das travessias cientificas à exploração regional em áfrica uma

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CENTRO DE ESTUDOS DE HISTORIA E CARTOGRAFIA ANTIGA
SÉRIE SEPARATAS
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DAS TRAVESSIAS CIENTIFICAS
À EXPLORAÇÃO REGIONAL EM ÁFRICA
UMA OPÇÃO DA SOCIEDADE
DE GEOGRAFIA DE LISBOA
POR
MARIA EMÍLIA MADEIRA SANTOS
MINISTÉRIO DO PLANEAMENTO E DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO
SECRETARIA DE ESTADO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA
INSTITUTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA TROPICAL
LISBOA • 1991
Separata do
Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa
DAS TRAVESSIAS CIENTÍFICAS À EXPLORAÇÃO REGIONAL
EM ÁFRICA: UMA OPÇÃO DA SOCIEDADE DE GEOGRAFIA
DE LISBOA*
Por MARIA EMILIA MADEIRA SANTOS
Directora do Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga do IIÇT
Pode dizer-se, sem lugar para dúvidas, que a Sociedade de Geografia de
Lisboa ou os homens que nela se empenhavam representam os verdadeiros impulsionadores das grandes travessias da África realizadas pelos exploradores portugueses nos anos de 1876 e 1885.
Foram eles que se aperceberam da oportunidade e urgência em apresentar à
Europa científica e política, explorações sensacionais ao nível internacional.
Mas foram também eles que decidiram quando foi tempo de mudar de tática,
terminar com as grandes explorações geográficas em extensão, e ocupar-se da exploração regional, do estudo aprofundado e científico das áreas da África portuguesa,
para delas apresentar um conhecimento de nível europeu, não só nas chancelarias das
grandes potências coloniais, mas nos congressos internacionais que começavam a ter
lugar, assim como nas exposições que as grandes capitais se orgulhavam de organizar e em que Portugal participou muitas vezes graças ao empenhamento dos
homens da S.G.L..
O debate que teve lugar durante a preparação da «Expedição Científica
Portuguesa à África Austral» em 1876, terá sido o primeiro sinal de duas orientações
perante a exploração terrestre em África que se podem detectar no último quartel do
século XIX, impulsionadas, primeiro pela Conferência de Bruxelas e aceleradas posteriormente pela Conferência de Berlim.
Os membros da então «Comissão Permanente de Geografia» dividiram-se em
dois grupos que defendiam, um, encabeçado por Luciano Cordeiro, a travessia, outro, representado por José Júlio Rodrigues, a exploração dos territórios considerados
sob soberania portuguesa.
A posterior flexibilidade dos homens dedicados ao estudo da geografia, na
adopção de novas posições, demonstra a sua grande capacidade de se informar,
* Ao terminar a redacção desta conferência, verifiquei que ela podia bem ser uma homenagem aos
engenheiros civis e militares que labutaram, quase anonimamente, nas colónias africanas portuguesas
desde 1877 até próximo dos nossos dias.
Será um modesto contributo para que se faça justiça a estes homens, cuja obra centenária está longe
de ser reconhecida, como a de Serpa Pinto, Capelo e Ivens, mas que, tal como eles ou mais que eles, contribuíram para o prestígio nacional através da mesma ciência que foi e é a Geografia.
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reflectir e adaptar a novas circunstâncias, na ocasião oportuna e no tempo útil.
Em Junho de 1876, a direcção da S.G.L. decide expor o seu ponto de vista
através de uma representação a S.M. sobre «a conveniência científica, económica e
política de se empreender uma expedição portuguesa através do sertão africano de
costa a costa (...)» (1).
A apoiar esta iniciativa, de carácter marcadamente geográfico e político,
estava a Associação Comercial de Lisboa que assim demonstrava, como viria a fazê-lo repetidas vezes, a sua compreensão da complementariedade entre o político e o
económico. (2)
Uma acesa discussão sobre o plano da expedição, em que a direcção desta
Sociedade defende calorosamente a travessia, teria lugar na Sessão de 7 de Novembro de 1877, quando os expedicionários se encontravam já em Angola.
Luciano Cordeiro anunciava triunfante que recebera correspondência dos
viajantes e que a expedição, após o encontro com Stanley, decidira alterar o
itinerário, (que a limitava ao estudo da área de Angola), atravessar até ao Zambeze,
estudar o Lualaba, cortar o Niassa e sair em Moçambique.
«Que este projecto de itinerário tinha consideráveis vantagens perfeitamente
obvias, e realizava exactamente o pensamento de lei (...)».
Deve dizer-se que as intervenções dos vários membros da Sociedade foram,
quase sem excepção, no sentido de corroborar a opinião do seu Secretário. (3)
O Visconde de S. Januário afirmou mesmo que «o plano do Governo era
mesquinho enquanto que a travessia tornaria respeitável o nome português (...)».
Apenas a reacção de José Júlio Rodrigues, defensor da exploração parcial,
não se fez esperar: o Ministério da Marinha resolvera expedir ordens para que os
exploradores seguissem o primeiro plano. As instruções do Governo, enviadas neste
sentido, deviam encontrar os exploradores quando eles chegassem ao Bié.
Como é sabido foi exactamente no Bié que os exploradores se separaram:
Serpa Pinto avança para a travessia, satisfazendo os anseios da S .G.L.; Capelo Ivens
fazem a exploração das zonas consideradas sob soberania portuguesa, segundo
ordens oficiais defendidas pelo próprio ministro Andrade Corvo.
Desta vez venceram as duas orientações. Era a época das grandes explorações
sensacionais que precisávamos fazer ecoar nas sociedades científicas e entre a
diplomacia europeia.
Passados oito anos, imediatamente antes da Conferência de Berlim, esta
imposição fazia-se sentir ainda com mais intensidade. Pinheiro Chagas envia a
África várias expedições destinadas a definir os limites daquilo que se desejava fosse
«o domínio português em África».
Fora a S .G .L. que alertara em 1881 para a urgência de definir fronteiras de um
domínio que se pretendia extenssissimo, mas em relação ao qual se alegavam fun-
(1) Actas das Sessões da Sociedade de Geografia de Lisboa, vol. I, p. 11.
(2) Actas das Sessões da Sociedade de Geografia de Lisboa, vol. I, p. 12.
(3) Idem, vol. I, pp. 66-69.
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damentalmente «direitos históricos». (4)
Embora deva dizer-se que os preparativos para a segunda expedição de Capelo e
Ivens a África, em 1884, não contaram com uma participação activa da S.G.L..
Efectivamente a expedição ficou estritamente ligada ao Ministério da Marinha
e Ultramar e à recém criada Comissão de Cartografia.
A nomeação desta comissão em 1883, totalmente desligada da S.G.L., foi
recebida como uma verdadeira afronta. A assembleia lamenta profundamente que
«fosse completa e totalmente esquecida a S.G.L. iniciadora dos trabalhos cartográficos e geográficos referentes às possessões ultramarinas». (5)
Terá sido esta a principal razão pela qual a S.G.L. foi preterida na organização
da segunda viagem de Capelo e Ivens.
Nas suas instruções pouco rigorosas, Pinheiro Chagas dava-lhes carta branca
para cortarem em África, a partir de Angola, o itinerário que melhor entendessem in
loco.
Mas a verdade é que, se havia alguém em Lisboa que tinha boas razões para
esperar ver surgir a expedição na costa oriental de África, era Luciano Cordeiro. O
dedicado secretário perpétuo da S.G.L. tivera entrevistas com os expedicionários e
trocara com eles mpressões sobre o seu grande sonho, que era afinal também deles:
a realização de uma verdadeira travessia científica portuguesa em África. Planeada,
completa, útil, e se possível sensacional.
Na carta que escreve a Capelo e Ivens após a recepção do bombástico
telegrama, expedido por estes de Moçambique, anunciando a travessia, Luciano
Cordeiro não esconde o quanto ansiava por receber aquela semi-surpresa, cujo
conhecimento guardara apenas para si.
A S.G.L. recebeu-os como heróis. A Sessão Solene no teatro de S. Carlos a
1 de Outubro de 1885 teve o fausto dos grandes acontecimentos e constituiria, (6)
como veremos, o fecho das grandes travessias heróicas da África Austral, de
repercussão internacional.
Por um lado, a simples viagem em extensão deixava de ter significado
diplomático a partir das novas normas do direito colonial estabelecidas na Conferência de Berlim, em Fevereiro de 1885. Por outro lado, o espaço político europeu
em África, organizado nas chancelarias das grandes potôpcias coloniais, segundo
princípios totalmente alheios à realidade local, repugnava aos geógrafos, técnicos
habituados ao rigor da medida e ao apoio da observação.
Vão ser os engenheiros dos caminhos de ferro e das expedições de obras
públicas, criadas em 1877, que, faziam chegar os seus relatórios técnicos às Sessões
da S.G.L., a tornarem-se os responsáveis por uma evolução, admiravelmente rápida
para uma época em que as comunicações entre Portugal e as colónias eram difíceis
e as condições de trabalho destes homens bem duras.
(4) Ao Povo Português (...), Lisboa, 1881.
(5) Actas das Sessões da S.G.L., vol. I, 1876-1881, p. 100.
(6) Idem, vol. V, 1885, pp. 27-31.
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Efectivamente já em 1879, ainda sob o entusiasmo que suscitara, a travessia
de Serpa Pinto, a S.G.L. «tendo em vista animar e proteger os estudos geográficos
e tornar conhecidas as colónias e os territórios que lhe ficam próximos, delibera (...)
mandar explorar por pessoas competentes as colónias, estudando-as e descrevendo-as sob o ponto de vista da sua geografia, linguística, etnografia, climatologia,
demografia e patologia. Publicar os trabalhos geográficos e científicos que tivessem
por objecto observações e estudos directamente feitos nas respectivas localidade
tropico-equatoriais. Previa-se a instituição de um prémio para a melhor memória em
trabalho original que se escrevesse a respeito de geografia é colonização das terras
de África tropico-equatorial. (7)
Um ano depois especificavam-se melhor os objectivos. «Que se continuem
as explorações geográficas, não só as que respeitam à geografia física (...), mas
também as de geografia zoológica, botânica, geológica, etnografia e linguística». (8)
E, facto extremamente significativo, os nomes dos chefes das expedições de
obras públicas a Moçambique e Angola surgem emparceirados com os dos gloriosos
exploradores.
«Que continuemos as explorações científicas, encetadas modernamente, pela
maneira mais brilhante, por alguns homens ilustres, como Serpa Pinto, Brito Capelo,
Roberto Ivens, Joaquim José Machado, Manuel Rafael Gorjão e Anchieta». (9)
É Joaquim José Machado, engenheiro militar, tendo cursado a Escola
Politécnica e a Escola do Exército, que regressado de Moçambique, na sua função
de director das Obras Públicas daquela colónia, com a maior firmeza, chama a
atenção para as deficiências técnicas dos meios de comunicação nas colónias
africanas.
Considerando como sendo «o grande problema, cuja solução interessa
hoje todas as nações civilizadas, as comunicações seguras para o interior do
continente africano (...) o engenheiro propõe-se analisar a importância das vias de
comunicação e a sua influência no desenvolvimento do comércio, da industria, da
agricultura e no progresso da civilização». (10)
Mas ainda, esclarece Francisco Chamiço, o grande dinamizador do Banco
Nacional Ultramarino, acerca do consumo dos produtos portugueses em África; «os
consumidores existiam já na África: eram os indígenas e apenas se tornava necessário estabelecer relações com o interior, abrindo vias de comunicação.» (11)
Terminaria nas Sessões seguintes, por aludir ao auxílio que o crédito presta
ao comércio local e expor «a conveniência que havia de o Banco Ultramarino
estabelecer agências em Quelimane e em Lourenço Marques.» (12)
Depois de em três Sessões consecutivas Joaquim José Machado ter prendido
a atenção da assembleia, reconhecia-se «que o distinto engenheiro fizera revelações
(7) Idem, vol. I, 1876-1881, p. 157.
(8) Actas das Sessões da S.G.L., vol. I, 1876-1881, p. 209.
(9) Idem, vol. I, 1876-1881, p. 211.
(10) Idem, vol. I, 1876-1881, p. 277.
(11) Idem, ibidem.
(12) Idem, vol. I, 1876-1881, p. 283.
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de muito interesse, que deviam considerar-se lições de subido valor (...). Que em
Portugal se ignoravam estas coisas e portanto, era conveniente dar às comunicações
do Sr. Machado muita publicidade.» (13)
Que o parlamento devia ocupar-se destas questões e os legisladores deviam
ser informados, para que ficassem habilitados a votar as medidas indispensáveis à
reorganização da administração colonial.
Efectivamente publicaram-se em separata as três sessões da S.G.L. nas quais
o engenheiro Machado usara da palavra. Aliás a Sociedade mostrou sempre conhecer
e saber utilizar a função didática e política da geografia e do seu ensino. Empenhou-se em esclarecer o público em geral preparando um compêndio de geografia
colonial, a adoptar nos institutos de instrução secundária (14), assim como cartas das
várias colónias, susceptíveis de darem à população a representação gráfica da nossa
política africana. «É necessário tornar vulgares e divulgar as cartas; para isso é
preciso que sejam baratas (...).» (15)
Convicto desta necessidade de informação correcta e directa J J . Machado
propõe em Janeiro de 1881 que-se publiquem com «a máxima regularidade possível
todos os documentos e escritos relativos ao ultramar e especialmente os relatórios
anuais dos governadores e outros funcionários». (16) O parlamento não poderia
alegar ignorância. Técnicos competentes e «africanistas» interessados procuravam
informar os responsáveis pela governação.
A «Comissão Africana» criada no seio da S.G.L. em 1878 para examinar
pormenorizadamente os assuntos referentes àquele continente, trabalhava com
afinco deste então, propondo que, além do reconhecimento geográfico e levantamento das cartas de Angola e Moçambique, se explorasse o terreno sob o ponto de
vista geológico e mineralógico. (17) O levantamento hidrográfico das costas e
portos, o problema das balisagens e dos faróis, (18) as explorações botânicas, (19)
estavam igualmente no âmbito das suas reflexões, traduzidas em propostas e
pareceres devidamente fundamentados e com frequência apresentados ao Governo.
Os estudos e a execução dos caminhos de ferro de Lourenço Marques e
Ambca levantaram as mais acesas celeumas, mas, embora os seus projectos tenham
exigido aprofundados estudos das áreas atravessadas, não poderemos aqui ocupar-nos de tão complexo problema. O mesmo se poderia dizer no referente às estações
civilizadoras cujos trabalhos preparatórios foram confiados, a exploradores, engenheiros e pessoas conhecedoras das províncias que além da descrição das regiões,
deviam preparar uma carta geográfica da África, com a sua localização difundindo-a profusamente pelo país. (20)
(13) Idem vol. I, 1876-1881, p. 289.
(14) Idem, vol. II, 1882, p. 182.
(15) Actas das Sessões da S.G.L., vol. V, 1885, p. 41 - Estava em análise um mapa publicado pela
revista As colónias Portuguesas, que preenchia os requisitos pretendidos pela S.G.L.
(16) Idem, vol. I, 1876-1881, p. 301.
(17) Idem, vol. I, 1876-1881, p. 317.
(18) Idem, vol. m, 1883, pp. 83-87.
(19)Idem,ibidem,p. 89.
(20) Idem, vol. I, 1876-1881, p. 452.
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Alargando o seu raio de acção, ou antes de reflexão, a Sociedade cada vez se
ocupa mais de «fins práticos e eminentemente úteis». (21)
ÉM.R. Gorjão (director de obras públicas e encarregado do caminho de ferro
de Ambaca) que assume frontalmente esta posição em 1882: «desde que a S.G.L.,
deixando de tratar exclusivamente de questões científicas, se ocupa de assuntos de
administração colonial, é necessário, para que o seu influxo seja benéfico, que as suas
consultas e os seus debates tenham uma feição essencialmente prática, isenta de
ilusões teóricas para que tendem mais ou menos, as sociedades científicas, quando
tratam de questões desta ordem, e o nosso carácter meridional». (22) Ousa mesmo
apelidar a comissão africana de teórica e acrescenta que «as informações oficiais e
oficiosas acerca das colónias nem sempre são exactas, e que o nosso pecúlio de
conhecimentos em coisas de África, há poucos anos diminutíssimo, é ainda hoje em
extremo reduzido». (23)
O pragmatismo evidenciado na primeira metade da década de oitenta pela
S.G.L. não era porém compartilhado por todos os seus membros. Continuava a haver
defensores das grandes explorações como meio mais eficaz de defender os interesses
portugueses em África.
Carlos de Melo oferece-se em Abril de 1886 para realizar mais uma travessia,
proposta esta de imediato apresentada à comissão africana para estudo. O seu autor,
no entanto, apercebendo-se da reacção dos seus pares «lastimava que não houvesse
a unanimidade que houve em 1877».
Na verdade a decisão não foi fácil, as circunstâncias haviam mudado muito,
e os elementos a avaliar eram agora bastante mais complexos.
Reconhecia-se que o movimento de exploração africana adquiria duas feições
que importava considerar.
1Q - A exploração de grande reconhecimento, de funda e rápida penetração de
travessia, que é, e será ainda por muito tempo, uma das formas não só mais brilhantes,
mas úteis e práticas daquele movimento.
2Q - A exploração que podemos chamar regional, a exploração parcelar, lenta,
gradual, sucessiva, de cada país e de cada zona.
Devidamente informada, a comissão africana apresentava com toda a clareza
a questão. Só que não estava ainda suficientemente convicta para optar. As opiniões
expressas eram apenas moderadamente contrárias ao projecto de Carlos de Melo ou
simplesmente escusavam-se a uma posição definitiva. Os argumentos eram apenas
de restrição e não de oposição. Ninguém se atrevia ainda a reprovar em definitivo as
travessias heróicas. A comissão africana, composta por 14 membros votou a aprovação do projecto de Carlos de Melo apenas com um «vencido» e a declaração de voto
de J.J. Machado «achando-se convencido que o governo não fará proceder simultaneamente às explorações gerais e parciais, opta pela oportunidade das últimas.» (24)
(21) Idem, vol. H, 1882, p. 47.
(22) Idem, vol. H, 1882, p. 55.
(23) Idem, ibidem, p. 92.
(24) Actas das Sessões da S.G.L., vol. VI, 1886, pp. 53-68.
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O exemplo glorioso de Serpa Pinto, Capelo e Ivens, e principalmente o êxito
retumbante da recente travessia destes últimos, não podia deixar indiferentes outros
oficiais que desejavam sinceramente honrar o país que serviam.
Em Março de 1887 surge novo projecto de travessia encabeçado pelo capitão
Alfredo Augusto Caldas Xavier. Sujeito como de costume, ao exame da comissão
africana, esía reconhece complacente que se trata de «beneméritos oficiais do nosso
exército que se propõem secundar os trabalhos com tão feliz êxito levados a cabo
pelos exploradores portugueses Serpa Pinto, Capelo e Ivens.»
Os dois processos de exploração, postos em alternativa no ano anterior, eram
agora apresentados com maior desenvolvimento, reconhecendo a ambos os seus
méritos. A travessia, «o mais aparentemente glorioso de certo, e por isso o mais
brilhante» era sem dúvida digno da «admiração de conterrâneos e estrangeiros». As
explorações de zonas parcelares se «não tem na opinião pública, um êxito tão completo, não é menos seguro, (...), que são realmente preferíveis às longas travessias».
Sem querer chocar a opinião pública, ainda muito impressionada pelos seus
heróicos viajantes, a comissão «entende que ambos os processos são dignos do mais
alto apreço (...)», mas se a sua opinião fora decisiva perante o governo para organizar
as grandes explorações, entende que agora os poderes públicos não retirarão menor
eficácia da sua «intervenção na solução do problema africano pelas explorações
parciais, em bases mais modestas na aparência, mas mais imediatamente utilizáveis.» (25)
À comissão punha-se como questão prévia a seguinte dúvida:
«Será agora o momento histórico apropriado, para tentar novas travessias ou
será pelo contrário mais asada a ocasião para partir dos traços gerais para os dados
particulares e de pronto e imediatamente utilizáveis?». Fazendo uma retrospectiva
da sua actuação neste particular, a comissão africana reconhecia que apenas três anos
antes a situação internacional justificara a travessia de Capelo e Ivens.
«Era indispensável, em tal momento histórico, fazer explorações ruidosas,
travessias políticas; mostrar-nos ao mundo e fazer falar de nós pelos nossos feitos da
actualidade, em contrapartida às intrigas do presente; assim o compreendeu e
aconselhou a S.G.L.; assim o exigiu a opinião pública (...). O efeito político e moral
das travessias está conseguido (...).
O que deverá pois seguir-se a esse reconhecimento geral? (...) Repetir indefinidamente as travessias?» (26)
Agora porém quando a Inglaterra avançava para os Matabeles, entabulava
relações com o Barotse, se propunha dominar a Machonalândia e exigia saídas para
o mar através do Zambeze e Lourenço Marques, a situação era bem diferente e aconselhava uma estratégia totalmente diversa. «(...) era chegado o momento de passar
à especialidade, ganhando, em intensidade de exploração, o que se perdia em extensão linear de percurso.» Exprimindo-se de forma mais pragmática o que interes-
(25) Actas das Sessões da S.G.L., vol. VII, 1887, p. 78-79.
(26) Idem, vol. VII, 1887, p. 79-81.
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GEOGRAFIA
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sava agora era «uma apreciação exacta do que nos pertence, e do que estamos encarregados de civilizar.» (27)
«Pode porventura admitir-se em bom critério, que, quando ainda não conhecemos praticamente, e com dados geográficos os nossos limites; quando se definiu
na conferência de Berlim, que para ser respeitado o direito de ocupação deve esta ser
activa, se pretendam derivar neste momento esforços para outro sentido que não seja
o do conhecimento exacto e circunstanciado do que ocupamos e pretendemos
ocupar?» (28)
Mais do que desaconselhar as travessias a comissão africana propõe que se
dirija «uma enérgica propaganda (...) a favor da exploração simultânea de diversas
zonas parcelares (...)». (29)
Desta vez a votação foi unânime, apesar de Joaquim José Machado estar
ausente em Moçambique. A 27 de Maio de 1887 a S.G.L. assumia que o ciclo das
travessias estava terminado, e devia dar-se prioridade à exploração regional. (30)
A 19 de Novembro de 1888 chega-se mesmo à conclusão de que as expedições de obras públicas do ultramar deveriam ter trabalhado como «verdadeiras
brigadas de reconhecimento geográfico» e então «nós não teríamos ido modernamente atravessar primeiro aÁfrica, sem havermos atravessado ou percorrido o Bengo, o Cuanza ou o Cunene.» Porque os dados geográficos e económicos assim como
topográficos eram condições prévias para que se pudesse elaborar um plano de
viação terrestre e fluvial, principalmente tratando-se de empreendimentos da envergadura dos caminhos de ferro. (31)
Nomes como o de Augusto Cardoso, António Maria Cardoso, Paiva de
Andrada, Sárrea Prado, Afonso Morais Sarmento, Neves Ferreira, Manuel Ferreira
Ribeiro, Victor Cordon, Artur de Paiva, Paiva Couceiro são alguns dos muitos
exploradores que trabalhavam contra o tempo, procurando acompanhar a «corrida
à África», em zonas susceptíveis de serem disputadas por outras potências coloniais,
como era a Machonalândia, o Níassa, o Baixo Cubango.
Em Abril de 1889 chegava Joaquim José Machado de Moçambique, e, como
de costume, as suas intervenções na S.G.L. foram firmes e convicentes, senão
alarmantes. A S.G.L. devia avisar o governo sobre a real expansão colonial inglesa
e a sua extraordinária rapidez, à qual era necessário opor medidas enérgicas. (32) E
a verdade era que as fronteiras de Moçambique naquela área estavam ainda
indeterminadas. (33)
Uma das situações que mais agudizava a questão era o facto de a Inglaterra
ter fornecido a Lobengula, rei dos Matabeles, 1.000 espingardas Martini Henry e
300.000 cartuchos, vigorando um acordo entre o governo português, inglês e alerrião
(27) Idem, ibidem, p. 81.
(28) Idem, ibidem, p. 83.
(29) Idem, vol. VÊ, 1887, p. 83.
(30) Idem, ibidem, p. 86.
(31) Actas das Sessões da S.G.L., vol. VIII, 1888, p. 121.
(32) Idem, vol. IX, 1889, pp. 20-28.
(33) Idem, ibidem, p. 45.
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sobre a proibição de introdução de armas na África Oriental. (34).
Não vem aqui a propósito a análise pormenorizada da política internacional
na África Austral. É do conhecimento geral que a Inglaterra rasgava ao meio o mapa
cor de rosa e empurrava para o litoral os limites dos domínios portugueses. Mas a
verdade é que na metrópole, o problema era debatido por poucos, limitados ao âmbito
de associações científicas particulares cuja opinião, embora publicitada, não encontrava repercussão nem a nível económico nem político.
«O país corresponde com a máxima indiferença aos cuidados e esforços do
governo (...). Há anos que nesta casa se fazem conferências, que se publicam
relatórios (...) mas nem as informações, nem a perspectiva do interesse (...) actuam
sobre o público em geral e sobre os nossos capitalistas em especial.» (35)
E no entanto a solução não exigia grandes disponibilidades financeiras:
viagens de exploração e estudo, missões religiosas, sistema de arrendamento de
prazos, concessões de minas, linhas telegráficas, caminhos de ferro. Para um técnico
prático das coisas africanas em 1 de Abril de 1889 ainda «tudo isto são trabalhos que
estão perfeitamente ao alcance dos nossos recursos e dentro das nossas faculdades.» (36)
Mas a 11 de Novembro desse mesmo ano Luciano Cordeiro informava J. J.
Machado acerca das últimas representações da Sociedade sobre assuntos africanos,
que «o governo não tinha sequer acusado a recepção destas representações.» (37)
A criação da British South África Company concretizava todas as previsões
e representações apresentadas pela S.G.L. ao governo. Havia que reconhecer que ao
avançar para territórios considerados sob a soberania de Portugal durante três
séculos, a companhia inglesa pouco encontraria «que evidenciasse a nossa ocupação
e acção civilizadora permanente (...).» (38)
Todas as medidas de ordem prática e utilitária, que tinham vindo a ser
aconselhadas, se tornavam agora urgentes: a navegação no Zambeze, a abertura de
estradas, a construção de linhas telegráficas, as linhas férreas, a colonização com
emigrantes europeus.
Estava-se porém a dois meses do ultimato inglês. As armas da S.G.L. eram
apenas as da ciência e do bom senso. A 2 de Dezembro «Considerando que é função
legal da S.G.L. pugnar pela verdade científica, na esfera do seu trabalho e relações,
e concorrer quanto em si caiba para o desenvolvimento pacífico e civilizador do continente africano faz votos para que a diplomacia inglesa se informe melhor que» os
territórios encorporados no distrito do Zumbo e os das zonas do Zambeze, do Chire
e do Niassa (...) «sempre foram em boa ciência» incluidos na soberania portuguesa. (39)
A Sessão de 20 de Janeiro de 1890 foi uma manifestação de pesar. Mas, su(34) Idem, vol. IX, 1889, p. 95.
(35) Idem, ibidem, p. 42.
(36) Idem, ibidem, p. 48.
(37) Idem, ibidem, p. 87.
(38) Actas das Sessões da S.G.L., vol. IX, 1889, p. 99.
(39) Idem, ibidem, p. 118.
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perando o grave momento, Luciano Cordeiro sublinhava as muitas manifestações de
aplauso e estimulo público que aquela Sociedade científica estava recebendo. (40)
Para provar a «boa ciência» dos geógrafos e cartógrafos portugueses nada
mais adequado do que uma exposição de cartas geográficas relativas aos nossos descobrimentos e explorações, acompanhada da respectiva bibliografia. A 21 de Fevereiro a proposta estava formulada por Borges de Figueiredo e pouco depois apresentada pela secção de geografia histórica e história da geografia da qual faziam parte, além do proponente, Vicente de Almeida de Eça e Ernesto de Vasconcelos, entre
outros. (41)
Desejava-se que a exposição abrisse ainda naquele mesmo ano no mês de
Junho e se limitasse à África, área para onde convergiam todas as atenções. Abriria
em Dezembro de 1903 com uma riqueza cartográfica que ia desde o Brasil ao Japão
e desde Cabo Verde a Timor.
Luciano Cordeiro, o secretário perpétuo da S .G.L., mais velho que Ernesto de
Vasconcelos apenas oito anos, havia falecido prematuramente, três anos antes.
Ernesto de Vasconcelos sucedendo-lhe no lugar, acabaria por ser o grande obreiro
da exposição realizada, como ele próprio reconhece «com um êxito que ficou acima
de toda a expectativa». (42)
Praticamente todas as salas da S.G.L. estavam ocupadas pela exposição. Os
exemplares expostos cobriam quatro séculos de cartografia, desde as obras de Lázaro
Luís, D. João de Castro, Fernão Vaz Dourado, João Teixeira até às cartas executadas
pela Comissão de Cartografia, cujas relações com a S.G.L. eram agora mais
cooperantes, dado que Ernesto de Vasconcelos exercia cargos de direcção nas duas
prestigiosas instituições.
Na sessão inaugural o presidente afirmava que «os mapas expostos significavam a figuração gráfica de esforços colossais em tenacidade, bravura, valor efectivo
C > . (43)
A exposição cartográfica de 1903-1904 foi efectivamente a opção adequada
de uma sociedade científica na procura de uma resposta de nível cultural a um problema político cujo tratamento directo estava fora do seu âmbito.
São prova desta conclusão os slides que vamos passar, como exemplo da persistência e do rigor dos geógrafos portugueses e do valor do seu trabalho nas duas décadas que separam a criação da Comissão de Cartografia da abertura da exposição:
era a corrida à África figurada pela Cartografia.
1 - Este é nem mais nem menos que o Mapa Cor de Rosa editado em 1886,
sobre o qual, mão guiada por conhecimentos da divisão política do espaço africano
desenhou em largas pinceladas cinzentas os estados africanos do Barotze (Lozi),
Matabeles, Catanga de Muchire, Estados da Lunda do Muatiânvua e Estados do
(40) Idem, vol. X, 1890, p. 8.
(41) Idem, ibidem, pp. 76-78.
(42) Exposição de Cartographia Nacional (1903-1904) Catálogo, direcção de Ernesto de Vasconcelos, Lisboa, 1904, p. V
(43) Exposição de Cartographia Nacional (1903-1904) Catálogo, direcção de Ernesto de Vasconcelos, Lisboa, p. XV.
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DAS TRAVESSIAS CIENTÍFICAS À EXPLORAÇÃO REGIONAL 113 - 122
Cassongo.
Na margem inferior, uma legenda anunciava «Brevemente será publicada a
edição definitiva desta carta com a orografia».
2 - E na verdade ainda no mesmo ano surgia a «Carta da África Meridional
Portuguesa» com a orografia já bastante completa. A bem conhecida Serra da
Muchinga atingida pelos sertanejos, o planalto do hinterland de Benguela, o planalto
do Machuculumbes, grande reserva de elefantes ainda hoje mantida pela Zâmbia como parque nacional.
3 - Carta de Moçambique de 1889. A Machonalandia encontra-se já dividida
entre Portugal e a Inglaterra por uma fronteira de risco contínuo. Na zona do Zumbo
o território português alargava-se com uma larga indefinição entre o Sanhate e a Serra da Muchinga tocando os estados do Catanga ou Garanganja de Musire. Nas Margens do Zambeze entre a confluência do Cafué e do Sanhate assinalava-se a Aringa
S. Francisco Xavier e a presença de comerciantes de Tete estabelecidos em toda a
zona.
4 - Carta de Angola de 1892. As fronteiras estavam ainda longe de uma
definição. Na fronteira da Lunda, a viagem de Henrique de Carvalho não surtira ainda os respectivos efeitos diplomáticos. Na zona do Barotse e do Lovale o tracejado
corresponde à indefinição resultante do ultimato e exigiria da parte de Ernesto de
Vasconcelos, Gago Coutinho e outros, grandes esforços in loco.
5 - Carta de Moçambique de 1894. O sonho cor de rosa definitivamente perdido. Pinceladas largas em zonas ainda mal delimitadas. A Machonalandia fora da
zona portuguesa, apenas com um tracejado querendo marcar a não aceitação
definitiva. O Zumbo constituía, no Zambeze, o limite máximo. Largas pinceladas representavam graficamente o incidente de Serpa Pinto na sua subida do Chire com os
chamados Macorrolos sob protecção britânica.
6 - Carta de Moçambique de 1903. Das pinceladas incertas passa-se ao rigor
do traço.
Mostramos aqui apenas as cartas gerais, porque o tempo não permite mais.
Poderíamos apresentar sondagens de portos, o maravilhoso estudo de Ernesto de
Vasconcelos sobre o Zaire submarino, planos hidrográficos, cartas em pequena
escala de distritos, plantas de cidades.
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