentes serão tratadas segundo o esquema abaixo: • sífilis primária (cancro duro): penicilina benzatina 2.400.000 UI, via intramuscular, em dose única (administrar metade em cada glúteo); • sífilis secundária e sífilis latente recente (com menos de um ano de evolução): penicilina benzatina 2.400.000 UI, via intramuscular, repetindo a mesma dose uma semana depois; dose total: 4.800.000 UI; • sífilis terciária ou sífilis com mais de um ano de evolução ou duração ignorada: penicilina benzatina 2.400.000 UI, via intramuscular, em 3 aplicações, com intervalo de uma semana entre cada aplicação; dose total: 7.200.000 UI; 6 Atenção Na sífilis primária o parceiro deve também ser tratado, com a mesma dose, independentemente de apresentar manifestação clínica. Nas sífilis secundária e terciária o tratamento do parceiro só deve ser feito após avaliação clínica e laboratorial, e só deverão ser tratados aqueles com sífilis confirmada. • em caso de alergia referida, realizar testes cutâneos padronizados e dessensibilizar quando confirmada a atopia; • alternativamente, em caso de alergia comprovada à penicilina, pode ser utilizada a eritromicina (estearato) 500mg – 1 comp., 6/6 h, via oral, por 15 dias (sífilis recente) ou 30 dias (sífilis tardia). S Observações A eritromicina tem um perfil de eficácia menor, múltiplas doses diárias e maior incidência de efeitos colaterais (o que diminui a adesão). Assim, requer acompanhamento mais atento. Deve-se proporcionar a todos os portadores de DST a realização de testes anti-HIV, mediante aconselhamento. Fazer controle de cura trimestral com a realização do VDRL. Tratar novamente em caso de interrupção do tratamento ou quadruplicação dos títulos (ex.: de 1/2 para 1/8). Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 681 Sífilis Congênita Assistência médica ao recém-nascido e criança com sífilis congênita Todas as crianças que se enquadrem na definição de caso devem ser submetidas ao tratamento e seguimento clínico e laboratorial preconizados. É fundamental evitar a perda de oportunidades de diagnóstico e tratamento, tanto da infecção materna quanto da criança, reduzindo-se, assim, as elevadas taxas de morbi-mortalidade determinadas pela infecção, incluindo-se as lesões do sistema nervoso central. Qualidade da assistência A sífilis congênita é uma doença prevenível, bastando que a gestante infectada seja detectada e prontamente tratada, assim como o(s) seu(s) parceiro(s) sexual(is). Portanto, a medida mais efetiva de controle da sífilis congênita consiste em oferecer, a toda gestante, uma assistência pré-natal adequada. No entanto, as medidas de controle devem abranger outros momentos: antes da gravidez e na admissão à maternidade, seja no momento do parto, seja na curetagem por abortamento ou durante qualquer outra intercorrência na gravidez. Mesmo o diagnóstico tardio da infecção materna, realizado na admissão para o parto, é valido, pois, a despeito de não se evitar a doença na criança, haverá condições de tratar a mulher e o concepto, reduzindo as complicações advindas da infecção. Confirmação diagnóstica O teste sorológico de imunofluorescência, o FTA-abs/IgM-19S, realizado em sangue periférico de recém-natos, pode definir a infecção; no entanto, sua disponibilidade é limitada aos centros laboratoriais de referência ou de pesquisa. Um teste não-treponêmico reagente após o sexto mês de vida, ou um teste treponêmico após o 18º mês, é definidor da infecção. A realização de exames microbiológicos em amostras de tecidos da criança ou de placenta ou cordão umbilical são definitivos para a confirmação do caso. Instrumentos disponíveis para controle Antes da gravidez • Diagnóstico precoce em mulheres em idade reprodutiva e seus parceiros. • Realização do teste VDRL em mulheres que manifestem a intenção de engravidar. • Tratamento imediato dos casos diagnosticados em mulheres e seus parceiros. Durante a gravidez Realizar o teste VDRL no primeiro trimestre da gravidez, ou na primeira consulta, e outro no início do terceiro trimestre. Na ausência de teste confirmatório, considerar para o diagnóstico as gestantes com VDRL reagente, em qualquer titulação, desde que não tratadas anteriormente de forma adequada ou que a documentação deste tratamento não esteja disponível. 682 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Sífilis Congênita Ações de educação em saúde A adoção de práticas sexuais seguras, associada ao bom desempenho na execução do pré-natal, são peças-chave para o controle do agravo. A população-alvo deverá receber informações sobre a prevenção das DST e o direito a uma assistência médica humanizada e de qualidade. Estratégias de prevenção As ações de prevenção da sífilis congênita baseiam-se em três pontos estratégicos, abaixo visualizados: Oportunidades estratégicas para o controle da sífilis congênita e suas complicações Período de atuação Anterior à gestação Gestação Parto ou curetagem Objetivos gerais Prevenir DST em mulheres em idade fértil Evitar a transmissão para o concepto Reduzir a morbimortalidade Grupos-alvo População geral Gestantes no pré-natal Recém-nascido Principais atividades Diagnóstico e tratamento precoce da sífilis adquirida; incentivo ao uso regular de preservativos VDRL no 1º e 3º trimestres da gestação Tratamento da gestante e parceiro 6 VDRL em parturientes: se positivo, investigar récem-nascido S Tratamento Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 683 Síndrome da Rubéola Congênita SÍNDROME DA RUBÉOLA CONGÊNITA CID 10: P35.0 Características clínicas e epidemiológicas Descrição A síndrome da rubéola congênita (SRC) constitui importante complicação da infecção pelo vírus da rubéola durante a gestação, principalmente no primeiro trimestre, podendo comprometer o desenvolvimento do feto e causar aborto, morte fetal, natimorto e anomalias congênitas. Suas manifestações clínicas podem ser transitórias (púrpura, trombocitopenia, hepatoesplenomegalia, icterícia, meningoencefalite, osteopatia radioluscente), permanentes (deficiência auditiva, malformações cardíacas, catarata, glaucoma, retinopatia pigmentar) ou tardias (retardo do desenvolvimento, diabetes mellitus). As crianças com SRC freqüentemente apresentam mais de um sinal ou sintoma, mas podem ter apenas uma malformação, sendo a deficiência auditiva a mais comum. Agente etiológico O vírus da rubéola é um vírus RNA, pertencente ao gênero Rubivirus, família Togaviridae. Reservatório O homem é o único reservatório conhecido. Modo de transmissão A SRC é transmitida pela via transplacentária, após a viremia materna. Período de transmissibilidade Recém-nascidos com SRC podem excretar o vírus da rubéola nas secreções naso-faríngeas, sangue, urina e fezes por longos períodos. O vírus pode ser encontrado em 80% das crianças no primeiro mês de vida; 62% do primeiro ao quarto mês; 33% do quinto ao oitavo mês; 11% entre nove e doze meses e apenas 3% no segundo ano de vida. Susceptibilidade e imunidade A infecção natural pelo vírus da rubéola ou pela imunização confere, em geral, imunidade permanente. No entanto, o nível de imunidade coletiva atingido não é suficientemente alto para interromper a transmissão do vírus. Diferentes estratégias de vacinação contra a rubéola têm sido adotadas para a prevenção da SRC. A vacinação de mulheres em idade fértil (MIF) tem efeito direto na prevenção ao reduzir a susceptibilidade entre gestantes sem que ocorra a eliminação do vírus na comunidade. A longo prazo, a vacinação de rotina na infância tem impacto na prevenção da 684 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Síndrome da Rubéola Congênita SRC pois interrompe a transmissão do vírus entre as crianças, o que reduz o risco de exposição de gestantes susceptíveis. Além disso, reduz a susceptibilidade nas futuras coortes de mulheres em idade fértil. A incidência da SRC depende, portanto, do número de susceptíveis, da circulação do vírus na comunidade e do uso de vacina específica. Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas A infecção pelo vírus da rubéola na fase intra-uterina pode resultar no nascimento de criança sem nenhuma anomalia, mas pode provocar abortamento espontâneo, natimortalidade ou nascimento de crianças com anomalias simples ou combinadas. As principais manifestações clínicas da SRC são catarata, glaucoma, microftalmia, retinopatia, cardiopatia congênita (persistência do canal arterial, estenose aórtica, estenose pulmonar), surdez, microcefalia e retardo mental. Outras manifestações clínicas podem ocorrer, mas são transitórias, como hepatoesplenomegalia, hepatite, icterícia, anemia hemolítica, purpura trombocitopênica, adenopatia, meningoencefalite, miocardite, osteopatia de ossos longos (rarefações lineares nas metáfises) e exantema crônico. A prematuridade e o baixo peso ao nascer estão também associados à rubéola congênita. 6 Diagnóstico diferencial Várias patologias congênitas ou adquiridas, que ocorrem após o nascimento, têm manifestações clínicas semelhantes entre si. O diagnóstico diferencial da SRC inclui: infecções congênitas por citomegalovírus, varicela-zoster, Coxsackievirus, Echovirus, herpes simples, HIV, hepatite B, parvovírus B19, Toxoplasma gondii, Treponema pallidum, malária e Tripanosoma cruzi. As principais manifestações clínicas dessas patologias são descritas no Quadro 1. Diagnóstico laboratorial S O feto infectado é capaz de produzir anticorpos específicos IgM e IgG para rubéola, antes mesmo do nascimento. A presença de anticorpos IgM específicos para rubéola, no sangue do recém-nascido, é evidência de infecção congênita, uma vez que os anticorpos IgM maternos não ultrapassam a barreira placentária. Os anticorpos IgM podem ser detectados em 100% das crianças com SRC até o 5º mês; em 60% de 6 a 12 meses e em 40% de 12 a 18 meses. Raramente são detectados após o 18º mês. Os anticorpos maternos, da classe IgG, podem ser transferidos passivamente ao feto através da placenta, sendo também encontrados nos recém-natos normais, nascidos de mães imunes à rubéola. Não é possível diferenciar os anticorpos IgG maternos daqueles produzidos pelo próprio feto, quando infectados na vida intra-uterina. Como a quantidade de anticorpos IgG maternos diminui com o tempo, desaparecendo por volta do 6º mês, a persistência dos níveis de anticorpos IgG no sangue do recém-nascido é altamente sugestiva de infecção intra-uterina. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 685 Síndrome da Rubéola Congênita Os exames laboratoriais são imprescindíveis para o estabelecimento do diagnóstico definitivo. Para a investigação de casos suspeitos de SRC, deve ser colhida uma amostra de sangue logo após o nascimento, quando há suspeita ou confirmação de infecção materna durante a gestação, ou logo após a suspeita diagnóstica, nos menores de um ano. Quadro 1. Principais manifestações clínicas de patologias congênita ou que ocorrem após o nascimento Patologia/patógeno Rubéola Feto Aborto Recém-nascido Malformação Seqüela Baixo peso, hepatoesplenomegalia, osteíte, purpura Cardiopatia, microcefalia, catarata Surdez, retardo mental, diabete, autismo, cegueira, degeneração do SNC Citomegalovírus - Anemia, trombocitopenia, hepatoesplenomegalia, icterícia, encefalite Microcefalia, microftalmia, retinopatia Surdez, retardo psicomotor, calcificação cerebral Varicela-zoster - Baixo peso, corioretinite, varicela congênita ou neonatal, encefalite Hipoplasia de membros, atrofia cortical, cicatrizes Evolução fatal por infecção secundária Aborto Doença febril leve, exantema, doença sistêmica grave, enterite Possível cardiopatia, miocardite Déficit neurológico Aborto Doença sistêmica grave, lesões vesiculosas, retinopatia Microcefalia, retinopatia, calcificações cerebrais Déficit motor Picornavírus, Coxsackievírus, Echovírus Herpes simples Vírus HIV - Aids (Sida) - Aids (Sida) Vírus da hepatite B - HbsAg assintomático, baixo peso, hepatite aguda - Hepatite crônica, HbsAg+ persistente - Parvovírus B19 Natimorto, hidropsia fetal Natimorto Toxoplasma gondii Aborto Baixo peso, hepatoesplenomegalia, icterícia, anemia Treponema pallidum Natimorto, hidropsia fetal Lesões de pele, rinite, hepatoesplenomegalia, icterícia, anemia - Malária Aborto Hepatoesplenomegalia, icterícia, anemia, vômitos - Aborto Baixo peso, icterícia, anemia, petéquias, falha cardíaca, hepatoesplenomegalia, encefalite Tripanosoma cruzi (Chagas) - Hidrocefalia, microcefalia Catarata Corioretinite, retardo mental Ceratite intersticial, bossa frontal, tíbia em sabre, dentes de Hutchinson - Miocardite, acalasia Fonte: Gotoft/SP – Infections of newborn. In: Behrman RE, Kliegman RM: Nelson Textboook of Pediatrics, WB Saunders Co, Philadelphia, 1992, 14th. 496. 686 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Síndrome da Rubéola Congênita Quadro 2. Diagnóstico laboratorial de caso suspeito de SRC* Período da coleta Pesquisa Logo após o nascimento ou quando da suspeita de SRC IgM IgG Após 3 meses da 1ª coleta (realizar testes pareados) IgG Resultado Conduta Positivo Confirmar o caso Negativo Realizar pesquisa de IgG com o mesmo soro Positivo Coletar 2ª amostra após 3 meses Negativo Descartar o caso Se o IgG mantiver o título anterior ou for maior Confirmar o caso Se houver queda acentuada do título de IgG, comparado com o anterior Descartar o caso 6 *Recém-nascido cuja mãe teve diagnóstico confirmado de rubéola durante a gestação, ou lactente com suspeita de SRC. Observação: Quando a mãe não foi investigada anteriormente, realizar na mesma a pesquisa de IgM e IgG. Recomendação Isolamento viral – se a sorologia for IgM reagente (+), recomenda-se a coleta de espécime clínica (swab nasofaríngeo) para identificação do genótipo do vírus. Tratamento Não existe tratamento antiviral efetivo. Este será direcionado às malformações congênitas e deficiências observadas. Quanto mais precoces forem a detecção e a intervenção, quer o tratamento seja clínico, cirúrgico ou de reabilitação, melhor será o prognóstico da doença. Aspectos epidemiológicos S A rubéola e a SRC são doenças de notificação compulsória desde 1996. No entanto, só a partir de 1999, com a vigilância integrada do sarampo e rubéola como estratégia para atingir a meta de erradicação do sarampo, passou-se a documentar mais sensível e representativamente a circulação do vírus da rubéola no Brasil. Assim, surtos de rubéola foram detectados em diversos estados entre 1999 e 2001. Padrões diferenciados de ocorrência da rubéola por faixa etária foram observados, provavelmente como consequência da introdução gradual da vacina, o que acarretou deslocamento da ocorrência da doença para adultos jovens entre 1999 e 2000. Em 1999, a maioria dos surtos ocorreu em estados que ainda não haviam implantado a vacinação contra a rubéola, sendo a população mais atingida a de menores de 15 anos. Em 2000, os surtos atingiram estados que já vacinavam contra a rubéola. No período de 2000 e 2001, observou-se aumento no número de casos de SRC, como efeito do surto, mas também refletindo a estruturação da vigilância da SRC no país (Figura 1). Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 687 Síndrome da Rubéola Congênita Os dados de vigilância da rubéola, nesses anos, possibilitaram não só a adoção de medidas de controle frente a surtos (vacinação de bloqueio) mas também a implantação da estratégia de controle acelerado da SRC, com a realização, em 2001 e 2002, de campanhas de vacinação de mulheres em idade fértil em todos os estados brasileiros. Como resultado desse intenso esforço de vacinação de grupos susceptíveis, observa-se substancial redução do número de casos de rubéola e de SRC a partir de 2002 (Figura1). A SRC é um evento relativamente raro, principalmente na ausência de surtos e com elevadas coberturas vacinais. Entretanto, possui grande magnitude pelo alto custo associado ao tratamento, intervenções e educação especial, sem contar o sofrimento humano. Estima-se que muitos casos não são diagnosticados ou permaneçam não notificados, contribuindo para o conhecimento apenas parcial do problema. Em 2003, foi estabelecida a meta de eliminação da rubéola e da SRC nas Américas até 2010. Para isso, é fundamental fortalecer a vigilância da SRC, em especial por meio de vigilância ativa em unidades de referência para o atendimento de crianças com infecções congênitas e outras malformações compatíveis com SRC. Assim, será possível detectar os casos suspeitos, realizar exames diagnósticos e intervenções mais precocemente, o que tende a aumentar a especificidade do sistema. 120 3,5 100 3 2,5 80 2 60 1,5 40 1 20 0 0,5 1997 1998 1999 2000 Casos de SRC 2001 2002 2003 Incidência por 100 mil* Número de casos Figura 1. Incidência* e nº de casos confirmados e compatíveis de SRC. Brasil, 1997-2003 0 Incidência Fonte: Sinan *Denominador: População <1ano, IBGE Vigilância epidemiológica Objetivos Conhecer a magnitude da SRC como problema de saúde pública, notificar e investigar todos os casos suspeitos de SRC, avaliar o impacto das estratégias de vacinação e divulgar informações para os profissionais e serviços de saúde. 688 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Síndrome da Rubéola Congênita Definição de caso Suspeito Todo recém-nascido cuja mãe foi caso suspeito ou confirmado de rubéola ou contato de caso confirmado de rubéola durante a gestação, ou toda criança, até 12 meses de idade, que apresente sinais clínicos compatíveis com infecção congênita pelo vírus da rubéola, independente da história materna. Confirmado Caso suspeito que apresenta malformações congênitas compatíveis com SRC e evidência laboratorial da infecção congênita pelo vírus da rubéola: presença de anticorpos IgM específicos ou elevação persistente dos títulos de anticorpos da classe IgG, detectados através de ensaio imunoenzimático (Elisa) em amostras pareadas, com intervalo de 3 meses. 6 Importado Caso cuja exposição ocorreu fora do continente americano durante os 14 a 23 dias prévios ao surgimento do exantema, de acordo com a análise dos dados epidemiológicos e/ou virológicos. Caso relacionado com importação – infecção contraída localmente que ocorre como parte de uma cadeia de transmissão originada por um caso importado, de acordo com a análise dos dados epidemiológicos e/ou virológicos. Caso com origem de infecção desconhecida – caso em que não foi possível estabelecer a origem da fonte de infecção, após investigação epidemiológica minuciosa. Compatível Caso suspeito que apresente pelo menos uma manifestação clínica do Grupo 1 (sinais maiores) associada a uma outra do Grupo 2 (sinais menores) ou à história de infecção materna comprovada por laboratório ou vínculo epidemiológico durante a gestação. Grupo 1 – catarata/glaucoma congênitos (interpretar como uma só manifestação), cardiopatia congênita, retinopatia pigmentar, surdez. Grupo 2 – hepatoesplenomegalia, icterícia, microcefalia, retardo mental, meningoencefalite, púrpura trombocitopênica, radiotransparência óssea nas metáfises (osteopatia de ossos longos). S Infecção congênita Caso suspeito que apresenta evidência laboratorial de infecção congênita pelo vírus da rubéola, sem nenhuma manifestação clínica compatível com SRC. Descartado O caso será classificado como descartado quando enquadrar-se em uma das seguintes condições: • títulos de IgM e IgG ausentes em crianças menores de 12 meses; Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 689 Síndrome da Rubéola Congênita • títulos de IgG diminuindo, em prazo compatível com a transferência de anticorpos maternos detectados por ensaio imunoenzimático a partir do nascimento; • quando, por qualquer motivo, os resultados do exame sorológico do recém-nascido não estiverem disponíveis e os dados clínicos forem insuficientes para confirmar o caso pela clínica; • títulos de IgG ausentes na mãe. Notificação A notificação deve ser feita, de imediato, para a Comissão de Infecção Hospitalar e Serviço de Vigilância Epidemiológica da unidade de saúde. O recém-nascido pode ser fonte de infecção dentro de uma unidade de saúde, sendo necessária a adoção de medidas de controle, como isolamento respiratório e vacinação de contactantes. Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente Realizar exame clínico minucioso para detectar malformações e coletar sangue para sorologia. Todo caso que apresentar malformação deverá ser encaminhado para especialista (neurologista, cardiologista, otorrinolaringologista e/ou oftalmologista, etc.), para tratamento específico. Qualidade da assistência Verificar se os casos estão sendo atendidos em unidade de saúde com capacidade para prestar atendimento adequado e oportuno. Na maioria das vezes, estes pacientes necessitam de cuidados permanentes e contínuos, demandando avaliação especializada (déficit auditivo, cardiopatias, malformações oculares). Proteção individual para evitar circulação viral É necessário realizar o isolamento dos contatos do recém-nascido, uma vez que o vírus pode estar presente em fluidos corporais (secreção nasofaríngea e urina). A infecção pode ser transmitida aos susceptíveis, sendo importante a vacinação dos profissionais de saúde e contactantes. É importante evitar o contato de gestantes com a criança. Confirmação diagnóstica Coletar material para diagnóstico laboratorial, de acordo com as orientações do Anexo 1. Proteção da população Após o conhecimento de um surto de rubéola é importante avaliar a distribuição etária dos casos confirmados e a situação vacinal, além da cobertura vacinal na área. Se o surto ocorrer em um grupo não vacinado, realizar a vacinação visando, principalmente, interromper a circulação viral, reduzindo o risco de exposição de gestantes susceptíveis ao vírus. 690 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Síndrome da Rubéola Congênita Devem ser organizadas divulgação nos meios de comunicação de massa, visitas domiciliares e palestras nas comunidades para esclarecer a população sobre a doença, a gravidade da infecção intra-uterina e a importância da vacinação. Investigação Todo caso suspeito de SRC deve ser investigado em até 48 horas após a notificação, com o objetivo de: • caracterizar clinicamente o caso; • coletar dados epidemiológicos do caso; • coletar amostra de sangue para exame sorológico, a fim de confirmar o diagnóstico; • desencadear as medidas de controle pertinentes; • obter informações detalhadas e uniformes, para todos os casos, possibilitando a comparação dos dados e a análise adequada da situação epidemiológica da doença; • confirmar ou descartar o caso, conforme os critérios estabelecidos. 6 O instrumento de coleta de dados – ficha epidemiológica específica de SRC – disponível no Sinan contém os elementos essenciais a serem coletados em uma investigação de rotina. Todos os seus campos devem ser criteriosamente preenchidos, mesmo quando a informação for negativa. Outros itens e observações podem ser incluídos, conforme as necessidades e peculiaridades de cada situação. Toda gestante com resultado sorológico (IgM) positivo para rubéola ou que teve contato com casos confirmados ou suspeitos de rubéola deve ser acompanhada pelo serviço de vigilância epidemiológica, com o objetivo de verificar a ocorrência de abortos, natimortos ou o nascimento de crianças com ou sem malformações congênitas ou outras anomalias. Roteiro da investigação epidemiológica Identificação do paciente Preencher todos os campos da ficha de investigação epidemiológica do Sinan, relativos aos dados gerais, notificação individual e dados de residência. S Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Para confirmar a suspeita diagnóstica Anotar na ficha de investigação os dados da história e manifestações clínicas: • deve-se consultar o prontuário e entrevistar o médico assistente, para completar as informações clínicas sobre o paciente. Estas informações servirão para definir se o quadro apresentado é compatível com a doença; • sugere-se fazer uma cópia da anamnese, exame físico e evolução do doente, com vistas ao enriquecimento das análises e, também, para que possam servir como instrumento de aprendizagem dos profissionais do nível local; acompanhar a evolução dos pacientes e os resultados dos exames laboratoriais específicos. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 691 Síndrome da Rubéola Congênita Para identificação de novos casos de SRC • Realizar busca ativa nos livros de registros de internação e alta de pacientes e no Sistema de Informação Hospitalar (SIH) em maternidades, unidades neonatais e livros de registros de serviços pediátricos especializados, como cardiologia, oftalmologia, neurologia, otorrinolaringologia e fonoaudiologia. • Locais com ocorrência de surto: além do acompanhamento das gestantes que tiveram diagnóstico de rubéola confirmado, realizar vigilância ativa prospectiva nas maternidades, unidades neonatais e pediátricas, por um período de pelo menos 9 meses após o término do surto. Coleta e remessa de material para exames • Logo após a suspeita de SRC, coletar sangue de todos os casos. • É da responsabilidade dos profissionais da vigilância epidemiológica e/ou dos laboratórios centrais ou de referência viabilizar, orientar ou mesmo realizar estas coletas. Não se deve aguardar os resultados dos exames para o desencadeamento das medidas de controle e outras atividades da investigação, embora eles sejam imprescindíveis para a confirmação de casos e para nortear o encerramento das investigações. Se o teste de IgM for negativo, a criança pode ser retirada do isolamento. Análise dos dados A análise dos dados da investigação deve permitir a avaliação da magnitude do problema, a caracterização clínica da coorte, a identificação de oportunidades perdidas de vacinação, a adequação das medidas de controle adotadas e, finalmente, a avaliação do impacto das estratégias de vacinação atuais na prevenção da SRC. Encerramento de casos As fichas epidemiológicas de cada caso devem ser analisadas visando definir qual o critério utilizado para o diagnóstico. Espera-se que todos os casos sejam classificados pelo critério laboratorial. Relatório final Os dados da ficha de investigação deverão estar adequadamente encerrados e digitados no Sinan, no período de até 180 dias após a notificação do caso, para as análises epidemiológicas necessárias. Instrumentos disponíveis para controle A vacina tríplice viral (sarampo, rubéola e caxumba) foi implantada no Brasil, de forma gradativa, no período de 1992 a 2000. Atualmente, a vacinação contra a rubéola está inserida no calendário vacinal de rotina, devendo ser realizada aos 12 meses de vida. O 692 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Síndrome da Rubéola Congênita sistema de vigilância da SRC foi implantado em 2000, objetivando conhecer a magnitude da SRC como problema de saúde pública e avaliar as estratégias de vacinação. Roteiro de investigação epidemiológica da síndrome da rubéola congênita Notificação de caso(s) suspeito(s) Investigação Identificar ocorrência de surtos Atenção médica/ dados clínicos e epidemiológicos Sim Coleta de material para sorologia 6 Identificar área de transmissão Enviar ao laboratório Determinar a extensão da área de transmissão Resultado do exame Negativo Adotar medidas de prevenção e controle Positivo Monitoramento da área durante 9 meses Encerrar o caso Bloqueio Acompanhamento de mulheres grávidas expostas e recém-nascido Educação em saúde Imunização Recomendações para a vacinação – a vacinação é uma estratégia para o controle da rubéola e prevenção da SRC. A medida de controle, quando da detecção de um caso de SRC, é a vacinação de bloqueio, que deve ocorrer no hospital de atendimento do caso, no domicílio e na creche que a criança irá freqüentar, uma vez que o vírus pode ser excretado pelas secreções nasofaríngeas e urina, em até 1 ano de idade. Administrar a vacina tríplice viral (sarampo/rubéola/caxumba) no grupo etário de 1 a 39 anos de idade, na rotina, e nos bloqueios de 6 meses a 39 anos de idade. É necessário que as crianças de 6 a 11 meses sejam revacinadas aos 12 meses de idade na rotina, quando a vacina tem maior eficácia, sendo esta a dose considerada válida. S Ações de educação em saúde • Esclarecer a população, principalmente da área da educação e creches, sobre a doença, a importância de notificar a secretaria municipal de saúde e a vacinação de crianças e mulheres para a prevenção da SRC. • Orientar os profissionais de creches quanto aos cuidados com a criança portadora de SRC. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 693 Síndrome da Rubéola Congênita Anexo 1 Normas para procedimentos laboratoriais O diagnóstico específico de cada paciente com suspeita de síndrome da rubéola congênita é da maior importância para a vigilância epidemiológica. A seguir, são descritos os exames laboratoriais disponíveis, suas interpretações e as normas de coleta dos espécimes. Testes sorológicos • MAC-Elisa – é bastante sensível e detecta anticorpos específicos da classe IgM, que indica infecção ativa. Esses anticorpos, na infecção congênita, aparecem desde o nascimento e perduram, em geral, até os 180 dias de vida. É um teste sensível, de eleição para a triagem de casos. • PCR – detecta material genético do vírus em amostra clínica (urina e secreção nasofaríngea). • Isolamento viral em cultura de células – útil para identificar o genótipo do vírus, possibilitando conhecer a origem do vírus, em casos importados, e também diferenciar o vírus selvagem do vacinal. • Diagnóstico histopatológico – realizado a partir de coleta de material post-mortem. Coleta e conservação de material para diagnóstico da síndrome da rubéola congênita Tipo de diagnóstico Tipo de material Quantidade Nº de amostras 1ª ao nascer; Sangue Sorológico Isolamento viral Obtenção da amostra: punção venosa Crianças: Secreções nasofaringeas através de swab Uma amostra de cada narina e uma da garganta Urina 2 -5ml 2-5ml Até 3* Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 2ª no terceiro mês de vida; 3ª no sexto mês de vida 1 1 *Conforme resultado da primeira amostra. 694 Período da coleta Após o resultado de IgM positivo na 1ª amostra, até 12 meses de vida Recipiente Tubo plástico ou vidro, com tampa de rosca ou frasco com vácuo Frasco estéril de plástico com meio específico Após o resultado de IgM positivo Frasco estéril na 1ª amostra, de plástico até 12 meses de vida Armazenamento/ conservação Geladeira local: 4ºC a 8ºC até 48 horas Lacen: -20ºC Em geladeira até 48 horas (sem congelar) Lacen: freezer a -70ºC Em geladeira até 48 horas (sem congelar) Lacen: freezer a -70ºC Transporte Gelo reciclável em até 48 horas após a coleta Gelo reciclável em até 48 horas após a coleta Gelo reciclável em até 48 horas após a coleta Síndrome da Rubéola Congênita Todo material deverá ser enviado devidamente identificado e acompanhado de cópia da ficha de acompanhamento sorológico, que servirá para orientar os técnicos do laboratório quanto aos exames indicados, de acordo com o período que antecedeu a suspeita da infecção. A informação sobre a história vacinal dos casos suspeitos é muito importante para subsidiar a análise adequada dos resultados de testes sorológicos. Conduta frente a um caso suspeito Recém-nascido cuja mãe foi caso suspeito ou confirmado de rubéola durante a gestação, ou criança de até 12 meses que apresente sinais clínicos compatíveis com infecção congênita pelo vírus da rubéola, independente da história materna 6 Suspeito de síndrome da rubéola congênita Notificar Colher amostra de sangue para sorologia logo após o nascimento ou suspeita de SRC Vacinação de bloqueio IgM + IgM IgG - IgM IgG + Confirmar o caso Descartar o caso Coletar 2ª amostra após 3 meses da coleta da 1ª amostra Se o IgG mantiver o título anterior ou for maior Se houver queda acentuada do título de IgG, comparado ao anterior Confirmar o caso Descartar o caso S Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 695 Tétano Acidental TÉTANO ACIDENTAL CID 10: A35 Características clínicas e epidemiológicas Descrição Doença infecciosa aguda não-contagiosa, causada pela ação de exotoxinas produzidas pelo Clostridium tetani, que provocam um estado de hiperexcitabilidade do sistema nervoso central. Clinicamente, a doença manifesta-se por febre baixa ou ausente, hipertonia muscular mantida, hiperreflexia e espasmos ou contraturas paroxísticas espontâneas ou ocasionados por vários estímulos, tais como sons, luminosidade, injeções, toque ou manuseio. Em geral, o paciente mantém-se consciente e lúcido. Agente etiológico O Clostridium tetani, bacilo gram-positivo esporulado, anaeróbico, morfologicamente semelhante a um alfinete de cabeça, com 4 a 10μ de comprimento. Produz esporos que lhe permitem sobreviver no meio ambiente por vários anos. Reservatório O Clostridium tetani é comumente encontrado na natureza, sob a forma de esporo, nos seguintes meios: pele, trato intestinal dos animais (especialmente do cavalo e do homem, sem causar doença), fezes, terra, reino vegetal, águas putrefatas, instrumentos perfurocortantes enferrujados, poeira das ruas, etc. Modo de transmissão Não há transmissão direta ou indireta. A infecção ocorre pela introdução dos esporos em solução de continuidade da pele ou mucosas (ferimentos superficiais ou profundos de qualquer natureza). Em meio a condições favoráveis de anaerobiose, os esporos transformam-se em formas vegetativas, que são as responsáveis pela produção de tetanospasminas. A presença de tecidos desvitalizados, corpos estranhos, isquemia e infecção contribuem para diminuir o potencial de oxirredução. Período de incubação É o período requerido pelo esporo para germinar, elaborar as toxinas e permitir que estas atinjam o sistema nervoso central, gerando alterações funcionais com aumento da excitabilidade. Varia de um dia a alguns meses, mas comumente é de três a 21 dias. Período de transmissibilidade Não há. 696 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tétano Acidental Susceptibilidade e imunidade A susceptibilidade é universal, independente de sexo ou idade. A imunidade permanente é conferida pela vacina com 3 doses e reforço a cada 5 ou 10 anos A doença não confere imunidade. Os filhos de mães imunes apresentam imunidade passiva e transitória até 4 meses. Recomenda-se um reforço em caso de nova gravidez, se esta distar mais de 5 anos da última dose. A imunidade através do soro antitetânico (SAT) dura até 14 dias, em média 1 semana, e a conferida pela imunoglobulina humana antitetânica dura de 2 a 4 semanas, em média 14 dias. Aspectos clínicos Manifestações clínicas O tétano é uma toxiinfecção causada pela toxina do bacilo tetânico, introduzido no organismo através de ferimentos ou lesões de pele ou mucosa. Clinicamente, o tétano acidental se manifesta por: Hipertonia dos músculos – masseteres (trismo e riso sardônico), pescoço (rigidez de nuca), faringe (ocasionando dificuldade de deglutição-disfagia), contratura muscular progressiva e generalizada dos membros superiores e inferiores (hiperextensão de membros), reto-abdominais (abdome em tábua), paravertebrais (opistótono) e diafragma, levando à insuficiência respiratória; os espasmos são desencadeados ao menor estímulo (luminoso, sonoro ou manipulação do paciente) ou surgem espontaneamente; Período de infecção – em média, de dois a cinco dias; Remissão – não apresenta período de remissão; Período toxêmico – ocorre sudorese pronunciada e pode haver retenção urinária por bexiga neurogênica. Inicialmente, as contrações tônico-clônicas ocorrem sob estímulos externos. Com a evolução da doença, passam a ocorrer espontaneamente. É característica da doença o enfermo manter-se lúcido e apirético ou com febre baixa. A presença de febre acima de 38°C é indicativa de infecção secundária ou de maior gravidade do tétano. 6 T Diagnóstico diferencial Em relação às formas generalizadas do tétano, incluem-se os seguintes diagnósticos diferenciais: • intoxicação pela estricnina – há ausência de trismos e de hipertonia generalizada durante os intervalos dos espasmos; • meningites – há febre alta desde o início, ausência de trismos, presença dos sinais de Kerning e Brudzinsky, cefaléia e vômito; • tetania – os espasmos são principalmente nas extremidades, com sinais de Trousseau e Chvostek presentes, hipocalcemia e relaxamento muscular entre os paroxismos; • raiva – história de mordedura, arranhadura ou lambedura por animais, convulsão, ausência de trismos, hipersensibilidade cutânea e alterações de comportamento; Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 697 Tétano Acidental • histeria – ausência de ferimentos e de espasmos intensos. Quando o paciente se distrai, desaparecem os sintomas; • intoxicação pela metoclopramida e por neurolépticos – podem levar ao trismo e hipertonia muscular; • processos inflamatórios da boca e faringe, acompanhados de trismo – dentre os principais, citam-se: abscesso dentário, periodontite alvéolo-dentária, erupção viciosa do dente do siso, fratura e/ou osteomielite de mandíbula, abscesso amigdaliano e/ou retrofaríngeo; • doença do soro – pode cursar com trismo, que é decorrente da artrite têmporomandibular que se instala após uso do soro heterólogo. Ficam evidenciadas lesões maculopapulares cutâneas, hipertrofia ganglionar, comprometimento renal e outras artrites. É importante chamar a atenção para as condições que, mesmo excepcionalmente, podem figurar no diagnóstico diferencial do tétano, tais como: ❯ osteoartrite cervical aguda com rigidez de nuca; ❯ espondilite septicêmica; ❯ hemorragia retroperitonial; ❯ úlcera péptica perfurada; ❯ outras causas de abdome agudo; ❯ epilepsia; ❯ outras causas de convulsões. Diagnóstico laboratorial e exames complementares O diagnóstico do tétano é eminentemente clínico-epidemiológico, não dependendo de confirmação laboratorial. O laboratório auxilia no controle das complicações e tratamento do paciente. O hemograma habitualmente é normal, exceto quando há infecção inespecífica associada. As transaminases e uréia sangüíneas podem elevar-se nas formas graves. A dosagem de gases e eletrólitos é importante nos casos de insuficiência respiratória. As radiografias de tórax e da coluna vertebral devem ser realizadas para o diagnóstico de infecções pneumônicas e de fraturas de vértebras, respectivamente. Hemoculturas, culturas de secreções e de urina são indicadas nos casos de infecção secundária. Tratamento O doente deve ser internado em unidade apropriada com temperatura estável e agradável e o mínimo de ruído e luminosidade. Casos graves têm indicação de terapia intensiva, onde haja suporte necessário para o manejo de complicações e conseqüente redução das seqüelas e letalidade. São de fundamental importância os cuidados dispensados por equipes médica e de enfermagem, experientes no atendimento a esse tipo de enfermidade. Os princípios básicos do tratamento são: • sedação do paciente – através do uso de benzodiazepínicos e miorrelaxantes; • neutralização da toxina tetânica – utiliza-se o soro antitetânico (SAT), cuja indi- 698 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tétano Acidental cação terapêutica é de 10 mil a 20 mil UI para crianças e adultos, via intramuscular, distribuída em duas massas musculares, ou via endovenosa, diluído para 100 ml de soro fisiológico e infundido em uma hora. Atentar para a possibilidade do surgimento de reação anafilática. A realização prévia de testes oculares e intradérmicos é de grande importância para avaliar a existência de hipersensibilidade, porém não são inteiramente seguros. Desse modo, tanto a avaliação de hipersensibilidade quanto a administração do SAT devem ser feitas em ambiente hospitalar, garantindo-se medidas imediatas de suporte de vida frente a ocorrência de reação anafilática. A imunoglobulina humana antitetânica (IGHAT ou TIG) é disponível no Brasil apenas para uso intramuscular, em duas ou mais massas musculares, na dosagem, a critério médico, de 1 mil a 3 mil UI. A administração da TIG pela via intratecal, ainda é controversa na literatura e, no Brasil, seu uso está limitado a protocolos de pesquisas; • debridamento do foco – limpar o ferimento suspeito com soro fisiológico ou água e sabão e retirar o tecido desvitalizado e corpos estranhos. Após a remoção de todas as áreas suspeitas, fazer limpeza com água oxigenada ou solução de permanganato de potássio a 1:5000. Ferimentos puntiformes e profundos devem ser abertos em cruz e lavados com soluções oxidantes. Não há comprovação de eficácia do uso de penicilina benzatina como profilático do tétano acidental, nas infecções cutâneas. Além de tratamento sintomático, caso haja indicação para o uso de antibióticos proceder de acordo com os esquemas terapêuticos indicados pela situação clínica. 6 Aspectos epidemiológicos O tétano ainda constitui problema de saúde pública nas áreas onde os níveis de desenvolvimento humano e de cobertura vacinal são inadequados. No Brasil, verifica-se tendência de declínio das taxas médias de incidência no período de 1982 a 2003 (vide gráfico a seguir), com uma redução de 72% no número absoluto de casos confirmados. A região Sudeste apresentou a maior redução no coeficiente de incidência deste período, decrescendo de 1,00 para 0,01 por 100 mil habitantes. Esta situação pode ser atribuída ao maior desenvolvimento socioeconômico e educacional e ao maior acesso a serviços de saúde, inclusive da população que migrou da zona rural para a urbana como conseqüência da mecanização da agricultura. A doença tem acometido todas as faixas etárias mas, atualmente, 46,2% dos casos estão concentrados no grupo de 20 a 49 anos de idade, seguido do de 50 anos e mais, que acumula um percentual de 35,3%. A faixa etária predominante varia conforme a região: as regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste têm apresentado baixas incidências no grupo dos menores de 15 anos de idade, ao contrário das regiões Norte e Nordeste. Outras características da situação epidemiológica do tétano acidental, para o país como um todo: tem acometido com mais freqüência o sexo masculino; a partir dos anos 90, a zona urbana passou a responder pelo maior número de casos (62,2%); a letalidade está acima de 30%, afetando principalmente os menores de cinco anos e os idosos, sendo con- Secretaria de Vigilância em Saúde / MS T 699 Tétano Acidental siderada elevada quando comparada com os países de maior desenvolvimento econômico, que apresentam taxas entre 10% a 17%. Tétano acidental: distribuição dos coeficientes de incidência. Brasil, 1982-2003 2,0 Coeficiente de incidência /100 mil hab. 1,8 1,6 1,4 1,2 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 Ano Fonte: Devep/CGVEP/SVS/MS *Dados sujeitos a revisão Vigilância epidemiológica Objetivos • • • • • • Monitorar o comportamento epidemiológico da doença. Avaliar a efetividade das medidas de prevenção e controle. Investigar, com qualidade, 100% dos casos suspeitos. Identificar grupos de risco. Analisar dados e adotar medidas de controle pertinentes. Produzir e disseminar informações epidemiológicas Definição de caso Suspeito Todo paciente com dificuldade para deglutir, trismo, contraturas musculares localizadas ou generalizadas progressivas, com ou sem espasmos, apresentando ou não solução de continuidade de pele ou mucosa, independente de história vacinal e doença prévia de tétano. 700 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tétano Acidental Confirmado Todo caso suspeito cujos sinais/sintomas não se justifiquem por outras etiologias e apresente hipertonia dos masseteres (trismo), disfagia, contratura dos músculos da mímica facial (riso sardônico, acentuação dos sulcos naturais da face, pregueamento frontal, diminuição da fenda palpebral), rigidez abdominal (abdome em tábua), contraturas da musculatura paravertebral (opistótono), da região cervical (rigidez de nuca), de membros (dificuldade para deambular), independente da situação vacinal, história prévia de tétano e de detecção de solução de continuidade da pele ou mucosa. A lucidez do paciente reforça o diagnóstico. Descartado Todo caso suspeito que, após investigação clínica e epidemiológica, não preencha os critérios de confirmação. 6 Notificação A notificação de casos suspeitos de tétano acidental deverá ser feita às autoridades e instâncias superiores por profissionais da saúde ou por qualquer pessoa da comunidade. Após a notificação, deve-se proceder a investigação epidemiológica. Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente Hospitalização imediata. Qualidade da assistência A internação deve ser imediata, em unidades específicas ou de terapia intensiva de maior complexidade; os pacientes devem ser assistidos por profissionais médicos e de enfermagem qualificados e com experiência com esta doença, visando diminuir a letalidade e as seqüelas. Alguns cuidados são necessários com relação à internação (unidades especiais com pouca iluminação, diminuição de ruídos, temperaturas estáveis e mais baixas que a temperatura corporal e manipulação restrita apenas ao necessário), devido a possibilidade do desencadeamento das crises de contraturas. O isolamento é feito em virtude da necessidade de cuidados especiais e não pela infecção, pois a doença não é transmissível. T Proteção individual Não é necessária, já que não há transmissão de pessoa a pessoa. Confirmação diagnóstica Mediante dados clínicos e epidemiológicos. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 701 Tétano Acidental Proteção da população O tétano acidental é uma doença para a qual há um meio eficaz de proteção. Portanto, frente ao conhecimento da ocorrência de caso(s), deve-se avaliar a situação das ações de prevenção do tétano na área e implementar medidas que as reforcem. Além da vacinação de rotina, de acordo com os calendários de vacinação da criança, do adolescente e do adulto e do idoso, destaca-se, em particular, a identificação e vacinação de grupos de risco, como trabalhadores da construção civil e da agricultura, catadores de lixo, trabalhadores de oficinas mecânicas, etc. Destaca-se, ainda, a importância da atualização dos profissionais de saúde quanto ao tratamento adequado de ferimentos e esquemas de prevenção da doença. Investigação Imediatamente após a notificação de um caso suspeito, iniciar a investigação epidemiológica para permitir que as medidas de controle possam ser adotadas em tempo oportuno. O instrumento de coleta de dados é a ficha de investigação epidemiológica do Sinan, que contém as variáveis de interesse a serem analisadas em uma investigação de rotina. Todos os seus campos devem ser criteriosamente preenchidos, mesmo quando a informação for negativa. É importantíssima a revisão do preenchimento, ou seja, verificar a completude e consistência das informações antes da digitação no Sinan. Outros itens e observações podem ser incluídos, conforme as necessidades e peculiaridades de cada situação. Observar o prazo máximo para o encerramento dos casos. Roteiro da investigação epidemiológica Identificação do paciente Preencher todos os campos da ficha de investigação epidemiológica do Sinan relativos aos dados gerais, notificação individual e dados de residência. Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Para confirmar a suspeita diagnóstica • Anotar na ficha de investigação os dados da história clínica. • Consultar a ficha de atendimento e/ou prontuário, entrevistar o médico assistente ou alguém da família ou acompanhante e realizar visita domiciliar e/ou no local de trabalho para completar as informações sobre a manifestação da doença e possíveis fatores de exposição no meio ambiente. • Acompanhar a evolução do caso, as medidas implementadas e encerrar a investigação epidemiológica no sistema de informação. Para identificar as áreas ou grupos de risco • Verificar a ocorrência de outros casos no município, levantar os possíveis fatores determinantes, identificar a população de risco e traçar estratégias para a implementação das ações de prevenção para o tétano. 702 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tétano Acidental Observação: casos de tétano em conseqüência de aborto podem às vezes ser mascarados quanto ao diagnóstico final. Análise da situação A qualidade da investigação é fundamental para uma análise adequada dos dados coletados, permitindo a caracterização do problema segundo pessoa, tempo e lugar e o levantamento de hipóteses e/ou explicações que vão subsidiar o planejamento das ações para solucionar ou minimizar os problemas detectados. Permite também melhor conhecimento acerca da magnitude do problema e adoção oportuna das medidas de prevenção e controle. Encerramento de casos Após a coleta e análise de todas as informações necessárias à investigação do caso, definir o diagnóstico final e atualizar, se necessário, os sistemas de informação (Sinan, SIHSUS e SIM). 6 Relatório final Após análise, os dados deverão ser sumarizados em um relatório com as principais conclusões, das quais destacam-se: • se o caso foi decorrente de falhas de vacinação ou devido a baixa cobertura vacinal na área ou em grupos de risco, ou ainda se houve conservação inadequada da vacina, o que implica a adoção de medidas de aprimoramento desses serviços; • se a ocorrência dos casos pode estar atribuída à falta de conhecimento quanto às formas de prevenção, desconhecimento da existência da vacina eficaz e gratuita nos serviços de saúde ou problemas de acesso a estes serviços; • importância do uso de equipamentos de proteção individual em atividades de risco para esta doença. Algumas estratégias recomendadas • Garantir a vacina em estoque suficiente para a demanda nas unidades de saúde. • Garantir o funcionamento das salas de vacina nos horários comerciais. • Sensibilizar a população em geral acerca da importância da vacina e de manter o esquema vacinal atualizado. • Reforçar a importância das parcerias, principalmente com outros órgãos, como Ministério do Trabalho, sociedades de infectologia, CRM, Coren, serviços de atenção básica, serviços de atuação à saúde do trabalhador, ONGs, saúde indígena, educação, etc. • Divulgar, na mídia, a importância e a necessidade da prevenção. • No âmbito da atenção à saúde, aplicar as medidas terapêuticas e profiláticas indicadas de acordo com a classificação do ferimento, assegurando as doses subseqüentes após a alta hospitalar, se necessário. • implementar todas as ações em parceria com os diversos atores envolvidos, atentando para as questões político-gerenciais pertinentes à situação. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS T 703 Tétano Acidental Roteiro de investigação do tétano acidental Caso suspeito Notificação Investigação Coletar dados clínicos e epidemiológicos Identificação preliminar da (s) área (s) e/ou grupos de risco Verificar a existência de outros casos através de busca ativa Analisar a cobertura vacinal contra o tétano em crianças, adolescentes e adultos Complementar a investigação epidemiológica Reforçar as atividades de vacinação, com ênfase nos grupos de maior risco para a doença Encerrar o (s) caso (s) e atualizar os sistemas de informação Meios disponíveis para prevenção Vacinação Atualmente, a vacinação contra o tétano é realizada concomitantemente à vacinação contra a difteria, coqueluche e contra a meningite pelo Haemophilus influenza tipo b ou associada somente ao componente antidiftérico, infantil ou do adulto (ver quadro abaixo). Os eventos adversos são raros, comumente apresentando-se sob a forma de dor local, hiperemia, edema e induração e febrícula com sensação de mal-estar de intensidade variável e passageira. Recomendações para a vacinação Recomenda-se o esquema vacinal completo contra o tétano a todas as pessoas ainda não vacinadas ou àquelas com esquema incompleto, independente da idade e sexo. Deve- 704 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tétano Acidental se considerar como dose válida apenas as que podem ser comprovadas por caderneta de vacinação. Como o bacilo encontra-se no meio ambiente, a exposição acidental ao mesmo através de um ferimento é universal. A manutenção de altas taxas de cobertura vacinal torna-se prioritária, tendo em vista a gravidade do quadro clínico, a elevada taxa de letalidade e as seqüelas decorrentes das complicações. A prevenção do tétano poderá ser iniciada com as vacinas abaixo indicadas: Esquemas e orientações para vacinação Vacina Tetravalente (DTP + Hib) Protege contra Eficácia Difteria, tétano, coqueluche e doença invasiva por Haemohilus influenzae tipo b Difteria: 80% Difteria e tétano dT (adolescente e adulto) Tétano: 99% Coqueluche: 75% a 80% Início da vacinação (idade) 2 meses de idade Dose/dosagem via de administração / intervalo entre as doses Aos 15 meses (1º reforço) e entre 4-6 anos (2º reforço) 3 doses/0,5ml/IM/ 30- 60 dias Tétano: 99% 6 Ambos devem ser feitos com a vacina DTP Sete anos de idade e MIF Difteria: 80% Reforços Para pessoas que não tenham recebido o esquema básico completo e os dois reforços Três doses/0,5ml/IM/ 60 dias entre as doses, mínimo de 30 dias Uma dose a cada 10 anos, exceto em caso de gravidez e ferimento grave Antecipar o reforço se a última dose foi há mais de cinco anos A vacina deve ser conservada entre +2°C e +8°C. O seu congelamento provoca a desnaturação protéica e a desagregação do adjuvante, com perda de potência e aumento dos eventos adversos. Recomendações para a soroterapia O soro antitetânico (SAT) é indicado para a prevenção e o tratamento do tétano. A sua indicação depende do tipo e das condições do ferimento, bem como das informações relativas ao uso do próprio SAT e do número de doses da vacina contra o tétano recebido anteriormente. O SAT é composto a partir do soro de eqüinos hiperimunizados com toxóide tetânico e apresenta-se sob forma líquida, em ampolas de 5ml (5000 UI). A dose e o volume do SAT dependem do motivo que justificou sua indicação. A dose profilática é de 5000 UI (para crianças e adultos) e a dose terapêutica de 20 mil UI. A administração do SAT é por via intramuscular, podendo ser na região deltóide, na face externa superior do braço, no vasto lateral da coxa ou no quadrante superior do glúteo. Quando o volume a ser administrado for grande, a dose deve ser dividida entre os membros superiores e a região glútea. Ao administrar o SAT juntamente com a vacina contra o tétano, utilizar regiões musculares diferentes. A pessoa que fez uso do SAT deve ser alertada para procurar o serviço de saúde caso apresente febre, urticária, dores musculares e aumento de gânglios, dentre outros sintomas. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS T 705 Tétano Acidental A imunoglobulina humana hiperimune antitetânica (IGHAT) é indicada para o tratamento de casos de tétano, em substituição ao SAT, nas seguintes situações: hipersensibilidade ao soro heterólogo, história pregressa de alergia ou hipersensibilidade ao uso de outros soros heterólogos. A IGHAT é constituída por imunoglobulinas da classe IgG que neutralizam a toxina produzida pelo Clostridium tetani, obtida do plasma humano. Apresenta-se sob forma líquida ou liofilizada em frasco-ampola de 1ml ou 2ml contendo 250 UI e sua conservação deverá ser feita entre +2ºC e +8ºC, não podendo ser congelada. Sua administração é por via intramuscular, podendo ser aplicada na região deltóide, na face externa superior do braço. Em menores de dois anos, utilizar o vastolateral da coxa. A dose e volume dependem da justificativa utilizada para seu uso (profilático ou terapêutico). Conduta frente a ferimentos suspeitos Esquema de condutas profiláticas de acordo com o tipo de ferimento e situação vacinal Ferimentos com risco mínimo de tétano* História de vacinação prévia contra tétano Vacina Incerta ou menos de 3 doses Sim* SAT/IGHAT Não Outras condutas Limpeza e desinfecção, lavar com soro fisiológico e substâncias oxidantes ou antissépticas e debridar o foco de infecção 3 doses ou mais, sendo a última dose há menos de 5 anos Não Não - 3 ou mais doses, sendo a última dose há mais de 5 anos e menos de 10 anos Não Não - 3 ou mais doses, sendo a última dose há 10 ou mais anos Sim Não - Ferimentos com alto risco de tétano** Vacina Sim*** SAT/IGHAT Sim Outras condutas Desinfecção, lavar com soro fisiológico e substâncias oxidantes ou antissépticas e remover corpos estranhos e tecidos desvitalizados Debridar o ferimento e lavar com água oxigenada Não Sim (1 reforço) Sim (1 reforço) Não - Não**** - Não**** - *Ferimentos superficiais, limpos, sem corpos estranhos ou tecidos desvitalizados. **Ferimentos profundos ou superficiais sujos, com corpos estranhos ou tecidos desvitalizados; queimaduras; feridas puntiformes ou por armas brancas e de fogo; mordeduras; politraumatismos e fraturas expostas. ***Vacinar e aprazar as próximas doses, para complementar o esquema básico. Esta vacinação visa proteger contra o risco de tétano por outros ferimentos futuros. Se o profissional que presta o atendimento suspeita que os cuidados posteriores com o ferimento não serão adequados, deve considerar a indicação de imunização passiva com SAT ou IGHAT. Quando indicado o uso de vacina e SAT ou IGHAT, concomitantemente, devem ser aplicados em locais diferentes. ****Para paciente imunodeprimido, desnutrido grave ou idoso, além do reforço com a vacina está também indicada IGHAT ou SAT. 706 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tétano Acidental Ações de educação em saúde A educação em saúde é uma prática social que tem por objetivo promover a consciência sanitária dos cidadãos. Estimula a luta pela melhoria da qualidade de vida, conquista à saúde, responsabilidade comunitária, aquisição, apreensão, socialização de conhecimentos e opção por um estilo de vida saudável. Preconiza a utilização de métodos pedagógicos participativos (criatividade, problematização e criticidade) e dialógicos, respeitando as especificidades locais, o universo cultural da comunidade e suas formas de organização. As ações de educação em saúde devem envolver os empresários, gestores, gerentes, professores, etc., articulando-os em torno de um pacto com seus empregados, funcionários e alunos para manter o esquema vacinal em dia. Um importante grupo para a conscientização quanto à necessidade de vacinação são as gestantes, pela sua importância na prevenção do tétano neonatal. Os processos de educação continuada dos profissionais de saúde devem ser estimulados para que os mesmos se mantenham atualizados quanto aos esquemas de prevenção e tratamento. 6 Ações de comunicação Atentar para a adequação dos meios de divulgação e comunicação aos cenários socioculturais e de organização dos serviços em que são produzidos os casos de tétano acidental. Lembrar que a vacinação e conservação do cartão não é só para crianças. T Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 707 Tétano Neonatal TÉTANO NEONATAL CID 10: A33 Características clínicas e epidemiológicas Descrição Doença infecciosa aguda, grave, não-contagiosa, que acomete o recém-nascido nos primeiros dias de vida, tendo como manifestação clínica inicial a dificuldade de sucção do seio, mamadeira ou chupetas. Sinonímia Tétano umbilical e “mal de sete dias”, como é popularmente conhecido. Agente etiológico Clostridium tetani, bacilo gram-positivo esporulado anaeróbico, morfologicamente semelhante a um alfinete de cabeça, com 4 a 10μ de comprimento. Produz esporos que lhe permitem sobreviver no meio ambiente. Reservatório O Clostridium tetani é comumente encontrado na natureza, sob a forma de esporo, nos seguintes meios: pele, trato intestinal dos animais (especialmente do cavalo e do homem, sem causar doença), fezes, terra, reino vegetal, águas putrefatas, instrumentos perfurocortantes, poeira das ruas, etc. Modo de transmissão Não há transmissão de pessoa a pessoa. A infecção ocorre por contaminação, quando são utilizados instrumentos cortantes contaminados para secção do cordão umbilical, ou através do uso de substâncias contaminadas na ferida umbilical, como teia de aranha, pó de café, esterco, etc. Período de incubação Em média, sete dias, podendo variar de 2 a 28 dias. Período de transmissibilidade Como não é doença contagiosa, não existe transmissão de pessoa a pessoa. Susceptibilidade e imunidade A susceptibilidade é universal, afetando recém-nascidos de ambos os sexos e todas as raças. A doença não confere imunidade, a qual só é conferida pela vacinação adequada da mãe, com três doses (mínimo de duas). Os filhos de mães adequadamente vacinadas nos 708 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tétano Neonatal últimos 5 anos apresentam imunidade passiva e transitória até os 4 meses de vida extrauterina. A imunidade ativa obtida através da vacina dura em torno de 10 anos. No entanto, recomenda-se um reforço em caso de nova gravidez, se esta ocorrer há mais de 5 anos da última dose; a imunidade passiva através do soro antitetânico (SAT) e da imunoglobulina humana antitetânica (IGHAT) dura em média uma semana e 14 dias, respectivamente. Aspectos clínicos Manifestações clínicas Recém-nascido normal que passa a apresentar: • irritação; • choro constante, sem motivo; • recusa à amamentação; • contraturas paroxísticas, geralmente confundidas com cólica intestinal. 6 Clinicamente, o recém-nascido apresenta-se com choro constante, irritabilidade, dificuldade em abrir a boca decorrente de trismo (contratura dolorosa da musculatura da mandíbula), seguida de rigidez de nuca, tronco e abdome, sudorese e taquicardia. Evolui com hipertonia generalizada, hiperextensão dos membros inferiores e hiperflexão dos membros superiores, com as mãos em flexão, chamada de “atitude de boxeador”. Crises de contraturas e rigidez da musculatura dorsal (opistótono) e intercostal, causando problemas respiratórios. A contração da musculatura da mímica facial leva ao cerramento dos olhos, fronte pregueada e contratura da musculatura dos lábios, como se o recém-nascido fosse pronunciar a letra U. Quando há presença de febre, ela é baixa, exceto se houver infecção secundária. Os espasmos são desencadeados ao menor estímulo (toque, luminosidade, ruídos) ou surgem espontaneamente. Com a piora do quadro clínico, o recém-nascido deixa de chorar, respira com dificuldade e passam a ser constantes as crises de apnéia, que podem levar a óbito. Período de infecção – em média, de dois a cinco dias; o coto umbilical pode apresentar características de infecção ou encontrar-se normal. Período toxêmico – ocorre taquicardia com pulso filiforme, taquipnéia e presença de febre nos casos com infecção secundária. T Diagnóstico diferencial Septicemia – nas sepses do recém-nascido pode haver hipertonia muscular, porém o estado geral da criança é grave, com hipertermia ou hipotermia, alterações do sensório e evidências do foco séptico (diarréia, onfalite). O trismo não é freqüente, nem ocorrem os paroxismos; Encefalopatias – podem cursar com hipertonia e o quadro clínico geralmente é evidente logo após o nascimento, havendo alterações do sensório e crises convulsivas. O trismo não é manifestação freqüente; Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 709 Tétano Neonatal Distúrbios metabólicos – como a hipoglicemia, hipocalcemia e alcalose; Outros diagnósticos diferenciais – principalmente com a epilepsia, lesão intracraniana secundária ao parto, peritonites, onfalites e meningites bacterianas. Diagnóstico laboratorial A confirmação dos casos é eminentemente clínica e/ou a partir de vínculo clínico-epidemiológico. Os exames laboratoriais são realizados apenas para controle das complicações, orientando o tratamento do recém-nascido. O hemograma apresenta-se normal, podendo evidenciar discreta leucocitose ou linfopenia. As transaminases e a uréia sangüíneas podem elevar-se nas formas graves. A dosagem de gases e eletrólitos é importante na ocorrência de insuficiência respiratória. As radiografias de tórax e coluna vertebral torácica devem ser realizadas para o diagnóstico de infecções pneumônicas e possíveis fraturas de vértebras. Culturas de secreções, urina e sangue são indicadas nos casos de infecção secundária. Tratamento O paciente deve ser internado em unidade de terapia intensiva ou enfermaria apropriada, o que reduz as complicações e a letalidade, devendo ser acompanhado por equipe médica e de enfermagem experiente no atendimento a esse tipo de enfermidade. A unidade ou enfermaria deve dispor de isolamento acústico, com redução da luminosidade e temperatura ambiente. A atenção da enfermagem deve ser contínua, vigilante quanto às emergências respiratórias decorrentes dos espasmos, realizando pronto-atendimento com assistência ventilatória nos casos de dispnéia ou apnéia. Os princípios básicos do tratamento são: Sedação do paciente – usar sedativos e miorrelaxantes de ação central ou periférica: • diazepan – 0,3 a 2mg/kg/dose, repetidas até o controle das contraturas (monitorar a função pulmonar, devido ao risco de depressão respiratória); • clorpromazina – 0,5mg/kg/dose, de 6/6 horas, alternado com o diazepan; • fenobarbital – 10mg/kg/dia, de 12/12 horas, via intramuscular; • mefenesina – miorrelaxante metabolizado em 5 minutos, podendo ser feito em infusão contínua. Dose máxima: 1 ampola com 50ml (10ml/kg). Curare – utilizado como último recurso para os casos muito graves que não responderam ao tratamento anterior (reduz a letalidade de 100% para 30%). O paciente deve estar sedado e em ventilação mecânica, sob vigilância rigorosa. O nível sérico do curare dura 1 hora. Efeitos colaterais: taquicardia e liberação de histamina. Dose: 0,1mg/kg/dose, podendo fazer até 1/1 hora, se necessário. Apresentação: 1 ampola contém 2ml com 2mg/ml. Diluir 1 ampola em 8ml de água destilada (1ml da diluição contém 0,4mg). Hidrato de cloral a 10% – 50mg/kg/dose em 5ml de soro fisiológico, com seringa adaptada em sonda retal, injetando pequenas e repetidas frações, de 4 em 4 horas, até a cessação dos espasmos (1ml de hidrato de cloral a 10% = 100mg). 710 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tétano Neonatal Observação: só usar o hidrato de cloral quando não houver cessação dos espasmos com a administração de diazepan ou com outras medidas. Cuidados com o coto umbilical – realizar limpeza com água oxigenada a 10% ou com permanganato de potássio a 1/5.000 (1 comprimido diluído em meio litro de água). A indicação de debridamento no coto umbilical deve ser cuidadosamente avaliada pela equipe médica. Hidratação intravenosa adequada Antibioticoterapia – o uso de substâncias antimicrobianas visa o combate ao Clostridium tetani presente no foco de infecção. Emprega-se a penicilina G cristalina ou o metronidazol por 7 a 10 dias. A penicilina G cristalina é utilizada por via intravenosa na dose de 50 mil a 100 mil UI/kg/dia, fracionada de 6/6 horas. O metronidazol pode ser utilizado em dose única de 30mg/kg/dia ou fracionada de 8/8 horas, por via intravenosa. Alternativamente, poderá ser utilizada a cefalexina por sonda nasogástrica, na dose de 25 a 30mg/kg/dia, fracionada de 6/6 horas. Outros antimicrobianos poderão ser necessários nos casos de infecção secundária (onfalites, pneumonia, infecção urinária e sepse). Neutralização da toxina, realizada através do: • soro antitetânico heterólogo (SAT) – realizar previamente teste intradérmico para verificar a hipersensibilidade. Caso seja negativo, administrar dose de 10 mil a 20 mil Unidades Internacionais (UI), por via endovenosa diluída em soro glicosado a 5%, em gotejamento lento. Sua vida média é inferior a duas semanas; • imunoglobulina humana antitetânica (IGHAT ou TIG) – disponível no Brasil apenas para uso intramuscular, poderá ser utilizada em substituição ao SAT, nas situações em que houver risco de apresentar reações de hipersensibilidade. A dose é de 1 mil UI a 3 mil UI, distribuída em duas massas musculares. A vida média é em torno de duas semanas. 6 T Como a administração da TIG pela via intratecal ainda é controversa, seu uso no Brasil está limitado a protocolos de pesquisas. Tratamento sintomático • Utilizar analgésicos, se necessário. Evitar a obstipação intestinal com o uso de laxativo suave e administrar antiespasmódico para prevenir cólicas. • Evitar sondagem vesical e manter coletor urinário para medir a diurese. • Manter o equilíbrio hidreletrolítico. • Manter hidratação venosa contínua. • Manter o aporte de glicose e aminoácidos. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 711 Tétano Neonatal Aspectos epidemiológicos No final dos anos 90 registraram-se 289.250 casos de tétano neonatal em todo o mundo, dos quais 215 mil foram a óbito (taxa de letalidade de 74,3%), assim distribuídos: 124 mil na África; 91 mil no sudeste da Ásia; 55 mil no Oriente Médio; 18 mil no oeste do Pacífico; 1 mil nas Américas e 250 na Europa. Atualmente, esta doença continua existindo como problema de saúde pública apenas nos países de menor desenvolvimento econômico e social, principalmente no continente africano e sudeste asiático. Com a implementação de uma política de eliminação do tétano neonatal como problema de saúde pública no mundo, sua incidência tem sido reduzida sensivelmente, principalmente nas Américas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), esta meta equivale a alcançar uma taxa de incidência máxima de 1 caso/1 mil nascidos vivos (NV), por distrito ou município, internamente a cada país. No Brasil, em 2002 ocorreram 33 casos de tétano neonatal, sendo nove na região Norte (27,3%), 18 na região Nordeste (54,5%), 3 na região Sudeste (9,1%), 1 na região Sul (3,0%) e 2 casos na região Centro-Oeste (6,1%). Em 2003, ocorreu uma redução de 54,6% no número de casos em relação ao ano anterior, chamando-se a atenção para o surgimento de casos em municípios até então considerados fora das áreas geográficas definidas como prioritárias para a implementação das ações de vigilância e controle. Para o país como um todo, os níveis de incidência estão abaixo do preconizado pela OMS, porém há municípios que ainda estão aquém desta meta. Casos confirmados de tétano neonatal. Brasil, 1982-2003 800 Número de casos 700 600 500 400 300 200 100 0 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 Ano Fonte: Cover/CGDT/Devep/SVS/MS 712 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 Tétano Neonatal Fatores de risco para o tétano neonatal • Baixas coberturas vacinais com a vacina dT em mulheres em idade fértil. • Partos domiciliares assistidos por parteiras tradicionais sem capacitação e sem instrumentos de trabalho adequados. • Não realização do pré-natal ou realização de pré-natal sem qualidade. • Alta hospitalar precoce e sem conhecimento adequado quanto aos cuidados com o coto umbilical. • Baixo nível de escolaridade das mães. • Baixo nível socioeconômico. • Dificuldades de acesso geográfico a serviços de saúde. • Partos ocorridos em condições sépticas, em mulheres sem esquema vacinal atualizado contra o tétano. 6 Vigilância epidemiológica Objetivos • Conhecer todos os casos suspeitos de tétano neonatal. • Investigar, com qualidade, 100% dos casos suspeitos. • Mapear as áreas de risco. • Analisar os dados e adotar as medidas de controle pertinentes. • Implementar ações para atingir a meta de eliminação da doença. • Avaliar a efetividade das medidas de prevenção e controle. • Produzir e disseminar informações epidemiológicas. Definição de caso Suspeito • Todo recém-nascido que nasceu bem e sugou normalmente nas primeiras 24 ou 48 horas e passe a apresentar, entre o segundo e o 28º dia de vida extra-uterina, dificuldade de mamar, independente do estado vacinal da mãe, do local e das condições do parto. • Todo recém-nascido que nasceu bem e sugou normalmente mas foi a óbito no período de 2 a 28 dias de vida extra-uterina, cujo diagnóstico foi constatado como indefinido ou caracterizado como quadro de tétano por seus familiares. T Confirmado • Todo caso suspeito que apresentou um ou mais dos seguintes sinais e sintomas: trismo, crises de contraturas musculares, contração permanente dos músculos da mímica facial e lábios contraídos (como se fosse pronunciar a letra U), olhos cerrados, pele da região frontal pregueada, hiperflexão dos membros superiores junto ao tórax Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 713 Tétano Neonatal (mão fechada em posição de boxeador) e membros inferiores em hiperextensão, com ou sem inflamação do coto umbilical. • Todo caso de óbito neonatal cuja investigação evidencia características clínicas e epidemiológicas da doença. Descartado Todo caso suspeito de tétano neonatal em que a investigação evidencia características clínicas e epidemiológicas de outra doença. Notificação A ocorrência de casos suspeitos de tétano neonatal requer notificação imediata às autoridades sanitárias superiores, por se tratar de um evento para o qual se dispõe de medidas de prevenção altamente eficazes. Esta notificação pode ser feita através de telefone, fax ou e-mail, de acordo com as normas definidas pelos níveis federal e estadual do SUS. Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente Hospitalização imediata do recém-nato. Qualidade da assistência Praticamente, todos os casos necessitam de internação em unidades de terapia intensiva, de maior complexidade ou unidades especiais com atendimento por profissionais médicos e de enfermagem qualificados. Alguns cuidados são necessários com relação à internação (unidades com pouca iluminação, diminuição de ruídos, temperaturas estáveis e mais baixas que a temperatura corporal e manipulação restrita apenas ao necessário), devido a possibilidade do desencadeamento das crises de contraturas. Proteção individual Não é necessária, já que a infecção não se transmite de pessoa a pessoa. Confirmação diagnóstica Mediante dados clínicos e epidemiológicos. Proteção da população Apesar de não ser doença transmissível, logo que se tenha conhecimento da suspeita ou confirmação de caso(s) de tétano neonatal deve-se intensificar as ações de vigilância, prevenção e controle da doença, com o objetivo de detectar casos ainda não notificados e prevenir a ocorrência de novos. Destaca-se em particular a avaliação da cobertura vacinal com a vacina dT das mulheres em idade fértil na área de ocorrência do(s) caso(s) e a avaliação da assistência ao pré-natal, parto e puerpério. Ou seja, a suspeita ou confirmação de 714 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tétano Neonatal casos deve ser tomada, no nível local, como um evento sentinela, implicando na adoção imediata de medidas para verificar a existência e a correção de possíveis falhas nos serviços de saúde. É importante garantir à população um pré-natal e um parto seguros, bem como uma assistência perinatal minimamente qualificada, onde se inclui o tratamento adequado do coto umbilical e o acompanhamento dos primeiros 28 dias de vida extra-uterina. Investigação Deve ser feita imediatamente após a notificação de um caso suspeito. Lembrar que a investigação não deve restringir-se ao âmbito hospitalar, buscando-se informações complementares no domicílio, com familiares, especialmente a mãe do recém-nascido. Roteiro da investigação epidemiológica 6 Identificação do paciente Preencher todos os campos da ficha de investigação epidemiológica do Sinan relativos aos dados gerais, notificação individual e dados de residência. Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Para confirmar a suspeita diagnóstica Anotar na ficha de investigação os dados da história e as manifestações clínicas • Em geral, deve-se consultar o prontuário e entrevistar o médico assistente para completar as informações clínicas sobre o paciente. Estas informações são importantes para análise e para definir se o quadro apresentado é compatível com a doença. • Se necessário, fazer uma cópia da anamnese, exame físico e evolução do doente, com vistas ao enriquecimento das análises e recomendações a serem feitas para a melhoria dos serviços de saúde. • Verificar a história vacinal da mãe contra o tétano e registrar a(s) data(s) da vacinação, caso haja comprovante. Lembrar de pesquisar a vacinação na infância, principalmente no caso de mulheres mais jovens. • Acompanhar a evolução dos casos e as medidas implementadas para a resolução dos problemas identificados durante a investigação epidemiológica. T Roteiro de notificação e investigação do tétano neonatal Para identificação das áreas de risco Considerar que existem duas situações a ser avaliadas • O local onde ocorreu a contaminação do coto umbilical, seja devido a parto séptico e/ou ao tratamento inadequado do coto umbilical; Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 715 Tétano Neonatal • O local onde a gestante passou a maior parte da gravidez, ou seja, onde deveria lhe ter sido provido um pré-natal de qualidade, particularmente no que se refere às ações de prevenção primária e secundária de doenças transmissíveis e/ou infecciosas, como no caso do tétano neonatal. Obviamente, essas áreas podem se superpor. Portanto, deve-se verificar a existência de fatores ou situações de risco que possam estar associados à ocorrência de casos, tais como: baixas coberturas vacinais em mulheres em idade fértil, ocorrência de partos domiciliares, cobertura e qualidade do pré-natal, dificuldades de acesso aos serviços de saúde, capacitação técnica específica dos profissionais de saúde, etc. Investigar minuciosamente • História de migração da família, de forma a identificar os possíveis locais em que houve falhas na oferta dos serviços de saúde. • Relatos ou rumores de óbitos de recém-nascidos até 28 dias de vida, cuja suspeita foi “mal de sete dias” ou causa ignorada. Existência de outros casos não notificados, através da realização de busca ativa em localidades onde existem casos e fatores ou situações de risco para a ocorrência da doença. Várias estratégias podem ser utilizadas com este objetivo, dependendo do tamanho da localidade: casa a casa, em unidades de saúde, cartórios (verificar as declarações de óbito emitidas), registros de cemitérios, entrevistas com líderes comunitários, benzedeiras, parteiras, agentes comunitários de saúde, serviços de verificação de óbito, serviço social da prefeitura, entre outras. Confrontar as informações levantadas sobre a morbimortalidade por tétano neonatal com os dados disponíveis no SIM e no SIH-SUS, tomando como base as doenças que figuram como diagnóstico diferencial para a doença. • A situação da organização dos serviços e do processo de trabalho: infra-estrutura mínima para a atenção materno-infantil, capacitação dos recursos humanos existentes, funcionamento das salas de vacina e da rede de frio, oportunidades perdidas de vacinação, atividades extramuros, nível de integração de trabalho intra-setorial, etc. Encerramento da investigação de casos Após a coleta e análise de todas as informações necessárias ao esclarecimento do caso, definir o diagnóstico final e atualizar, se necessário, os sistemas de informação (Sinan, SIM e SIH-SUS). Análise da situação A qualidade da investigação é fundamental para uma análise adequada dos dados coletados, permitindo a caracterização do problema segundo pessoa, tempo e lugar e o levantamento de hipóteses e/ou explicações que vão subsidiar o planejamento das ações para solucionar ou minimizar os problemas detectados. 716 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tétano Neonatal Roteiro de investigação do tétano neonatal Caso suspeito Notificação Investigação Coletar dados clínicos e epidemiológicos Identificação preliminar da (s) área (s) de risco: local de ocorrência do caso de tétano neonatal e local de realização do pré-natal Verificar a existência de outros casos através de busca ativa Complementar a investigação epidemiológica Analisar a cobertura vacinal de mulheres em idade fértil Reforçar as atividades de vacinação contra o tétano em mulheres em idade fértil Encerrar o (s) caso (s) e atualizar os sistemas de informação 6 Analisar a situação da oferta e da organização dos serviços de saúde Identificar os principais problemas da atenção à saúde da mulher e da criança, da imunização e da vigilância epidemiológica Relatório com resumo dos problemas identificados e das proposições acordadas, com os respectivos prazos e responsáveis Relatório final Após análise dos dados da investigação, estes deverão ser sumarizados em um relatório com as principais conclusões, encaminhamento e recomendações, bem como os respectivos prazos e responsáveis. T Conclusões • A ocorrência do caso foi decorrente da falta de conhecimento da gestante sobre a importância do pré-natal ou por problema de acesso ao serviço de saúde? • Havia desconhecimento, por parte da mulher, da existência de uma vacina eficaz e gratuita nos serviços de saúde? • Havia desconhecimento da necessidade de prevenção, através de um esquema de vacinação adequado, e da importância do parto asséptico ou limpo? • Havia problemas de gerenciamento das unidades de saúde que resultaram em desa- Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 717 Tétano Neonatal bastecimento de vacinas ou em seu armazenamento de forma inadequada ou outra ordem de problemas que prejudicou o funcionamento normal da unidade de saúde? • Houve oportunidades perdidas de vacinação: quando a mulher compareceu aos serviços de saúde, por qualquer motivo, seja para consulta, quando conduziu seu filho para receber a vacina, quando foi como acompanhante ou outra causa? Encaminhamentos Minimamente, pode-se elencar os seguintes pontos que merecem maior atenção nesta discussão, ressalvando-se, obviamente, que variarão de acordo com cada situação concreta: • capacitar e/ou atualizar os profissionais de saúde quanto à orientação e acompanhamento das mulheres em idade fértil; • implementar processos de acompanhamento e avaliação dos serviços de saúde; • manter as parteiras atuantes capacitadas e integrá-las aos serviços de saúde para reposição ou substituição de materiais usados por esterilizados. Mantê-las como parceiras e aliadas, em decorrência do poder de liderança e confiabilidade que usufruem entre as mulheres. É necessário supervisionar o serviço dessas parteiras, verificando, na prática, a aplicação dos conhecimentos adquiridos; • fazer parcerias com todos os que trabalham com a saúde da mulher e da criança, Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia, infectologia; atenção básica; órgãos internacionais; ONGs; saúde indígena; educação em saúde; todos os profissionais da área da saúde, conselho tutelar e promotoria pública, quando necessário, lideranças comunitárias e comunidade em geral, etc.; • divulgação, na mídia, sobre a importância e necessidade da prevenção; • organização do trabalho em parceria com as unidades assistenciais; • sensibilização dos gestores e comunidade em geral. Instrumentos disponíveis para prevenção Pré-natal A realização do pré-natal é extremamente importante não só para acompanhar o desenvolvimento do feto como também para prevenir muitas doenças factíveis de serem evitadas, como o tétano neonatal. Destaca-se aqui, além dos processos de estabelecimento ou reforço dos vínculos da usuária com a unidade de saúde, a importância da atualização do esquema vacinal, do parto asséptico, da amamentação, do planejamento familiar e dos cuidados de higiene do recém-nascido, em especial do coto umbilical. Vacinação A principal forma de prevenção do tétano neonatal é a vacinação de todas as mulheres em idade fértil (entre 12 e 49 anos) com o esquema completo da vacina dupla tipo adulto (dT). Mulheres grávidas que ainda não iniciaram este esquema devem fazê-lo o mais pre- 718 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tétano Neonatal cocemente possível. Caso o façam tardiamente, a 2ª dose da vacina dT deverá ser administrada até 20 dias antes da data provável do parto, para que haja tempo suficiente para a formação de anticorpos que possibilitem a imunização passiva do feto. Nesta situação, a 3ª dose deverá ser agendada após o parto (ver Quadro 1). O reforço é preconizado a cada 10 anos, exceto em casos de lesões graves (ver o capítulo Tétano acidental) e quando há nova gravidez num período superior a cinco anos da exposição à última dose de reforço, para possibilitar a reativação da produção de anticorpos e potencialização da passagem de anticorpos protetores ao recém-nascido. A vacina é composta de associações de toxóides diftérico e tetânico, tendo o hidróxido ou fosfato de alumínio como adjuvante e o timerosal como preservativo, sendo apresentada sob forma líquida e em frasco multidoses. Quanto à dose e volume, aplica-se 0,5ml por via intramuscular profunda. Atualmente, a vacina utilizada no Brasil é a dupla adulto – dT (contra a difteria e o tétano). Esta vacina é indicada a partir dos sete anos de idade, para pessoas que não tenham recebido as vacinas tetravalente, DPTa e DT ou que tenham esquema incompleto ou por ocasião dos reforços do esquema básico. 6 Quadro 1. Esquema de vacinação contra o tétano neonatal para as mulheres em idade fértil História de vacinação contra o tétano Mulheres em idade fértil Gestante Não-gestante Negativa (nenhuma dose comprovada) 3 doses, com intervalo entre 30-60 dias. Se iniciar o esquema tardiamente, garantir pelo menos 2 doses (programar a 2ª dose para no máximo 20 dias antes do parto e completar o esquema no puerpério) Esquema vacinal com 3 doses, intervalo de 30-60 dias + reforços Menos de 3 doses registradas Completar o esquema Completar o esquema 3 doses ou mais + 1 reforço há menos de 5 anos da última dose Não é necessário vacinar Não é necessário vacinar 3 doses ou mais + 1 reforço entre 5 a 10 anos da última dose 1 dose de reforço Não é necessário vacinar 3 doses ou mais + 1 reforço há mais de 10 anos da última dose 1 dose de reforço 1 dose de reforço T Observação: ao indicar a vacinação, considerar as doses administradas anteriormente da tríplice bacteriana (DTP) ou do toxóide tetânico (TT). A vacina é conservada entre +2°C e +8°C, não podendo ser congelada pois isto poderá provocar a desnaturação protéica, desagregação do adjuvante e perda de potência. Os eventos adversos comumente observados se restringem ao local da aplicação sob a forma de dor, hiperemia, edema, induração e febre alta. Em nível sistêmico, pode ocorrer reação anafilática, neuropatia periférica e síndrome de Guillan-Barré. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 719 Tétano Neonatal O monitoramento rápido da cobertura vacinal é uma estratégia que objetiva subsidiar as ações desenvolvidas na população-alvo. Através dele pode-se avaliar se as coberturas vacinais administrativas da área onde está sendo aplicada são reais, visando subsidiar a tomada de decisão sobre a implementação das atividades de imunização. Ações de educação em saúde A educação em saúde é uma prática social que objetiva promover o aumento da consciência sanitária da população e dos profissionais de saúde. Estimula a luta pela melhoria da qualidade de vida, conquista à saúde, responsabilidade comunitária, aquisição, apreensão, socialização de conhecimentos e opção por um estilo de vida saudável. Preconiza a utilização de métodos pedagógicos participativos (criatividade, problematização e criticidade) e dialógicos, respeitando as especificidades locais, o universo cultural da comunidade e suas formas de organização. Processos de educação continuada, atualização e/ou aperfeiçoamento devem ser estimulados no sentido de melhorar a prática das ações dos profissionais das áreas de saúde e educação. Ações de comunicação A informação sobre a doença e suas formas de prevenção e controle é um dos aspectos importantes das ações de vigilância epidemiológica. Deve-se atentar para a adequação dos meios de divulgação e comunicação aos cenários socioculturais e de organização dos serviços em que são produzidos os casos de tétano neonatal. Nas ações de educação e informação pode-se utilizar os vários meios de comunicação de massa, as visitas domiciliares e palestras (nas escolas, nos locais de trabalho, nas igrejas, etc.) sobre a doença e suas formas de prevenção e controle. É importante que as parteiras sejam consideradas como aliadas nesse processo. Conduta frente a ocorrência de um caso de tétano neonatal • Atualizar o esquema vacinal da mãe. • Informar aos profissionais de saúde e líderes comunitários a ocorrência do caso e envolvê-los na vigilância e prevenção permanente da doença. • Analisar a cobertura vacinal e, se for baixa, promover vacinação discriminada em mulheres em idade fértil, visando a atualização do esquema vacinal. • Cadastrar e treinar as parteiras tradicionais. • Fazer busca ativa de outros casos, incluindo a investigação de todos os óbitos ocorridos em recém-nascidos menores de 28 dias de vida sem causa básica definida. • Informar e discutir os resultados da investigação com as autoridades sanitárias dos locais de ocorrência do caso (onde se deu a contaminação do coto umbilical) e do local de residência da mãe (onde se deu a falha da prevenção), com o objetivo de tomar as medidas cabíveis visando evitar a ocorrência de novos casos. 720 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tracoma TRACOMA CID 10: A71 Características clínicas e epidemiológicas Descrição É uma afecção inflamatória ocular, uma ceratoconjuntivite crônica recidivante que, em decorrência de infecções repetidas, produz cicatrizes na conjuntiva palpebral superior, podendo levar à formação de entrópio (pálpebra com a margem virada para dentro do olho) e triquíase (cílios em posição defeituosa nas bordas da pálpebra, tocando o globo ocular). O atrito poderá ocasionar alterações da córnea, provocando graus variados de opacificação, que podem evoluir para a redução da acuidade visual, até a cegueira. A Organização Mundial da Saúde estima, mundialmente, a existência de 150 milhões de pessoas com tracoma, das quais cerca de 6 milhões estão cegas. 6 Agente etiológico A Chlamydia trachomatis, bactéria gram-negativa, dos sorotipos A, B, Ba e C. Reservatório O homem, com infecção ativa na conjuntiva ou outras mucosas. Crianças com até 10 anos de idade, com infecção ativa, são o principal reservatório do agente etiológico nas populações onde o tracoma é endêmico. Vetores Alguns insetos, como a mosca doméstica (Musca domestica) e/ou a lambe-olhos (Hippelates sp.), podem atuar como vetores mecânicos. Modo de transmissão T A principal forma de transmissão é a direta, de pessoa a pessoa, ou indireta, através de objetos contaminados (toalhas, lenços, fronhas). As moscas podem contribuir para a disseminação da doença, por transmissão mecânica. A transmissão só é possível na presença de lesões ativas. Período de incubação De cinco a doze dias, após contato direto ou indireto. Período de transmissibilidade A transmissão ocorre enquanto houver lesões ativas nas conjuntivas, o que pode durar anos. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 721 Tracoma Susceptibilidade e imunidade A susceptibilidade é universal, sendo as crianças as mais susceptíveis, inclusive às reinfecções. Embora a clamídia seja de baixa infectividade, sua distribuição no mundo é ampla. Não se observa imunidade natural ou adquirida à infecção pela Chlamydia trachomatis. Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas O tracoma inicia-se sob a forma de uma conjuntivite folicular, com hipertrofia papilar e infiltrado inflamatório difuso que se estende por toda a conjuntiva, especialmente na tarsal superior. Nos casos mais brandos, os folículos podem regredir espontaneamente. Nos casos mais severos, eles crescem, evoluindo para necrose, com formação de pequenos pontos cicatriciais na conjuntiva. Após repetidas reinfecções, forma-se um número cada vez maior de pontos cicatriciais, levando à formação de cicatrizes mais extensas. Essas cicatrizes podem tracionar, principalmente, a pálpebra superior, levando à sua distorção, o entrópio, fazendo com que os cílios invertidos toquem no globo ocular. Esta alteração pode provocar ulcerações corneanas, com conseqüente opacificação, que pode levar a graus variados de diminuição da acuidade visual e cegueira. A sintomatologia associada ao tracoma inflamatório inclui lacrimejamento, sensação de corpo estranho, fotofobia discreta e prurido. Uma grande proporção de casos de tracoma, principalmente entre as crianças mais jovens, é assintomática. Os doentes que apresentam entrópio, triquíase e aqueles com ulcerações corneanas, referem dor constante e intensa fotofobia. Infecções bacterianas secundárias podem estar associadas ao quadro, contribuindo para a disseminação da doença. Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial do tracoma deve ser realizado com as outras conjuntivites foliculares (como foliculoses, conjuntivite folicular tóxica), e conjuntivites foliculares agudas e crônicas de qualquer etiologia (ex.: herpes simples, adenovírus, molusco contagioso, conjuntivite de inclusão do adulto). Diagnóstico laboratorial O diagnóstico do tracoma é essencialmente clínico e, geralmente, realizado por meio de exame ocular externo, utilizando lupa binocular de 2,5 vezes de aumento. O diagnóstico laboratorial do tracoma deve ser utilizado para a constatação da circulação do agente etiológico na comunidade e não para a confirmação de cada caso, individualmente. A cultura é uma técnica laboratorial com alta sensibilidade e especificidade para a Chlamydia trachomatis. A clamídia é um microrganismo de vida obrigatoriamente intracelular, portanto só cresce em cultura de células. Por tratar-se de procedimento complexo e caro, não está disponível para uso na rotina das ações de vigilância epidemiológica do tracoma. 722 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tracoma A partir da segunda metade da década de 80 vem sendo utilizada uma outra técnica para o diagnóstico laboratorial das infecções por Chlamydia trachomatis: a imunofluorescência direta, com anticorpos monoclonais. Consiste na observação, ao microscópio, de campo escuro, de lâminas contendo raspado de células da conjuntiva tarsal superior, coradas com anticorpos monoclonais antiChlamydia trachomatis fluorescentes. Esta técnica é mais simples e está disponível nos laboratórios da rede pública. Apesar de sua alta especificidade, sua sensibilidade é baixa para o tracoma, sendo mais adequada para o estabelecimento de focos endêmicos. Ultimamente, as técnicas de amplificação do ácido nucléico – reação da polimerase em cadeia (PCR) – apresentam maior sensibilidade para a detecção da clamídia, mas também não se encontram disponíveis para uso na rotina das ações de vigilância epidemiológica do tracoma. Tratamento 6 O objetivo do tratamento é a cura da infecção e a conseqüente interrupção da cadeia de transmissão da doença. As condutas a seguir relacionadas são recomendadas pela Organização Mundial da Saúde e utilizadas no Brasil. Tratamento tópico • Tetraciclina a 1% – pomada oftálmica usada duas vezes ao dia, durante seis semanas; • Sulfa – colírio usado quatro vezes ao dia, durante seis semanas, na ausência de tetraciclina ou por hipersensibilidade à mesma. Tratamento sistêmico Tratamento seletivo, com antibiótico sistêmico via oral, indicado para pacientes com tracoma intenso (TI) ou casos de tracoma folicular (TF) e/ou associação das duas formas (TF/TI) que não responda bem ao medicamento tópico. Deve ser usado com critério e acompanhamento médico, devido às possíveis reações adversas. • Azitromicina – 20mg/kg de peso, para menores de 14 anos de idade, e 1g para adultos, em dose única oral. Este medicamento vem sendo testado com bons resultados em termos de efetividade para o tratamento e sua utilização vem sendo ampliada para o controle desta endemia no mundo; • Eritromicina – 250mg quatro vezes ao dia, durante três semanas (50mg/kg de peso ao dia); • Tetraciclina – 250mg quatro vezes ao dia, durante três semanas (somente para maiores de 10 anos); • Doxaciclina – 100mg/dia duas vezes ao dia, durante três semanas (somente para maiores de 10 anos); • Sulfa – dois tabletes ao dia, durante três semanas. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS T 723 Tracoma Todos os casos de entrópio palpebral e triquíase tracomatosa (TT) devem ser encaminhados para avaliação e cirurgia corretiva das pálpebras. Todos os casos de opacidade corneana (CO) devem ser encaminhados a um serviço de referência oftalmológica, que medirá a acuidade visual. Em áreas onde a proporção de crianças com tracoma folicular (TF) seja maior ou igual a 20% e/ou a proporção de tracoma intenso (TI) seja maior ou igual a 5%, recomenda-se o tratamento em massa de toda a população, utilizando-se a tetraciclina 1% tópica. Além do tratamento medicamentoso, são fundamentais as medidas de promoção da higiene pessoal e familiar, tais como a limpeza do rosto, o destino adequado do lixo e a disponibilidade de água e saneamento. Estratégia de tratamento indicada segundo a proporção de crianças (de 1 a 10 anos) com tracoma inflamatório na comunidade a ser trabalhada Proporção de crianças com tracoma Tratamento tópico com tetraciclina >20% de tracoma folicular (TF) ou >5% de tracoma intenso (TI) Em massa 5% a 20% de tracoma folicular (TF) Individual, familiar ou em massa* <5% de tracoma folicular (TF) Individual *Se a proporção de crianças com tracoma inflamatório (TF e/ou TI) estiver mais próxima dos 5%, optar pelo tratamento individual. Quando esta proporção aproximar-se dos 20%, optar pelo tratamento em massa. Controle do tratamento Todos os casos de tracoma inflamatório (TF ou TI) devem ser examinados depois de 3 meses do início do tratamento e revistos a cada três meses, para o controle da cura, por um período total de 9 meses. Critérios de alta • A alta clínica será dada após 3 meses do início do tratamento, desde que não existam mais sinais de tracoma inflamatório ativo (TF ou TI), ou seja, folículos, edema, hiperemia da conjuntiva, mesmo havendo cicatrizes (TS). • A alta por cura sem cicatrizes será dada após o terceiro retorno, aproximadamente nove meses após o início do tratamento, sem que tenha havido reinfecção ou presença de cicatrizes tracomatosas na conjuntiva. • A alta por cura com cicatrizes será dada após o terceiro retorno, aproximadamente nove meses após o início do tratamento, quando não houver mais manifestação de tracoma ativo (TF e/ou TI), nem reinfecção, porém com a presença de cicatrizes tracomatosas na conjuntiva. • O critério para encerramento de caso é o da alta por cura sem cicatrizes, devendo o paciente sair do sistema de controle. No caso de alta por cura com cicatrizes, deverá ser feito controle anual, sem que o indivíduo seja retirado do registro de controle, a fim de detectar precocemente possíveis alterações palpebrais (entrópio e/ou tri- 724 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tracoma quíase). Em caso de entrópio e/ou triquíase, o paciente deve ser encaminhado para correção cirúrgica. Após um ano do diagnóstico confirmado de tracoma, nova busca ativa deve ser realizada em toda a comunidade, garantindo a cobertura e adesão adequadas ao tratamento, iniciando-se novo registro dos pacientes diagnosticados. Aspectos epidemiológicos O tracoma não existia entre as populações nativas do continente americano. A doença foi trazida pela colonização e imigração européias. Relata-se que teria sido introduzida no Brasil a partir do século XVIII, no Nordeste, com a deportação dos ciganos, estabelecendose o “foco do Cariri” e, a partir da segunda metade do século XIX, os “focos de São Paulo e Rio Grande do Sul”, que teriam se iniciado com a intensificação da imigração européia para esses dois estados. Com a expansão da fronteira agrícola para o oeste, o tracoma disseminou-se e tornou-se endêmico em praticamente todo o Brasil, sendo hoje encontrado em todo o território nacional, onde são desenvolvidas ações de busca ativa de casos. Apesar da diminuição acentuada na prevalência do tracoma, a doença continua a existir, acometendo as populações mais carentes e desassistidas, inclusive na periferia das grandes metrópoles. 6 Vigilância epidemiológica Objetivos • Controlar a ocorrência de tracoma mediante a realização regular de busca ativa de casos e visita domiciliar dos contatos. • Acompanhar os focos da doença, para verificar a tendência de expansão da infecção. • Realizar diagnóstico e tratar os casos com infecção ativa, adotando as medidas de controle pertinentes. T Definição de caso Suspeito Indíviduos que apresentam história de “conjuntivite prolongada” ou referem sintomatologia ocular de longa duração (ardor, prurido, sensação de corpo estranho, fotofobia, lacrimejamento e secreção ocular), especialmente na faixa etária de 1 a 10 anos. Os comunicantes de casos confirmados de tracoma também devem ser considerados casos suspeitos. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 725 Tracoma Confirmado Considera-se caso confirmado de tracoma qualquer indivíduo que, por meio de exame ocular externo, apresentar um ou mais dos seguintes sinais: • inflamação tracomatosa folicular (TF) – quando se verifica a presença de folículos de, no mínimo, 0,5mm de diâmetro na conjuntiva tarsal superior; • inflamação tracomatosa intensa (TI) – quando se verifica a presença de espessamento da conjuntiva tarsal superior com mais de 50% dos vasos tarsais profundos não visualizados; • cicatrização conjuntival tracomatosa (TS) – presença de cicatrizes na conjuntiva tarsal superior com aparência esbranquiçada, fibrosa, com bordas retas, angulares ou estreladas; • triquíase tracomatosa (TT) – quando pelo menos um dos cílios atrita o globo ocular ou há evidência de recente remoção de cílios, associado à presença de cicatrizes na conjuntiva tarsal superior (TS) sugestivas de tracoma; • opacificação corneana (CO) – caracteriza-se por sua nítida visualização sobre a pupila com intensidade suficiente para obscurecer pelo menos uma parte da margem pupilar. A confirmação do caso é essencialmente clínica, através da verificação dos sinais-chave, ao exame ocular externo. O caso inicial confirmado deve ser tomado como caso índice, a partir do qual serão desencadeadas medidas de investigação epidemiológica para a detecção de casos a ele associados. Só após a investigação epidemiológica, com a detecção de outros casos, é que se terá a confirmação clínico-epidemiológica definitiva do caso índice, pois não existem casos isolados de tracoma. Mesmo que o caso índice tenha confirmação laboratorial de C. trachomatis, se não houver caso associado a ele o seu diagnóstico é de conjuntivite de inclusão. A exceção é feita aos casos de tracoma cicatricial, que indicariam uma infecção no passado, ou cicatrizes tracomatosas associadas a formas inflamatórias (TF e/ou TI) que indicariam que o caso índice tem a doença há muito tempo. Descartado Considera-se caso descartado de tracoma qualquer indivíduo que, por meio de exame ocular externo, não apresente sinais clínicos de tracoma. Notificação O tracoma não é doença de notificação compulsória nacional, sendo de notificação obrigatória em algumas unidades federadas. No entanto, é uma doença sob vigilância epidemiológica, sendo recomendável fazer registros sistemáticos dos casos detectados e tratados, de forma a proporcionar informações sobre a situação epidemiológica do agravo na região, permitindo avaliar tanto a sua evolução como o impacto das ações de controle desenvolvidas. 726 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tracoma Medidas a serem adotadas Qualidade da assistência Verificar se os casos estão sendo atendidos por profissionais capacitados para realizar o diagnóstico clínico e se estão sendo seguidas as recomendações quanto ao diagnóstico, tratamento e controle. Confirmação diagnóstica Quando houver indicação de coleta de material para diagnóstico laboratorial, deverá ser colhido o raspado conjuntival da pálpebra superior, de acordo com as orientações do Anexo. O material colhido deve ser examinado pelo método de imunofluorescência direta com anticorpos monoclonais. Investigação A investigação epidemiológica deve dirigir-se, prioritariamente, às instituições educacionais e/ou assistenciais e domicílios dos casos que constituem locais com maior probabilidade de transmissão da doença. Desde que haja a confirmação da existência de um ou vários casos na comunidade (escola, creche, bairro, povoado, etc.), deverão ser desencadeadas medidas visando a detecção de casos associados. A investigação epidemiológica dos casos é importante não só para elucidar a situação epidemiológica do caso índice como para fornecer subsídios para o conhecimento do quadro epidemiológico da doença no país, possibilitando o desenho de estratégias de intervenção mais amplas e adequadas às realidades regionais. 6 Investigação em instituições educacionais A busca ativa em escolas e creches deve ser sistemática nos locais onde haja suspeita da ocorrência de casos de tracoma. Deve ser ressaltada a importância das medidas de educação em saúde envolvendo pais, professores, funcionários e crianças, para o sucesso das medidas de controle do tracoma. Por tratar-se de doença crônica e endêmica, não há necessidade de isolamento dos casos. Os indivíduos com tracoma devem receber tratamento e continuar a freqüentar a instituição, pois a doença está ocorrendo no local onde as pessoas já foram expostas ao agente etiológico e o contágio, se houve, já ocorreu. E, certamente, haverá casos no período de incubação, sem sinais e sintomas, que não serão detectados na visita inicial. Daí a importância do trabalho permanente nessas instituições. T Investigação domiciliar Deve ser realizada para todos os casos novos de tracoma inflamatório, de forma a identificar casos associados ao caso índice. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 727 Tracoma Investigação na comunidade O sistema de informações poderá revelar grupos populacionais com maior concentração de casos. Deve-se realizar inquéritos epidemiológicos populacionais, visando melhor conhecimento da situação nas localidades identificadas. Roteiro de investigação epidemiológica Identificação do paciente A partir da busca ativa de casos realizados em escolas e locais com suspeita de ocorrência de tracoma, todos os dados de identificação dos casos diagnosticados devem ser preenchidos em formulário padrão do Ministério da Saúde (ficha de acompanhamento e controle dos casos). Deve ser realizada busca de casos domiciliares dos comunicantes dos casos índices verificados. Coleta de dados clínicos e epidemiológicos • Para orientar o diagnóstico e tratamento e demais medidas de prevenção. • Para caracterizar a existência do foco: o tracoma é uma situação clínico-epidemiológica na qual o agente etiológico encontra-se amplamente disseminado na população, de forma a propiciar a contínua reinfecção da conjuntiva. É incomum a existência de casos de tracoma isolados. A constatação de um caso isolado na comunidade requer investigação epidemiológica de seus comunicantes. Caso não se identifique relação com os comunicantes, provavelmente é um caso importado, que contraiu a doença em outro local. A constatação de uma criança com diagnóstico de conjuntivite por C. trachomatis deve ser acompanhada pela investigação epidemiológica dos seus comunicantes. Em áreas onde não existe registro da ocorrência, ao ser detectado um caso novo de tracoma ativo (TF e/ou TI) em uma comunidade, escola, creche, povoado ou áreas periféricas das metrópoles recomenda-se colher raspado conjuntival da pálpebra superior de alguns indivíduos, do mesmo local, que apresentem sinais de tracoma, para confirmação do foco. O material colhido deve ser examinado pelo método de imunofluorescência direta com anticorpos monoclonais (Anexo). Se o resultado do exame de uma das lâminas for positivo, fica estabelecido o foco. A partir da caracterização do foco, deve-se proceder as ações de vigilância epidemiológica e controle do agravo. Análise dos dados A análise dos dados obtidos através da investigação deve permitir a avaliação da magnitude do problema, distribuição e ocorrência do agravo e conhecimento das populações sob risco, que devem ser incluídas nas medidas de controle, objetivando a adequação das medidas adotadas e a priorização das ações de prevenção e controle que devem ser mantidas na área. 728 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tracoma Deverá ser estabelecido um fluxo de informações por meio de formulários específicos, que deverão ser coletados, consolidados e analisados em nível municipal, devendo ser transmitidos para o nível estadual que, por sua vez, deverá analisar a situação epidemiológica no estado e repassar as informações para o nível federal. A periodicidade deste fluxo deverá ser estabelecida pelas condições regionais e regulamentada pelo Ministério da Saúde. Os relatórios devem conter o número de pessoas examinadas e de casos detectados de tracoma, bem como sua distribuição por idade, sexo e forma clínica. Propõe-se a realização de fluxo trimestral, do município para o estado, e semestral, do estado para o nível federal. Os municípios devem realizar avaliações das atividades de vigilância epidemiológica e controle do tracoma, com as seguintes sugestões de acompanhamento: • número de instituições (escolas, creches, etc.) e locais onde foi feita a busca ativa; • número de casos de tracoma inflamatório que recebeu visitar domiciliar para exame de comunicantes; • prevalência de tracoma no município, por faixa etária, forma clínica e localidade (bairros); • taxa de detecção de tracoma por instituições; • taxa de tracoma por formas clínicas; • ações educativas desenvolvidas. 6 Instrumentos disponíveis para controle Medidas de controle Medidas relativas à fonte de infecção • Tratamento individual: todo caso de tracoma inflamatório (TF e/ou TI) deve ser tratado de acordo com as orientações descritas. • Tratamento em massa: havendo indicação epidemiológica, indicada anteriormente, o tratamento em massa deverá ser adotado. • Busca ativa: a busca ativa de novos casos deverá ser procedida, visando o tratamento e conscientização da população. T Medidas referentes às vias de transmissão As áreas endêmicas do tracoma, em sua maioria, apresentam precárias condições de saneamento e higiene, fatores determinantes na manutenção de elevados níveis endêmicos. Assim, a melhoria sanitária domiciliar, o destino adequado do lixo e o acesso ao abastecimento de água representam importantes ações no controle da doença. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 729 Tracoma Ações de educação em saúde O desenvolvimento de ações educativas em saúde tem importante impacto no trabalho de prevenção e controle da doença, mobilizando a comunidade para criar recursos e participar ativamente do processo. Recomenda-se: • planejar as ações educativas antes do início do projeto: organizando a equipe de saúde com profissionais aptos não só para detectar e tratar casos de tracoma como assumir a responsabilidade de transmissão do conhecimento, envolvendo professores e toda a comunidade; • contar com material de apoio suficiente para o desenvolvimento das ações educativas, organizando, junto com o grupo envolvido, dramatizações, histórias, criação de cartazes e folhetos; • buscar apoio dos meios de comunicação de massa, para divulgação e prevenção da doença, como reforço às práticas propostas. A ação educativa constitui importante estratégia para o controle do tracoma, buscando a conscientização da população sobre a necessidade e adoção de hábitos de higiene, como a necessidade de lavar regularmente o rosto das crianças, além de enfatizar a importância do uso individual de objetos pessoais como toalhas, fronhas, lençóis, entre outros. A abordagem da população quanto aos aspectos relacionados à higiene deverá ser tratada com cuidado, para que não ocorra entendimento errôneo quanto à transmissão da doença ou discriminação do paciente quanto a maus hábitos de higiene. Ainda em relação ao tratamento, compete à equipe de saúde orientar o uso correto da medicação, a observação dos prazos do tratamento e comparecimento aos retornos de avaliação clínica, para garantir a efetividade do tratamento. 730 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tracoma Anexo Procedimentos para a coleta de material para exame laboratorial Para a realização de exame laboratorial pela técnica de imunofluorescência direta com anticorpos monoclonais deve-se colher raspado da conjuntiva tarsal superior dos indivíduos. Material necessário • Livro de registro dos indivíduos a serem submetidos à coleta. • Kits de coleta de exames – lâminas apropriadas e swabs. • Frasco com metanol. • Lápis e caneta para identificação. • Isopor com gelo reciclável. • Saco de lixo. • Gaze. • Solução salina isotônica. 6 Orientações para a coleta • Anotar, com lápis, na lâmina, o nome do indivíduo de quem foi feita a coleta e a data. • Anotar o mesmo nome no livro apropriado. • Remover, com gaze, as lágrimas e secreções; se necessário, limpar com soro fisiológico. Após o uso, a gaze deve ser jogada no lixo apropriado. • Everter a pálpebra superior. • Para assegurar a adequada coleta, esfregar o swab firmemente sobre a placa tarsal superior do canto externo para o interno e vice-versa (por dez vezes), rolando o swab. • Colocar o swab sobre a metade inferior do círculo da lâmina rolando-o numa direção. • Levantar o swab em relação à lâmina sem mudar sua posição na mão; girar a lâmina por 180º. Rolar o swab na mesma direção anterior, usando, agora, a metade restante do círculo. • Atentar para que toda a superfície do swab tenha estado em contato com o círculo. • Esperar secar o raspado por cinco minutos e, então, fixar a lâmina com duas gotas do metanol. Usar como suporte superfícies que não sejam danificadas pelo metanol. • Após a lâmina estar seca, colocá-la na caixa de lâminas, que, por sua vez, deve ser acondicionada no isopor com gelo. Ao final de cada dia de trabalho, as caixas com as lâminas devem ser guardadas dentro de um freezer a -20ºC. • Retirar todo o material utilizado e jogar o material contaminado no lixo que deve ser descartado em local apropriado. T Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 731 Tuberculose TUBERCULOSE CID 10: A15 a A19 Características clínicas e epidemiológicas Descrição A tuberculose é um problema de saúde prioritário no Brasil que, juntamente com outros 21 países em desenvolvimento, alberga 80% dos casos mundiais da doença. Estima-se que cerca de um terço da população mundial está infectada com o Mycobacterium tuberculosis, sob risco, portanto, de desenvolver a enfermidade. Anualmente, ocorrem em torno de oito milhões de casos novos e quase 3 milhões de mortes por tuberculose. Nos países desenvolvidos é mais freqüente entre as pessoas idosas, nas minorias étnicas e imigrantes estrangeiros. Nos países em desenvolvimento, estima-se que ocorram 95% dos casos e 98% das mortes causadas pela doença, ou seja, mais de 2,8 milhões de mortes por tuberculose e 7,5 milhões de casos novos, atingindo a todos os grupos etários, com maior predomínio nos indivíduos economicamente ativos (15-54 anos). Os homens adoecem duas vezes mais que as mulheres. O Brasil apresenta aproximadamente 85 mil casos novos por ano e cerca de 5-6 mil mortes pela doença. Com o surgimento, em 1981, da síndrome de imunodeficiência adquirida (Sida/Aids), vem-se observando, tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, crescente número de casos notificados de tuberculose em pessoas infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Esta associação (HIV/TB) constitui, nos dias atuais, um sério problema de saúde pública, podendo levar ao aumento da morbidade e mortalidade pela tuberculose em muitos países. Agente etiológico Mycobacterium tuberculosis, também conhecido como bacilo de Koch. O complexo Mycobacterium tuberculosis é constituído de várias espécies: M. tuberculosis, M. bovis, M. africanum e M. microti. Outras espécies de micobactérias podem produzir quadro clínico semelhante ao da tuberculose, sendo necessárias para o diagnóstico diferencial a cultura e a identificação das mesmas, pelos laboratórios de referência. Reservatório O reservatório principal é o homem. Em algumas regiões, o gado bovino doente. Em raras ocasiões, os primatas, aves e outros mamíferos. Em geral, a fonte de infecção é o indivíduo com a forma pulmonar da doença, que elimina bacilos para o exterior (bacilífero). Calcula-se que durante um ano, numa comunidade, um indivíduo bacilífero poderá infectar, em média, de 10 a 15 pessoas. 732 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tuberculose Não existem estimativas da proporção de pacientes com tuberculose causada pelo M. Bovis, no entanto é importante que o sistema de saúde esteja atento à possibilidade de ocorrência deste agente. Em alguns locais, ele assume o papel de principal agente etiológico causador da doença, apresentando-se de forma idêntica ao M. tuberculosis mas com maior incidência da forma ganglionar e outras extrapulmonares. Sua ocorrência é mais freqüente em comunidades que consomem leite e produtos derivados (não pasteurizados ou fervidos) de rebanho bovino infectado, em pacientes provenientes de áreas rurais e em profissionais (veterinários, ordenhadores, funcionários de matadouros, entre outros). Uma vez confirmada a contaminação humana, os serviços sanitários devem ser informados para atuar na imediata identificação das fontes de infecção e tomar as medidas de controle adequadas, prevenindo, assim, a ocorrência de novos casos. Modo de transmissão A tuberculose é transmitida de pessoa a pessoa, principalmente através do ar. A fala, o espirro e, principalmente, a tosse de um doente de tuberculose pulmonar bacilífera lança no ar gotículas, de tamanhos variados, contendo no seu interior o bacilo. As gotículas mais pesadas depositam-se rapidamente no solo, enquanto que as mais leves podem permanecer em suspensão por diversas horas. Somente os núcleos secos das gotículas (núcleo de Wells), com diâmetro de até 5µ e com 1 a 2 bacilos em suspensão, podem atingir os bronquíolos e alvéolos e aí iniciar sua multiplicação. Em sua maioria, as gotículas médias são retidas pela mucosa do trato respiratório superior e removidas dos brônquios através do mecanismo mucociliar. Os bacilos assim removidos são deglutidos, inativados pelo suco gástrico e eliminados nas fezes. Os bacilos que se depositam nas roupas, lençóis, copos e outros objetos dificilmente se dispersarão em aerossóis e, por isso, não desempenham papel importante na transmissão da doença. 6 Período de incubação Após a infecção pelo M. tuberculosis, transcorrem, em média, 4 a 12 semanas para a detecção das lesões primárias. A maioria dos novos casos de doença pulmonar ocorre em torno de 12 meses após a infecção inicial. A probabilidade de o indivíduo vir a ser infectado, e de que essa infecção evolua para a doença, depende de múltiplas causas, destacando-se, dentre estas, as condições socioeconômicas e algumas condições médicas (diabetes mellitus, silicose, uso prolongado de corticosteróide ou outros imunossupressores, neoplasias, uso de drogas e infecção pelo HIV). A evolução do quadro clínico dependerá de o indivíduo estar sendo infectado pela primeira vez (primo-infecção) ou reinfectado (reinfecção exógena). A primo-infecção pode causar a doença dependendo da virulência do bacilo, da fonte infectante e das características genéticas dos indivíduos infectados. Em novo contato, após uma infecção natural ou induzida pela BCG, a resistência dependerá da resposta imunológica. T Período de transmissibilidade A transmissão é plena enquanto o doente com a forma clínica de tuberculose pulmonar bacilífera eliminar bacilos e não tiver iniciado o tratamento. Com o esquema terapêu- Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 733 Tuberculose tico recomendado, a transmissão é reduzida, gradativamente, a níveis insignificantes, ao fim de poucos dias ou semanas. As crianças com tuberculose pulmonar geralmente não são infectantes. Susceptibilidade e imunidade A infecção pelo bacilo da tuberculose pode ocorrer em qualquer idade, mas no Brasil geralmente acontece na infância. Nem todas as pessoas expostas ao bacilo da tuberculose se tornam infectadas. A infecção tuberculosa, sem doença, significa que os bacilos estão presentes no organismo mas o sistema imune está mantendo-os sob controle. Entre os infectados, a probabilidade de adoecer aumenta na presença de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e outras formas de imunodepressão, na presença de desnutrição, silicose, diabetes e em usuários de drogas endovenosas. As reativações de infecções antigas e latentes explicam grande parte dos casos de doença em idosos. A imunidade natural pode ser explicada por diferenças fisiológicas que existem nas várias espécies. No entanto, não existem diferenças fisiológicas que expliquem os diversos graus de imunidade, aparentemente natural, observados em uma mesma espécie animal. A maior ou menor imunidade natural parece estar relacionada com a maior ou menor velocidade com que o hospedeiro é capaz de adquirir imunidade. Assim, não haveria propriamente uma imunidade “natural”, mas uma imunidade adquirida mais rápida e eficaz e, portanto, capaz de propiciar o controle da infecção, em uma fase precoce. Essa competência imunológica é controlada geneticamente, embora fatores como a desnutrição, possam suprimi-la. Na imunidade adquirida, a resposta imunológica humoral não tem importância, já que a imunidade para a tuberculose é, fundamentalmente, mediada pelo sistema imunológico celular, timodependente, através da interação entre linfócitos T ativados e macrófagos. Aspectos clínicos e laboratorias Manifestações clínicas Período de infecção – um indivíduo que receba uma carga infecciosa de bacilos da tuberculose, pela primeira vez (primo-infecção), da qual um ou mais bacilos alcancem o pulmão, vencendo as defesas da árvore respiratória e localizando-se nos alvéolos da periferia pulmonar, apresentará reação inflamatória e exsudativa de tipo inespecífica. Aproximadamente, em 15 dias os bacilos podem multiplicar-se livremente, porque ainda não existe imunidade adquirida. Nesse período, os bacilos podem, a partir da lesão pulmonar, atingir a via linfo-hematogênica, comprometendo os linfonodos e órgãos dos diversos sistemas e aparelhos, principalmente o fígado, o baço, a medula óssea, os rins e o sistema nervoso. Essa disseminação, de poucos bacilos, é considerada “benigna”: os bacilos ficarão latentes ou serão destruídos pela ação da imunidade que se instalará. No início da 3ª semana, o organismo normal, reconhecendo a presença de elemento estranho, é capaz de mobilizar seu sistema de defesa imunológico específico visando a destruição ou inativação do agente 734 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tuberculose agressor. Passa a haver, então, no pulmão, no local da inoculação inicial, um foco pequeno, arredondado, de 1 a 2 mm, esbranquiçado, de consistência amolecida e constituído, principalmente, por material caseoso. Esse foco é circundado por afluxo celular de linfócitos, células epitelióides (macrófagos ativados e modificados) e macrófagos (foco primário), localizado principalmente no terço médio, compreendendo a parte inferior do lobo superior, lobo médio e, particularmente, o ápice do lobo inferior. Normalmente, esse nódulo é único e com as dimensões mencionadas, mas há relatos da existência de múltiplos focos primários e de focos de maiores dimensões. À associação do foco primário aos gânglios satélites da sua região dá-se o nome de complexo primário de Ranke. O foco pulmonar regressivo, que pode ser visto nas radiografias, chama-se foco de Gohn. Cerca de 90% da população infectada consegue bloquear o avanço do processo, a partir da formação do complexo primário de Ranke, permanecendo apenas como infectados. Tuberculose primária – ocorre durante uma primo-infecção, pode evoluir tanto a partir do foco pulmonar quanto do foco ganglionar ou, então, em conseqüência da disseminação hematogênica. Isso acontece em 5% dos primo-infectados. 6 Tuberculose pós-primária – ocorre no organismo que tem sua imunidade desenvolvida tanto pela infecção natural quanto pela BCG. Dos primo-infectados, 5% adoecerão tardiamente em conseqüência do recrudescimento de algum foco já existente em seu organismo (reativação endógena). Também pode ocorrer a reinfecção exógena, ou seja, o paciente adoecer por receber nova carga bacilar do exterior. O quadro clínico não apresenta nenhum sinal ou sintoma característico. Observa-se, normalmente, comprometimento do estado geral, febre baixa vespertina com sudorese, inapetência e emagrecimento. Quando a doença atinge os pulmões, o indivíduo pode apresentar dor torácica e tosse produtiva, acompanhada ou não de escarros hemoptóicos. A tosse produtiva é o sintoma mais freqüente da forma pulmonar. Nas crianças, também é comum o comprometimento ganglionar mediastínico e cervical (forma primária), que se caracteriza por lesões bipolares: parênquima e gânglios. Nos pacientes adultos, maiores de 15 anos, a tuberculose atinge os pulmões em cerca de 90% dos casos. Nos menores de 15 anos, este percentual é de 75%, podendo, entretanto, localizar-se em outras partes do organismo: rins, ossos e meninges, dentre outras, em função das quais se expressará clinicamente. Uma das formas clínicas mais graves é a tuberculose miliar, decorrente de disseminação hematogênica com acometimento sistêmico, quadro tóxico infeccioso importante e grande risco de meningite. Os pulmões se apresentam difusamente ocupados por pequenas lesões. Os demais órgãos também podem ser acometidos por lesões idênticas. T Na criança e no adolescente com suspeita de tuberculose as manifestações clínicas podem ser variadas. A maioria dos casos apresenta febre, habitualmente moderada, persistente por mais de 15 dias e freqüentemente vespertina. São comuns irritabilidade, tosse, perda de peso e sudorese noturna, às vezes profusa. Muitas vezes, a suspeita de tuberculose é feita em casos de pneumonia de evolução lenta, que não vem apresentando melhora com o uso Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 735 Tuberculose de antimicrobianos para bactérias comuns. Em crianças e adolescentes, há predomínio da localização pulmonar sobre as formas de tuberculose extrapulmonares. A suspeita deve ser realizada na presença de linfadenopatia cervical ou axilar, após excluir adenite infecciosa aguda, com evidentes sinais flogísticos. Na presença de reação forte ao PPD, está indicado o tratamento. Os achados radiográficos mais sugestivos de tuberculose, nessa faixa etária, são: adenomegalias hilares e/ou paratraqueais (gânglios mediastínicos aumentados de volume), pneumonias com qualquer aspecto radiológico (de evolução lenta, às vezes associadas a adenomegalias mediastínicas, ou que cavitam durante a evolução) e o infiltrado nodular difuso (padrão miliar). Deve-se sempre investigar se houve contato prolongado com adulto doente de tuberculose pulmonar bacilífera ou com história de tosse por três semanas ou mais. Os casos suspeitos de tuberculose em crianças e adolescentes devem ser encaminhados para a unidade de referência, para investigação e confirmação do diagnóstico. Após definição do diagnóstico e estabelecido o tratamento, a criança deverá voltar para acompanhamento na unidade básica de saúde. Remissão – apesar de ocorrer a cura espontânea, em alguns casos, a remissão dos sintomas e a respectiva cura do paciente só ocorre após o tratamento apropriado. Devido à remissão dos sintomas, alguns pacientes abandonam o tratamento no início. O agente então persiste no organismo, que fica exposto a recidivas e a resistência a drogas. Dependendo da extensão das lesões pulmonares, várias seqüelas podem permanecer, apesar da cura bacteriológica, resultantes da destruição do parênquima pulmonar e da arquitetura brônquica. As mais importantes complicações, clinicamente, são: • distúrbio ventilatório obstrutivo e/ou restritivo; • infecções respiratórias de repetição; • formação de bronquiectasias; • atelectasias; • hemoptise; • empiemas. Diagnóstico diferencial Pneumonias, micoses pulmonares (paracoccidioidomicose, histoplasmose), sarcoidose e carcinoma brônquico, dentre outras enfermidades. Diagnóstico laboratorial É fundamentado nos seguintes métodos: • bacterioscópico: baciloscopia e cultura; • radiológico; tomografia computadorizada do tórax; • broncoscopia; • outros: prova tuberculínica cutânea (PPD); anátomo-patológico (histológico e citológico); • sorológico, bioquímico, biologia molecular. 736 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tuberculose Exames bacteriológicos Baciloscopia direta do escarro – é o método prioritário, porque permite descobrir a fonte mais importante de infecção: o doente bacilífero. Executado corretamente permite detectar de 70% a 80% dos casos de tuberculose pulmonar em uma comunidade. O método de coloração adotado no Brasil e de custo mais barato é o Ziehl-Neelsen), que, por simples e seguro, pode ser realizado por todos os laboratórios. A baciloscopia direta é indicada para todos os sintomáticos respiratórios (indivíduos com tosse e expectoração por três semanas e mais). Deverá ser dada ênfase para a realização deste exame nos pacientes que apresentem alterações pulmonares na radiografia de tórax e nos contatos de tuberculose pulmonar bacilíferos. Também é utilizada para acompanhar, mensalmente, a evolução bacteriológica do paciente pulmonar, inicialmente positivo, durante o tratamento. Recomenda-se, para o diagnóstico, a coleta de duas amostras de escarro: uma por ocasião da primeira consulta e a segunda na manhã do dia seguinte, em jejum, ao despertar. 6 Cultura de escarro ou de outras secreções – é indicada para suspeitos de tuberculose pulmonar e negativos ao exame direto do escarro, bem como para o diagnóstico de formas extrapulmonares (como meníngea, renal, pleural, óssea e ganglionar) e diagnóstico de tuberculose em paciente soropositivo para o HIV/Aids. Este exame está indicado nos casos de retratamento após falência bacteriológica ao esquema de tratamento padrão – RHZ ou recidiva da doença ou reinício após abandono, com teste de sensibilidade. A cultura é também indicada nos casos de suspeita de resistência bacteriana às drogas, acompanhada do teste de sensibilidade. Nos casos de suspeita de infecção por micobactérias não-tuberculosas, notadamente nos doentes HIV positivos ou com aids, além da cultura deverá ser realizada a tipificação do bacilo. Exame radiológico A evolução da tuberculose é acompanhada de anormalidades radiográficas na maioria dos casos. Por isso, a radiografia do tórax é importante auxiliar no diagnóstico, justificandose sua utilização, quando possível, nos casos suspeitos. É sempre importante realizar o exame radiológico para um diagnóstico correto. Este exame permite a identificação de pessoas portadoras de imagens sugestivas de tuberculose devendo ser consideradas duas situações distintas: a tuberculose primária e a tuberculose secundária – que se manifestam clínica e radiologicamente de forma distinta. O exame radiológico, em pacientes com baciloscopia positiva, tem como função principal a exclusão de outra doença pulmonar associada, que necessite de tratamento concomitante, além de permitir avaliação da evolução radiológica dos pacientes, sobretudo daqueles que não responderam à quimioterapia. O exame radiológico não substitui a realização da investigação bacterioscópica, sendo sugerida uma padronização para a descrição dos resultados: • normal – ausência de imagens patológicas nos campos pulmonares; • seqüela – apresentam imagens sugestivas de lesões cicatriciais; • suspeito – apresentam imagens sugestivas de processo tuberculoso ativo; Secretaria de Vigilância em Saúde / MS T 737 Tuberculose • outras doenças – apresentam imagens sugestivas de pneumopatias não-tuberculosas (infecções bacterianas, micoses, abcessos ou neoplasias). A abreugrafia indiscriminada, em pessoas aparentemente sadias, não está indicada por ter baixo rendimento e por expor, de forma desnecessária, a população à radiação. Tomografia computadorizada do tórax – método diagnóstico útil, notadamente a tomografia computadorizada de alta resolução, em alguns casos em que a radiografia do tórax apresenta resultados imprecisos, por alterações parenquimatosas mínimas ou por não permitir distinguir lesões antigas das lesões da tuberculose ativa. No entanto, é método de maior custo e menor oferta, restrito aos centros de referência. Deve ser usado de forma individualizada, levando em consideração os recursos disponíveis e o custo-benefício, especialmente nos casos com baciloscopia negativa que exigem melhor diagnóstico diferencial com outras doenças. Broncoscopia A broncoscopia e os procedimentos a ela associados, a exemplo de lavado brônquico, lavado broncoalveolar, escovado brônquico, biópsia brônquica, biópsia transbrônquica e punção aspirativa com agulha podem ser úteis no diagnóstico da tuberculose nas seguintes situações: formas negativas à baciloscopia, suspeita de outra doença pulmonar que não a tuberculose, presença de doença que acomete difusamente o parênquima pulmonar, suspeita de tuberculose endobrônquica ou em pacientes imunodeprimidos, particularmente os infectados pelo HIV. Prova tuberculínica A prova tuberculínica cutânea está indicada como método auxiliar, no diagnóstico da tuberculose, em pessoas não vacinadas com BCG. A prova tem por base a reação celular desenvolvida após a inoculação intradérmica de um derivado protéico do M. tuberculosis. O resultado positivo evidencia apenas a infecção por micobactérias, não caracterizando a presença de doença. No Brasil, a tuberculina usada é o PPD RT23, aplicada por via intradérmica, no terço médio da face anterior do antebraço esquerdo, na dose de 0,1ml, equivalente a 2UT (unidades de tuberculina). Quando conservada em temperatura entre 4ºC e 8°C, a tuberculina mantém-se ativa por seis meses. Não deve, entretanto, ser congelada, nem exposta à luz solar direta. A técnica de aplicação (a mais empregada é a de Mantoux) e o material utilizado são padronizados pela Organização Mundial da Saúde e têm especificações semelhantes às usadas para a vacinação BCG. A injeção do líquido faz aparecer uma pequena área de limites precisos, pálida e de aspecto pontilhado, como casca de laranja. A leitura da prova tuberculínica é realizada de 72 a 96 horas após a aplicação, medindo-se com régua milimetrada o maior diâmetro transverso da área de endurecimento palpável. O resultado, registrado em milímetros, define a classificação e interpretação clínica: 738 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tuberculose • 0 a 4mm – não-reator: indivíduo não infectado pelo M. tuberculosis ou por outra micobactéria; ou infectado pelo M. tuberculosis há menos de duas semanas (em fase de viragem tuberculínica) ou, ainda e excepcionalmente, em infectados ou doentes imunodeprimidos; • 5 a 9mm – reator fraco: indivíduo vacinado com BCG ou infectado pelo M. tuberculosis ou por outras micobactérias; • 10mm ou mais – reator forte: indivíduo infectado pelo M. tuberculosis, que pode estar doente ou não, e indivíduos recentemente vacinados com BCG. Observações em relação à prova tuberculínica: • algumas circunstâncias podem interferir no resultado da prova tuberculínica como, por exemplo, desnutrição, aids, sarcoidose, neoplasias, doenças linfoproliferativas, tratamentos com corticosteróide e outras drogas imunodepressoras, gravidez, etc.; • todos os indivíduos infectados pelo HIV devem ser submetidos ao teste tuberculínico. Nesses casos, considera-se reator aquele que apresenta endurecimento de 5mm ou mais e não reator aquele com endurecimento entre 0 e 4mm. Para pacientes não reatores, e em uso de terapia anti-retroviral, recomenda-se fazer o teste seis meses após o início da terapia, devido à possibilidade de restauração da resposta tuberculínica; • nos indivíduos vacinados com BCG, sobretudo entre aqueles imunizados há até dois anos, a prova tuberculínica deve ser interpretada com cautela porque, em geral, apresenta reações de tamanho médio, podendo alcançar 10mm ou mais; • recomenda-se realizar o teste tuberculínico em todos os profissionais dos serviços de saúde, por ocasião de sua admissão. 6 Em áreas de elevada prevalência de infecção tuberculosa, a taxa de positividade para a prova tuberculínica pode oscilar entre 25% e 55% da população geral. Nos locais onde há incidências significativas de HIV aumenta a probabilidade de resultados falso-negativos. A prova tuberculínica deve, portanto, ser utilizada com cautela, tendo em vista suas limitações na decisão diagnóstica e sempre levando em consideração os indicadores epidemiológicos regionais. T Outros exames Anátomo-patológico (histológico e citológico) – sempre que possível, deve-se realizar a biópsia nas formas extrapulmonares. No material colhido será feito o exame direto, a cultura e o exame anátomo-patológico, para identificar o M. tuberculosis ou o processo inflamatório granulomatoso compatível com a tuberculose. Bioquímico – são mais utilizados em casos de tuberculose extrapulmonar, principalmente no derrame pleural, derrame pericárdico e meningoencefalite tuberculosa. Sorológico e de biologia molecular – são métodos diagnósticos recentes, de custo elevado e valores preditivos variáveis, muitos ainda não definitivamente testados ou aprovados. Apesar das perspectivas futuras quanto à sua utilidade no diagnóstico precoce, não são Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 739 Tuberculose recomendados para a rotina diagnóstica de tuberculose no Brasil, ficando seu uso restrito a alguns centros de referência e pesquisa onde podem ser utilizados para casos que demandem diagnóstico rápido. Observação O exame sorológico anti-HIV deve ser oferecido a todos aqueles com diagnóstico de tuberculose confirmado. O profissional de saúde deve conversar com o doente sobre a possibilidade de associação das duas infecções e os benefícios do diagnóstico precoce e tratamento da infecção pelo HIV. O doente deve assinar o termo de consentimento, para realização do exame. Caso o exame seja positivo, deve ser encaminhado para a unidade de referência para Aids mais próxima de sua residência, capacitada a tratar das duas infecções. Tratamento A tuberculose é uma doença grave, porém curável em praticamente 100% dos casos novos, desde que os princípios da quimioterapia sejam seguidos. O tratamento dos bacilíferos é a atividade prioritária de controle da tuberculose, uma vez que permite anular rapidamente as maiores fontes de infecção. Poucos dias após o início da quimioterapia, os bacilos da tuberculose praticamente perdem seu poder infectante. Assim, os doentes “pulmonares positivos” não precisam, nem devem, ser segregados do convívio familiar e comunitário. A associação medicamentosa adequada, doses corretas, uso por tempo suficiente, com supervisão da tomada dos medicamentos, são os meios utilizados para evitar a persistência bacteriana e o desenvolvimento de resistência às drogas, assegurando a cura do paciente. O tratamento da tuberculose deve ser feito em regime ambulatorial, supervisionado, no serviço de saúde mais próximo, na residência ou no trabalho do doente. Antes de iniciar a quimioterapia, faz-se necessário orientar o paciente quanto ao tratamento. Para isso, deve-se explicar, na entrevista inicial e em linguagem acessível, as características da doença e o esquema de tratamento que será seguido – drogas, duração, benefícios do uso regular da medicação, conseqüências advindas do abandono do tratamento e possíveis efeitos adversos dos medicamentos. O tratamento diretamente observado de curta duração (DOTS) é fator essencial para se promover o real e efetivo controle da tuberculose. Define-se como uma estratégia*, re- *Os cinco elementos da estratégia DOTS são: • Compromisso político com a implementação e sustentabilidade do programa de controle da tuberculose; • Detecção de casos, por meio de baciloscopia de escarro, entre sintomáticos respiratórios da demanda dos serviços gerais de saúde; • Tratamento padronizado, de curta duração, diretamente observado e monitorado quanto à sua evolução, para todos os casos com baciloscopia de escarro positiva; • Provisão regular de medicamentos tuberculostáticos; • Sistema de informação que permita avaliar a detecção de casos, o resultado do tratamento de casos individuais e o desempenho do programa. 740 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tuberculose comendada pela Organização Mundial da Saúde, que tem como principal sustentáculo a observação direta da tomada de medicamento para tuberculose em pelo menos três observações semanais, nos primeiros dois meses, e uma observação por semana, até o seu final. Além disso, o DOTS visa ao aumento da adesão dos pacientes, a maior descoberta das fontes de infecção (pacientes pulmonares bacilíferos) e ao aumento da cura, reduzindo-se o risco de transmissão da doença na comunidade. Esta estratégia contínua é uma das prioridades para que o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), do Ministério da Saúde, atinja a meta de curar pelo menos 85% dos doentes, diminua a taxa de abandono do tratamento, evite o surgimento de bacilo resistentes e possibilite um efetivo controle da tuberculose no país. Além da adoção da estratégia DOTS, o PNCT reconhece a importância de horizontalizar o combate à tuberculose, estendendo-o para todos os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). Portanto, visa a efetiva descentralização do controle da tuberculose e sua integração no processo de trabalho da atenção básica, incluindo o Programa Saúde da Família (PSF) para garantir a efetiva ampliação do acesso ao diagnóstico e tratamento. O tratamento supervisionado deve ser priorizado para todos os casos de tuberculose bacilífera. A supervisão da ingestão dos medicamentos deve ser realizada em local de escolha do paciente (unidade de saúde, residência), podendo ser administrada por um trabalhador de saúde (agente comunitário de saúde, membro da equipe do PSF ou da unidade básica de saúde) ou familiar devidamente orientado para essa atividade. 6 Tratamento supervisionado Atenção especial deve ser dada para os doentes que se enquadrem nas seguintes situações: etilistas, casos de retratamento após abandono, mendigos, presidiários e doentes institucionalizados (asilos, manicômios). Compete aos serviços de saúde prover os meios necessários para garantir que todo indivíduo com diagnóstico de tuberculose possa, sem atraso, ser adequadamente tratado. A hospitalização é indicada apenas para as seguintes circunstâncias: meningite tuberculosa, indicações cirúrgicas em decorrência da doença, complicações graves, intolerância medicamentosa incontrolável em ambulatório, intercorrências clínicas e/ou cirúrgicas graves, estado geral que não permita tratamento em ambulatório, em casos sociais, como ausência de residência fixa, ou grupos especiais, com maior possibilidade de abandono, especialmente se for caso de retratamento ou falência. O período de internação deve ser reduzido ao mínimo necessário, independentemente do resultado do exame bacteriológico. T Importante • Instituir tratamento supervisionado para todos os casos com baciloscopia positiva • Realizar baciloscopia de controle • Realizar consultas de acompanhamento • Realizar visita domiciliar Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 741 Tuberculose As drogas utilizadas nos esquemas padronizados pelo Ministério de Saúde são: Isoniazida – H; Rifampicina – R; Pirazinamida – Z; Estreptomicina – S; Etambutol – E; Etionamida – Et. Em menores de cinco anos, que apresentem dificuldade para ingerir os comprimidos, recomenda-se o uso das drogas na forma de xarope ou suspensão. Esquema I (esquema básico) – 2RHZ/4RH Casos novos* de todas as formas de tuberculose pulmonar e extrapulmonar** Peso do doente Até 20kg Mais de 20kg e até 35 kg Mais de 35 kg e até 45 kg Mais de 45 kg Mg/kg/dia Mg/dia Mg/dia Mg/dia R 10 300 450 600 H 10 200 300 400 Z 35 1.000 1.500 2.000 2ª fase R 10 300 450 600 (4 meses – RH) H 10 200 300 400 Fases do tratamento 1ª fase (2 meses – RHZ) Drogas R = Rifampicina; H = Isoniazida; Z = Pirazinamida *Sem tratamento anterior, tratamento por menos de 30 dias ou tratamento anterior há mais de 5 anos. **Exceto meningite A eficácia deste esquema de tratamento no Brasil é elevada (98%). Considerando-se a ocorrência de óbitos e taxa de abandono de 12%, a efetividade cai para 83% mas continua adequada. De acordo com o inquérito nacional de resistência realizado pelo Ministérioi da Saúde (1997), a resistência primária aos medicamentos antituberculose é baixa, definindo que este esquema deve ser mantido sem a necessidade de acréscimo de um quarto medicamento na fase de ataque, como adotado em outros países. Ressalte-se que o abandono do tratamento é o principal problema para melhor efetividade do tratamento demonstrando a importância da estratégia proposta pelo PNCT para o controle da tuberculose no país. Observações a) As drogas deverão ser administradas preferencialmente em jejum, em uma única tomada, ou, em caso de intolerância digestiva, junto com uma refeição. b) Em casos individualizados, cuja evolução clínica inicial não tenha sido satisfatória, ou ainda nos casos de tuberculose extrapulmonar, com a orientação de especialistas, o tempo de tratamento poderá ser prolongado, na sua 2ª fase, por mais três meses (2RHZ/7RH). c) Os casos de tuberculose associados ao HIV devem ser encaminhados para unidades de referência, em seu município ou em municípios vizinhos, para serem tratados para os dois agravos (TB/HIV). 742 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tuberculose Esquema I IR (esquema básico + etambutol) – 2RHZE/4RHE Casos de recidiva após cura* ou retorno após abandono do esquema I Peso do doente Fases do tratamento Drogas Até 20kg Mais de 20kg e até 35 Kg Mais de 35 kg e até 45 kg Mais de 45 kg Mg/kg/dia Mg/dia Mg/dia Mg/dia 600 R 10 300 450 1ª fase H 10 200 300 400 (2 meses – RHZE) Z 35 1.000 1.500 2.000 E 25 600 800 1.200 600 2ª fase (4 meses – RHE) R 10 300 450 H 10 200 300 400 E 25 600 800 1.200 Siglas: Rifampicina = R; Isoniazida = H; Pirazinamida = Z; Etambutol = E 6 *Considera-se retratamento a prescrição de um esquema de drogas para o doente já tratado por mais de 30 dias, que venha a necessitar de nova terapia por recidiva após cura,retorno após abandono ou falência do esquema I ou esquema IR (esquema básico + etambutol). Esquema II (esquema para tuberculose meningoencefálica) – 2RHZ/(7RH) Peso do doente Fases do tratamento Drogas Até 20Kg Mais de 20kg e até 35kg Mais de 35kg e até 45kg Mais de 45kg Mg/kg/dia Mg/dia Mg/dia Mg/dia 600 R 10 300 450 H 10 200 300 400 Z 35 1.000 1.500 2.000 2ª fase R 10 300 450 600 (7 meses – RH) H 10 200 300 400 1ª fase (2 meses – RHZ) Siglas: Rifampicina = R; Isoniazida = H; Pirazinamida = Z Observações • Levar em consideração as indicações de retratamento, discutidas anteriormente. • Os casos de recidiva de esquemas alternativos, por toxicidade ao esquema I, devem ser avaliados em unidades de referência, para prescrição de esquema individualizado. • O paciente que apresentar alteração da visão deverá ser encaminhado para unidade de referência, com o objetivo de avaliar o uso do etambutol. • Nos casos de concomitância entre tuberculose meningoencefálica e qualquer outra localização, usar o esquema II. • A internação é mandatória, sempre que se suspeitar do diagnóstico de tuberculose meningoencefálica. • Nos casos de tuberculose meningoencefálica, em qualquer idade, recomenda-se o uso de corticosteróide (prednisona, dexametasona ou outros), por um período de Secretaria de Vigilância em Saúde / MS T 743 Tuberculose um a quatro meses, no início do tratamento. • Na criança, a prednisona é administrada na dose de 1 a 2mg/kg de peso corporal, até a dose máxima de 30mg/dia. No caso de se utilizar outro corticosteróide, aplicar a tabela de equivalência entre eles. • Na tuberculose meningoencefálica, a fisioterapia deverá ser iniciada o mais cedo possível. Esquema III (esquema para falência) – 3SZEEt/9Eet Casos de falência de tratamento do E-I e E-IR (esquema I reforçado) Peso do doente Fases do tratamento Drogas Até 20Kg Mais de 20kg e até 35kg Mais de 35kg e até 45kg Mais de 45kg Mg/kg/dia Mg/dia Mg/dia Mg/dia S 20 500 1.000 1.000 1ª fase Z 35 1.000 1.500 2.000 (3 meses – SZEEt) E 25 600 800 1.200 Et 12 250 500 750 E 25 Et 12 600 800 1.200 250 500 750 2ª fase (9 meses – EEt) Siglas: Estreptomicina = S; Pirazinamida = Z; Etambutol = E; Etionamida = Et A falência ao esquema I (E-I) ou ao E-IR define a obrigatoriedade da realização de cultura com identificação e teste de sensibilidade, no início do tratamento, para definir claramente a possibilidade de sucesso desse esquema ou sua modificação. Portanto, recomenda-se que o esquema III deva ser acompanhado por uma unidade de maior resolubilidade, sempre que possível. Observações • Os casos de suspeita de falência aos esquemas E-I ou E-IR devem ser encaminhados à unidade de referência para avaliação e acompanhamento. • A estreptomicina deve ser usada por via intramuscular. Em situações especiais, pode ser aplicada por via endovenosa, diluída a 50 ou 100ml de soro fisiológico, correndo por um mínimo de 1/2 hora. • Em casos especiais, com dificuldades de aceitação de droga injetável ou para facilitar seu uso supervisionado na unidade de saúde, o regime de uso da estreptomicina pode ser alterado para aplicações de 2ª a 6ª feira, por dois meses, e duas vezes semanais, por mais 4 meses. • Em maiores de 60 anos, a estreptomicina deve ser administrada na dose de 500mg/ dia. 744 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tuberculose • Havendo alteração visual durante o tratamento, o paciente deverá ser encaminhado para serviço de referência, com o objetivo de avaliar o uso do etambutol. • É importante que o paciente tratado com o esquema III realize seu tratamento de forma supervisionada. O paciente deverá ser encaminhado para tratamento em uma unidade de referência de tuberculose quando houver antecedentes ou evidências clínicas de hepatopatia aguda (hepatite) ou crônica (cirrose, hepatopatia alcoólica); ser portador de aids ou soro positivo para o HIV; tiver antecedentes ou evidências clínicas de nefropatias (insuficiência renal crônica, pacientes em regime de diálise). Em todos os esquemas, a medicação é de uso diário e deverá ser administrada, de preferência, em uma única tomada em jejum ou, em caso de intolerância digestiva, junto com uma refeição. Atenção especial deve ser dada ao tratamento dos grupos considerados de alto risco de intoxicação, como pessoas com mais de 60 anos, em mau estado geral e etilistas. A rifampicina interfere na ação dos contraceptivos orais, devendo as mulheres, em uso desse medicamento, receber orientação para utilizar outros métodos anticoncepcionais. 6 O esquema E-I (básico) e o esquema E-IR (básico + etambutol) podem ser usados pelas gestantes em qualquer período da gestação. Tratamento da tuberculose multirresistente – se o teste de sensibilidade às drogas, quando realizado, apresentar resistência a apenas um dos medicamentos em uso, com o paciente apresentando boa evolução clínica e laboratorial, isto indica que o regime não deve ser alterado. A associação medicamentosa de três drogas é proposta, entre outras razões, justamente para contemplar essa possibilidade. Os pacientes que não se curam após tratamento com os esquemas padronizados pelo Ministério da Saúde, portadores de bacilos resistentes a mais de duas drogas, dentre as quais a rifampicina e a isoniazida, constituem um grupo de doentes classificados no Consenso Brasileiro de Tuberculose (de 1997/2004) como portadores de tuberculose multirresistente. A este grupo, são agregados os pacientes que apresentam resistência primária à rifampicina, isoniazida e a outras drogas utilizadas, geralmente a estreptomicina e/ou etambutol. Estes pacientes e seus familiares serão atendidos por equipe multiprofissional especializada, em centros de referência que cumpram as normas de biossegurança e estejam credenciados pelas coordenadorias municipais e estaduais do programa de tuberculose. T Reações adversas ao uso de drogas antituberculose A maioria dos pacientes submetidos ao tratamento de tuberculose consegue completar o tempo recomendado sem sentir qualquer efeito colateral relevante. Os fatores relacionados às reações são diversos. Todavia, os maiores determinantes dessas reações se referem à dose, horários de administração da medicação, idade do doente, seu estado nutricional, alcoolismo, condições da função hepática e renal e co-infecção pelo HIV. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 745 Tuberculose A conduta adequada está apresentada, de forma esquemática, nos quadros a seguir, conforme a classificação: efeitos menores e efeitos maiores. Os efeitos menores ocorrem entre 5% a 20% dos casos e são assim classificados porque não implicam em modificação imediata do esquema padronizado; os efeitos maiores são aqueles que implicam interrupção ou alteração do tratamento e são menos freqüentes, ocorrendo em torno de 2% dos casos, podendo chegar a 8% em serviços especializados. Efeitos menores Efeito Droga Conduta Irritação gástrica (náusea, vômito), epigastralgia e dor abdominal Rifampicina, Isoniazida Pirazinamida Reformular os horários de administração da medicação e avaliar a função hepática Artralgia ou artrite Pirazinamida, Isoniazida Medicar com ácido acetilsalicílico Neuropatia periférica (queimação das extremidades) Isoniazida, Etambutol Medicar com piridoxina (vit. B6) Cefaléia e mudança de comportamento (euforia, insônia, ansiedade e sonolência) Isoniazida Orientar Suor e urina cor de laranja Rifampicina Orientar Prurido cutâneo Isoniazida, Rifampicina Medicar com anti-histamínico Hiperuricemia (com ou sem sintomas) Pirazinamida, Etambutol Orientação dietética (dieta hipopurínica) Febre Rifampicina, Isoniazida Orientar Efeitos maiores Efeito Exantemas 746 Droga Estreptomicina Rifampicina Conduta Suspender o tratamento Reintroduzir o tratamento droga a droga após resolução Substituir o esquema nos casos graves ou reincidentes Hipoacusia Estreptomicina Suspender a droga e substituí-la pela melhor opção Vertigem e nistagmo Estreptomicina Suspender a droga e substituí-la pela melhor opção Psicose, crise convulsiva, encefalopatia tóxica e coma Isoniazida Substituir por estreptomicina + etambutol Neurite ótica Etambutol, Isoniazida Substituir Hepatotoxicidade (vômitos, hepatite, alteração das provas de função hepática) Todas as drogas Suspender o tratamento temporariamente até resolução Trombocitopenia, leucopenia, eosinofilia, anemia hemolítica, agranulocitose, vasculite Rifampicina Isoniazida Dependendo da gravidade, suspender o tratamento e reavaliar o esquema de tratamento Nefrite intersticial Rifampicina, principalmente intermitente Suspender o tratamento Rabdomiólise com mioglobinúria e insuficiência renal Pirazinamida Suspender o tratamento Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tuberculose Aspectos epidemiológicos A tuberculose não apresenta variações cíclicas ou sazonais de importância prática. A prevalência observada é maior em áreas de grande concentração populacional e precárias condições socioeconômicas e sanitárias. A distribuição da doença é mundial, com tendência decrescente da morbidade e mortalidade nos países desenvolvidos. Nas áreas com elevada prevalência de infecção pelo HIV vem ocorrendo estabilização ou aumento do número de casos e óbitos por tuberculose. Estão mais sujeitos à doença os indivíduos que convivam (contatos) com doente bacilífero, determinados grupos com redução da imunidade, como os diabéticos ou silicóticos, e pessoas em uso de corticosteróides ou infectados pelo HIV. No Brasil, no ano de 2001 foram notificados 81.432 casos novos, correspondendo ao coeficiente de incidência de 47,2/100 mil habitantes, dos quais 43.085 foram formas pulmonares bacilíferas (coeficiente de incidência de 24,9/100 mil habitantes). Com pertinência ao encerramento do tratamento, 72,2% receberam alta por cura, 11,7% abandonaram o tratamento, 7,0% representam os óbitos e 9,1% referem-se à transferência de serviços e domicílios. Com a tuberculose é uma doença com profundas raízes sociais, relacionada a má distribuição de renda e à pobreza, estas taxas variam de acordo com as regiões e, inclusive, dentro das mesmas regiões. Antes do advento da moderna quimioterapia, a mortalidade era o indicador utilizado tanto para avaliar a tendência da endemia como para fazer estimativas de morbidade – a prevalência era o dobro da incidência, que por sua vez era o dobro da mortalidade. Na era quimioterápica essas equivalências romperam-se: atualmente, a mortalidade representa o desempenho do programa, uma vez que praticamente todos teriam a chance de se curar, mediante diagnóstico precoce e tratamento corretamente administrado. A análise da mortalidade deve considerar a distribuição geográfica, os grupos etários e a associação com o HIV. 6 Vigilância epidemiológica O propósito do Programa Nacional de Controle da Tuberculose é reduzir a transmissão do bacilo da tuberculose na população, através das ações de diagnóstico precoce e tratamento adequado dos casos. As metas internacionais estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde e pactuadas pelo governo brasileiros são a descoberta de 70% dos casos de tuberculose estimados e o tratamento e a cura de 85% dos mesmos. T Objetivos O principal objetivo da vigilância epidemiológica é identificar as possíveis fontes de infecção. Para tanto, deve ser realizada investigação epidemiológica entre os contatos de todo caso novo de tuberculose e, prioritariamente, nos que convivam com doentes bacilíferos, devido ao maior risco de infecção e adoecimento que esse grupo apresenta. No caso de uma criança doente, a provável fonte de infecção será o adulto que com ela convive. No caso deste não comparecer à unidade de saúde para exame, torna-se obrigatória a visita domiciliar. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 747 Tuberculose O PNCT se propõe ainda a intensificar a identificação de sintomáticos respiratórios, examiná-los com a baciloscopia e implementar o registro dos mesmos na rede laboratorial do SUS. Definição de caso Suspeito • Todo indivíduo com sintomatologia clínica sugestiva de tuberculose pulmonar: tosse com expectoração por três ou mais semanas, febre, perda de peso e apetite – o chamado sintomático respiratório. • Paciente com imagem radiológica compatível com tuberculose. Confirmado Critério clínico-laboratorial Tuberculose pulmonar bacilífera – paciente com duas baciloscopias diretas positivas ou uma baciloscopia direta positiva e cultura positiva ou uma baciloscopia direta positiva e imagem radiológica sugestiva de tuberculose. Tuberculose pulmonar escarro negativo (BK-) – paciente com duas baciloscopias negativas, com imagem radiológica sugestiva e achados clínicos ou outros exames complementares que permitam ao médico efetuar um diagnóstico de tuberculose. Tuberculose extrapulmonar – paciente com evidências clínicas e achados laboratoriais, inclusive histopatológicos, compatíveis com tuberculose extrapulmonar ativa, em que o médico toma a decisão de tratar com esquema específico; ou paciente com, pelo menos, uma cultura positiva para M.tuberculosis, de material proveniente de uma localização extrapulmonar. Critério clínico-epidemiológico O raciocínio diagnóstico deve desenvolver-se a partir do exame clínico, dos dados epidemiológicos e da interpretação dos resultados dos exames solicitados. Apesar de indispensável, em situações em que o diagnóstico laboratorial não pode ser realizado o clínico pode confirmar o caso pelo critério clínico-epidemiológico, principalmente quando de história de contato com doentes de tuberculose, fator de importância primordial para a suspeição diagnóstica. Descartado Casos suspeitos que, apesar de sintomatologia compatível, apresentaram resultados negativos nos exames laboratoriais, principalmente quando, na busca de diagnóstico diferencial, se confirma outra patologia. Notificação A unidade de saúde que descobre e inicia o tratamento dos casos novos torna-se responsável pela notificação compulsória dos mesmos. Outras fontes de notificação são os 748 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tuberculose hospitais, os laboratórios e outros serviços de assistência médica, quer governamental ou particular. A base do sistema de informação da tuberculose é o prontuário do doente, a partir do qual são colhidos os dados necessários para o preenchimento da ficha individual de investigação do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan). As unidades assistenciais enviarão às secretarias estaduais de saúde, através dos níveis intermediários (municípios e regionais de saúde, entre outros), os dados de descoberta de casos e resultados do tratamento, que após consolidação serão enviados ao nível central nacional. Devem ser notificados todos os casos, independente do tipo de entrada: Caso novo ou sem tratamento anterior – são os pacientes que nunca se submeteram à quimioterapia antituberculosa ou fizeram-na por menos de 30 dias ou há mais de cinco anos. Verificar insistentemente com o paciente e seus familiares se não houve tratamento antituberculoso prévio, superior a 30 dias. Retratamento – prescrição de um esquema de drogas para o doente já tratado por mais de 30 dias e que venha a necessitar de nova terapia por recidiva após cura (RC), retorno após abandono (RA) ou por falência do esquema básico. Abandono – o doente que, após iniciado o tratamento para tuberculose, deixou de comparecer à unidade de saúde por mais de 30 dias consecutivos, a partir da data aprazada para seu retorno. Recidiva – o doente com tuberculose em atividade, que já se tratou anteriormente e recebeu alta por cura, desde que a data da cura e a data do diagnóstico de recidiva não ultrapassem cinco anos. Se esse intervalo exceder cinco anos, o caso é considerado como “caso novo” e o tratamento preconizado é o esquema básico. Falência – a persistência da positividade do escarro ao final do 4º ou 5º meses de tratamento, tendo havido ou não negativação anterior do exame. São aqueles doentes que, no início do tratamento, são fortemente positivos (++ ou +++) e mantêm essa situação até o 4º mês, ou aqueles com positividade inicial seguida de negativação e nova positividade por dois meses consecutivos, a partir do 4º mês de tratamento com comprovação através de cultura de escarro. O aparecimento de poucos bacilos no exame direto do escarro, na altura do 5º ou 6º meses, isoladamente, não significa, necessariamente, falência do esquema, em especial se acompanhado de melhora clínico-radiológica. Nesse caso, o paciente será seguido com exames bacteriológicos. Transferência – refere-se àquele paciente que comparece à unidade de saúde para dar continuidade ao tratamento iniciado em outra unidade de saúde, desde que não tenha havido interrupção do uso da medicação por mais de 30 dias. Neste último caso, o tipo de entrada deve ser “reingresso após abandono”. 6 T Medidas a serem adotadas Conduta frente a um caso suspeito de tuberculose pulmonar: • identificação e confirmação do caso; • baciloscopia direta do escarro no momento da consulta e solicitação de outra amostra a ser colhida no dia seguinte; Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 749 Tuberculose • raios X de tórax e realização de prova tuberculínica, nos casos negativos à baciloscopia; • cultura do escarro nos casos negativos à baciloscopia. Roteiro para investigação epidemiológica Identificação do paciente Diversas informações referentes ao paciente, ao lugar, ao caso e ao tempo são fornecidas durante o preenchimento da ficha de notificação. Por meio delas pode-se avaliar a situação e tendência da doença: • referentes ao lugar – unidade de saúde (ou outra fonte notificadora), logradouro, bairro, distrito, zona (urbana ou rural), município de notificação e residência, unidade federada e país; • referentes ao paciente – nome, sexo, idade, escolaridade, etnia (no caso de população indígena), critério diagnóstico, raça/cor, número do cartão SUS, nome da mãe, telefone, ocupação; • referentes ao tempo – data de notificação, data do diagnóstico, data de nascimento, data de início do tratamento atual; • referentes ao caso – número do prontuário, tipo de entrada, raios X (tórax), teste tuberculínico, forma clínica, agravos associados, baciloscopia de escarro, baciloscopia de outro material, cultura de escarro, cultura de outro material, teste HIV (soropositividade), histopatologia, drogas (esquema terapêutico utilizado), tratamento supervisionado, doença relacionada ao trabalho. Coleta e análise de dados clínicos e epidemiológicos Os dados deverão ser registrados, consolidados e analisados pela unidade de saúde e pelas esferas municipal, estadual e federal do sistema de saúde. A análise dos dados permite a tomada de decisões nas diferentes instâncias do sistema de vigilância. A distribuição esperada dos casos, por grupos etários e formas clínicas, pode ser observada na Figura 1. Deve ser investigado, junto à fonte notificadora, aumento importante de determinada forma clínica, para avaliação da qualidade do diagnóstico. A alteração do perfil epidemiológico esperado precisa ser analisada quanto à possível variação da história natural da doença. As unidades de saúde que têm ações de controle de diagnóstico e tratamento devem inscrever o paciente no Livro de Registro e Controle de Tratamento dos Casos de Tuberculose, para possibilitar a análise por coortes da distribuição dos casos por grupo etário, forma clínica, qualidade diagnóstica e resultado do tratamento. O registro de óbitos por tuberculose também deve ser analisado, comparando-se com os dados de morbidade. Acompanhamento do caso Por ser enfermidade de características crônicas, a evolução do caso de tuberculose deve ser acompanhada e registrada em notificação, para que possa ser encerrado de acordo com os seguintes critérios: 750 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tuberculose Alta por cura – pulmonares inicialmente positivos: a alta por cura será dada quando, ao completar o tratamento, o paciente apresentar duas baciloscopias negativas: uma na fase de acompanhamento e outra no final do tratamento (cura); Alta por completar o tratamento – será dada com base em critérios clínicos e radiológicos quando o paciente não tiver realizado o exame de escarro por ausência de expectoração e tiver alta com base em dados clínicos e exames complementares; e nos casos de tuberculose pulmonar inicialmente negativos e casos de tuberculose extrapulmonar; Alta por abandono de tratamento – será dada ao doente que deixou de comparecer à unidade por mais de 30 dias consecutivos, após a data prevista para seu retorno. Nos casos de tratamento supervisionado, o prazo de 30 dias é contado a partir da data da última tomada da droga. A visita domiciliar, realizada pela equipe de saúde, tem como um dos objetivos evitar que o doente abandone o tratamento; Alta por mudança de diagnóstico – será dada quando for constatado erro no diagnóstico; Alta por óbito – será dada por ocasião do conhecimento da morte do paciente, durante o tratamento e independentemente da causa; Alta por falência – será dada quando houver persistência da positividade do escarro ao final do 4º ou 5º meses de tratamento. Os doentes que no início do tratamento são fortemente positivos (+ + ou + + +) e mantêm essa situação até o 4º mês ou os que apresentam positividade inicial seguida de negativação e nova positividade por dois meses consecutivos, a partir do 4º mês de tratamento, são classificados como caso de falência. O aparecimento de poucos bacilos no exame direto do escarro, por volta do 5º ou 6º meses de tratamento, isoladamente, não necessariamente significa a falência do tratamento. O paciente deverá ser acompanhado com exames bacteriológicos para melhor definição. Observação: quando o caso for encerrado por falência e o paciente iniciar novo tratamento, deverá ser registrado como caso de retratamento no Livro de Registro e Controle de Tratamento dos Casos de Tuberculose; Alta por transferência – será dada quando o doente for transferido para outro serviço de saúde. A transferência deve ser processada através de documento que informará o diagnóstico e o tratamento realizado até o momento. Deve-se, no momento da avaliação da coorte, buscar a confirmação de que o paciente compareceu à unidade para a qual foi transferido, bem como o resultado do tratamento. Só serão considerados transferidos aqueles pacientes cujo resultado do tratamento for desconhecido. 6 T Controle pós-cura A maioria dos casos curados não necessita de controle pós-tratamento, devendo-se orientar o paciente a retornar à unidade apenas se surgirem sintomas semelhantes aos do início da doença. Após alta do tratamento por tuberculose multirresistente, o paciente deve ser acompanhado pelo menos a cada semestre, por três anos subseqüentes. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 751 Tuberculose Figura 1. Distribuição da tuberculose no Brasil, segundo grupos etários e formas clínicas 70% Baciloscopia positiva 90% Formas pulmonares 30% 85% Maiores de 15 anos Sem confirmação baciloscópica Formas extrapulmonares 10% Doentes 20% 75% Formas pulmonares 80% 15% Baciloscopia positiva Sem confirmação baciloscócpica Menores de 15 anos 25% Formas extrapulmonares Instrumentos disponíveis para controle Diagnóstico e tratamento Prioritariamente, a procura de casos de tuberculose deve ser efetuada nos sintomáticos respiratórios (indivíduos com tosse e expectoração por três ou mais semanas), que deverão submeter-se à rotina prevista para o diagnóstico de tuberculose. Os sintomáticos respiratórios deverão realizar radiografia de tórax, quando houver disponibilidade desse recurso. A anulação das fontes de infecção, através do tratamento dos doentes, é um dos aspectos mais importantes no controle da tuberculose. Deve-se avaliar mensalmente o doente e a evolução do tratamento, realizando-se, nos casos novos pulmonares com baciloscopia positiva (BK +), o controle bacteriológico, de preferência mensal e, obrigatoriamente, ao término do segundo, quarto e sexto meses de tratamento. Quando houver indicação de internação de pacientes com tuberculose, deve-se procurar adotar medidas de isolamento respiratório, especialmente tratando-se de pacientes bacilíferos e crônicos com multirresistência. Deve-se internar o doente em hospitais que tenham poder de resolução para os motivos que determinaram sua internação, não sendo obrigatória a especialização em pneumologia. O controle de contatos é prioritariamente indicado para os contatos que 752 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tuberculose convivam com doentes bacilíferos, especialmente os intradomiciliares, por apresentarem maior probabilidade de adoecimento, e nos adultos que convivam com doentes menores de 5 anos, para identificação da possível fonte de infecção. O fluxograma abaixo traz as condutas a serem adotadas com relação aos contatos, de acordo com o resultado dos exames. Avaliação dos contatos de casos de tuberculose pulmonar com baciloscopia positiva Adultos Adultos Assintomáticos Sintomáticos Orientação Exames de escarro 6 Positivo Negativo Tratamento Orientação/ encaminhamento Adultos Crianças até 15 anos Vacinadas Não vacinadas PPD Não-reator BCG Reator Raios X de tórax Sugestivo de TB + sintomas clínicos Normal e sem sintomas clínicos Assintomáticos Sintomáticos (II) Orientação Raios X de tórax Sugestivo de TB + sintomas clínicos Normal e sem sintomas clínicos Tratamento Tratamento T Medicação sintomática Tratamento Quimioprofilaxia Acompanhamento Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 753 Tuberculose Imunização A vacina BCG, sigla decorrente da expressão bacilo de Calmette-Guérin, é preparada a partir de uma cepa derivada do Mycobacterium bovis, atenuada por sucessivas passagens através de meio de cultura. Confere poder protetor às formas graves de tuberculose, decorrentes da primo-infecção. No Brasil, é prioritariamente indicada para as crianças de 0 a 4 anos de idade, sendo obrigatória para menores de um ano, como dispõe a Portaria nº 452, de 6/12/76, do Ministério da Saúde. Recomenda-se a revacinação com BCG nas crianças com 10 anos de idade, dose que pode ser antecipada para os seis anos, independente de ter ou não cicatriz vacinal. Não há necessidade de revacinação caso a primeira vacinação por BCG tenha ocorrido aos seis anos de idade ou mais. Há contra-indicação relativa ou temporária definindo o adiamento da aplicação da vacina, nos seguintes casos: peso ao nascer inferior a 2kg; reações dermatológicas na área de aplicação; doenças graves e uso de drogas imunossupressoras. Há contra-indicação absoluta para aplicar a vacina BCG nos portadores de imunodeficiências congênitas ou adquiridas. Os recém-nascidos e crianças soropositivas para HIV, ou filhos de mães com aids, desde que não apresentem os sintomas da doença, deverão ser vacinados. Pacientes adultos sintomáticos ou assintomáticos não deverão ser vacinados. Quimioprofilaxia A quimioprofilaxia da tuberculose consiste na administração de isoniazida em pessoas infectadas pelo bacilo (quimioprofilaxia secundária) ou não (quimioprofilaxia primária), na dosagem de 10mg/kg/dia (até 300mg), diariamente, por um período de 6 meses. Está recomendada nas seguintes situações: Contactantes de bacilífero, menores de 15 anos, não vacinados com BCG, reatores à prova tuberculínica, com 10mm ou mais, com exame radiológico normal e sem sintomatologia clínica compatível com tuberculose. Na eventualidade de contágio recente, a sensibilidade à tuberculina pode não estar exteriorizada, sendo negativa a resposta. Neste caso, deve-se repetir a prova em 40 a 60 dias. Se a resposta for positiva, indica-se a quimioprofilaxia; se negativa, vacina-se com BCG; Recém-nascidos coabitantes de foco bacilífero – administra-se a quimioprofilaxia por três meses e, após esse período, faz-se a prova tuberculínica na criança. Se reatora, mantém-se a isoniazida até completar 6 meses; se não reatora, suspende-se a droga e aplica-se a vacina BCG; Indivíduos com viragem tuberculínica recente (até 12 meses), isto é, que tiveram um aumento na resposta tuberculínica de, no mínimo, 10mm; População indígena – neste grupo, a quimioprofilaxia está indicada em todo o contato de tuberculose bacilífera, reator forte ao PPD, independente da idade e estado vacinal, após avaliação e, através de baciloscopia e exame radiológico, afastada a possibilidade de tuberculose; Imunodeprimidos por uso de drogas ou por doenças imunodepressoras e contatos intradomiciliares de tuberculosos, sob criteriosa decisão médica; 754 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Tuberculose Reatores fortes à tuberculina, sem sinais de tuberculose ativa mas com condições clínicas associadas a alto risco de desenvolvê-la, como: alcoolismo, diabetes insulinodependente, silicose, nefropatias graves, sarcoidose, linfomas, uso prolongado de corticosteróides em dose de imunossupressão, pacientes submetidos à quimioterapia antineoplásica ou a tratamento com imunossupressores, portadores de imagens radiológicas compatíveis com tuberculose ativa, sem história de quimioterapia prévia. Estes casos deverão ser encaminhados a uma unidade de referência para a tuberculose; Coinfectados HIV e M. tuberculosis – este grupo deve ser submetido à prova tuberculínica. Para considerar-se uma pessoa infectada pelo M. tuberculosis, o limite da reação ao PPD será de 5mm, ao invés de 10mm. A quimioprofilaxia para tuberculose em pacientes HIV+ será aplicada segundo as seguintes indicações: Indivíduo sem sinais ou sintomas sugestivos de tuberculose Indicações 1, 2 A. Com radiografia de tórax normal e reação ao PPD maior ou igual a 5mm3 ou contatos intradomiciliares ou institucionais de tuberculose bacilífera ou PPD não-reator ou com enduração entre 0-4mm, com registro documental de ter sido reator ao teste tuberculínico e não submetido a tratamento ou quimioprofilaxia na ocasião 6 B. Com radiografia de tórax anormal: presença de cicatriz radiológica de tuberculose sem tratamento anterior (afastada a possibilidade de tuberculose ativa, através de exames de escarro e radiografias anteriores), independentemente do resultado do teste tuberculínico Esquema4 Isoniazida, VO, 5 – 10 mg/kg/dia (dose máxima: 300mg/dia) por seis meses consecutivos 1. O teste tuberculínico deve ser sempre realizado na avaliação inicial do paciente HIV+, independentemente do seu estado clínico ou laboratorial (contagem de células CD4+ e carga viral), devendo ser repetido anualmente nos indivíduos não-reatores. Nos pacientes não-reatores e em uso de terapia anti-retroviral, recomenda-se fazer o teste a cada seis meses no primeiro ano de tratamento, devido à possibilidade de restauração da resposta tuberculínica. 2. A quimioprofilaxia com isoniazida reduz o risco de adoecimento a partir da reativação endógena do bacilo, mas não protege contra exposição exógena após sua suspensão. Portanto, em situações de possível reexposição ao bacilo da tuberculose, o paciente deverá ser reavaliado quanto à necessidade de prolongamento da quimioprofilaxia (caso esteja em uso de isoniazida) ou de instauração de nova quimioprofilaxia (caso esta já tenha sido suspensa). 3. Para pacientes com imunodeficiência moderada/grave e reação ao PPD >10mm, sugere-se investigar cuidadosamente tuberculose ativa (pulmonar ou extrapulmonar), antes de iniciar a quimioprofilaxia. 4. Indivíduos HIV+, contatos de pacientes bacilíferos com tuberculose isoniazida-resistente documentada, deverão ser encaminhados a uma unidade de referência para realizar quimioprofilaxia com rifampicina. Observações • Não se recomenda a quimioprofilaxia nos HIV positivos, não-reatores à tuberculina, com ou sem evidências de imunodeficiência avançada. Deve-se repetir a prova tuberculínica a cada seis meses. • Em pacientes com raios X normal, reatores à tuberculina, deve-se investigar outras patologias ligadas à infecção pelo HIV antes de iniciar a quimioprofilaxia, devido à concomitância de agentes oportunistas/manifestações atípicas de tuberculose freqüentes nessas coortes. • Nos indivíduos HIV positivos e tuberculino-positivos com raios X normal, sem sinais e sintomas de tuberculose, devem-se destacar (investigar) os contatos institucionais (casas de apoio, presídios, abrigos, asilos, etc.). Secretaria de Vigilância em Saúde / MS T 755 Tuberculose • Recomenda-se suspender imediatamente a quimioprofilaxia no surgimento de qualquer sinal de tuberculose ativa, monitorá-la nos casos de hepatotoxidade e administrá-la com cautela nos alcoólicos. Controle de infecção em unidades de saúde Um efetivo programa de controle de infecção da tuberculose, qualquer que seja a unidade de saúde, tem início com a detecção precoce, isolamento e tratamento de pessoas com tuberculose infectante (principalmente pacientes bacilíferos). Atenção especial deve ser dada àqueles que apresentam alguma forma de resistência às drogas. Pessoas com tuberculose extrapulmonar são usualmente não-infectantes; no entanto, a doença pode ser transmitida por contato com tecidos contendo o bacilo. Pacientes imunodeprimidos e, principalmente, com HIV positivo são os que apresentam maior susceptibilidade, exigindo medidas mais severas para o controle da infecção. O controle de infecção deve ser realizado com ênfase em três aspectos: • diminuição do risco de exposição dos pacientes a pessoas com tuberculose infectante; • controle da expansão e redução da concentração de partículas infectantes em suspensão (por exemplo: sistemas de ventilação, salas de isolamento de pacientes com maior risco de infecção); • uso de proteção respiratória individual (máscaras) em áreas com maior risco de exposição ao M. tuberculosis. Ações de educação em saúde Além das medidas descritas acima, faz-se necessário esclarecer a comunidade quanto aos aspectos importantes da doença, sua transmissão, prevenção e tratamento. O desconhecimento leva à discriminação do doente nos âmbitos familiar e profissional. O afastamento compulsório do trabalho contribui para o agravamento do sofrimento do paciente. 756 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Varicela/Herpes Zoster VARICELA / HERPES ZOSTER CID 10: B01 a B02 Características clínicas e epidemiológicas Descrição Varicela É uma infecção viral primária, aguda, caracterizada por surgimento de exantema de aspecto máculo-papular, de distribuição centrípeta, que, após algumas horas, adquire aspecto vesicular, evoluindo rapidamente para pústulas e, posteriormente, formando crostas em 3 a 4 dias. Pode ocorrer febre moderada e sintomas sistêmicos. A principal característica clínica é o polimorfismo das lesões cutâneas que se apresentam nas diversas formas evolutivas, acompanhadas de prurido. Em crianças, geralmente, é doença benigna e autolimitada. 6 Herpes zoster Geralmente, é decorrente da reativação do vírus da varicela que permanece em latência após a infecção primária. Ocorre principalmente em adultos e pacientes imunocomprometidos, como portadores de doenças crônicas, neoplasias, aids e outras. O herpes zoster tem quadro pleomórfico, causando desde doença benigna até outras formas graves, com êxito letal. Após a fase de disseminação hematogênica do vírus v-z, em que atinge a pele, difunde-se centripetamente pelos nervos periféricos até os gânglios nervosos, onde poderá permanecer, em latência, por toda a vida. Diversos fatores podem levar a uma reativação do vírus, causando a característica erupção do herpes zoster. Excepcionalmente, há pacientes que desenvolvem herpes zoster após contato com doentes de varicela e, até mesmo, com outro doente de zoster, o que indica a possibilidade de uma reinfecção em paciente já previamente imunizado. É também possível uma criança adquirir varicela por contato com doente de zoster. O quadro clínico do herpes zoster é, quase sempre, típico. A maioria dos doentes refere, antecedendo às lesões cutâneas, dores nevrálgicas, além de parestesias, ardor e prurido locais, acompanhados de febre, cefaléia e mal-estar. A lesão elementar é uma vesícula sobre base eritematosa. A erupção é unilateral, raramente ultrapassando a linha mediana, seguindo o trajeto de um nervo. Surgem de modo gradual, levando de 2 a 4 dias para se estabelecerem. Quando não ocorre infecção secundária, as vesículas evoluem para crostas e o quadro regride para a cura em 2 a 4 semanas. As regiões mais comprometidas são a torácica (53% dos casos), cervical (20%), trigêmeo (15%) e lombossacra (11%). Em pacientes imunossuprimidos, as lesões surgem em localizações atípicas e, geralmente, disseminadas. O envolvimento do VII par craniano leva a uma combinação de paralisia facial periférica e rash no pavilhão auditivo, denominado síndrome de Hawsay-Hurt, com prognóstico de recuperação pouco provável. O acometimento do nervo facial (paralisia de Bell) apresenta Secretaria de Vigilância em Saúde / MS V 757 Varicela/Herpes Zoster a característica de distorção da face. Lesões na ponta e asa do nariz sugerem envolvimento do ramo oftálmico do trigêmio com possível comprometimento ocular. Nos pacientes com herpes zoster disseminado e/ou recidivante, é aconselhável fazer sorologia para HIV, além de pesquisar neoplasias malignas. Sinonímia Catapora, “tatapora”, fogo que salta (varicela); cobreiro (herpes zoster). Agente etiológico É um vírus RNA. Vírus Varicella-zoster, da família Herpesviridae. Reservatório O homem. Modo de transmissão Pessoa a pessoa, através de contato direto ou secreções respiratórias e, raramente, através de contato com lesões. Transmitida indiretamente através de objetos contaminados com secreções de vesículas e membranas mucosas de pacientes infectados. Período de incubação Entre 14 a 16 dias, podendo variar entre 10 a 20 dias após o contato. Pode ser mais curto em pacientes imunodeprimidos e mais longo após imunização passiva. Período de transmissibilidade Varia de 1 a 2 dias antes da erupção até 5 dias após o surgimento do primeiro grupo de vesículas. Enquanto houver vesículas, a infecção é possível. Susceptibilidade e imunidade A susceptibilidade é universal. A infecção confere imunidade permanente, embora, raramente, possa ocorrer um segundo episódio de varicela. Infecções subclínicas são raras. A imunidade passiva transferida para o feto pela mãe que já teve varicela assegura, na maioria das vezes, proteção até 4 a 6 meses de vida extra-uterina. Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas Período prodrômico – tem início com febre baixa, cefaléia, anorexia e vômito, podendo durar de horas até três dias. Na infância, esses pródromos não costumam ocorrer, sendo o exantema o primeiro sinal da doença. Em crianças imunocompetentes a varicela é geralmente benigna, com início repentino, apresentando febre moderada de 2 a 3 dias, 758 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Varicela/Herpes Zoster sintomas generalizados inespecíficos e uma erupção cutânea pápulo-vesicular que se inicia na face, couro cabeludo ou tronco (distribuição centrípeta). Período exantemático – as lesões comumente aparecem em surtos sucessivos de máculas que evoluem para pápulas, vesículas, pústulas e crostas. Tendem a surgir mais nas partes cobertas do corpo, podendo aparecer no couro cabeludo, na parte superior das axilas e nas membranas mucosas da boca e vias aéreas superiores. O aparecimento das lesões em surtos e a rápida evolução conferem à doença o polimorfismo regional característico da varicela: lesões em diversos estágios (máculas, pápulas, vesículas, pústulas e crostas) em uma mesma região do corpo. Nos adultos imunocompetentes a doença cursa de modo mais grave do que nas crianças, apesar de ser bem menos freqüente (cerca de 3% dos casos). A febre é mais elevada e prolongada, o estado geral é mais comprometido, o exantema mais pronunciado e as complicações mais freqüentes, podendo levar a óbito, principalmente devido a pneumonia primária. A varicela está associada à síndrome de Reye, que ocorre especialmente em crianças e adolescentes que fazem uso do ácido acetilsalicílico durante a fase aguda e caracteriza-se por um quadro de vômitos após o pródromo viral, seguido de irritabilidade, inquietude e diminuição progressiva do nível da consciência, com edema cerebral progressivo. A síndrome de Reye é o resultado de um comprometimento hepático agudo, seguido de comprometimento cerebral. Portanto, está contra-indicado o uso de ácido acetilsalicílico por pacientes com varicela. 6 Varicela e gravidez A infecção materna no primeiro ou segundo trimestre da gestação pode resultar em embriopatia. Nas primeiras 16 semanas de gestação há maior risco de lesões graves ao feto, resultando em baixo peso ao nascer, cicatrizes cutâneas, microftalmia, catarata e retardo mental. Gestantes que tiverem contato com casos de varicela e herpes-zoster devem receber a imunoglobulina humana contra este vírus. V Diagnóstico Principalmente através do quadro clínico-epidemiológico. O vírus pode ser isolado das lesões vesiculares durante os primeiros 3 a 4 dias de erupção. Diagnóstico laboratorial Os exames laboratoriais não são utilizados para confirmação ou descarte dos casos de varicela mas podem ser utilizados para o diagnóstico diferencial em casos graves. Os testes mais utilizados são o ensaio imunoenzimático (EIE), aglutinação pelo látex (AL) e a imunofluorescência indireta (IFI). A identificação do vírus Varicella-zoster pode ser realizada através da cultura do líquido vesicular. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 759 Varicela/Herpes Zoster Diagnóstico diferencial Varíola (erradicada), coxsackioses, infecções cutâneas, dermatite herpetiforme de During Brocq, impetigo, erupção variceliforme de Kaposi, riquetsioses, etc. Em caso de dúvida, encaminhar o paciente para uma unidade de referência. Complicações Infecção bacteriana secundária de pele: impetigo, abcesso, celulite e erisipela, causadas por S. aureus, Streptococcus pyogenes, que podem levar a quadros sistêmicos de sepse, com artrite, pneumonia, endocardite. Encefalite ou meningite e glomerulonefrite. Pode ocorrer síndrome de Reye, caracterizada por quadro neurológico de rápida progressão e disfunção hepática, associado ao uso de ácido acetilsalicílico principalmente em crianças. Infecção fetal, durante a gestação, pode levar à embriopatia, com síndrome da varicela congênita (varicela neonatal, em recém-nascidos expostos, com microoftalmia, catarata, atrofia óptica e do sistema nervoso central). Imunodeprimidos podem ter a forma de varicela disseminada ou varicela hemorrágica. Nevralgia pós-herpética: definida como dor persistente por 4 a 6 semanas após a erupção cutânea. Sua incidência é claramente associada à idade, atingindo cerca de 40% dos indivíduos acima de 50 anos. É mais freqüente em mulheres e após comprometimento do trigêmeo. Tratamento Sintomático – anti-histamínicos sistêmicos para atenuar o prurido e banhos de permanganato de potássio na diluição de 1:40 mil. Havendo infecção secundária, recomendase o uso de antibióticos sistêmicos. Varicela em crianças é uma doença benigna, não sendo necessário, em geral, tratamento específico. Tópico – compressas de permanganato de potássio (1:40 mil) ou água boricada a 2%, várias vezes ao dia. Específico – antivirais: aciclovir – em crianças, quando indicado, 20mg/kg/dose, via oral, 4 vezes ao dia, dose máxima 800mg/dia, durante 5 dias. Adultos: aciclovir, em altas doses, 800mg, via oral, 5 vezes ao dia, durante 7 dias. Seu uso está indicado apenas para casos de varicela de evolução moderada ou grave em maiores de 12 anos, com doença cutânea ou pulmonar crônica. Não está indicado seu uso em casos de varicela não complicada, sendo discutível a utilização em gestantes. Crianças imunocomprometidas não devem fazer uso de aciclovir oral. Aciclovir intravenoso é recomendado em pacientes imunocomprometidos ou em casos graves, na dosagem de 10mg/kg, a cada 8 horas, infundido durante uma hora, durante 7 a 14 dias. Seu uso está indicado, com restrições, em gestantes com complicações graves de varicela. Outros antivirais têm sido indicados. A nevralgia pós-herpética (NPH) é uma complicação freqüente (até 20% dos casos) da infecção pelo herpes zoster, que se caracteriza pela refratariedade ao tratamento. A terapia antiviral específica, iniciada dentro de 72 horas após o surgimento do rash, reduz a ocorrência da NPH. O uso de corticosteróides, na fase aguda da doença, não altera a incidência e a gravidade da NPH, porém reduz a neurite 760 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Varicela/Herpes Zoster aguda, devendo ser adotada em pacientes sem imunocomprometimento. Uma vez instalada a NPH, o arsenal terapêutico é enorme, porém não há uma droga eficaz para seu controle. São utilizados: creme de capsaicina, 0,025% a 0,075%; lidocaína gel, a 5%; amitriplina, em doses de 25 a 75mg, via oral; carbamazepina, em doses de 100 a 400mg, via oral; benzodiazepínicos; rizotomia, termocoagulação e simpatectomia. Aspectos epidemiológicos A varicela é uma doença benigna mas altamente contagiosa, que ocorre principalmente em menores de 15 anos. É mais freqüente no final do inverno e início da primavera. Indivíduos imunocomprometidos, quando adquirem varicela primária ou recorrente, possuem maior risco de doença grave. Em recém-nascidos de mães com varicela no primeiro semestre de gravidez, a taxa de ataque para síndrome de varicela congênita é 1,2%; quando a infecção ocorreu entre a 13ª e 20ª semanas de gestação, de 2%. Recém-nascidos que adquirem varicela entre 5 e 10 dias de vida, cujas mães infectaram-se no período situado entre cinco dias antes do parto e dois dias após o mesmo, estão mais expostos à varicela grave, cuja letalidade pode atingir 30%. Herpes zoster e aids – a partir de 1981, o herpes zoster passou a ser reconhecido como uma infecção freqüente em pacientes portadores de HIV. Posteriormente, observações epidemiológicas demonstraram tratar-se de uma manifestação inicial de infecção pelo HIV, cuja ocorrência é preditiva de soropositividade para HIV em populações de risco. A incidência de herpes zoster é significativamente maior entre indivíduos HIV positivos que entre os soro negativos (15 vezes mais freqüente nos primeiros). A incidência cumulativa de zoster por 12 anos após a infecção pelo HIV foi de 30%, ocorrendo segundo uma taxa relativamente constante, podendo ser manifestação precoce ou tardia da infecção pelo HIV. Complicações, como retinite, necrose aguda de retina e encefalite progressiva fatal, têm sido relatadas com mais freqüência em pacientes HIV positivos. 6 Situação epidemiológica da varicela no Brasil No Brasil, a varicela não é uma doença de notificação compulsória, embora os surtos devam ser notificados às secretarias municipais e estaduais de saúde. A seguir, são apresentados os principais achados de dois estudos de soroprevalência da varicela, bem como uma análise preliminar dos dados de morbidade e mortalidade a partir dos dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS) e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Um estudo realizado em 1997 avaliou a prevalência da infecção pelo vírus Varicellazoster em 975 amostras de soro de adultos jovens de 20-29 anos, doadores de sangue de cinco capitais brasileiras (Fortaleza, Salvador, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre). A soroprevalência global de anticorpos antivaricela zoster foi de 94% e a soroprevalência nas regiões de clima tropical (Fortaleza e Salvador, 89%) foi significativamente menor que nas regiões de clima temperado (97%). Outro estudo, conduzido no período de 1992 a 1994 em escolas públicas do município de São Paulo, indica que o contato com o vírus Varicella-zoster Secretaria de Vigilância em Saúde / MS V 761 Varicela/Herpes Zoster ocorre nos primeiros anos da infância. Cerca de 40% das crianças com 1 ano apresentaram anticorpos antivaricela zoster, proporção que aumentou rapidamente até o 3º ano, mantevese ascendente e alcançou 90% aos 10 anos. No período de 1998 a 2002, foram registradas no SIH-SUS 6.558 internações por varicela, com média anual de 1.312 casos (desvio padrão=546) (Figura 1). O maior número de hospitalizações concentra-se na faixa etária de 1 a 4 anos, seguido dos menores de 1 ano e de 5-9 anos. Embora o maior número absoluto de hospitalizações seja observado entre crianças, grupo em que se espera o maior número de casos da doença, proporcionalmente os adultos apresentam maior risco de evoluir com complicações, hospitalização e óbito, como demonstrado na Figura 2, na qual vê-se que a taxa de letalidade entre os casos hospitalizados aumenta com a idade, chegando a 5% na faixa etária de 50 anos ou mais e 3% na faixa etária de 15 a 49 anos. De 1998 a 2002, ocorreram 1.464 óbitos cuja causa básica foi varicela, de acordo com o SIM (Figura 1). Excetuando 1999, ano em que foi registrado o maior número de óbitos por varicela nesse período (n=212), a média anual foi de 104 óbitos (desvio padrão=25). Os óbitos concentram-se nas faixas etárias de 1 a 4 anos, seguidos de menores de 1 ano e maiores de 30 anos. Figura 1. Hospitalizações, óbitos e taxa de letalidade por ano de ocorrência de varicela. Brasil, 1998-2002 250 10.000 200 1.000 150 100 100 10 50 0 1 1998 Hospitalizações Fonte: SIH-SUS e SIM 762 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 1999 2000 Óbitos SIH 2001 Letalidade 2002 Óbitos SIM Varicela/Herpes Zoster Figura 2. Hospitalizações por varicela e taxa de letalidade acumuladas por faixa etária. Brasil, 1998-2002 3.500 6 3.000 5 2.500 4 2.000 3 1.500 2 1.000 1 500 0 0 <1 5 - 14 1-4 15 - 49 6 > 50 Faixa etária Hospitalizações Letalidade Fonte: SIH-SUS e SIM Vigilância epidemiológica Objetivos Conhecer os padrões de ocorrência da doença (sazonalidade e distribuição por faixa etária) e detectar surtos em sua fase inicial. A vigilância de casos graves de varicela visa monitorar a intensidade da circulação viral e fatores associados à gravidade e óbito, que possam, inclusive, reorientar as atuais recomendações de vacinação. Definição de caso V Suspeito Varicela – paciente com quadro de febre moderada, de início súbito, que dura de 2 a 3 dias, e sintomas generalizados inespecíficos (mal-estar, adinamia, anorexia, cefaléia e outros) e erupção cutânea pápulo-vesicular que se inicia na face, couro cabeludo ou tronco (distribuição centrípeta: cabeça e tronco). Surtos de varicela – considerar como surto de varicela a ocorrência de um número de casos acima do limite esperado, com base nos anos anteriores, ou casos agregados em instituições, como creches, escolas e hospitais pediátricos. Varicela grave – paciente com febre alta (>38ºC) e lesões cutâneas polimorfas (pápulas, vesículas, pústulas, crostas) que tenha sido hospitalizado ou evoluiu com complicações Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 763 Varicela/Herpes Zoster ou óbito e pertença a um dos seguintes grupos: recém-nascidos, adolescentes, adultos, pacientes imunodeprimidos, gestantes. Confirmado Critério clínico – manifestações clínicas características da varicela. Paciente com febre moderada de 2 a 3 dias, de início repentino, sintomas generalizados inespecíficos (mal-estar, adinamia, anorexia, cefaléia e outros) e erupção cutânea pápulo-vesicular. Critério clínico-epidemiológico – todo caso suspeito de varicela que teve contato com caso de varicela até 8 dias antes do início do exantema. Descartado Caso suspeito de varicela não grave cuja avaliação clínico-epidemiológica conclua ser outra doença. Caso suspeito de varicela grave com diagnóstico laboratorial negativo para varicela ou confirmado como outra doença. Notificação Não é doença de notificação compulsória. Portanto, a ocorrência de casos suspeitos de varicela não requer imediata notificação e investigação. Na situação de surto, a notificação deve ser realizada através do módulo de notificação de surtos do Sinan-W. Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente Tratamento sintomático em nível ambulatorial. Hospitalização imediata dos pacientes com varicela grave ou zoster disseminado, em regime de isolamento. Proteção da população Afastar os acometidos das atividades desenvolvidas na escola, creche, trabalho, etc., por um período de 10 dias, contados a partir da data de aparecimento do exantema. Vacinar os indivíduos sob risco de desenvolver formas graves, de acordo com as orientações pertinentes à imunização. Investigação Recomenda-se investigar os casos graves. Roteiro da investigação epidemiológica Identificação do paciente Preencher todos os campos da ficha de notificação. 764 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Varicela/Herpes Zoster Coleta de dados clínicos e epidemiológicos • É necessário consultar o prontuário e entrevistar o médico assistente para completar as informações clínicas sobre o paciente. Estas informações servirão para definir se o quadro apresentado é compatível com a varicela grave. • Sugere-se fazer uma cópia da anamnese, exame físico e evolução do doente, com vistas ao enriquecimento da análise. • Verificar se o paciente foi vacinado previamente contra a varicela, se entrou em contato com casos de varicela ou herpes zoster ou se já teve varicela em algum momento de sua vida. Registrar a data da vacinação para saber se o mesmo encontrava-se protegido. Esta informação é também utilizada como subsídio para a escolha dos exames laboratoriais. • Acompanhar a evolução dos pacientes e os resultados dos exames laboratoriais específicos. • Verificar, na residência, se estão ocorrendo outros casos. Investigar minuciosamente: deslocamentos do caso, de familiares e/ou de amigos (considerar todos os deslocamentos que antecederam 10 dias do início do exantema, inclusive os de curta duração), para identificar a ocorrência de outros casos. 6 Análise dos dados A análise dos dados da investigação deve permitir a avaliação da magnitude do problema e a adequação das medidas adotadas. Esta análise deve ser orientada para a identificação do local de transmissão, fonte de infecção, dimensionamento da real magnitude do episódio, extensão do surto, etc. Consolidar os dados considerando as características de pessoa, tempo e área geográfica. Encerramento de casos Os casos notificados serão classificados de acordo com os critérios mencionados na definição de caso. Relatório final Os dados da investigação deverão ser sumarizados em um relatório com as principais conclusões. V Instrumentos disponíveis para controle Imunização As vacinas contra a varicela, administradas por via subcutânea a partir dos 12 meses de idade, são de vírus vivo atenuado provenientes da cepa OKA. Cada dose deve conter, no mínimo, 1.350 unidades formadoras de placa UFP de vírus Varicella-zoster em cultura de células contendo traços de neomicina e gelatina. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 765 Varicela/Herpes Zoster Até o momento, a vacinação universal contra a varicela não é realizada no Brasil, exceto nas populações indígenas. A vacina é recomendada em caso de surto nas populações indígenas a partir dos 6 meses e para a prevenção da doença em indivíduo susceptível de qualquer idade, até 96 horas após a exposição a uma fonte de infecção, desde que seja integrante de grupo de risco para as formas graves da doença. Situações especiais em que deve ser indicada a vacina contra a varicela, de acordo com as orientações dos Centros de Referências de Imunobiológicos Especiais (CRIEs): • pacientes com leucemia linfocítica aguda e com tumores sólidos em remissão (há pelo menos 12 meses), desde que apresentem 1.200 linfócitos/mm3 ou mais, sem radioterapia; caso estejam em quimioterapia, suspendê-la por sete dias antes e sete dias após a vacinação; • pessoas susceptíveis à doença, candidatos a transplante de órgãos (fígado, rim, coração, pulmão e outros orgãos sólidos), pelo menos três semanas antes do ato cirúrgico; • profissionais de saúde susceptíveis à doença; • familiares de pacientes imunodeprimidos, susceptíveis à doença; • demais pessoas susceptíveis, além dos profissionais de saúde e familiares, que estejam em convívio hospitalar ou domiciliar com pacientes imunodeprimidos; • HIV positivo, assintomático e oligossintomático. Contra-indicações da vacina • Gestantes (mulheres em idade fértil devem evitar a gravidez durante 30 dias após a administração). • Imunodeprimidos, exceto os casos previstos nas indicações acima (pacientes em uso de terapia imunossupressora só deverão fazer uso da vacina após três meses de suspensão da medicação). • Anafilaxia à dose anterior da vacina ou a qualquer um dos seus componentes. Eventos adversos – dor transitória, hiperestesia, rubor no local da aplicação. Um mês após a vacinação, pode ocorrer exantema maculopapular ou variceliforme, de pequena intensidade, em cerca de 7% a 8% dos indivíduos. O risco de herpes zoster é mais baixo após a vacinação do que após a doença natural. Imunoglobulina humana antivaricela–zoster – é obtida de plasma humano contendo títulos altos de IgG contra o vírus da varicela. Contém de 10% a 18% de globulina e timerosol como preservativo. É administrada por via intramuscular em qualquer idade. Indicação – indivíduo imunodeprimido que tenha tido contato com doente de varicela em fase contagiosa. 766 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Varicela/Herpes Zoster Ações de educação em saúde Em situações de surto, desenvolver atividades de educação em saúde, principalmente em escolas e creches, visando orientar os professores e pais para que os indivíduos com suspeita da doença permaneçam em casa. Alertar para a necessidade de vacinar os indivíduos conforme as situações apontadas no tópico Imunização e evitar que mantenham contato com pessoas que tenham a doença. 6 V Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 767 Varíola VARÍOLA CID 10: B03 Características clínicas e epidemiológicas Descrição A varíola é uma doença viral, exclusiva de humanos. Desde seu último caso registrado, em 26 de outubro de 1977, na Somália, encontra-se erradicada no mundo. Contudo, apresenta-se como potencial ameaça contra todos os países, principalmente pela possibilidade de seu uso em atos terroristas. É considerada uma das mais sérias de todas as doenças infecciosas, matando de 25% a 30% das pessoas infectadas não imunizadas. Em 1980, após a interrupção de sua circulação viral, a vacinação foi interrompida, exceto em trabalhadores de laboratório que manipulavam o agente em pesquisas. Oficialmente, apenas dois laboratórios conservam estoques do vírus: um nos Estados Unidos da América e outro na Rússia. Entretanto, após o atentado de 11 de setembro de 2001, cogitou-se a possibilidade de que outros estoques estejam conservados em locais desconhecidos. Sinonímia Bexiga, alastrim. Agente etiológico Vírus DNA, do gênero Orthopoxvirus, da subfamília Chordopoxvirinae da família Poxviridae. É um dos vírus mais resistentes, em particular, aos agentes físicos. Reservatório Não há reservatório animal e os seres humanos não são portadores. Desta forma, presume-se que o vírus tenha emergido de um reservatório animal, no passado, após o primeiro assentamento de agricultores, cerca de 10 mil anos a.C., quando os aglomerados populacionais tornaram-se grandes o suficiente para manter a transmissão de pessoa a pessoa. Modo de transmissão De pessoa a pessoa, através de gotículas de saliva e aerossóis. Período de incubação De 10 a 14 dias (variando de 7 a 19 dias) após a exposição. Período de transmissibilidade Em média, três semanas, prazo que vai desde o momento em que aparecem as primeiras lesões até o desprendimento de todas as crostas. A fase de maior contaminação é o 768 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Varíola período anterior ao surgimento das erupções, por meio de gotículas de aerossóis que levam o vírus às lesões orofaríngeas. Susceptibilidade e imunidade Aspectos como idade, sexo, raça e clima não evitam nem favorecem a transmissão da varíola. Aspectos clínicos e laboratoriais Manifestações clínicas Paciente com doença sistêmica, que apresenta pródromos com duração média de dois a quatro dias, iniciada com sintomas inespecíficos, tais como febre alta, mal-estar intenso, cefaléia, dores musculares, náuseas e prostração, podendo apresentar dores abdominais intensas e delírio. A doença progride com o aparecimento de lesões cutâneas (mácula, pápula, vesícula, pústula e formação de crostas) em surto único, de duração média entre um e dois dias, com distribuição centrífuga, atingindo mais a face e membros. Observa-se o mesmo estágio evolutivo das lesões em determinada área. 6 Diagnóstico diferencial O principal diagnóstico diferencial é com a varicela, sendo quase impossível distinguilas clinicamente nos primeiros 2 a 3 dias de aparecimento das máculas. Varíola Varicela Alastrim – Bexiga Catapora Início entre 7 e 17 dias após contato com doente de varíola Início de 14 a 21 dias após contato com doente de varicela O paciente apresenta febre e mal-estar, 2 a 4 dias antes de aparecerem as lesões O paciente não apresenta sintomas até o aparecimento das lesões As lesões duram de 1 a 2 dias. Não aparecem lesões novas após este período As lesões aparecem em diversas fases, durante vários dias até uma semana As lesões são mais numerosas na face, braços e pernas, inclusive nas palmas das mãos e plantas dos pés As lesões são mais numerosas no tronco, sendo raras nas palmas das mãos ou planta dos pés Em um mesmo segmento do corpo, as lesões encontram-se em um mesmo estágio de evolução (Ex.: não são observadas crostas e vesículas ao mesmo tempo) As lesões apresentam estágios diferentes de evolução, em um mesmo segmento do corpo. Máculas, vesículas, pústulas e crostas podem ser encontradas simultaneamente As crostas se formam de 10 a 14 dias após o início da erupção, e caem entre o 14º ao 28º dia após o início das lesões As crostas se formam de 4 a 7 dias após o início da erupção, e caem dentro dos 14 dias após o aparecimento das lesões Secretaria de Vigilância em Saúde / MS V 769 Varíola Outros diagnósticos diferenciais – impetigo, eczema infectado, sífilis secundária, escabiose, picadas de insetos, erupções medicamentosas, eritema multiforme. Quando se apresenta sob a forma hemorrágica, a varíola pode ser confundida com a leucemia aguda, meningococcemia e púrpura trombocitopênica idiopática. Diagnóstico laboratorial Existem vários métodos para a confirmação diagnóstica da varíola; alguns são específicos na identificação do vírus da varíola; outros, para identificação de Orthopoxvirus em geral. Podem ser submetidos a exame, raspado de lesões de pele (pápulas, vesículas, pústulas e crostas) e amostras de sangue, colhidos por profissional de saúde vacinado contra a varíola e devidamente protegido com equipamentos de proteção individual (avental, máscara, óculos e luvas) e manipulados em ambiente de contenção de risco biológico. As amostras podem ser examinadas diretamente por microscopia eletrônica, para a identificação de vírions, e o antígeno viral pode ser identificado por imunohistoquímica. A reação em cadeia da polimerase (PCR) para o gênero Orthopoxvirus pode detectar o vírus variólico antes do início dos sintomas. As provas sorológicas (Elisa, IFA) não identificaram a espécie do vírus e o pareamento das amostras está indicado para diferenciar uma infecção recente de uma vacinação no passado. Os métodos sorológicos, com detecção de IgM específica, estão sendo aprimorados de forma a aumentar a sensibilidade e especificidade. O isolamento viral em cultivo celular ou em membranas corioalantóicas são considerados padrão-ouro na identificação do vírus. Tratamento Não há tratamento específico para a varíola. A terapia é de suporte, mantendo-se o balanço hidroeletrolítico e cuidados de enfermagem. A antibioticoterapia é indicada para o tratamento de infecções bacterianas secundárias, que são freqüentes. Aspectos epidemiológicos A varíola foi uma doença de grande impacto na saúde pública mundial. Em 1967, 33 países ainda eram considerados endêmicos, com cerca de 10-15 milhões de casos notificados por ano. Como a mortalidade média atingia a casa dos 30% em pessoas não vacinadas, cerca de 3 milhões de mortes ocorriam anualmente. Estudos demonstraram que no hemisfério norte a varíola era mais freqüente no inverno e na primavera, estações coincidentes, no hemisfério sul, com o verão e outono, onde parecia também aumentar a incidência da varíola, quando esta era endêmica. A introdução da varíola no território brasileiro ocorreu com os primeiros colonizadores e escravos no século XVI e a primeira epidemia registrada data de 1563, na ilha de Itaparica na Bahia, de onde se disseminou para o resto do país. Em 1804, foi introduzida a vacina jeneriana no país, dando-se início às campanhas de combate à virose. Em 1962, o Ministério da Saúde criou a Campanha Nacional Contra a Va- 770 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Varíola ríola, com resultados inexpressivos, e a média anual de casos mantinha-se elevada, em torno de 3 mil, atingindo principalmente a faixa etária de menores de 15 anos (80% dos casos). Em agosto de 1966, foi instituída a Campanha de Erradicação da Varíola e só durante a fase de ataque, encerrada em 16 de outubro de 1971, cerca de 88% da população brasileira havia sido vacinada. A notificação mensal de casos diminuiu e a vigilância ativa da doença permitiu reduzir a ocorrência de casos e notificação, o que aumentava a efetividade dos bloqueios vacinais. Em 1971, com o prosseguimento dos trabalhos de vacinação, foi-se interrompendo a transmissão no país, registrando-se apenas 19 casos de varíola, todos no estado do Rio de Janeiro. A última notificação da doença foi em abril daquele ano e desde então não há registro de casos de varíola no Brasil. Atualmente, considera-se importante estar preparado para responder a um possível ataque com o vírus da varíola como arma biológica, por se saber que este agente é relativamente estável, de fácil disseminação (aerossolização) e alta transmissibilidade. 6 Vigilância epidemiológica Objetivos Manter erradicada a varíola, mediante a detecção precoce de casos suspeitos e adoção das medidas de controle pertinentes. Definição de caso Suspeito Todos os pacientes provenientes de países ou regiões com suspeita de disseminação acidental ou intencional do vírus da varíola, com sinais clínicos inespecíficos e que, até 4 dias do início dos sintomas, apresentem lesões cutâneas. Confirmado Critério clínico-laboratorial – todo caso suspeito que apresente isolamento do vírus da varíola. Critério clínico-epidemiológico – todo caso suspeito de varíola, proveniente de países ou regiões em que outros casos tenham sido confirmados laboratorialmente, ou casos que tenham relato de manifestação clínica característica de varíola e que tenham evoluído para óbito. V Descartado Caso suspeito com diagnóstico laboratorial negativo, desde que se comprove que as amostras foram coletadas e transportadas adequadamente; ou caso suspeito com diagnóstico confirmado de outra doença. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 771 Varíola Notificação A ocorrência de casos suspeitos de varíola requer imediata notificação e investigação, por se tratar de doença grave. Um caso pode significar a existência de um surto, o que impõe a adoção imediata de medidas de controle. Por ser doença de notificação compulsória internacional, todo caso suspeito deve ser prontamente comunicado por telefone, fax ou e-mail às autoridades sanitárias superiores. Primeiras medidas a serem adotadas Assistência médica ao paciente Hospitalização imediata dos pacientes em hospitais de referência, para isolamento e tratamento, tendo-se o cuidado de verificar se todos os profissionais foram imunizados previamente (interrogar sobre história vacinal e inspecionar a marca da vacina “pega”). Qualidade da assistência Verificar se os casos estão sendo atendidos em unidade de saúde de referência com atendimento adequado e oportuno. Proteção individual para evitar a circulação viral Todos os profissionais do hospital de referência deverão estar previamente imunizados e devem utilizar equipamento de proteção padrão e máscara tipo N-95. Roupas íntimas e de cama deverão ser acondicionadas em sacos para transporte de material biológico e, posteriormente, autoclavados e incinerados. O local deverá ser descontaminado, de acordo com as normas do programa de infecção hospitalar. Proteção da população Logo que se tenha conhecimento da suspeita de caso(s) de varíola, deve-se organizar um bloqueio vacinal nas áreas onde o paciente esteve no período de viremia, privilegiando as populações expostas ao risco de transmissão, não sendo necessário aguardar os resultados dos exames laboratoriais para confirmação dos casos suspeitos. Utilizar os meios de comunicação de massa para esclarecimentos à população. Organizar visitas domiciliares e palestras nas comunidades. Veicular informações sobre o ciclo de transmissão da doença, sua gravidade e esclarecimentos sobre a situação de risco. Investigação Imediatamente após a notificação de um ou mais casos de varíola, deve-se iniciar a investigação epidemiológica para permitir que as medidas de controle possam ser adotadas em tempo oportuno. É imprescindível que os profissionais que irão participar das investigações tenham sido vacinados previamente, antes de se deslocarem para a provável área de transmissão. 772 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Varíola Roteiro da investigação epidemiológica Identificação do paciente Deverão ser preenchidos todos os itens da ficha de notificação do Sinan relativos aos dados gerais, notificação individual e dados de residência. Não se dispõe de ficha epidemiológica de investigação no Sinan, devendo-se elaborar uma específica para este fim, que contenha campos que coletem os dados das principais características clínicas e epidemiológicas da doença. Coleta de dados clínicos e epidemiológicos Por se tratar de doença erradicada, com pouca probabilidade de ocorrência, a história epidemiológica é importantíssima para fundamentar a suspeita diagnóstica de varíola. Assim, torna-se da maior importância entrevistar o médico que atendeu o paciente e pesquisar se existe alguma evidência (nacional ou internacional) de transmissão intencional e se o paciente é procedente de alguma região com reativação de “foco da doença”. Como, em geral, quando da suspeita de varíola os doentes são hospitalizados, devese consultar o prontuário, além da entrevista ao médico assistente, visando completar as informações clínicas e epidemiológicas sobre o paciente – as quais servirão para definir se o quadro apresentado é compatível com a doença. Cuidar para que a identificação e o endereço do paciente sejam preservados. Sugere-se fazer uma cópia da anamnese, exame físico e evolução do doente, com vistas ao enriquecimento das análises e, também, para que possam servir como instrumento de aprendizagem dos profissionais do nível local. Acompanhar a evolução dos pacientes e os resultados dos exames laboratoriais específicos. 6 Para identificação da área de transmissão Investigar minuciosamente • Procedência e deslocamentos do caso, de familiares e/ou amigos (considerar todos os deslocamentos anteriores aos dias do início dos sintomas, inclusive os de curta duração), para caracterizar se houve permanência em local de provável circulação viral; • Notícias de casos de varicela naquele período, para estabelecer o diagnóstico diferencial, bem como averiguar esta ocorrência em anos anteriores. V Estes procedimentos devem ser feitos mediante entrevista com o paciente, familiares ou responsáveis e líderes da comunidade. Tais dados, que serão anotados na ficha de investigação e folhas anexas, permitirão identificar o provável local de transmissão do vírus. Por se tratar de doença com alto poder de disseminação, caso se fundamente a suspeita diagnóstica cabe verificar, rápida e imediatamente a história dos deslocamentos de todos os casos suspeitos. Deste modo, serão definidos com maior grau de certeza o(s) local(is) provável(eis) de infecção, bem como a abrangência da circulação do vírus. Importante ob- Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 773 Varíola servar que mesmo a permanência de poucas horas com pacientes com suspeita de varíola ou em locais com fômites de doentes podem resultar em infecção. Lembrar que a identificação da área onde ocorreu a transmissão é de fundamental importância para nortear a continuidade do processo de investigação e a extensão das medidas de controle imediatas. Para determinação da extensão da área de transmissão Busca ativa de casos humanos • Após a identificação do possível local de transmissão, iniciar imediatamente a busca ativa de outros casos humanos, casa a casa, e em unidades de saúde. Além daqueles com sinais e sintomas evidentes de varíola/varicela, deve-se considerar os óbitos com quadro sugestivo da doença, ocorridos nos dias anteriores na comunidade, e os oligossintomáticos, inclusive todos os indivíduos, na área, que apresentarem febre (vigilância de casos exantemáticos), com ou sem outras manifestações clínicas, pois os resultados dos exames laboratoriais irão esclarecer o diagnóstico. • Tanto em área urbana como rural, o procedimento é o mesmo e a delimitação da busca baseia-se nos resultados da busca ativa e história epidemiológica dos primeiros casos. Coleta e remessa de material para exames Logo após a suspeita clínica de varíola, coletar material de todos os casos (óbitos, formas graves ou oligossintomáticas), de acordo com as normas técnicas, observando-se criteriosamente todas as recomendações. É da responsabilidade dos profissionais da vigilância epidemiológica e/ou dos laboratórios centrais ou de referência viabilizar, orientar ou mesmo realizar as coletas. Caso haja forte suspeita clínica e vínculo epidemiológico claramente estabelecido, não se deve aguardar os resultados dos exames para o desencadeamento das medidas de controle e outras atividades da investigação, embora sejam imprescindíveis para confirmar e nortear o encerramento dos casos. Atentar para a interpretação dos resultados de sorologias quando não se utilizar exame de detecção de IgM, considerando as datas de coleta e dias de aparecimento dos sintomas, necessidade de amostras pareadas e o estado vacinal do paciente, que pode levar a resultados falso-positivos. Análise dos dados A análise dos dados da investigação deve permitir a avaliação da magnitude do problema e a adequação das medidas adotadas, visando impedir a propagação da doença e indicar se as ações de prevenção e alerta às autoridades e comunidades devem ser mantidas a curto e médio prazos. Desde o início, o investigador deve analisar os dados coletados para alimentar o processo de decisão das atividades de investigação e ações de controle. Esta análise, como referido 774 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Varíola anteriormente, deve ser orientada para identificação da procedência do vírus, se este permanece circulando ou se foi exportado para outras áreas por meio de migração ou fluxo turístico; dimensionamento da real magnitude do episódio (incidência e letalidade); extensão da área onde o vírus circulou e se outras áreas estão sob risco de introdução do vírus, etc. Para isso, o profissional deve interpretar, passo a passo, os dados coletados, de modo a definir a extensão do bloqueio vacinal, as atividades para continuidade da investigação e a ampliação, redução ou interrupção das medidas adotadas, de acordo com as evoluções do evento e da investigação. A consolidação dos dados, considerando as características de pessoa, tempo e, principalmente, área geográfica, permitirá uma caracterização detalhada do episódio. Encerramento de caso Os dados de cada caso devem ser analisados visando definir qual o critério utilizado para o diagnóstico, considerando as seguintes alternativas: • confirmado por critério clínico-laboratorial – isolamento viral, sorologia e histopatologia; • confirmado por critério clínico-epidemiológico – verificar se existe vínculo epidemiológico entre o caso suspeito e outros casos confirmados de varíola; • óbitos – também serão considerados confirmados os óbitos de paciente com vínculo epidemiológico e manifestações clínicas de varíola; • caso descartado – caso notificado cujos resultados de exames laboratoriais adequadamente coletados e transportados foram negativos ou tiveram como diagnóstico outra doença. 6 Observar se todos os dados necessários ao encerramento dos casos e do evento (epidemia ou caso isolado) foram coletados durante a investigação, devendo estar criteriosamente registrados e analisados. Relatório final Os dados da investigação deverão ser sumarizados em um relatório com as principais conclusões. V Instrumentos disponíveis para controle Imunização O Brasil recebeu o Certificado Internacional de Erradicação da Varíola em 1973. Com a erradicação da doença, a vacinação foi excluída da rotina dos serviços de saúde pública. As pessoas vacinadas no passado não estão necessariamente protegidas, pois o nível de imunidade é incerto, portanto, são consideradas susceptíveis. A maioria dos estudos sugere que a imunidade permanece por três a cinco anos, mas pode ser estimulada em uma simples revacinação. A infecção prévia pelo vírus selvagem confere imunidade permanente. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 775 Varíola A vacina é constituída por vírus vivo atenuado (vaccinia), que se multiplica nas camadas superficiais da pele. A administração da vacina é realizada com a técnica de múltipla punção, com agulha bifurcada de uso único, acondicionada com a vacina reconstituída.O sucesso da vacinação é considerado quando acontece a “pega”. Recomendações para a vacinação Estratégia a primária A vacinação dos contatos deve ser baseada na identificação de um caso de varíola e na vacinação das pessoas que tiveram contato com um caso de varíola, ou muito provavelmente tiveram este contato, pois são as que apresentam grande chance de desenvolver a doença. Se os contatos forem vacinados em até quatro dias após o contato com o caso de varíola, poderão estar protegidos contra o desenvolvimento da doença ou desenvolver uma doença menos severa. À medida que ocorre a transmissão da varíola, usualmente através do contato íntimo, exceto em circunstâncias especiais, as pessoas que mantêm contato íntimo domiciliar com um doente são as que apresentam maior risco de desenvolver a doença. Por isso, a vacinação das mesmas deve ser priorizada. Indivíduos que, muito provavelmente, entraram em contato com um contato assintomático de um caso de varíola (membros do mesmo domicílio) também devem ser vacinados para prevenir a infecção, pois podem desenvolver a doença posteriormente. Some-se a isso a possibilidade de isolamento dos indivíduos contagiosos (aqueles que apresentam exantema), para prevenir o contato com os não-vacinados, ou indivíduos susceptíveis, durante o período de infecciosidade (do início do rash até que todas as crostas tenham caído), limitando a posterior oportunidade de transmissão da doença. A vigilância intensiva dos outros contatos e casos potenciais na área ajudará a identificar outros grupos para a vacinação focal e o isolamento. As estratégias de vacinação contra a varíola em um surto devem estar baseadas em: • identificação e vacinação dos contatos íntimos dos casos; • monitoramento dos contatos vacinados e isolamento daqueles que desenvolverem febre; • vacinação dos membros do domicílio que não tiverem contra-indicação para a vacinação, a fim de protegê-los, se o contato desenvolver varíola. Os membros do domicílio de um contato que não podem ser vacinados, devido a contra-indicações, devem ficar fora da casa para evitar o contato até o final do período de incubação (18 dias) ou até 14 dias após a vacinação do contato; • vacinação dos trabalhadores da assistência e da saúde pública (médicos e enfermeiros, dentre outros profissionais) que estarão diretamente envolvidos na avaliação, tratamento, transporte ou entrevistas com casos potenciais de varíola; • vacinação de outros recursos humanos que apresentem probabilidade razoável de ter contato com pacientes de varíola ou materiais infectados (ex.: pessoal militar, emergência, grupos especiais de secretarias de segurança pública, entre outros). 776 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Varíola No momento da vacinação deve ser fornecida uma caderneta de vacinação a todos os vacinados – que servirá para registrar os procedimentos de seguimento da vacinação, ou seja, a confirmação de que a vacina foi recebida e o reconhecimento das reações locais. Se os recursos humanos forem suficientes a “pega” vacinal, deve ser confirmada e registrada sete dias após a vacinação. Se o quantitativo de recursos humanos não permitirem seguimento direto, deve-se instruir os profissionais dos serviços de saúde locais, onde foi realizada a vacinação, para realizar este seguimento. Contra-indicações da vacina: • gravidez; • imunodeficiência; • doenças de pele extensas (ex. acne, queimadura, incisão recente, impetigo, dermatite de contato); • terapia imunossupressora (ex. radioterapia, transplantes, quimioterapia); • doenças inflamatórias oftalmológicas; • eczemas, dermatite atópica (presente ou “curada”); • alergia aos componentes da vacina. 6 No caso de epidemia, a vacina deve ser oferecida às pessoas que, apesar de terem alguma contra-indicação, estejam sob risco. Eventos adversos pós-vacinação Em geral, reações cutâneas leves. Raramente, encefalite fatal. Existem estimativas, da ordem de 25%, para o total de eventos adversos (leves e graves), sendo que a ocorrência da encefalite pós-vacinal foi estimada em 3 casos para 1 milhão de doses aplicadas. Para a vacinação primária, estimou-se um óbito para 1 milhão de doses aplicadas. Para a revacinação, estimou-se um óbito para 4 milhões de doses aplicadas. V Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 777 Bibliografia consultada Accelerated control of rubella and prevention of congenital rubella syndrome, Brazil. Wkly Epidemiol Rec 2002; 77(21):169-175. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Curso básico de controle de infecção hospitalar. Brasília: Anvisa; 2000. Albert LA. Repercusiones del uso de plaguicidas sobre ambiente y salud. In: Centro Panamericano de Ecologia Humana y Salud. Plaguicidas, salud y ambiente. México: Inireb; 1982. p.49-59. Alcala H, Olive JM, De Quadros C. Síndrome de Guillain-Barré: o diagnóstico da pólio e outras paralisias flácidas agudas. 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Am Rev Respir Dis 1976;113:643-665. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 795 Glossário Este glossário visa esclarecer a terminologia utilizada nesta publicação. Vale salientar que, embora alguns termos aqui incluídos possam ser encontrados com significados diferentes, as definições apresentadas são as mais freqüentemente aplicadas no contexto da vigilância e controle de doenças transmissíveis. ABATE: marca comercial do inseticida organofosforado Temefós. AGENTE: entidade biológica, física ou química capaz de causar doença. AGENTE INFECCIOSO: agente biológico, capaz de produzir infecção ou doença infecciosa. ALADO: fase adulta do vetor, presença de asas. ANATOXINA (toxóide): toxina tratada pelo formol ou outras substâncias, que perde sua capacidade toxigênica mas conserva sua imunogenicidade. Os toxóides são usados para induzir imunidade ativa e específica contra doenças. ANTICORPO: globulina encontrada em fluidos teciduais e no soro, produzida em resposta ao estímulo de antígenos específicos, sendo capaz de se combinar com os mesmos, neutralizandoos ou destruindo-os. ANTICORPO MONOCLONAL: anticorpo produzido pela progênie de uma única célula, fato que o torna extremamente puro, preciso e homogêneo. ANTIGENICIDADE: capacidade de um agente, ou de fração do mesmo, estimular a formação de anticorpos. ANTÍGENO: porção ou produto de um agente biológico, capaz de estimular a formação de anticorpos específicos. ANTISSEPSIA: conjunto de medidas empregadas para impedir a proliferação microbiana. ANTITOXINA: anticorpos protetores que inativam proteínas solúveis tóxicas de bactérias. ANTRÓPICO: tudo o que possa ser atribuído à atividade humana. ANTROPONOSE: infecção com transmissão restrita aos seres humanos. ANTROPOZOONOSE: infecção transmitida ao homem, por reservatório animal. ARBOVIROSES: viroses transmitidas, de um hospedeiro para outro, por meio de um ou mais tipos de artrópodes. ÁREA ENDÊMICA: aqui considerada como área reconhecidamente de transmissão para esquistossomose, de grande extensão, contínua, dentro de um município. ÁREA DE FOCO: área de transmissão para esquistossomose, com localização bem definida, limitada a uma localidade ou pequeno número desta, em um município. ÁREA INDENE VULNERÁVEL: área reconhecidamente sem transmissão para esquistossomose, mas cujas condições ambientais (presença de hospedeiros intermediários nas condições hídricas), associadas a precárias condições socioeconômicas e de saneamento, na presença de migrantes portadores da esquistossomose, oriundos de áreas de transmissão, tornam a área sob risco. ASCITE: acúmulo de líquido seroso na cavidade peritonial, causado pelo aumento da pressão venosa ou queda da albumina no plasma. O exame revela aumento indolor do abdome, macicez 796 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Glossário líquida que muda com a postura. É responsável pelo termo “barriga d’água” para a esquistossomose. ASSEPSIA: conjunto de medidas utilizadas para impedir a penetração de microrganismos (contaminação) em local que não os contenha. ASSOCIAÇÃO MEDICAMENTOSA: administração simultânea de dois ou mais medicamentos, seja em preparação separada, seja em uma mesma preparação. BACTERIÓFAGO: vírus que lisa a bactéria. Capaz de infectar e destruir bactérias. É freqüentemente utilizado como vetor pela engenharia genética. BIOCENOSE: comunidade resultante da associação de populações confinadas em determinados ambientes, no interior de um ecossistema. BIOGEOCENOSE (ecossistema): sistema dinâmico que inclui todas as interações entre o ambiente e as populações ali existentes. BIOSFERA: conjunto de todos os ecossistemas. BIOTA: reunião de várias comunidades. CAPACIDADE VETORIAL: propriedade do vetor, mensurada por parâmetros como abundância, sobrevivência e grau de domiciliação. Relaciona-se à transmissão do agente infeccioso em condições naturais. CARACTERES EPIDEMIOLÓGICOS: modos de ocorrência natural das doenças em uma comunidade, em função da estrutura epidemiológica da mesma. CARÁTER ANTIGÊNICO: combinação química dos componentes antigênicos de um agente, cuja combinação e componentes são únicos, para cada espécie ou cepa do agente, sendo responsável pela especificidade da imunidade resultante da infecção. CASO: pessoa ou animal infectado ou doente, apresentando características clínicas, laboratoriais e/ou epidemiológicas específicas. CASO AUTÓCTONE: caso contraído pelo enfermo na zona de sua residência. CASO CONFIRMADO: pessoa de quem foi isolado e identificado o agente etiológico, ou de quem foram obtidas outras evidências epidemiológicas e/ou laboratoriais da presença do agente etiológico, como, por exemplo, a conversão sorológica em amostras de sangue colhidas nas fases aguda e de convalescência. Esse indivíduo pode ou não apresentar a síndrome indicativa da doença causada pelo agente. A confirmação do caso está sempre condicionada à observação dos critérios estabelecidos pela definição de caso, a qual, por sua vez, está relacionada ao objetivo do programa de controle da doença e/ou do sistema de vigilância. CASO ESPORÁDICO: caso que, segundo informações disponíveis, não se apresenta epidemiologicamente relacionado a outros já conhecidos. CASO ÍNDICE: primeiro, entre vários casos, de natureza similar e epidemiologicamente relacionados. O caso índice é muitas vezes identificado como fonte de contaminação ou infecção. CASO IMPORTADO: caso contraído fora da zona onde se fez o diagnóstico. O emprego dessa expressão dá a idéia de que é possível situar, com certeza, a origem da infecção numa zona conhecida. CASO INDUZIDO: caso de malária que pode ser atribuído a uma transfusão de sangue ou a outra forma de inoculação parenteral, porém não à transmissão natural pelo mosquito. A inoculação pode ser acidental ou deliberada e, neste caso, pode ter objetivos terapêuticos ou de pesquisa. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 797 Glossário CASO INTRODUZIDO: na terminologia comum, esse nome é dado aos casos sintomáticos diretos, quando se pode provar que os mesmos constituem o primeiro elo da transmissão local após um caso importado conhecido. CASO PRESUNTIVO: pessoa com síndrome clínica compatível com a doença, porém sem confirmação laboratorial do agente etiológico. A classificação como caso presuntivo está condicionada à definição de caso. CASO SUSPEITO: pessoa cuja história clínica, sintomas e possível exposição a uma fonte de infecção sugerem que possa estar ou vir a desenvolver alguma doença infecciosa. CEPA: população de uma mesma espécie, descendente de um único antepassado ou que tenha espécie descendente de um único antepassado ou mesma origem, conservada mediante uma série de passagens por hospedeiros ou subculturas adequadas. As cepas de comportamento semelhante são chamadas “homólogas” e as de comportamento diferente, “heterólogas”. Anteriormente, empregava-se o termo “cepa” de maneira imprecisa, para aludir a um grupo de organismos estreitamente relacionados entre si e que perpetuavam suas características em gerações sucessivas. Ver também CULTURA ISOLADA. CERCÁRIA: forma do Schistossoma mansoni, infectante para o homem (hospedeiro definitivo). CIRCULAÇÃO COLATERAL: circulação que se instala em órgãos, ou parte deles, através de anastomose (comunicação) dos vasos, quando o suprimento sangüíneo original está obstruído ou abolido. CLONE: população de organismos geneticamente idênticos, descendente de uma única célula por reprodução assexuada. Nos parasitas da malária obtém-se o clone, em geral, a partir de formas eritrocíticas, por meio de uma técnica de diluição e cultura in vitro. COORTE: grupo de indivíduos que têm um atributo em comum. Designa também um tipo de estudo epidemiológico. COLONIZAÇÃO: propagação de um microrganismo na superfície ou no organismo de um hospedeiro, sem causar agressão celular. Um hospedeiro colonizador pode atuar como fonte de infecção. CONGÊNERE: na terminologia química, qualquer substância de um grupo químico cujos componentes sejam derivados da mesma substância-mãe, por exemplo, as 4-aminoquinaleínas são congêneres uma das outras. CONTÁGIO: sinônimo de transmissão direta. CONTAMINAÇÃO: ato ou momento em que uma pessoa ou objeto se converte em veículo mecânico de disseminação de determinado agente patogênico. CONTATO: pessoa ou animal que teve contato com pessoa ou animal infectado, ou com ambiente contaminado, criando a oportunidade de adquirir o agente etiológico. CONTATO EFICIENTE: contato entre um susceptível e uma fonte primária de infecção, em que o agente etiológico é realmente transferido dessa para o primeiro. CONTROLE: quando aplicado a doenças transmissíveis e não transmissíveis, significa operações ou programas desenvolvidos com o objetivo de reduzir sua incidência e/ou prevalência a níveis muito baixos. COPROSCOPIA: diagnóstico realizado mediante exame parasitológico de fezes. COR-PULMONALE: comprometimento cardíaco decorrente do efeito de hipertensão pulmonar sobre o ventrículo direito. CULTURA ISOLADA: amostra de parasitas não necessariamente homogêneos, sob a perspectiva 798 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Glossário genética, obtidos de um hospedeiro natural e conservados em laboratório mediante passagens por outros hospedeiros ou cultura in vitro. Dá-se preferência a esse termo, em lugar de “cepa”, de uso freqüente, mas um tanto impreciso. Ver também CLONE, LINHAGEM e CEPA. CURA RADICAL: eliminação completa de parasitas que se encontram no organismo, excluída qualquer possibilidade de recidivas. DENSIDADE LARVÁRIA: quantidade de larvas para determinado denominador (recipiente, concha, área, imóvel). DENOMINAÇÕES INTERNACIONAIS COMUNS (DIC): nomes comuns de medicamentos aceitos pela Organização Mundial da Saúde e incluídos na lista oficial rubricada por esse organismo. DESINFECÇÃO: destruição de agentes infecciosos que se encontram fora do corpo, por meio de exposição direta a agentes químicos ou físicos. DESINFECÇÃO CONCORRENTE: aplicação de medidas desinfetantes o mais rápido possível, após a expulsão de material infeccioso do organismo de uma pessoa infectada ou depois que a mesma tenha se contaminado com o referido material. Reduz ao mínimo o contato de outros indivíduos com esse material ou objetos. DESINFECÇÃO TERMINAL: desinfecção feita no local em que esteve um caso clínico ou portador, ocorrendo, portanto, depois que a fonte primária de infecção deixou de existir (por morte ou por ter se curado) ou depois que abandonou o local. A desinfecção terminal, aplicada raramente, é indicada no caso de doenças transmitidas por contato indireto. DESINFESTAÇÃO: destruição de metazoários, especialmente artrópodes e roedores, com finalidades profiláticas. DISPONIBILIDADE BIOLÓGICA: velocidade e grau de absorção de um medicamento, a partir de um preparado farmacêutico, determinados por sua curva de concentração/tempo na circulação geral ou por sua excreção na urina. DISSEMINAÇÃO POR FONTE COMUM: disseminação do agente de uma doença, a partir da exposição de um determinado número de pessoas, num certo espaço de tempo, a um veículo comum. Exemplo: água, alimentos, ar, seringas contaminadas. DIMORFISMO: propriedade de existir em duas diferentes formas estruturais. DOENÇA TRANSMISSÍVEL (doença infecciosa): doença causada por um agente infeccioso específico ou pela toxina por ele produzida, por meio da transmissão desse agente ou de seu produto, tóxico a partir de uma pessoa ou animal infectado, ou ainda de um reservatório para um hospedeiro susceptível, quer direta ou indiretamente intermediado por vetor ou ambiente. DOENÇAS QUARENTENÁRIAS: doenças de grande transmissibilidade, em geral graves, que requerem notificação internacional imediata à Organização Mundial da Saúde, isolamento rigoroso de casos clínicos e quarentena dos comunicantes, além de outras medidas de profilaxia com o intuito de evitar sua introdução em regiões até então indenes. Entre as doenças quarentenárias encontram-se a cólera, febre amarela e tifo exantemático. DOSE DE REFORÇO: quantidade de antígeno administrada com o fim de manter ou reavivar a resistência conferida pela imunização. ECOLOGIA: estudo das relações entre seres vivos e seu ambiente. “Ecologia humana” diz respeito ao estudo de grupos humanos, em face da influência de fatores ambientais, incluindo muitas vezes fatores sociais e do comportamento. ECOSSISTEMA: conjunto constituído pela biota e o ambiente não vivo, que interagem em determinada região. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 799 Glossário EFEITOS DELETÉRIOS DOS MEDICAMENTOS: inclui todos os efeitos não desejados apresentados nos seres humanos como resultado da administração de um medicamento. Segundo Rasenhein (1958), em geral pode-se classificar esses efeitos em: a) efeitos tóxicos: introduzidos por doses excessivas, quer seja por única dose grande ou pela acumulação de várias doses do medicamento; b) efeitos colaterais: terapeuticamente inconvenientes, mas conseqüência inevitável da medicação (por exemplo, náuseas e vômitos, após ingerir cloroquina em jejum, ou queda de pressão, após injeção endovenosa de quinina); c) efeitos secundários: surgem indiretamente como resultado da ação de um medicamento (por exemplo, a monilíase em pacientes submetidos a tratamento prolongado com a tetraciclina); d) intolerância: diminuição do limite de sensibilidade à ação fisiológica normal de um medicamento (por exemplo, enjôo, surdez, visão embaraçada que alguns pacientes sofrem ao receber uma dose normal de quinina); e) idiossincrasia: reação qualitativamente anormal de um medicamento (por exemplo, a hemólise que ocorre em alguns pacientes após a administração de primaquina); f) hipersensibilidade por reação alérgica: resposta imunológica anormal após sensibilização provocada por um medicamento (por exemplo, alergia à penicilina). ELIMINAÇÃO: vide ERRADICAÇÃO. ENDEMIA: presença contínua de uma enfermidade, ou agente infeccioso, em uma zona geográfica determinada; pode também expressar a prevalência usual de uma doença particular numa zona geográfica. O termo hiperendemia significa a transmissão intensa e persistente, atingindo todas as faixas etárias; e holoendemia, um nível elevado de infecção que começa a partir de uma idade precoce e afeta a maior parte da população jovem, como, por exemplo, a malária em algumas regiões do globo. ENDOTOXINA: toxina encontrada no interior da célula bacteriana, mas não em filtrados livres de células de bactéria. As endotoxinas são liberadas pela bactéria quando sua célula se rompe. ENZOOTIA: presença constante, ou prevalência usual da doença ou agente infeccioso, na população animal de dada área geográfica. EPIDEMIA: manifestação, em uma coletividade ou região, de um corpo de casos de alguma enfermidade que excede claramente a incidência prevista. O número de casos, que indica a existência de uma epidemia, varia com o agente infeccioso, o tamanho e as características da população exposta, sua experiência prévia ou falta de exposição à enfermidade e local e época do ano em que ocorre. Por decorrência, a epidemia guarda relação com a freqüência comum da enfermidade na mesma região, na população especificada e na mesma estação do ano. O aparecimento de um único caso de doença transmissível, que durante um lapso de tempo prolongado não havia afetado uma população ou que invade pela primeira vez uma região, requer notificação imediata e uma completa investigação de campo; dois casos dessa doença, associados no tempo ou espaço, podem ser evidência suficiente de uma epidemia. EPIDEMIA POR FONTE COMUM (epidemia maciça ou epidemia por veículo comum): epidemia em que aparecem muitos casos clínicos, dentro de um intervalo igual ao período de incubação clínica da doença, o que sugere a exposição simultânea (ou quase simultânea) de muitas pessoas ao agente etiológico. O exemplo típico é o das epidemias de origem hídrica. EPIDEMIA PROGRESSIVA (epidemia por fonte propagada): epidemia na qual as infecções são transmitidas de pessoa a pessoa ou de animal, de modo que os casos identificados não podem ser atribuídos a agentes transmitidos a partir de uma única fonte. EPIGASTRALGIA: dor na região do epigástrio (abdome), que corresponde à localização do estômago. EPIZOOTIA: ocorrência de casos, de natureza similar, em população animal de uma área geográfica particular, que se apresenta claramente em excesso em relação à incidência normal. 800 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Glossário EQUIVALÊNCIA TERAPÊUTICA: característica de diferentes produtos farmacêuticos que, quando administrados em um mesmo regime, apresentam resultados com o mesmo grau de eficácia e/ou toxicidade. ERRADICAÇÃO: cessação de toda a transmissão da infecção, pela extinção artificial da espécie do agente em questão. A erradicação pressupõe a ausência completa de risco de reintrodução da doença, de forma a permitir a suspensão de toda e qualquer medida de prevenção ou controle. A erradicação regional ou eliminação é a cessação da transmissão de determinada infecção, em ampla região geográfica ou jurisdição política. ESPLENOMEGALIA: aumento do volume do baço. ESTRUTURA EPIDEMIOLÓGICA: conjunto de fatores relativos ao agente etiológico, hospedeiro e meio ambiente, que influi sobre a ocorrência natural de uma doença em uma comunidade. EXOTOXINA: toxina produzida por uma bactéria, e por ela liberada, no meio de cultura ou no hospedeiro, conseqüentemente encontrada em filtrados livres de célula e em culturas de bactéria intacta. FAGÓCITO: célula que engloba e destrói partículas estranhas ou microrganismos, por digestão. FAGOTIPAGEM: caracterização de uma bactéria, pela identificação de sua susceptibilidade a determinados bacteriófagos. É uma técnica de caracterização de uma cepa. FALÊNCIA: persistência da positividade do escarro ao final do tratamento. Os doentes que, no início do tratamento, são fortemente positivos (++ ou +++) e mantêm essa situação até o 4º mês são também classificados como caso de falência. FARMACODINÂMICA: estudo da variação individual e coletiva, isto é, étnica, relacionada com fatores genéticos, da absorção e metabolismo dos medicamentos e resposta do organismo aos mesmos. FARMACOTÉCNICA: ramo da ciência que estuda a absorção, distribuição, metabolismo e excreção dos medicamentos. FEBRE HEMOGLOBINÚRICA: síndrome caracterizada por hemólise intravascular aguda e hemoglobinúrica, muitas vezes acompanhada de insuficiência renal. A febre é uma das características do processo relacionado à infecção por Plasmodium falciparum. FENÔMENO DE INTERFERÊNCIA: estado de resistência temporária a infecções por vírus. Resistência induzida por uma infecção viral existente atribuída, em parte, ao Interferon. FIBROSE HEPÁTICA: crescimento do tecido conjuntivo em nível hepático, decorrente de lesões ocasionadas pela presença de ovos ou outros antígenos do Schistosoma, na vascularização do fígado. É a lesão hepática característica da forma crônica de esquistossomose. FITONOSE: infecção transmissível ao homem, cujo agente tem vegetais como reservatórios. FOCO NATURAL: pequeno território, compreendendo uma ou várias paisagens, onde a circulação do agente causal estabeleceu-se numa biogecenose, por um tempo indefinidamente longo, sem sua importação de outra região. O foco natural é uma entidade natural, cujos limites podem ser demarcados em um mapa. FOCO ARTIFICIAL: doença transmissível que se instala em condições propiciadas pela atividade antrópica. FÔMITES: objetos de uso pessoal do caso clínico ou portador, que podem estar contaminados e transmitir agentes infecciosos e cujo controle é feito por meio da desinfecção. FONTE DE INFECÇÃO: pessoa, animal, objeto ou substância a partir do qual o agente é transmitido para o hospedeiro. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 801 Glossário FONTE PRIMÁRIA DE INFECÇÃO (reservatório): homem ou animal e, raramente, o solo ou vegetais, responsável pela sobrevivência de determinada espécie de agente etiológico na natureza. No caso dos parasitas heteroxenos, o hospedeiro mais evoluído (que geralmente é também o definitivo) é denominado fonte primária de infecção; e o hospedeiro menos evoluído (em geral hospedeiro intermediário) é chamado vetor biológico. FONTE SECUNDÁRIA DE INFECÇÃO: ser animado ou inanimado que transporta determinado agente etiológico, não sendo o principal responsável pela sobrevivência desse como espécie. Esta expressão é substituída, com vantagem, pelo termo “veículo”. FREQÜÊNCIA (ocorrência): termo genérico, utilizado em epidemiologia para descrever a freqüência de uma doença ou de outro atributo ou evento identificado na população, sem fazer distinção entre incidência ou prevalência. FUMIGAÇÃO: aplicação de substâncias gasosas capazes de destruir a vida animal, especialmente insetos e roedores. GAMETÓFARO: refere-se ao indivíduo portador das formas sexuadas do parasita (gametas). GOTÍCULAS DE FLÜGGE: secreções oronasais de mais de 100 micras de diâmetro, que transmitem agentes infecciosos de maneira direta mediata. HEMATÊMESE: vômito no sangue. HEPATOMEGALIA: aumento de volume do fígado. HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA: descrição que inclui as características das funções de infecção, distribuição da doença segundo os atributos de pessoas, tempo e espaço, distribuição e características ecológicas do(s) reservatório(s) do agente; mecanismos de transmissão e efeitos da doença sobre o homem. HOLOMETABÓLICO: animais que apresentam metamorfose completa (ex: ovo, larva, pulpa, adulto). HOSPEDEIRO: organismo simples ou complexo, incluindo o homem, capaz de ser infectado por um agente específico. HOSPEDEIRO DEFINITIVO: apresenta o parasita em fase de maturidade ou de atividade sexual. HOSPEDEIRO INTERMEDIÁRIO: apresenta o parasita em fase larvária ou assexuada. IMUNIDADE: resistência, usualmente associada à presença de anticorpos que têm o efeito de inibir microrganismos específicos ou suas toxinas, responsáveis por doenças infecciosas particulares. IMUNIDADE ATIVA: imunidade adquirida naturalmente pela infecção, com ou sem manifestações clínicas, ou artificialmente pela inoculação de frações ou produtos de agentes infecciosos, ou do próprio agente morto, modificado ou de forma variante. IMUNIDADE DE REBANHO: resistência de um grupo ou população à introdução e disseminação de um agente infeccioso. Essa resistência é baseada na elevada proporção de indivíduos imunes, entre os membros desse grupo ou população, e na uniforme distribuição desses indivíduos imunes. IMUNIDADE PASSIVA: imunidade adquirida naturalmente da mãe, ou artificialmente pela inoculação de anticorpos protetores específicos (soro imune de convalescentes ou imunoglobulina sérica). A imunidade passiva é pouco duradoura. IMUNODEFICIÊNCIA: ausência de capacidade para produzir anticorpos em resposta a um antígeno. 802 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Glossário IMUNOGLOBULINA: solução estéril de globulinas que contêm aqueles anticorpos normalmente presentes no sangue do adulto. IMUNOPROFILAXIA: prevenção da doença através da imunidade conferida pela administração de vacinas ou soros a uma pessoa ou animal. INCIDÊNCIA: número de casos novos de uma doença, ocorridos em uma população particular, durante um período específico de tempo. ÍNDICE DE BRETEAU: número de recipientes, habitados por formas imaturas de mosquitos, em relação ao número de casas examinadas para o encontro de criadouros. INFECÇÃO: penetração, alojamento e, em geral, multiplicação de um agente etiológico animado no organismo de um hospedeiro, produzindo-lhe danos, com ou sem aparecimento de sintomas clinicamente reconhecíveis. Em essência, a infecção é uma competição vital entre um agente etiológico animado (parasita “sensu latu”) e um hospedeiro; é, portanto, uma luta pela sobrevivência entre dois seres vivos, que visam a manutenção de sua espécie. INFECÇÃO APARENTE (doença): desenvolve-se acompanhada de sinais e sintomas clínicos. INFECÇÃO HOSPITALAR: desenvolve-se em paciente hospitalizado ou atendido em outro serviço de assistência, que não padecia nem estava incubando a doença no momento da hospitalização. Pode manifestar-se, também, como efeito residual de infecção adquirida durante hospitalização anterior, ou ainda manifestar-se somente após a alta hospitalar. Abrange igualmente as infecções adquiridas no ambiente hospitalar, acometendo visitantes ou sua própria equipe. INFECÇÃO INAPARENTE: cursa na ausência de sinais e sintomas clínicos perceptíveis. INFECTANTE: aquele que pode causar uma infecção; aplica-se, geralmente, ao parasita (por exemplo, o gametócito, o esporozoíto). INFECTIVIDADE: capacidade do agente etiológico se alojar e multiplicar-se no corpo do hospedeiro. INFESTAÇÃO: entende-se por infestação de pessoas ou animais o alojamento, desenvolvimento e reprodução de artrópodes na superfície do corpo ou nas roupas. Os objetos ou locais infestados são os que albergam ou servem de alojamento a animais, especialmente artrópodes e roedores. INFLAMAÇÃO: resposta normal do tecido à agressão celular por material estranho; caracteriza-se pela dilatação de capilares e mobilização de defesas celulares (leucócitos e fagócitos). INQUÉRITO EPIDEMIOLÓGICO: levantamento epidemiológico feito por coleta ocasional de dados, quase sempre por amostragem, que fornece dados sobre a prevalência de casos clínicos ou portadores em determinada comunidade. INTERAÇÃO FARMACOLÓGICA: alteração do efeito farmacológico de um medicamento administrado simultaneamente com outro. INTERFERON: proteína de baixo peso molecular, produzida por células infectadas por vírus. Tem a propriedade de bloquear as células sadias da infecção viral, suprimindo a multiplicação viral nas células já infectadas; é ativo contra amplo espectro de vírus. INVASIBILIDADE: capacidade de um microrganismo entrar no corpo e se disseminar através dos tecidos. Essa disseminação pode ou não resultar em infecção ou doença. INVESTIGAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DE CAMPO (classicamente conhecida por investigação epidemiológica): estudos efetuados a partir de casos clínicos, ou de portadores, para a identificação das fontes de infecção e modos de transmissão do agente. Pode ser realizada quando de casos esporádicos ou surtos. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 803 Glossário ISOLAMENTO: segregação de um caso clínico do convívio das outras pessoas, durante o período de transmissibilidade, visando evitar que os susceptíveis sejam infectados. Em certos casos, o isolamento pode ser domiciliar ou hospitalar; em geral, é preferível esse último, por ser mais eficiente. ISOMETRIA: fenômeno presente nos compostos químicos de idêntica fórmula molecular, mas de estrutura molecular diferente. As substâncias que compartilham essas características chamam-se isômeros. Nos derivados do núcleo benzênico, a isomeria geométrica e a isomeria ótica dependem da distribuição espacial das quatro ligações do átomo de carbono. JANELA IMUNOLÓGICA: intervalo entre o início da infecção e a possibilidade de detecção de anticorpos, por meio de técnicas laboratoriais. LATÊNCIA: período, na evolução clínica de uma doença parasitária, no qual os sintomas desaparecem, apesar de o hospedeiro estar ainda infectado, e de já ter sofrido o ataque primário, ou uma ou várias recaídas. Terminologia freqüentemente utilizada em relação à malária. LARVITRAMPAS: recipiente com água, onde se observam as larvas dos mosquitos após a eclosão. LINHAGEM: população de parasitas, submetida a determinadas passagens no laboratório, em geral de uma seleção especial (seja natural ou experimental), de acordo com uma característica específica (por exemplo, farmacorresistência). Ver também CEPA. MALACOLOGIA: estudo do caramujo. MIRACÍDIO: forma do Schistosoma mansoni, infectante para o caramujo. MONITORAMENTO ENTOMOLÓGICO: acompanhar, analisar e avaliar a condição entomológica de determinada área. MONITORIZAÇÃO: abrange, segundo John M. Last, três campos de atividade: a) elaboração e análise de mensurações rotineiras, visando detectar mudanças no ambiente ou estado de saúde da comunidade. Não deve ser confundida com vigilância. Para alguns estudiosos, monitorização implica em intervenção à luz das mensurações observadas; b) contínua mensuração do desempenho do serviço de saúde ou de profissionais de saúde, ou do grau com que os pacientes concordam com ou aderem às suas recomendações; c) na ótica da administração, a contínua supervisão da implementação de uma atividade com o objetivo de assegurar que a liberação dos recursos, esquemas de trabalho, objetivos a serem atingidos e outras ações necessárias estejam sendo processados de acordo com o planejado. NICHO OU FOCO NATURAL: quando o agente patogênico, o vetor específico e o animal hospedeiro existirem sob condições naturais, durante muitas gerações, num tempo indefinido, independente da existência do homem. NÚCLEO DE WELLS: secreções oronasais de menos de 100 micra de diâmetro, que transmitem agentes infecciosos de maneira indireta, por meio do ar, onde flutuam durante intervalo de tempo mais ou menos longo. OPORTUNISTA: organismo que, vivendo normalmente como comensal ou de vida livre, passa a atuar como parasita, geralmente em decorrência da redução da resistência natural do hospedeiro. ORGANOFOSFORADO: grupo de produtos químicos utilizados como inseticida. OVIPOSIÇÃO: ato do inseto fêmea por ovos. OVITRAMPAS: recipiente onde as fêmeas de mosquitos fazem oviposição e onde se pode observar os ovos. 804 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Glossário OVOS VIÁVEIS: ovos que contém o miracídio capaz de viver. PANDEMIA: epidemia de uma doença que afeta pessoas em muitos países e continentes. PARASITA: organismo, geralmente microrganismo, cuja existência ocorre à expensa de um hospedeiro. Entretanto, não é obrigatoriamente nocivo a seu hospedeiro. Existem parasitas obrigatórios e facultativos; os primeiros sobrevivem somente na forma parasitária e os últimos podem ter uma existência independente. PARASITAS HETEROXENOS: necessitam de dois tipos diferentes de hospedeiros para sua completa evolução: o hospedeiro definitivo e o intermediário. PARASITAS MONOXENOS: necessitam de um só hospedeiro para a sua completa evolução. PASTEURIZAÇÃO: desinfecção do leite, feita pelo aquecimento a 63º-65ºC, durante 30 minutos (ou a 73º-75ºC, durante 15 minutos), baixando a temperatura imediatamente para 20º a 50ºC. PATOGENICIDADE: capacidade de um agente biológico causar doença em um hospedeiro susceptível. PATÓGENO: agente biológico capaz de causar doenças. PERÍODO DE INCUBAÇÃO: intervalo entre a exposição efetiva do hospedeiro susceptível a um agente biológico e o início dos sinais e sintomas clínicos da doença no mesmo. PERÍODO DE TRANSMISSIBILIDADE: intervalo de tempo durante o qual uma pessoa ou animal infectado elimina um agente biológico para o meio ambiente ou para o organismo de um vetor hematófago, sendo possível, portanto, a sua transmissão a outro hospedeiro. PERÍODO DE LATÊNCIA: intervalo entre a exposição a agentes patológicos e início dos sinais e sintomas da doença. PERÍODO PRODRÔMICO: lapso de tempo entre os primeiros sintomas da doença e o início dos sinais ou sintomas, que baseia o estabelecimento do diagnóstico. PESCA LARVA: coador confeccionado em tecido de filó, usado para retirar larva dos depósitos. PIRETRÍODE: grupo de produtos químicos utilizado como inseticida. PODER IMUNOGÊNICO (imunogenicidade): capacidade de o agente biológico estimular a resposta imune no hospedeiro; conforme as características desse agente, a imunidade obtida pode ser de curta ou longa duração e de grau elevado ou baixo. PORTADOR: pessoa ou animal que não apresenta sintomas clinicamente reconhecíveis de determinada doença transmissível ao ser examinado, mas que está albergando o agente etiológico respectivo. Em saúde pública, têm mais importância os portadores que os casos clínicos, porque, muito freqüentemente, a infecção passa despercebida nos primeiros. Os que apresentam realmente importância são os portadores eficientes, assim, na prática, o termo “portador” quase sempre se refere aos portadores eficientes. PORTADOR ATIVO: portador que teve sintomas, mas que, em determinado momento, não os apresenta. PORTADOR ATIVO CONVALESCENTE: portador durante e após a convalescença. Tipo comum na febre tifóide e na difteria. PORTADOR ATIVO CRÔNICO: pessoa ou animal que continua a albergar o agente etiológico, muito tempo após ter tido a doença. O momento em que o portador ativo convalescente passa a crônico é estabelecido arbitrariamente para cada doença. No caso da febre tifóide, por exemplo, o portador é considerado como ativo crônico quando alberga a Salmonella typhi por mais de um ano após ter estado doente. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 805 Glossário PORTADOR ATIVO INCUBADO OU PRECOCE: portador durante o período de incubação clínica de uma doença. PORTADOR EFICIENTE: portador que elimina o agente etiológico para o meio exterior ou para o organismo de um vetor hematófago, ou que possibilita a infecção de novos hospedeiros. Essa eliminação pode ser feita de maneira contínua ou de modo intermitente. PORTADOR INEFICIENTE: portador que não elimina o agente etiológico para o meio exterior, não representando, portanto, perigo para a comunidade no sentido de disseminar esse microrganismo. PORTADOR PASSIVO (portador aparentemente são): portador que nunca apresentou sintomas de determinada doença transmissível, não os está apresentando e não os apresentará no futuro; somente pode ser descoberto por meio de exames laboratoriais adequados. PORTADOR PASSIVO CRÔNICO: portador passivo que alberga um agente etiológico por longo período de tempo. PORTADOR PASSIVO TEMPORÁRIO: portador passivo que alberga um agente etiológico durante pouco tempo; a distinção entre o portador passivo crônico e o temporário é estabelecida arbitrariamente para cada agente etiológico. POSTULADOS DE EVANS: a expansão do conhecimento biomédico levou à revisão dos postulados de Koch. Em 1976, Alfred Evans elaborou os seguintes postulados, com base naqueles idealizados por Koch: • A prevalência da doença deve ser significativamente mais alta entre os expostos à causa suspeita do que entre os controles não expostos; • A exposição à causa suspeita deve ser mais freqüente entre os atingidos pela doença do que o grupo de controle que não a apresenta, mantendo-se constantes os demais fatores de risco; • A incidência da doença deve ser significantemente mais elevada entre os expostos à causa suspeita do que entre aqueles não expostos. Tal fato deve ser demonstrado em estudos prospectivos; • A exposição ao agente causal suspeito deve ser seguida de doença, enquanto a distribuição do período de incubação deve apresentar uma curva normal; • Um espectro da resposta do hospedeiro deve seguir a exposição ao provável agente, num gradiente biológico que vai do benigno ao grave; • Uma resposta mensurável do hospedeiro, até então inexistente, tem alta probabilidade de aparecer após a exposição ao provável agente, ou aumentar em magnitude se presente anteriormente. Esse padrão de resposta deve ocorrer infreqüentemente em pessoas pouco expostas; • A reprodução experimental da doença deve ocorrer mais freqüentemente em animais ou no homem, adequadamente exposta à provável causa do que naqueles não expostos. Essa exposição pode ser deliberada em voluntários; experimentalmente induzida em laboratório, ou pode representar um parâmetro da exposição natural; • A eliminação ou modificação da causa provável deve diminuir a incidência da doença; • A prevenção ou modificação da resposta do hospedeiro em face da exposição à causa provável, deve diminuir a incidência ou eliminar a doença; • Todas as associações ou achados devem apresentar consistência com os conhecimentos nos campos da biologia e da epidemiologia. POSTULADOS DE KOCH: originalmente formulados por Henle e adaptados por Robert Koch, em 1877. Koch afirmava que quatro postulados deveriam ser previamente observados para que se pudesse aceitar uma relação causal entre um particular microrganismo ou parasita e uma doença, a saber: 806 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Glossário • O agente biológico deve ser demonstrado em todos os casos da doença, por meio de seu isolamento em cultura pura; • O agente biológico não deve ser encontrado em outras doenças; • Uma vez isolado, o agente deve ser capaz de reproduzir a doença em animais de experimento; • O agente biológico deve ser recuperado da doença experimentalmente produzida. PREVALÊNCIA: número de casos clínicos ou de portadores existentes em um determinado momento, em uma comunidade, dando uma idéia estática da ocorrência do fenômeno. Pode ser expressa em números absolutos ou em coeficientes. PRÓDROMOS: sintomas indicativos do início de uma doença. PROFILAXIA: conjunto de medidas que têm por finalidade prevenir ou atenuar as doenças, suas complicações e conseqüências. Quando a profilaxia basear-se no emprego de medicamentos, trata-se da quimioprofilaxia. PUÇÁ DE FILÓ: instrumento, na forma de grande coador, utilizado para a captura de mosquito adulto. QUARENTENA: isolamento de indivíduos ou animais sadios pelo período máximo de incubação da doença, contado a partir da data do último contato com um caso clínico ou portador ou da data em que esse comunicante sadio abandonou o local em que se encontrava a fonte de infecção. Na prática, a quarentena é aplicada no caso das doenças quarentenárias. QUIMIOPROFILAXIA: administração de uma droga, incluindo antibióticos, para prevenir uma infecção ou a progressão de uma infecção com manifestações da doença. QUIMIOTERAPIA: uso de uma droga com o objetivo de tratar uma doença clinicamente reconhecível ou de eliminar seu progresso. RECAÍDA: reaparecimento ou recrudescimento dos sintomas de uma doença, antes do doente apresentar-se completamente curado. No caso da malária, recaída significa nova aparição de sintomas depois do ataque primário. RECIDIVA: reaparecimento do processo mórbido após sua cura aparente. No caso da malária, recidiva significa recaída na infecção malárica entre a 8ª e a 24ª semanas posteriores ao ataque primário. Na tuberculose, significa o aparecimento de positividade no escarro, em dois exames sucessivos, após a cura. RECORRENTE: estado patológico que evolui através de recaídas sucessivas. No caso da malária, recorrência significa recaída na infecção malárica depois de 24 semanas posteriores ao ataque primário. RECRUDESCÊNCIA: exacerbação das manifestações clínicas ou anatômicas de um processo mórbido. No caso da malária, recrudescência é a recaída na infecção malárica nas primeiras 8 semanas posteriores ao ataque primário. REPASTO: ato do inseto alimentar-se diretamente do animal. RESERVATÓRIO DE AGENTES INFECCIOSOS (fonte primária de infecção): qualquer ser humano, animal, artrópode, planta, solo, matéria ou uma combinação deles, no qual normalmente vive e se multiplica um agente infeccioso, que depende desse meio para sua sobrevivência, reproduzindo-se de modo tal que pode ser transmitido a um hospedeiro susceptível. RESISTÊNCIA: conjunto de mecanismos específicos e inespecíficos do organismo que serve de defesa contra a invasão ou multiplicação de agentes infecciosos ou contra os efeitos nocivos de seus produtos tóxicos. Os mecanismos específicos constituem a imunidade; os inespecíficos, a resistência inerente ou natural. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 807 Glossário RESISTÊNCIA INERENTE (resistência natural): capacidade de resistir a uma enfermidade, independente de anticorpos ou da resposta específica dos tecidos. Geralmente, depende das características anatômicas ou fisiológicas do hospedeiro, podendo ser genética ou adquirida, permanente ou temporária. SANEAMENTO DOMICILIAR: conjunto de ações que visa à melhoria do abastecimento d’água, esgotamento sanitário, manejo e destino adequado dos resíduos sólidos no domicílio. SEPTICEMIA: presença de microrganismo patogênico, ou de suas toxinas, no sangue ou em outros tecidos. SINAL: evidência objetiva de doença. SÍNDROME: conjunto de sintomas e sinais que tipificam uma determinada doença. SINERGISMO: ação combinada de dois ou mais medicamentos que produzem um efeito biológico, cujo resultado pode ser simplesmente a soma dos efeitos de cada composto ou um efeito total superior a essa soma. Quando um medicamento aumenta a ação de outro, diz-se que existe potencialização. Esse termo é muitas vezes utilizado de forma pouco precisa para descrever o fenômeno de sinergismo, quando dois compostos atuam sobre diferentes locais receptores do agente patogênico. O caso oposto é representado pelo antagonismo, fenômeno pelo qual as ações conjuntas de dois ou mais compostos resultam em diminuição do efeito farmacológico. SINTOMA: evidência subjetiva de doença. SOROEPIDEMIOLOGIA: estudo epidemiológico ou atividade baseada na identificação, com base em testes sorológicos, de mudanças nos níveis de anticorpos específicos de uma população. Esse método permite não só a identificação de casos clínicos mas também os estados de portador e as infecções latentes ou subclínicas. SOROTIPO: caracterização de um microrganismo pela identificação de seus antígenos. SURTO EPIDÊMICO: ocorrência de dois ou mais casos epidemiologicamente relacionados. SUSCEPTÍVEL: qualquer pessoa ou animal que supostamente não possui resistência suficiente contra um determinado agente patogênico, que o proteja da enfermidade caso venha a entrar em contato com o agente. TAXA DE ATAQUE: taxa de incidência acumulada, usada freqüentemente para grupos particulares, observados por períodos limitados de tempo e em condições especiais, como em uma epidemia. As taxas de ataque são usualmente expressas em porcentagem. TAXA DE ATAQUE SECUNDÁRIO: medida de freqüência de casos novos de uma doença, entre contatos próximos de casos conhecidos, ocorrendo dentro de um período de incubação aceito, após exposição ao caso índice. Essa taxa é freqüentemente calculada para contatos domiciliares. TAXA (OU COEFICIENTE) DE LETALIDADE: medida de freqüência de óbitos por determinada causa, entre membros de uma população atingida pela doença. TAXA DE MORBIDADE: medida de freqüência de doença em uma população. Existem dois grupos importantes de taxa de morbidade: os de incidência e os de prevalência. TAXA (OU COEFICIENTE) DE MORTALIDADE: medida de freqüência de óbitos em uma determinada população, durante um intervalo de tempo específico. Ao serem incluídos os óbitos por todas as causas, tem-se a taxa de mortalidade geral. Caso se inclua somente óbitos por determinada causa, tem-se a taxa de mortalidade específica. TAXA (OU COEFICIENTE) DE NATALIDADE: medida de freqüência de nascimentos, em uma determinada população, durante um período de tempo especificado. 808 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Glossário TEMEFÓS: inseticida organofosforado, adequadamente formulado para manter larvas em recipientes com água, potável ou não. TEMPO DE SUPRESSÃO: tempo transcorrido entre a primeira porção tomada de um medicamento até o desaparecimento da parasitemia observável. TENDÊNCIA SECULAR: comportamento da incidência de uma doença, em um longo intervalo de tempo, geralmente anos ou décadas. TOXINA: proteínas ou substâncias protéicas conjugadas, letais para certos organismos. As toxinas são produzidas por algumas plantas superiores, por determinados animais e por bactérias patogênicas. O alto peso molecular e a antigenicidade das toxinas diferenciam-nas de alguns venenos químicos e alcalóides de origem vegetal. TRANSMISSÃO: transferência de um agente etiológico animado de uma fonte primária de infecção para um novo hospedeiro. Pode ocorrer de forma direta ou indireta. TRANSMISSÃO DIRETA (contágio): transferência do agente etiológico, sem a interferência de veículos. TRANSMISSÃO DIRETA IMEDIATA: transmissão direta, em que há um contato físico entre a fonte primária de infecção e o novo hospedeiro. TRANSMISSÃO DIRETA MEDIATA: transmissão direta, em que não há contato físico entre a fonte primária de infecção e o novo hospedeiro; a transmissão ocorre por meio das secreções oronasais (gotículas de Flügge). TRANSMISSÃO INDIRETA: transferência do agente etiológico por meio de veículos animados ou inanimados. A fim de que a transmissão indireta possa ocorrer, torna-se essencial que os germes sejam capazes de sobreviver fora do organismo, durante um certo tempo, e que haja um veículo que os leve de um lugar a outro. TRATAMENTO ANTI-RECIDIVANTE: tratamento destinado a prevenir as recidivas, particularmente as que incidem a longo prazo. Sinônimo de tratamento radical. TRATAMENTO PROFILÁTICO: tratamento de um caso clínico ou de um portador, com a finalidade de reduzir o período de transmissibilidade. TUBITO: pequeno tubo usado para acondicionamento de larvas, quando da remessa ao laboratório. VACINA: preparação contendo microrganismos vivos ou mortos ou suas frações, possuidora de propriedades antigênicas. São empregadas para induzir, em um indivíduo, a imunidade ativa e específica contra um microrganismo. VEÍCULO: ser animado ou inanimado que transporta um agente etiológico. Não são consideradas, como veículos, as secreções e excreções da fonte primária de infecção, que são, na realidade, um substrato no qual os microrganismos são eliminados. VEÍCULO ANIMADO (vetor): artrópode que transfere um agente infeccioso da fonte de infecção para um hospedeiro susceptível. VEÍCULO INANIMADO: ser inanimado que transporta um agente etiológico. Os veículos inanimados são: água, ar, alimentos, solo e fômites. VETOR BIOLÓGICO: vetor no qual se passa, obrigatoriamente, uma fase do desenvolvimento de determinado agente etiológico. Erradicando-se o vetor biológico, desaparece a doença que transmite. VETOR MECÂNICO: vetor acidental que constitui somente uma das modalidades da transmissão de um agente etiológico. Sua erradicação retira apenas um dos componentes da transmissão da doença. Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 809 Glossário VIGILÂNCIA DE DOENÇA: levantamento contínuo de todos os aspectos relacionados com a manifestação e propagação de uma doença, importantes para o seu controle eficaz. Inclui a coleta e avaliação sistemática de : • dados de morbidade e mortalidade; • dados especiais de investigações de campo sobre epidemias e casos individuais; • dados relativos a isolamento e notificação de agentes infecciosos em laboratório; • dados relativos à disponibilidade, uso e efeitos adversos de vacinas, toxóides, imunoglobulinas, inseticidas e outras substâncias empregadas no controle de doenças; • dados sobre níveis de imunidade em certos grupos da população. Todos esses dados devem ser reunidos, analisados e apresentados na forma de informes que serão distribuídos a todas as pessoas que colaboraram na sua obtenção e a outras que necessitem conhecer os resultados das atividades da vigilância, para fins de prevenção e controle de agravos relevantes à saúde pública. Esses procedimentos aplicam-se a todos os níveis dos serviços de saúde pública, desde o local até o internacional. VIGILÂNCIA DE PESSOA: observação médica rigorosa, ou outro tipo de supervisão de contatos de pacientes com doença infecciosa, que visa permitir a identificação rápida da infecção ou doença, porém sem restringir liberdade de movimentos. VIGILÂNCIA SANITÁRIA: observação dos comunicantes durante o período máximo de incubação da doença, a partir da data do último contato com um caso clínico ou portador, ou da data em que o comunicante abandonou o local em que se encontrava a fonte primária de infecção. Não implica restrição da liberdade de movimentos. VIRULÊNCIA: grau de patogenicidade de um agente infeccioso. ZOOANTROPONOSE: infecção transmitida aos animais, a partir de reservatório humano. ZOONOSES: infecção ou doença infecciosa transmissível, sob condições naturais, de homens a animais e vice-versa. 810 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Relação de endereços Secretaria de Vigilância em Saúde – Ministério da Saúde Esplanada dos Ministérios, Bloco G, Edifício-Sede do Ministério da Saúde 1º andar. CEP 70.058-900. Brasília/DF. Tel.: (61) 3315 3777 E-mail: [email protected] Endereço eletrônico: www.saude.gov.br/svs Vigilância epidemiológica das secretarias estaduais de saúde Secretaria Estadual de Saúde do Acre Av. Antônio da Rocha Viana, 1.294 - Vila Ivonete Rio Branco/AC. CEP 69.910-610 Tels.: (68) 3223 2320/3223 8007 Fax: (68) 224 7019 Secretaria Estadual de Saúde de Alagoas Rua da Paz, 1.068 - Jaraguá. Maceió/AL. CEP 57.025-050 Tels.: (82) 315 1671/315 1151 Fax: (82) 315 3774/315 1481 Secretaria Estadual de Saúde do Amapá Av. Mendonça Furtado - Centro Macapá/AP. CEP 68.906-350 Tels.: (96) 212 6217/6216/6218/6258 Fax: (96) 212 6216 Superintendência de Saúde do Amazonas Av. André Araújo, 701 - Aleixo. Manaus/AM. CEP 69.060-001 Tels.: (92) 643 6320/643 6384/643 6300 ramal: 6331 Fax: (92) 611 4566 Secretaria Estadual de Saúde da Bahia 4a. Av. Centro Adm. da Bahia, Plataforma 6, Lado B 2º andar, Sala 209. Salvador/BA. CEP 41.750-300 Tels.: (71) 3115 4341/4343/4373 Fax: (71) 3115 4341 Secretaria Estadual de Saúde do Ceará Av. Almirante Barroso, 600 - Praia de Iracema Fortaleza/CE. CEP 60.060-440 Tels.: (85) 3101 5212/5214/5215 Fax: (85) 3101 5197 Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal SIA trecho 1, lotes 1.730/1.760, Bloco E, 3º andar Brasília/DF. CEP 71.200-010 Tels.: (61) 3403 2833/2498/2400/2393 Fax: 3403 2425/2397 Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo Av. Marechal Mascarenhas de Morais, 2.025 - Bento Ferreira Vitória/ES. CEP 29052-120 Tels.: (27) 3137 2310/2396 Fax: (27) 3137 2310/2367 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 811 Relação de Endereços Secretaria Estadual de Saúde de Goiás Av. Anhanguera, 5195 - Setor Coimbra. Goiânia/GO. CEP 74.043-011 Tels.: (62) 293 6524/6481 Fax: (62) 291 7611/5140 Secretaria Estadual de Saúde do Maranhão Av. Carlos Cunha, s/nº - Retorno do Calhau São Luís/MA. CEP 65.076-0820 Tels.: (98) 218 8733/8706 Fax: (98) 218 8701 Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais Rua Rio Grande do Norte, 613, 4º andar - Funcionários Belo Horizonte/MG. CEP 30.130-130 Tels.: (31) 3274 3470/4705/4258 Fax: (31) 3213 8503/3965 Secretaria Estadual de Saúde do Mato Grosso do Sul Parque dos Poderes, Bloco 7 Campo Grande/MS. CEP 79.031-902 Tels.: (67) 318 1690/1683/326 4071 Fax: (67) 318 1690/1683 Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso Centro Político Administrativo, Bloco 3, 2º andar Cuiabá/MT. CEP 78.050-970 Tels.: (65) 613 5379/5380/5381/5368 Fax: (65) 613 5384/5369 Secretaria Estadual de Saúde do Pará Rua Presidente Pernambuco, 489 - Batista Campo Belém/PA. CEP 66.015-200 Tels.: (91) 224 9195/230 3099 Fax: (91) 242 0048 Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba Av. Dom Pedro II, 1.826 - Torre João Pessoa/PB. CEP 58.040-440 Tels.: (83) 218 7329/7330 Fax: (83) 218 7331/0330 Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco Praça oswaldo Cruz, s/nº - Boa Vista. Recife/PE. CEP 50.050-210 Tels.: (81) 3412 6412/6413 Fax: (81) 3412 6366 Secretaria Estadual de Saúde do Piauí Av. Pedro Freitas, s/nº, Centro Administrativo, Bloco A - São Pedro Teresina/PI. CEP 64.018-200 Tels.: (86) 3216 3596/3605/3686/3683/3589 Fax: (86) 3216 3596/3505 Secretaria Estadual de Saúde do Paraná Rua Piquiri, 170 - Rebouças. Curitiba/PR. CEP 80.230-140 Tels.: (41) 330 4570/4566 Fax: (41) 330 4571/330 4535 Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro Rua México, 128, 4º andar, Sala 410 - Centro Rio de Janeiro/RJ. CEP 20.031-140 Tel.: (21) 2215 2531 Fax: (21) 2240 0611 812 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Relação de Endereços Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Norte Av. Câmara Cascudo, 488 - Cidade Alta, Centro Natal/RN. CEP 59.025-280 Tel.: (84) 232 2598 Fax: (84) 232 2598 Secretaria Estadual de Saúde de Rondônia Rua Padre Angelo Cerri, s/nº, Esplanada das Sec. - Pedrinhas Porto Velho/RO. CEP 78.900-000 Tels.: (69) 216 5275/5294 Fax: (69) 216 5275 Secretaria Estadual de Saúde de Roraima Rua Madri, s/nº - Aeroporto. Boa Vista/RR. CEP 69.304-650 Tels.: (95) 623 2771/0967/1714 Fax: (95) 623 1714 Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul Av. Borges de Medeiros, 1.501, 3º andar, Ala Norte, sala 308 Porto Alegre/RS. CEP 90.650-090 Tels.: (51) 3901 1157/1166 Fax: (51) 3901 1054 Secretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina Rua Felipe Smidt, 774 - Centro. Florianópolis/SC. CEP 88.010-002 Tel.: (48) 221 8445 Fax: (48) 221 8445 Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo Av. Dr. Arnaldo, 351, 1º andar - Cerqueira César São Paulo/SP. CEP 01.246-902 Tels.: (11) 3066 8798/8604 Fax: (11) 3082 9359/3082 9395 Secretaria Estadual de Saúde de Sergipe Praça General Valadão, 32, Palácio Serigy - Centro Aracaju/SE. CEP 49.010-520 Telefax: (79) 234 9577/234 9578 Secretaria Estadual de Saúde de Tocantins Praça dos Girassóis - Espl. das Secretarias s/nº Palmas/TO. CEP 70.7015-007 Tels.: (63) 3218 3094/3245/1762/1735 Fax: (63) 3218 1791/1778 Vigilância epidemiológica das secretarias municipais de saúde Secretaria Municipal de Saúde do Acre Rua Floriano Peixoto, 1.092 - Centro Rio Branco/AC. CEP 69.908-030 Tels.: (68) 3211 2101/2114 Fax: (68) 3211 2110 Secretaria Municipal de Saúde de Alagoas Rua Dias Cabral, 569 - Centro Maceió/AL. CEP 57.020-250 Tels.: (82) 3315 5180/5181 Fax: (82) 3315 5183 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 813 Relação de Endereços Secretaria Municipal de Saúde do Amapá Av. Procópio Rola, 166 - Centro. Macapá/AP. CEP 68.906-030 Tels.: (96) 3213 1009/1109/1295 Fax: (96) 3213 1009 Secretaria Municipal de Saúde do Amazonas Rua Recife, 1.695 - Parque 10. Manaus/AM. CEP 69.057-001 Tels.: (92) 3642 6723/3236 7363 Fax: (92) 3642 5875 Secretaria Municipal de Saúde da Bahia Av. Sete de Setembro, 2.019 - Corredor da Vitória Salvador/BA. CEP 40.080-002 Tels.: (71) 3611 1000/1014/1023/1043/338 1010 Fax: (71) 336 5303 Secretaria Municipal de Saúde do Ceará Rua do Rosário, 283, 3º andar - Centro. Fortaleza/CE. CEP 60.055-090 Tels.: (85) 3452 6605/6604 Fax: (85) 3452 6992 Secretaria Municipal de Saúde do Espírito Santo Av. Marechal Mascarenhas de Moraes, 1.185 - Forte São João Vitória/ES. CEP 29.010-331 Tels.: (27) 3132 5058/5059/5053 Fax: (27) 3132 5061 Secretaria Municipal de Saúde de Goiás Av. 5ª Radial, quadra 216 A, lote 6 - Setor Pedro Ludovico Goiânia/GO. CEP 74.823-030 Tels.: (62) 3524 1554/1507/1506/1500 Fax: (62) 3524 1503/1509 Secretaria Municipal de Saúde do Maranhão Av. dos Franceses, 113 - Alemanha. São Luís/MA. CEP 65.036-280 Tels.: (98) 3243 2321 Fax: (98) 3249 2906 Secretaria Municipal de Saúde de Minas Gerais Av. Afonso Pena, 2.336 - 13º andar. Belo Horizonte/MG. CEP 30.130-006 Tels.: (31) 3277 7753/7767 Fax: (31) 3277 7789 Secretaria Municipal de Saúde de Mato Grosso do Sul Rua 13 de Maio, 1.090 - Monte Líbano. Campo Grande/MS. CEP 79.004-423 Tels.: (67) 314 3346 Fax: (67) 314 3097 Secretaria Municipal de Saúde de Mato Grosso Rua São Joaquim, 315 - Porto. Cuiabá/MT. CEP 78.020-700 Tels.: (65) 3617 1212/1213/1228 Fax: 3051 9512/9500 Secretaria Municipal de Saúde do Pará Trav. Padre Eutíquio, 543 - Campina. Belém/PA. CEP 66.020-240 Tels.: (91) 3241 1969/3212 0506 Fax: 3241 1969 Secretaria Municipal de Saúde da Paraíba Av. Presidente Epitácio Pessoa, 1.324 - Expedicionários João Pessoa/PB. CEP 58.043-000 Tels.: (83) 3214 7952/7947 Fax: (83) 3214 7947 814 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS Relação de Endereços Secretaria Municipal de Saúde de Pernambuco Av. Cais do Apolo, 925, 13º andar. Recife/PE. CEP 50.030-903 Tels.: (81) 3232 8113 Fax: (81) 3425 8640 Secretaria Municipal de Saúde do Piauí Rua Gov. Artur de Vasconcelos, 3.015 - Aeroporto Teresina/PI. CEP 64.006-080 Tels.: (86) 3215 7710 Fax: (86) 3221 0181/3222 0409 Secretaria Municipal de Saúde do Paraná Av. João Gouberto, 623 - 3º andar, Sala 301/307. Curitiba/PR. CEP 80.030-000 Tels.: (41) 3350 9303/9333 Fax: (41) 3350 9339/9458 Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro Rua Afonso Cavalcante, 455, Sala 701, Bloco 1 Rio de Janeiro/RJ. CEP 20.211-901 Tels.: (21) 2503 2024/2273/7844/2247 Fax: (21) 2293 4826 Secretaria Municipal de Saúde do Rio Grande do Norte Rua João Pessoa, 634, Edifício Call Center - Centro Natal/RN. CEP 59.025-500 Tels.: (84) 3232 8487/8488 Fax: (84) 232 8487 Secretaria Municipal de Saúde de Rondônia Av. Calama, 4.008 - Embratel. Porto Velho/RO. CEP 78.908-010 Tels.: (69) 222 8035 Fax: (69) 212 0411 Secretaria Municipal de Saúde de Roraima Av. Getulio Vargas, 678 - Centro. Boa Vista/RR. CEP 69.301-031 Tels.: (95) 623 1673 Fax: (95) 623 2005 Secretaria Municipal de Saúde do Rio Grande do Sul Av. João Pessoa, 325, 4º andar - Cidade Baixa Porto Alegre/RS. CEP 90.040-100 Tels.: (51) 3289 2701/2800/2406/3212 6492 Fax: (51) 3216 8827/3289 2827 Secretaria Municipal de Saúde de Santa Catarina Av. Prof. Henrique da Silva Fontes, 6.100 - Trindade Florianópolis/SC. CEP 88.036-710 Tels.: (48) 3239 1505/1507 Fax: (48) 3239 1506 Secretaria Municipal de Saúde de Sergipe Rua Sergipe, 1.310 - Siqueira Campos. Aracaju/SE. CEP 49.075-540 Tels.: (79) 3179 1023/ 1060 Fax: (79) 3179 1023 Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo Rua General Jardim, 36 - Vila Buarque. São Paulo/SP. CEP 01.223-010 Tels.: (11) 3218 4001/4002/4003/4004/4005 Fax: (11) 3257 5321 Secretaria Municipal de Saúde de Tocantins 103 Sul, Rua SO 7, Lote 3 - Centro. Palmas/TO. CEP 77.185-030 Tels.: (63) 3218 5640/5098/5097/5107 Fax: (63) 3218 5332/5098 Secretaria de Vigilância em Saúde / MS 815 A coleção institucional do Ministério da Saúde pode ser acessada na Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde: http://www.saude.gov.br/bvs O conteúdo desta e de outras obras da Editora do Ministério da Saúde pode ser acessado na página: http://www.saude.gov.br/editora EDITORA MS Coordenação-Geral de Documentação e Informação/SAA/SE MINISTÉRIO DA SAÚDE (impressão e expedição) SIA, trecho 4, lotes 540/610 – CEP: 71200-040 Telefone: (61) 3233-2020 Fax: (61) 3233-9558 E-mail: [email protected] Home page: http://www.saude.gov.br/editora Brasília – DF, janeiro de 2007 OS 0044/2007