Revista de Geografia (UFPE) V. 29, No. 1, 2012 REVISTA DE GEOGRAFIA (UFPE) www.ufpe.br/revistageografia AB’SÁBER, AZIZ NACIB. OS DOMÍNIOS DE NATUREZA NO BRASIL: POTENCIALIDADES PAISAGÍSTICAS. SÃO PAULO: ATELIÊ EDITORIAL, 2003 Andrezza Karla de Oliveira Silva1 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. Email: [email protected] Resenha recebida em 06/02/2012 e aceito em 03/04/2011 RESENHA A obra “OS DOMÍNIOS DE NATUREZA: brasileiro propicia um mosaico bastante POTENCIALIDADES completo das PAISAGÍSTICAS” escrita pelo professor ecologias tropicais. Aziz Nacib Ab’Sáber é estruturada em entendimento dessas potencialidades é nove capítulos, que relatam os domínios e constituído as potencialidades paisagísticas existentes morfoclimáticos no Brasil analisados através dos aspectos compreendidos como um conjunto espacial morfoclimáticos, de certa ordem de grandeza territorial, pedológicos, hidrológicos, ecológicos e fitogeográficos. No paisagens Deste partir e dos modo, e o domínios fitogeográficos onde estejam integradas as feições de capítulo relevo, tipos de solos, formas de vegetação “POTENCIALIDADES PAISAGÍSTICAS e condições climático-hidrológicas para BRASILEIRAS” a paisagem é vista como formação de complexos fisiográficos e um conjunto de elementos naturais ou biogeográficos homogêneos e extensivos. artificiais sempre atrelados à herança. Este Tais complexos podem ser estruturados em caráter de herança é estabelecido por arranjos poligonais possuidor de áreas processos de atuação antigos e recentes, core. Estas áreas possuem domínios de que remodelam a topografia diante de transição e de contato, que podem formar forças da natureza em uma escala de competências com combinações físico- tempo de milhões a dezenas de milhões de ambientais diferenciadas com expressão anos. A magnitude espacial do território regional, além dos enclaves distinguidos Alves e Fialho, 2011 primeiro a principais 252 Revista de Geografia (UFPE) V. 29, No. 1, 2012 por sua própria natureza. Existem seis rápida interiorização e destruição das grandes e florestas para o avanço do espaço agrário, macroecológicos no território brasileiro: a) forma de desenvolvimento econômico domínio das terras baixas florestadas da implantada na maioria dos países tropicais. Amazônia; b) domínio das depressões A introdução desse modelo econômico interplanálticas semiáridas do Nordeste; c) ocasionou drásticas mudanças na estrutura domínio dos domínios dos paisagísticos “mares de morros” ecossistemas deflagrados pela florestados; d) domínio dos chapadões devastação da cobertura vegetal natural, centrais e exploração de madeira, urbanização e e) industrialização, que reduziram pequenos domínio dos planaltos de araucárias; f) espaços a ambientes insalubres para a domínio das pradarias mistas do Rio qualidade de vida. recobertos penetrados Grande por do de cerrados florestas-galeria; Sul. O detalhadamente autor os No segundo capítulo ““MARES E descreve aspectos MORROS”, CERRADOS E morfoclimáticos e fitogeográficos de cada CAATINGAS: domínio principais COMPARADA”, que são semelhanças existentes entre os grandes responsáveis por formar um cenário com domínios morfoclimáticos e as principais combinações distintas em cada domínio. províncias Ao final tece algumas considerações e intertropical conclusões em relação à estrutura da levando-o a uma observação científica paisagem para abordando características e do suas contrastes, território brasileiro GEOMORFOLOGIA o autor expõe fitogeográficas do esclarecer da Planalto tais as região Brasileiro coincidências caracterizado por áreas homogêneas em geográficas. Assim, foi possível constatar seu ecológico, diferentes tipos de combinações de fatos entretanto cada domínio é formado por geomórficos, climáticos, hidrológicos e subconjuntos que criam contrastes na ecológicos, que representam nesta área três paisagem. Esses padrões diferenciados são domínios morfoclimáticos sobrepostos por estabelecidos pela existência de faixas de três contato caráter fisiográfico e das principais províncias que formam fitogeográficas: 1. domínio das regiões de exceção serranas, de morros mamelonares do Brasil constituindo um mosaico paisagístico. de Sudeste (área de climas tropicais e Relata dos subtropicais úmidos – zona de mata ecossistemas naturais pela produtividade atlântica sul-oriental); 2. domínio das da agricultura, que se consolidou pela depressões intermontanas e interplanálticas e espacialmente transição, quadros também, Oliveira Silva, 2012 a substituição 253 Revista de Geografia (UFPE) V. 29, No. 1, 2012 do Nordeste semiárido (área subequatorial existentes e tropical semiárida – zona das caatingas); possuidoras de um arranjo gradativo de 3. domínio dos chapadões tropicais do diferentes tipos de savana. Este fato não é Brasil Central (área tropical subquente de encontrado nos cerrados brasileiros devido regime pluviométrico restrito a duas ao seu caráter repetitivo, formado por estações – zona dos cerrados e de ecossistemas de cerrados, cerradões e florestas-galeria). constituem uma no território africano Tais domínios campestres, e relativa homogeneidade estrutura complexa paisagística. Neste contexto analisa formada por uma área core e faixas de também as condições geoecológicas e transição e contato, que se interpenetram, paleoclimáticas se diferenciam ou se misturam criando Central, observando provas sedimentares a áreas de exceção. O autor descreve cada partir de formações superficiais como, por um dos três domínios morfoclimáticos exemplo, a presença de paleo-inselbergs, fazendo uma análise dos aspectos físicos atualmente que os caracterizam, demonstrando como residuais. pequenos quadros do representados No morfoclimáticos, recentes quarto tópico Planalto por relevos do livro geopedológicos e hidrológicos podem “DOMÍNIO TROPICAL ATLÂNTICO”, modificar condições ecológicas formando avalia a magnitude das matas atlânticas redutos de floresta. como o segundo grande complexo de “NOS florestas tropicais biodiversas brasileiras, VASTOS ESPAÇOS DOS CERRADOS” onde abrangiam aproximadamente um Ab’Saber aborda milhão de quilômetros quadrados. As conjuntos de No terceiro capítulo os cerrados arboretas de como mesma florestas atlânticas possuem uma composição que os cerradões, sendo estruturação espacial azonal de caráter diferenciados pela exposição do solo que é longitudinal nor-nordeste e sul-sudoeste, seu principal suporte ecológico. Ressalta estendendo-se do sudeste do Rio Grande que devido do Norte ao sudeste de Santa Catarina. A à localização geográfica (longitudinal) e o grau de interiorização partir das matas atlânticas impossibilitaram a existência dispersão diferenciadas dentro do domínio tropical do domínio dos cerrados. desta ressalva de subáreas subáreas a topográficas Observa ainda a composição florística no atlântico. núcleo dos cerrados, constituída por tipos observadas pelos tabuleiros da Zona da de cerrados e cerradões, e destaca que este Mata nordestina, as escarpas tropicais das padrão é muito diferente das savanas Serras do Mar e Mantiqueira, e os “mares Oliveira Silva, 2012 Estas distingue-se 254 podem ser Revista de Geografia (UFPE) V. 29, No. 1, 2012 de morros”, além dos quadros de exceção 3 000 mm, em uma área espacial de verificados fora do espaço principal das aproximadamente matas atlânticas. Após estas colocações quilômetros quadrados. É um domínio descreve caracterizado por feições hidrológicas que cada uma destas subáreas 4,2 milhões exemplificando através do conjunto de constituem aspectos morfoclimáticos e fitogeográficos Destaca ser a bacia amazônica dependente a distribuição das florestas de mata do regime pluviométrico, analisando as atlânticas, bem como analisa a faixa leste- variações nos índices de precipitação de oeste de acordo com a localização geográfica, a ecossistêmicos. navegabilidade dos rios, o conflito entre Observando os contrastes topográficos e águas doces e salinas, as diferentes cores geológicos existentes entre a Amazônia das águas dos rios e a importância dos Brasileira e o Tropical Atlântico atesta que igarapés para a ocupação indígena da o pela Amazônia. Ao final o autor faz uma predominância de terras baixas recobertas reflexão sobre o processo de ocupação da por florestas biodiversas, em um eixo região, as interferências geradas neste leste-oeste ao longo do Equador; já o complexo tropical atlântico possui uma topografia necessidade complexa, um recorte norte-sul e grande verificação das mudanças na diversidade biodiversidade o que reflete neste domínio fisiográfica e ecológica. diferenciando transição e primeiro os contato é padrões caracterizado labirintos de paisagístico de hidrográficos. e discute diagnósticos para a a No sexto capítulo “CAATINGA: O diferentes combinações de fatores. No quinto capítulo “AMAZÔNIA DOMÍNIO DOS SERTÕES SECOS”, BRASILEIRA: UM MACRODOMÍNIO”, Ab’Saber inicia discutindo as causas da Ab’Saber enfatiza a Amazônia como um existência de uma região semiárida em um macrodomínio continente destacando sua alta de grandes e contínuas biodiversidade biológica, a exuberância de extensões de terras úmidas a partir de uma suas florestas, sua rede hidrográfica e suas análise as pequenas variações ecossistêmicas. morfológicos, que contribuem para um Estes fatores estão diretamente ligados a déficit prolongado de precipitações com sua posição geográfica, que possibilita duração, em geral de seis a sete meses. elevadas taxas de luminosidade (entrada de Este caráter desigual das precipitações, que energia) em associação as permanentes em média no Nordeste seco está entre 268 massas de ar úmido condicionam altos e 800 mm, fez com que o autor índices de precipitação anual entre 1 600 a comparasse os índices de precipitações do Oliveira Silva, 2012 dos fatores 255 climáticos e Revista de Geografia (UFPE) V. 29, No. 1, 2012 semiárido nordestino com o domínio dos No sétimo capitulo do livro Cerrados, a Zona da Mata nordestina e a “PLANALTOS DE ARAUCÁRIAS E Amazônia, destacando as disparidades PRADARIAS observadas. particularidades A partir de estudo MISTAS” deste destaca domínio, as onde desenvolvido por George Hargreave para a aborda a relativa perda de tropicalidade, SUDENE, na década de 1970, baseado em principalmente em relação às temperaturas critérios de evapotranspiração e duração médias. dos hídrica, condicionante para a presença de um Ab’Saber fez uma leitura critica deste complexo vegetacional extratropical de estudo araucárias, sub-bosques e um mosaico de períodos e de propôs deficiência modificações nos Esta faixas ou originalidade ecológica torna este cenário, subdesérticas; 2. faixas semiáridas ou totalmente diferente da paisagem dos semiáridas típicas; 3. faixas semiáridas cerrados e das florestas de matas. A partir modernas; 4. faixas de transição. Deste de estudos paleoclimáticos observou que modo descreve e exemplifica cada faixa, entre 23 e 13 mil anos AP a paisagem dos destacando as principais características que planaltos subtropicais, dominados por as definem. Além de abordar os aspectos pradarias, era constituída por um cenário físicos que marcam a região semiárida de estepes, solos pedregosos e um clima analisa o cotidiano do sertanejo e de como semiárido frio. Além de relatar as feições a variabilidade climática afeta a estrutura geológicas e geomorfológicas existentes socioeconômica da no Brasil Meridional utilizando-se de uma processo análise nos estados do Paraná e Santa migratório. Ao final faz um registro do Catarina de transectos leste-oeste e no Rio processo Grande do Sul no eixo de sul-norte, atividade da agrícola de região e diante do ocupação da região A fator bosquetes acentuadas pinhais. foi conceitos, utilizando as terminologias: 1. semiáridas de característica singular a abordando os Planaltos paranaenses, as importância dos “brejos” para a agricultura estruturas ruiniformes e a importância do desde o período colonial com a introdução Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense. enfatizando os grupos indígenas, da No oitavo capítulo da obra “O bananicultura, bem como relata de forma DOMÍNIO DOS CERRADOS” faz uma sintética algumas ações governamentais e reflexão da importância de profissionais suas consequências no desenvolvimento da como o geógrafo, retornarem a regiões região e as mudanças ocasionadas na vida outrora estudadas e fazerem uma releitura do homem do sertão. das paisagens e espaços tanto observando da cana-de-açúcar Oliveira Silva, 2012 e, atualmente 256 Revista de Geografia (UFPE) V. 29, No. 1, 2012 os aspectos ecológicos quanto sociais. quadros de exceção formando mosaicos Com essa proposta Ab’Saber sugere uma paisagísticos, sendo importante a escala de reavaliação do domínio dos cerrados, observação. Um conceito relatado é o de analisando as transformações ocorridas na ecossistema introduzido por Tansley em gênese das paisagens e dos espaços 1935, que retratou a relação entre fatores geoecológicos de uma região que está em bióticos e fatos físicos. Tal conceito constante modernização. Analisa os fatores possibilitou a evolução do pensamento na ecológicos, pedológicos, busca de estudos que melhor retratassem climáticos, morfológicos e fitogeográficos os espaços ecológicos. Salienta também a predominantes neste domínio, ressaltando importância dos estudos desenvolvidos por como a combinação de fatos físicos, George Bertrand em 1968 que procurou ecológicos e bióticos podem caracterizar a obter a partir de uma ótica geográfica, uma relativa homogeneidade do domínio dos tipologia cerrados. subdivisões hidrológicos, Destaca os conjuntos de espaços naturais escalares: com geossistemas, topográficos do Planalto Central, a rede de geofácies e geótopo, sendo o geossistema depressões interplanálticas e os enclaves mais de cerrados no domínio das caatingas. abordagem sobre como os macrodomínios Ab’Saber alerta para a necessidade de e como estes podem ser estudados perante conciliar desenvolvimento e proteção dos uma escala regional com a combinação de patrimônios três atributos comuns. Desta forma, cada diretrizes básicas, bem como faz algumas domínio morfoclimático e fitogeográfico propostas aos órgãos de gerenciamento do (cerrados, caatingas, grandes domínios meio ambiente no Brasil na tentativa de florestais, planalto das araucárias) são conciliar o dilema entre desenvolvimento descritos com a análise das famílias de de técnicas de seleção dos espaços ecossistemas, tendo como base espacial os agricultáveis com a preservação natural conceitos de espaços naturais de Bertrand. genéticos, sugerindo A dos cerrados e cerradões. No nono capítulo “DOMÍNIOS DE NATUREZA E aplicável. FAMÍLIAS DE Domínios Ab’Saber importância de potencialidades faz do natureza uma livro, no paisagísticas Os Brasil: está na os construção de uma obra que traz uma Brasil, riqueza de conteúdo e detalhes sobre os ressaltando que em cada domínio a um aspectos físicos do território brasileiro. tipo predominante de vegetação. Apesar da Retratados a partir da integração e aparente homogeneidade são observados contextualização da influência dos fatos ECOSSISTEMAS” domínios Oliveira Silva, 2012 de é natureza discutido do 257 Revista de Geografia (UFPE) V. 29, No. 1, 2012 geológicos, geomorfológicos, pedológicos, um hidrológicos, e pesquisadores de diferentes áreas do dos conhecimento no sentido de compreender fitogeográficos climáticos, na ecológicos determinação complexos vegetacionais, aparentemente subsídio aos planejadores e o grande mosaico paisagístico do Brasil. homogêneos, mas possuidores de enclaves com características diferenciadas. A obra é ________________________________________________________________________ Oliveira Silva, 2012 258