UM ESTUDO SEMÂNTIDO DAS LETRAS DO DISCO CABEÇA DINOSSAURO DA BANDA TITÃS Sílvia Horwat de Morais Caetano - Universidade Estadual do Oeste do Paraná Lançado em junho de 1986, o terceiro disco da banda Titãs foi incluído na lista dos 100 melhores discos brasileiros de todos os tempos. “Cabeça Dinossauro” que, quando lançado, foi praticamente barrado nas rádios e na TV por apresentar-se num tom agressivo, recebeu diversos prêmios e tornou-se um dos marcos do rock brasileiro. Seu sucesso foi tamanho que no final de 2012 foi relançado. Diversas bases da sociedade vieram à discussão na década de 1980 atráves do disco “Cabeça Dinossauro”, fato este que se mostra evidente a começar pela escolha dos títulos de algumas canções: "Polícia" (Tony Bellotto e Sérgio Britto), "Igreja" (Nando Reis), "Estado Violência" (Charles Gavin e Paulo Miklos), “Dívidas” (Arnaldo Antunes e Branco Mello) e “Homem Primata” (Ciro Pessoa, Marcelo Fromer, Nando Reis e Sérgio Britto). O disco trouxe um “Titãs” muito agressivo no âmbito da sonoridade. Letras contundentes e “inconformistas” mostraram uma banda que sofria influências da cultura punk e que não perdoava as instituições sociais mais importantes, como o Estado, a Igreja, a família e a polícia. O objetivo de nosso trabalho é tecer algumas considerações acerca da contextualização histórica do disco supramencionado, mas o que se pretende, acima de tudo, é analisar semanticamente as letras de suas músicas. O intuito é entender como e em que medida a análise do discurso nos auxilia a interpretar por exemplo “Homem Primata” que apresenta críticas acerca do estado capitalista e “Dívidas” que faz alusão aos abusivos impostos pagos pela população. A Banda No fim da década de 1970, no Colégio Equipe de São Paulo, um grupo de alunos esquerdistas constituiu a base daquela que viria a se tornar uma das mais importantes bandas de pop-rock brasileiro. Os “Titãs do Iê-Iê”, primeiro nome da banda, eram uma mistura de influências e estilos que iam desde a MPB até o punk. Embora contasse com influências e participações na vanguarda paulistana1, os “Titãs do Iê-Iê” assumiam o desejo de fazer parte do que fosse mais popular na indústria cultural. Em 28 de outubro de 1982, no SESC Pompeia, acontece a estréia oficial do grupo. De acordo com o baixista e vocalista da banda, Branco Mello, o primeiro show teria sido uma “sessão maldita”, pois havia começado bem tarde, depois da meia noite. Inicialmente, a banda se apresentava usando ternos coloridos, gravatas de bolinha, penteados diferentes e até mesmo maquiagens, ou seja, um figurino extremamente extravagante para a época. A banda era formada por nove integrantes: Arnaldo Antunes, Branco Mello, Marcelo Fromer, Nando Reis, Paulo Miklos, Sérgio Britto, Tony Bellotto, Ciro Pessoa e André Jung. Nesta primeira formação, seis integrantes eram vocalistas. Branco, Arnaldo e Ciro eram apenas vocalistas. Sérgio Britto cantava e tocava teclado em algumas músicas. Paulo Miklos e Nando Reis cantavam e tocavam baixo. Tony tocava guitarra, Marcelo tocava violão e André Jung era o baterista. Os Titãs começam, então, a se apresentar em casas noturnas paulistanas2. Nessa época, em função da diversidade de estilos que produziam e por entender que uma única canção não refletiria a diversidade artística dos Titãs, o grupo evitou ter alguma de suas músicas incluídas nas coletâneas de novas bandas ou lançar um disco compacto. Já sem o “Iê-Iê” no nome e sem Cyro Pessoa como integrante, em 1984, os Titãs lançam seu primeiro álbum com canções covers como “Querem Meu Sangue”, “Balada para John e Yoko” , “Marvin” e algumas composições próprias, como “Sonífera Ilha”, uma mistura de new wave e brega, com letra nonsense, que se torna uma das mais executadas nas rádios. O sucesso de “Sonífera Ilha” somado ao visual new wave do grupo e suas coreografias esquisitas fizeram deles uma das atrações dos populares 1 Movimento de música independente que não pertencia ao show business. Algumas casas noturnas exerceram papel importantíssimo no que se refere à divulgação das novas bandas do pop-rock brasileiro nos anos 80. 2 programas de auditório dos anos 80, como Chacrinha, Bolinha, Raul Gil, Hebe Camargo, etc. Logo após o lançamento do primeiro álbum, os Titãs trocaram seu baterista. No lugar de André Jung, que acabaria indo para o Ira!, entrou justamente Charles Gavin, ex-baterista do Ira!. Em 1985, eles lançaram o segundo álbum “Televisão”, sob a direção artística de Liminha. O ex-baixista de Os Mutantes seria um elemento essencial no tocante à sonoridade da banda a partir daquele momento, principalmente nos dois discos seguintes, que levariam os Titãs ao topo do rock nacional. O álbum até trazia canções mais pesadas como “Massacre” na tentativa de caracterizar o ritmo mais hardcore que estaria por vir, mas os grandes sucessos mesmo foram “Insensível”, “Não Vou Me Adaptar” e a faixa-título “Televisão”, as três mais “calmas”. Em novembro de 1985, o guitarrista Tony Bellotto e o vocalista Arnaldo Antunes foram presos, o primeiro por porte e o segundo por tráfico de heroína. Apesar de ser réu primário, Arnaldo permaneceu preso durante 26 dias, visto que o crime de tráfico de drogas é inafiançável. No julgamento, eles foram condenados, mas puderam cumprir suas penas em liberdade. Após esse episódio, os Titãs produziram dois de seus melhores trabalhos: os álbuns “Cabeça Dinossauro”, lançado em 1986, e “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, lançado em 1987. Em “Cabeça Dinossauro”, nove das treze faixas tornaram-se clássicos do grupo, entre elas duas canções que se referem diretamente à prisão de Bellotto e Antunes: “Polícia” e “Estado Violência”. A veia crítica do grupo apareceu também de forma ácida em “Porrada”, “Homem Primata” e “Igreja”. O som da banda foi ganhando peso e agressividade, o que refletia o estado de espírito das letras e da banda. Neste álbum, foi inclusa, também, a música “Bichos Escrotos”. Esta canção punk, uma das primeiras composições do grupo, acabou sendo censurada para execução pública em função dos palavrões que trazia nos seus versos. “Cabeça Dinossauro” transformou-se em um disco fundamental do rock nacional. Ainda no final daquela década, foi considerado por uma enquete feita pelo Jornal do Brasil junto a jornalistas e artistas, o melhor disco brasileiro dos anos 80. No final de 1987, o grupo lança mais um álbum de sucesso, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”. Embora não fosse tão agressivo quanto o anterior, foi um trabalho carregado de críticas sociais e com uma sonoridade pesada. Entre os destaques do álbum, considerado um dos melhores do ano pela crítica, estão “Diversão” “Comida”, e “Lugar Nenhum”. Com dois dos melhores álbuns da história do rock nacional, os Titãs iniciaram 1988 apresentando algumas das melhores performances ao vivo de um grupo de rock brasileiro. Os oito integrantes do grupo reforçados pela guitarra de Liminha mostraram uma presença de palco impressionante e uma sonoridade impactante nos shows. A crítica especializada reconheceu o sucesso da banda que, em festivais internacionais realizados no Brasil, fazia performances em pé de igualdade com os grupos estrangeiros do primeiro time do rock. Com esses resultados tão significativos, o grupo partiu para a gravação de seu disco ao vivo na noite roqueira do Festival de Jazz de Montreux (Suíça). O álbum “Go Back”, lançado ainda em 1988, registrou a performance de 15 sucessos do grupo. Em 1989, os Titãs lançam o experimental álbum “Õ blesq blom” e, conduzidos por influências regionais, passam a resgatar elementos tropicalistas abandonando o hardcore dos discos anteriores. As principais músicas deste CD são “Flores”, “Miséria” e “O Pulso”. Cabe, ainda, destacar o sucesso do videoclipe da canção “Flores” que venceu o prêmio de melhor clipe estrangeiro da MTV norte-americana, o Vídeo Music Awards. Apesar do sucesso, os Titãs, assim como quase todos os grandes nomes do poprock brasileiro dos anos 80 enfrentaram uma queda em sua popularidade no início dos anos 90. Em 1991, eles lançam “Tudo ao Mesmo Tempo Agora”, último trabalho com a presença de Arnaldo Antunes. Os álbuns seguintes foram “Titanomaquia”, (1993) e “Domingo” (1995). Estes três discos trouxeram alguns sucessos, mas o grupo ficou longe de repetir a qualidade poética e musical do final dos anos 80. O retorno dos Titãs às paradas de sucesso deu-se através da regravação de antigos sucessos como “Comida”, “Go Back”, “O Pulso”, “Família”, “Flores”, “Homem Primata”, “Televisão” e “Polícia”, entre outros. Em 1997, a banda gravou um show para a série Acústico MTV, com novos arranjos e sob a produção de Liminha. O disco, que vendeu mais de um milhão e setecentas mil cópias, resultou numa série de shows por todo o país. Desde então, a banda manteve-se na ativa com certa evidência em novas versões acústicas, shows ao vivo, como a turnê em 2007 com Os Paralamas do Sucesso, e com o lançamento de álbuns inéditos. Nesse período, o grupo enfrentou e sobreviveu à trágica morte do seu guitarrista Marcelo Fromer, vítima de um atropelamento por uma motocicleta em 2001 e a saída do baixista Nando Reis em 2002. Além de canções, discos e shows, os Titãs realizaram o lançamento de novos grupos como os Raimundos e o Mundo Livre S/A, através do selo Banguela3 que criaram no meio dos anos 90. Seus integrantes lançaram também discos solos e investiram em projetos paralelos, como o do guitarrista Tony Bellotto, que tem escrito livros policiais. Como a maioria dos grupos do pop brasileiro dos anos 80 ainda em atividade, são os sucessos daquela época que mantêm os Titãs como um dos nomes de destaque no cenário musical brasileiro, mesmo com todos os desfalques que o grupo sofreu. Com uma trajetória que inclui desde o estilo brega até o punk, os Titãs tem refletido a diversidade estética e comportamental da canção pop. Cabeça Dinossauro Lançado em junho de 1986, o terceiro (e mais polêmico) disco da banda não só marcou a estréia da parceria da banda com o produtor Liminha como também garantiu o primeiro disco de ouro para a banda, em dezembro do mesmo ano. “Cabeça Dinossauro” foi considerado o 19º melhor disco da música brasileira. A prisão de Arnaldo Antunes e de Tony Bellotto por porte e tráfico de heroína no final de 1985 somada à nítida vontade da banda de querer buscar uma unidade sonora “mais pesada” influenciaram na mudança estética que a banda tomou neste LP. 3 O selo “Banguela Records” foi o selo brasileiro de maior visibilidade na década de 1990. Embora existissem outros também relevantes no mesmo período (Superdemo e Chaos da Sony e Plug da BMG, o Banguela conseguiu “estampar” sua marca de forma diferenciada principalmente pela notoriedade e credibilidade dos Titãs (proprietários do selo) atrelado ao perfil visionário de Carlos Eduardo Miranda, produtor musical e diretor artístico da banda. Junto com “Selvagem?”, dos Paralamas do Sucesso; “Rádio Pirata”, do RPM e “Dois”, do Legião Urbana, o disco “Cabeça Dinossauro” forma o quarteto da sonoridade brasileira dos anos 80. O disco é composto por treze faixas. Todas elas com letras impactantes, a começar pela faixa-título, que abre o disco. Na sequência, temos “AA-UU” e depois vem “Igreja”, uma forte crítica à religiosidade brasileira. “Polícia” é um clássico da rebeldia que marcou a década de 1980. Então, seguindo a mesma temática de “Polícia”, temos “Estado Violência”. A próxima música é “A face do destruidor”, a menos famosa do disco. Depois vem “Porrada”, “Tô Cansado”, “Bichos Escrotos” e “Família”. Pela ordem, “Homem Primata”, uma crítica ao sistema capitalista e “Dívidas” que fazia alusão às alta carga tributária paga por nós, contribuintes. A última canção é “O quê”, que iniciava Arnaldo Antunes na poesia concretista. A capa de “Cabeça Dinossauro” foi baseada em um esboço do pintor italiano Leonardo Da Vinci intitulado A expressão de um homem urrando. Cabeça grotesca, outro desenho de Da Vinci, foi utilizado na contracapa do disco. Além do rock, os Titãs adentraram em estilos musicais que haviam sido explorados nos dois trabalhos anteriores. Isso pode ser notado em canções como o reggae "Família", os funks "Bichos Escrotos" e "Estado Violência" e a eletrônica "O Quê". Como se não bastasse, o octeto paulista usou também um cerimonial dos índios do Xingu, na faixa-título do disco. Nas letras, vários pilares da sociedade foram fortemente discutidos, o que podemos perceber já por meio da escolha dos títulos das músicas: "Polícia", "Igreja", "Estado Violência", "Homem Primata" e "Dívidas". Em 1997, a revista Bizz elegeu “Cabeça Dinossauro” como sendo o melhor álbum de poprock nacional. Mas a banda daria um salto ainda maior, comercialmente falando, com o “Acústico MTV Titãs”. Em 2012, em comemoração aos 30 anos da banda, o álbum passou a ser executado na íntegra nos shows e foi relançado com as 13 canções originais e a inédita “Vai pra Rua”, de Arnaldo Antunes e Paulo Miklos. "Com esse álbum, os Titãs encontraram uma maneira objetiva". "Esse é o nosso disco mais importante. Ele mostrou o que eram os Titãs". "Foi o nosso primeiro disco em que conseguimos realizar o nosso anseio sonoro, tecnicamente". "Os Titãs passaram a ter uma assinatura". "Devo confessar que quando falamos em fazer um arranjo ou uma canção a la Titãs, é sempre no "Cabeça Dinossauro" que pensamos. Foi lá que inventamos o nosso vocabulário". As frases foram ditas, respectivamente, por Paulo Miklos, Tony Bellotto, Arnaldo Antunes, Charles Gavin e Sérgio Britto e definem bem a importância de “Cabeça Dinossauro” para os integrantes dos Titãs. A sonoridade de "Cabeça Dinossauro" acabou formatando o estilo dos Titãs em seus trabalhos posteriores, conforme pode ser visto até hoje nos discos mais recentes do grupo. Em entrevista para a Folha de São Paulo, em 2006, Sérgio Britto reconheceu o trabalho do produtor: "O Liminha foi o responsável pela realização do nosso maior sonho: gravar com qualidade, liberdade e em altíssimo astral", disse. Além das letras mais fortes, os Titãs se mostravam mais pesados do que nunca. O punk-rock "AA UU" é um bom exemplo dessa mudança de rumo. Sérgio Britto, inclusive, disse no programa "Discoteca MTV" que o solo de Bellotto nessa canção "é o solo mais legal da história dos Titãs". O tal solo não passava de dois acordes. Mas a proposta era exatamente essa. Sem dúvida, o disco entrou para história e, até hoje, o álbum é citado pelos jovens artistas brasileiros como obra de referência. Em 1997, a revista Bizz elegeu "Cabeça Dinossauro" como o melhor álbum de pop-rock nacional. Análise semântica das letras das músicas de “Cabeça Dinossauro” Como o objetivo de nosso trabalho é tecer algumas considerações acerca da contextualização histórica do disco “Cabeça Dinossauro” e analisar semanticamente as letras de suas músicas, escolhemos para tal análise, as músicas “Polícia”, “Homem Primata”, “Igreja” e “O quê”. 1- Polícia (Tony Bellotto) Dizem que ela existe pra ajudar Dizem que ela existe pra proteger Eu sei que ela pode te parar Eu sei que ela pode te prender Polícia! Para quem precisa! Polícia! Para quem precisa de polícia! Polícia! Para quem precisa! Polícia! Para quem precisa de polícia! Dizem pra você obedecer Dizem pra você responder Dizem pra você cooperar Dizem pra você respeitar Polícia! Para quem precisa! Polícia! Para quem precisa de polícia! Polícia! Para quem precisa! Polícia! Para quem precisa de polícia! Durante as gravações do disco, Arnaldo Antunes e Tony Belloto foram presos por porte de drogas4. A raiva que ficou contida num primeiro momento foi expressa por meio de berros contra instituições como a Igreja, a família, o Estado e, principalmente, a polícia ("Polícia para quem precisa / Polícia para quem precisa de polícia"). Polícia é uma música que critica duramente as ações policiais e, sobretudo, a maneira como a sociedade a enxerga. Podemos identificar essa crítica em versos como “Eu sei que ela pode te prender”. O som estridente com o qual ela é cantada denota um 4 Este episódio teve um grande impacto na banda e vários shows foram cancelados na época. sentimento de ira e revolta. Versos como “Dizem que ela existe para te ajudar, dizem que ela existe para proteger” nos faz pensar na maneira com que a polícia é vista e “sentida” pela sociedade. De acordo com a música, a polícia que deveria assegurar nossa integridade nos protegendo, de fato, nos transmite medo. O disco “Cabeça Dinossauro” tem várias músicas de protestos, como “Homem Primata”, “Estado Violência” e Igreja, mas sem dúvida, “Polícia” é aquela que melhor representa este álbum de tanto sucesso. 2- Homem Primata (Marcelo Fromer, Nando Reis e Sérgio Britto) Desde os primórdios Até hoje em dia O homem ainda faz o que o macaco fazia eu não trabalhava, eu não sabia que o homem criava e também destruía Homem primata Capitalismo Selvagem Ôôô Eu descobri a vida é um jogo cada um por si e Deus contra todos você vai morrer, e não vai pro céu é bom aprender, a vida é cruel Homem primata Capitalismo Selvagem Ôôô Eu me perdi na selva de pedra Eu me perdi, eu me perdi "I'm a cave man a young man I fight with my hands (with my hands) I am a jungle man, a monkey man Concrete jungle! Concrete jungle!!" A música “Homem Primata”, clássico da banda Titãs, apresenta críticas acerca do estado capitalista “Capitalismo Selvagem...” e nos faz pensar no quanto ainda agimos como nossos ancestrais paleolíticos. De acordo com pesquisas recentes da Psicologia Evolutiva (Evolutionary Psychology), os principais instintos de sobrevivência do ser humano permanecem os mesmos, muito embora as formas de alcançá-los possam ter mudado bastante. “Desde os primórdios, até hoje em dia/ o Homem ainda faz o que o macaco fazia”. E não é só no âmbito psicológico e paleontológico que “Homem Primata” trouxe conclusões certeiras em relação à humanidade. Versos como "Eu não trabalhava, eu não sabia, que o homem criava, e também destruía..." é uma nítida referência ao processo destrutivo que o progresso desmedido pode causar aos seres humanos. A música, ainda, faz alusões à economia e à religião “Homem Primata, Capitalismo Selvagem... Eu aprendi, A vida é um jogo, Cada um por si e Deus contra todos, Você vai morrer, E não vai pr'o céu, É bom aprender, A vida é cruel...”. 3- Igreja (Nando Reis) Eu não gosto de padre Eu não gosto de madre Eu não gosto de frei. Eu não gosto de bispo Eu não gosto de Cristo Eu não digo amém. Eu não monto presépio Eu não gosto do vigário Nem da missa das seis. Eu não gosto do terço Eu não gosto do berço De Jesus de Belém. Eu não gosto do papa Eu não creio na graça Do milagre de Deus. Eu não gosto da igreja Eu não entro na igreja Não tenho religião A música “Igreja” foi uma crítica pesada à religião cristã, com ênfase à Igreja Católica. De autoria de Nando Reis, um ateu declarado, alguns versos diziam: “Eu não gosto de padre/madre/frei/bispo/Cristo... Eu não digo amém... Eu não entro na Igreja... Eu não tenho religião”. “Igreja” causou polêmica na população e dentro da própria banda. O vocalista Arnaldo Antunes dizia não concordar com o teor da música. Como sinal de protesto, Antunes não participou do videoclipe da música e se retirava silenciosamente do palco cada vez que a música era executada num show. Mesmo com toda a divergência de opiniões que a música gerou, “Igreja” fez muito sucesso sendo até cantada por Caetano Veloso em um show especial dos Titãs com Barão Vermelho no qual as duas bandas recebiam convidados especiais. 4- O Quê (Arnaldo Antunes) Que não é o que não pode ser que Não é o que não pode Ser que não é. O que não pode ser que não É o que não Pode ser Que não É! O que não pode ser que Não é o que não pode ser Que não é o que O que? O que? O que? O que? Que não é o que, não pode ser Que não é o que não pode ser Que não é o que não pode ser que não é (2x) Não não não é (2x) É Pode ser É Pode ser pode ser pode ser pode ser(2x) Que não é o que não pode ser Que não Que não é Que não é(2x) Que não é que não pode ser Que não pode ser que não é(4x) “O quê” foi composta por Arnaldo Antunes e, originalmente, era um de seus poemas publicados no livro Psia (1991; 1ª ed. 1986). A letra é composta por uma única frase “que não é o que não pode ser” que é repetida diversas vezes com entonações e recortes diferentes. A frase só é cantada inteira no refrão. Nos demais momentos, ela aparece como um recorte, ora afirmando, ora indagando. Herom Vargas faz uma analogia da música “O quê”, cuja grafia aparece em formato de circunferência no livro Psia (1991; 1ª ed. 1986), com a geometria. Segundo o autor, A frase é a circunferência e os trechos cantados, os seus arcos. Cada um desses arcos começa exatamente onde o anterior termina, levando-se em conta a sequência das palavras que compõem a frase. Os trechos também não são sempre os mesmos: a cada repetição, mudam as posições angulares, alterando-os conforme o que cada arco subentende. O sintagma é assim fragmentado em pequenas sequências mantidas em latência e que o canto, de fato, expõe nas formas entoativas (VARGAS, 2010, p. 7). Neste caso, o compositor joga com as palavras ao utilizar-se de pouca “modulação melódica” alternando as frases com entonação afirmativa e interrogativa. Considerações Finais Ao lado de outros grupos de rock de São Paulo (Ultraje a Rigor, Ira!), do Rio de Janeiro (Barão Vermelho, Blitz) e de Brasília (Legião Urbana, Capital Inicial e Paralamas do Sucesso), os Titãs aparecem no cenário musical brasileiro criando uma geração de bandas num período marcado por grandes acontecimentos políticos provenientes do fim da ditadura militar em 1985 e consequente eleição do presidente civil Tancredo Neves. Indubitavelmente, devido a seus discos clássicos da segunda metade dos anos 1980, os Titãs ocupam lugar de destaque na história da música popular brasileira da segunda metade do século XX e, ainda hoje, continuam influenciando bandas contemporâneas. Tanto é que quando jovens artistas brasileiros se destacam por seu conteúdo "engajado" e por suas letras "inconformistas" são corriqueiramente associados aos Titãs, principalmente da fase “Cabeça Dinossauro”. Os Titãs, que já eram conhecidos por suas músicas de protestos, depois do álbum “Cabeça Dinossauro”, consagraram-se como uma das maiores bandas de rock nacional. Nosso trabalho tentou analisar semanticamente algumas das músicas deste que, certamente, foi o mais polêmico disco dos Titãs. As músicas escolhidas para esta “leitura de significados” foram “Polícia”, “Homem Primata”, “Igreja” e “O quê”. Referências Bibliográficas ANTUNES, Arnaldo. 1991. Psia. 3ª Ed. São Paulo: Iluminuras. VARGAS, Herom. Exercícios Titânicos: Experimentalismo estético nas canções do grupo de rock Titãs. http://titas.net/historia - Site oficial da banda - Página visitada em 05/08/2013. Referências Fonográficas Titãs L.P. Cabeça Dinossauro, 1986. WEA. Brasil