do trabalho

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PERETTI, Clélia (Org.) Congresso de Teologia da PUCPR, 10, 2011, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: Champagnat, 2011.
Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/congressoteologia/2011/
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HIV/AIDS – na ótica dos quatro “Hs”. O fenômeno
HIV / AIDS - from the viewpoint of the four "Hs”. The phenomenon
Osnilda Maria de Souza1
Resumo
A idéia de que o vírus HIV/AIDS era uma doença que atingia primeiramente os
homossexuais, e de ser uma doença masculina conduziu ao pensamento de que esta doença
ficaria restrita a esse grupo. Com o decorrer do fenômeno constatou-se que outros grupos
estavam sendo atingidos e surgem os quatros “Hs” referentes ao fenômeno HIV/AIDS a)
Homossexuais, b) Heroína e seus usuários, c) Haiti e os pobres, d) Hemofílicos. A sociedade
se esqueceu do quinto “H”, os Heterossexuais responsáveis pelo preconceito, pelo estigma
dos portadores do HIV/AIDS na década de 80, e também da vulnerabilidade das mulheres
casadas causando assim a feminização do HIV/AIDS. Apesar do esforço para o controle da
doença, essa continua progredindo em escala mundial. O fenômeno HIV/AIDS e sua história
são detectados em 1982 pelo Centro de Controle de Doenças (CDC) em Atlanta (EUA) e
denominada síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS). No Brasil a expansão do vírus
pode ser traduzida nos fenômenos de pauperização, feminização e heterossexualização. A
corporalidade e a sexualidade afetada pelo preconceito levam os portadores a uma vivência
sofrida e preconceituosa, matando mais que o próprio vírus causando sofrimento por falta de
compreensão da sociedade na época e também nos dias atuais.
Palavras-chave: HIV/AIDS. Heterossexualidade. Vulnerabilidade. Feminização. Preconceito.
Abstract
The idea that HIV/AIDS was a disease that was first homosexuals and being a male disease
led to the thought that this disease would be restricted to this group. With the passage of the
phenomenon was noted that other groups were being achieved and comes up the four "Hs"
referring to the phenomenon of HIV/AIDS: a) the Homosexual), b) heroin and its users, c)
Haiti and the poor, d) Hemophiliacs. The society has forgotten fifth "H", the heterosexual
responsible for prejudice, by the stigma of HIV/AIDS in the Decade of 80, and also of the
vulnerability of married women causing the feminization of HIV/AIDS. Despite the effort to
control the disease, this is still progressing on a world scale. The phenomenon of HIV/AIDS
and its history are detected in 1982 by the Center for disease control (CDC) in Atlanta (USA)
and called acquired immunodeficiency syndrome (AIDS). In Brazil the spread of the virus can
be translated in the phenomena of pauperization, feminization and heterosexualization. The
embodiment and sexuality affected by bias lead carriers to a existence suffered and
prejudiced, killing more than the virus itself causing suffering through lack of understanding
of society at the time and also in the present day.
Keywords: HIV/AIDS. Heterosexuality. Vulnerability. Feminization. Prejudice.
1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUCPR. Bacharel em Teologia pela PUCPR.
E-mail: [email protected].
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A descoberta da síndrome da imunodeficiência humana - HIV -no Brasil
A Síndrome foi identificada pela primeira vez no Brasil em 1981, caracterizou-se por
uma sub-notificação de casos expressivos, decorrentes de preconceitos e do estigma da
doença relacionada ao nível socioeconômico da população atingida. Inicialmente restrita às
grandes metrópoles, como Rio de Janeiro e São Paulo. Porém, logo se expandiu para outras
capitais e para o interior do país, atingindo, no ano 2000, 60% dos municípios brasileiros. A
idéia inicial de que o vírus HIV era de que o HIV/AIDS que atingia em modo particular os
homossexuais, e de ser uma doença tipicamente masculina conduziu ao pensamento de que
esta ficaria restrita a esse grupo. Houve como conseqüência disso um atraso no processo de
formação de uma consciência social sobre a necessidade de se tomar medidas públicas mais
urgentes que evitassem a disseminação da epidemia entre os outros segmentos e entre a
população geral. Foi à conscientização e o ativismo de grupos organizados de homossexuais
que conduziram a uma mudança na forma de pensar a prevenção e a assistência, bem como na
defesa dos direitos humanos. Nos anos 80, o sociólogo Herbert Daniel apresentou-se como
uma forte liderança no movimento homossexual brasileiro. O sociólogo lutou contra a
discriminação trazida pela AIDS e contribuiu para uma reflexão para além das questões
meramente sexuais e comportamentais.
Com o desenvolvimento do fenômeno do HIV/AIDS além dos Homossexuais outros
grupos foram sendo atingidos, dando origem ao que denominamos neste estudo de fenômeno
dos quatros “Hs”: a) Homossexuais; b) Heroína e seus usuários; c) Haiti e os pobres; d)
Hemofílicos. A esses fenômenos acrescentamos um quinto “H”: os heterossexuais. A
sociedade se esqueceu desse último “H”. Hoje se considera que o grupo dos heterossexuais,
responsáveis pelo preconceito, pelo estigma e pela vulnerabilidade feminina ao HIV/AIDS.
Apesar de políticas de prevenção e de enfrentamento da infecção e da doença, o fenômeno do
HIV/AIDS continua se propagando em escala mundial. Dados dos Boletins Epidemiológicos
do Ministério da Saúde nos informam que no Brasil a expansão do vírus vem sendo
identificada nos fenômenos de pauperização, feminilização e heterossexualização.
A corporalidade e a sexualidade afetadas pelo preconceito e pelo estigma levam os
portadores a uma vivência sofrida e preconceituosa, podendo, psicologicamente, matar mais
que o próprio vírus. “Embora a medicina moderna fosse criando a ideia de onipotência e
afirmando que todas as doenças eram curáveis e que finalmente a morte não podia existir eis
que surge o vírus, o HIV, que se esconde no sistema imunitário, nas células que definem,
articula, constroem esse sistema” (HERBERT, 2002, p. 11). O fenômeno do HIV/AIDS
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revela para o séc. XX que a morte é absolutamente inevitável e que a humanidade esta frente
a uma epidemia. E é o ser humano que sofre, sente medo, é e se faz vítima de estigmas e
discriminações que impedem a viver a esperança e a fé, dimensões essenciais para o
enfrentamento e a prática do cuidado para consigo e com os outros.
Há um conjunto de teorias a respeito do surgimento do vírus, mas nenhuma delas
chegou a comprovar realmente sua origem. O fenômeno do HIV/AIDS foi descoberto em
1981 por profissionais do Serviço de Epidemiologia do Centers of Disease Control (CDC),
famoso centro de pesquisas médicas de Atlanta, Geórgia.
Os epidemiologistas do CDC tiveram conhecimento de dois relatos sobre a ocorrência
de sarcoma de Kaposi associado à pneumonia intersticial provocada por Pneumocystis carinii
(PCP) em homossexuais masculinos.
A primeira manifestação clinica apareceram na África subsaariana, região em que
existe uma espécie de macaco conhecido como macaco verde africano (Cercopithecus
aethiops) portador do vírus SIV que, segundo deduções cientificas, pode ter sofrido mutações
e se transformado em um vírus agressivo ao organismo humano, denominado human
immunodeficiency vírus (HIV). Nos anos 50 era utilizado o sangue de macacos nas pesquisas
para elaboração de uma vacina para a malária. Foram feitos experimentos com pessoas e
acredita-se que desta maneira, passou-se o vírus para o homem. Contudo se constatou que o
SIV não provoca AIDS em seres humanos (KOINONIA, 2010, p. 24).
Estudiosos afirmam também que a doença foi resultado de experimentos em um
laboratório de engenharia genética, no qual o vírus por acidente contaminou pessoas que
propagaram por sua vez o vírus. Outra teoria afirma que o HIV pode ter sido produto da
mutação, ou seja, (alteração nas características de estrutura e comportamento) de um vírus que
já existia em forma natural no homem (KOINONIA, 2010, p. 24).
A identificação do vírus se deu em 1983, no Instituto Pasteur de Paris, e foi liberada
pelo pesquisador Frances Luc Montaigner. O vírus da imunodeficiência humana (HIV)
pertence à família dos retrovírus. Como todos os vírus, ele vive e se reproduz somente dentro
das células vivas de um organismo usadas como hóspedes. Esse vírus pertence à família dos
virulentos, denominados assim por seu prolongado período de incubação, que compreende o
período que transcorre desde o momento em que a pessoa se infecta até a manifestação das
enfermidades. Este período é conhecido por assintomático, ou seja, o tempo que o HIV leva
(de 5 a 12 anos), para se manifestar os sintomas das enfermidades provocados pela entrada do
vírus HIV no organismo da pessoa. O vírus tem preferência por glóbulos brancos do sangue,
chamados de linfócitos T-4 ou CD4, considerados como o coração do sistema de defesa do
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organismo. Os vírus penetram nos linfócitos, se reproduzem em seu interior, até que
explodem, liberando desta forma mais vírus, que por sua vez atacam outros linfócitos,
repetindo esse processo durante vários anos. Com essas explosões, os linfócitos se
enfraquecem, diminuindo seu número deixando o organismo sem defesas. É ai que então
aparecem os sinais e os sintomas da AIDS, ou as doenças oportunistas. O vírus fora do
organismo é muito frágil, ele se destrói facilmente no meio ambiente, ou pelo uso de
desinfetante ou água sanitária ou soluções a base de cloro.
A grande vantagem que temos hoje em relação ao HIV/AIDS, é que agora
conhecemos as formas de transmissão ou como se passa de uma pessoa para outra. Três
formas básicas de transmissão já foram identificadas, sendo ela: a transmissão sanguínea por
meio de transfusão de sangue ou de seus derivados; a transmissão sexual - ficou comprovada
que o vírus se encontra em maior proporção no sangue, no sêmen e nos fluidos vaginais – e, a
transmissão vertical - transmissão do vírus de mãe para o filho. Essa transmissão pode ocorrer
tanto na gravidez como durante o parto quando o bebê fica exposto às secreções genitais da
mãe, mas essa forma de contágio tem sido difícil de ser comprovada, porque a transmissão
pode ter ocorrido antes, por meio da placenta.
Enfatizamos a esse ponto a importância de conhecer como o vírus é transmitido, pois
acreditamos que por falta de informações e conhecimentos básicos, muitas pessoas acabam
assumindo atitudes de preconceitos e de rejeição para com as pessoas infectadas. Tal atitude
pode agravar ainda mais a problemática das pessoas contagiadas. È importante, destacar que o
HIV, por ser um vírus pouco resistente fora do organismo e por necessitar de elementos
específicos para sua transmissão, não há a possibilidade de transmissão por contatos sociais.
O HIV/AIDS e o enfrentamento social
No Brasil, de acordo com os dados dos Boletins Epidemiológicos, o número de novos
casos cresceu entre 2008 e 2009. Só no ano de 2009 foram descobertos 38.538 portadores do
vírus HIV, contra 37.465 casos em 2008. A diferença é de 1.073 e representa um crescimento
de 3% de um ano para o outro. Os dados aqui apresentados são do dia 01 de dezembro de
2010, do Ministério da Saude.
O balanço integra estudo divulgado pelo Ministério da Saúde e mostra que a
incidência, ou seja, a proporção de infectados em relação à população geral,
também cresce. Em 2007, havia 19,7 pessoas com AIDS em cada grupo de
100 mil habitantes. Em 2008, o número passou para 19,8 e chegou a 20,1
pessoas em 2009. Hoje, estima-se que haja 630 mil pessoas com a doença,
mas parte delas, algo em torno de 255 mil, não sabe disso ou nunca fez o
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teste do HIV. O Ministério da Saúde, porém considera que o número de
casos no Brasil é estável e está compatível com outros países semelhantes.
Um dos motivos para o crescimento seria o maior número de diagnósticos
realizados.
O Ministério da Saúde considera os dados preocupantes e o balanço mostra que a
proporção de infectados em relação à população em geral, também cresce. “O Brasil foi o
primeiro país em desenvolvimento e entre as nações todas que facilitou o acesso a
diagnóstico, a troca de seringa, o respeito aos direitos humanos, a ter preservativo distribuído
no país inteiro, (notícias. r7.com/saude/noticias/entre-os-jovens-mulheres-já-lideram-emcasos-de-AIDS-20101201)”. Porém o problema está muito distante de ser resolvido apesar das
medidas tomadas e é papel de todos convencerem as pessoas da necessidade de buscar acesso
(a diagnósticos e prevenção) de qualidade. Ainda pelos dados mais atualizados do Ministério
da Saúde, lemos:
No que se refere à distribuição geográfica da os dados mais atualizados são
de 2009 e mostram que a região sul tem maior incidência na população: 32,4
pessoas têm HIV/AIDS em cada grupo de 100 mil habitantes nos Estados do
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em seguida vêm a região do
sudeste, com, 20, 4 pessoas infectadas por 100 mil habitantes. Na região
Norte com 20, 1 seguida por Centro-Oeste 18 pessoas e por ultimo, Nordeste
com 13,9. Desde 1980, quando o levantamento começou a ser feito, até
junho de 2010, foram registrados 592,914 pessoas com a doença. Dessas, ao
menos 229.222 já morreram (Registro de óbitos até 2009). Na série histórica,
que leva em conta esses 30 anos, o Sudeste teve o maior número de casos:
344.150 (58% do total do país), seguido pela região Sul, com 115.598
registros (19,5%), Nordeste, com 74.364 (12,5%), Centro-Oeste, 34.057
(5,7%) e Norte, com 24.745 casos registrados (Renan Ramalho do R7, em
Brasília. -01/12/2010 as 11h34.)
A AIDS se constitui dessa forma um problema para a saúde dos países. O aumento da
incidência da epidemia em todo o mundo em homens, mulheres e crianças independente de
grupos, classe ou religião vem criando uma grande crise nos sistemas públicos de saúde. A
afirmação de que não existem grupos de riscos, mas pessoas vulneráveis extrapolam o
controle social o controle dos comportamentos individuais, principalmente àqueles ligados à
sexualidade e identidade de gênero. A propagação da epidemia depende também do
comportamento dos outros indivíduos, das condições sociais, de acesso aos serviços de saúde
e da existência de políticas públicas eficazes.
Os dados acima citados revelam que cada dia mais pessoas contrai o vírus HIV, e há
um número crescente de mulheres casadas que supostamente vive uma relação estável no
casamento, se vêem convivendo com o vírus. Cresce dessa forma o fenômeno chamado de
feminização do HIV. Não se trata apenas de uma questão relacionada à saúde, mas é também
de ordem socioeconômica, moral e espiritual. A declaração dos direitos fundamentais da
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pessoa portadora do vírus da AIDS, aprovada no encontro da Rede Brasileira de
Solidariedade, em 1989, citado na revista AIDS e igrejas um convite à ação, consideram a
solidariedade, a luta pelos preconceitos, a discriminação, e também assegura informações
claras, assistência, proíbe o isolamento ou quarentena, garante a liberdade da pessoa, como
também garante a participação em todos os aspectos da vida social, essas garantias devem sair
do papel e se tornar vida para as pessoas com HIV positivo ou com AIDS (KOINONIA,
2010). Uma das questões para uma luta mais eficaz seria a conscientização mais apurada de
que pessoas com HIV/AIDS não são pessoas que vão infectar contaminar pelo toque, pelo
abraço, pela convivência, por meio de copos compartilhados, panelas, talheres ou outros
utensílios domésticos.
Para pessoas e comunidades/Igrejas cristãs trata-se de assumir atitudes humanas. É
teologicamente relevante fazer menção aqui à atitude de Cristo que acolhe a todos, cegos,
enfermos, paralíticos, prostitutas dentre outros e, para cada um, tem um cuidado especial.
Atitudes moralistas são tão mortais para o portador quanto o próprio vírus, estas matam
espiritualmente a pessoa humana.
Uma questão básica a ser destacada é que o discernimento ético é parte integrante da
moral cristã e base da fundamentação teológica e não apenas quando a teologia dirige sua
atenção aos direitos humanos. Quando teologia, fé e espiritualidade são vistas menos como
construtos abstratos e mais como experiência e postura de e diante da vida nas suas relações,
então elas se tornam realidades presentes nas práticas de cuidado e de lutas na defesa da vida.
Afirmar a vida plena como nosso referencial primeiro, dádiva de Deus para ser vivida
abundantemente e pacificamente é o grande ministério para o qual as Igrejas foram chamadas.
Faz parte da essência da missão da Igreja ser uma comunidade de cura, uma comunidade que
acolhe que vê encarnado no rosto de quem sofre o rosto de Cristo. Quando as Igrejas
assumem atitudes de discriminação, preconceitos e se tornam julgadoras, deixam de afirmar
sua missão.
A Revista AIDS e igrejas: um convite à ação, produção de Koinonía, afirma que:
A Igreja tem um mandato para consolar (2 Cor 1,3-5) – “Bendito seja o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de
toda consolação...” e ainda (2Cor. 5, 19) – Para reconciliar - “ Pois era Deus
que em Cristo reconciliava o mundo consigo, não imputando aos homens
suas faltas e pondo em nós a palavra de reconciliação”. O versículo (1Cor
13), nos diz para amar. E para ministrar, o texto de Mt 25, 35-37 – “Pois tive
fome e me deste de comer, tive sede e me deste de beber. Era forasteiro e me
acolheste. Estive “nu e me vestistes, doente e me visitaste, preso e vieste verme” (AIDS e Igrejas, p. 19).
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Diante dessa citação paradoxal em que é o Evangelho a definir a relação especial de
Jesus para com doentes e excluídos da comunidade, afirmamos a necessidade de se introduzir
nas ações práticas das igrejas uma teologia mística que privilegie as experiências humanas
que brotam do fundo da existência de cada pessoa.
O fenômeno do HIV/AIDS clama por uma teologia que enfatize que Deus é maior do
que nossas palavras e os nossos pensamentos, sempre maiores e diferentes. É o Deus do amor,
da misericórdia e da confiança. Ele mesmo disse: “Eu vim para que todos tenham vida... (Jo,
10,10)”;... “Eu passei fazendo o bem, eu curei todos os males” (Mc 7,37); “ ... Entreguei a
minha vida pela salvação de todos" (Jo 10,15); " ...vim buscar e vim salvar o que estava já
perdido ..." (Lc 19,10); "eu não deixo perecer nenhum daqueles que são meus" (Jo 18,9); "…
da ovelha desgarrada eu me fiz o bom pastor" (Jo 10,11).
Lê-se num dos depoimentos escritos no livro História de Coragem de Luiz Carlos:
Conviver com pessoas que me cercavam que me amavam, com os meus
amigos, meus queridos familiares, meus médicos, era enfim, uma boa razão
para continuar a batalha, a guerra contra o vírus. – “Hei! Psiu! Você que me
Lê, me ouve ou que soube que esta contaminada, não se assuste! Estamos em
novos tempos, esperanças renovadas já existem. O mais importante é ter
disciplina, não se entregar. Só depende de nós mesmos viu/ AIDS não mata,
mas o preconceito, sim (Autores Diversos, 2002. p.148-149)
O cuidado como prática fundamental na saúde e na pastoral faz parte do ser humano.
O cuidado na sua dimensão mais ampla tem como princípio uma forma de viver plenamente e
não apenas uma como uma exceção de tarefas para promover o conforto de alguém. Ao nos
reportamos à vida de pessoas com HIV/AIDS, pessoas estigmatizadas e discriminadas, muito
ponto éticos serão trazidos a tona, pontos estes que englobam os direitos e as necessidades do
indivíduo e o bem comum. Em meio a essas questões à ética voltada para o cuidado do
portador do HIV/AIDS, demanda um cuidado que tenham em vista suas particularidades e
suas estigmatizações por parte da sociedade.
A feminização e a heterossexualização do HIV/AIDS
Nos itens anteriores já afirmamos que em 1984 os índices de pessoas com HIV/AIDS
se situavam entre os homossexuais e bissexuais masculinos, já nos anos seguintes mostrou-se
uma estabilização devido a uma mudança de comportamento no sentido das práticas sexuais
mais seguras.
O contexto atual no qual se situa o fenômeno do HIV/AIDS é marcado por profundas
transformações. O HIV/AIDS não é apenas um fenômeno restrito ao gênero homossexual,
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bissexual, aos pobres e aos usuários de drogas, é um fenômeno que abrange os heterossexuais
sendo essa uma das mais importantes características que marca a dinâmica da epidemia em
quase todas as regiões do Brasil, com aumento significativo de 6,6% em 1988, para 39,2% em
1998 de casos de mulheres infectadas.
Em municípios com uma população com menos que 50 mil habitantes segundo dados
apresentados pelo Ministério da Saúde em: (noticias. r7.com/saude/noticias/entre-os-jovensmulheres-já-lideram-em-casos-de-AIDS-20101201.), a transmissão da doença nesses se
revelou predominantemente por contatos heterossexuais. Entre as mulheres, 57% são donas de
casa, em todos os níveis de escolaridades, na faixa etária de 20 a 39 anos, esses dados são
casos registrados até junho de 2000. Dados mais recentes mostram que para cada dois homens
que contrai o HIV, há uma mulher que adquiriu o vírus. Esse processo se constitui naquilo
que denominamos como feminização da doença. Dados do Ministério da Saúde em 2009
indicam que 50% dessas mulheres contraíram o HIV do seu parceiro. E uma das principais
razões é que a mulher em sua submissão ainda não conseguiu exigir seus direitos no uso de
preservativos nas relações sexuais, com seus parceiros estáveis.
Em todo o mundo, o estigma do HIV é expresso através da rejeição pessoal,
discriminação direta e indireta e leis que privam pessoas que são afetadas pelo HIV e AIDS
dos seus direitos. O preconceito de que o HIV/AIDS é uma “praga” que atinge pessoas com
comportamento sexual dito como “promiscuo” - ou “permissivo” – muitas vezes se constitui
atém de ameaças a eficácia da prevenção e dos programas de cuidados do HIV/AIDS,
desestimulando as pessoas a fazerem o teste e a procurar informação sobre como se podem
proteger a eles próprios e a outros. O estigma e a descriminação têm um impacto destrutivo
nas comunidades desfavorecidas, já estigmatizadas e marginalizadas. Assim muitas mulheres
se contaminaram por falta de informação e por desconhecer o companheiro.
É notório que os julgamentos das pessoas sobre o que acontece a si mesma e aos
outros, bem como circunstâncias e condutas que o provocam, assumem um papel de
relevância em suas relações com a vida e com as demais pessoas que a cercam. Talvez a
primeira pergunta que nos ocorra seja: quem é o responsável? Em tempos de HIV/AIDS está
pergunta é viva na memória das pessoas. Enfatizamos no artigo que a causalidade pessoal
(interna) e a causalidade impessoal (externa) são formas básicas de transmissão. No decorrer
da expansão do fenômeno do HIV/AIDS, consideramos como os “grandes culpados” os
homossexuais, os usuários de drogas; os pobres marginalizados de Haiti e os hemofílicos.
Nossa grande dificuldade consiste, ainda, em falar do grupo dos heterossexuais, definido por
nós neste artigo como o quinto “H”.
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O fenômeno da feminização do HIV/AIDS, objeto também de nossa pesquisa no
mestrado, já tem nos revelado a grande incidência que as relações heterossexuais têm no
aumento de casos de mulheres em relações matrimoniais monogâmicas estáveis. Estudos
revelam que mulheres portadoras de HIV/AIDS, responsabilizam a desonestidade de parceiros
que não evitaram disseminar o vírus culpando as próprias vitimas pelo seu infortúnio. E se
tratando do crescente número também de crianças portadoras do vírus, há diferenças
significativas entre os portadores quanto ao tipo de atribuição à AIDS em função das diversas
vias de contágio do vírus e das fases distintas da infecção. Deparamo-nos diante de um
fenômeno que as estratégias de prevenção e de enfrentamento se tornam cada vez mais
complexas devido tanto às vulnerabilidades individuais quanto sociais.
Vulnerabilidade como critério para orientar as atividades de prevenção
As mudanças nas abordagens epidemiológicas de grupo de risco para comportamento
de risco e, em seguida, para vulnerabilidade, permitiram ampliar o foco de atenção para a
sociedade como um todo e não apenas para grupos isolados. Mesmo assim, essa alteração no
olhar da sociedade não foi capaz de promover uma mudança efetiva no que se refere ao
estigma associado à doença. Os diferentes graus e natureza da vulnerabilidade individual e
coletiva frente à infecção, adoecimento e morte pelo HIV questionam amplamente os padrões
sociais tradicionalmente aceitos. É importante enfatizar que a vulnerabilidade como conceito
incorpora, ainda, a dimensão socioeconômica nos estudos da AIDS e essa se constitui como
um instrumento para quantificar as possibilidades de adoecimentos, a partir de eventos e
relações de causa-efeito entre o aparecimento de doenças e outros eventos e condições de
vida. Estamos cientes de que nossa fragilidade ou nossa capacidade de enfrentar desafios
depende do conjunto de medidas integradas do âmbito individual, social e institucional. Por
isso, o comportamento associado à vulnerabilidade não pode ser entendido como uma
decorrência imediata da vontade pessoal. A vulnerabilidade está relacionada às condições
objetivas nas quais os comportamentos acontecem e ao efetivo poder que as pessoas e grupos
sociais podem exercer para transformá-las.
Por exemplo, a vulnerabilidade social das
mulheres está associada com a desigualdade nas relações com seus parceiros. Quantas jovens
não conseguem negociar o uso da camisinha nas relações sexuais? Quantas adolescentes
“apaixonadas” se submetem a faz qualquer coisa para que o namorado fique com ela, mesmo
sabendo que sua vulnerabilidade aumenta? Se por um lado observamos que a vulnerabilidade
quando vista sob o enfoque da dimensão social estimula políticas destinadas capazes a mudar
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a realidade e a construir um poder mobilizador nos diferentes setores da sociedade. Por outro
lado, percebe-se que vulnerabilidade favorece uma abordagem de transdisciplinaridade da
doença e contribui para revitalizar a perspectiva de uma abordagem global da epidemia, nos
moldes que afirmam a importância dos diretos Humanos como elemento fundamental para a
definição de objetivos e estratégias de sua redução. O conceito de vulnerabilidade nos ajuda,
ao mesmo tempo, ampliar os horizontes para criar ações preventivas geradoras de saúde e
interligadas entre o social, institucional e pessoal.
Articuladas entre si, esses três componentes permitem construir uma visão
mais ampla dos problemas de saúde. Os planejamentos de programas e ações
com base no conceito da vulnerabilidade só é uma ferramenta útil para a
mudança das realidades de saúde se tomamos em conta que as pessoas não
são em si vulneráveis, mas podem estar vulneráveis a alguns agravos e não a
outros, sob determinadas condições, em diferentes momentos de suas vidas.
O conceito de vulnerabilidade busca relacionar os dados científicos a
respeito do HIV e da AIDS às dimensões sócio-culturais e econômicas da
epidemia para permitir a realização de um trabalho preventivo mais eficaz,
mais humano e mais ético (Brasil Ministério da Saúde, 2006: 33 -36).
Desde 1980, o HIV/AIDS é uma realidade que suscita a necessidade de envolver um
número sempre maior de forças para lutar contra a doença, força maior que já aproximou o
Ministério da Saúde e a Igreja com a finalidade de contribuir na tarefa da contenção. A
CNBB, em 2002, em reunião com o Ministério da Saúde e a coordenação Nacional de
DST/AIDS cria a Pastoral da AIDS. O serviço da Pastoral da AIDS na contenção da doença
se apresenta assim como um ministério que envolve a todos. Os progressos realizados no
tratamento da AIDS são muitos, mas ainda frágeis para atender um grande contingente de
pessoas contaminadas. Esse frágil progresso necessita do nosso apoio para em ações de
educação e de conscientização das pessoas sobre o valor inestimável da vida. O profeta
Oséias, em outro contexto, mas que pode nos ajudar a profetizar sobre o nosso já dizia: “O
meu povo morre por falta de conhecimento” (Os 4,6). É preciso, que todos os que se
empenham na luta contra a AIDS, se dêem conta de que: “Muitos morre de AIDS porque não
conhecem as formas de prevenção, não sabem os vários estágios da infecção, ignoram as
doenças oportunistas, suas causas e sintomas, desconhecem os modos concretos de evitar o
contágio ou de tratar as doenças ligadas ao HIV” (CZERNY, 2004, p. 812 apud BERNARDI).
De acordo com Frei Lunardi, quanto mais cedo ofertarmos as propostas de tratamento,
mais chances terão de ajudar a diminuir a propagação do vírus, pois “diminuí a carga viral no
sangue das pessoas precocemente. As pessoas cuja carga viral foi reduzida a níveis
indetectáveis têm 92% menos chance de transmitir o vírus” (LUNARDI, 2011).
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Dessa constatação concluímos a urgência em propor uma educação que se utilize de
todos os meios e recursos, para conscientizar “as populações” sobre o valor da vida. O
fenômeno do HIV/AIDS nos leva assim a um repensar a teologia dentro da dimensão da
esperança. O Deus da vida, dentro deste tipo de situação, sustentada por uma confiança,
renovada na visão escatológica ou da Escritura, irá fazer todas as coisas novas. A Igreja está a
serviço de um povo de esperança, de um povo que vive na esperança que Deus está presente
em suas promessas. É este o sentido do chamado, a dar para as dimensões da existência
humana e social contagiada pelo vírus do HIV/AIDS.
Conclusão
O risco e a vulnerabilidade tornam-se essência no que concerne a contaminação e a
transmissão da doença junto a grupos diversificados. Há muitos estigmas e discriminações
que oprime àqueles que são acometidos ou os mais vulneráveis à infecção pelo HIV. Registrese que as repercussões negativas do estigma e da discriminação conduzem em longo prazo a
uma instabilidade ainda maior, pois novas infecções continuarão acontecendo, uma vez que os
obstáculos sociais que se têm construído não poderão conter a epidemia.
A convivência com o HIV/AIDS é muito dolorosa e às vezes solitária devido à falta de
informações devidas e verdadeira sobre a epidemia. Muitos sofrem pelos descasos e por
sentirem vergonha e exclusão causadas pelo preconceito. Mesmo com os esforços para
controle do vírus ainda a falta de informação e o silencio social contribui para a progressão
em escala mundial do contagio pelo vírus. Também outro fator é a pobreza e uma vontade
política mais humanizada de todos os setores sociais religiosos e institucionais que se faz
necessário.
Muita coisa mudou com relação ao modo como se convive com a doença. Se, no
passado era quase sinônimo de morte, hoje essa realidade mudou. Muitas pessoas que foram
contaminadas entre as décadas de 80 e 90 que conseguiram sobreviver, vivem normalmente,
têm uma vida saudável e, fazendo os exames regularmente, cuidando da alimentação e da
saúde para não ficarem doentes, conseguem ter uma vida normal. A luta maior é superar
muitas vezes o próprio preconceito e o preconceito da sociedade, causa uma dor maior e pode
matar mais que o vírus, pelo isolamento que a pessoa impõe a si próprio ou pela
desinformação sobre o contágio e a própria doença.
Nesse sentido a Igreja é chamada a participar no processo de informação,
solidariedade e educação para a prevenção e na assistência as pessoas, com grupos de
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aconselhamento pastoral capacitados e uma pastoral ativa na luta contra o preconceito e que
proporcionem um clima de amor, aceitação e apoio as pessoas vulneráveis ou afetadas pelo
HIV, e que reflitam juntos sobre a base teológica de sua resposta aos problemas criados pela
AIDS, bem como as questões éticas causada pela pandemia.
As experiências e as vivências da vulnerabilidade ao HIV/AIDS exigem escolhas de
intervenções e cuidados, capazes de contemplar a pessoa humana na sua complexidade e
totalidade. Uma análise fenomenológica do fenômeno em discussão, certamente, contribuirá
na reconstrução da pessoa nas suas dimensões pessoais e comunitárias. Todo ser humano tem
direito à vida, do inicio até o seu final natural. A dimensão espiritual da vida humana é aquela
que deve permear os impactos das dimensões psicológicas, físicas e sociais. Mesmo diante de
uma doença como o HIV/AIDS é possível experimentar a dimensão do sagrado da vida, e as
formas em que se encontram e fazem sentido para a caminhada.
Referências
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AUTORES DIVERSOS. História de coragem – A realidade de quem vive com HIV/AIDS.
São Paulo: Madras, 2002.
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www.redeAIDS.org/artigos.
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GIDDENS, A. A transformação da intimidade. São Carlos: Editora Unesp, 1992.
KOINONIA. AIDS e igrejas um convite á ação – Presença Ecumênica e Serviço. Programa
Saúde e Direitos – Projetos AIDS e Igrejas – Rua Santo Amaro, 129. Glória. Rio de Janeiro –
Coordenador do Programa – Anivaldo Padilha – WWW.koinonia.org.br.
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SAÚDE. Publicado em: “noticias. r7.com/saude/noticias/entre-os-jovens-mulheres-jálideram-em-casos-de-AIDS-20101201. html” – Cresce o numero de pessoas com AIDS no
Brasil. Renan Ramalho do R7, em Brasília. 01 dez. 2010.
SOTER. Corporeidade e teologia. São Paulo: Paulinas, 2005.
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