Introdução à Sociologia Clássica (Eleandro Moi)

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Ano 01 – nº 02 – junho de 2006 – ISSN 18094589
P. 61 a 65
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Introdução à Sociologia Clássica1
Eleandro Moi2
A sociologia constitui um projeto intelectual tenso e contraditório. Para alguns ela representa uma
poderosa arma a serviço dos interesses dominantes, para outros ela é a expressão teórica dos
movimentos revolucionários. (MARTINS, 1982, p. 7).
Essas visões contrárias acerca dessa ciência são resultados das próprias problematizações
propostas pelo objeto de estudo desse campo do conhecimento. A sociologia, pois, visa analisar,
compreender e explicar a vida social, as relações das pessoas no que diz respeito à sua vida em sociedade.
E, mais do que isso, e aí está o ponto que provoca maiores contradições, as explicações sociológicas sempre
contiveram, em seu desenvolvimento, intenções práticas, ou seja, uma forte intenção de interferir no rumo das
relações sociais.
Analisando-se historicamente, o surgimento da sociologia acontece no século XVIII, no contexto das
revoluções industrial e francesa. Não se pode definir um único filósofo como criador dessa ciência, mas ela
surge como reação da classe operária inglesa frente às desigualdades provocadas pela revolução industrial.
Diante da miséria, da extensa e exaustiva jornada de trabalho, dos minúsculos salários e da deplorável
situação de vida da classe trabalhadora, esta começa a se organizar para mudar tal realidade. Criam-se
jornais, iniciam-se manifestações, e as relações sociais começam a se tornar problema de análise intelectual.
No contexto de seu surgimento, “a sociologia constitui em certa medida uma resposta intelectual às novas
situações colocadas pela revolução industrial”. (MARTINS, 1982, p. 16).
Paralelo a esses fatores, a evolução intelectual na passagem da concepção teocêntrica da realidade
para uma concepção antropocêntrica, ao passo que a sociedade passa de um sistema feudal para o
capitalismo, muitos autores, dentre os quais destacam-se os pertencentes à corrente filosófica do iluminismo,
propuseram-se, através do método empírico, fazer uma análise da sociedade com fins de defender os
interesses políticos da burguesia. “Combinando o uso da razão e da observação, os iluministas analisaram
quase todos os aspectos da sociedade”. (MARTINS, 1982, p. 21).
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Este trabalho consiste numa resenha da obra de Carlos B. Martins.
Professor de História da rede pública municipal de Cerro Grande/RS, graduado em Filosofia e habilitado em História pela
Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição – FAFIMC – Viamão/RS.
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E essa racionalização da vida social, a qual permitia e proporcionava uma análise da conjuntura
sócio-político-econômica, apresentava a possibilidade de mudança real da sociedade, a qual era
anteriormente estática, deixando transparecer um caráter sacro. Isso não foi privilégio de uma minúscula
parcela de intelectuais, mas se estendeu a todos os níveis da população. Inclusive operários de fábricas viam
a possibilidade de mudar a realidade, deixando de encarar as instituições sociais como fenômenos sagrados
e imutáveis. E era interesse da burguesia difundir esse tipo de análise nas diversas camadas da sociedade
para combater o decadente feudalismo, assim como dos iluministas para combater o teocentrismo e o
absolutismo monárquico.
Depois da revolução francesa, vive-se, na Europa, uma desorganização intelectual, com pensadores
defendendo a necessidade de uma reorganização social, com revalorização de certas instituições. Na vida
política e social, vive-se uma quase que anarqui, com lutas de classes cada vez mais intensas. Diante disso,
alguns pensadores, dentre os quais Emile Durkheim (1858-1917), propõem a criação de uma nova ciência,
uma “ciência das sociedades”, a qual, diante dos fatos, nota-se que surge com interesses práticos.
Enquanto resposta intelectual à “crise social” de seu tempo, os primeiros sociólogos irão revalorizar
determinadas instituições que segundo eles desempenham papéis fundamentais na integração e na
coesão da vida social. A jovem ciência assumia como tarefa intelectual repensar o problema da ordem
social, enfatizando a ordem social, enfatizando a importância de instituições como a autoridade, a
família, a hierarquia social, destacando a sua importância teórica para o estudo da sociedade.
(MARTINS, 1982, p. 30).
Nesse sentido, a sociologia se legitima num contexto de negação da “desordem” e da luta de classes
e como tentativa de afirmação de certas instituições “indispensáveis”. Surge, conforme Comte, como uma
“física social”, numa linha positivista, nodesejo de construir a sociedade dentro dos moldes das ciências físiconaturais. Nesse modo de pensar não se legitimam as lutas de classes nem se combatem os fundamentos da
sociedade capitalista em ascensão.
No entanto, os próprios antagonismos da sociedade capitalista forma propícios para o surgimento de
novas linhas de pensamento dentro da sociologia. Conforme afirma Martins (1982), tais antagonismos
proporcionaram o nascimento de diversas tradições sociológicas ou distintas sociologias.
Nesse sentido, a linha conservadora, que foi também denominada como “profetas do passado”,
culpavam a Revolução Francesa pelo declínio da família, da religião e da estabilidade social, o que tão
fervorosamente defendiam. Preocupados com a ordem e a estabilidade, com a coesão social, enfatizariam a
importância da autoridade, da hierarquia, da tradição e dos valores morais para a conservação da vida social.
Inspirados nos princípios da linha conservadora, os positivistas, pioneiros da Sociologia enquanto
ciência, buscavam preservar a nova ordem política e econômica. Dentre os positivistas destacam-se SaintSimon, Auguste Comte e Emile Durkheim. Alguns autores divergem entre Simon e Comte como sendo o pai
da Sociologia. Para os positivistas, a ciência ocuparia o lugar da religião na sociedade feudal, estabelecendo
as verdades e propiciando a conservação social; os senhores feudais seriam substituídos pelos fabricantes,
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comerciantes, banqueiros, etc. Segundo Comte, era impossível progredir vivendo-se no caos social, daí o
ideal “ORDEM E PROGRESSO”.
Emile Durkheim (1858-1917)
Durkheim ocupa posição de destaque dentro do pensamento positivista, preocupando-se
constantemente com a questão da ordem social. Elabora sua obra em meio a constantes crises econômicas,
desemprego, miséria e greves como manifestação das classes operárias.
Discordava das teorias socialistas, principalmente quanto à ênfase que elas atribuíam aos fatos
econômicos para diagnosticar a crise das sociedades européias. Durkheim acreditava que a raiz dos
problemas de seu tempo não era de natureza econômica, mas sim uma certa fragilidade da moral da
época em orientar adequadamente o comportamento dos indivíduos. Com isto, procurava destacar
que os programas de mudança esboçados pelos socialistas, que implicavam modificações na
propriedade e na redistribuição da riqueza, ou seja, medidaas acentuadamente econômicas, não
contribuíam para solucionar os problemas da época. (MARTINS, 1982, p. 46-47).
Para ele, portanto, as crises econômicas e políticas poderiam ser neutralizadas através da moral, e
não por meio da luta de classes, como defendiam os socialistas.
Acerca da divisão do trabalho provocada pela ascendente sociedade industrial, o autor em estudo era
altamente otimista. Para ele, a divisão do trabalho, prática crescente na sociedade européia da época,
aumentava significativamente a solidariedade entre as pessoas, uma vez que uns se tornavam dependentes
dos outros, o que, logicamente, acarretaria um aumento da cooperação, da união e da solidariedade entre as
pessoas.
O que, para Durkheim, faltava na sociedade européia da época, era um conjunto de regras morais
claramente estabelecidas, uma vez que as mudanças sócio-econômicas ocorriam velozmente. E essa
ausência de regras, por ele denominada “anomia”, é um indicativo de que a sociedade encontra-se “doente”.
Nosso autor ocupa-se também com a tarefa de definir e delimitar o objeto de estudo da sociologia. “A
sociologia deveria se ocupar, de acordo com ele, com os fatos sociais que se apresentavam aos indivíduos
como exteriores e coercitivos.” (MARTINS, 1982, p. 49). O objetivo de Durkheim é, aqui, demonstrar que, ao
nascer, encontramos a sociedade constituída, já com leis, costumes e crenças, as quais são passadas aos
indivíduos pelo processo educativo.
Segundo o pensador em estudo, para que a sociedade tivesse um bom funcionamento, era
necessário criar novos hábitos e comportamentos no homem moderno, sendo fundamental que esse tivesse
moderação nos interesses econômicos, acentuada noção de disciplina e de dever, culto à sociedade, às leis e
à hierarquia existente.
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A função da sociologia, nessa perspectiva, seria a de detectar e buscar soluções para os “problemas
sociais”, restaurando a “normalidade social” e se convertendo dessa forma numa técnica de controle
social e de manutenção do poder vigente. (MARTINS, 1982, p. 50).
Marx (1818-1883), Engels (1820-1903) e a teoria socialista
Como antítese à teoria positivista de preservação da ordem estabelecida pelo sistema capitalista, o
pensamento socialista, que encontra sua maior expressão com Marx e Engels, busca evidenciar os
antagonismos e contradições desse tipo de sociedade, sendo uma crítica radical a esse sistema.
Esse modo de pensar surge não apenas nos bancos das universidades, mas a partir das lutas das
classes inferiores contra as relações de opressão e exploração, como reação à situação de desigualdade
imposta pelo sistema capitalista. Na Europa Ocidental do século XIX, as classes exploradas reivindicam
igualdade e fim das diferenças entre as classes, tanto política quanto economicamente, o que podemos
determinar como socialismo pré-marxista ou socialismo utópico.
Marx e Engels assinalaram como brilhantes as idéias socialistas. Faltava, no entanto um método de
se chegar a viver em uma sociedade com tais princípios, em que não houvesse posse nem propriedade
privada, havendo igualdade entre as classes. O método utilizado por eles para se chegar a tal sociedade é o
materialismo histórico dialético, sendo os conflitos e as oposições entre as classes sociais o motor da história.
Isso significa dizer que a sociedade só muda a partir das lutas entre as classes, como reação ao sistema,
impostas pelas classes exploradas.
Para os pensadores do socialismo, portanto, “[...] seria necessário situar o estudo da sociedade a
partir de sua base material. Tal constatação implicava que a investigação de qualquer fenômeno social
deveria partir da estrutura econômica da sociedade, que a cada época constituía a verdadeira base da
história humana.” (MARTINS, 1982, p. 57). Para eles, os fatos econômicos são a base em que se apóiam as
outras dimensões da sociedade (religião, arte e política).
No pensamento de Marx, não detectamos apenas idéias e teorias acerca de filosofia, política e
economia, mas encontramos nele um caráter essencialmente prático. Para ele, e veracidade da teoria se
demonstra no campo prático. “Foi o socialismo [...] que despertou a vocação crítica da sociologia, unindo
explicação e alteração da sociedade, e ligando-a aos movimentos de transformação da ordem existente.”
(MARTINS, 1982, p. 59).
A sociologia marxista centrou seu foco nas contradições e antagonismos do capitalismo para
fundamentar a necessidade de uma transformação revolucionária da sociedade. Assim como o positivismo
era o porta-voz da burguesia e do capitalismo, o socialismo marxista é o representante da classe operária,
apontando a divisão do trabalho, vista pelos primeiros como fonte de solidariedade, como sendo princípio das
relações de exploração, antagonismo e alienação.
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A sociologia encontrou também, nessa vertente de pensamento, inspiração para se tornar um
empreendimento crítico e militante, desmistificador da civilização burguesa, e também um
compromisso com a construção de uma ordem social na qual fossem eliminadas as relações de
exploração entre as classes sociais. (MARTINS, 1982, p. 61).
Max Weber (1864-1920)
A busca de uma neutralidade científica levou Weber a estabelecer uma rigorosa fronteira entre o
cientista, homem do saber, das análises frias e penetrantes, e o político, homem de ação e de decisão,
comprometido com as questões práticas da vida. (MARTINS, 1982, p. 62).
Tal posição weberiana isola a sociologia dos movimentos revolucionários, tornando-a uma ciência
social neutra, sem a incumbência de ser transformadora, mas apenas uma ciência de constatação dos fatos
sociais.
Para o autor em questão, o indivíduo e sua ação são o ponto chave de qualquer investigação. O
pensamento conservador parte da análise das instituições ou dos grupos sociais, ao passo que Weber aponta
as ações dos indivíduos como ponto de partida para toda e qualquer investigação.
Weber dedicou-se ao estudo de vários âmbitos da vida social, a saber, desenvolveu estudos acerca
do direito, economia, história, religião, política e arte. Um ponto de destaque na obra desse autor foi a análise
da religião, podendo-se apontar seu trabalho “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, publicado em
1905, como a obra mais famosa nessa área do saber. “Ao estudar os fenômenos da vida religiosa, desejava
compreender a sua influência sobre a conduta econômica dos indivíduos”. (MARTINS, 1982, p. 67).
Vivendo em uma nação retardatária quanto ao desenvolvimento capitalista, Weber procurou conhecer
a fundo a essência do capitalismo moderno. Ao contrário de Marx, não considerava o capitalismo um
sistema injusto, irracional e anárquico. Para ele, as instituições produzidas pelo capitalismo, como a
grande empresa, constituíam clara demonstração de uma organização racional que desenvolvia suas
atividades dentro de um padrão de precisão e eficiência.
Elaborados no século XIX, os clássicos da sociologia, independentemente de sua filiação ideológica,
procuravam analisar, compreender e explicar os fenômenos sociais da sociedade européia em tal época.
Num contexto de afirmação do capitalismo, buscavam compreender e explicar as grandes transformações por
que passava a Europa em tal época, sendo que algumas correntes buscavam afirmar tal sistema, ao passo
que outras o contestavam. O fato é que essas análises nos levam a conhecer as relações entre os
acontecimentos históricos e os homens que os vivenciam.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
- MARTINS, Carlos B. O que é Sociologia. Rio de Janeiro : Brasiliense, 1982.
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