1 Dispersão e Atração: migrações judaicas para Belo Horizonte Júlia Calvo ∗ Jacques Ernest Levy ∗∗ Daniel de Souza Costa ∗∗∗ Todo processo migratório envolve Dispersão e a Atração. A Dispersão liga-se ao sentido da saída, da transferência de um espaço a outro. A Dispersão implica em uma motivação externa e/ou interna que fizeram com que judeus vindos principalmente da Europa, se dirigissem à Belo Horizonte. A Atração liga-se ao sentido de entrada. Para que a migração ocorra, é necessário a existência de uma acolhida do lugar para onde se pretenda vir, no nosso foco, Belo Horizonte. O artigo aqui apresentado visa discutir as motivações que se realizaram na Europa e em Belo Horizonte, principalmente no século XX, que deram sentido à transferência de grupamentos judaicos para a cidade e contribuíram para a formação da comunidade judaica Dipersão Silvana Hemsi (2005) organiza as definições em torno da noção de dispersão. A autora faz uma distinção entre exílio, êxodo e diáspora. Para a autora exílio é aplicado no caso de expulsão forçada cujo paradigma compreende motivações como perseguições, guerras, quando há um deslocamento de lugar mesmo quando esse deslocamento se dá de forma voluntária. A noção de êxílio também é associado às lutas e resistências e aborda também o desejo de renovação e estabelecimento de uma nova ordem legal. Êxodo refere-se ao movimento de um conjunto de pessoas, é descrito como um épico, como à saída do Egito no qual figuram conquistadores, vencedores. Diáspora, onde os judeus que vieram construir suas vidas em Belo Horizonte se enquadram, significa “a divisão de um grupo étnico entre diversos países, vivendo, simultaneamente, a cultura e identidade do país de presença e guardando, de forma mais ou menos intensa, heranças culturais prévias, de forma organizada” (2005, p. ∗ Historiadora e Mestre em Educação. Pesquisadora do Instituto Histórico Israelita Mineiro, professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e da Escola Theodor Herzl ∗∗ Economista, pesquisador e presidente do Instituto Histórico Israelita Mineiro ∗∗∗ Historiador e Mestre em Educação. Pesquisador do Instituto Histórico Israelita Mineiro e do Observatório do Trabalho da UFMG 2 295). Diáspora é o nome dado ao processo de dispersão dos judeus pelo mundo e a conseqüente formação de comunidades judaicas fora do antigo Reino de Israel. Registra na História Judaica uma primeira diáspora, iniciada no século 6 a.E.C., com a invasão e deportação dos israelitas pelos babilônios com a conquista de Jerusalém. Uma segunda e definitiva diáspora ocorreu no século 1, sob o domínio romano, quando os judeus dispersam para dentro e para fora das fronteiras do Império Romano, fazendo-se presentes, gradativamente em praticamente todas as partes do mundo. É importante ressaltar que cada mudança de lugar e de domínio vivenciada pelo povo judeu vai trazer uma nova marca ao próprio judaísmo. Por exemplo, quando pensamos em uma comida característica judaica, nos atrapalhamos para decidir entre um guefilte fish ou um falafel. Por que nos atrapalhamos? Por que a comida judaica acompanhou as próprias comunidades e suas realidades. Onde viveu judeu foi adaptado uma marca cultural como língua, comida, princípios de conduta e religião. Com a diáspora os judeus dirigiram-se a diversos países formando novas comunidades e esses dois grandes grupos, mais tarde ficariam conhecidos como ashkenazi (de forma genérica aqueles que habitaram a região da antiga Alemanha – Europa Central) e os sefaradi (que empurrados pelo islamismo, migraram para a península Ibérica e, depois, expulsos pela cristandade durante as guerras e a Inquisição, migraram para os Países Baixos, Bálcãs, Turquia, Palestina e, com a colonização, à América. Em tempos de globalização, pensar na dispersão judaica pós-diáspora é perceber que a dispersão tornou o mundo global para os judeus muito antes da queda do muro de Berlim, em 1989. Desde a Antiguidade que as comunidades judaicas de todo mundo se comunicam numa integração própria que lhe foi muito útil durante a Idade Média, articulando o comércio medieval entre o mundo islâmico e o mundo cristão e durante todo o comércio colonial, constituindo de fato uma rede, durante os séculos 15 ao 18. Quanto à presença judaica no Brasil, podemos afirmar que o Judaísmo no Brasil é tão antigo quanto o próprio Brasil, já que a presença judaica representou continuamente uma parcela da nação contribuindo substancialmente para o desenvolvimento econômico e social do país. A História dos judeus, entretanto, não se dissolve na História do Brasil, podendo ser objeto de investigação, como uma singularidade em termos da participação dos judeus na formação histórica da sociedade brasileira. Os judeus brasileiros são judeus da diáspora. 3 Faz-se importante a própria conceituação de migração judaica. Migrações são os movimentos da população no espaço, dentro das migrações internacionais especifica-se a imigração, entrada num outro país com a intenção de fixação; e emigração, deixar um país para ir estabelecer-se em outro. Para fins de compreensão da idéia de dispersão e atração, utilizaremos apenas migração, como deslocamento, sem especificar seus sentidos e direções. Ao longo desses períodos, judeus vieram para o Brasil, ora de modo esporádico e pontual, ora com mais densidade atendendo a estímulos exógenos. Os primeiros judeus que vieram para o Brasil chegaram com a colonização da América, estimulados pela perseguição do Santo Ofício em Portugal e Espanha. No que concerne à imigração judaica, os autores que se dedicam ao estudo da questão propõem periodizações específicas. Sobre a migração judaica para o Brasil, principalmente no que se refere ao período colonial, existe uma variedade de estudos que compõem uma rica bibliografia. Salomão Serebrenick (1962), por exemplo, destaca 8 fases migratórias no período colonial: A primeira, de 1500-1570 é uma fase pacífica, de crescente migração e também integração dos judeus na vida econômica do país. Nessa fase, o autor chama a atenção para a participação judaica no descobrimento, nas primeiras viagens ao Brasil. O empreendimento português precisava de pessoas que se dispusessem a vir residir na colônia, ao mesmo tempo em que os judeus em Portugal haviam se convertido ao catolicismo e muitas vezes mantinham sua tradição religiosa em segredo como criptojudeus e buscavam o país na tentativa de vivenciar um projeto de liberdade . Serebrenick ressalta a participação judaica no sistema de Capitanias-hereditárias, em que judeus corresponderiam à maioria dos integrantes nas expedições comerciais do sindicato de Fernando de Noronha. Segundo o autor, aos judeus cabe o mérito de terem lançado no solo da nova pátria os primeiros marcos da civilização. Aponta, por fim, judeus como participantes, como primeiros colonizadores, na introdução da cana-deaçúcar no Brasil. O autor observa ainda que: “O período de 1530 a 1570 é talvez o único em toda a história dos primeiros quatro séculos do Brasil, do qual se pode dizer que, no seu decorrer, a evolução da vida judaica se entrosou plenamente com a do país, numa cooperação ativa, uma coexistência pacífica e uma integração harmoniosa”.(1962, p. 47). Hoje questionamos essa integração harmoniosa, sabemos 4 que o cristão-novo era tolerado pela sua importante utilidade, porém era deslocado para uma vida marginal. A segunda fase migratória, de 1570-1630, é uma fase tumultuada, caracterizada pelo surgimento de discriminações anti-judaicas. Esse segundo período foi marcado pela proibição da saída de cristãos novos do reino português, que só foi posteriormente concedida em 1627 e legalizada em 1629 mediante pagamento de 250.000 cruzados, (entretanto entende-se que o migração judaica prosseguiu mesmo após a proibição). Outra questão que se levanta como própria dessa fase é o surgimento de restrição à liberdade, levando ao enfraquecimento da vida coletiva judaica. A terceira, de 1630-1654, que corresponde ao período do domínio holandês e determinou um apogeu da organização coletiva dos judeus no Brasil. A ocupação holandesa do Nordeste do Brasil introduziu profundas modificações na vida econômica dos judeus, possibilitando-lhes diversificarem seus ramos ocupacionais, antes circunscritos, em larga escala, à categoria de produtores de açúcar. Os judeus passaram a se destacar nos setores cambiais e comerciais e foram se tornando grandes proprietários urbanos e rurais, participando ativamente da vida econômica em Pernambuco. Esse desenvolvimento judaico levou-os a desavenças junto aos cristãos, mediadas pela ação equilibrada de Maurício de Nassau. Criou-se, assim, em Pernambuco uma sólida comunidade judaica, marcada pela liberdade de culto, pelo desenvolvimento cultural e grande concentração de seus membros na região. A quarta de 1654-1700, foi uma fase crítica na vida dos judeus brasileiros, com incidência de êxodo em massa, desagregação da comunidade e dispersão. Com a queda da colônia holandesa em Pernambuco, a comunidade israelita do nordeste se desagregou. Os judeus dessa região passaram por um processo de dispersão e muitos migraram, principalmente para a Holanda, Guianas, Antilhas e América do Norte. Após o falecimento de D. João IV, em 1656, a Inquisição retomou as perseguições culminando com a promulgação da lei de 9 de setembro de 1683, que determinava a expulsão dos cristãos novos e a aplicação da pena de morte aos que voltassem a Portugal. Esse fato contribuiu para a intensificação da vinda de cristãos novos portugueses para o Brasil, no final dessa fase. A fase subseqüente, de 1700-1770, foi marcada pela intolerância e grandes perseguições. A Inquisição intensificou as perseguições no Brasil, promovendo o terror que se desdobrou por longos 70 anos. A perseguição foi tão violenta que mais de 500 pessoas foram levadas prisioneiras para serem julgadas pela Inquisição de Lisboa. O 5 pânico paralisou o desenvolvimento das relações mercantis da colônia com a metrópole, até que a coroa portuguesa se viu forçada a proibir a continuidade do confisco dos engenhos de açúcar, (cuja maioria pertencia a indivíduos de origem judaica). 1770 a 1824: corresponde à fase pré-assimilatória, marcando o início de um novo ciclo, para a vida judaica no Brasil. As cinco décadas que se seguiram constituem uma fase transitória para uma política liberal que culminou com a proclamação da independência do Brasil. Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, extinguiu as diferenças entre cristãos-novos e cristão velhos, e em primeiro de outubro de 1774, foi promulgada a lei que subordinava o Santo Ofício à Coroa, extinguindo aparentemente a Inquisição portuguesa, entretanto a documentação comprova que a Inquisição continuou atuando, inclusive no Brasil, investigando e prendendo aqueles denunciados como judaizantes. De 1824-1855 temos a fase de Assimilação profunda, marcada por uma diminuição da imigração homogênea e pela igualização dos judeus e cristãos no aspecto jurídico da reforma Pombalina. A mudança neste quadro favoreceu ainda mais a assimilação já que não havia o que sustentasse o insulamento da população judaica que já se encontrava bastante reduzida. O sentimento judaico estava debilitado com o fim das discriminações externas e os judeus difundiram-se rapidamente na população geral, com a qual já se achavam inteiramente identificados, histórica e culturalmente. Outro dado importante a ser ressaltado nessa fase é o enfraquecimento do movimento geral de migração após a independência. É significativo registrar o surgimento do foco judaico da Amazônia, composto dos judeus provenientes do Marrocos, que vieram para o Brasil durante o Ciclo da Borracha, instalando-se na região norte e participantes do desenvolvimento econômico dos núcleos urbanos às beiras do Rio Amazonas. Muitos destes judeus criaram raízes ali e aqui conservaram sua religião e suas tradições judaicas. 1855 a 1900 abrangem a fase pré-migratória moderna caracterizada pelas primeiras levas de migrantes judeus oriundos, sucessivamente, da África do Norte, da Europa Ocidental, do Oriente Próximo e Europa Oriental, que viriam configurar a atual coletividade israelita do país. Na Segunda metade do século XIX, começou a modificarse a situação judaica no Brasil. A população judaica cresceu em número e espalhou-se pelo território brasileiro. Judeus vindos de vários países da Europa Ocidental vieram para o Rio de Janeiro, e de lá irradiavam para os Estados vizinhos. Na última década do século XIX, a migração judaica cresceu com a vinda de judeus do Mediterrâneo 6 Oriental (Grécia, Turquia, Síria e Líbano), da própria Palestina, da Rússia e países vizinhos do Leste europeu e também dos judeus franceses. Essas migrações dirigiam-se principalmente para o Sudeste do país, mas também se disseminaram pelo Sul e Nordeste, incluindo o interior de Minas Gerais e sul da Bahia para a procura e negócios com pedras. O Brasil do final do século XIX apresentava núcleos judaicos espalhados por praticamente todo seu território. Os judeus franceses migraram para o Brasil, fixando-se em São Paulo e Porto Alegre (judeus da Alsacia-Lorena) e outros judeus europeus e muitos judeus russos expulsos pelos diversos pogroms (agressões de multidões fanáticas às comunidades judaicas entre 1870 e 1921) e durante a Primeira Grande Guerra. Na década de 1930, os judeus vieram para o Brasil em busca de oportunidades de negócios e também fugindo do anti-semitismo e, após a eclosão da Segunda Grande Guerra, do extermínio nazista. Segundo Ethel Mizrahy Cuperschmid (1997) a migração judaica foi um fenômeno intenso e único envolvendo considerações sobre o destino desses migrantes. Apoiada em Salo Baron, a autora destaca que de 1880 a 1914, 30% de todos os judeus da Europa transferiram-se para outros continentes levados por fatores econômicos e raciais. Num momento posterior o movimento migratório, antes limitado, converteu-se em movimento de massa. Atração Os judeus em relação à sociedade brasileira vivem a situação de minoria que datam da diáspora. Diversos movimentos da Idade Média e Moderna buscaram um lugar no mundo para os judeus. As ideologias desses movimentos enfrentaram hostilidades que, segundo Hannah Arendt (1990), impediram os judeus de se protegessem como um corpo coeso contra o anti-semitismo. Renato Pfeffer (1997) acredita que, ao contrário, foi justamente nos “laços fracos” das ideologias judaicas que se manteve acesa a discussão sobre o ser judeu e garantiu a sobrevivência do grupo. É importante destacar esse aspecto que responde à uma tendência em implicar à comunidade judaica uma situação de diferenciação e exclusão perante a sociedade em que vive. Manuel Diégues Junior (1964) analisando o quadro da imigração para o Brasil distingue três períodos específicos, combinando o estímulo brasileiro dado à imigração e a ocorrência de grandes correntes imigratórias: 7 O primeiro período vai de 1808 à 1850. É importante ressaltar que 1808 é tomado como marco inicial da imigração para o Brasil, pelo reflexo da Abertura dos Portos no movimento e composição da população brasileira de então. Esse período é marcado por iniciativas migratórias esporádicas e incertas, dificultadas pela presença da escravidão. O segundo período vai de 1850 até 1888, quando a lei de proibição do tráfico é assinada e já surgem efeitos das pressões abolicionistas sobre a relação capital-trabalho. Migrantes de muitas nações vêm para o Brasil, seduzidos pelas propostas de trabalho nas lavouras de café, pelas promessas de acesso à propriedade da terra, pontos de grande apelo na agenda de propaganda da política oficial brasileira de atração de migrantes, no período de transição do trabalho escravo para o trabalho livre. O terceiro período vai de 1888 aos nossos dias, quando a migração encontra espaço mais aberto, nas primeiras décadas aumentando em quantidade e diversidade. É oportuno destacar que o processo migratório nem sempre foi constante ou homogêneo, variando com o movimento do desenvolvimento do país que ora sim, ora não estimulou grandes correntes migratórias 1 . Nas principais ondas migratórias da História brasileira, migrante de uma forma genérica confundia-se com a idéia de trabalhador, “braço” para o trabalho, configurando a inserção do imigrante na economia e política do país. Principalmente nas cidades maiores, estrangeiros competiam no mercado de trabalho com outras classes sociais. Como efeito da situação de competitividade havia uma tendência à aglutinação das pessoas da mesma origem (étnica ou regional) em grupos identificados com valores culturais próprios. Terminada a Primeira Guerra Mundial, a migração judaica ganhou novos incrementos: ocorreu o ideário do “fazer a América” e o desejo de retornar à Europa foi, aos poucos sendo modificado; as condições brasileiras apresentavam-se mais promissoras; e o contexto político mostrava-se propício à recepção de estrangeiros. Ao mesmo tempo, o Brasil foi se tornando um destino cada vez mais recorrente com a restrição à migração para outros países. Segundo Limoncic (2005) o Brasil e a Argentina foram os destinos preferenciais dos judeus que impedidos de ir para os Estados Unidos, dirigiam-se para a América do Sul. O estabelecimento de migrantes no 1 A Crise econômica, os altos índices de inflação e desemprego dos anos oitenta e noventa vêm transformando o Brasil de país que receptor em país que remete migrantes. Nessa década correntes migratórias de brasileiros têm se deslocado para o Japão e os Estados Unidos. 8 Brasil teria instaurado um fluxo migratório em cadeia, familiar trazendo familiar, compondo famílias inteiras no país com a intenção de fixar território 2 . Com isso, no decorrer dos anos 20 e 30, migrantes vindos do leste-europeu (Bessarábia, Ucrânia, Polônia, Lituânia e Romênia) impulsionaram à vida coletiva judaica com a criação de instituições como escolas e sinagogas. Para se adaptar à vida brasileira, a maioria dos migrantes que chegavam aqui sem recursos, dedicava-se às atividades comerciais (clientelchiks). ... entre os imigrantes judeus também houve aqueles que fizeram nome como profissonais liberais e entre eles se destaca a figura do Dr. Samuel Edouard da Costa Mesquita que era casado com uma das ‘três graças’ Mary Roberta Amzalak. Dr. Samuel Mesquita veio ao Brasil em 1860 e exerceu a profissão de cirurgião-dentista, contando-se entre seus clientes o próprio Imperador D. Pedro II. Mais tarde mudou-se para São Paulo e na qualidade de dentista atendeu também em Campinas. Sabe-se que na falta de um rabino para a comunidade israelita de São Paulo, o Dr. Samuel Mesquita preencheu essa função oficiando as rezas nas festividades judaicas. (...) Por outro lado a participação de judeus no desenvolvimento industrial de São Paulo ainda no século passado pode ser lembrada pela figura singular do Visconde de Sapucaí, Luiz Matheus Maylasky, que chegou ao Brasil em 1860 dirigindo-se a Sorocaba onde passou a residir. Sua origem ainda não está totalmente esclarecida mas o seu papel no desenvolvimento e criação da Companhia Sorocaba e a estrada de ferro Sapucaí com o intuito de escoar a produção algodoeira até o porto de Santos lhe valeram o título que passou a ostentar. (...) Ainda como exemplo de iniciativas econômicas significativas para a economia paulista e brasileira, que foram dadas no século passado e o espírito pioneiro que as animaram devemos lembrar a pessoa de Maurício Klabin que aqui chegara em 1887 e fundaria um novo setor industrial, o de papel e celulose”. (FALBEL: 1984. p. 70-71) Na Segunda metade do século XIX as migrações judias coincidiram com uma tendência geral da migração motivadas pela piora das condições econômicas e políticas na Europa Central depois do período napoleônico. No século XX existe uma intensificação das migrações e estruturação das comunidades aqui existentes. Pode-se dizer que na primeira década do século XX, a vida judaica no Brasil estava organizada em torno dos pólos da Amazônia, comunidade sefaradim; das colônias no Rio Grande do Sul, formadas por imigrantes de origem russa; e das comunidades do Rio de Janeiro e São Paulo, resultantes de uma composição migratória cosmopolita. (CUPERSCHMID, 1997: 88) Após o término da Segunda Guerra Mundial, muitos judeus continuaram migrando para o Brasil, visto no exterior como um país de boas oportunidades e maior tolerância. Os migrantes muitas vezes vinham influenciados e sob o empenho de 2 Segundo Flavio Limoncic (2005), após 1925 cerca de dois terços dos imigrantes judeus vinham para o Brasil com passagens pré-pagas por seus familiares já estabelecidos no país. 9 familiares que já residiam no país. Com a política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek 3 são criadas novas oportunidades e tem-se uma nova corrente migratória. As condições de inserção no mercado de trabalho realizavam-se sem muitas dificuldades no final da década de 50 e início dos anos 60, com o desenvolvimento industrial no Brasil. O ideário desenvolvimentista de JK construía um momento histórico particular , em que o capital industrial necessitava de quadros técnicos e de homens de negócios para a gestão de empresas, o que possibilitou a muitos, também aos migrantes empreendedores, fundarem suas próprias empresas. Os migrantes foram incorporados como empresários e trabalhadores especializados à vida econômica do país. Esse momento configura-se para as comunidades judaicas organizadas como um período de ascensão e crescimento e, conseqüentemente, assimilação. Em direção à Belo Horizonte Os judeus em Belo Horizonte se instalaram desde os primeiros anos e até antes da ocupação da cidade planejada (em 1897) 4 e ali, posteriormente, organizaram uma comunidade. A formação de núcleos comunitários perpetua a própria tradição de continuidade, ou seja, dá prosseguimento a uma atitude própria que já se realizava pelos grupamentos judaicos nos seus países de origem. Nos países marcados pela dispersão de judeus para o Brasil havia uma diferenciação que distinguia os judeus no processo do exercício do pertencimento e cidadania e como estrangeiros em seu próprio país acabavam renomeados por força endógena ou exógena 5 (judeu-polonês, judeu-alemão entre outros). Segundo Flavio Limoncic (2005), no Brasil mantiveram a mesma percepção de compor a nação sem integrarem-se totalmente: A definição – a “invenção” – de uma identidade hebraico-brasileira ou hebreu-brasileira (e depois judaico-brasileira ou brasileira-judaica) foi constante no processo de implantação da “colônia israelita” em São Paulo a partir dos anos 1910. De um lado essa identidade hifenizada era adequada a um projeto de inserção e de nacionalização da própria colônia israelita, que 3 HEWLETT(1981) faz uma leitura crítica do governo de Kubitschek, suas políticas e ações. Sob o enfoque da imigração, todavia, o que se evidencia como foco de atração é o discurso do progresso, a retórica dos cinqüenta anos em cinco criando um clima de euforia e fornecendo materiais para o resgate do imaginário do eldorado, da terra da promissão. 4 Em 1894, Arthur Haas inaugurou a primeira loja de materiais e construção em Belo Horizonte: A Constructora. 5 Diferenciados por si próprios para manutenção da própria condição de judeu ou diferenciados numa ação xenofóbica do nacionalismo europeu. 10 era brasileira e, hífen, algo mais. Do outro, era adequada como resposta a uma sociedade que discutia intensamente, entre os anos 1920 e 1940, seu caráter nacional, homogeneidade étnica, projeto nacional e imigração e povoamento, sob um enquadre nacionalista e xenófobo. O que chama de “questão nacional” passou a ser tema onipresente nas discussões intelectuais e políticas do país desde os anos 1920, seja na tradição da direita seja na da esquerda (2005, p. 309) Belo Horizonte é fruto dos esforços do progresso republicano. Cidade inspirada no modelo de reurbanização europeu, principalmente da França do século XIX, a cidade é erguida rapidamente 6 para atender aos desejos de uma elite progressista pela mudança da capital 7 . Os judeus vão compor a cidade como mão-de-obra trabalhadora, empreendedora de uma nova cidade em movimento em direção ao “progresso”. Na capital, os clientelchiks também se fizeram presentes, concentrando-se em áreas de comércio da cidade, como a Rua dos Caetés e adjacênciasque ficou conhecida com “Rua dos Turcos” numa referência aos estrangeiros que ali estabeleceram seus comércios (tecidos e aviamentos, móveis entre outros), majoritariamente de origem sírio-libanesa e judaica. É preciso destacar que turcos era a forma como eram chamados os estrangeiros que vieram da região do Oriente Médio, independente de sua etnia ou nacionalidade. Como a região pertencia ao antigo Império Turco, o passaporte também era emitido pela Turquia e, desta forma, os imigrantes desta região foram assim identificados. É importante ressaltar que a idéia de turco era associada à pobre. Na hierarquia social vinha primeiro o turco, depois o sírio e depois o libanês, considerado mais rico. No caso do migrante judeu, quando pobre era denominado turco e depois denominado de judeu 8 Especificamente para Belo Horizonte soma-se uma novidade no contexto da atração: o renomado ar que cria fama pela sua qualidade. Muitos judeus vieram viver em Belo Horizonte, em migrações internas pelo país, na tentativa de combater a tuberculose, doença infecciosa respiratória, e prolongar e/ou melhorar a qualidade de vida. É importante ressaltar que antes mesmo da fama da qualidade do ar, já havia uma 6 Belo Horizonte foi erguida entre 1894 e 1897, em substituição ao antigo arraial do Curral D’el Rey. A capital de Minas Gerais era Ouro Preto e é importante destacar que na discussão pela mudança, outras cidades já existentes foram cogitadas, como Juiz de Fora. 8 É interessante que o tipo de trabalhado judeu que veio para Belo Horizonte era o prestador de serviço, mais especializado, não era o braçal e esse trabalhado atuava no comércio majoritariamente. Sobre a definição de turco, especialmente, podemos citar dois migrantes, José e Davi Persiano Shamash, que vieram em 1911 e foram abrindo lojas em Minas acompanhando a abertura da Linha ferroviária. Trabalharam com móveis e o sobrenome Persiano, foi justamente uma criação para diferenciação do turco: criou-se o Persiano para não virar turco. 7 11 tradição no tratamento da doença. Haviam médicos e hospitais especializados e pensões para atender o grande número de doentes localizadas próximo ao Hospital Pronto Socorro, na Rua dos Otoni, em Belo Horizonte. Um estudo de Débora Balabran e Helenice Gobbi (2006) discutiu as causas da mortalidade da comunidade judaica em Belo Horizonte no século XX. O estudo coletou a causa-mortis da comunidade e cruzou as informações com a região de origem das pessoas falecidas entre 02/03/1926 e o e 01/06/2003. As autoras apontaram que a tuberculose foi a principal causa de óbito por doença infecciosa nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Após 1960 há uma diminuição das mortes decorrentes de tuberculose, mas continuam a ocorrer mortes devido às seqüelas da doença. As autoras sugerem que sua redução como fruto da intensificação da atuação do Estado no controle da tuberculose, que culminou com a Campanha Nacional Contra a Tuberculose, em 1946, juntamente com o advento dos quimioterápicos contra a doença, na mesma década. O importante é reforçar a percepção de que havia uma população judaica em Belo Horizonte vítima de tuberculose e que, no caso da migração judaica para o município, a boa fama do ar atraía doentes de todo o país, colocando-se como um forte fator de atração que deve ser levado em consideração. Em relação também a isso foi criada em Belo Horizonte a Sociedade de Damas Israelitas, o Froein Farain, , de caráter beneficiente para prestar auxílio aos pobres. No momento inicial de seu trabalho, a associação recebia e dava apoio justamente aos judeus que sofriam com doença respiratória infecciosa, e, que, na sua maioria, eram muito pobres também. Na seqüência o grupo além das visitas, do fornecimento de doações, acomodação e amparo criou também uma caixa financeira e outras formas mais organizadas de auxilio. Quanto à questão de Direitos no Brasil, alternando momentos de maior e de menor liberdade e participação dos migrantes estrangeiros, é importante discutir a própria questão da cidadania. A cidadania é um elemento dentro do universo de comunidades no mundo inteiro. Liga-se a valores que proporcionam, em última instância, o bem maior da comunidade e está vinculada ao fenômeno da participação política. Para Helena Lewin (2005), a modernidade instituiu e separou as categorias de cidadania e identidade, e as de nacionalidade e religião. A força dessa modernidade que estabeleceu a cidadania pelo principio de igualdade individual, nas sociedades, criou 12 condições para que os indivíduos, no mundo e no Brasil, pudessem expor sua condição de diferente. Com isso o judeu não precisava mais encobrir sua condição judaica, mas ao mesmo tempo, tal legalidade da situação de diferente entrou em conflito com a forma tradicional da construção da identidade judaica que era dada pelo nascimento. A autora afirma que: Atualmente ser judeu não é apenas uma questão de nascimento. Além da descendência é necessário haver um ato de vontade em permanecer judeu e construir uma continuidade judaica permanente porque poderosos fatores de natureza centífuga estimulam sua incorporação ao “out-group” em contraface com o “in-group”. (LEWIN, 2005: p. 360) O Estado de Israel, criado em 1948, também foi um fator de fortalecimento do grupo étnico no sentido em estabeleceu melhor a diferença entre os próprios migrantes da cidade (principalmente das regiões do Oriente Médio), implicando no surgimento de conflitos até então quase imperceptíveis e na medida em que institucionalizou a lei do retorno, que se constitui num recurso sempre disponível para identidade, a existência e o possível retorno ao território de origem. Os estudos sobre a permanência dos judeus partiam da diferenciação como forma de continuidade, idéia esta reforçada por Jaime Pinsky, em seu livro Origens do Nacionalismo Judaico (1997) em que faz uma discussão sobre a permanência dos judeus, enquanto judeus, sem uma base territorial. Pinsky discorda dos sionistas e alguns ideólogos de que a condição necessária para manutenção da identidade se fez através da crença em reestabelecer um Estado judeu, a fé no retorno a Sião. Também discorda das visões maniqueístas que transformam tudo na negação de qualquer diáspora ou na negação de qualquer judeu. Para Pinsky: “O judeu era integrado pela rejeição, engendrado como marginal e diferenciado para que não deixasse de existir”.(1997: 17). Dubnow, pensador russo citado em Pinsky, diz que os judeus se mantiveram na história, enquanto nação, através da força interna que lhes permitiu enfrentar as pressões das nações conquistadoras. Quanto à sua formação, Belo Horizonte manifestou uma comunidade dividida pela origem judaica de seus migrantes. Os judeus que aportaram na cidade vinham de regiões diferentes e, portanto, distintas também cultural e religiosamente, eram tanto askenazi (Europa Central) como sefaradi (Região do Mediterrâneo). Segundo Renato Pfeffer (1993) esses grupos no início da formação comunitária se agruparam sob a ausência de uma organização institucionalizada, porém com a maior 13 organização e complexidade da comunidade, os dois grupos foram se diferenciando e foram sendo criados novos grupos. Em Belo Horizonte a comunidade judaica se integrou nas mãos dos migrantes de todas as partes e se organizou a partir de uma singularidade própria que mesclou a própria questão da cidadania, reforçada pelo próprio imaginário da cidade republicana, palco da participação e do desenvolvimento, com a manutenção das tradições que configuraram o grupo diante da necessidade de sua organização e da sua própria continuidade. Belo Horizonte foi marcada por ação social importante dos grupos, a organização comunitária girava inicialmente em torno da manutenção de locais de reza que pudessem concentrar os homens necessários para a realização das orações. A ação social marcou-se pela fundação de sinagogas, clubes, associações, escolas e cemitério. Carregou a marca de uma cidade que precisava se organizar e em que os grupos que a compunham (formado por migrantes nacionais e estrangeiros) e que sentiam-se pertencentes ao projeto de construção e elaboração de uma cidade relativamente nova, onde a tradição e o passado exibiam a possibilidade de terem seu passado em construção, sob a participação destes grupos. A atração para Belo Horizonte se deu por quatro motivações principais: a cidade oferecia oportunidades de trabalho, e os migrantes judeus atuaram principalmente como comerciantes e como prestamistas; haviam centros especializados para tratamento das doenças infecciosas respiratórias, o lugar compunha a rede, a corrente familiar migratória, de parentes ajudando a trazer e adaptar seus familiares e, principalmente o espírito de fundação da própria cidade carregava o sentido de liberdade e progresso, de inventividade e de novidade, de uma cidade sem passado e onde cabia ainda o estabelecimento de espaços e a constituição de territórios, o que atraiu judeus e tantos outros grupos de migrantes. Considerações finais: A relação com a cidade configura o modo de organização da comunidade. Belo Horizonte traduzia em seu imaginário a noção de cidadania, e os judeus migrantes constituíram clubes recreacionais em Minas Gerais, a partir de 1922, com a fundação da 14 União Israelita de Belo Horizonte (UIBH) 9 , com sede à rua Espírito Santo com Guajajaras, e a Escola Israelita, em 1929. É também importante citar a formação do Cemitério Israelita em 1937. Essa marca cidadã acompanha a comunidade judaica de Belo horizonte que, principalmente após a constituição do Estado de Israel, traduz a disputa das lideranças e a divergência das correntes religiosas e ideológicas levando o surgimento de novas instituições. A própria questão da Mineiridade, demonstra a existência de laços afetivos próprios que foram sendo criados. A hospitalidade mineira produziu laços e inserção entre os judeus e a comunidade maior. Hoje, no mundo globalizado e diante da possibilidade cada vez maior de desenraizamento, as migrações não consolidam mais um aumento significativo da comunidade judaica de Belo Horizonte, inclusive por causa da diminuição da visibilidade do grupo frente a comunidade da cidade. Nas primeiras décadas a comunidade era formada basicamente por estrangeiros, hoje, a maioria da comunidade são judeus nascidos no país, de 2ª, 3ª e 4ª gerações. Na maior parte do tempo a comunidade e seus membros se mesclam à sociedade belorizontina passando despercebidos como grupo, mas percebidos enquanto cidadãos. Referências: Arquivo do Instituto Histórico Israelita Mineiro (IHIM) . BALABRAM, Débora; GOBBI, Helenice. Padrão de mortalidade da comunidade judaica de Belo Horizonte no século XX. In.: Revista da Associação Médica Brasileira. São Paulo Nov./Dec. 2006. p.p. 409-412. CALVO, Júlia. Conversando com Frida Böhmerwald: reflexões de uma História de Vida. Monografia de graduação apresentada no curso de História da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Orientadora: Elisabeth Guerra Parreiras Baptista Pereira. (não-publicada), 1994. ________. Compreendendo-se Judeu: educação da diferença numa sociedade pluricultural. Dissertação apresentada no curso de mestrado em Educação do Departamento de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Mato 9 A Fundação da União Israelita se deu prioritariamente para servir como local de rezas e encontro comunitário e foi, ao mesmo tempo, fruto de distensões políticas entre os auto-denominados progressistas e AP-progressistas. 15 Grosso. Orientadora: Drª Maria de Lourdes Bandeira DeLamônica Freire. (não publicada), 2000. CUPERSCHMID, Ethel Mizrahy. Judeus entre dois mundos: A formação da Comunidade Judaica de Belo Horizonte (1922-1961). Dissertação apresentada no curso de mestrado em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. 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