Curso A Inclusão da Criança com Síndrome Down

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Curso A Inclusão da
Criança com Síndrome
Down
CursosOnlineSP.com.br
Carga horária: 60hs
Conteúdo Programático:
Síndrome de Down
Características
Educação da criança com Síndrome de Down
Inclusão
Inclusão e integração
Projeto “Educar Mais 1”
Educação Inclusiva
Princípios e fundamentos para a construção de uma escola inclusiva
Princípios básicos da Educação Especial
Estrutura curricular
Objetivos pedagógicos
Currículo
Parceria entre educação e atendimento especializado
Educação Profissional e Legislação
Modelos de cursos de Educação Profissional para alunos com deficiência
Oficinas Pedagógicas
Estratégias para inserção no mercado de trabalho
Legislação no âmbito internacional
Legislação brasileira
Síndrome de Down
A Síndrome de Down (SD) foi a primeira síndrome associada a uma
alteração cromossômica, sendo a principal causa genética da deficiência
mental.
O médico francês Jérôme Lejeune correlacionou o fenótipo da Síndrome de
Down com sua expressão cariotípica mais frequente, a trissomia do
cromossomo 21.
Deu nome à síndrome em homenagem ao médico inglês John Langdon
Down, que havia descrito um grupo distinto de portadores de um
comprometimento intelectual, registrando o fato ao caracterizar detalhes
fenotípicos clássicos de uma então considerada doença da “Idiotia
Mongólica”.
A SD pode ser descrita como uma cromossomopatia, ou seja, uma
síndrome cujo quadro clínico global deve ser explicado por um desequilíbrio
na constituição cromossômica, no caso, a presença de um cromossomo a
mais no par 21, caracterizando assim uma tristomia 21.
O termo trissomia refere-se à presença de um cromossomo a mais no
cariótipo de uma pessoa, fazendo com que o número total de cromossomos
na SD seja 47 e não 46.
A SD pode ser causada por três tipos de comprometimentos
cromossômicos: trissomia simples, translocação e mosaicismo.
- Trissomia simples: ocorre a não disjunção do cromossomo 21; percebe-se
claramente a trissomia, ou seja, o 3° cromossomo extra ao par 21,
causando a síndrome.
Sua incidência é a mais comum, ocorrendo mais ou menos em 96% dos
casos, sendo suas causas discutíveis, já que os pais têm cariótipo normal e
a trissomia se dá por acidente.
- Trissomia por translocação: o cromossomo adicional está sobreposto a um
cromossomo de outro par, portanto, não se trata de uma trissomia livre. A
translocação se dá quando um cromossomo do par 21 e outro, ao qual se
agrupou, sofram uma quebra na sua região central.
Há uma união entre os dois braços mais longos e perda dos dois braços
curtos. Não se notam diferenças clínicas entre as crianças com trissomia
simples ou por translocação, sendo que, a trissomia por translocação ocorre
em 2% dos casos.
- Mosaicismo: presença de um percentual de células normais (46
cromossomos) e outro percentual de células trissômicas (47 cromossomos).
Ocorre em cerca de 2% dos casos. A causa desta “falha” é desconhecida,
mas sabe-se que é pequena a probabilidade de reincidência em uma
mesma família.
A SD causada por trissomia simples parece não ser hereditária, porém, há
um risco de aproximadamente 1% para a nova prole. A incidência da SD em
recém-nascidos está em torno de 1 para 600 a 1 para 800 nascimentos.
Alguns fatores podem modificar a incidência da SD e são classificados
como: ambientais ou exógenos e endógenos. Entre os endógenos, o mais
importante é, indiscutivelmente, a idade materna.
Mulheres mais velhas apresentam riscos maiores de terem filhos
trissômicos, possivelmente devido ao fato do envelhecimento dos óvulos. O
mesmo não acontece com os espermatozoides e, por esta razão, não há
uma relação direta entre a SD e a avançada idade paterna.
Entre os fatores ambientais é notório o diagnóstico pré-natal, pelo menos
nos países onde ele é realizado em número significativo. Assim, quanto
maior o número de gestações interrompidas após o diagnóstico pré-natal,
menor será a incidência ao nascimento.
Geralmente a SD pode ser diagnosticada no nascimento pela presença de
uma série de características, alterações fenotípicas que, se consideradas
em conjunto, permitem a suspeita diagnóstica.
Algumas alterações fenotípicas podem ser observadas já no feto com SD
por meio do exame de ultrassonografia. Entretanto, embora essas
alterações possam levantar suspeita da presença da SD, não permitem um
diagnóstico conclusivo.
Em recém-nascidos, há presença de pelo menos 6 entre 10 sinais descritos
a seguir que justifica o diagnóstico clínico de SD:
- Reflexo de Moro hipoativo.
- Hipotonia.
- Face com perfil achatado.
- Fissuras palpebrais com inclinação para cima.
- Orelhas pequenas, arredondadas e displásicas.
- Excesso de pele na nuca.
- Prega palmar única.
- Hiperextensão das grandes articulações.
- Pélvis com anormalidade morfológicas aos raios-X.
- Hipoplasia da falange média do 5° dedo.
Outras características ao nascimento também podem ser observadas, tais
como: peso de nascimento menor se comparado ao da criança sem a
síndrome; além disso, os bebês com SD costumam ser bastante sonolentos
e, em geral, têm dificuldade na sucção e deglutição.
Embora a presença dos sinais descritos levante a possibilidade de
diagnóstico de SD, é importante lembrar que eles não são específicos e que
cada um deles, isoladamente, pode estar presente em indivíduos normais.
O diagnóstico definitivo da SD é alcançado com o estudo cromossômico
Cariótipo que corresponde à identidade genética do ser - humano e é
através de um exame conhecido como cariograma que se torna possível
obtê-lo, mesmo no feto.
Características
As crianças com SD apresentam características físicas semelhantes
(fenótipos) que podem ser notadas em sua aparência desde o nascimento,
porém, o mesmo não ocorre em relação ao seu comportamento e ao seu
padrão de desenvolvimento.
Não há um padrão previsível em todas as crianças portadoras de SD, uma
vez que, tanto o comportamento quanto o desenvolvimento da inteligência
não dependem exclusivamente da alteração cromossômica, mas também,
do restante do potencial genético, bem como das influências do meio em
que a criança vive.
Têm-se atribuído estereotipadamente ao portador da SD características
como: docilidade, amizade, afetividade, teimosia, entre outras. Porém,
estudos sobre as características das crianças com SD não confirmam que
essas crianças tenham características comuns de comportamento e
personalidade, o que não permite traçar um perfil identificador do portador
da SD.
Fica claro que os indivíduos portadores de SD, assim como os indivíduos
sem alteração cromossômica, apresentam grandes diferenças em seu
desenvolvimento, comportamento e personalidade.
Porém, é evidente que o desenvolvimento de uma pessoa com SD
apresente diferenças significativas se comparado ao desenvolvimento
considerado normal.
O desenvolvimento motor da criança com SD mostra um atraso significativo,
sendo que, todos os marcos do desenvolvimento motor (sentar, ficar em pé,
andar) ocorrerão mais tarde, se comparado com a criança não portadora da
SD. A presença de hipotonia muscular contribui para esse atraso motor.
É evidente que o atraso no desenvolvimento motor da criança vai interferir
no desenvolvimento de outros aspectos, pois é através da exploração do
ambiente que a criança constrói seu conhecimento do mundo.
Nas crianças com SD foram observadas diferenças nesse comportamento
exploratório: usam comportamentos repetitivos, mantendo-os, mesmo que
se mostrem inúteis; na hora de explorar age de maneira impulsiva e
desorganizada dificultando um conhecimento consistente do ambiente,
sendo que, a exploração dura menos tempo.
No que se refere ao aspecto cognitivo, a Deficiência Mental (DM) tem sido
considerada uma das características mais constantes da SD, com um
atraso em todas as áreas do desenvolvimento.
A DM é definida pela Associação Americana de Desenvolvimento
Mental como: “condição, na qual, o cérebro está impedido de atingir seu
pleno desenvolvimento, prejudicando a aprendizagem e a integração social
do indivíduo”.
Desde o nascimento, as crianças com SD apresentam reações mais lentas
do que as outras e, possivelmente, isso altera sua relação com o ambiente.
Os bebês são menos responsivos em suas relações, talvez até devido ao
atraso no desenvolvimento motor. Seu sorriso, por exemplo, depende do tônus
muscular.
Por isso, é mais curto e menos intenso. Assim, a reação afetiva da criança é
mais tênue. Com a lentidão do bebê, a mãe tende a não associar a reação dele
com a sua própria comunicação.
O contato visual também começa mais tarde. O maior contato é observado
entre quatro e cinco meses, sendo um dos recursos mais importantes que a
criança com SD utiliza para conhecer o ambiente.
A criança com SD continua usando o contato do olhar por mais tempo, numa
idade em que as crianças sem a síndrome já interagem com o ambiente.
A linguagem é a área na qual a criança com SD demonstra, em geral, os
maiores atrasos. Ela começa a emitir as primeiras palavras por volta dos
dezoito meses e, geralmente, pode compreender bem mais do que emitir. As
crianças percebem as características da vocalização da mãe desde os
primeiros meses de vida e adaptam-se a elas.
Devido a pouca verbalização da criança, as mães mostram-se mais diretivas
em sua comunicação com ela, fazem menos perguntas, talvez não esperando
respostas, mantendo o mesmo padrão de comunicação em diferentes idades.
Apesar dessas dificuldades, a maioria das pessoas com SD fazem uso
funcional da linguagem e compreendem as regras utilizadas na conversação,
porém, as habilidades comunicativas são bastante variáveis entre elas.
A atenção é um elemento de grande importância no desenvolvimento dos
processos cognitivos. O déficit de atenção observado em portadores de SD,
desde os primeiros anos de vida, pode comprometer seu envolvimento em
tarefas de explorar o meio.
Existem fatores neurológicos presentes na SD que afetam esse aspecto do
desenvolvimento. Alterações corticais, principalmente no lado frontal, nas
ramificações dendítricas e redução na formação sináptica já foram observados.
Fatores ambientais podem amenizar essa dificuldade. Familiares e
profissionais que lidam com a criança podem ajudar a diminuir o déficit através
da estimulação, ensinando-a prestar atenção.
Há também um déficit em relação à memória. A criança com SD não
acumula informações na memória auditiva imediata de forma constante
como a criança não portadora de SD. Essa limitação na retenção de
informação afeta a produção e o processamento da linguagem.
A criança com SD não reproduz frases, pois retém somente algumas
palavras do que ouve. Apresenta também déficit na memória em longo
prazo, o que pode interferir na elaboração de conceitos, na generalização e
no planejamento de situações.
O modo como uma criança brinca é uma forma de perceber o seu
desenvolvimento. Estudos realizados mostram que a brincadeira da criança
segue mais ou menos o mesmo padrão que o observado nas outras de
modo geral, embora algumas diferenças tenham sido notadas.
As crianças com SD tendem a manipular e explorar menos, talvez devido à
sua menor habilidade motora, mas em geral demonstram uma atividade
lúdica adequada ao seu nível cognitivo.
As crianças com SD demonstram pouca ligação com o ambiente, passando
muito tempo brincando sozinhas ou assistindo televisão. Esse isolamento
talvez se deva ao esforço que elas precisam para formar um quadro
coerente do mundo em que vivem e adaptarem-se a uma situação sobre a
qual não têm total controle.
A estimulação propiciada pelo meio em que a criança vive pode ser
fundamental no sentido de favorecer uma atividade lúdica apropriada ao
seu desenvolvimento.
O fato de ser o desenvolvimento da criança com SD mais lento ou diferente
tem sido motivo de estudos e controvérsias, tais como os apresentados a
seguir:
Estudos de Dunst (1995) demonstraram que crianças com SD passam
pelos mesmos períodos sensório-motores e na mesma sequência que a
observada em crianças sem SD, porém, de forma mais lenta.
Vygotsky (1998) observou que não há dois modos de desenvolvimento: um
para as pessoas que têm atraso mental e outro pra as pessoas que não têm
atraso.
Morss (1993) considerou que o desenvolvimento cognitivo não é somente
mais lento, mas se processa de forma diferente. A aquisição de uma
habilidade compromete a aquisição de outras que dependem dela e isso
afeta o desenvolvimento.
Frente aos diferentes posicionamentos desses autores, parece-nos evidente
que o fato de a criança com SD apresentar o mesmo padrão de
desenvolvimento com respostas semelhantes, em sequência semelhante,
não quer dizer que ela tenha a mesma maneira de se desenvolver e
aprender que a criança sem SD.
Torna-se importante, desde os primeiros anos de vida da criança com SD, a
estimulação que leve em conta seus diferentes modos e ritmos de
aprendizagem, em função de suas necessidades especiais.
É necessário, porém, romper com o determinismo genético e considerar
que o desenvolvimento da pessoa com SD resulta não só de fatores
biológicos, mas também das importantes interações com o meio.
Vygotsky (1998) mostrou que não é possível determinar o nível de
desenvolvimento que a criança poderá alcançar através do uso de testes.
Enfatizou em sua obra a importância dos processos de aprendizagem,
mostrando que eles estão relacionados ao desenvolvimento.
Segundo o autor, para minorar a defasagem das crianças com deficiência
mental, o enfoque deve estar voltado ao desenvolvimento das funções
cognitivo superiores, ao contrário do que se acreditava ao se basear o
ensino dessas crianças no uso de métodos concretos.
A possibilidade de modificabilidade cognitiva e a estrutura de raciocínio dos
indivíduos com deficiência mental têm sido demonstradas em algumas
pesquisas.
Uma pesquisa experimental realizada em 1984 e concluída em 1987 tinha o
objetivo de verificar a influência de um processo de solicitação do meio
escolar, fundamentado na teoria de conhecimento de Piaget, sobre o
desenvolvimento das estruturas da inteligência de deficientes mentais.
Da amostra estudada nessa pesquisa, composta de 52 sujeitos com
deficiência mental leve e moderada, 73% apresentaram avanços
significativos no desenvolvimento cognitivo e 23% chegaram ao nível das
operações lógicas concretas.
Em outra pesquisa, realizada para entender como as crianças com DM
aprendem a linguagem escrita, constatou-se que elas elaboram esquemas
de interpretação da linguagem escrita e passam por conflitos cognitivos
semelhantes àqueles identificados nas crianças não deficientes.
Inhelder (1963), analisando a estrutura de raciocínio de pessoas portadoras
de deficiência mental, afirmou que a estrutura e forma de raciocínio dessas
pessoas são similares às de pessoas normais, porém, mais jovens.
Segundo a autora, as crianças com deficiência mental seguem o processo
evolutivo das crianças “normais”, porém, sem jamais chegar a um equilíbrio
definitivo, ou seja, o raciocínio da criança deficiente mental é móvel e em
via de progressão.
Os dados de pesquisa dos autores citados mostraram que há uma evolução na
estrutura de raciocínio da criança com deficiência mental, sendo possível uma
modificabilidade cognitiva, o que propicia uma atitude positiva frente a sua
condição de educabilidade.
Podemos verificar que, embora a criança com SD apresente características
determinadas pela alteração genética, o seu desenvolvimento, o seu
comportamento e a sua personalidade são resultados da interação de sua
carga genética, com as importantes influências do meio.
O ser humano é muito mais que sua carga biológica e é através de interações
com o meio e da qualidade dessas interações que cada indivíduo se constrói
ao longo de sua vida.
Educação da criança com Síndrome de Down
A educação é um fator fundamental na transformação do indivíduo e pode
ocorrer tanto em situações informais quanto em situações formais.
Educação informal
A família se constitui no primeiro grupo social da criança e é através do
relacionamento familiar que a criança viverá a primeira inserção no mundo. É
no seio da família que ela terá suas primeiras experiências, sendo esta a
unidade básica de crescimento do ser humano e sua primeira matriz de
aprendizagem.
Os primeiros anos de vida de uma criança constituem-se como um período
critico em seu desenvolvimento social, emocional e cognitivo, e o papel que a
família desempenha nesse período é de fundamental importância.
O desenvolvimento das crianças com deficiência mental não depende só do
grau em que são afetadas intelectualmente, pois numa visão mais sistêmica
consideram-se vários fatores que interferem no desenvolvimento, dos quais o
principal é o ambiente familiar.
São as primeiras experiências emocionais e de aprendizagem, vivenciadas nas
relações com os pais, as responsáveis pela formação da identidade e, em
grande parte, pelo desenvolvimento da criança.
Há uma complementaridade entre o comportamento do bebê e a pessoa
que cuida dele. A família, em especial a mãe, que reconhece a dependência
da criança e se adapta às suas necessidades, oferece
oportunidades para o bebê progredir no sentido de integração, do acúmulo
de experiências, enfim, do desenvolvimento.
No caso das crianças com SD, essas primeiras experiências podem ficar
comprometidas pelo impacto que produz na família a notícia de ter um filho
com essa síndrome. Esse impacto pode dificultar que a mãe tenha reações
de acordo com sua sensibilidade natural, impedindo que as primeiras
experiências da criança ocorram satisfatoriamente.
Além das condições de anomalia da qual é portadora, a criança com SD
tem ainda, como consequência secundária, a dificuldade de uma ligação
afetiva adequada com a mãe, o que pode afetar suas possibilidades de
desenvolvimento.
O nascimento de um bebê é um acontecimento de grande importância para
a família. Desde a sua concepção, a criança já é depositária de uma série
de expectativas. A existência de uma criança com distúrbio pode
representar uma ruptura para os pais.
As expectativas construídas em torno do filho “normal” tornam-se
insustentáveis. Vistos como uma projeção dos pais, esses filhos com
deficiência representam a perda de sonhos e esperanças. Assim, o
nascimento de uma criança com deficiência desperta nos país um
sentimento de perda do filho que era esperado.
A SD foi associada, por mais de um século, à condição de inferioridade.
Apesar do conhecimento acumulado sobre a síndrome e das informações
acessíveis, o estigma ainda está presente e se reflete tanto na imagem que
os pais constroem de sua criança com SD como em sua reação a ela.
Os pais, pertencentes à cultura na qual a pessoa com SD é estigmatizada,
têm no seu filho com SD uma imagem carregada de preconceitos presentes
nesse estigma. Assim, sua forma de relacionar-se com o filho é
determinada pela reação a essa imagem, em vez de ser fruto da sua própria
percepção.
Quando ocorre o nascimento de uma criança com Síndrome de Down,
instala-se uma crise familiar, que é uma reação normal, pois a família
precisa reajustar suas expectativas e planos a essa nova realidade, com
qual não contava.
As famílias diferem em sua reação diante do nascimento da criança com
SD. Algumas passam por um período de crise aguda, recuperando-se
gradativamente. Outras têm mais dificuldade e desenvolvem uma situação
crônica: “tristeza crônica”.
Segundo alguns autores, existe um processo de luto adjacente pela morte
das expectativas do filho imaginado quando do nascimento de uma criança
disfuncional. A reação dos pais envolve quatro fases.
Na primeira fase, há um entorpecimento com o choque e descrença. Na
segunda, aparece ansiedade e protesto, com manifestação de emoções
fortes e desejo de recuperar a pessoa perdida.
A terceira fase caracteriza-se pela desesperança com o reconhecimento da
imutabilidade da perda. E, finalmente, a quarta fase traz uma recuperação,
com gradativa aceitação da mudança.
Outros especialistas organizaram em cinco estágios as reações dos pais:
- Reação de choque, onde as primeiras imagens que os pais formam da
criança são baseadas nos significados anteriormente atribuídos à
deficiência.
- Negação da síndrome, tentando acreditar num possível erro de
diagnóstico, associando traços da síndrome a traços familiares. Esta fase
pode ajudar no primeiro momento, levando os pais a tratar a criança de
forma mais natural, mas, quando se prolonga, compromete o
relacionamento com a criança real.
- Reação emocional intensa. Nesta fase, a certeza do diagnóstico gera
emoções e sentimentos diversos: tristeza pela perda do bebê imaginado,
raiva, ansiedade, insegurança pelo desconhecido, impotência diante de
uma situação insustentável.
- A ansiedade e a insegurança diminuem. As reações do bebê ajudam a
compreender melhor a situação, já que não é tão estranho e diferente
quanto os pais pensavam no início. Começa a existir uma possibilidade de
ligação afetiva.
- Envolve a reorganização da família com a inclusão da criança portadora
da SD. Para conseguir se reorganizar, os pais devem dar um novo
significado à deficiência e encontrar respostas para as suas dúvidas.
Na maioria das famílias ocorre uma aproximação entre seus membros, mas
há pouca abertura e pouca consciência das dificuldades. Mesmo sendo a
coesão uma tendência forte, ela se torna difícil, porque a criança requer
cuidados e exige muita disponibilidade da pessoa que cuida dela,
geralmente a mãe.
A dedicação a um elemento modifica o relacionamento com os outros
membros, levando a um desequilíbrio nas relações.
Embora o choque seja inevitável, a maioria das famílias supera a crise e
atinge um equilíbrio. A maneira como cada família se adapta à situação
varia muito, pois depende das experiências anteriores e dos reursos
internos de cada membro.
Uma nova visão centra a atenção nos fatores que mediam o processo de
adaptação dessas famílias. Considera-se que o efeito das crises que
provocam um filho com SD está motivado pelas características da criança,
mediando essa crise os recursos internos e externos com que conta a
família e a concepção que esta tem sobre a criança com deficiência e seus
problemas.
A superação da fase de luto e eventual aceitação da situação pela família
não é um processo linear. O luto, acompanhado do sofrimento psicológico,
voltará a acontecer em momentos-chave da vida da criança: quando
aprende a falar, a andar, em situações sociais, na sua entrada na escola, na
adolescência e outras fases.
Esses momentos são sinalizadores para a família de que o
desenvolvimento das crianças é diferente e de que a família enfrentará
novos problemas. Assim, novos ajustes precisarão ser feitos.
A qualidade da interação pais-filhos produz efeitos importantes no
desenvolvimento das áreas cognitivas, linguísticas e socioemocionais da
criança com deficiência mental.
Essa qualidade de interação está mais claramente relacionada com o
desenvolvimento da criança nos primeiros anos do que as próprias
características das crianças (salvo em casos de deficiência muito grave).
Desde os primeiros meses, a criança com SD tem dificuldades para manter
a atenção e estar alerta aos estímulos externos.
Em geral, essas crianças são menos interativas e respondem menos ao
adulto, mas isso não significa que não sejam capazes de desenvolver esse
tipo de comportamento.
Nessas crianças, o comportamento interativo se manifesta de forma
diferente e em momentos diferentes em relação à criança sem SD.
Se o bebê com SD é menos responsivo, a mãe não tem os referenciais
necessários para compreendê-lo. Tenta preencher essas lacunas com suas
próprias atividades e, com isso, pode deixar de perceber as reações
naturais do bebê.
O bebê apático tem mais chances de ser negligenciado, pois ele gratifica
menos a mãe e o comportamento dela pode ser alterado pela falta de
reação da criança, cada um influenciando o comportamento do outro.
Diante das dificuldades da criança, a mãe mostra-se mais diretiva em sua
comunicação com ela, faz menos perguntas, talvez esperando menos
respostas.
Essa maneira de proceder mostra uma baixa expectativa da mãe quanto à
possibilidade de desenvolvimento da criança, apesar dos esforços realizados
na estimulação.
Assim, observa-se uma ambiguidade: os pais estimulam, mas não acreditam
no desenvolvimento de seu filho e o mantêm como uma eterna criança. Isso
compromete a possibilidade de exploração e ampliação das representações
que a criança pode fazer do ambiente.
O alto grau de diretividade manifestada pelas mães nessas situações pode ser
resultado de sua adaptação às peculiaridades de seus filhos, pode ocorrer
devido ao baixo nível de participação da criança ou, também, devido ao desejo
dessas mães em mudar o comportamento de seus filhos.
Existem diferentes estilos diretivos de interação e nem sempre a diretividade
supõe carência de sensibilidade comunicativa. Os diferentes estilos podem ser
atribuídos aos objetivos diferentes dos pais em relação ao seu papel com
educadores.
A sensibilidade que manifestam depende de como percebem a capacidade de
comunicação de seus filhos, a natureza da tarefa e seus próprios objetivos. As
atividades da vida cotidiana na família dão à criança oportunidades para
aprender e desenvolver-se através do modelo, da participação conjunta, da
realização assistida e de tantas outras formas de mediar a aprendizagem.
Essas atividades podem ou não propiciar motivações educativas.
A dificuldade da criança faz com que os pais sejam mais seletivos para
proporcionar atividades. Suas rotinas são mais complexas, pois têm que ser
mais diversificadas para atender à necessidade da criança.
O bebê com SD, por necessitar de muitos cuidados, faz com que os pais se
envolvam intensamente nessa atividade. O esforço dos pais para vencer a
síndrome tem aspecto positivo de mobilizá-los para ajudar no desenvolvimento,
mas às vezes isso se transforma numa obsessão que os impossibilita de ver a
realidade.
As conquistas obtidas nos primeiros anos de vida da criança são a base da
aprendizagem posterior e dão uma matriz de aprendizagem que será utilizada
em idades mais avançadas.
Portanto, o trabalho de estimulação precoce é importante para propiciar o
desenvolvimento do potencial da criança com SD. Porém, embora a
estimulação tenha efeito benéfico sobre o desenvolvimento, muitas vezes,
mesmo sem que as habilidades sejam desenvolvidas, não há um sujeito
diferenciado que possa utilizá-las.
A família desorganizada pela presença da SD encontra alívio na intensa
atividade de estimulação, mas muitas vezes essa atividade pode tomar
lugar do relacionamento afetivo e da disponibilidade da mãe em perceber e
interagir com a criança.
Famílias que conseguem manter a ligação afetiva, estreita e positiva com a
criança favorecem a aprendizagem, proporcionando condições de
desenvolvimento e segurança para sua independência e autonomia.
Diante do que já foi exposto, constatamos a grande importância da
interação positiva da família com a criança com SD no sentido de propiciar
não só o seu desenvolvimento afetivo e social, mas também seu
desenvolvimento cognitivo.
Quando se pretende melhorar as condições cognitivas das crianças com SD
torna-se necessário qualificar os contextos onde vivem. O primeiro contexto
da criança é a família.
Porém, pelo grande impacto que causa a vinda de um filho com Síndrome
de Down, as famílias necessitam de ajuda para se adaptar à nova situação.
A mediação de profissionais pode minimizar o impacto, mostrando as
possibilidades e não somente os aspectos negativos.
A ajuda especializada aos pais nos primeiros anos de vida de uma criança
pode ser extremamente importante para auxiliá-los a desenvolver as
relações afetivas e compreensivas que quase todos desejam com o bebê.
A ajuda aos pais, quando qualificada e oportuna, poderá ter efeito
significativo quando realizada os primeiros anos de vida da criança, período
crítico de seu desenvolvimento.
Para uma intervenção familiar, devem ser levadas em conta as informações
relacionadas às características da criança, assim como se torna necessário
mudar as percepções dos pais a respeito das necessidades da criança,
reavaliando suas crenças e valores.
Também não se pode esquecer de considerar fatores que protegem as
famílias dos impactos negativos na criação de seus filhos com atraso no
desenvolvimento, tais como propiciar melhores relações familiares, criar
estilos de reação adequados ante o estresse, ampliar a rede de apoio aos
pais, que são aspectos importantes na mediação para enfrentar com êxito o
problema.
Algumas considerações podem ser feitas na mediação da família na tarefa
de educar seus filhos com atraso no desenvolvimento:
- Ajudar a enfrentar a educação da criança depois de superado o choque
inicial, harmonizando as preferências e estilo educativos dos pais com um nível
ótimo de interação familiar.
- Motivar os pais a propiciar estimulação sensorial, motora e comunicativa
precoce é benéfico não só para a criança, mas também para os pais, porque é
uma das primeiras experiências de interação e pode ajudar a vencer suas
incertezas e inibições.
Nessa interação, é preciso cuidar para que os pais não abusem de reforços
externos para estimular a criança, não criando dependência com os mesmos,
nem usem estimulação contínua, o que atrapalha a interação natural.
- Em relação ao estilo interativo é conveniente ensinar aos pais a adotarem
uma atitude mais relaxada e recíproca. É necessário que a diretividade que
caracteriza a interação seja acompanhada de maior sensibilidade e
sincronização com as necessidades da criança.
Por outro lado, é necessário que modifiquem suas estratégias conforme a
criança evolui. Os profissionais devem ajudar a estabelecer interações
positivas que sejam desfrutadas tanto pelos pais quanto pelas crianças para
evitar que se convertam em situações de aprendizagem estressantes e pouco
agradáveis.
- Para proporcionar boas orientações aos pais com respeito à interação com a
criança é necessário conhecer as crenças dos pais sobre o seu papel. Se eles
creem que seu papel é ensinar a criança, corrigem-lhe erros e o uso
inadequado dos jogos, impedindo-a de explorar seu gosto.
Porém, se creem que seu papel é de mediadores na aprendizagem,
proporcionam à criança oportunidades de experimentar, cometer erros e
desfrutar do momento.
- É preciso conhecer a organização e a estruturação da vida cotidiana familiar.
O objetivo do profissional não é modificar radicalmente a rotina diária, mas
conhecê-la e aproveitar essa informação para introduzir novos elementos ou
adaptar os já utilizados para conseguir melhor organização.
Deve ser levado em conta e respeitado o estilo natural dos pais ao organizar
suas atividades para favorecer o desenvolvimento de seus filhos.
- Conscientizar as famílias para que vejam como um fato natural pedir ajuda
aos profissionais em sua interação com a criança com atraso no
desenvolvimento.
Essa ajuda deve ocorrer não só nos primeiros momentos de adaptação da
criança, mas também em outros momentos de seu desenvolvimento, pois
as necessidades que ela manifesta vão mudando com o passar do tempo.
As famílias das crianças com SD que são atendidas fortalecem-se a partir
do momento que têm seus problemas compartilhados, sentem-se ouvidas e
apoiadas.
Conscientizam-se de que há formas de melhorar a qualidade de suas vidas
e a de seus filhos, modificam posturas e referenciais, transformam o
relacionamento com eles e estabelecem novas formas de interação e,
finalmente, conseguem identificar potenciais e capacidades na criança,
passando a incluí-la definitivamente no grupo primeiro: a família.
Constatamos a grande importância de incluir a família no processo
educacional e terapêutico da criança. Por mais que a escola e os
profissionais se esforcem no sentido de promover o seu desenvolvimento
com SD, seus esforços serão bastante limitados se não for considerada,
tanto em sua filosofia educacional quanto em sua ação, uma orientação aos
pais.
Para que a criança com Síndrome de Down venha a ser integrada na
sociedade, ela necessita, antes de tudo, estar integrada na família. A
intervenção precoce no plano familiar é imprescindível e, talvez, tão
importante quanto o atendimento direto à criança com deficiência.
Para o projeto de inclusão que será analisado, participação e envolvimento
da família são fundamentais. O projeto propõe, por meio da mediação de
um profissional, trabalhar a interação da família com a criança com SD, pois
supõe que esta interação seja fundamental para a inclusão escolar e social
dessa criança.
Educação formal
A educação formal, ministrada pela escola, é um processo importante na
formação de todos os indivíduos. A escolarização tem como principal
objetivo que os alunos “aprendam a aprender” e que saibam como e onde
buscar a informação necessária.
Se essa é uma meta para qualquer criança, ela assume uma importância
muito maior para as crianças com deficiência mental, que são incapazes de
desenvolver, por si mesmas processos que lhes permitam regular sua
aprendizagem.
Considerando os indivíduos com SD, a educação pode se tornar um
instrumento transformador desses indivíduos, dependendo da filosofia que
se utilizar na prática educacional.
É preciso, também, levar em conta que o primeiro passo para a integração
social passa pela escola, já que o seu papel não é apenas o de ensinar
conteúdo mas, principalmente, estabelecer padrões de convivência social.
Durante determinado período, principalmente nos anos de 1950 e 1960, a
resposta institucional às necessidades educacionais das crianças com
deficiência mental foram as classes especiais ou centros educacionais
específicos.
Supunha-se que as crianças com deficiência mental não tivessem proveito
em classes regulares, com outras crianças da mesma idade, e que por sua
vez, estas seriam prejudicadas por estarem com crianças com atraso.
A ideia era oferecer a essas crianças, dentro do espaço institucionalizado,
todos os serviços possíveis, já que a sociedade não as aceitava em seus
serviços normais.
Portanto, a década de 1960 assistiu à proliferação de escolas especiais,
centros de reabilitação, oficinas protegidas, clubes e associações para
deficientes, evidenciando o modelo médico de ver e lidar com a deficiência.
Idealmente as classes especiais tinham como objetivo conduzir os alunos
com deficiência mental à mesma meta que a escola regular objetivava aos
alunos considerados “normais”: assegurar sua plena capacitação,
preparando-os para uma vida independente em sociedade, mediante a
aquisição de conhecimentos e habilidades.
Portanto, a escola especial tinha os mesmos objetivos que a escola regular,
mas sua prática se dava através de meios diferentes, com outras técnicas,
em instituições exclusivamente para crianças com atraso mental.
Constituía um elemento essencial a homogeneidade dos alunos e isso
assegurava, na medida do possível, a semelhança de nível intelectual,
mesmo com diferenças de idade cronológica.
A escola especial trouxe grandes contribuições para a educação da criança
com deficiência mental ao mostrar que toda criança, mesmo com atraso
grave, pode ser educada.
Suas contribuições também são importantes na incorporação de técnicas
especializadas e programas de desenvolvimento individual.
Porém, a escola especial evidenciou, por outro lado, suas limitações.
Dificilmente atingiu a meta a que se propunha: criar adultos autônomos,
capazes de se desenvolver na vida e na sociedade.
Em termos sociais, a escola especial implica a segregação e discriminação
de um grupo social. Talvez exatamente por essa segregação não tenha
alcançado a meta de conseguir capacitar seus alunos para futura inserção
social.
Também não foi constatado que as classes especiais propiciem melhores
condições educacionais às crianças com DM.
Estudos comparando o desenvolvimento das crianças com deficiência
mental em classes normais e em classes especiais não demonstram
superioridade de sucessos educacionais nos programas especiais, não
justificando a existência desses.
A partir dos anos de 1990, predominou a tendência de que as crianças com
SD frequentassem classes comuns em escolas regulares.
A possibilidade de que as crianças, com ou sem deficiência, possam
aprender juntas, em classes heterogêneas, com alunos da mesma faixa
etária, foi um passo decisivo para eliminar atitudes segregatórias e
discriminatórias.
A deficiência em si, no caso a deficiência mental, não deve ser um fator
que impeça o seu portador de ter as mesmas oportunidades educacionais.
O atendimento educacional da criança com SD não pode ser visto através
de rótulos e classificações.
É importante avaliar suas dificuldades de aprendizagem e suas
necessidades especiais para que se possa considerá-las em uma
perspectiva interativa dos fatores que determinam a intervenção
educacional.
O uso de rótulos e categorias enfatiza apenas as dificuldades e desvia a
atenção de outros fatores que são importantes e podem facilitar a
aprendizagem.
Isso pode criar baixas expectativas por parte dos pais e professores em
relação à aprendizagem da criança, o que se concretiza em menor grau de
exigência na aquisição de determinadas aprendizagens.
É evidente que, devido à deficiência mental presente na SD, a educação
dessas crianças é um processo complexo que requer adaptações e, muitas
vezes, o uso de recursos especiais, demandando um cuidadoso
acompanhamento por parte dos educadores e dos pais. Fatores inerentes à
SD afetam diretamente a aprendizagem.
Para favorecer a educação da criança com SD é importante o trabalho com
os processos cognitivos: percepção, atenção, memória e organização de
itinerários mentais.
Constatou-se que estas crianças apresentam respostas semelhantes e em
sequências semelhantes nas situações de aprendizagem e, portanto, os
conteúdos dos programas escolares podem ser similares aos utilizados com
outras crianças.
Porém, como o processo que elas utilizam é diferente, a maneira como a
informação é apresentada deve ser diferente. A educação integrada das
crianças com deficiência mental não oferece dificuldades insuperáveis nos
primeiros anos de educação primária, embora apareçam problemas em relação
à aquisição da leitura/escrita e também dos conceitos matemáticos.
Entretanto, os problemas realmente sérios surgem no Ensino Médio, onde o
pensamento formal abstrato é necessário. Pelo fato de as crianças com DM
não atingirem níveis mais elevados de raciocínio, tem sido questionada a sua
permanência em classes regulares do Ensino Médio.
Pesquisas demonstraram que, quando a criança com SD frequenta escolas
regulares, tem ganhos significativos não só em seu desenvolvimento social,
mas também em seu desenvolvimento cognitivo. Também foi constatado que
não houve prejuízo para as crianças que não têm deficiência.
Pela importância da educação formal na vida de qualquer individuo é evidente
a preocupação dos pais com os aspectos educacionais com seus filhos com
Síndrome de Down.
Ao mesmo tempo em que é proclamada a inclusão, os pais encontram
dificuldades para que seus filhos sejam aceitos e atendidos de forma adequada
nas classes normais.
O modelo médico da deficiência, que ainda influencia a visão em relação à SD,
tem sido um dos responsáveis pela resistência da sociedade e da escola em
acatar a necessidade de transformação de suas estruturas no sentido de
aceitar em seu meio a pessoa com deficiência mental.
No sistema educacional, tal rejeição teve efeitos prejudiciais às crianças com
SD. A ideia de que elas só poderiam ser educadas em ambientes isolados
fortaleceu os estigmas sociais.
Os pais das crianças com SD, embora sofram a influência desse estigma, têm
a expectativa de que seus filhos tenham oportunidades iguais, sejam aceitos na
sociedade e preparados para uma vida autônoma.
Provavelmente essa seja a explicação para as várias associações criadas
por pais de crianças com Síndrome de Down e outras formas de
mobilização pela inclusão, em que divulgam princípios inclusivos,
promovem encontros e buscam a capacitação de professores e o
desenvolvimento de projetos em escolas.
Por tudo que foi analisado, torna-se clara a complexidade da educação da
criança com SD. Os autores citados evidenciam os ganhos sociais e
cognitivos que uma educação não segregadora propicia.
Porém, a inclusão da criança com SD em escolas regulares requer
mudanças e, às vezes, o uso de recursos especiais para que elas tenham
atendidas suas necessidades educacionais.
Inclusão
A psicanálise evidenciou uma nova concepção dos indivíduos, trazendo o
questionamento ao conceito de deficiência e a aplicação do modelo médico
à criança com deficiência e exortou à luta para que o direito dessa criança
fosse respeitado.
A luta pelos direitos humanos encontra seus princípios na Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948. Esses direitos foram retomados
nos movimentos sociais na década de 1960, quando emergiu no mundo
todo a defesa dos direitos humanos aplicados a todos.
Em decorrência da luta pelos direitos humanos, surgiu na França, na
década de 1960, a Pedagogia Institucional ou Pedagogia Revolucionária,
trazendo uma nova maneira de ver a educação.
A Pedagogia Institucional foi a primeira a perceber a importância do
contexto educacional do aluno, revelando que, dependendo da forma como
é visto e trabalhado na escola, pode desenvolver-se ou não.
O movimento de desinstitucionalização manicomial trouxe uma nova forma
de ver o tratamento dos doentes mentais e teve influência decisiva na
transformação da cultura nas décadas de 1960 e 1970.
Esse movimento revelou a importância de situações saudáveis para o bom
andamento dos indivíduos. Situações saudáveis são aquelas em que os
doentes mentais não ficassem excluídos dos ambientes comuns e é dado o
direito de participar de uma forma mais ampla e digna dos contextos sociais
comuns.
O que se tornou evidente no campo da saúde também se manifestou na
educação que não reflete apenas o movimento presente, mas evidencia o
problema social em relação à forma como os deficientes têm sido tratados.
A inclusão, historicamente, também está ligada a movimentos de pais de
crianças com deficiência. Na Europa esses movimentos serviam para
convencer a sociedade e as autoridades públicas a incluírem seus filhos em
situações comuns de ensino.
Nas décadas de 1950 e 1960, nos Estados Unidos, pais de alunos com
deficiência fundaram organizações como a National Association for
Retarded Citzens, com o objetivo de reivindicar educação para seus filhos e
defender o direito de serem escolarizados em ambientes mais
normalizados.
Na década de 1960, nos países nórdicos, surgiu pela primeira vez o princípio
da normalização aplicado aos portadores de deficiência.
A partir de 1968, na Suécia, crianças deficientes foram introduzidas em classes
regulares.
Na década de 1970, nos Estados Unidos, foram criados programas
educacionais para os deficientes com o objetivo de incluí-los nas salas de aula
regulares com o apoio de vários serviços complementares. Esses programas
foram denominados mainstreaming.
Já nas décadas de 1980 e 1990 começa-se a falar mais sobre inclusão. Surge
a ideia de promover a fusão entre os sistemas de educação regular e especial.
Aparece a expressão inglesa full inclusion, que traduz as propostas que
buscavam a fusão dos ensinos regular e especial.
Em 1986, o governo dos EUA lançou a Regular Education Iniciative (REI),
incorporando as ideias de fusão da educação especial e regular. O objetivo da
“REI” era desenvolver métodos de atendimento a crianças com deficiências em
classes regulares, incentivando a parceria entre educação regular e educação
especial.
O movimento de inclusão ganhou novo ímpeto na década de 1990 com a
criação de uma organização internacional, a Schools are for Everyone,
composta por membros de diversos países, cujo objetivo era promover a
inclusão em escala mundial.
A vinculação da educação inclusiva com um movimento de reforma geral da
educação simbolizou uma grande vitória.
No Brasil, o movimento de inclusão é proveniente de diferentes influências, tais
como:
- A Liga Mundial pela Inclusão surgida nos países europeus na luta contra a
exclusão de pessoas deficientes que ficavam isoladas em instituições
especializadas com educação de caráter segregacionista.
- A Liga Internacional pela Inclusão do Deficiente Mental, hoje conhecido
como Inclusion International, teve origem na Bélgica, estendendo-se pela
Europa, África, Indonésia, Índia, Austrália, Hong Kong e Américas. Surgiu
para que crianças com deficiência mental fossem estimuladas em seu
desenvolvimento e pudessem frequentar escolas regulares. Baseou-se na
concepção de que, para o desenvolvimento da criança com deficiência
mental, o processo de aprendizagem social na sala de aula, convivendo
com crianças normais, é importante.
- A Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais
realizadas em Salamanca (1994), na qual foi firmado um compromisso com
a educação para todos, ficando decidida a inclusão de crianças, jovens e
adultos com necessidades educativas especiais no sistema comum de
educação.
Segundo a Declaração de Salamanca, a escola deve incluir a todos,
reconhecendo a diversidade, e precisa atender às necessidades de cada
um, promovendo sua aprendizagem.
A educação de deficientes no Brasil iniciou-se em instituições
especializadas, nas quais eles ficavam segregados do convívio com as
pessoas normais. Porém, na década de 1950, sob influência do que ocorria
nos Estados Unidos, iniciou-se um movimento para integração do deficiente
em escolas comuns.
Foi instalada, em 1950, em caráter experimental, a primeira sala de
recursos em São Paulo para que deficientes visuais estudassem em
classes comuns.
Essa tendência pela educação integrada e não segregada ampliou-se com
a criação de outras salas de recursos para integração do aluno deficiente
sensorial e com a criação de classes especiais para alunos com deficiência
mental.
A partir das décadas de 1960 e 1970 apareceram programas voltados para
a integração escolar da pessoa portadora de deficiência mental, como
alternativa à institucionalização. O termo mainstreaming foi traduzido no
Brasil para integração.
A integração escolar, transplantando a filosofia da normalização, traduziu-se
na colocação do aluno com deficiência em classe especial na escola
regular.
A proposta desse processo de integração – mainstreaming – era de
concretizar-se dentro de uma vasta gama de recursos educacionais
especiais e, por isso, foi denominado de “sistema de cascata”.
Em nosso sistema educacional encontramos atualmente uma verdadeira
integração não planejada ou uma inclusão incipiente. A integração não
planejada se refere à presença de crianças com deficiência na sala comum,
sem apoio especializado e sem planejamento.
Isso ocorre por causa da escassez e baixa qualidade do atendimento
especializado, bem como por carência de serviços de diagnósticos precoce,
fazendo com que a escola regular se torne a única alternativa disponível.
Vemos que no Brasil o acompanhamento das posturas internacionais se faz
através de leis que postulam determinadas ações, mas cuja implementação
é lenta e não planejada.
Inclusão e integração
O termo inclusão tem sido usado com múltiplos significados. Em um dos
extremos, encontram-se os que advogam a inclusão como colocação de
todos os alunos, independente do grau e tipo de incapacidade, na classe
regular, com a eliminação dos serviços de apoio de ensino especial.
Torna-se então necessário diferenciar os termos integração e inclusão. Em
que sentido eles são diferentes? Seria a inclusão apenas uma integração
com ares de modernidade?
No seu sentido etimológico, integração vem do verbo integrar, que significa
formar, coordenar ou combinar num todo unificado.
Inclusão, do verbo incluir, significa compreender, fazer parte de, ou
participar de. Nota-se que no significado de inclusão aparece a palavra
participar, fazer parte, o que pressupõe outra visão.
Participação é uma necessidade fundamental do ser humano e o homem só
terá possibilidade de total desenvolvimento numa sociedade que favoreça a
sua participação.
Do ponto de vista educacional, embora tanto a integração quanto a inclusão
tratem da incorporação da criança com deficiência pelo ensino regular,
existe uma diferença básica.
Integração refere-se a intervenções necessárias para que a criança com
necessidades especiais possa acompanhar a escola, sendo o trabalho feito
individualmente com ela e não com a escola.
Inclusão é o oposto. É um movimento voltado para o atendimento das
necessidades da criança, buscando um currículo correto para incluí-la.
Considerando que a pluralidade, e não a igualdade é a principal
característica do ser humano e que a educação deve contemplar essa
diversidade da condição humana, propiciando oportunidades iguais para
seu desenvolvimento, fica evidente que não é apenas o educando, com
deficiência ou não, que deve adaptar-se ao sistema de ensino. É a escola
que deve atender às necessidades da criança para a sua real participação.
Porém, para que isso aconteça, torna-se necessário que o sistema de
ensino propicie recursos educacionais especiais para atender às
necessidades educacionais especiais. Alguns autores sugerem formas de
viabilizar a inclusão nas escolas.
Masini adverte que é necessário um preparo cuidadoso, em vários níveis e
aspectos, para que ocorra a inclusão, assinalando alguns fatores
importantes para isso:
- Necessidade de que cada educador conheça seus próprios limites
pessoais e de formação e saiba em que medida pode contribuir para a
inclusão da criança deficiente.
- As condições e limites de cada escola sejam examinados. - As formas
possíveis para que o processo de inclusão se realize em beneficio da
criança deficiente sejam analisadas.
- Os projetos educacionais se façam em uma dialética teoria/prática, numa
constante avaliação do que ocorre com a criança deficiente. Para Mrech a
efetivação da prática educativa da inclusão pressupõe suportes técnicos.
Para isso, ela propõe:
- Aconselhamento aos membros da equipe para desenvolverem novos
papéis para si e para os demais profissionais envolvidos.
- Auxilio na criação de novas formas de estruturação do processo ensinoaprendizagem direcionadas às necessidades dos alunos.
- Oportunidades de desenvolvimento aos membros da equipe.
- Apoio ao professor de sala comum em relação às dificuldades de cada
criança e de seus processos de aprendizagem.
- Compreensão, por parte dos professores, da necessidade de ultrapassar
os limites da cada criança a fim de levá-la a alcançar o máximo de suas
potencialidades.
- Possibilidade de que os professores tenham acesso a alternativas para a
implantação de formas mais adequadas de trabalho.
Uma política efetiva de Educação Inclusiva deve ser gradativa, contínua,
sistemática e planejada para proporcionar às crianças com deficiência uma
educação de qualidade, atendendo às suas necessidades. O desejável é
que haja uma educação de qualidade para todos os alunos, com ou sem
deficiência.
A prudência não deve ser um empecilho para adiar eternamente a
efetivação da inclusão e sim servir de base real para superação das
dificuldades que se interponham à construção de uma escola única e
democrática.
A Educação Inclusiva não pode continuar a ser vista como uma utopia, mas
sim encarada como uma realidade possível e desejável.
Projeto “Educar Mais 1”
O projeto “Educar Mais 1” visa a inclusão de crianças com Síndrome de
Down em classes comuns no ensino regular. Esse projeto é uma das
propostas que está sendo desenvolvida por um grupo de pais de crianças
com Síndrome de Down.
O grupo começou a se reunir para compartilhar suas experiências na
educação de seus filhos, criando a Associação Mais 1, entidade cujo
objetivo é trabalhar as questões de inclusão de pessoas com necessidades
especiais, não exclusivamente Síndrome de Down.
Este Projeto foi baseado nas teorias e metodologias do Projeto Roma,
desenvolvido em Málaga, Espanha, coordenado pelo Professor Miguel
Lopez Melero.
A abordagem de Melero em relação à educação de pessoas com Síndrome
de Down chamou a atenção de pais de crianças com esta síndrome,
pertencentes ao grupo “Espaço XXI”, de Campinas, que procuraram
conseguir o máximo de informações sobre o Projeto Roma.
Em maio de 1998 teve início uma primeira iniciativa concreta, na linha do
Projeto Roma, com cinco crianças em idade pré-escolar, em Campinas.
Uma coordenadora foi contratada pelos pais e passou a atuar, juntamente
com algumas mediadoras, nos contextos: escolar e familiar das crianças,
para facilitar sua inclusão em todas as atividades escolares sociais.
No início de 1999, uma mãe de criança com Síndrome de Down e a diretora
de uma escola de Belo Horizonte participaram de um congresso sobre o
Projeto Roma e, a partir disso, formaram um novo grupo na capital de Minas
Gerais.
No início de 2001, um grupo de pais de crianças com Síndrome de Down
decidiu, após saber das experiências de Campinas e Belo Horizonte, iniciar
um plano de implantação de projeto similar em São Paulo denominando-o
Projeto “Educar Mais 1”.
As primeiras crianças participantes do projeto ingressaram em escolas
regulares no primeiro semestre de 2002.
Objetivo e normas
O projeto “Educar Mais 1” é um programa de inclusão escolar que visa à
inserção total das crianças a partir dos seguintes pontos de vista:
- Físico, com a inserção das crianças em classes comuns e participação em
todas as atividades escolares.
- Social, com a aceitação da criança pela comunidade escolar e pela
sociedade, permitindo seu desenvolvimento global e sua participação em
seu grupo social.
- Pedagógica, abrindo a possibilidade de a criança realizar as mesmas ou
semelhantes atividades pedagógicas das outras crianças, sem mudança
curricular.
Em consonância com o projeto Roma, que serviu de modelo teórico e
metodológico, foram estabelecidas pelo grupo de pais e coordenação do
projeto algumas normas para seu desenvolvimento:
- É fundamental a participação e o comprometimento dos pais, acreditando
nas reais potencialidades dos seus filhos. O mesmo comprometimento se
espera das escolas e dos professores.
- Será designado um mediador, cuja função é estabelecer a ponte entre a
família e os profissionais da educação, trabalhando com os dois contextos
da criança: familiar e escolar estabelecendo um elo de informação e união
entre esses contextos.
- É função do mediador estar na escola uma vez por semana, durante o
período escolar, observando a criança e o grupo, mas não interferindo em
nada na dinâmica da aula ministrada pelo professor.
- Para discutir os aspectos observados em sala de aula, o mediador
realizará reuniões com os professores e outros profissionais envolvidos com
a criança (terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo).
- Em nenhum momento questiona-se o papel do professor como condutor
do processo de aprendizado. A presença do mediador em sala de aula
presta-se à identificação das dificuldades, propondo formas de ajudar a
superá-las.
- Não são propostas mudanças ou adaptações de currículo, mas apenas
mudanças na didática. Para apoiar os processos cognitivos, são utilizados
recursos metodológicos, tais como: álbuns fotográficos e vídeos, projetos
concretos baseados no cotidiano da criança.
- O mediador também deve estabelecer contatos semanais com os pais
para discutir o processo de aprendizagem.
- As observações do mediador serão discutidas com o coordenador em
reuniões semanais.
- O mediador apoia diretamente o professor e as famílias e, indiretamente, a
criança. A coordenadora apoia a mediadora, discutindo suas observações e
atuações.
Projeto Roma
O Projeto Roma, que serviu de base para o Projeto “Educar Mais 1”, surgiu
em 1991, como um trabalho investigativo, na Universidade de Málaga,
Espanha, coordenado pelo Professor Miguel Lopez Melero em colaboração
com o Serviço Neuropsicopedagógico do Hospital Bambino Gesù de Roma,
Itália.
Num primeiro momento, constitui-se uma equipe multidisciplinar para avaliar
os processos de ensino-aprendizagem de pessoas com Síndrome de Down,
de forma mais integrada.
A ideia central foi a investigação com pessoas com Síndrome de Down, no
sentido da elaboração de uma nova teoria da inteligência. A questão que a
equipe colocou foi: a inteligência se define ou se constrói?
Inicialmente o projeto foi investigativo, fazendo um estudo, com análise e
avaliação neuropsicopedagógica sobre os processos de intervenção
educativa e as estratégias de aprendizagem num grupo de pessoas com
Síndrome de Down de 0 a 22 anos. Quatro pontos fundamentais foram
levantados:
- Questionar os preconceitos médicos e psicológicos sobre as
possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento dos trissômicos-21
(competência cognitiva e cultural).
- Conhecer a estrutura cognitiva das pessoas com trissomia-21.
- Identificar as estratégias mais adequadas de intervenção nos diferentes
contextos.
- Identificar os resultados do desenvolvimento das estratégias nos
diferentes agentes (família, escola, sociedade).
Os resultados da pesquisa podem ser considerados como os princípios de
um novo modelo de conhecimento das possibilidades cognitivas e culturais
das pessoas com trissomia-21.
O projeto teve como objetivos concretos:
- Avaliar e diagnosticar em que condições se produzem as dificuldades de
ensino-aprendizagem das pessoas com Síndrome de Down.
- Facilitar às famílias dessas pessoas, através da mediação, estratégias de
intervenção.
- Evolver os professores na elaboração de um currículo alternativo que
responda ao interesse de todos os alunos.
- Avaliar os projetos educativos no âmbito familiar e escolar.
- Demonstrar que, quando aumenta a competência cognitiva e cultural das
pessoas com Síndrome de Down, elas conseguem maior autonomia pessoal e
social e melhor qualidade de vida.
- Oferecer indicadores de qualidade de vida relacionados com uma nova teoria
de inteligência.
Teorias
O projeto Roma parte dos seguintes princípios:
- A educação das pessoas com Síndrome de Down, desde o seu principio,
deve objetivar sua autonomia individual na idade adulta. Para isso não é
necessário um modelo de educação específico para essas pessoas e sim um
modelo educativo que respeite a diversidade cognitiva e cultural. É fundamental
que os indivíduos integrantes do contexto social e cultural em que cada pessoa
vive conheçam, compreendam e respeitem a diferença.
- É necessário dar oportunidades educativas apropriadas a cada pessoa com
Síndrome de Down, respeitando seus modos e ritmos de aprendizagem.
- A pessoa com Síndrome de Down deve ser reconhecida como ela é e não
como gostaríamos que fosse. As diferenças devem ser um ponto de partida e
não de chegada na educação, para desenvolver estratégias e processos
cognitivos adequados. Como embasamento desses princípios, o Projeto Roma
fundamenta-se nos referencias teóricos de Habermas, Luria, Vygotsky e
Bruner.
Teoria da Ação Comunicativa (Habermas)
Segundo esta teoria, a mudança social ocorre por meio da comunicação e da
capacidade discursiva das pessoas. É a comunicação que vai permitir que as
pessoas com Síndrome de Down tenham a possibilidade de desenvolver ações
para melhorar suas condições de qualidade de vida e de emancipação social.
O projeto Roma foi desenvolvido como um modelo educativo que entende a
aprendizagem como um processo interativo entre os participantes, um
processo que ajuda a reflexão.
Nesse sentido, o objetivo da educação é criar situações para que se dê o
diálogo intersubjetivo em condições de igualdade. Nessa concepção
comunicativa é necessário contemplar as opiniões de todas as pessoas
envolvidas no processo educativo (educadores, especialistas, mediadores,
família).
Neurologia dos Processos Cognitivos (Luria)
No Projeto Roma, o papel da neurologia, baseado nos pressupostos de Luria, é
o de compartilhar um modelo de referência em relação à aprendizagem, ao
desenvolvimento e à educação.
É importante levar em conta as alterações neurobiológicas e neuropsicológicas
na Síndrome de Down e observá-las para chegar à neurologia dos processos
cognitivos.
Segundo essa teoria, não é possível separar o “cérebro” do “contexto”,
portanto, é necessária uma ação educativa nos contextos para chegar ao
sistema nervoso central e promover seu desenvolvimento.
O cérebro se organiza através de uma complicadíssima série de redes
neuronais que se formam a partir das experiências do indivíduo. Felizmente
essas redes são flexíveis e é possível contribuir, através de experiências
significativas, na criação de circuitos neuronais sempre novos.
Os processos cognitivos são algo a adquirir e não algo estático dado pela
carga genética. O desenvolvimento dos processos cognitivos é dinâmico e
processual, rompendo princípios deterministas.
O importante é que no período crítico do desenvolvimento do cérebro, quando
a “sinaptogenesis” está em seu período de máxima expressão e tem alto
potencial para plasticidade, sejam fornecidas experiências significativas para
acelerar o processo maturativo.
Ambientes (contextos) que propiciam experiências significativas podem
modificar as estruturas sinápticas. Ambientes privados de experiências
significativas podem reduzir esse tipo de estrutura. Portanto, é importante uma
educação precoce adequada e coerente com a modificação dos contextos.
A Psicologia da Atividade (Vygotsky)
A partir de um ponto de vista psicológico, o Projeto Roma fundamenta-se no
pensamento de Vygotsky de que o desenvolvimento da criança se produz
por importantes influências culturais.
Vygotsky não distingue dois modos de desenvolvimento: um para pessoas
que têm atraso mental e outro para as pessoas que não o têm. Enfatiza que
a premissa que deve constituir a base do estudo científico do
desenvolvimento é a ideia da unidade das leis do desenvolvimento da
criança com atraso mental e da criança sem atraso mental. Esse atraso
deve ser entendido com um processo.
O conceito de Vygotsky mais popular e influente na educação é o da “Zona
de Desenvolvimento Proximal”, pois sintetiza suas ideias sobre a relação
entre educação e desenvolvimento.
Segundo Vygotsky, desenvolvimento e aprendizagem estão profundamente
inter-relacionados, sendo que um não pode ser explicado sem o outro,
apesar de serem processos diferentes.
A aprendizagem pode abrir continuamente novos progressos cognitivos
qualitativos. Esse autor considera a aprendizagem como um processo
mediado pela interação com os outros, que está sempre melhorando o
desenvolvimento, cria desenvolvimento porque é responsável pela “Zona de
Desenvolvimento Proximal”.
Zona de Desenvolvimento Proximal é a distância entre o nível de
desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução
independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
A aprendizagem mediada concebe-se como um meio que leva ao
desenvolvimento cognitivo. A zona competencial (Zona de Desenvolvimento
Proximal) é produzida a partir do sujeito (Nível de Desenvolvimento Atual)
no nível de desenvolvimento que se pode alcançar com a ajuda de um
adulto (Nível de Desenvolvimento Potencial).
O desenvolvimento tem lugar em um nível sócio-histórico, dentro de um
contexto cultural. Para que o indivíduo interiorize processos mentais é
necessário fazer a passagem do plano social ao individual, do
funcionamento interpsicológico ao intrapsicológico.
Essa transição ocorrerá através da qualificação dos contextos e da
mediação da aprendizagem.
Educação como cultura (Bruner)
Segundo Bruner, como seguidor do pensamento vygotskyniano, partindo
dos primeiros anos de vida da criança (contexto familiar), criam-se ou
começam a se desenvolver espécie de plataformas de entendimento entre
mãe e filho, o que é a primeira oportunidade de cultura da criança.
A mãe (ou adulto) e a criança relacionam-se em brincadeiras cotidianas e
rotineiras e em atividades interativas e essa relação social é o que Bruner
denomina “formato”. Os adultos, principalmente a mãe, fornecem à criança
ajudas essenciais à aprendizagem.
Relacionando esse raciocínio à Teoria de Vygotsky, Bruner sustenta que
são esses “andaimes”, ou esquemas de intervenção conjunta, que permitem
à criança alcançar a Zona de Desenvolvimento Proximal.
A criança realiza, a princípio, as atividades mais fáceis, e o adulto a ajuda
realizar, ou realiza para ela as mais complexas e, de modo contínuo, a
criança vai tendo mais responsabilidade nas ações e o adulto menos.
Essa alternância de competências, tendo em conta o modo e o ritmo de
aprendizagem de cada criança, vai permitir a aquisição da autonomia
pessoal e social necessária para sua própria aprendizagem.
No caso das crianças com Síndrome de Down, essas primeiras
experiências podem ficar comprometidas pelo impacto que produz na mãe a
notícia de ter um filho com esta síndrome.
Se essas primeiras experiências não ocorrem satisfatoriamente, as trocas
entre a mãe e a criança com Síndrome de Down, no desenvolvimento
evolutivo, não vão se produzir, o que ocasiona um vazio na criança para
formar os “andaimes”, ou seja, os esquemas de ação conjunta, e isso
origina uma lacuna cognitiva.
A linguagem é um instrumento fundamental de intercâmbio entre mãe e
filho. O diálogo, quando ocorre, permite que a criança aprenda a falar,
conhecer e construir conceitualmente o mundo com ajuda da mãe.
Para a criança com Síndrome de Down é extremamente importante que o
adulto intervenha o mais cedo possível, ampliando seus horizontes
experimentais, propiciando atividades que promovam a Zona de
Desenvolvimento Proximal.
O Projeto Roma objetiva ajudar na elaboração de itinerário para o
desenvolvimento intelectual, social e moral das pessoas com Síndrome de
Down, para que consigam sua autonomia cognitiva e cultural.
Forma de intervenção
O modelo educativo do Projeto Roma opõe-se ao modelo de intervenção
didática que considera as pessoas com Síndrome de Down como a origem e a
causa de sua desvantagem, apontando suas incapacidades e negando sua
competência cognitiva.
Tal modelo, conhecido como modelo deficitário, é centrado no sujeito como
única causa de seus problemas cognitivos e de aprendizagem (modelo médico)
e não se busca a causa das dificuldades no contexto onde a pessoa se insere.
É um modelo de intervenção individualizado, incidindo nas incapacidades e não
nas possibilidades do indivíduo. Busca um modo de intervir específico e os
profissionais se tornam especialistas na deficiência.
No Projeto Roma, a intervenção educativa, tanto no âmbito familiar quanto no
escolar, seguirá os princípios do modelo educativo competencial. As premissas
básicas que sustentam esse modelo educativo são, por um lado, a
consideração da escola como um sistema organizado e, por outro, o respeito à
diferença entre as crianças.
Deve-se levar em conta os distintos modos e ritmos de aprendizagem de cada
criança, em função de seu modo particular de ser, aceitando a diversidade
como elemento de progresso e de riqueza coletiva, assumindo as diferenças
como ponto de partida e não de chegada da educação.
O interesse é em saber que itinerários mentais constrói cada criança com
Síndrome de Down para resolver os problemas da vida cotidiana, sendo mais
valorizado o processo do que o resultado.
A partir disso, busca estabelecer pontes cognitivas entre os alunos e currículo
para que elas adquiram e desenvolvam estratégias que lhe permitam
conquistar autonomia intelectual.
Assim, o primeiro objetivo de um currículo é ensinar aos alunos processos e
estratégias de raciocínio efetivo que possam utilizar na aprendizagem e na
solução de problemas.
Porém, o Projeto Roma vai além e objetiva que os alunos “aprendam a
aprender” e que os pais e professores “aprendam a ensinar”. Esse modelo
educativo pretende que as pessoas com trissomia-21 pensem sobre o que
pensam, para que possam refletir sobre os processos e estratégias lógicas que
utilizam para entender o mundo e, assim, assumam a autonomia e não a
dependência.
A intervenção educativa, tanto no âmbito familiar quanto no escolar, seguirá
os princípios dos modelos de processamento simultâneo e sucessivo que
são conhecidos como Pass (planificação – atenção – simultânea –
sucessiva).
Parte do pressuposto que, para se entender a cognição do ser humano, é
necessário levar em conta as três áreas neurofisiológicas de Luria:
atenção/estimulação, codificação/processamento simultâneo-sucessivo e
planificação.
Para conseguir o desenvolvimento cognitivo e metacognitivo nas crianças
com Síndrome de Down, o Projeto Roma usa da mediação de
aprendizagem.
Esse processo de mediação é especialmente importante quando se
trabalha com pessoas com Síndrome de Down, pois elas necessitam mais
de degraus do que crianças sem deficiência.
O mediador terá o papel de facilitador entre os diversos contextos de
aprendizagem. Sua função principal é atender e assessorar os professores
e pais na mediação de aprendizagem da criança, com estratégia adequada
à problemática que se apresenta.
A mediação auxiliará a incluir no cotidiano da criança aquilo que desejamos
que ele aprenda (currículo). Compreende-se que pessoas com capacidades
cognitivas diferentes requeiram estratégias de aprendizagem diferenciadas.
É necessário que a família, com o auxilio da mediação, interprete os
conteúdos acadêmicos e ofereça situações experimentais da vida real e
cotidiana que contemplem esses conteúdos.
Trabalhando dessa forma, a criança poderá transferir as aquisições
cognitivas novas ou conteúdos novos, mas que lembrem o já aprendido.
O principal ponto do Projeto Roma tem sido atender famílias com diferentes
realidades, bem como escolas com situações diversas e, através da
mediação, estabelecer pontes cognitivas como estratégias metodológicas.
Para isso, usa de estratégias facilitadoras, tais como trabalho com álbuns
de fotografias, experiências do cotidiano, projetos educativos concretos
(projeto casa, projeto agenda, projeto amigo, entre outros).
Princípios e fundamentos para construção de uma escola
inclusiva
A inclusão é um processo complexo que configura diferentes dimensões:
ideológica, sociocultural, política e econômica. Os determinantes relacionais
comportam as interações, os sentimentos, significados, as necessidades e
ações práticas; já os determinantes materiais e econômicos viabilizam a
reestruturação da escola.
Nessa linha de pensamento, a educação inclusiva deve ter como ponto de
partida o cotidiano: o coletivo, a escola e a classe comum, onde todos os
alunos com necessidades educativas, especiais ou não, precisam aprender
ter acesso ao conhecimento, à cultura e progredir no aspecto pessoal e
social.
Estudos e experiências realizadas em escolas que estão obtendo êxito no
projeto de inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais
na escola regular apontam princípios e fundamentos:
- o princípio da identidade: a construção da pessoa humana em todos seus
aspectos: afetivo, intelectual, moral e ético;
- a sensibilidade estética diz respeito à valorização da diversidade para
conviver com as diferenças, com o imprevisível, com os conflitos pessoais e
sociais, estimulando a criatividade para a resolução dos problemas e a
pluralidade cultural;
- toda criança pode aprender, tornar-se membro efetivo e ativo da classe
regular e fazer parte da vida comunitária;
- a construção de laços de solidariedade, atitudes cooperativas e trabalho
coletivo proporcionam maior aprendizagem para todos;
- a inclusão significa transformação da prática pedagógica: relações
interpessoais positivas, interação e sintonia professor-aluno, famíliaprofessor, professor-comunidade escolar e compromisso com o
desempenho acadêmico;
- a inclusão depende da criação de rede de apoio e ajuda mútua entre
escolas, pais e serviços especializados da comunidade para a elaboração
do projeto pedagógico;
- o projeto pedagógico deve garantir adaptações necessárias ao currículo,
apoio didático especializado e planejamento, considerando as necessidades
educacionais de todos os alunos e oferecendo equipamentos e recursos
adaptados quando necessários;
- o professor da classe regular assume a responsabilidade pelo trabalho
pedagógico e recebe apoio do professor especializado, dos pais e demais
profissionais envolvidos para a identificação das necessidades educacionais
especiais, a avaliação do processo de desenvolvimento e aprendizagem e o
planejamento de metas;
- o sucesso do processo de aprendizagem depende do projeto de inclusão,
com trabalho cooperativo entre o professor regular e o professor
especializado na busca de estratégias de ensino, alternativas
metodológicas, modificações, ajustes e adaptações na programação e
atividades;
- a modificação do processo de avaliação e do ensino: avaliação qualitativa
dos aspectos globais como competência social, necessidades emocionais,
estilos cognitivos, formas diferenciadas de comunicação, elaboração e
desempenho nas atividades;
- uma maior valorização das possibilidades, das aptidões, dos interesses e
do empenho do aluno para a realização das atividades, participação nos
projetos e trabalhos coletivos;
- a priorização, além do acesso à cultura e ao conhecimento, do
desenvolvimento da autonomia e independência.
- a escola e sala de aula devem ser um espaço inclusivo, acolhedor, um
ambiente estimulante que reforça os pontos fortes, reconhece as
dificuldades e se adapta às peculiaridades de cada aluno;
- uma gestão democrática e descentralização com repasse de recursos
financeiros diretamente à escola para reestruturação e organização do
ambiente, da sala de aula e para as adaptações que se fizerem
necessárias;
- o êxito do processo de aprendizagem e da inclusão depende da formação
continuada do professor, de grupo de estudos com os profissionais
envolvidos, possibilitando ação, reflexão e constante redimensionamento da
prática pedagógica.
Educação Inclusiva
A inclusão é um processo dialético complexo, pois envolve a esfera das
relações sociais inter e intrapessoais vividas na escola. No seu sentido mais
profundo, vai além do ato de inserir, de trazer a criança para dentro do centro
de educação infantil. Significa envolver, compreender, participar e aprender.
Assim, no processo de inclusão, a criança com necessidades educacionais
especiais não pode ser vista apenas por suas dificuldades, limitações ou
deficiências.
Ela deve ser olhada na sua dimensão humana, como pessoa com
possibilidades e desafios a vencer, de forma que os laços de solidariedade e
afetividade não sejam quebrados.
Essas são atitudes éticas que não implicam apenas no respeito ou valorização
das diferenças, mas em uma questão de posturas positivas, adequadas e,
acima de tudo, de compromisso pedagógico para que o aluno construa, à sua
maneira, o conhecimento, e avance na aprendizagem.
Nesse sentido, Ainscow (1995) afirma que torna-se fundamental a escola
passar de uma visão estreita e mecanicista do ensino, na qual os alunos não
progridem em virtude de suas dificuldades ou deficiências, e por isso
necessitam de uma intervenção educacional especial, para adotar estratégias
de transformação das condições sociais e ambientais.
Essa nova visão tem como eixo central o processo de aprendizagem na classe
comum, a modificação e reorganização do sistema educativo. A crença em
métodos fixos impede a busca de alternativas de ensino e a criação de
recursos e materiais que promovam a aprendizagem de todos os alunos.
A educação infantil, não somente a de crianças com necessidades
educacionais especiais é um processo complexo que exige uma profunda
compreensão acerca dos contornos do contexto escolar, das condições
concretas, dos conteúdos propostos e das estratégias.
O eixo central da proposta inclusiva é proporcionar melhores condições de
aprendizagem para todos por meio de uma transformação radical da cultura
pedagógica.
Exige-se, assim, que as relações interpessoais e o fazer pedagógico sejam
postos em discussão, evitando-se, dessa forma, que não sejam camuflados ou
projetados no aluno, a quem, na maioria das vezes, se atribui o fracasso
escolar em virtude de suas carências ou deficiência.
O pressuposto da abordagem pedagógica inclusiva é que o conhecimento é
construído pelo indivíduo e a aprendizagem é um processo com tempo e
ritmo diversificado, determinado pela qualidade da interação, do nível de
participação e problematização, das oportunidades de vivenciar
experiências, construir significados, elaborar e partilhar conhecimentos em
grupo.
Assim, a escola, o professor e a família têm papel determinante na
mediação sociocultural para que o aluno avance no processo de
desenvolvimento, aprendizagem e na formação humana por meio de
situações desafiadoras para o desenvolvimento positivo da autoimagem,
independência e autonomia.
A proposta pedagógica, numa visão construtivista do conhecimento, tem no
aluno e em suas possibilidades o centro da ação educativa. Assim, o
processo pedagógico é construído a partir das possibilidades, das
potencialidades, daquilo que o aluno já dá conta de fazer.
É isso que o motiva a trabalhar, a continuar se envolvendo nas atividades
escolares, garantindo assim o seu sucesso e sua aprendizagem. Essas
abordagens enfatizam a aprendizagem ativa e o trabalho cooperativo em
grupo, o que cria ambientes mais adequados à aprendizagem.
Esse modo de trabalhar muda o foco das deficiências para a reflexão sobre
as atitudes, a prática pedagógica e, sobretudo, traz para a escola a
responsabilidade de repensar os fatores estruturais e organizacionais na
sala de aula. Acaba, dessa maneira, beneficiando a todos.
O conteúdo e as atividades devem levar em conta o princípio da
aprendizagem significativa: atividades que partam de experiências positivas
para os alunos, dos interesses, dos significados e sentidos atribuídos pelos
mesmos.
Para isso, há necessidade de cooperação e troca com a família, que
informa sobre os gostos, preferências, rejeições, vivências e informações
que o aluno já possui.
Para que as crianças com necessidades educacionais especiais possam se
incluídas no ambiente escolar com sucesso há necessidade de professores
empenhados na interação, interessados em compreender suas
necessidades e desejos, e disponíveis para interpretar suas formas de
expressão e comunicação, muitas vezes diferentes daquelas das demais
crianças da mesma faixa etária.
Assim, o processo de avaliação na perspectiva da educação inclusiva e da
aprendizagem significativa não está centrado apenas no desenvolvimento
de habilidades e competências, nem na capacidade de assimilar conteúdos
e acumular informações.
Também está voltado para a possibilidade de pensar, fazer escolhas, agir
com autonomia, relacionar-se com o outro e com o objeto de conhecimento,
de comunicar-se, expressar sentimentos, ideias, resolver problemas, criar
soluções, desenvolver a imaginação e participar criticamente do convívio
social.
Princípios básicos da educação especial
Acreditar que o acesso a uma educação de qualidade nos primeiros anos
de vida da criança é um direito universal.
- Reforçar a ideia de que uma educação de qualidade nos primeiros anos
de vida beneficia a criança, sua família e a sociedade.
- Garantir que toda criança vivencie um ambiente enriquecido que
reconhece e incorpora os seus valores culturais e linguísticos.
- Garantir o direito de toda criança de ser feliz, saudável e de ter o seu
potencial desenvolvido em um ambiente que a respeita e provê cuidados
essenciais.
Além desses princípios básicos a serem considerados, a ECCD (Early
Childhood Care for Development – World Bank) com base na Convenção
dos Direitos da Criança (1989) e na Declaração de Salamanca, entre outros
documentos, propõe ainda outros 15 princípios que todo currículo deve
contemplar.
O currículo proposto para uma criança deve favorecer experiências em um
ambiente no qual:
- A criança aprenderá quem ela é, seu valor enquanto pessoa, sua cultura e
seu país. - A criança deverá estar segura em um ambiente que não a agride
física, emocional ou socialmente e não vivencia abuso ou discriminação.
- A criança tem garantido o direito à saúde e ao bem-estar.
- A criança vivencia experiências positivas, pacíficas e afirmativas.
- Seu contexto de aprendizagem é rico em estímulo, motivador e alegre.
- As experiências deverão estimular sua curiosidade e a exploração ativa,
considerando sempre seu ritmo e seus interesses. A importância do brincar
deverá ser sempre reconhecida e o tempo para pensar e fantasiar deverá
ser garantido.
- A criança deverá aprender a conservar seu ambiente físico e cultural.
- Os profissionais e a família observam criteriosamente seu progresso,
estabelecendo objetivos apropriados para sua aprendizagem, provendo um
ambiente enriquecido no qual a experiência da criança seja bem sucedida e
desafiadora para novas aquisições e onde o seu potencial para aprender
seja reconhecido.
- A aprendizagem não é limitada por discriminação sexual.
- A aprendizagem não é limitada por discriminação de raça ou pela cor.
- As decisões sobre a educação da criança deverão ser compartilhadas com
sua família. - Os conflitos são resolvidos pacificamente.
- A importância da família e do lar é reconhecida.
- A aprendizagem é reconhecidamente como processo para toda a vida e
inclusive para os adultos que acompanham a criança e que estão também
em processo de aprendizagem.
- Todas as pessoas têm o direito de terem implementados esses princípios.
Estrutura curricular
O currículo é a soma de todas as experiências diretas e indiretas de uma
criança em um contexto ambiental. Um serviço de educação deve ter um
currículo planejado, porque tudo o que acontecer com uma criança será
sempre uma experiência de aprendizado.
É importante que seja desenvolvido um currículo dentro de uma estrutura
de valores, crenças e princípios básicos para garantir que as experiências
de aprendizagem sejam positivas para as crianças em idade precoce.
Decidi-lo da melhor forma possível é de fundamental importância para o
futuro da criança.
Proposta de experiências a serem proporcionadas: 1. Representação
criativa:
- Reconhecimento de objetos pela visão, toque, gosto e cheiro. - Imitação
de ações e sons.
- Associação de modelos, figuras e fotografias a fatos ou coisas reais. Imitação e dramatização.
- Construção com blocos ou outros materiais a partir da observação de um
modelo.
- Desenhar e pintar.
Linguagem e literatura:
- Exploração de livros de pano ou plástico ricos em cores e texturas.
- Expressar pela fala, ou outras formas de comunicação e expressão
artística, suas experiências pessoais.
- Descrição de objetos, fatos e suas relações.
- Uso prazeroso da linguagem: ouvir histórias e versinhos, fazer histórias e
rimas.
Iniciativa e relações sociais:
- Participar de jogos e brincadeiras nas quais gestos imitativos e interativos
sejam estimulados como em cantigas folclóricas acompanhadas de
movimentos combinados.
- Fazer e expressar escolhas, planejamentos e decisões.
- Solução de problemas em brincadeiras.
- Cuidados com seu próprio corpo.
- Expressão de sentimentos.
- Participação em rotinas de grupos.
- Ser sensível aos sentimentos, interesses e necessidades dos outros.
- Construir relações com crianças e adultos.
Movimento:
- Movimento não locomotor (sem sair do lugar, dobrar, torcer, balançar,
sacudir, tremer o corpo, girar os braços entre outros).
- Movimento locomotor (arrastar, rolar, correr, pular, saltar, passar por cima
de obstáculos, marchar, escalar etc.).
- Mover-se com objetos (velotrol, bicicleta, entre outros).
- Expressão de criatividade no movimento.
- Descrição do movimento. - Representação de movimentos direcionais.
- Percepção e marcação de ritmos com o corpo sem deslocamento.
- Movimento de deslocamento do corpo em sequência à apresentação de
ritmo.
Música:
- Movimento de acordo com a música.
- Exploração e identificação de sons.
- Exploração de músicas cantadas.
- Desenvolvimento de melodias.
- Execução de instrumentos musicais simples.
Classificação:
- Exploração e descrição de similaridades, diferenças e as características
dos objetos.
- Distinção e descrição de formas.
- Classificação e emparelhamento de objetos.
- Uso e descrição de algum objeto de várias formas.
Seriação:
- Comparação de atributos (grande, pequeno, pesado e leve).
- Arranjo de objetos, um após o outro, em uma série ou em padrões, e
descrição dessas relações (bloco azul - bloco vermelho – azul - vermelho).
- Troca de um arranjo de objetos ordenados por outro tipo de objeto por
meio de tentativa e erro (trocar uma série de copos em três tamanhos
diferentes por uma série de bonecas também em três tamanhos diferentes).
Números:
- Contagem de objetos.
- Arranjo de dois conjuntos de objetos fazendo correspondência um a um.
- Comparação de dois conjuntos de objetos para determinar qual tem mais,
menos, ou o mesmo número.
Espaço:
- Preenchimento e esvaziamento de recipientes.
- Arranjo de objetos juntos e separados.
- Mudança da forma e arranjo dos objetos (embrulhar, torcer, esticar,
empilhar, guardar dentro de uma caixa).
- Observação de pessoas, lugares e coisas de diferentes pontos de vista
espacial.
- Experimentação e descrição de posições, direções e distâncias no
parquinho, escola e vizinhança.
- Interpretação de relações espaciais em desenhos, figuras e fotografias.
Tempo:
- Início e fim de uma ação em resposta a um sinal combinado.
- Experimentação e descrição de velocidades diferentes de movimento.
- Experimentação e comparação de intervalos de tempo.
- Antecipação, memorização e descrição de sequencias de eventos.
A criança como um aprendiz ativo
A criança muito pequena aprende conceitos, forma ideias, e cria seus
próprios símbolos ou abstrações por meio de atividades iniciadas pela
própria criança: move-se, ouve, busca, sente, manipula.
Tais atividades, que ocorrem dentro de um contexto social no qual um adulto
alerta e sensível é um observador-participante, torna possível para a criança
ser envolvida em experiências intrinsecamente interessantes que podem
produzir conclusões contraditórias e uma consequente reorganização de sua
compreensão de mundo.
Experiências nas quais as crianças produzem algum efeito no mundo, em
oposição a atividades passivas, são fundamentais para o desenvolvimento de
processos de pensamento.
Isso se dá porque o pensamento lógico da criança é decorrência do esforço
para interpretar as informações obtidas por meio dessas experiências.
Interpretação de novas informações modifica as estruturas interpretativas
existentes na criança à medida que ela se empenha na busca de um modelo
mais lógico e coerente da realidade.
Logo, se um programa educacional pretende incentivar a criança a avançar em
habilidades e competências para solução de problemas, por exemplo, ele deve
prover muitas oportunidades para a criança trabalhar em problemas de seu
interesse, isto é, problemas que surgem de suas próprias tentativas de
compreender o mundo.
O professor passa a ser então um observador atento aos interesses da criança
para fomentar tais situações-problema ou estimular seu interesse para
situações típicas de seu momento de desenvolvimento que venham a despertar
nela esse interesse.
A aprendizagem ativa é baseada em quatro ações básicas:
- Ações diretas sobre objetos: a criança deve manipular objetos naturais ou
não, objetos de casa, brinquedos, equipamentos e instrumentos musicais,
usando seu corpo e seus sentidos para explorar esses objetos. A partir dessas
experiências concretas as crianças gradualmente começam a formar conceitos
abstratos.
- Reflexão sobre as ações: a compreensão da criança sobre seu mundo se
desenvolve a medida que elas executam ações originadas da necessidade de
testar ideias ou encontrar respostas para questões. Uma criança que tenta
alcançar uma bola está perseguindo uma questão interna como “tentar saber o
que esta coisa faz”. Com ações como alcançar, lamber, morder, deixar cair,
empurrar e rolar e depois refletir sobre essas ações, a criança começa a
responder a questão e construir uma compreensão pessoal sobre o que uma
bola faz, por exemplo.
- Motivação intrínseca, invenção e generalização: o ímpeto para aprender
surge claramente de dentro da criança. Os interesses pessoais, questões e
intenções levam à exploração, experimentação e a construção de novos
conhecimentos e compreensões.
- Solução de problemas: quando uma criança encontra um problema real,
resultados inesperados de suas ações ou barreiras às suas intenções, o
processo de harmonizar o inesperado com o que ela sempre soube sobre o
seu mundo estimula a aprendizagem e o desenvolvimento.
Construção do currículo
Na educação infantil do nascimento aos três anos de idade, o currículo deve
abranger igualmente todas as áreas de desenvolvimento de uma criança:
- Cognitiva
- Sensório-perceptiva
- Linguística - Emotiva
- Motora ampla e refinada
- De autoajuda
- Social
O plano de trabalho deve prever oportunidades de construções e
reconstruções variadas e dinâmicas. Ele deve ser avaliado diariamente e
revisto para atender as necessidades evolutivas de cada criança.
O brincar e o brinquedo
Para implementação do currículo, dois importantes recursos devem ser
considerados: o brincar e o brinquedo. O brincar deve ser sempre o modo
preferencial de interação com a criança, garantindo um ambiente prazeroso.
Ao brincar, por meio de jogos ou atividades de natureza estruturada, as
condições básicas para aprendizagem se estabelecem: rotina, disciplina,
atendimento a regras, ritmo de atividade, interação social, motivação para
conclusão das tarefas e prazer em concluir uma atividade e verificar seu
produto.
O brincar estruturado é possível em todas as idades, sendo uma forma
segura de promover experiências de aprendizagem.
O momento ideal para jogos e brincadeiras é quando a criança está
desperta, calma, alerta e saudável, devendo-se aproveitar momentos como
banho, alimentação, ou quando o bebê ou a criança estiverem brincando.
Sugestões de brinquedos:
- Móbiles com tampas coloridas de vasilhames, papel colorido e brilhoso
- Chocalhos: recipientes plásticos com objetos coloridos dentro
- Luvas revestidas de diferentes materiais para estimulação tátil
- Guizos
- Lanterna
- Cubos de espuma
- Chocalhos musicais
- Sino
- Móbiles que produzam algum som ou movimento especial quando tocados
pelos pés ou mãos do bebê
- Rolo de toalha
- Espelho
- Instrumentos sonoros de materiais diversos
- Caixa com brinquedos atraentes
- Caixa com cubos
- Bolas de vários tamanhos
- Copos e garrafas de vários tamanhos para colocar e retirar objetos
- Jogo de esconde-esconde
- Brinquedos de borracha que fazem barulho quando são pressionados
- Balões
- Tocos de madeira e copos
- Caixa com materiais de diversas texturas
- Espelho
- Túnel
- Tubos para empilhar e encaixar
- Cubos de madeira para empilhar
- Carrinho com barbante para puxar
- Bolas
- Fantoches
- Espelho
- Livros de plástico ou de tecido com texturas variadas para estimulação tátil
- Cordão com contas para trabalhar movimento de pinça
- Latas com orifício para colocar dentro botões grandes
- Tubos para encaixe de argolas
- Encaixe de pinos e figuras geométricas (círculo e quadrado)
- Massa de modelar comestível
- Toquinhos de madeira de vários tamanhos e cores para construção
- Livros com figuras grandes e coloridas
- Pintura a dedo
- Desenho livre
- Revistas para folhear
- Desenhos no chão para serem seguidos
- Bonecos grandes
- Caixas, latas e vidros para serem tampados e destampados
- Papel para rasgar
- Instrumentos musicais
- Contas para enviar
- Roupas com botões grandes e velcro
- Fantasias - Ambiente com obstáculos para estimular trajetórias diferentes
de movimento para alcançar brinquedos
- Equipamentos de som com botões fáceis de serem acionados para ouvir
música
- Triciclo
- Livros com palavras indicando o nome de objetos
- Contagem de objetos - Blocos para construção
- Teatrinhos para fantoches
- Amarelinha
- Circuitos de atividades
- Cantigas de roda
- Bicicleta
Avaliação do desenvolvimento da aprendizagem da criança
Para análise ou construção de um instrumento de avaliação, devem ser
analisados os seguintes princípios:
- O desenvolvimento da criança é contínuo, progressivo, e se processa
através de estágios qualitativamente diferentes em um modelo
individualmente único.
- O desenvolvimento da criança é multifacetado, envolvendo diversos
processos que são, contudo, inter-relacionados e interatuantes.
Desenvolvimento inclui diversas áreas de desempenho que podem ser
conceitualmente separadas, mas mutuamente influentes sobre as outras,
em graus variados.
- Desenvolvimento é um processo dinâmico, interativo no qual ambiente e
características da criança se influenciam reciprocamente. As características
da criança influenciam e modificam o impacto do ambiente sobre o
desenvolvimento. A maneira pela qual o ambiente influencia a criança será
parcialmente determinada pela forma pela qual a criança é percebida.
- Certas tendências de autodireção podem ser observadas durante o
processo de desenvolvimento. Muitas crianças possuem uma marcante
resistência em decorrência de um contexto estressante e têm probabilidade
de apresentar desvantagens precoces com relação às demais crianças.
Critérios para seleção de instrumentos de avaliação
- O primeiro critério é o de atenção ao propósito do instrumento. Alguns
instrumentos são descritivos e muito simples, formando uma ideia apenas
geral do desenvolvimento da criança, não fornecendo informações
detalhadas que poderão subsidiar um planejamento curricular amplo e
profundo. - O segundo critério é a necessidade de definir claramente os
objetivos da avaliação, especificando quais aspectos do desenvolvimento o
instrumento é capaz de medir.
- Terceiro, a seleção de indicadores comportamentais deve ser apropriada
para os objetivos do instrumento e para a população na qual o instrumento
será usado. Um exemplo de uso indevido é a utilização de instrumento que
valoriza a resposta verbal da criança sendo aplicado em crianças com
dificuldades de articulação da fala.
- O quarto critério requer que o instrumento seja culturalmente apropriado,
evitando que a avaliação subestime ou superestime o potencial de
desempenho da criança em decorrência de variações de costumes ou
práticas de educação específicas de determinada região que incentivam ou
retardam a aquisição de habilidades e capacidades.
- Quinto, os instrumentos devem ser validados de modo a garantir que o
desempenho da criança possa ser comparado com o desempenho médio
das crianças da mesma idade, oferecendo um referencial do nível de
desenvolvimento em que a criança se encontra nas diferentes áreas de
habilidades.
- Sexto, deve-se garantir que haja confiabilidade na aplicação e correção
dos testes verificando, se há consistência entre os registros dos avaliadores
por meio de novos testes.
- O critério final, na seleção de instrumentos para avaliação de
desenvolvimento, está relacionado a quanto será viável de ser incorporado
em programas educacionais, considerando a sua facilidade de
compreensão e acesso aos instrumentos.
Outro aspecto de grande importância é a avaliação periódica das condições
sensoriais de visão e audição. As habilidades auditivas e visuais devem ser
monitoradas semestralmente, e qualquer perda sensorial, por menor que
seja, deve ser considerada no processo de intervenção.
Esse monitoramento e intervenção se justificam, em primeiro lugar, por ser
de direito do ser humano receber a melhor correção possível para déficits
sensoriais e, em segundo lugar, porque dificuldades de aprendizagem
podem ser potencializadas por dificuldades perceptuais e vice-versa.
Objetivos pedagógicos
Do ponto de vista educacional, um adequado atendimento à infância
considera o desenvolvimento integral da criança, sem descuidar de suas
necessidades básicas, que podem ser traduzidas em:
- segurança material e emocional em toda sua plenitude;
- afeição, relações interpessoais íntimas e profundas de estima recíproca
entre pais e filhos e um relacionamento satisfatório com os membros dos
diversos grupos aos quais venha, gradativamente, pertencer;
- liberdade de autoexpressão, enfatizando-se o valor do brinquedo como
forma de realização de seu mundo interior na busca do equilíbrio entre
impulsos, desejos e interesses;
- segurança intelectual, alcançada por forma coerente de pensar, alicerçada
na segurança material e emocional, o que permite a incorporação dos
valores culturais do meio ambiente e a aquisição de autonomia gradativa,
no limite das fases de desenvolvimento que atravessa.
Deve-se preparar a criança para saber ver e observar, ouvir atentamente e
expor suas opiniões, trabalhar em grupo, fazer planejamento, respeitar
direitos, expressar-se livremente, manifestar independência, reconhecer e
resolver seus próprios problemas.
Tomando por base o desenvolvimento biopsíquico e social da criança, que
deverá ser deduzido pela observação de suas manifestações, mobilidade,
percepção dos sentidos, memória, linguagem, comportamento, hábitos
gerais, as atividades deverão:
- apresentar um conjunto de estímulos que conduza a criança à inserção
natural no mundo que a cerca;
- atuar sob orientação pedagógica que assegure a higiene mental da
criança;
- proporcionar atividades lúdicas que facilitem a compreensão do mundo e a
construção do conhecimento;
- formar hábitos, atitudes e
desenvolvimento da criança.
habilidades conforme
o
estágio
de
A inteligência se desenvolve na interação dos fatores internos da pessoa
(crescimento orgânico, especialmente a maturação do complexo formado
pelo sistema nervoso); e fatores externos (o ambiente social e a ação, a
experiência vivida sobre os objetos).
Entre esses dois grupos há um fator intermediário que atua como
mecanismo regulador, equilibrador. Esses mecanismos são construídos em
etapas sucessivas, acompanhando os estágios do desenvolvimento.
Piaget (1967) o chama de “mecanismo de autor regulação”. Sua função é
colocar o sujeito em equilíbrio diante das perturbações, das dificuldades,
das alterações exteriores. A questão é quais são os meios que se pode,
então, proporcionar à criança para favorecer seu desenvolvimento cognitivo.
Diante disso, deve-se:
- oferecer uma alimentação adequada, em quantidade e qualidade, desde a
concepção, e principalmente no primeiro ano de vida, que é a época de
crescimento mais acelerado do cérebro e do sistema nervoso em geral;
- organizar o ambiente social no qual a criança vive; - criar um ambiente
físico adequado às necessidades da criança, para que ela possa agir sobre
objetos e construir suas experiências;
- atuar junto a ela, com equilíbrio, segurança e como apoio, conhecendo e
respeitando suas limitações, enfatizando especialmente seu potencial, no
sentido de que seu mecanismo interno de regulação acompanhe as
estruturas mentais sucessivas até alcançar a coerência e a organização
mental. Quanto mais rico for o ambiente da criança, em termos de objetos
variados com os quais ela possa brincar, tanto maior será sua base de
experiências.
A função da linguagem
A linguagem está profundamente associada ao desenvolvimento cognitivo.
Ela ajuda a desenvolver o pensamento e a manifestá-lo, e pode nos permitir
conhecer o estágio de desenvolvimento de sua mente. Mais ainda, ela
exerce um papel preponderante nas relações sociais.
Por meio dela expressamos o próprio mundo interior e sabemos o que
ocorre com outra pessoa. Quanto mais rico o vocabulário da criança, mais
condições ela tem de expressar o que lhe ocorre na mente, como de
compreender o que ocorre na mente dos outros.
A linguagem multiplica os poderes do pensamento, em extensão e rapidez.
O esforço de se fazer entender pela linguagem repercute sobre a
organização do pensamento, pois somente consegue expressar-se
claramente quem pensa claramente e ordenadamente.
A linguagem permite ao pensamento liberar-se da situação presente,
imediata: por meio dela pode-se descrever uma situação passada, portanto,
reapresentá-la ou recriá-la ou antecipar uma situação futura.
Ela fornece, assim, ilimitado campo de ação ao pensamento. A criança deve
perceber a importância da linguagem para usá-la sempre, e de forma
expressiva.
Devem ser aproveitadas todas as ocasiões, na pré-escola, para enriquecer
o vocabulário das crianças: falar muito com elas, fazer perguntas, estimular
respostas cada vez mais completas, contar histórias, criar oportunidade
para as crianças tomarem a palavra num grupo, para escutarem os outros,
para lhes responderem, para inventarem histórias, dando livre curso à
imaginação, para descreverem suas atividades presentes ou passadas, ou
projetarem ações futuras.
O papel das atividades criativas
As atividades de criação artística espontânea exercem, também, uma
função muito importante, pois permitem que as crianças joguem com formas
e cores, que suas mãos trabalhem criando-as, combinando-as,
organizando-as.
Há várias maneiras de a criança expressar sua arte: uma é por meio do uso
de pincel, tinta, lápis-cera, cartolina, celofane; outra é o gesto de riscar na
areia ou na terra, com uma pedra ou um pedacinho de madeira. Entre esses
dois extremos, há inúmeras outras possibilidades criativas.
O material que ela usa exerce um papel decisivo à medida que favorece,
facilita, estimula e permite diversificação da ação e do pensamento criador.
Mas é preciso distinguir entre processo e produto.
O processo é o movimento que a criança faz para criar a partir dos
estímulos internos ou externos, para fazer alguma coisa com esse ou
aquele material, de sentir-se produzindo, de experimentar, gerar, dar vida.
Esse processo é, para a criança, a afirmação de seu valor. O produto é
resultado material desse processo: a pintura, o desenho.
Ela acha bonito tudo o que faz porque emprega toda a capacidade que tem
naquele momento na criação dessas formas. Sabe-se, no entanto, que a
atividade artística livre, além de produzir trabalhos de uma beleza plástica
admirável, desencadeia um processo interno de criação que acompanhará
a pessoa por toda sua vida.
Quando se incentiva crianças, independentemente de suas necessidades
educacionais especiais, a realizarem atividades artísticas livres ou
orientadas, está-se contribuindo com o desenvolvimento mental de
habilidades criativas.
Habilidades sociais e afetivas
A imitação é a primeira manifestação das relações interindividuais da
criança com outra pessoa. Em seguida, a linguagem egocêntrica predomina
passando aos poucos à linguagem adaptada aos outros e aos fatos e ao
uso da linguagem como elemento de comunicação e intercomunicação.
No relacionamento social surgem oportunidades para lidar com os conflitos
no grupo: as amizades, embora instáveis, o gosto pela competição e
cooperação, o respeito à regra, a aceitação de controles, a luta por seus
direitos, a defesa de seus pontos de vista e o respeito pelos direitos e ponto
de vista dos outros.
Se as relações sociais que ela experimenta forem cooperativas, amistosas,
de apoio, incentivo, segurança e desprendimento, a criança aprenderá a
cooperar, se sentirá apoiada e segura no grupo, se abrirá para ele e, à
medida que o processo de socialização vai se fazendo, aprenderá a ser
uma pessoa integrada no grupo social.
Quanto mais diversificadas forem as experiências sociais da criança, mais
seu desenvolvimento social contribuirá com o desenvolvimento das outras
áreas. Por exemplo, a representação que faz desses princípios será aos
poucos formada e eles passam a ajudar a modelar a aquisição de outros
conceitos.
Em relação às experiências emocionais da criança e as trocas
interindividuais, mencionados alguns dos principais aspectos que favorecem
o desenvolvimento emocional:
- Ser uma criança aceita pelos pais.
- Ser amada, receber atenção e carinho.
- Sentir a presença da mãe ou de uma substituta materna permanente.
- Estar num grupo de pessoas que sentem e manifestem emoções
equilibradas, fortes sentimentos de afeto, carinho e mútua aceitação.
- Conviver com outras crianças mais ou menos da mesma idade.
- Jogo simbólico um meio de expressão da criança por meio do qual ela
manifesta o modo como vê as coisas e os acontecimentos. Nessa
manifestação, ela recria e vivencia a situação que mais a marcou.
Algumas
necessidades
educacionais
especiais
prejudicam
o
desenvolvimento dessa realidade infantil, tornando necessário que o adulto
estimule, interaja com ela no jogo, criando situações para que a criança
possa desenvolver a capacidade de se expressar por meio do jogo
simbólico.
Currículo
Em se tratando de crianças com necessidades educacionais especiais, o
currículo deve ser flexibilizado ou adaptado, de modo que possa dar
respostas educacionais para atender às especificidades dessas crianças.
Leitura
O desenvolvimento da habilidade de leitura está diretamente ligado ao
desenvolvimento das habilidades de comunicação oral e escrita. Esta última
evolui dos primeiros rabiscos para uma forma de registro do pensamento
organizado e intencional.
Linguagem oral
As atividades de linguagem oral têm como objetivo levar as crianças a
interpretar o que ouvem, responder de maneira lógica ao que lhes é
perguntado e desenvolver o pensamento lógico e sua expressão.
Além disso, a linguagem oral permite às crianças ampliar seu vocabulário e
seus conhecimentos sobre os diversos assuntos abordados, bem como
estimular sua participação verbal no grupo e desenvolver a capacidade
crítica, contribuindo para o êxito da aprendizagem.
O primeiro contato da criança com um texto geralmente é feito oralmente
pela voz da mãe e do pai contando contos de fada, histórias inventadas ou
reais, tendo gente ou bichos como personagens.
Ler histórias para as crianças é suscitar o imaginário, é ter a curiosidade
respondida em relação a tantas perguntas e encontrar outras ideias para
solucionar questões. É estimular para desenhar, musicar, teatralizar e
brincar.
A arte de contar histórias é importante na formação de qualquer criança.
Escutar histórias é o início da aprendizagem para ser um leitor e ser leitor é
ter todo um caminho de descobertas e de compreensão de um mundo
ilimitado.
É ouvindo histórias que se pode sentir emoções como tristeza, raiva,
irritação, medo, alegria, pavor, impotência, insegurança. Ouvir e ler histórias
é também desenvolver o potencial crítico da criança. É poder pensar,
duvidar, questionar.
Os contos e fábulas nos remetem a uma história de transformações quando
são acolhidas pela compreensão do ser humano. As histórias acarretam um
conhecimento sedimentado e acumulado por toda a humanidade. Os contos
contribuem para a construção do mundo infantil, por meio das referências
mágicas e fantásticas contidas em sua trama.
Linguagem escrita
Juntamente com a linguagem oral deve-se trabalhar a linguagem escrita. A
experiência da criança como leitor antes de sê-lo faz com que ela aprenda o
essencial das práticas funcionais ligadas à escrita.
O professor deve transformar a sala de aula num ambiente alfabetizador.
Quanto mais atos de leitura e escrita a criança puder vivenciar, quanto mais
exposta à influência do mundo das letras, quanto mais informações sobre a
escrita ela tiver, mais ela terá elementos para trabalhar cognitivamente e
elaborar suas hipóteses mentais sobre a leitura e a linguagem escrita.
É necessário expor as crianças a vários materiais escritos como jornal,
rótulos de produtos, letras de canções, de quadrinhos, poemas, narrativas,
entre outros. Eles ajudam a criança a perceber a forma da escrita e a
compreender o que se lê, onde se lê, sobre o que se lê.
Deve-se ler pelo menos um texto por dia, explorando com as crianças o
conteúdo, ou seja, fazendo as interpretações do que foi lido. Se é
importante a criança experimentar a leitura, também é importante ela
experimentar a escrita a seu modo, como ela acha que se escreve.
Ao produzir sua própria escrita, a criança manifesta intenção de ler e
escrever e, assim, vai construindo suas hipóteses mentais sobre a leitura e
a escrita.
Nessa fase, não é apropriado corrigir nenhum tipo de produção da criança
dizendo “está errado”, pois ela está utilizando, no caso, a escrita para se
expressar, do mesmo modo que o faz com desenhos.
Por intermédio do erro a criança constrói seu pensamento, tomando, aos
poucos consciência de suas dificuldades e procurando corrigi-las. Deve-se
valorizar as produções das crianças estimulando novas tentativas e
desafiando-as a construir respostas mais elaboradas.
Mesmo as crianças com necessidades educacionais diferenciadas passam
por essa etapa do desenvolvimento, sendo que, na maioria das vezes,
necessitam de uma tutoria temporária ou permanente.
Matemática
O objetivo dessa área é procurar desenvolver o raciocínio da criança
propondo atividades em que ela seja levada a interagir com objetos
concretos e, com base nessa interação, gradualmente vá construindo o seu
conhecimento.
Assim como a linguagem escrita, a matemática também está apoiada na
teoria construtivista. Não se pretende apenas ensinar a criança, mas
também oferecer estímulos e recursos para que ela, aos poucos, vá
construindo seu conhecimento matemático.
Avaliação
A avaliação exerce um papel fundamental no processo de ensino e
aprendizagem, como também nas adaptações curriculares, norteando as
decisões pedagógicas e retroalimentando-as.
No contexto educacional, a avaliação deve enfocar a aula (metodologias,
organização, procedimentos didáticos, atuação do professor, relações
interpessoais, individualização do ensino, condições físico-ambientais,
flexibilidade curricular) e a escola (projeto pedagógico, funcionamento da
equipe docente e técnica, currículo, clima organizacional, gestão).
Também é recomendável que sejam avaliadas periodicamente com relação
a suas habilidades sensoriais (visão e audição). Déficits sensoriais leves ou
moderados podem ser mascarados ou não percebidos quando há um
quadro de dificuldades de aprendizagem e o resultado pode ser uma
potencialização de um problema por outro e vice-versa.
Parceria entre educação e atendimento especializado
As Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica
recomendam a inclusão de crianças com deficiência em programas de
creche e pré-escola que tenham por objetivo o desenvolvimento integral, o
acesso à informação e ao conhecimento historicamente acumulado,
dividindo essa tarefa com os pais e serviços da comunidade.
O trabalho conjunto dos serviços de apoio pedagógico especializado da
Educação Especial, em parceria com Instituições especializadas na
habilitação e reabilitação de crianças com deficiências, são fortes aliados no
processo de avaliação, atendimento às necessidades específicas de
desenvolvimento, elaboração de programas de intervenção precoce e apoio
às famílias.
Nessa perspectiva inclusiva, os serviços de educação especial das
instituições especializadas passam a desempenhar papel importante de
apoio e suporte à escola comum no que se refere às necessidades
educacionais especiais, por meio de cooperação para a elaboração do
projeto pedagógico, de orientação para adaptações e complementações
curriculares, proporcionando o acesso desses alunos ao currículo
desenvolvido na escola comum.
Serviços de atendimento especializados
- Programa de intervenção precoce:
Para a consolidação do projeto de inclusão torna-se indispensável a criação
de serviços de intervenção precoce que tenham por objetivo o
desenvolvimento integral do educando nos seus aspectos físicos,
psicoafetivos, cognitivos, sociais e culturais, priorizando o apoio e suporte à
família e a inclusão dessas crianças em creches na comunidade.
Os programas de intervenção precoce, do nascimento aos três anos de
idade, são imprescindíveis para a promoção das potencialidades e
aquisição de habilidades e competências.
Eles devem ser, portanto, desenvolvidos em interface com os serviços de
saúde, tendo em vista que essas crianças necessitam, algumas vezes, de
orientação ou atendimento complementar nas áreas de fisioterapia,
fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia.
A construção de uma pedagogia para a educação infantil enfatiza o direito
de ser criança, poder brincar, viver experiências significativas de forma
lúdica, informal e o direito de ir à escola e aprender de forma mais
sistematizada.
Esse caminho busca a superação da dicotomia entre tratamento e
assistência que ainda vigora em muitas instituições de ensino
especializadas.
Para essa tarefa há necessidade da transformação das representações
sociais e do fazer pedagógico tanto na educação especial como no sistema
regular de ensino, eliminando a dicotomia entre o especial e o comum para
que não haja duas formas diferentes de educar, mas a busca conjunta de
estratégias e alternativas metodológicas que possibilitem a inclusão social e
a promoção da aprendizagem de todos os alunos.
Os programas de intervenção precoce oferecidos em escolas
especializadas geralmente enfatizam objetivos de enfoque terapêutico e
atendimento individualizado voltado para compensação do déficit e a
realização de diagnóstico clínico para avaliar as características e
dificuldades apresentadas pelas crianças.
O atendimento terapêutico complementar é importante para o processo de
desenvolvimento da criança, mas não pode ser o único recurso. Há ainda a
suma necessidade de uma mudança no enfoque dos programas de
intervenção precoce dos centros ou escolas especiais.
Esses programas devem ter como eixo o processo de aprendizagem das
crianças com defasagens importantes no decorrer de seu desenvolvimento.
Traçar objetivos pedagógicos, enfatizar a construção do conhecimento,
desenvolver trabalhos coletivos voltados para aquisição de competências
humanas e sociais significa formar e educar para a vida.
Escolas especiais:
A educação infantil poderá ser desenvolvida em escolas especiais de
acordo com as diretrizes nacionais para a educação especial na educação
básica somente quando os alunos necessitarem de ajudas e apoio intensos
e contínuos e quando as adaptações curriculares forem tão significativas
que a escola comum não consiga prover.
Mesmo nesses casos, não há um currículo especial, mas sim adaptações
necessárias ao currículo desenvolvido na educação infantil. Deve ser
priorizado o brincar, a conversa, a literatura e a arte como forma de prazer,
de interação, possibilitando a expressão de sentimentos, trocas
significativas de experiências e aprendizagem.
O que está em jogo é o processo de aprendizagem, compreender como o
aluno elabora significados, como pensa, quais os caminhos diferentes que
podem ser utilizados para que os alunos com necessidades educacionais
especiais tenham a oportunidade de avançar na construção do
conhecimento e na escolaridade.
O encaminhamento desses alunos à classe comum será realizado mediante
avaliação pedagógica e decisão da família, em conjunto com a equipe da
escola especializada.
Educação Profissional e Legislação
A criança com Síndrome de Down precisa de condições para evoluir em sua
individualidade e não apenas no avanço do programa educacional. Isso
implica em desenvolver competências e habilidades individuais que lhe
assegurem autonomia de movimentos e meios de se afirmar socialmente.
Ou seja, se afirmar pelo trabalho.
Por isso, a importância de cursos e programas de educação profissional
que garantam a ampla acessibilidade formativa aos alunos com
necessidades educacionais especiais.
Esses cursos e programas devem resultar da construção de consensos
político-pedagógicos entre redes de apoio à sustentabilidade do processo
inclusivo.
Nesse sentido, o desenvolvimento de estratégias de reorganização
administrativa visando à elasticidade de programas de ensino passa,
também, pelo desenvolvimento e construção de uma linguagem consensual
entre os diferentes atores.
A organização e a oferta de cursos de educação Profissional devem
corresponder aos seguintes registros:
- A escola precisa abandonar a visão circunstancial do "especial" como um
problema intransponível na sala de aula.
- O aluno "especial" deve ser enxergado como detentor de uma cidadania
em construção. Isto implica em lhe possibilitar o desenvolvimento de
competências e habilidades individuais que lhe assegurem autonomia de
movimentos e meios de ele se afirmar socialmente.
- Cada escola deve abrir-se às questões de pertinência institucional e
montar (conceber, organizar e executar) uma agenda que defina:
- Atividades: que programas serão oferecidos?
- Vinculações: quem vai trabalhar (instituição) e com o que trabalhar
(alianças estratégicas)?
- Ambiências: onde trabalhar?
- Metodologias: como trabalhar?
- Meios e recursos: de que vai precisar?
Aferição de resultados: como avaliar?
- Cronograma: quando executar?
- Relatórios de progresso: que etapas devem ser definidas como
indicadoras de efetividade?
Somente dessa forma o aluno com necessidades especiais vai poder
evoluir adequadamente em sua individualidade e não na simples busca de
cumprir ou esgotar o programa escolar.
Essencialmente, a instituição educativa deve propiciar o desenvolvimento
de habilidades e competências individuais que assegurem ao aluno
autonomia para viver sua vida, realizando atividades laborais e trabalhos
compatíveis com as suas singularidades.
Modelos de cursos de educação profissional para alunos
com deficiência
Embora a legislação defina claramente os tipos de curso oferecidos na
Educação Profissional, convém anotar que, no interior de cada uma destas
definições legais, há possibilidades de uma organização bastante flexível,
de acordo com a realidade efetiva de cada instituição de ensino e a
natureza das demandas existentes.
No caso de cursos de Educação Profissional para os alunos com
deficiência, essa reserva legal é importantíssima, uma vez que enseja
arranjos organizacionais diferenciados a partir das condições efetivas da
escola, seja em termos de infraestrutura material (física e de
equipamentos), seja em termos de capacidade e de qualificação do corpo
docente.
Um desenho preliminar dessas possibilidades institucionais aponta nas
seguintes direções:
Curso de nível básico
Como os cursos são abertos a demandas de natureza múltipla e, para sua
organização, independem de prescrições curriculares prévias e de nível de
escolaridade dos demandantes, a sua concepção está fundamentada no
princípio de total autonomia institucional para sua organizacional e oferta.
Com base neste entendimento, recomenda-se que cada Escola Técnica ou
Centro de Referência organize os cursos de nível básico através de
unidades de aprendizagem. Esse mecanismo possibilitará extrema
flexibilidade à instituição e ao próprio aluno.
A unidade de aprendizagem é um bloco didático em que se associam os
seguintes elementos:
a) Conteúdos;
b) Metodologias;
c) Meios instrucionais (espaços, materiais de apoio e infraestrutura física
em geral);
d) Suporte administrativo.
A unidade de aprendizagem terá um tempo de duração compatível com os
núcleos de habilidades a serem desenvolvidas e, sobretudo, com as
potencialidades do aluno com deficiências.
Os contornos das unidades de aprendizagem são definidos
pedagogicamente por mecanismos de negociação entre os atores
envolvidos (professores, técnicos, pais ou responsáveis, especialistas da
área psicomédica), a quem cabe também assentar as bases para esta
negociação pedagógica no âmbito da natureza e do grau de
comprometimento, encorpados nas limitações pessoais que o aprendiz
apresenta.
Pode-se admitir como tempo razoável para a configuração de cada unidade
de aprendizagem a carga horária de dez horas. Significa dizer, que cada
Curso Básico será o resultado da soma de tantas unidades de
aprendizagem.
Este dimensionamento será definido em nível de cada instituição, dentro do
princípio da autonomia escolar. Princípio este que, para ser adequadamente
operacionalizado, deverá estar associado aos demais princípios legais da
organização curricular, a saber: a contextualização, a interdisciplinaridade, a
diversidade e a pertinência educativa.
Por outro lado, esses princípios devem estar permanentemente sintonizados
com os fundamentos políticos e pedagógicos da própria educação profissional,
quais sejam:
a) A ética da identidade;
b) A estética da sensibilidade;
c) A política da igualdade.
Curso de nível técnico
Os cursos de nível técnico estão contingenciados por duas pré-condições:
a) Áreas e currículos pré-definidos;
b) Oferta concomitante ou sequencial ao ensino médio.
Como os alunos com deficiência que acorrem às instituições de educação
profissional para a obtenção de algum tipo de qualificação profissional não
possuem, em sua maioria, o nível médio, é razoável pensar que, neste
momento inicial, as escolas vão ter uma demanda ainda reduzida para os
chamados cursos técnicos de nível médio.
Independentemente, porém, do tamanho da demanda, urge que as instituições
da Rede Federal de Educação Tecnológica acelerem os procedimentos de
organização interna para receberem, em grau crescente de demanda esses
alunos.
Para viabilizar a oferta institucional é importante que as instituições envolvidas
flexibilizem a organização dos currículos de nível técnico pelo mecanismo da
modularização.
Assim, ao aluno da educação especial será dada a possibilidade de se
matricular em cursos de educação profissional de nível técnico, atendendo as
singularidades de sua situação que exigem, certamente, tempos e espaços
diferenciados para a sua educação profissional.
A Educação Profissional de nível técnico detém, nas instituições brasileiras, as
formas mais cristalizadas de organização. Formas impermeáveis a mudanças,
mesmo porque elas remetem a histórias de reconhecido sucesso escolar.
Por isso é necessário compreender que as mudanças aqui passam por etapas
mais lentas de novas apropriações pedagógicas. Esse processo vai cobrir
diferentes níveis de organização da escola, estruturados a partir das bases
materiais do processo, das relações no interior do processo e das formas de
representação do processo na mentalidade docente.
Os conteúdos específicos de cada módulo ou disciplina devem ficar no âmbito
da autonomia da instituição e do professor que os vai ministrar, sendo
necessário, porém, ao definir tais conteúdos, esclarecer:
- Perfil de entrada do aluno/Competências que possui.
- Perfil de saída do aluno/Competências que vai desenvolver.
- Carga horária.
- Metodologias de ensino/aprendizagem.
- Modalidades de avaliação: imediata e posterior.
- Bibliografia e material complementar de leitura.
- Material a ser usado durante o curso.
- Total de Unidades de Aprendizagem envolvidas.
- Tipo de suporte administrativo de que vai necessitar.
- Apoio e acompanhamento na inserção no mercado de trabalho.
Esse painel de informações é essencial para o estreitamento das relações
professor/aluno à medida que propicia a construção de rotas de aprendizagem
compatíveis com o perfil do aluno e com as condições materiais objetivas
existentes.
As duas dimensões são importantes para a modelagem das questões de
delimitação de espaços de tempo de aprendizagem, sem o que fica impossível
trabalhar, pedagógica e significativamente, o conceito de ritmo de
aprendizagem. Respeitar esse ritmo é dever da escola e forma de valorização
do aluno.
Oficinas Pedagógicas
As Oficinas Pedagógicas representam um espaço concreto e funcional do
aprender humano, mas, sobretudo, do emancipar-se. Emancipação que
encontra, no trabalho, a própria essência da construção de projetos de vida.
Tais projetos, centrados nos aspectos positivos do aluno, objetivam trabalhar,
progressivamente, as noções de:
- Autoconceito: ter uma compreensão da sua existência, dos seus valores e
potencialidades;
- Autoestima: ter consciência da importância de se amar, de se respeitar e de
se valorizar; Autoconfiança: acreditar na sua capacidade de aprender, de fazer
e de compartilhar trabalhos;
- Experiência de construir soluções: entender objetivamente a importância de
elaborar respostas para cada novo desafio que aparece.
O regime da aprendizagem nas Oficinas Pedagógicas, para alunos com
deficiência mental e múltipla, inicia-se a partir dos 14 anos de idade nas
Escolas Especiais Governamentais e Não Governamentais. O tempo de
permanência do aluno na Oficina Pedagógica dependerá do processo de
avaliação objetiva da equipe interprofissional.
A migração do aluno da Oficina Pedagógica para os cursos de Qualificação
Profissional ocorrerá a partir da verificação do desenvolvimento dos alunos, no
que tange às habilidades básicas, específicas e de gestão.
A Qualificação Profissional deverá ser realizada de acordo com definições
normativas do órgão do respectivo sistema (Escolas da Rede Federal de
Educação Tecnológica, da Rede Estadual ou do Sistema "S": SENAI, SESI,
SENAC e outros).
Os alunos que estiverem nas Oficinas Pedagógicas deverão cumprir uma carga
horária diária de 8 horas sendo: 4 horas ocupadas com atividades acadêmicas
e 4 horas com atividades de preparação para o mundo do trabalho.
No caso das atividades de natureza acadêmica, a metodologia adotada e as
técnicas de práticas pedagógicas utilizadas devem corresponder as que a
legislação prescreve para o trabalho com educação de jovens e adultos, em
função de ser esta a condição dos alunos.
Devem ser trabalhados três tipos de habilidades:
- Habilidades Básicas: competências e conhecimentos gerais, essenciais
para o mercado de trabalho e para a construção da cidadania, como
comunicação verbal e escrita, leitura e compreensão de textos, raciocínio,
componentes de saúde e segurança para o trabalho, preservação ambiental e
outros eventuais requisitos para as demais habilidades.
- Habilidades de Gestão: competências e conhecimentos relativos a
atividades de gestão, autogestão, melhoria da qualidade e da produtividade de
micro e pequenos estabelecimentos, do trabalho autônomo ou do próprio
trabalhador individual e do processo produtivo.
- Habilidades Específicas: competências e conhecimentos específicos acerca
de processos, métodos, técnicas, normas, regulamentações, tipos de materiais
e de equipamentos e outros conteúdos específicos das ocupações.
Convém ressaltar que, em qualquer circunstância, as habilidades específicas
devem ser desenvolvidas e construídas a partir da realidade objetiva de cada
aluno. Importa dizer que, ao professor, cabe avaliar o nível de limitação e o
horizonte das potencialidades efetivas de que o aluno mostre ser detentor.
É necessário articular atividades focando o desenvolvimento integrado de
habilidades básicas, específicas e de gestão, definidas em função do mercado
de trabalho, do perfil da população a ser atendida, ou seja, do setor produtivo,
reunindo interesses e necessidades de alunos, trabalhadores e empresários.
É indispensável que a pessoa acredite em si, para respeitar-se, amar-se e
desenvolver-se.
Não há aprendizagem sem confiança. Antes de acreditar na escola e no
professor, o aluno precisa acreditar em si, em suas potencialidades e na sua
capacidade de se assumir. É precisamente por essa razão que se diz que
educar é criar espaços e multiplicar possibilidades de êxito na vida.
Na escola, a criação de espaços ultrapassa o aprender formal para assumir a
feição de processo amplo, dentro do qual se situa a individualidade do aluno,
com sua identidade plena e, portanto, com disposição de assumir-se como
sujeito de contextos.
Em decorrência, a programação escolar nada mais deve ser do que uma gama
de possibilidades sistematizadas, aberta ao aluno que é um feixe de
potencialidades abertas para o futuro que o meio pode inibir ou fazer
desabrochar.
Aquilo que ele pode ser não é determinado pelo seu passado, como inferiu a
psicanálise, mas, também, pelas novas estimulações que, agora e amanhã,
sobre ele possam atuar.
A criança, o pré-adolescente e o adolescente, escondidos na designação
genérica de aluno, devem ser enxergados naquilo que possuem de positivo,
sem qualquer preocupação de rotulá-los, nem classificá-los em categorias
baseadas apenas nas suas deficiências.
A questão do autoconceito é favorecida grandemente quando o aluno incorpora
as chamadas aquisições utilitárias, que tanto podem ser uma responsabilidade
socialmente relevante, como podem ser meios, recursos e mecanismos para
ele se viabilizar e se encontrar com o seu mundo de vivências.
O mapa da autoestima é marcado por múltiplas inquietações representadas
pela teia de dificuldades da vida. É de dentro desse emaranhado que o aluno
luta para emergir, para ser aceito e para construir seu processo de
emancipação.
É interessante observar que o aluno, ao perceber que sua vida, sua história e
seu futuro têm sentido para alguém, ganha "recarga psicológica" e passa a
exibir maior desenvoltura. O resultado é um comportamento de nítida afirmação
pessoal.
Por seu turno, a conduta psicologicamente recarregada reforça as
potencialidades existentes, agrega, cada vez mais, confiança, responsabilidade
e resolubilidade.
Na construção do autoconceito do aluno cabe à escola identificar e categorizar
os tipos de aprendizagens que dão maior satisfação. Um quadro-sugestão para
classificar as aprendizagens no âmbito de áreas promissoras não pode ficar
somente por conta da classificação genérica de atividades escolares e
extraescolares.
Deve ultrapassar o território meramente visual e incluir elementos formativos do
tipo:
- Aprendizagens de base, ligadas à socialização elementar;
- Aprendizagens culturais, ligadas a modalidades de satisfação social, porém, a
partir de um quadro de prazer estético pessoal;
- Aprendizagens relacionais, ligadas aos campos: afetivo e pessoal;
- Aprendizagens intelectuais, ligadas aos programas e conteúdos escolares;
- Aprendizagens técnico-profissionais, ligadas ao domínio de tarefas, à
realização de trabalho e à conformação de ações predefinidas
Desta forma, deve-se elaborar uma proposta pedagógica que desenvolva
competências. Competência envolve o domínio dos quatro pilares que
fundamentam a educação, quais sejam:
- Aprender a conhecer: desenvolvimento de competência para construir
conhecimento, exercitar pensamentos, atenção, percepção; para contextualizar
informações e para saber se comunicar.
- Aprender a fazer: por em prática os conhecimentos significativos aos
trabalhos futuros, enfatizar a educação profissional, descobrindo o valor
construtivo do trabalho, sua importância, transformando o progresso do
conhecimento em novos empreendimentos e em novos empregos.
- Aprender a ser: a educação deve preparar o aluno de forma física, intelectual
e moral para que ele saiba agir em diferentes condições e situações por si
mesmo.
- Aprender a conviver: é saber conviver com os outros, respeitar as
diferenças, conviver com a diversidade, aprender a viver junto para
desenvolver projetos solidários e cooperativos, em busca de objetivos comuns,
por meio de solidariedade e compreensão.
Estratégias para inserção no mercado de trabalho
As seguintes condições se impõem à instituição:
- um trabalho de sensibilização com as empresas;
- um serviço de supervisão para o necessário acompanhamento do aluno;
- um setor para firmar convênios e organizar cursos com as Escolas da Rede
Federal Tecnológica e/ou com o Sistema "S".
Ações a serem desenvolvidas:
- Realizar visitas às empresas para captação de vagas;
- Realizar análise de tarefas;
- Preparar programas de cursos;
- Definir perfil dos alunos;
- Formar banco de instrutores;
- Divulgar cursos através da mídia;
- Realizar cursos, desenvolvendo as habilidades básicas, específicas e de
gestão concomitantemente; sendo que as habilidades específicas deverão
ser realizadas como estágio nas empresas já contatadas.
Os cursos deverão estar norteados pela metodologia de jovens e adultos e
deverão utilizar a informática como ferramenta de aprendizagem;
- Formar banco de dados dos alunos já qualificados;
- Encaminhar para o mundo do trabalho e acompanhar até que a pessoa
adquira independência e autonomia;
- Providenciar a contratação do aluno pela empresa.
Fundamentação Legal
Encontram-se à disposição dos sistemas de ensino e dos profissionais que
atuam no Programa de Educação Profissional as legislações que orientam e
regulamentam o Processo de Educação e Trabalho das Pessoas com
Deficiência:
- Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991;
- Decreto 914, de 6 de setembro de 1993;
- Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996;
- Decreto n.º 3.298, de 20 de dezembro de 1999;
- Decreto n.º 2.808, de 17 de abril de 1997;
- Resolução n.º2, de 11 de setembro de 2001, que institui Diretrizes
Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.
Legislação no âmbito internacional
A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas produziu vários
documentos norteadores para o desenvolvimento de políticas públicas de
seus países membros.
O Brasil, enquanto país membro da ONU e signatário desses documentos
reconhece seus conteúdos e os tem respeitado na elaboração das políticas
públicas internas.
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, proclamou a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, na qual reconhece que "Todos os seres
humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos... (Art. 1°.), ...sem
distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de
religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de
fortuna,de nascimento ou de qualquer outra situação" (Art. 2°).
Em seu Artigo 7°., proclama que "todos são iguais perante a lei e, sem
distinção, têm direito a igual proteção da lei...". No Artigo 26°, proclama, no
item 1, que "toda a pessoa tem direito à educação”.
A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino
elementar fundamental sendo este obrigatório. O ensino técnico e
profissional deve ser generalizado...; no item 2, estabelece que "educação
deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos
direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os
grupos raciais ou religiosos...".
"O Artigo 27° proclama, no item 1, que "toda a pessoa tem o direito de
tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de usufruir as artes
e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam".
De maneira geral, a Declaração assegura às pessoas com deficiência os
mesmos direitos à liberdade, a uma vida digna, à educação fundamental, ao
desenvolvimento pessoal e social e à livre participação na vida da
comunidade.
Declaração de Jomtien (1990)
Em março de 1990, o Brasil participou da Conferência Mundial sobre
Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, na qual foi proclamada a
Declaração de Jomtien.
Nesta Declaração, os países relembram que "a educação é um direito
fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo
inteiro".
Declararam, também, entender que a educação é de fundamental
importância para o desenvolvimento das pessoas e das sociedades, sendo
um elemento que "pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro,
mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, e que, ao mesmo
tempo, favoreça o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a
cooperação internacional".
Tendo isso em vista, ao assinar a Declaração de Jomtien, o Brasil assumiu,
perante a comunidade internacional, o compromisso de erradicar o
analfabetismo e universalizar o ensino fundamental.
Para cumprir com este compromisso, o Brasil tem criado instrumentos
norteadores para a ação educacional e documentos legais para apoiar a
construção de sistemas educacionais inclusivos, nas diferentes esferas
públicas: municipal, estadual e federal.
Declaração de Salamanca (1994)
A Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e
Qualidade, realizada pela UNESCO, em Salamanca (Espanha), em junho
de 1994, teve, como objeto específico de discussão, a atenção educacional
aos alunos com necessidades educacionais especiais.
Nela, os países signatários, dos quais o Brasil faz parte, declararam:
- Todas as crianças, de ambos os sexos, têm direito fundamental à
educação e que a elas deve ser dada a oportunidade de obter e manter um
nível aceitável de conhecimentos;
- Cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades
de aprendizagem que lhe são próprios;
- Os sistemas educativos devem ser projetados e os programas aplicados
de modo que tenham em vista toda a gama dessas diferentes
características e necessidades;
- As pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter acesso
às escolas comuns, que deverão integrá-las numa pedagogia centralizada
na criança, capaz de atender a essas necessidades;
- As escolas comuns, com essa orientação integradora, representam o meio
mais eficaz de combater atitudes discriminatórias, de criar comunidades
acolhedoras, construir uma sociedade integradora e dar educação para
todos;
A Declaração se dirige a todos os governos, incitando-os a:
- Dar a mais alta prioridade política e orçamentária à melhoria de seus
sistemas educativos, para que possam abranger todas as crianças,
independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais;
- Adotar, com força de lei ou como política, o princípio da educação
integrada, que permita a matrícula de todas as crianças em escolas
comuns, a menos que haja razões convincentes para o contrário;
- Criar mecanismos descentralizados e participativos, de planejamento,
supervisão e avaliação do ensino de crianças e adultos com necessidades
educacionais especiais;
- Promover e facilitar a participação de pais, comunidades e organizações
de pessoas com deficiência, no planejamento e no processo de tomada de
decisões, para atender a alunos e alunas com necessidades educacionais
especiais;
- Assegurar que, num contexto de mudança sistemática, os programas de
formação do professorado, tanto inicial como contínua, estejam voltados
para atender às necessidades educacionais especiais, nas escolas
integradoras.
Convenção da Guatemala (1999)
A partir da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadores de Deficiência, os
Estados Partes reafirmaram que "as pessoas portadoras de deficiência têm
os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras
pessoas e que estes direitos, inclusive o de não ser submetido a
discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da
igualdade que são inerentes a todo ser humano".
No seu artigo I, a Convenção define que o termo deficiência "significa uma
restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória,
que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da
vida diária causada ou agravada pelo ambiente econômico e social".
Para os efeitos desta Convenção, o termo discriminação contra as pessoas
com deficiência "significa toda a diferenciação, exclusão ou restrição
baseada em deficiência (...) que tenham efeito ou propósito de impedir ou
anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas
portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades
fundamentais".
Também define que não constitui discriminação "a diferenciação ou
preferência adotada pelo Estado Parte para promover a integração social ou
desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência desde que a
diferenciação ou preferência não limite em si mesmo o direito a igualdade
dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação".
Legislação Brasileira
A sociedade brasileira tem elaborado dispositivos legais que, tanto
explicitam sua opção política pela construção de uma sociedade para todos,
como orientam as políticas públicas e sua prática social.
Constituição Federal (1988)
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assumiu,
formalmente, os mesmos princípios postos na Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Além disso, introduziu, no país, uma nova prática
administrativa, representada pela descentralização do poder.
A partir da promulgação desta Constituição, os municípios foram
contemplados com autonomia política para tomar as decisões e implantar
os recursos e processos necessários para garantir a melhor qualidade de
vida para os cidadãos que neles residem.
Cabe ao município, mapear as necessidades de seus cidadãos, planejar e
implementar os recursos e serviços que se revelam necessários para
atender ao conjunto de suas necessidades, em todas as áreas da atenção
pública.
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990)
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069, promulgada em 13
de julho de 1990, dispõe, em seu Art. 3°, que "a criança e o adolescente
gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes por lei,
todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade".
Afirma, também, que "é dever da família, da comunidade, da sociedade em
geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação
dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária" (Art.4°).
No que se refere à educação, o ECA estabelece, em seu Art. 53, que "a
criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho", assegurando:
- Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
- Direito de ser respeitado por seus educadores;
- Acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. O Art. 54
afirma que "é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente":
- ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não
tiveram acesso na idade própria;
- atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de
idade;
- atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares
de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
Em seu Art. 55 dispõe que "os pais ou responsável têm a obrigação de
matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”.
Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996)
Os municípios brasileiros receberam, a partir da Lei de Diretrizes e Bases
Nacionais, Lei no. 9.394, de 20.12.1996, a responsabilidade da
universalização do ensino para os cidadãos de 0 a 14 anos de idade, ou
seja, da oferta de Educação Infantil e Fundamental para todas as crianças e
jovens que neles residem.
Assim, passou a ser responsabilidade do município formalizar a decisão
política e desenvolver os passos necessários para implementar, em sua
realidade sociogeográfica, a educação inclusiva, no âmbito da Educação
Infantil e Fundamental.
Política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência
– Decreto n° 3.298 (1999)
A política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência
prevista no Decreto 3298/99 adota os seguintes princípios: Desenvolvimento de ação conjunta do Estado e da sociedade civil, de modo
a assegurar a plena integração da pessoa portadora de deficiência no
contexto socioeconômico e cultural;
- Estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais e operacionais que
assegurem às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus
direitos básicos que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciam o
seu bem-estar pessoal, social e econômico;
- Respeito às pessoas portadoras de deficiência, que devem receber
igualdade de oportunidades na sociedade, por reconhecimento dos direitos
que lhes são assegurados, sem privilégios ou paternalismos. No que se
refere especificamente à educação, o Decreto estabelece a matrícula
compulsória de pessoas com deficiência, em cursos regulares, a
consideração da educação especial como modalidade de educação escolar
que permeia transversalmente todos os níveis e modalidades de ensino, a
oferta obrigatória e gratuita da educação especial em estabelecimentos
públicos de ensino, dentre outras medidas (Art. 24, I, II, IV).
Plano Nacional de Educação (2011)
O Plano Nacional de Educação estabelece objetivos e metas para a
educação das pessoas com necessidades educacionais especiais, que
dentre eles, destacam-se os que tratam:
- do desenvolvimento de programas educacionais em todos os municípios,
e em parceria com as áreas de saúde e assistência social, visando à
ampliação da oferta de atendimento da educação infantil;
- dos padrões mínimos de infraestrutura das escolas para atendimento de
alunos com necessidades educacionais especiais;
- da formação inicial e continuada dos professores para atendimento às
necessidades dos alunos;
- da disponibilização de recursos didáticos especializados de apoio à
aprendizagem nas áreas visual e auditiva;
- da articulação das ações de educação especial com a política de
educação para o trabalho;
- do incentivo à realização de estudos e pesquisas nas diversas áreas
relacionadas com as necessidades educacionais dos alunos;
- do sistema de informações sobre a população a ser atendida pela
educação especial.
Convenção interamericana para a eliminação de todas as formas de
discriminação contra pessoas com deficiência (2001)
Em 08 de outubro de 2001, o Brasil através do Decreto 3.956, promulgou a
Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Ao instituir
esse Decreto, o Brasil comprometeu-se a:
1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista
ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a
discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a
sua plena integração à sociedade (...):
a) medidas das autoridades governamentais e/ou entidades privadas para
eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na
prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e
atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a
habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços
policiais e às atividades políticas e de administração;
2. Trabalhar prioritariamente nas seguintes áreas:
a) prevenção de todas as formas de deficiência;
b) detecção e intervenção precoce, tratamento, reabilitação, educação,
formação ocupacional e prestação de serviços completos para garantir o
melhor nível de independência e qualidade de vida para as pessoas
portadoras de deficiência;
c) sensibilização da população, por meio de campanhas de educação,
destinadas a eliminar preconceitos, estereótipos e outras atitudes que
atentam contra o direito das pessoas a serem iguais, permitindo desta
forma o respeito e a convivência com as pessoas portadoras de deficiência.
Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica
(2001)
A Resolução CNE/CEB n° 02/2001, instituiu as Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica, que manifesta o compromisso do
país com "o desafio de construir coletivamente as condições para atender
bem à diversidade de seus alunos".
Esta Resolução representa um avanço na perspectiva da universalização
do ensino e um marco da atenção à diversidade, na educação brasileira,
quando ratifica a obrigatoriedade da matrícula de todos os alunos e assim
declara:
"Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às
escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com
necessidades educacionais especiais, assegurando as condições
necessárias para uma educação de qualidade para todos."
Dessa forma, não é o aluno que tem que se adaptar à escola, mas é ela
que, consciente da sua função, coloca-se à disposição do aluno, tornandose um espaço inclusivo. A educação especial é concebida para possibilitar
que o aluno com necessidades educacionais especiais atinja os objetivos
propostos para sua educação.
A proposição da política expressa nas Diretrizes traduz o conceito de escola
inclusiva, pois centra seu foco na discussão sobre a função social da escola
e no seu projeto pedagógico.
Bibliografia - A inclusão da criança com Síndrome de Down
- Educação inclusiva: fundamentação filosófica / coordenação geral
SEESP/MEC; – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Especial, 2004. - Educação infantil – Brasília: MEC, Secretaria de
Educação Especial, 2006. - Inclusão escolar de crianças com Síndrome de
Down.
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