AS NOÇÕES ACERCA DA PAISAGEM PARA A GEOGRAFIA: o

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AS NOÇÕES ACERCA DA PAISAGEM PARA A GEOGRAFIA: o
percurso para o fundamento fenomenológico
BARROS, PAULIANNO DAS MERCÊS (1); PÁDUA, LETÍCIA (2)
1. Bacharel em Humanidades e discente do curso de Geografia da Universidade
Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM.
[email protected]
2. Doutora em Geografia pela Universidade de São Paulo – USP.
Professora da Faculdade Interdisciplinar em Humanidades da UFVJM.
[email protected]
RESUMO
Este artigo discute em âmbito teórico-espistemológico um percurso acerca da noção de
paisagem. Essa essência espacial, sempre trabalhada pela geografia, deve sua origem não a
qualquer escopo científico, mas às artes, por meio da pintura. A partir de uma apresentação
sobre a origem do conceito, decidimos perpassar pela maneira como a geografia clássica e a
geografia cultural clássica absorveram, modificaram e moldaram o conceito, alinhando-se às
matrizes teórico-metodológicas do período. O objetivo central do texto é, no entanto, alcançar o
debate mais recente e, porque não dizer, um tanto quanto inovador da paisagem enquanto
essência espacial para a geografia humanista de base fenomenológico. Antes, no entanto,
consideramos importante trazer à baila algumas considerações sobre a filosofia da paisagem
que, por sua vez, sustenta as discussões de paisagem na fenomenologia e, mais
especificamente, para a geografia humanista.
Palavras-chave: paisagem; geografia humanista; fenomenologia.
INTRODUÇÃO
Este trabalho traz algumas considerações sobre conceito de paisagem e sua
abordagem ao logo do tempo, assim como com as suas transformações e
conhecimentos diante da apreciação de muitos ramos de estudo que contemplam a
noção de paisagem.
Ao longo da história do pensamento geográfico, a paisagem, como recorte espacial,
tornou-se uma das categorias de análises mais utilizadas, seja nos estudos físicos ou
humanos, seja nas escolas de fundamento positivista e até marxista. Mas é na
geografia humanista, de base fenomenológica, que encontramos uma mudança
essencial no sentido de paisagem, partindo do homem, seus conhecimentos e sua
vivência, na busca das compreenções do sujeito.
Longe, no entanto, de ser uma unanimidade quanto aos seus significados, este artigo
discutiu a trajetória que o conceito de paisagem percorreu pela arte, pela geografia e
por suas ciências “irmãs”, trazendo reflexões sobre a paisagem na filosofia, passando
pela na geografia clássica, nos moldes da geografia física – ou uma geografia da
natureza – pela geografia cultural tradicional culminando no objetivo de debater as
contribuições da fenomenologia e da geografia humanista para o conceito de
paisagem.
Para Pádua (2013) a discussão acerca da paisagem é fundamental e cara à geografia,
porque é ela uma essência espacial, que emerge da relação homem-meio, fruto,
portanto, de uma determinada experiência, captada e produzida por meio de uma
apreensão específica dos sentidos, representando um modo de ser-no-mundo.
Cabe aqui, ainda, uma observação do porquê do título “que é paisagem” sem o artigo
definido “o que é paisagem”. Orientados pelo fundamento fenomenológico, estamos na
permanente busca pelas perguntas originais. O caminho que percorremos é o do
questionamento, das perguntas, sabedores, no entanto, de provavelmente nunca
alcançarmos
respostas
definitivas.
Assim,
entendemos
que
a
pergunta,
propositadamente sem o artigo, por si só já demonstra o reconhecimento de nossas
limitações, pois “[...] quanto ao conhecimento, sabe-se que há objetos reais e ideais, e
não se pode atingir a certeza do conhecimento de sua essência última. Com efeito, só
se pode saber que as coisas são, mas não o que as coisas são em si” grifo do autor
(OLIVEIRA, 1999, p. 89).
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HISTÓRICO DO CONCEITO DE PAISAGEM
De acordo com Serrão (2011), o uso da palavra paisagem surgiu na China,
aproximadamente no século IV. No entanto, temos poucos registros tanto de seu
sentido original, quanto da sua transformação ao longo do tempo.
Já no ocidente a paisagem tem sua origem no período do Renascimento, como um
movimento cultural. O Renascimento europeu é o período marcado pela ascensão da
razão, culminando com a libertação das artes em relação às restritas normas da igreja
católica quanto ao temário permitido.
Como entre os séculos XV e XVI as influências da igreja católica era
expressiva nas sociedades, principalmente na Itália, as pinturas da
época retravam a nobreza e o clero e tinham a paisagem apenas
como plano de fundo, sendo responsável mais pelo equilíbrio da
composição do que como elementos simbólicos (FERRAZ, 2013, p.
5).
Surgiu neste período, sobretudo nas atuais Holanda e Itália, uma escola de pintura
que se baseava na representação de um recorte espacial – quase sempre natural – da
realidade, que pudesse ser “enquadrado” delimitando, então, a paisagem. Assim, era
possível a materialização, em quadros, como uma forma de descrição e expressão
daquilo que era apreendido com o olhar, as “descobertas da óptica de Kepler quando
o olho passou a ser visto como instrumento e mecanismo óptico a visão representado
a imagem das coisas, independente do observador” (VITTE, 2007, p. 73). Pode ser
visto como características de associações com pinturas “realistas do século XVII,
relacionado com técnicas de representação renascentistas” (NAME, 2010, p. 164).
Assim, a arte deu importante contribuição às primeiras construções do conceito de
paisagem, pois ela unia a representação dos ambientes à visão do próprio ser
humano. É o triunfo da racionalidade, do simbólico, das expressões sobre a religião.
A paisagem surge na pintura como resultada da ruptura com a visão
teológica medieval, integrando-se numa série de acontecimentos que
vão dar corpo ao projeto da modernidade. Por herança estética
naturalista do romantismo a paisagem ocupa lugar proeminente na
geografia. Tanto é interpretada como uma porção da superfície da
terra, como se refere aos seus aspectos visíveis (SALGUEIRO, 2001,
p. 37).
Vale lembra ainda que este é apenas um recorte, de tantos outros desfechos que
aconteceram na formulação do conceito de paisagem a partir da arte. Outra
contribuição da arte à paisagem se deu a partir do desenvolvimento da pintura em
aparência, uma vez que “o desenvolvimento da perspectiva está relacionada com a
nova forma racional de ver o mundo. Já no século XVIII, com as mudanças sociais os
artistas passaram a ter mais liberdade e a paisagem começou a dominar as pinturas”
(FERRAZ, 2013, p. 8).
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Nesse âmbito, arte e a ciência caminhavam lado a lado, desenvolvendo e
complementando a compreensão da paisagem. Contudo, o conceito de paisagem
ganha ainda mais consistência com o desenvolvimento e expansão das navegações e
com os primeiros estudos realizados pelos viajantes bem como nos casos dos estudos
de Humboldt que serão apresentados a seguir.
GEOGRAFIA CLÁSSICA: DE HUMBOLDT À GEOGRAFIA CULTURAL
SAUERIANA
Para Vitte (2007), a incorporação da noção de paisagem pelas ciências e, mais
especificamente pelos estudos geográficos, revelou as variadas representações e
possibilidades que podem ser colocadas por tal estudo enquanto modelo, já que, a
paisagem emerge na análise geográfica carregada de simbolismo, sendo responsável
pela constituição do imaginário social que atua na condução da ação dos atores
sociais, ao mesmo tempo em que mediatiza a representação do território por estes
mesmos atores.
Diante desse breve contexto introdutório sobre as pinturas de paisagem, que deram o
impulso para o posterior desenvolvimento do conceito pela ciência geográfica,
possibilitando a ampliação do olhar humano sobre a paisagem, trazemos a paisagem
para o foco da geografia clássica – ainda por se sistematizar – a partir de Humboldt.
A geografia clássica Alemã, do início do século XIX, foi marcada pelo uso da
Paisagem em diversas obras, como “Cosmos” e “Quadros da Natureza” de Alexander
von Humboldt e a “Geografia comparada” de Carl Ritter
Alexander Von Humboldt trabalhava o conceito de landshaft, que é um somatório das
características estéticas de uma área, contida em nosso campo visual. Diz respeito à
elementos materiais ou físicos, frequentemente associado à noção de natureza, com
aspectos peculiares ou típicos. A marca da paisagem então são suas características
naturais que imediatamente permitem seu reconhecimento ou remetem a uma área
específica.
Portanto, ao trabalhar o conceito, Alexander Von Humboldt, descrevia as formas
visíveis da paisagem, em suas formas estéticas, abstraindo também a conexão e a
inter-relação dos elementos naturais que a constituem.
Humboldt em suas viagens pelo mundo tentava enfatizar em seus relatos tudo aquilo
que o surpreendia diante do seu contato com natureza, uma vez que “em todas as
zonas a natureza apresenta o fenômeno destas planícies sem fim; mas, em cada
região, têm elas carácter particular e fisionomia própria” (HUMBOLDT, 1950, p. 7).
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Cabendo assim, serem propostas suas características de acordo com o interesse em
si mesmo do ambiente descoberto para então estudá-lo.
Humboldt é um homem das expedições cientificas. Seu objetivo era apresentar à
europa os “Quadros da Natureza” dos continentes conhecidos, fazendo uso de ricos
recursos de linguagem, transmitindo com vivacidade, ao leitor, aquilo que viu.
A paisagem de Humboldt é o exercício constante de uma mente
curiosa que tenta, enfaticamente, se aproximar ao encontro do novo.
As construções dos quadros remetem sempre à realidade físicoespacial. Uma paisagem poética da introspecção se viabiliza
mediante o processo de conversão mimética da realidade numa
realidade visível, paisagística [...] (PEDRA, 2000, p. 98).
Nessa breve exposição acima fica claro a proposta de Humboldt na perspectiva de
presenciar os aspectos que vão sendo encontrados a partir do contato direto com esse
ambiente e suas fisionomias. A descrição da paisagem feita por Humboldt
compreende diretamente numa ciência de observação que:
Termina por formar o caráter e revelar o destino de dois tipos
recorrentes de paisagem em Quadros: a paisagem, transcrição exata
da imagem visualizada no contato direto junto à natureza, e a
paisagem que, embora programada pelo cálculo exato e pontual, vai
ser manipulada e reconstruída a fim de atingir uma paisagem ideal
(HUMBOLDT 1950, p. 335).
Assim a descrição empregada a partir da leitura da paisagem é diversa em todas as
instâncias, as localizações e a caracterizações dos ambientes que foram observados,
no qual Humboldt nas suas viagens pelo mundo tenha demonstra como pode visto
diante das exposições colocadas acimas.
Já no final do século XIX e início do século XX, a geografia clássica Francesa, que tem
Paul Vidal de La Blache como um de seus expoentes considerava que a diversidade
dos meios explica a diversidade dos gêneros de vida. A paysage é a área de ação de
um grupo humano específico. Sua noção é intrínseca à definição de região, base da
geografia vidaliana. Assim, surge outra categoria de análise, com recortes espaciais
diferentes, que se sintetizam na região. A região é um produto da história de um
gênero de vida específico. À paysage fica relegado o papel de representar apenas o
aspecto visível dos gêneros de vida (PÁDUA, 2011).
No transcurso do início até meados do século XX, quando a ciência geográfica
transitava entre a superação da matriz clássica original e uma nova matriz filosóficocientífica ainda por vir, diversos autores marcaram os estudos geográficos com a
retomada da Paisagem.
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Otto
Schlüter,
que
desde
1890
vinha
se
especializando
no
estudo
dos
estabelecimentos humanos, casas, campos, cercados, etc., redigiu, em 1907, uma
curta brochura na qual faz da paisagem o objeto da geografia humana. Segundo
CLAVAL (1999, p. 23), “O eco que encontra esta publicação é considerável. Ela
mantém a unidade da geografia, pois uma paisagem é tanto modelada pelas forças da
natureza e pela vida, quanto pela ação dos homens”. Otto Schlüter dedica, assim, boa
parte de sua obra a retratar o estudo desde a pré-história das flutuações da cobertura
florestal até as zonas humanizadas no espaço germânico.
A contribuição dos estudos culturais em geografia
Na primeira metade do século XX, destaca-se a inserção dos estudos culturais, que
fazem da paisagem seu foco de análise mais importante e fundamental, com a criação
da Paisagem Cultural. Nesta concepção, criada fundamentalmente por Carl Sauer em
“Morfologia da Paisagem”, a Paisagem era considerada como o reflexo da cultura que
a construiu. Desta forma, ao se observar os elementos de uma paisagem, podemos
estabelecer qual é e quais são as características da sociedade que ali imprime sua
cultura.
A geografia cultural de acordo com Corrêa, (1999, p. 50), tem suas origens na Europa,
mas é nos Estados Unidos com a Escola de Berkeley que se estabeleceu sua
tradição. Foi aproximadamente entre 1840 e 1940 o enfoque dos estudos geográficos
quanto às relações entre cultura e natureza, uma vez que propunham uma apreciação
a cerca das técnicas de trabalho, a paisagem cultural.
Geomorfólogo de formação, Carl Ortwin Sauer, brinca com noção de “Morfologia da
Paisagem” incorporando à visão tradicional da forma da paisagem, os aspectos
culturais. A paisagem é importante seção da realidade ingenuamente perceptível e as
diferentes características morfológicas são distribuídas no espaço “os fenômenos que
compõem uma área não estão simplesmente reunidos, mas estão associados ou
interdependentes” (SAUER, 1998, p. 15-17).
A paisagem ganha destaque nessa análise acima, uma vez que projeta interações
entre cultura e natureza, de modo que, cada ambiente carrega suas formas próprias
diante da representação morfológica, e também pela expressão cultural da paisagem.
(SAUER, 1998, p. 20). Ademais, as descrições e observações só são efetivas quando
acontecem inter-relações entre esses aspectos apreciados anteriormente.
Vale ainda ressaltar a dinâmica dessas inter-relações estudadas pelos geógrafos que:
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Para compreender as formas que são reveladas pela observação, o
geógrafo deve reunir, comparar e decifrar os padrões espaciais
constatados, buscando analisar a localização dos elementos, a teia
de relações que os unem e os processos que os ensejam e alteram.
Desta maneira, os elementos da paisagem não são vistos como
formas separadas, mas em íntimo e dinâmico inter-relacionamento
(MACIEL, 2001, p. 2).
É nesse contado entre sujeito e objeto que para Sauer (1998, p. 22) os “objetos que
existem juntos na paisagem existem em inter-relação”, assim, num sentido mais
restrito, esse contato só poderá acontece se houver as duas figuras inseridas na
paisagem, tanto o sujeito quanto o objeto.
Por definição, a paisagem tem uma identidade que é baseada na
constituição reconhecível, limites e relações genéricas com outras
paisagens, que constituem um sistema geral. Sua estrutura e função
são determinadas por formas integrantes e dependentes. A paisagem
é considerada, por tanto, em um certo sentido, como tendo uma
qualidade orgânica (SAUER, 1998, p. 23).
Em outras palavras a integração dos tipos de paisagem fica aparente pelas
similaridades das formas que às vezes ocorrem entre dois ou mais ambientes, mas
que cada uma carrega consigo características que lhe são favoráveis naquele espaço.
A ideia de paisagem é complexa e sua análise é determinada, antes de tudo, como um
conjunto num todo organizado, do ponto vista que:
A geografia baseia-se, na realidade, na união dos elementos físicos e
culturais da paisagem. O conteúdo da paisagem é encontrado,
portanto, nas qualidades físicas da área que são importantes para o
homem e nas formas do seu uso da área, em fatos de base física e
fatos da cultura humana (SAUER, 1998, p. 29).
Assim, entendemos que para Sauer, a cultura produz uma “marca” que é visível na
paisagem. Ou seja, ao apreendermos uma paisagem humanizada com o olhar, é
possível distinguir e reconhecer a cultura que a produziu.
Nesse sentido, não se pode deixar de lado as precedências de Sauer, em apresentar
às características da paisagem juntando tudo aquilo que traria a formação cultural no
seu pensamento da paisagem.
A paisagem é um signo, ou um conjunto de signos, que se trata então
de aprender a decifrar, a decriptar, num esforço de interpretação que
é um esforço de conhecimento, e que vai, portanto, além da fruição e
da emoção. A ideia é então que há de se ler a paisagem (BESSE,
2000, p. 64)
A leitura, da paisagem remete muito mais além do simples fato de observar o espaço,
uma vez que permitiu uma gama de influências e circunstâncias que foram geradas da
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análise da paisagem pelo ser humano por meio da definição das suas fisionomias.
Entretanto, foi ficando cada vez mais evidenciado a evolução do conceito de paisagem
diante dos métodos de estudos segundo Besse que endossava a visão da paisagem
da seguinte forma:
Falar da paisagem em termos de fisionomia significa que se atribui a
paisagem uma densidade ontológica própria. Se ela possui uma
fisionomia, é preciso compreendê-la como uma totalidade expressiva,
animada por um espírito interno”, do qual se pode extrair o sentido.
Tudo se passa como se houvesse um “espírito do lugar” do qual a
aparência exterior do território seria a expressão[...] ( BESSE, 2000,
p. 72)
Assim fica clara a ideia de que a paisagem desencadeou percepções e leituras que
vão além da imagem estudada, podendo ser colocada numa escala organizada do
espaço através das visões postas pelo objeto estudado. A geografia que analisa a
paisagem vai mais longe quando tomado por base o conjunto de formação desta, na
seguinte ordem.
A paisagem uma dimensão do visível, esta paisagem é o resultado, o
efeito, ainda que indireto e complexo, de uma produção. A paisagem
é um produto objetivo, do qual a percepção humana só capta, de
início, o aspecto exterior. Há como que um “interior” da paisagem,
uma substancia, um ser da paisagem que só deixa ver seu exterior. É
aliás, isto que dará, aos olhos de certos geógrafos, o limite da
abordagem paisagística. Ao mesmo tempo, a intenção e a esperança
científicas do geógrafo consistem tentar ultrapassar esta superfície,
esta exterioridade, para captar a “verdade” da paisagem (BESSE,
2000, p. 64).
Cabe ressaltar que a paisagem cultural representa uma materialização das ações
humanas, mas sem perder o caráter físico material, fato que aponta pela forte
influência do positivismo descritivo da época. Segundo CLAVAL (1999, p. 31) “seus
métodos para a geografia cultural exigiam uma sólida formação naturalista, que se
preocupa com a fauna, agricultura, incêndios, colheita, migrações, pastagens,
florestas, caça, etc”.
A partir, então, desta Geografia Cultural saueriana, a paisagem passa a ser vista como
uma realidade construída.
FILOSOFIA DA PAISAGEM
Tratar a paisagem dentro da filosofia não é tarefa simples, visto que, as reflexões
filosóficas acerca deste conceito surgiram com os estudos de Georg Simmel ao
diferenciar a natureza e as representações de paisagem pela arte, perfazendo a
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grosso modo, o campo da observação e o observador. Uma primeira apresentação
proposta para o conceito de paisagem dentro do campo filosófico segundo Georg
Simmel é:
[...] A paisagem como obra de arte nasce como o prolongamento e a
depuração graduais daquele processo em que a paisagem – na
acepção da palavra no uso corrente – desponta para todos nós da
mera impressão de coisas naturais isoladas. É justamente isso faz –
partindo fluxo caótico e da infinitude do mundo imediatamente dado,
delimita uma porção, capta-a, enforma-a como uma unidade que
encontra agora seu sentido nela mesma [...] ( SIMMEL, 2011, p. 45)
Para Simmel (2011) a paisagem enquanto mediação do homem com a natureza, levanos a compreensão do sentido do mundo, isso porque pode ser tratado como a
ligação do indivíduo com os objetos vivenciados por ele. Ainda assim, não se pode
definir a paisagem somente por esta breve descrição. A questão se torna mais
complexa sobre tudo na visão posta por Berque:
A paisagem enquanto “dimensão sensível e simbólica do meio”
depende sempre de uma subjectividade coletiva e não existe
independentemente de uma cultura. Mas apesar de ser hoje em dia
um conceito de extensão, facto é que nem todas as civilizações o
usaram, por estarem plenamente inseridas na referência ecumenal,
esta sim, existente em todas as formas de organização humana
(SERRÃO, 2011, p 186).
Serrão (2011 p. 196) escreve que “o homem teve necessidade de estabelecer limites
para dar sentido ao mundo”. Assim, deriva a paisagem do encontro do indivíduo com o
mundo da experiência, é a paisagem o fruto da primeira expressão do ser-no-mundo.
Esta noção permite o envolvimento e integração do sujeito com a paisagem, é o
homem como a extensão terrestre, tratando a noção de mundo numa perspectiva
diferenciada. Para exemplificar SERRÃO demonstrou que:
[...] O mundo ambiente integra os sujeitos e os objetos numa mesma
realidade. Pode assim colocar-se a hipótese de que nesse mundo
opera uma particular lógica de escala que alia a medida objectiva das
coisas em si mesmas à medida subjectiva dessas mesmas coisas
para o Homem que as perceba [...] (SERRÃO, 2011, p. 194).
Apoiados na filosofia da paisagem introduzida por Simmel e Serrão, passaremos
agora às reflexões da fenomenologia e geografia humanista sobre a paisagem,
possibilitando sua compreensão a partir das essências e pertinências de cada
indivíduo.
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A FENOMENOLOGIA E A GEOGRAFIA HUMANISTA
A partir dos anos 70, apresenta-se aos debates uma nova proposta para a ciência
geográfica, com matriz fenomenológica e humanista. Esta proposta, segundo
Lowenthal (1982), pretendia dar conta de uma lacuna da geografia, que sempre
trabalhou com o mundo real, palpável, o mundo dos objetos. Segundo este geógrafo,
faltava à nossa ciência o olhar acerca do subjetivo, do abstrato, daquilo que as
pessoas sentem, suas experiências e suas relações espaciais.
Nesta corrente, a paisagem é definida a partir de um espaço subjetivo, sentido e
vivido, um espaço de cada ser humano, o espaço da individualidade (Bley, 1990). As
simbologias subjetivas, as reações variadas na alma humana produzem a própria
paisagem. As reações dos sujeitos aparecem como elementos sobre os quais os
sentidos de identidade são construídos, organizando as paisagens. Simultaneamente,
a organização das paisagens produz as identidades dos sujeitos.
Na contemporaneidade a geografia humanista vem trazer modos diferenciados sobre
a compreensão do pensamento humano, guinado pela impossibilidade de separação
sujeito- objeto, pela valorização da experiência do mundo da vida:
Na década de 90, marcada pelas incertezas e pelos desacertos no
que se refere às bases teórico-conceituais das ciências, a
fenomenologia pode ser uma perspectiva de abordagem que amenize
muitas das angústias intelectuais por que passamos, particularmente
as que se referem à nossa vida em um mundo cada vez mais
globalizado e uniformizado, e onde, contraditoriamente, as pessoas
se sentem deslocalizadas e solitárias (HOLZER, 1998, p. 2)
O autor advoga ainda a necessidade do resgate da importância central da paisagem
para a geografia, sobretudo frente ao espaço, que era considerado a mais central das
categorias de análise para as escolas geográficas daquele momento.
O método fenomenológico que fundamenta a geografia humanista utiliza bases
teóricas não positivistas. “O método fenomenológico não era visto como um conjunto
de postulados a serem sempre utilizados, mas como um aporte que permitia análises
variadas sobre o tema da volta às coisas mesmas” (RELPH apud HOLZER, 1998, p.
14).
Werther Holzer, importante autor brasileiro no pensamento da paisagem a partir da
fenomenologia, mostra preocupação constante na busca das essências, trabalhando
epistemologicamente as variáveis do espaço baseadas nas sensações do ser.
A geografia tem um termo que me parece muito mais rico e
apropriado para seu campo de estudo. Esta palavra incorpora ao
suporte físico traços que o trabalho humano, que o homem como
agente, e não como mero espectador, imprime aos sítios onde vive.
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Mais do que isso, ela denota o potencial que um determinado suporte
físico, a partir de suas características naturais, pode ser para o
homem que se propõe a explora-lo com as técnicas de que dispõe.
Este é um dos conceitos essenciais da geografia: o conceito de
“paisagem” (HOLZER, 1998, p. 81).
É na geografia humanista que as discussões de paisagem ganham diferentes aportes
por visões e compreensões que tangenciam as agregações do pensamento, em que a
“paisagem apresenta-se como um conceito abrangente e impreciso” no qual
possibilidades de pensamento dessa paisagem “enquanto fenômeno vivido” (
CABRAL, 2000, p. 35). Assim, pensar a paisagem significa correlacionar ou até
mesmo proporcionar os atributos do homem-natureza, contudo cada ser vivencia o
mundo, absorve as coisas dele a sua maneira e visão.
Outra particularidade no pensar a paisagem é a observação do olhar humano na
organização perceptiva dos sentidos e cognição, não ficando apenas no limite do
conteúdo, podendo ser interpretado de acordo com a circunstância, com um conjunto
de coisas e funções num todo existente (CABRAL, 2000, p. 38).
A ideia nos remete a reflexão quando o sujeito procura significado e interação com a
realidade, as experiências do próprio ser, os aspectos encontrados na natureza
revelam a percepção da paisagem isso acontece também do ponto de vista
fenomenológico cabendo, portanto, não apenas aceitar elementos e coisas da vida
que nelas estão colocas e que se ligam e formam significados através da paisagem.
A percepção do homem com seu entorno por meio da visão e consciência engloba
aspectos que ajudam a entender a paisagem em:
Uma fonte incessante de significação e uma vez acessível ao olhar e
à mente torna-se guia para as ações e condutas humanas; não se
trata de um horizonte fixo e estático, mas construído de movimento,
valores e sentimentos. Ao incluir aquilo que tem significância para os
diferentes sujeitos, a paisagem deixa de ser o pano de fundo das
atividades e acontecimentos e integra-se a existência humana
(CABRAL, 2000, p. 41-42).
O homem é natureza, as coisas existem a partir do encontro, é como se a natureza
emergisse (como fenômeno) a partir da experiência humana fazendo-se parte dela,
cada indivíduo enquanto ser, escolhe interpretações, identificações e sentimentos a
partir de suas experiências no mundo. O método fenomenológico propõe então a
estudar essas essências que define a relação do homem no mundo englobando
coisas, além do suporte físico entre acontecimentos que o envolvem (HOLZER, 1998,
p. 47).
É importante demonstrar que o estudo da paisagem é diferente de “lugar”, e “região”,
pois traz compreensões fenomenológicas de modo que de acordo com Holzer (1998,
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p.55) a paisagem é carregada de simbolismo, de representações sociais e
expressões, também difere de lugar por seus aspectos objetivos e externos, sendo
mais do que um marco definido.
[...] a paisagem é uma fusão de diferentes perspectivas, é natureza e
cultural, ambiente e percepção, objetiva e subjetiva, funcional e
estética. É o esforço da imaginação que deve agregar essas
possibilidades em só sentido. [...] um conceito vibrante e
extremamente importante à geografia humanista. Ela não existe por
si, mas é parte do ambiente, é passado e presente, carregando as
perspectivas do futuro, é organização espacial e beleza. Mas, ela não
é nada disso isoladamente. Só se torna paisagem à medida que a
percepção e a imaginação concatenam os sentidos e as
características do visível e do não visível (PÁDUA, 2013, p. 76-77).
Assim, a indagação fenomenológica motivou o pensamento e o comportamento com o
objetivo de construir para os indivíduos, fenômenos repletos de significados
alcançando relações entre as pessoas e a paisagem, algo diferenciado do método de
estudo positivista. A compreensão paisagista possibilita um percalço da necessidade
de estabelecimento e condução das expressões que “a paisagem fala, ou seja, ela
própria possui uma estrutura, fisionomia. Ela é uma construção significante de si
mesma, entre o visível e o invisível” (MARANDOLA JR, no prelo, p. 6).
Diante dos fundamentos fenomenológicos apresentados aqui, podemos a busca pelos
sentidos – às coisas elas mesmas – que estão presentes no mundo da vida e que são
estabelecidas pelo contado do homem com a natureza visando compreender os
fenômenos ao seu modo e visão. Contudo, falar da relação do ser em contato com a
natureza implica na apreciação em que:
A paisagem, fundada nesta relação home-terra, é uma totalidade
afetiva, referindo-se a uma cumplicidade original, sendo a própria
natureza do ser-e-estar-no-mundo. A paisagem é expressão desse
habitar, deste ser terrestre, que é o homem em sua condição
originária. Não uma representação, ou discurso, mas a própria
natureza e o sentido do ser (MARANDOLA JR, no prelo, p. 7).
A mediação do contado homem-mundo, revela algo no que tange as diversas
apresentações do conceito de paisagem abordado aqui, pois ela engendra
significações que dão sentido e aportes variados, essências e existências vividas pelo
homem enquanto ser no mundo, de modo que cabe não apenas firmar-se em um só
sentido. Ao contrário, “precisamos habitar a paisagem para poder ouvir o seu saber,
precisamos senti-la para sermos invadidos por ela, e para isso, temos de viver a
plenitude do ser-lançado-no-mundo” (MARANDOLA JR, no prelo, p. 9).
A paisagem envolve o homem com atribuições que fazem dele as existências
enquanto ser no mundo. Ainda assim, atentamos em dar sentido a cada paisagem a
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partir de cada ambiente em nos encontramos diante de certo instante e momento uma
vez que:
[...] a paisagem é a própria expressão de nossa condição como
seres-lançados-no-mundo, como um sentir a mistura essencial de
nosso existência, como seres terrestres.[...]. É pela paisagem que
inicialmente nos relacionamos com lugares, e é por paisagens que
nos deslocamos. Antes do lugar, vem a paisagem, mais original e
constitutiva, antepredicativa, a paisagem é o tecido originário de
nossa existência, enquanto forma própria de relação homem-terra
(MARANDOLA JR, no prelo, p. 12).
Nesse sentido notamos que presenciar a paisagem é colocarmos acima de tudo
dentro da própria noção de ser existente no mundo, com símbolos, ações e
significações e representações.
Assim, caminhamos para a compreensão, na geografia humanista, da paisagem como
a “parte” experienciável do mundo da vida, naquela experiência primeira do ser-nomundo. Ela tem, portanto, no indivíduo o seu centro, é percebida por meio da
intencionalidade e da ação passiva e ativa de todos os nossos sentidos
individualmente e em conjunto (sinestesicamente).
Cabe destacar que esse breve estudo não pretende esgotar todos os sentidos que a
paisagem recebeu e, menos ainda, colocar um ponto final em seus conceitos.
Sabemos
e queremos um
permanente debate e construção ontológica e
epistemológica, já que entendemos a paisagem como expressão da essência da
geografia do nosso ser, da geograficidade imanente, “geografia em ato” como colocou
Dardel (2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo da paisagem tal como percorremos desde sua importância quando surgida
na arte até esse momento de discussão na fenomenologia, em que buscando
apresentar a ligação homem – natureza e sua esfera de posição e importância na
constituição da paisagem em um todo vivenciado na procura de apresentar seu papel
nessa união.
A sua concepção permitiu destaque principalmente quando olhamos as significações
que aconteceram e acontece diante da relação assegurada pela identidade dos
diversos aspectos de união do ser, com seu espaço de vivencia da paisagem, dando a
ela uma representação variada que lhe permite identificar e interpretar diante de sua
visão. Assim, paisagem é a somatória das relações de produção da experiência do
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homem com sua realidade, a afinidade de aprendizagem no mundo, a ordem de
junção do ser-no-mundo, que experimenta a paisagem e uni com as suas experiências
para defini-la.
Dessa forma Besse (2006), demonstra que “a paisagem é expressão, e mais
precisamente, expressão da existência” uma vez, que só se desenvolve a noção de
paisagem ao passo que vivemos esse espaço de acordo com as necessidades que
temos. Mas, definir paisagem não fica restrito apenas nesse pequeno estudo vai muito
além das premissas postas quando tratamos as diferenças do senti-la e compreendêla. Contudo, como podemos aprender e dar significados a paisagem? Fica sempre
uma sensação fenomenológica, pois nós permitimos as significações da paisagem.
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