UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
Valdier Ribeiro Santos Junior
A FORMAÇÃO DO MÚSICO POPULAR: perspectivas a partir da trajetória culturalmusical dos instrumentistas Eduardo Taufic e Jubileu Filho.
NATAL-RN
2016
Valdier Ribeiro Santos Junior
A FORMAÇÃO DO MÚSICO POPULAR: perspectivas a partir da trajetória culturalmusical dos instrumentistas Eduardo Taufic e Jubileu Filho.
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Música da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, na linha de
pesquisa – processos e dimensões na formação
em Música, como requisito para a obtenção do
título de Mestre em Música.
Orientador: Prof. Dr. Jean Joubert Freitas.
NATAL-RN
2016
A FORMAÇÃO DO MÚSICO POPULAR: perspectivas a partir da trajetória culturalmusical dos instrumentistas Eduardo Taufic e Jubileu Filho.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), na área de
concentração – Processos e Dimensões da Formação em Música,
como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música.
APROVADA EM: ____/____/____.
BANCA EXAMINADORA
Presidente, Professor Dr. Jean Joubert Freitas Mendes - UFRN
Orientador
Membro Interno, professor Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz - UFPB
1ª Examinador
Membro Externo, professor Dr. Mario Andre Wanderley Oliveira - UFRGS
2ª Examinador
NATAL/RN
2016
Dedico este trabalho (In memorian) ao meu grande mestre e amigo Manoca
Barreto, que tanto contribuiu com a formação dos músicos da cidade do
Natal-RN. Certamente, dedicar o trabalho a Manoca Barreto é transpor as
homenagens aos músicos potiguares que, direta ou indiretamente,
carregam consigo a semente musical plantada pelo professor.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida e pelo cumprimento de todas as promessas em minha
existência. Todos os meus passos são guiados pelo o meu Criador e eterno Pai celestial.
A meu filho, Pedro Henrique (Pedrinho) que é a prova viva do amor de Deus em
minha vida. Absolutamente, em todos os meus planejamentos, meu filho é o centro das
decisões.
A minha esposa, Amanda Cristina que, ao longo de todo o processo construtivo deste
trabalho, soube entender as minhas variações de personalidade. Amanda foi a pessoa que mais
esteve presente durante o mestrado. Foi quem mais soube escutar e sugerir conselhos nos
momentos de aflição. Eu até já a considero uma pesquisadora sobre o tema.
A meu pai (in memorian), Valdier Ribeiro que, apesar da inexistência das lembranças,
sei que cuidou de mim intensamente em sua trajetória pela Terra.
A minha mãe, Maria das Graças a qual, mediante a ausência da figura paterna,
indicou-me os caminhos essenciais à condução de uma vida alicerçada pelo caráter, ética e
respeito ao próximo.
A meu irmão, Emerson Costa, pelo privilégio de tê-lo como membro familiar.
A meu amigo “das antigas”, Máurison Silva que tão gentilmente revisou os textos
produzidos nesta pesquisa. Os verdadeiros amigos são aqueles cujos laços nem a distância,
nem o tempo conseguem enfraquecer.
A meu orientador – Dr. Jean Joubert Freitas Mendes – pelas ricas contribuições as
quais foram fundamentais à construção deste trabalho. Os momentos com o professor Jean
delinearam-se em ricos espaços formativos. Estar na presença dele e constatar a sua energia
na condução das diversas tarefas na instituição foi, de fato, um elemento construtivo e
motivador em minha trajetória profissional.
Aos maravilhosos amigos do mestrado e grandes educadores musicais – Kleber
Moreira, Ana Lúcia, Rodrigo Alves, Magno Job, Midiam de Souza, João Gomes e Fernando
Martins – pelos momentos de aprendizagem compartilhados. Agradeço a Deus pelo privilégio
de fazer parte dessa turma tão rica e companheira.
Aos professores do programa de pós-graduação em música da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN), os quais foram essenciais em minha formação acadêmica.
Certamente levarei na lembrança os gestos de carinho dos professores. Deixo um
agradecimento bem especial à professora Dra. Amélia Dias, que sempre teve um olhar de
carinho pela minha pessoa. Também quero agradecer grandemente à professora Dra. Valéria
Oliveira, que cuidou de todos os mestrandos como uma verdadeira mãe. Outro agradecimento
especial é para o professor Dr. Agostinho Jorge, pelos apertos de mão tão sinceros e amigos.
O professor Agostinho é a prova de que conhecimento e humildade podem conviver em
profunda harmonia.
Aos professores participantes da minha banca de qualificação, Dr. Luis Ricardo Silva
Queiroz e Dr. Mario André Wanderley Oliveira, pela ricas contribuições e direcionamentos
oportunizados à minha pesquisa.
A Dejadiere (Deja), pela imensa gentileza dispensada a todos os mestrandos. Uma
pessoa com uma vitalidade incrível, sempre acessível e competente em suas atribuições.
Aos sujeitos pesquisados, Eduardo Taufic e Jubileu Filho que, sempre acessíveis,
oportunizaram-me maiores conhecimentos acerca da formação dos músicos populares.
Ao Programa de Pós-Graduação em Música, que me oportunizou compreender e
vivenciar a ação de um músico professor, atuando como pesquisador. Estar no mestrado foi
um momento no qual a formação foi constante. Esta dissertação é apenas um exemplo dos
diversos conhecimentos adquiridos a partir do meu trânsito pela Escola de Música da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN).
Ninguém escapa da educação. Em casa, na
rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de
muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida
com ela: para aprender, para ensinar, para
aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer,
para ser ou para conviver, todos os dias
misturamos a vida com a educação. Com uma
ou com várias: educação? Educações”
(BRANDÃO, 1981. p. 07).
RESUMO
Os diversos espaços em que os músicos transitam em busca da sua formação são assuntos em
debate na atualidade. Diante disso, a Educação Musical, pensada como a área que contempla
o estudo e os processos de formação em música, certamente está atenta em perceber os
distintos ambientes em que acontece a aprendizagem musical. Com foco nessa busca, o
presente trabalho tem o objetivo de aprofundar a compreensão acerca das distintas dimensões
formativas dos músicos populares. Nesse sentido, proponho compreender a formação musical
dos instrumentistas Eduardo Taufic e Jubileu Filho, sujeitos da pesquisa. O trabalho traz uma
revisão de literatura com o fito de evidenciar o estado do conhecimento sobre o tema. A
fundamentação teórica proporciona uma mediação no debate, apontando as inferências dos
autores em constantes interlocuções com o campo. O estudo de caso com a abordagem
qualitativa é o procedimento metodológico proposto. Na fase de coleta de dados, foram
usados o questionário eletrônico, a observação direta, o caderno de campo e a entrevista
semiestruturada. A organização e, posteriormente, a análise dos dados foram materializadas
sob a ótica da análise textual discursiva. A construção textual das análises foi objetivada a
partir de três pontos centrais: formação musical inicial, formação musical em distintos
espaços e formação musical em contextos de profissionalização. Diante disso, a categorização
oportunizou a compreensão sobre os diversos espaços formativos em que músicos populares
transitam desde os seus primeiros contatos espontâneos com a música até a fase da atuação
profissional. Os resultados obtidos revelam que os músicos populares estão imersos em
diferentes espaços formativos, assumindo características sazonais. Esses espaços estão
acessíveis desde os primeiros contatos com o material sonoro até a fase formativa.
Palavras–chave: Educação musical. Autonomia na formação. Música popular. Espaços de
formação. Aprendizagem musical.
ABSTRACT
The diverse environments that musicians transit when in search for their formation are
subjects debated nowadays. Considering that the Music Education thought as an area that
contemplates the study and the process of music graduation certainly perceives the different
environments in which the musical learning occurs. Focusing on it, this paper aims to deepen
the understanding about the formative environment of popular musicians. In that sense, I
submit to understand the musical formation of the instrumentalists Eduardo Taufic and
Jubileu Filho, both subjects of this study. This paper brings a literature revising that aims to
highlight the knowledge about the subject. The theoretical foundation provides a mediation on
the debate, pointing the authors’ inferences in constant interlocutions with the field. The case
study with qualitative approach is the methodological procedure used. During the data
collection, electronic questionnaires, direct observation, a notebook and an open-ended
interview were used. The organization, and eventually, the analysis of the data were
materialized under the discursive textual analysis. The textual analysis construction was
thought from three central points: initial musical formation, musical formation in different
environments and musical formation in professionalization contexts. In light of this, the
classification allowed the understanding about the different formative environments in which
popular musicians transit through from their first spontaneous contact with music to their
professional performance. The results reveal the complexity of the formation of popular
musicians. That formation is utterly connected to the practice in different environments. In
this case, the social environment revealed itself as a strong motivating agent, especially for
the spontaneous treatment that music assumed in those spaces. In addition, family, friends,
teacher, technological resources, work environment, musical tests were certainly the great
responsible for the musical formation of the popular musicians studied in this paper.
Keywords: Music education. Autonomy of formation. Popular music. Environment of
formation. Musical apprentice.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Divulgação do show “Entre amigos”..................................................................72
FIGURA 2: Músicos Roberto Taufic e Eduardo Taufic.........................................................73
FIGURA 3: Músicos Airton Guimarães e Darlan Marley......................................................73
FIGURA 4: Músicos Eduardo Taufic e Airton Guimarães.....................................................73
FIGURA 5: Apresentação do show “Entre amigos”...............................................................74
FIGURA 6: Músicos Eduardo Taufic e Jubileu Filho............................................................77
FIGURA 7: Músicos Jubileu Filho e Airton Guimarães.........................................................77
FIGURA 8: O músico Darlan Marley e a cantora Nara Costa................................................78
FIGURA 9: Músico Jubileu Filho...........................................................................................78
FIGURA 10: Músicos Jubileu Filho, Carlos Sergio, Emerson Jean e Erick Firmino...............82
FIGURA 11: Músicos Severino, Francisco Beethoven e Jubileu Filho...................................82
FIGURA 12: Imagem com os artistas que já gravaram no Studio Promídia............................83
FIGURA 13: Cantor Gilmar Bezerra gravando no Studio Promídia........................................84
FIGURA 14: Eduardo Taufic em atuação profissional no Studio Promídia.............................85
FIGURA 15: Eduardo Taufic gravando e mixando no Studio Promídia..................................86
LISTA DE ABREVIATURAS
ABEM
Associação Brasileira de Educação Musical
ANPPOM
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Música
UFRN
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
EMUFRN Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
MPB
Música Popular Brasileira
MPIB
Música Popular Instrumental Brasileira
TCLE
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
ONG
Organização Não Governamental
EAI
Escuta atenta e intencional
PEE
Música na perspectiva do envolvimento espontâneo
PFM
O papel da família na formação musical
CPA
Caráter pedagógico da apreciação musical
ABM
Aprender brincando com a música
IAM
Influência dos amigos músicos
AE
Aprendizagem nos ensaios
AMC
Aprender música por meio das cifras
AMP
Automotivação do músico popular
MI
Motivação intrínseca
ME
Motivação extrínseca
RE
Rotina de estudo
IJ
Influência do Jazz
FCI
Função comunicativa do improviso
FHF
Ferramenta da harmonia funcional
EDE
Experimentação de diversos estilos musicais
MAM
Músico popular em aula de música
PMP
Partitura na música popular
ACT
Aprender a partir dos contextos tecnológicos
IRT
Influência do rádio e televisão
ACA
Aprendizagem a partir dos contextos das apresentações
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO..............................................................................................................13
2
MÚSICA POPULAR E OS PROCESSOS FORMATIVOS......................................20
2.1 Um debate sobre a música popular..............................................................................20
2.1.1 Discutindo os conceitos...................................................................................................20
2.1.2 Gêneros e momentos musicais: um debate histórico.......................................................25
2.2 Formação musical: contexto formal, não formal e informal.....................................33
2.3 O aprendiz inserido nas práticas de aprendizagem informal....................................36
2.4 Contribuições tecnológicas à música popular: contexto histórico.............................38
2.5 O tirar de ouvido: escuta focal......................................................................................42
2.6 Sobre a música popular instrumental brasileira.........................................................43
2.7 A interação coletiva do músico instrumentista popular.............................................45
2.8 A motivação na formação autônoma............................................................................46
2.9 Sobre a autoaprendizagem............................................................................................47
3
DIMENSÕES METODOLÓGICAS DA PESQUISA................................................50
3.1 Trajetória de vida: minha aproximação com o tema..................................................50
3.2 Participantes da pesquisa..............................................................................................53
3.2.1 Eduardo Taufic.................................................................................................................53
3.2.2 Jubileu Filho....................................................................................................................55
3.3 Questões éticas da pesquisa...........................................................................................56
3.4 O estudo de caso e a abordagem qualitativa................................................................58
3.5 Instrumentos de coleta de dados...................................................................................59
3.5.1 Questionário eletrônico....................................................................................................59
3.5.2 Observação direta.............................................................................................................60
3.5.3 Pesquisa bibliográfica......................................................................................................60
3.5.4 Entrevistas semiestruturadas............................................................................................61
3.6
Organização e análise dos dados..................................................................................61
4
COMPREENDENDO O CAMPO: UM OLHAR NAS PRÁTICAS.....................................67
4.1
Ensaio do show “Entre amigos”................................................................................................67
4.2
Apresentação do show “Entre amigos”....................................................................................74
4.3
Ensaio do show “Nara Costa e o show Gonzaguinha 70 anos”..............................................76
4.4
Ensaio da banda Perfume de Gardênia....................................................................................79
4.5
Atuação profissional no Studio Promídia.................................................................................83
5
ESPAÇOS FORMATIVOS DOS MÚSICOS POPULARES.....................................89
5.1 Formação musical inicial...............................................................................................89
5.1.1 O brincar com os sons......................................................................................................90
5.1.2 Motivação familiar...........................................................................................................91
5.1.3 A consciência formativa...................................................................................................94
5.1.4 O escutar e tocar numa concepção informal....................................................................95
5.2 Formação musical em distintos espaços.......................................................................97
5.2.1 Formação musical a partir do contexto social dos amigos...............................................97
5.2.2 O papel dos professores na formação musical.................................................................99
5.3 Formação musical em contextos de profissionalização............................................103
5.3.1 Espaços de atuação profissional.....................................................................................104
5.3.2 O papel da partitura na atuação dos músicos.................................................................110
5.3.3 Autoprodução em contextos mercadológicos................................................................111
6
CONCLUSÃO..............................................................................................................115
REFERÊNCIAS...........................................................................................................118
ANEXOS.......................................................................................................................123
ANEXO A: Imagens do músico José Eduardo Hasbum................................................124
ANEXO B: Imagem do músico José Eduardo Hasbum e os professores......................125
ANEXO C: Imagem da Banda Maestro Santa Rosa......................................................126
ANEXO D: Atuação profissional do músico Jubileu Filho – banda Terríveis..............127
APÊNDICES.................................................................................................................128
APÊNDICE A: Termo do uso de imagem.....................................................................129
APÊNDICE B: TCLE assinado por Eduardo Taufic.....................................................137
APÊNDICE C: TCLE assinado por Jubileu Filho.........................................................139
APÊNDICE D: Roteiro da entrevista semiestruturada..................................................141
13
1 INTRODUÇÃO
Diversas áreas, na contemporaneidade, convergem-se pela busca de compreensões
alargadas acerca do envolvimento que acontece entre os indivíduos e as músicas presentes nos
diversos tempos e espaços sociais. Nesse sentido, diante de uma reflexão histórico social,
Simone Lacorte (2006, p.43), diz que,
[...] diferentes áreas do conhecimento musical, como a educação, a
psicologia e a sociologia da música, vêem-se diante da tarefa de esclarecer
conceitos importantes, tanto do ponto de vista psicológico, quanto
pedagógico, como musicalidade, aptidão musical, capacidade de vivência
musical e aprendizagem.
A Educação Musical tende a enxergar o envolvimento formativo que há entre a música
e os indivíduos nos diferentes contextos de aprendizagem. Segundo Juciane Araldi (2004, p.
27),
[...] o saber musical, antes atribuído apenas às instituições escolares e/ou
conservatórios, passa a ser valorizado por experiências diversas, de tal forma
que onde o fazer musical estiver presente, a área da educação musical pode
se inserir para compreender os fenômenos.
Sendo assim, o entrelaçamento com as diversas formas musicais presentes na
sociedade conduz, em maiores ou menores proporções, a processos de aprendizagem e,
consequentemente, a distintas formações musicais. Segundo Newton Duarte (1993, p. 47), a
formação “se realiza através da relação entre objetivação e apropriação. Esta relação se
efetiva sempre no interior de relações concretas com outros indivíduos, que atuam como
mediadores entre ele e o mundo, o mundo da atividade humana subjetiva”.
A formação do músico popular na contemporaneidade apresentar-se como um
fenômeno diversificado e ligado aos contextos onde os músicos estão inseridos. Nessa
perspectiva, a partir das múltiplas dimensões, proponho empreender compreensões sobre os
espaços formativos dos músicos populares.
Diante disso, “compreender os processos formativos dos músicos populares”
apresenta-se como o objetivo geral para este trabalho. Já para os objetivos específicos,
apresento os seguintes: 1) identificar os espaços formativos dos músicos populares; 2)
entender os distintos contextos formativos dos músicos populares; 3) identificar a autonomia
que transita na formação dos músicos populares e; 4) compreender a formação musical dos
músicos instrumentistas Eduardo Taufic e Jubileu Filho.
14
Os músicos pesquisados neste trabalho são José Eduardo Hasbum, que tratarei aqui
pelo o nome artístico de Eduardo Taufic, e o músico Jubileu Filho. O foco é compreender o
relacionamento de ambos os instrumentistas com os contextos formativos. Para isso,
direcionei as minhas buscas em três momentos distintos: a formação musical inicial, a
formação musical em distintos espaços e a formação musical em contextos de
profissionalização.
Os músicos pesquisados têm em suas atuações profissionais um grande leque de
ambientes musicais. A partir dos dados coletados, posso oferecer uma visão bem mais
aprofundada sobre as relações desses músicos com seus espaços de formação musical.
Entendo que os espaços de atuação são o ponto crucial de identificação para a compreensão
de como acontece a formação dos profissionais inseridos nas práticas de aprendizagem por
meio da música popular.
Escolhi o estudo de caso com a abordagem qualitativa para a condução metodológica
da pesquisa. A partir disso, a coleta de dados deu-se por meio dos seguintes recursos:
questionário eletrônico, pesquisa bibliográfica, observação direta, entrevista semiestruturada e
anotações no caderno de campo. Além disso, a captura das imagens foi importante para
delinear os espaços físicos.
A organização e análise dos dados foram realizadas de acordo com a Análise Textual
Discursiva (GALIAZZI; MORAES, 2011), pois me permitiu criar unidades de análise,
categorias iniciais e finais, oportunizando-me conclusões mais coerentes acerca da formação
dos músicos populares.
Diante de minhas buscas por referenciais teóricos, compreendi que o debate acerca da
música popular apresenta até uma boa literatura. Contudo, quando o assunto é a formação
musical dos músicos populares, há poucos trabalhos publicados. Os trabalhos encontrados
estão em discursos correlatos, como os títulos que atribuem ao músico o “dom divino”, a
alcunha de o “bom de ouvido” ou acerca dos processos de autoaprendizagem. Não consegui,
em boa quantidade, trabalhos os quais fossem mais específicos em seus títulos em relação à
formação dos músicos populares.
Em minha revisão de literatura, explorei diversos periódicos nacionais entre revistas e
anais, dos quais destaco os Anais da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM),
Anais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Música (ANPPOM), Revista
da ABEM. Além disso, busquei diversas dissertações e teses no Banco de Teses e
Dissertações da CAPES e na Biblioteca Nacional. Também transitei pelos espaços da
Biblioteca Central Zila Mamede e na Biblioteca Pe. Jaime Diniz, localizada na Escola de
15
Música, ambas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Diante de minhas
pesquisas pela Internet, adquiri os textos a partir da busca, incluindo os seguintes termos
“formação musical”, “música popular”, “formação de instrumentistas” e “autonomia na
formação”.
Como já abordado neste trabalho, os achados revelaram que há, de fato, uma certa
escassez quando o tema é “a formação dos músicos populares”. Contudo, encontrei diversos
trabalhos os quais se aproximam dos contextos formativos dos músicos populares. Como, por
exemplo, os trabalhos que refletem sobre as mídias, tecnologias, autoaprendizagem,
autodidatismo, músico “bom de ouvido”, aprendizagem na família, aprendizagem dos
músicos de rua, “aprender entre os amigos”, entre diversos outros. Muitos desses trabalhos
estão contidos na minha fundamentação teórica, outros apenas colaboraram, no sentido de
indicações bibliográficas. Não seria possível proclamar aqui todos os trabalhos, mas, nas
linhas seguintes, aponto algumas pesquisas as quais entendo como fundamentais à temática da
formação dos músicos populares.
A dissertação de Simone Lacorte (2006), intitulada Aprendizagem do músico popular:
um processo de percepção através dos sentidos?, buscou compreender a aprendizagem dos
músicos populares a partir da pesquisa com dez músicos que atuam profissionalmente em
Brasília-DF. Os músicos atuavam em casas noturnas, bares, shoppings, o chamado músico
free lancer. A autora concluiu que a aprendizagem dos músicos populares, cujas habilidades
se baseiam nas práticas em diferentes contextos, os quais transitam tanto por espaços
escolares como não escolares, é bastante complexa.
Um trabalho, base para outras leituras, certamente é Violão sem professor: um estudo
sobre processos de auto-aprendizagem com adolescentes, de Marcos Kroning Corrêa (2000).
O autor objetivou investigar a aprendizagem extraescolar de alunos de violão por meio de
cinco estudos de caso realizados com adolescentes. Discutiu a motivação que leva os jovens a
procurarem estudar o instrumento sem o auxílio do professor. Debateu bastante sobre os
processos de autoaprendizagem, concluindo que, nessa relação,
[...] os recursos de aprendizagem chegam às mãos dos adolescentes a
partir do momento em que ele manifesta interesse em busca-lo, em
razão de alguma música que ele ouviu. Nesse tipo de aprendizagem, o
adolescente, muitas vezes, não domina todos os sinais e códigos dos
materiais utilizados. [...] cada adolescente desenvolve a aprendizagem
em sua própria realidade concreta, no seu contexto, através de projetos
pessoais. (CORRÊA, 2000, p. 149:150).
16
Em relação à discussão que há em torno dos conceitos sobre as diversas formas de
aprendizagem do músico, o trabalho de Nathan Tejada de Podestá (2013), O autodidatismo na
formação musical: revisão de conceitos e investigados de processos não escolares de
aprendizagem e desenvolvimento musical é oportuno ao debate. A autora objetivou abordar
sobre o autodidatismo a partir da pesquisa com três professores de música e sessenta
estudantes de violão. Observou diferentes tipos de processos educativos não-formais e
informais de música, concluindo que as possibilidades de aprendizagem dos músicos são
múltiplas. Além disso, relacionou os processos de autodidatismo a diferentes redes de
captação de informação, como as tecnologias, mídias, discursos musicais, materiais e métodos
de aprendizagem musical.
Outro trabalho representativo e já consolidado na literatura é a Formação e atuação de
músicos das ruas de Porto Alegre: um estudo a partir dos relatos de vida, de Celso Gomes
(1998). A pesquisa tratou sobre a formação dos músicos de rua da cidade de Porto Alegre-RS.
O autor pesquisou dezessete músicos, buscando a compreensão sobre as maneiras de aprender
música e sobre as próprias concepções dos músicos sobre a formação. O autor concluiu que as
ruas se configuram como espaços de atuações profissionais, servindo de palco e meio de
sustento financeiro para os músicos investigados. Além disso, defende que há relações
complexas nas atuações desses músicos, as quais vão bem mais além da questão estritamente
financeira.
Juliana Rocha de Faria Silva (2010) contribuiu com o seguinte trabalho: Algumas
coisas não dá pra ensinar, o aluno tem que aprender ouvindo: a prática docente de
professores de piano popular do centro de educação profissional – Escola de Música de
Brasília (CEP/BEM). O trabalho traz uma investigação com professores de piano popular,
relacionando como esses organizam os conhecimentos e habilidades no instrumento. Destacou
que a escola de música é responsável pela formação de músicos na área popular há mais de
vinte anos. Os resultados evidenciaram que as práticas informais de aprendizagem e os
conhecimentos da educação musical formal se completam na atuação docente dos professores
de piano.
Destaco o trabalho de Eduardo Bertussi (2015), Música, trabalho e capital: um estudo
sobre as relações entre formação e atuação profissional do músico no Brasil a partir do
século XXI, como leitura essencial para quem busca compreender a formação dos músicos na
atualidade. O autor levantou dados sobre o surgimento de uma nova categoria de trabalho,
brotada a partir do recente modo de produção capitalista, o músico produtor. Concluiu que no
17
século XXI não há como abordar música fora das reflexões acerca do modelo de produção
capitalista. Destacou também a pouca produção acadêmica que trata sobre o músico produtor.
Outro trabalho que destaco é a Formação e prática musical de DJs: um estudo
multicaso em Porto Alegre. A autora Juciane Araldi Beltrame (2004) buscou compreender a
formação e a prática musical dos DJs atuantes na cidade de Porto Alegre-RS. Apoiou-se no
referencial teórico por três aspectos: aprendizagem e formação, educação musical – com
abordagem sociocultural – e música e tecnologia. O trabalho concluiu que a prática musical
dos DJs consiste em grandes períodos em que trabalham sozinhos, mas que, diante dos
avanços tecnológicos, aconteceram momentos de socialização de aprendizagem musical.
Com o foco em refletir acerca dos avanços tecnológicos, Agnes Schmeling (2005)
produziu o seguinte trabalho: Cantar com as mídias eletrônicas: um estudo de caso com
jovens. Investigou sobre o canto intermediado pelas mídias eletrônicas, pesquisando o
processo de aprendizagem de cinco jovens. Evidenciou que as mídias eletrônicas têm
diferentes funções na atividade músico-vocal dos jovens e que, nesse ambiente midiático,
incluem, de certo modo, a autoaprendizagem, a identificação e autonomia nas escolhas
musicais. Concluiu que o ouvir música, diante das mídias, é uma tarefa comum entre os
jovens, principalmente nos momentos de lazer. Além disso, a música está presente no
momento em que executam outras tarefas, como por exemplo no trajeto da escola, em
viagens, na própria escola, e em diversos outros contextos.
Já com o foco mais na música instrumental popular, o trabalho de Giovanni Cirino
(2005) – Narrativas musicais: performance e experiência na música popular instrumental
brasileira – visou perceber o trânsito do conteúdo da música popular instrumental brasileira
(MPIB), reconhecendo questões referentes à semântica. O autor infere que os músicos
populares têm a característica de pegar um material musical e transformá-lo em outro,
ressignificando. Debate sobre a significação da música erudita e da música popular,
apontando características, onde discute acerca dos momentos de aproximação entre os dois
contextos, quando a improvisação entra em cena como elemento mediador. O autor concluiu
que a MPIB abrange diversos ritmos e estilos, sendo consolidada no meio urbano, onde são
naturais as disputas e conflitos. Defende que, nessa relação, há uma linguagem não-verbal,
construindo significados e experiências.
O trabalho de Paula Agrello Nunes Oliveira (2011), Cover: performance e identidade
na música popular brasileira, pretendeu investigar a formação dos músicos Covers. A autora
lançou o olhar científico sobre duas bandas brasileiras que fazem cover da banda inglesa de
rock Beatles, objetivando observar se essa prática contribui para a construção da identidade
18
musical brasiliense. Abordou, dentre outros pontos importantes, as consequências trazidas a
partir da invenção da imprensa, no século XV, até a evolução da Música Popular Brasileira
(MPB), na década de 1960, dentro dos processos midiáticos da globalização, confirmando a
presença do músico Cover em todas as etapas. Concluiu que o Cover é um estágio inicial
onde, posteriormente, muitos músicos começaram a produzir músicas autorais.
Alice Farias de Araújo Marques (2006), diante de sua dissertação – Processos de
aprendizagens musicais paralelos à aula de instrumento: três estudos de caso – objetivou
compreender os processos de aprendizagens musicais extraclasse vivenciados por três
estudantes de instrumentos os quais, por iniciativa própria, buscam os conhecimentos para
além dos produzidos em sala de aula. Enfatizou diversas formas de aprendizagens desses
jovens, como a aprendizagem por observação, experimentação e pesquisa. Apontou
características da autonomia: autocrítica, senso de organização pessoal, estabelecimento de
metas e tarefas de iniciativa própria. Concluiu o trabalho, destacando para a necessidade de
compreender o formato desse novo modelo de aluno contemporâneo.
Os trabalhos apresentados foram importantes para a minha pesquisa, sobretudo pelo
fato de que as referências bibliográficas contidas neles apontaram para diversas outras leituras
sobre o tema.
Esta pesquisa está dividida em cinco partes: introdução, fundamentação, metodologia,
observações e análise dos dados.
O segundo capítulo apresenta o seguinte título: Música popular e os processos
formativos. Nesse espaço, apresento a fundamentação teórica, assinalando o debate dos
autores acerca da formação dos músicos populares. Inicialmente, empreendo as discussões
relacionando os contextos formativos nos quais os músicos populares adquirem os
conhecimentos musicais. Além disso, diante de fatos históricos acerca dos diversos gêneros
da música popular brasileira e das revoluções tecnológicas, traço uma reflexão sobre a
importância de tais eventos na configuração do sujeito músico popular. Na sequência,
apresento um debate conceitual sobre a música popular, autonomia, motivação e
autoaprendizagem.
O terceiro capítulo é o da metodologia, que traz o seguinte título: Dimensões
metodológicas da pesquisa. Neste, defendo e demonstro aos leitores a minha aproximação
com a temática da música popular; trato o estudo de caso com a abordagem qualitativa;
apresento os procedimentos de coleta de dados – questionário eletrônico, a observação direta
e a entrevista semiestruturada – apresento os músicos pesquisados Eduardo Taufic e Jubileu
19
Filho; reflito sobre as questões éticas da pesquisa e, por fim, apresento as etapas de
organização e análise dos dados.
No quarto capítulo, apresento as observações oportunizadas no campo, compreendidas
como os primeiros passos metodológicos da pesquisa. A partir das descrições do campo, pude
perceber diversos aspectos importantes os quais estavam presentes no diálogo profissional dos
músicos pesquisados. As observações foram realizadas nos seguintes momentos musicais:
ensaios, show e estúdio de gravação.
O quinto capítulo traz os resultados e as análises dos dados à luz da análise textual
discursiva. Com o objetivo de construção textual, transitando entre as descrições e
interpretações, oportunizo compreensões acerca da formação musical dos músicos Eduardo
Taufic e Jubileu Filho. Diante disso, o debate é construído em três momentos distintos:
formação musical inicial, formação musical em distintos espaços e formação musical em
contextos de profissionalização. A partir desse diálogo, é possível compreender diferentes
contextos formativos onde os músicos populares transitam, como na família, entre os amigos,
com os professores e a partir da própria prática profissional e das exigências mercadológicas.
20
2 MÚSICA POPULAR E OS PROCESSOS FORMATIVOS
Empreender compreensões acerca dos processos formativos dos músicos populares é
transitar por terrenos complexos, haja vista que esses se relacionam por diferentes espaços
profissionais, os quais necessitam diversas habilidades inerentes a cada momento e/ou
situação de atuação. Segundo Lacorte (2006, p. 33), os músicos populares são indivíduos
imbuídos de uma “polivalência de habilidades”. Essas habilidades referem-se,
[...] desde a capacidade técnica e física no instrumento – como tocar
sequências harmônicas, escalas, acordes, improvisar, desenvolver ritmos
variados, reconhecer progressões de acordes através dos ouvidos ou de cifras
ou mesmo da leitura da notação musical cifrada ou por meio de partituras –
até a capacidade de adaptação ao ambiente, e aos diferentes contextos de
trabalho.
Diante disso, assumindo a consciência de que os músicos populares são seres
autônomos, no sentido de decidirem os próprios caminhos formativos, neste espaço
oportunizo o debate acerca de temas importantes à compreensão da formação dos músicos
populares.
2.1 Um debate sobre a música popular
2.1.1 Discutindo os conceitos
Diante da consciência de que o entendimento sobre a música popular é algo inerente
aos contextos históricos, sendo resultado de distintos acordos sociais, onde diversos atores –
instrumentistas, cantores, produtores, teóricos, empresários, etc - conduziram os seus rumos,
aponto, nas linhas seguintes, um debate conceitual acerca do tema.
Segundo a pesquisa de Lacorte (2006, p. 22), a “música popular diz respeito ao tipo de
música que surge da emergência dos grandes centros urbanos, da diversificação social e
principalmente do desenvolvimento das tecnologias”. Já Neder (2010, p. 182) diz que “a
música popular se constrói e se define pela pluralidade, justamente no contato e confronto
com outras músicas, por meio de seu uso por sujeitos concretos, por sua vez mediada por
categorias históricas, sociais e culturais”.
Para Silva (2010, p. 31), “a conceituação de música popular está atrelada ao mercado
fonográfico, às culturas musicais e urbanas e ao tempo histórico. Margarete Arroyo (2001) e
Ana Carolina Couto (2008) conceituam a música popular como a música que não é erudita,
21
rotulando-a assim todas as músicas, tanto nacionais como internacionais veiculadas no
mercado midiático. Gohn (2003) infere que a música popular é aquela à qual foi difundida e
globalizada a partir do advento tecnológico.
As discussões dos autores apontam conflitos na tentativa de obter definições comuns.
Não há dúvida de que o conceito sobre a música popular é algo inerente a uma lógica
histórica, construído a partir dos discursos culturais específicos de cada espaço social. Diante
disso, “[...] o contexto é fator determinante das concepções e características gerais que
orientam o processo de criação, produção, prática e circulação desse tipo de música”.
(FEITOSA, 2016, p. 55).
Nessa perspectiva, considero importante compreender a prática do “povo” em seus
espaços culturais – os quais podem ser num bairro, numa comunidade, num país, num circuito
de amigos ou numa grande rede cultural pela internet. Na atualidade, esses espaços não estão
demarcados por limites geográficos, pois a popularização dos recursos tecnológicos tem
oportunizado os encontros culturais de diversos “povos” onde as relações interculturais estão
presentes.
Richard Middleton, no livro Cultural Study of Music (2003), assinala um debate a
partir de diversos autores, abordando sobre o envolvimento que há entre a música e a cultura.
Segundo o autor, há diversos estudos sobre a música, contudo sem uma compreensão
aprofundada acerca das contradições culturais. Relacionando a música com a cultura, defende
que a música popular está relacionada a categoria “povo” e que “a configuração deste espaço
varia historicamente e em conformidade com os pressupostos ideológicos, e, portanto, o
caráter do ‘povo’ é variavelmente delineado e demasiado como um corpo social, um ator
político, uma voz cultural, com implicações para a interpretação de suas manifestações
musicais”1 (MIDDLETON, 2003, p. 253. tradução minha).
Marcos Napolitano (2005) defende que é preciso relacionar a música popular na
perspectiva histórico-social, compreendendo o imenso material e possibilidades em relação a
seu tempo e espaço. Segundo o autor, há três aspectos de suma relevância na perspectiva de
gerar conceitos sobre a música popular: a linguagem (escrita, musical, iconográfica,
audiovisual), o suporte (papel, fonograma, vídeo), tipo de instituição (ensino, imprensa,
1
The configuration of this space varies historically and in accordance with ideological
assumptions, and hence the character of "the people" is variably delineated too—as a social
body, a political actor, a cultural voice—with implications for interpretation of its musical
manifestations.
22
editoras, casa de espetáculo, etc). Defende que, apenas a luz dessa identificação, relacionando
esses aspectos, é que podemos projetar uma reflexão mais madura sobre os conceitos.
Proponho aqui, diante do que já foi abordado no presente trabalho, levantar a
discussão sobre a música popular em estreitamento com os objetivos mercadológicos. A partir
dos avanços tecnológicos e a popularização dos veículos midiáticos, os objetivos da indústria
cultural se mostraram bem definidos a todas as camadas sociais da população. Esse cenário
musical, atrelado as propostas dos grandes empresários, trouxe representações da música
como um objeto de consumo. A música que pode ser degustada e descartada sem que haja um
envolvimento reflexivo pelo seu receptor. Segundo Theodor Adorno (1994) em seu texto
“sobre música popular”, essa relação de subordinação da música com os objetivos
mercadológicos, retira do cenário a possibilidade de uma criação musical inovadora, na
medida que o comercio musical traz fórmulas prontas, não oportunizando uma possibilidade
de escolha, uma vez que os “gostos” estão nas intenções dos grandes empresários. Nessa
relação, os veículos midiáticos, como o rádio e a televisão criam um cenário de repetição das
músicas que, geralmente, tem características bem acessíveis a grande massa populacional,
conduzindo a estética musical de milhões de pessoas.
Segundo José Ramos Tinhorão (1998), em seus relatos históricos, esse conceito sobre
a música popular, arquitetado em meio a expansão tecnológica, foi espaço significativo para
os grandes mercados que, no intuito de gerar capital, ditou as regras sobre os rumos da música
popular. O autor esclarece que,
Até o fim do século XIX, a única forma de comercializar a música popular
era através da venda de partituras para piano, o que envolvia um complexo
de interesses limitados: o do autor (isoladamente ou com parceiros,
geralmente letristas), o do editor-impressor da música (reduzida a símbolos
reproduzidos no papel) e o dos fabricantes de instrumentos musicais, cujas
vendas aumentavam à maneira que a música destinada ao lazer urbano se
popularizava. (Ibidem, p. 247).
Sendo assim, houve a subordinação do artístico ao comercial onde a música popular se
transformou em produto de manipulação dos grandes centros comerciais mundiais, sendo
importada da Europa e dos Estados Unidos, onde residiam as grandes gravadoras
multinacionais. Nessa relação de poder, a música popular brasileira foi
23
Transformada, pois, em produto industrial-comercial pela necessidade de
uma base material para sua reprodução – disco, fita, filmes de cinema ou de
videotape - a música popular brasileira passou, de fato, a partir do século
XX, a situar-se dentro do mercado no mesmo plano dos produtos nacionais.
(TINHORÃO, 1998, p. 248).
Compreender que a música popular é algo inerente a categoria “povo” mas que essa
categoria tem uma dependência das influências mercadológicas, certamente é um ponto de
reflexão. Uma questão me intriga: o povo é autônomo, de fato, para criar a sua cultura? Ou
apenas reproduz as intenções mercadológicas? Penso que Adorno, apesar do olhar crítico
sobre a música popular, tem suas verdades. Há conflitos conceituais em tentar deixar claro
essa questão. Percebo que há toda essa dependência, mas também temos diversas outras
relações as quais configuram a música que representa o popular.
Outra definição ainda bem presente nos dias atuais, é acerca da música popular em
oposição a música erudita. Arroyo (2001), debruçou-se numa pesquisa etnográfica sobre a
música popular em um conservatório de música, tratando sobre as representações da música
popular inserida em um espaço predominantemente e historicamente regido pela batuta da
música erudita europeia. Para a autora, no espaço do conservatório, há as representações de
que tudo que não é erudito, é popular.
Essa visão, cristalizou-se no senso comum e, durante séculos, gerou-se a rivalidade
entre a música popular e erudita, compreendendo o campo popular como algo vestido de
“facilidade” em contraposição à “complexidade” das músicas eruditas. Segundo Moscovici
(2015, p. 95), “O senso comum está continuamente sendo criado e re-criado em nossas
sociedades, especialmente onde o conhecimento científico e tecnológico está popularizado”.
Napolitano (2005) aborda a respeito da visão de superioridade que a música erudita
tem sobre a música popular, mantendo ambas em dois blocos bem distantes. Nessa relação,
socialmente construída, germinou-se “a crença de que a teoria musical ocidental não só dá
conta de explicar a música, como através dela podemos compreender qualquer música”.
(LUEDY, 2006, p. 104). Green (2012, p. 76), argumenta que “os significados inerentes da
música popular têm sido bem distorcidos por uma pedagogia que tem sido lenta em
reconhecer as demandas das práticas de aprendizagem informal da música popular”.
Diante do debate, ficou claro que os conceitos sobre a música popular estão em
disposição de distintos significados, mediante o seu envolvimento histórico-social. Silva
(2010, p. 28) explica essa complexidade com o uso do termo, inferindo que
O termo ‘música popular’ é polissêmico, ambíguo e controvertido. Seu
significado é relativo e depende do contexto social e cultural de origem e de
definições e conceituações elaboradas por estudiosos das diferentes áreas.
24
Embora seja um termo amplamente usado no cotidiano, as dificuldades em
defini-lo situam-se nos diferentes significados que lhe são atribuídos pelas
diversas culturas e na classificação das músicas compostas pelos indivíduos.
Sendo assim, parece árdua a intenção de uma definição exata sobre a “música
popular”. Contudo, mais que buscar por definições, é preciso compreender os contextos onde
o termo esteve presente em seu tempo e espaço. Para os encaminhamentos desta pesquisa,
assumo o conceito de música popular de maneira ampla, a partir do olhar investigativo sobre
o “sujeito músico aprendiz” em seus diversos espaços de aprendizagem e, consequentemente,
durante todo o seu processo formativo. Como já mencionado antes, o músico popular é um ser
com traços de personalidades altamente mutáveis em detrimento das oportunidades
ocasionadas pelo conhecimento. Apoio-me em Pereira (2011, p. 119) quando diz que,
A música popular constitui, inegavelmente, uma forma cultural produzida e
distribuída no interior de uma lógica comercial e, nessa condição, encontrase também ela sujeita às regras e pressões do mercado, destinando-se ao
consumo por um público vasto, cada vez mais geograficamente disperso. Por
outro lado, a categoria de música popular integra uma miríade de gêneros
que evidenciam características estéticas diversificadas e percorrem diferentes
caminhos dependentes do grau de exposição e apelo comercial que
conseguem conquistar no interior de uma determinada formação. Os
próprios processos de emergência, desaparecimento, fusão e mistura de
gêneros e sub-gêneros, que trazem ao cenário global da música permanentes
transformações, demonstram, de fato, como a música popular é também ela
uma categoria historicamente contingente, cujo significado e implicações
terão de ser sempre descortinados no interior de um contexto específico.
Nesse sentido, absorvo a “música popular” como aquela que está acessível nos
espaços sociais dos próprios músicos. Música que transpassa por todas as fases formativas,
desde os seus primeiros envolvimentos espontâneos e não intencionais com o material sonoro
até a fase em que assume a consciência e intencionalidade, quando os músicos, de maneira
geral, objetivam a profissionalização. É a “música popular” compreendida por meio das
relações com a própria comunidade e também aquela música da indústria cultural que dura
poucos meses, mas que traz a motivação dos músicos em se relacionar com o material sonoro.
É a música popular oportunizada pelo envolvimento com os gêneros e momentos musicais,
como o samba, a bossa nova, o baião, dentre outros que complementam o cardápio da nossa
MPB.
Em suma, assumo o conceito de música popular com características amplas e
variáveis, as quais viabilizam as possibilidades de aprendizagem. É aquela que, aos olhos do
aprendiz, tem uma característica de ser acessível, envolvente e motivadora. Sendo assim, não
25
seria errôneo defender que até a música, tradicionalmente, definida como “erudita” pode ser
enxergada como popular, por meio das metodologias de aprendizagem dos músicos populares.
2.1.2 Gêneros e momentos musicais: um debate histórico
Considero importante o levante histórico acerca dos principais movimentos da música
popular. Não é meu objetivo discutir profundamente estes acontecimentos, contudo, minha
intenção é trazer a reflexão de que todos estes momentos musicais assumiram espaço
importante em relação a demarcação enquanto espaço influenciador e formativo dos músicos
populares.
Segundo Napolitano (2005, p. 12), a música popular, a qual emergiu do sistema
musical ocidental, teve “sua gênese no final do século XIX e início do século XX, está
intimamente ligada a urbanização e ao surgimento das classes populares e médias urbanas”,
consolidando-se na forma de uma peça instrumental ou cantada. Diante disso, as décadas de
1920 e 1930 foram importantes para a demarcação dos espaços, enquanto afirmação histórica,
impulsionada por meio dos avanços tecnológicos e objetivos comerciais. Nessa perspectiva,
pensando em uma demarcação geográfica mais ampla,
Nasciam os gêneros musicais modernos, que marcaram o século XX. Nos
EUA ocorre a afirmação do Jazz, primeiramente adaptado para o consumo
dos brancos e, posteriormente, retomando suas raízes negras. No Brasil, o
samba transformou-se sinônimo de Música “tipicamente” brasileira. Na
Argentina, o tango, já nos anos 20, transformou-se numa febre mundial,
depois de um longo processo de formatação musical que remonta a meados
do século XIX. Na América Latina, a rumba (logo incorporada por
Hollywood como sinônimo caricaturado de “latinidade”) e o “bolero”
cubano-mexicano experimentam uma enorme expansão, sobretudo entre os
anos 30 e 50, impulsionados pela fase áurea do cinema mexicano.
(NAPOLITANO, 2005, p. 19).
No Brasil, o Rio de Janeiro configurou-se, certamente, como o espaço geográfico onde
as mediações culturais descortinaram o cenário da música brasileira, haja vista que lá estavam
presentes representantes de distintas culturas e regiões do Brasil: pernambucanos, sergipanos,
alagoanos e baianos. Nessa conjuntura,
26
A consequência cultural da coexistência de tais comunidades regionais iria
ser a tentativa de estender suas afinidades de origem às formas de diversão, o
que transformaria a cidade do Rio de Janeiro de fins do século XIX e inícios
do século XX num verdadeiro laboratório de experiências fragmentadas de
usos e costumes de origem rural. (TINHORÃO, 1998, p. 265).
Diante deste cenário heterogêneo, destaco aqui o ritmo da modinha e do lundu, formas
musicais que no final do século XVIII e início do século XIX apontaram para os primeiros
movimentos sobre a perspectiva de uma música popular.
A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensão erudita na
interpretação e nas letras, sobretudo na sua forma clássica, adquirida ao
longo do II Império. Quase uma ária operística, com inclinações para o lírico
e o melancólico. A modinha surge em fins do século XVIII, derivada da
moda portuguesa. Seu inventor reconhecido foi Domingos Caldas Barbosa,
um mestiço brasileiro, que substituiu o pianoforte pela viola de arame,
temperou a moda com um pouco de lundu negro e anuançou o vocabulário
solene da Corte pelo mestiço da colônia. (NAPOLITANO, 2005, p. 40).
O lundu, originalmente era uma dança considerada indecente, trazida pelos escravos.
Entrou no “gosto” das camadas médias da corte e “[...] geralmente tinha o andamento mais
rápido que a modinha e uma marca rítmica mais acentuada e sensual, sendo uma das
primeiras formas culturais afro-brasileiras reconhecidas como tal”. (Ibidem, p. 41).
O Samba, considerado o primeiro gênero de música popular brasileira, em princípio
esteve presente nas “classes baixas”, representando o som do campo inserido nas músicas das
cidades. Contudo, já no século XX – considerado por Tinhorão (1998) como a “era da música
popular” – o ritmo empolgou os empresários, transformando assim as músicas das classes
baixas em produtos de consumo nacionalmente popularizados por meio das ondas dos rádios,
incentivando a venda de discos. Tinhorão aponta características políticas em relação a este
movimento transitório
A partir dos inícios de 1930 (porém, coincidindo com a revolução
anunciadora da “nova política econômica”, cujo caráter burguês nacionalista
iria incentivar o comércio interno e o aproveitamento das potencialidades
brasileiras), seria a própria criação das camadas mais baixas que as fábricas
experimentariam vender em discos, como um produto industrial comum.
(TINHORÃO, 1998, p. 295).
Em sua gênese, o samba mencionava as festas de dança dos negros escravos baianos.
Napolitano (2005, p. 49) aponta o contexto histórico, inferindo que
Com a imigração negra da Bahia para o Rio de Janeiro, as comunidades
baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas “tias”,
velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade, o seu elo
central. A primeira geração do samba, João da Baiana, Donga e Pixinguinha,
entre outros, tinha a marca do maxixe e do choro, e a partir das comunidades
27
negras do centro do Rio, principalmente nos bairros da Saúde e da Cidade
Nova, irradiou esta forma para toda a vida carioca e, posteriormente, para
toda a vida musical brasileira.
Na década de 1920, os brasileiros começaram a consumir produtos norte-americanos,
onde foi “[...] desencadeada a onda da americanização através da multiplicação dos adeptos
do jazz” (BERTUSSI, 2015, p. 32), surgindo muitos grupos que nas décadas seguintes
influenciariam a criação da Bossa Nova.
A “era do rádio” na década de 1930, impulsionou a visibilidade e divulgação da
música popular. Segundo Severiano (2013, p. 316) “o rádio reinou no Brasil como o mais
importante veículo de comunicação no período de 1932 – ano da promulgação de uma lei que
lhe permitiu a propaganda remunerada – ao início da década de 1960, quando a televisão
tomou-lhe o certo”. Destaco aqui o “programa do Casé”, transmitido inicialmente pela Rádio
Philips no horário de 20 às 24h aos domingos. Esse programa foi um importante veículo de
divulgação da música popular brasileira, passando por diversas emissoras e existindo até
1951. (CABRAL, 2011). Contou com diversos artistas os quais foram considerados os
maiores representantes musicais do rádio na época, como: Noel Rosa, Silvio Caldas,
Lamartine Babo e Carmem Miranda. (SEVERIANO, 2013).
Tinhorão (1998) discute sobre o rádio, apontando que foi um potente veículo de
influência à população brasileira, sobre tudo em relação a comunicação musical. Identifica
que a expansão da música popular foi impulsionada “[...] logo em inícios da década de 1930
pelo aparecimento dos rádios providos de válvulas elétricas de amplificação, que permitiam
uma recepção muito clara, através de alto-falantes” (TINHORÃO, 1998, p. 298).
Complementa, inferindo que,
A novidade viria permitir, aliás, o estabelecimento de uma tão grande
intimidade entre a fonte emissora e seu público, que o solene tratamento
inicial de “senhores ouvintes”, seria imediatamente substituído pelos
locutores para o efusivo “amigos ouvintes” (TINHORÃO, 1998, p. 298).
O cinema estreou no Brasil em 13 de abril de 1929, com o filme “Alta traição”,
exibido no Cine Paramount, em São Paulo. (SEVERIANO, 2013, p. 103). Segundo o autor,
“o rádio, a gravação elétrica do som e o cinema falado foram tão valiosos para a música
popular, que, pode-se dizer, o século XX musical começou na década de 1920, quando
surgiram essas três invenções”.
Contudo, é preciso problematizar que, com a chegada do cinema falado, houve grande
declínio da mão de obra musical. Os músicos, os quais acompanhavam as cenas do cinema
28
mudo, viram-se desempregados, vitimados pela nova tecnologia que chegava no Brasil.
Segundo Cabral (2011, p. 27),
Nem o crescimento da produção de discos e o desenvolvimento do rádio
foram suficientes para absorver os instrumentistas desempregados. Na época
do cinema mudo, toda casa de exibição tinha, no mínimo, um pequeno
conjunto que acompanhava os filmes.
Apesar do desemprego dos músicos, os brasileiros foram bastantes influenciados pelos
filmes americanos. Na década de 1940, “[...] iniciou-se uma maciça propaganda em torno do
chamado ‘american way of life’ ou ‘o estilo de vida americano’ o qual foi amplamente
divulgado pelo cinema de Hollywood e, consequentemente, através dos gêneros musicais
atrelados aos filmes”. (BERTUSSI, 2015, p. 34).
O baião, no final da década de 1940, popularizou-se com Luiz Gonzaga (1912-1989) e
seu parceiro Humberto Teixeira (1916-1979) “[...] consagrando definitivamente a música
popular nordestina nos meios de comunicação e no mercado do ‘sul maravilha’”
(NAPOLITANO, 2005, p. 39). Segundo Cabral (2011, p. 117),
Baião recebeu várias gravações, mas somente em 1949 Luís Gonzaga
gravou-a como cantor, colocando-a outra vez entre os discos mais vendidos
do país. Nascia o gênero musical que iria empolgar não só o público
brasileiro como os de vários países, pois o baião foi, de fato, um sucesso
internacional.
Contudo, Severiano (2013), em seu livro Uma história da música popular brasileira,
identifica João Teixeira Guimarães2, pernambucano, como sendo o primeiro músico a
apresentar a cultura nordestina aos cariocas, bem antes do estouro do Baião. Segundo o autor,
João Teixeira foi um personagem de forte influência entre os apreciadores da cultura do
Nordeste, apresentando os cocos, emboladas e as toadas de sua terra.
Mas, certamente, foi na música de Luiz Gonzaga e seus parceiros que a cultura
nordestina ganhou projeção. Severiano (2013, p. 273) definiu o sanfoneiro como “um matuto
encabulado que só gravava música instrumental [...]. A citação a seguir delineia bem toda a
influência do “matuto encabulado”, quando diz que,
É Luiz Gonzaga quem de fato torna pública a música nordestina para todo o
país. Não só a música, enquanto suas características harmônico-melódicas e
rítmicas, como também, junto com ela, todo o estereótipo físico que passaria
a simbolizar a figura do artista nordestino – sua indumentária, o gibão de
couro, o chapéu de cangaceiro. Da mesma forma, os timbres e a formação do
grupo musical considerado tipicamente nordestino – triângulo, sanfona e
zabumba, os trios de forró. É através dessa formação, atrelada à (re)criação
2
Foi integrante por dois anos do grupo Oito Batutas.
29
de um gênero nordestino, o baião, que gonzagão viria a ser o expoente maior
da representação musical nordestina. (GLEDSON, 2011, p. 76).
O veículo televisivo chegou no Brasil em 1950 (GOHN, 2003), proporcionando a
união perfeita entre o som e a imagem. Em 18 de setembro de 1950, a TV Tupi Paulista foi
inaugurada e em 20 de janeiro de 1951 a emissora iniciou os seus trabalhos no Rio de Janeiro.
(CABRAL, 2011).
Contudo, o novo veículo de comunicação ainda não tinha forte presença no Brasil,
pois as verbas publicitárias só chegaram alguns anos após a sua inauguração. Nesse sentido,
“o processo de implantação da televisão no Brasil foi lento, somente deslanchando no início
dos anos 60, quando cresceu o número de emissoras – pouco mais de uma dezena até então –
e o preço dos televisores tornou-se mais acessível” (SEVERIANO, 2013, p. 346).
Esse veículo de comunicação trouxe novas vivências musicais aos contextos familiares
brasileiros, colaborando com o crescimento e personificação dos ídolos musicais. Os
programas televisivos produzem seus artistas, influenciando milhões de pessoas, inclusive no
que diz respeito à motivação em aprender a cantar ou tocar as músicas dos ídolos. A busca
pela imitação fomentou o nascimento de muitos músicos inseridos nas práticas de
aprendizagem da música popular. Gohn (2003, p. 25) defende que “a imagem do ídolo é
claramente uma motivação constante para o envolvimento com a música, estimulando o
desejo de aprendizado e, em alguns casos, o estudo aprofundado da arte musical”.
Nesse sentido, Gohn (2003) destaca a enorme influência da Music Television (MTV)
sobre os jovens brasileiros. Segundo o autor, o canal foi criado exclusivamente voltado à
música, inaugurado nos Estados Unidos no dia 1 de agosto de 1981 e, no Brasil, em 1991.
Aponta ainda que “à medida que a popularidade da MTV aumentava, o videoclipe (vídeo
musical) revitalizava a indústria da música popular e redefinia o perfil de artista destinado ao
sucesso comercial”. (p. 107). Segundo (BERTUSSI, 2015, p. 43),
Esta nova emissora de televisão apostava em uma fórmula vitoriosa, porém
tão simples quanto eficaz: videoclipes eram transmitidos sem parar durante
24 horas por dia, sete dias na semana e 365 dias ao ano. O videoclipe
representou a capacidade de a música, novamente, absorver, adaptar e
explorar uma nova mídia.
Certamente, que a televisão e sua enorme influência, modificaram a relação da música
popular com o público. A citação abaixo expressa bem este momento:
Num período que se estendeu de 1965 a 1972, a televisão brasileira viveu
sua fase de maior interação com a música popular, através de programas –
como “O Fino da Bossa”, “Jovem Guarda” e “Bossaudade”, todos
produzidos pela TV Record – e uma sequência de memoráveis festivais de
30
canções, realizados na maioria pela TV Globo do Rio e a TV Record de São
Paulo. (SEVERIANO, 2013, p. 347).
Na década de 1950, um grupo de jovens filhos de famílias de classe média se reuniam
no bairro de Copacabana com o objetivo de criação de uma música desligada da tradição
popular da cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, os limites geográficos trouxeram
contornos distintos, surgindo uma música com características bem distantes para a época,
sendo entendida por muitos como a “música diferente”. Segundo Tinhorão (1998, p. 309),
A década de 1950 revelou, de fato, no Rio de Janeiro, um momento de clara
separação social marcada pelo próprio desenho da geografia urbana: os
pobres levados a morar nos morros e subúrbios cada vez mais distantes da
zona norte, os ricos e remediados no grande anfiteatro de 7,67 km2 de áreas
planas abertas entre montanhas, do Leme, vizinho do Pão de Açúcar, até ao
Leblon, olhando para o mar.
Ruy Casto (1990), em seu livro Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa
Nova, desenha bem o cotidiano desses jovens cariocas. Justamente, a “música diferente”, foi a
Bossa Nova, em oposição ao Samba e suas características sociais e musicais. Esse novo estilo,
em princípio, manteve o ritmo do samba, mas com o material harmônico mais próximo dos
discursos jazzísticos (CASTRO, 1990). Mas, em 1958, os jovens resolveram “[...] romper
definitivamente com a herança do samba popular, para modificar o que lhe restava de
original, ou seja, o próprio ritmo” (TINHORÃO, 1998, p. 310). O autor aponta as
modificações:
[...] os impulsos dos ritmos dos negros, seria representado pela substituição
daquela intuição rítmica, de caráter improvisativo, por um esquema cerebral:
o da multiplicação das síncopes, acompanhada da descontinuidade do acento
rítmico da melodia e do acompanhamento. A essa espécie de birritmia,
originada pelo desencontro dos acentos, se daria o expressivo nome de
violão gago, e sobre esse esquema iria repousar, basicamente, o
acompanhamento dos sambas de bossa nova. (Ibidem, p. 310).
O baiano João Gilberto foi o criador do “violão gago”. Em meio a essa nova rítmica,
configurou-se, de fato, o movimento da bossa nova, elegendo o “samba de bossa nova” como
o símbolo da juventude da classe média. (CASTRO, 1990). Cabral (2011, p. 131) diz que,
João Gilberto foi decisivo para o aparecimento da bossa nova. Desde o seu
primeiro disco de 78 rotações (Chega de saudade, de Tom Jobim e Vinícius
de Moraes, de um lado; Bim bom, do próprio João, do outro), lançado em
julho de 1958, qualquer pessoa de ouvido mais sensível à música percebia
que a MPB caminhava por novos rumos.
Diversos nomes importantes registraram as digitais na bossa nova. Personalidades,
como Newton Mendonça (1927-1960), João Donato (1934), Carlos Lyra (1936), Roberto
31
Menescal (1937) foram importantes para a configuração dessa nova MPB. Contudo, “[...]
quem atuava soberanamente no reino da ‘música diferente’ era o compositor, pianista e
violonista carioca Antônio Carlos Jobim (1927-1994)”. (CABRAL, 2011, p. 127). Na
verdade, três personagens foram essenciais à gênese e popularização da bossa nova, formando
uma tríade perfeita: Tom Jobim, João Gilberto e Vinícius de Moraes. Nessa configuração,
muitos músicos imitavam a batida do violão de João Gilberto, as melodias e harmonias de
Tom Jobim e a poesia de Vinícius de Moraes.
Em relação a influência do jazz à Bossa Nova, Oliveira (2011) identifica que o gênero
representava o cenário da música popular sofisticada que foi globalizada por meio do cinema
e das Big Bands. Segundo a autora, mediante toda a influência do Jazz,
A Bossa Nova surgia despertando enorme interesse na classe média
intelectualizada. Na década de 1960, imitar os trios característicos desse
gênero era comum entre os universitários. A improvisação, típica do estilo,
propiciava a emergência de talentos locais que demonstravam conhecimento
musical e virtuosismo. (OLIVEIRA, 2011, p. 30).
Segundo Tinhorão (1998), a motivação de conhecer e executar o jazz foi algo bem
intenso:
[...] os músicos brasileiros foram levados a adotar o tipo de formação
orquestral a eles ligado, o chamado jazz-band, o que obrigava a importar o
instrumento básico: a bateria compacta inventada pelos negros do Sul dos
Estados Unidos, à base de caixa, surdo, pratos e bumbo com pedal, o que
permitia diferentes efeitos sonoros conforme o emprego de baquetas ou
vassourinhas metálicas na percussão. (TINHORÃO, 1998, p. 252).
Destaco a década de 1960, como um momento de grande importância para o mercado
consumidor de música popular brasileira, sobretudo pelo consumo dos “jovens”, animados
pelos sons da Jovem Guarda, fortemente influenciados pelos Beatles. Segundo Oliveira (2011,
p. 31),
Os instrumentos eletrônicos e a popularidade dos Beatles fomentavam o
aparecimento de milhares de bandas que se sustentavam tocando o repertório
do famoso conjunto inglês. Muitos deles faziam versões das letras para o
português e alcançavam enorme popularidade junto à juventude brasileira.
Eram os covers da pós-modernidade.
Os cantores Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa Salim encabeçaram o
movimento, apoiados também em outros artistas. O programa “Jovem Guarda” foi um suporte
importante na divulgação da música popular entre os jovens brasileiros. Severiano (2013, p.
399) identifica este momento de inauguração do programa, quando diz que,
32
[...] foi ao ar ao vivo, às quatro e meia da tarde do domingo, 22 de agosto de
1965, o primeiro programa “Jovem Guarda”, ainda em caráter experimental,
acontecendo a estreia oficial duas semanas depois. Realizado no Teatro
Record, na rua da Consolação, apinhado de adolescentes, em seus melhores
dias, l “Jovem Guarda” apresentava, além do trio fixo, com Roberto Carlos
como atração principal, figuras da música jovem, como Os Incríveis, Tony
Campelo, Rosemary, Ronnie Cord, The Jet Black’s e Prini Lorez, que
participaram do espetáculo de estreia.
A partir da influência do rádio e, posteriormente, da televisão, o número de músicos
populares brasileiros cresceram bastantes, sobretudo para trabalhar na condução dos
programas. Diante disso, o presidente Juscelino Kubitschek, em 22 de dezembro de 1960,
sancionou a Lei Federal nº 3857/60, criando a Ordem dos Músicos do Brasil, órgão
responsável pela regulamentação da profissão do músico. Segundo Bertussi (2015, p. 36),
[...] o artigo 29 classifica os profissionais da música em: compositores de
música erudita ou popular; regentes de orquestras sinfônicas, óperas,
bailados, operetas, orquestras mistas, de salão, ciganas, jazz, jazz-sinfônico,
conjuntos corais e bandas de música; diretores de orquestras ou conjuntos
populares; instrumentais de todos os gêneros e especialidades; cantores de
todos os gêneros e especialidades; professores particulares de música;
diretores de cena lírica; arranjadores e orquestradores; e copistas de música.
Em relação a Música Popular Brasileira, conhecida pela sigla MPB, sua configuração
teve o marco a partir do surgimento das cidades, das múltiplas culturas e da popularização das
tecnologias (TINHORÃO, 1998). Segundo Napolitano (2005, p. 32) o surgimento da MPB
“[...] expressou um momento de aliança social e política entre diversas classes sociais em
torno de um ideal de nação, defendida, primordialmente, por setores nacionalistas da
esquerda”. Complementa, identificando que “[...] a sigla nasceu na época, justamente a partir
da obra de duas intérpretes, Nara Leão e Elis Regina, que sintetizaram duas leituras iniciais da
moderna MPB, que no final dos anos 60 transformou-se numa verdadeira instituição cultural
brasileira”. (Ibidem, p. 83).
Segundo o autor, na possibilidade de maior compreensão sobre a MPB, é preciso
entender três momentos históricos: seus primeiros passos, na tentativa de florescer uma
Música Popular Brasileira, a partir de nomes como Ataulfo Alves, Pixinguinha, Noel Rosa,
Lamartine Babo, Orlando Silva, Francisco Alves e Carmem Miranda onde o samba foi
considerado o gênero específico da MPB, além das marchas de carnaval. O segundo momento
foi em 1959 com o gênero da Bossa Nova, caracterizado pelo ambiente promissor com
imenso incremento social, consolidado em 1964 por meio dos circuitos dos shows
universitários. E o terceiro momento, compreendido a partir do tropicalismo, sob o regime
ditatorial, a MPB transforma-se movimento de resistência do militarismo.
33
É nessa perspectiva, onde a MPB assume-se como símbolo de resistência, é que o “[...]
tropicalismo propunha-se a representar, em face da linguagem ‘universal’ do rock, o mesmo
que a bossa nova representara em face da lingual ‘universal’ do jazz”. (TINHORÃO, 1998, p.
323). Por meio de letras voltadas as denúncias, os cantores Gilberto Gil e Caetano Veloso,
entre outros, pregavam
O direto à liberdade pessoal sem reservas, que lhes permitisse alegremente
contrariar com suas cabeleiras e a amplificação do barulho de seu
instrumental elétrico os velhos padrões estabelecidos por uma sociedade
incapaz de compreender as mudanças em seu próprio sistema (Ibidem, p.
326).
Sendo assim, os festivais de música foram importantes na configuração do
movimento, alinhado com os propósitos dos universitários da época os quais também
questionavam o modelo autoritário vivido sob o regime militar (1964-1985).
Com a ideologia de liberdade tão almejada e, gradualmente, conquistada após o
regime miliar, o rock brasileiro da década de 1980 representou um período em que a
juventude buscou a aproximação com os seus ídolos. Diversos artistas como Legião Urbana,
Cazuza, Barão Vermelho motivaram a aprendizagem dos jovens brasileiros que, diante das
melodias e harmonias fáceis de cantar e tocar, foram influenciados e iniciaram os seus
primeiros envolvimentos formativos a partir da música popular.
Todos esses momentos musicais foram importantes para gênese dos músicos
populares. Certamente que o samba influenciou toda uma geração de sambistas cariocas,
assim como o baião foi importante na identidade dos músicos nordestinos. Perceber todos
esses momentos e gêneros musicais que, na atualidade, estão disponíveis em meio a imensa
diversidade tecnológica, é refletir sobre as possibilidades de formação do músico popular a
partir do material sonoro.
2.2 Formação musical: contexto formal, não formal e informal
O processo de formação dos músicos populares traz a necessidade de entender a
complexidade que há no envolvimento desses profissionais com os diferentes espaços
formativos onde os conhecimentos musicais podem ser acessados. Sendo assim, é preciso
compreender que “[...] as transformações contemporâneas contribuíram para consolidar o
entendimento da educação como fenômeno plurifacetado, ocorrendo em muitos lugares,
institucionalizado ou não, sob várias modalidades”. (LIBÂNEO, 2010, p. 26). Nessa
conjuntura, “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na família, na
34
convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996, p.
9). Segundo o professor e pesquisador Luiz Ricardo Queiroz (2013, p. 95), a aquisição dos
conhecimentos musicais
[...] ocorre em múltiplos lugares e é mediada por estratégias diversas de
formação em música, podendo ser estabelecida via processos educacionais
intencionais, como acontece em uma instituição de ensino, ou por
etnometodologias estabelecidas nas diferentes relações dos sujeitos com o
mundo social, via processos não-intencionais de educação.
Percebemos que os diversos espaços formativos estão disponíveis à formação. Nesses
ambientes, os músicos vão construindo suas identidades “[...] ao longo de sua história de vida,
durante suas experiências profissionais, em práticas musicais ‘desinteressadas’ do seu
cotidiano e também em seu percurso escolar/acadêmico. (BATISTELA; FERNANDO, 2014,
p.123).
O autor José Carlos Libâneo aponta conceitos acerca dos contextos – onde acontece a
educação – os quais estão alinhados com as minhas intenções para este trabalho. Segundo
suas inferências, “não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é
o único lugar em que ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a única
prática, e o professor profissional não é seu único praticante”. (LIBÂNEO, 2010, p. 26).
Em meio a toda essa complexidade de contextos educacionais, os músicos populares
assumem características “sazonais”, adquirindo os conhecimentos inerentes à sua formação
nos mais variados ambientes e em diferentes períodos de sua vida, subsidiando assim as
decisões sobre o próprio processo de ensino e aprendizagem. Nessa relação, não há um único
ambiente propício à aprendizagem que fundamente o conceito do músico popular como um
indivíduo proveniente unicamente dos espaços informais. Em vez de enquadrar o músico
popular em rótulos imutáveis, é mais prudente identificar que na formação dele há um trânsito
complexo, com diversas vias para conquistar os conhecimentos, onde ele “[...] estabelece as
relações que vão constituí-lo, desde suas buscas por aprender a tocar um instrumento até sua
atuação profissional” (FERNANDO; BATISTELA, 2014, p. 120).
Diante disso, os conhecimentos musicais podem partir tanto dos meios acadêmicos,
tais como as aprendizagens vivenciadas nos conservatórios, como também dos espaços ditos
informais, como uma observação de outros músicos atuando no palco ou através de uma
conversa informal entre amigos.
Libâneo (1994, p. 18) diz que a educação formal assume a prerrogativa de ser “[...]
realizada nas escolas ou outras agências de instrução e educação”. Em grande maioria, os
35
músicos que têm acesso à instrução formal são os que estabeleceram vínculos educativos a
partir dos conservatórios de música. Além desses espaços, na atualidade, considerando a
obrigatoriedade da aula de música na Educação Básica frente à lei 11.769/2008, (BRASIL,
1998) também acontece a aprendizagem musical nas escolas regulares. Todavia, a ênfase
nesses ambientes – diferenciando-se da intencionalidade pedagógica dos conservatórios – não
é a formação profissional dos indivíduos, mas, sim, oportunizar diversas vivências musicais
capazes de contribuir com a formação integral dos seres.
Já a educação não formal, segundo o autor, é a “[...] atividade educativa estruturada
fora do sistema escolar convencional” (LIBÂNEO, 1994, p. 18). O autor identifica que nesses
espaços de aprendizagem, apesar de não ter o controle dos órgãos reguladores da educação
brasileira, há uma intencionalidade pedagógica, ou seja, um direcionamento com foco no
ensino/aprendizagem. A formação musical oportunizada nas ONGs, igrejas, associações e
centros comunitários são exemplos de aprendizagem não formal.
A educação informal, diferenciando-se das outras formas de educação anteriores,
corresponde “[...] a processos de aquisição de conhecimentos, experiências, ideias, valores,
práticas, que não estão ligados especificamente a uma instituição e nem são intencionais e
conscientes” (LIBÂNEO, 1994, p. 17). Aqui estão contidos, por exemplo, os profissionais da
música que adquirem os conhecimentos por meio do envolvimento espontâneo com o próprio
material sonoro em desenvolvimento com o meio social a que pertencem. As relações sociais
adquirem grande importância nessa forma de educação, pois é a partir dessas trocas que
acontece a aquisição dos conhecimentos musicais.
Apesar das definições, é preciso a clareza na concepção de que nos espaços informais
pode haver intenções pedagógicas, mas é necessária a compreensão de que essa intenção não
é compartilhada por todos os membros envolvidos nesse meio. Ou seja, o músico, por
exemplo, quando assiste a uma performance com a intenção de aquisição de conhecimentos
musicais, não está sendo enxergado do mesmo modo pelos agentes que integram o meio no
qual ele está inserido.
No artigo Performance musical: o olhar do aprendiz, apresentado no II Congresso
Nacional de Educação (RIBEIRO, 2016), abordo essa relação a partir de uma pesquisa
realizada no Parque das Dunas, Natal/RN, no evento intitulado Som da Mata. Nesse trabalho,
sublinho a relação que há entre as performances musicais e os seus diversos públicos. Os
resultados, dentre outros, apontaram para a relação de intencionalidade pedagógica por parte
da audiência dos músicos, enquanto que o performer não demonstrou a sua motivação nesse
direcionamento. Nessa relação, o executante da performance não objetiva um diálogo
36
pedagógico com a sua audiência, ele simplesmente quer apresentar a sua música sem pensar
que esta pode postular aprendizagem a outros músicos.
A formação do músico popular abaliza para uma problematização desses conceitos.
Cada vez mais as práticas de aprendizagem dos músicos contemporâneos revelam que esses
contextos de aprendizagem formais, não formais e informais estão se aglutinando. O músico
popular é o indivíduo que pode ao mesmo tempo estar sentado numa sala de aula formal, mas
acessando um site para aprender a tocar alguma música por meio das cifras. O músico popular
é o ser que estuda num conservatório, mas que nos intervalos adquire conhecimentos por meio
de trocas musicais com os colegas. O músico popular está inserido em meio completamente
heterogêneo, onde a própria formação é a base central de seus objetivos. Queiroz (2013)
esclarece que há um cruzamento de mundos musicais onde os espaços formativos assumem
características amplas, impossibilitando pensar num músico com uma formação estanque.
Segundo o autor,
[...] todos esses mundos de educação estão em constante processo de
diálogos e interações, mediadas pelos diferentes sujeitos que circulam pelos
muitos lugares de formação em música. Assim, os indivíduos que são
formados musicalmente por uma escola, também são educados pelas mídias,
pelas performances musicais locais, pelas músicas das ruas e, assim,
reciprocamente, acontece em todos os contextos sócio-educacionais de
aprendizagem musical. (QUEIROZ, 2013, p. 96).
Portanto, é eficaz a compreensão de que a formação do músico popular é diversa e,
mesmo adquirindo os primeiros conhecimentos musicais a partir da aprendizagem informal,
em algum momento de sua vida, este transita por outros contextos de aquisição dos
conhecimentos propícios à sua formação. Dito de outra maneira, defendo que o músico
popular adquire uma grande parte de suas vivências musicais nos ambientes informais, mas
isso não exclui as possibilidades formativas através das aprendizagens ofertadas em outros
contextos.
2.3 O aprendiz inserido nas práticas de aprendizagem informal
Como já abordado, na atualidade, os músicos populares, durante o processo de
formação, envolvem-se nos diferentes contextos de aprendizagem. Contudo, considerando o
olhar holístico e as relações históricas, fica nítido que os músicos populares ainda consideram
os espaços informais como um importante ambiente formativo, principalmente na fase dos
primeiros contatos com a música. Nesse envolvimento, o campo da música popular traça o
37
perfil do aprendiz autônomo, concebendo as práticas informais como a principal forma de
aquisição dos conhecimentos musicais. Green (2012, p. 67) esclarece que no campo da
música popular “[...] seus músicos adquirem habilidades e conhecimentos sem qualquer
necessidade aparente de formação prévia”. Complementa ainda, identificando que
[...] todos os músicos populares se envolvem no que se tornou conhecido
como práticas de aprendizagem informal. Essas práticas diferenciam-se
enormemente dos procedimentos educacionais musicais formais e dos
modos como as habilidades e conhecimentos de música clássica têm sido
adquiridos e transmitidos, pelo menos durante os dois últimos séculos.
(GREEN, 2012, p. 67).
Alvaro Neder (2012, p. 118) defende que,
[...] a educação musical em contextos informais verificará, certamente, que o
aprendizado e o desenvolvimento em música estão conectados ao contato do
sujeito com o outro e com a comunidade, o que parece ter relação com o
estímulo à criatividade.
A aquisição dos conhecimentos por meio desses contextos informais, pelo menos na
fase inicial da aprendizagem dos músicos populares, está intrinsecamente ligado às relações
musicais espontâneas, para as quais não há uma consciência de obrigatoriedade no que se
refere à prática para com os estudos. Prass (2004) defende que as primeiras vivências
musicais ocorrem no seio familiar, entre os parentes e amigos próximos. Os músicos
simplesmente se envolvem de forma prazerosa com os sons e, a partir dessa aproximação,
“durante todo o processo de aprendizagem informal, existe uma integração entre apreciação,
execução, improvisação e composição, com ênfase na criatividade” (GREEN, 2012, p. 68).
Nessa relação, propícia à autonomia, acontece a aquisição das habilidades musicais onde “a
aprendizagem ocorre, muitas vezes, de forma natural, quase que lúdica, em meio a festas,
churrascos e práticas informais entre amigos” (LACORTE, 2006, p. 23). A autora reforça o
argumento, destacando que
O aprendizado se dá, inicialmente, pelo tocar juntos, falar, assistir e ouvir
músicos, e, principalmente, mediante o trabalho criativo feito em conjunto.
Quando não há tradição familiar de tocar instrumentos musicais, os amigos
representam os primeiros ‘professores’ e incentivadores da prática musical.
(LACORTE; GALVÃO, 2007, p. 30).
Contudo, Green (2001) propõe reflexões, quando identifica nas aprendizagens
informais aspectos os quais apontam para relações de aprendizagens as quais transitam pelos
estados de consciência e inconsciência; pelas ações intencionais e não intencionais. Segundo a
autora essas relações estão naturalmente expostas no meio social dos aprendizes os quais, por
sua vez, aprendem sem a consciência e sem a intenção, mas também tenciona ações
38
propositivas em relação a consciência e intencionalidade, objetivando a formação e criando
metodologias de aprendizagens próprias.
Os contextos de aprendizagem por meio da música popular trazem consigo a marca
forte da espontaneidade vislumbrada nas inferências dos autores. Nesse tráfego, os
conhecimentos musicais estão acessíveis no próprio meio social do aprendiz. Queiroz (2004,
p. 102) defende a reflexão sobre as práticas de aprendizagem protagonizadas nesses espaços,
esclarecendo que,
[...] temos muito que aprender com os processos informais praticados nos
diferentes espaços e contextos da sociedade, não no intuito de transplantá-los
para as instituições formais, mas sim com o objetivo de, a partir deles,
entender diferentes relações e situações de ensino e aprendizagem da música.
Green (2012, p. 67) identifica características que corroboram o discernimento sobre o
perfil do aprendiz imerso nas práticas da música popular. Segundo a autora, “os próprios
alunos na aprendizagem informal escolhem a música, música que já lhes é familiar, que eles
gostam e têm uma forte identificação” e defende que nessa relação é familiar a prática de
“tirar a música de ouvido”.
Nesse sentido, reconhecer o meio como agente formador dos músicos populares,
seguramente traz a reflexão sobre a necessidade de inferir que as revoluções tecnológicas
foram importantes no que tange a possibilidade de popularização e globalização do material
sonoro. No ponto a seguir, traço um debate histórico sobre os avanços tecnológicos.
2.4 Contribuições tecnológicas à música popular: contexto histórico
O advento tecnológico trouxe enormes possibilidades colaborativas à prática musical
e, consequentemente, à formação do músico popular, seja nos primeiros contatos espontâneos
com o material sonoro ou na fase de profissionalização dos músicos. Segundo Hugo Assmann
(1998), para entendermos as aprendizagens nos dias atuais, é preciso a compreensão a respeito
dos avanços tecnológicos. Nesse sentido, Queiroz (2011) identificou 6 fases as quais
marcaram a origem e consolidação dos meios tecnológicos e midiáticos: 1) impressão da
partitura; 2) o advento do som; 3) a popularização por meio das rádios; 4) a televisão, 5) os
sintetizados e; 6) o advento da internet. Algumas dessas fases indicadas pelo autor, serão
abordadas no texto.
Em grande proporção, as fases que o autor aponta estão relacionadas a possibilidades
de envolvimento com o ambiente sonoro. O som, através das revoluções tecnológicas, está
39
globalizado e presente no cotidiano das pessoas e nas diferentes mídias, podendo ser
vivenciado de inúmeras maneiras, seja nos LPs, CDs, DVDs, no rádio, na televisão ou em
softwares mais avançados, por meio do uso da internet. Schmeling (2005), em sua pesquisa a
respeito do envolvimento dos jovens com as mídias, evidenciou a importância desses recursos
no cotidiano das pessoas, esclarecendo que, nesses espaços, há um imenso envolvimento
musical. Segundo sua pesquisa, para os jovens,
O ouvir música ocorre, principalmente, por meio das mídias. As mídias e a
música os acompanham e mostram-se presentes nos momentos de lazer, de
realizar tarefas, não só em suas casas e em seus quartos, como também no
encontro com amigos, nos trajetos para a escola, em viagens, na escola, entre
outros tempos e espaços. (SCHMELING, 2005, p. 153)
Ademais, defendo que a globalização e popularização do material sonoro, certamente
possibilitou a aprendizagem de muitos músicos populares. Gohn (2003, p. 78) diz que “o
registro do som deu uma nova condição à música, em que os estudiosos e aprendizes puderam
entrar em contato com obras que jamais poderiam ouvir presencialmente, no momento real da
produção musical”.
Sendo assim, na perspectiva de compreender os contextos os quais colaboraram com a
formação dos músicos populares, oportuno, na sequência do trabalho, um levante histórico
acerca dos avanços tecnológicos, deixando transparecer a importância dos adventos na
formatação do sujeito músico popular.
Gohn (2003) fez um levantamento histórico sobre os avanços tecnológicos, refletindo
sobre a sua importância para o cenário musical. Segundo o autor, o pontapé inicial foi dado
quando Thomas Edison, em 1877, inventou o aparelho de gravação chamado fonógrafo. No
que tange à popularização do som, o invento foi a base primária para novas revoluções
posteriores, as quais outorgaram diversas possibilidades de vivenciar e aprender música.
Segundo Demétrio Rodrigues Varjão (2012, p. 6),
A partir do fonógrafo, tornou-se possível a captura do som e a música passou
a ser controlada, sendo constituído um negócio grandioso que envolvia desde
a venda de discos, aparelhos de som, radiodifusão, espetáculos, até a
organização da indústria fonográfica. A lógica dessa indústria a partir da
venda de fonogramas (discos) causou profundas alterações na economia
musical e acentuou ainda mais o seu processo de mercantilização, divisão e
especialização da produção.
Em 1888, foi a vez do Gramofone, inventado por Émile Berliner. Nesse recurso, o som
era gravado em discos metálicos e duplicados. Em 1925, a “Columbia americana efetuava a
primeira sessão de gravação elétrica comercial, com o pianista Art Gilham” (SEVERIANO,
2013, p. 99). No Brasil, a gravação elétrica foi em 1927 com a empresa Oden. O primeiro
40
disco elétrico foi gravado por Francisco Alves interpretando duas músicas: a marcha
“Albertina” e o samba “Passarinho do má”. (SEVERIANO, 2013).
Tinhorão (1998, p. 250) argumenta que a gravação, em seus ritos iniciais, ponderava
os empresários, devido ao alto custo dos aparelhos. Segundo o autor, “os discos ou cilindros,
e os aparelhos de gramofone de corda indispensáveis para ouvi-los, constituíam um luxo fora
do alcance das maiorias [...].”. Certamente que nessa fase, os avanços tecnológicos não
alcançavam a grande massa dos cidadãos.
Em 1951 chegou ao mercado brasileiro a gravação de 33 rotações, oferecendo maior
possibilidade de registro sonoro. Até então, a gravação era em 78 rotações por minuto e
oferecia a possibilidade de gravar apenas duas músicas. Segundo Sérgio Cabral (2011, p.
122), “Os primeiros long-plays, de 33 rotações, tinham 10 polegadas e ofereciam o máximo
de oito faixas. Cinco anos depois, saíam os discos com doze faixas, já consagrados pela sigla
LP, que comandaram o mercado até o aparecimento do CD laser”
A Philips Company produziu a fita cassete em 1963 e em 1977, chegamos à era digital
da música com a fabricação e comercialização do CD. (GOHN, 2003). Esses recursos
possibilitaram maior acesso e envolvimento dos músicos populares com os materiais sonoros,
sobretudo pela possibilidade de barateamento dos preços e a facilidade de reprodução dos
áudios.
O século XX caracterizou-se pela chegada dos primeiros instrumentos a utilizar a
energia elétrica. Destaco o Dynamophone, construído por Thaddeus Cahhil em 1906, sendo
substituído pelo Theremin, apresentado por Teon Theremin em 1920 e comercializado em
série pela RCA em 1929. Contudo, o primeiro instrumento musical elétrico a gerar lucro e se
consolidar no mercado foi o órgão Hammond, criado por Laurens Hammond, introduzido no
mercado em 1935. (GOHN, 2003).
O rádio, certamente, proporcionou grande revolução no que diz respeito à
popularização e acesso a diversas músicas. Segundo Severiano (2013), foi em 07 de setembro
de 1922, em alusão aos festejos comemorativos do centenário de independência do Brasil, que
aconteceu a primeira transmissão de rádio. O autor destaca que a transmissão teve
[...] iniciou com um discurso de Epitáfio Pessoa e terminou com a irradiação
de O Guarani – foi das empresas americanas Westinghouse e Western
Eletric, que instalaram duas pequenas emissoras, uma no alto do Corcovado,
a outra na Praia Vermelha. (SEVERIANO, 2013, p. 97).
A internet, por sua vez, possibilitou a globalização da música e fomentou o
crescimento da quantidade de músicos iniciantes que exploram o vasto material musical e
41
pedagógico presente nesse meio, tornando-se numa “[...] ferramenta essencial no dia-a-dia das
pessoas em todo o mundo e, associada às novas tecnologias e ao avanço da telefonia móvel,
provoca grandes mudanças nos hábitos de se consumir música”. (BERTUSSI, 2015, p. 54).
Segundo Messias Bandeira (2001, p. 209),
A emergência das redes de comunicação mediadas por computadores,
sobretudo a internet, determinou o surgimento de um novo horizonte de
possibilidades. Neste sentido, notamos que a imbricação entre música e a
tecnologia vem plasmando um novo contexto não só do ponto de vista da
criação musical, como também da própria estrutura e organização deste
cenário.
Sendo assim, na contemporaneidade, há a inserção de um grande número de
aprendizes autônomos que buscam os conhecimentos necessários à sua própria formação
através do acesso aos computadores, onde a música “[...] pode ser acessada por meio de
programas específicos que permite gravar e reproduzir músicas, cantar e mixar a voz, baixar
letras, cifras e arranjos vocais”. (SCHMELING, 2005, p. 9). Queiroz (2011) defende que a
internet associada ao computador “[...] criaram um mundo para música em que mídia e
tecnologia se (con)fundem, criando formas de produção, difusão e, consequentemente, de
acesso ao fenômeno musical, antes imagináveis”. (QUEIROZ, 2011, p. 140).
Gohn (2003) aborda acerca dos Websites, relacionando com os objetivos de
disponibilizar serviços e informações, proporcionando maior interação musical por meio das
experiências vivenciadas nas comunidades virtuais.
Importante destacar que o amplo material disponível ao aprendizado musical nos
ambientes virtuais pode exigir um senso crítico mais aprofundado por parte do músico em
relação a suas escolhas musicais. Nesse trânsito, o importante é refletir sobre a necessidade de
pesquisas mais aprofundadas na hora de decidir quais são os materiais musicais propícios a
formação.
De maneira geral, o progresso tecnológico colaborou enormemente com o cenário da
música popular, provocando grandes revoluções no que diz respeito às distintas formas de
acesso ao material musical. Iniciantes e até instrumentistas profissionais buscam a
qualificação profissional a partir da interatividade tecnológica. Dentre as diversas formas de
envolvimento musical, ocasionada por meio do acesso tecnológico, destaco o “tirar de
ouvido”, que será abordado a seguir.
42
2.5 O tirar de ouvido: escuta focal
A prática e profissionalização dos músicos que têm suas atuações nos contextos da
música popular trazem a característica marcante de aprender a partir do processo de “tirar a
música de ouvido”. Apesar da constatação de que existem outras ferramentas musicais
imersas nas relações de trabalho, é visível a premência que tais profissionais têm em relação à
escuta focal. (UCAR, 2015). Para esses profissionais da música, é natural escutar trechos
musicais e, em seguida, repeti-los com grande grau de precisão, estabelecendo uma
comunicação ativa entre os sons, gerando uma linguagem capaz de validar suas atuações no
mercado musical.
Essa naturalidade com que os músicos circulam pelos sons pode ser atribuída, em
princípio, a uma linguagem simples e sem regras pré-estabelecidas. O aprendiz musical
simplesmente se envolve com os sons de maneira natural e busca reproduzir a música que
escuta. Progressivamente, surgem as motivações geradas a partir do ato de ouvir e copiar,
propiciando assim o aprimoramento dessa habilidade musical. Gohn (2003, p. 87), tratando
da interação no ato de escutar, diz que
[...] a alegria que surge em decorrência da plena integração do ouvinte com a
obra musical, atuando sobre a imaginação e a inteligência, é sem dúvida a
que move o aprendiz da música, interessado em estabelecer experiências
mais profundas e duradouras.
Segundo Lacorte e Galvão (2007, p. 30), o ato de ouvir é “parte fundamental da
enculturação, que permeia o desenvolvimento dos músicos populares, desde as suas tentativas
iniciais de fazer música até a carreira profissional”. Destaca que “o conceito de enculturação
musical se refere à aquisição de habilidades e conhecimentos presentes no contexto social no
qual os músicos populares estão inseridos, e na prática musical característica de cada cultura”
(LACORTE, 2006, p. 23).
Nessa lógica, torna-se primordial o aprimoramento dessa habilidade, estabelecendo
amplo envolvimento entre o músico e a sua atuação profissional. Ucar (2015, p. 52) aborda a
percepção como “um ato de classificação e entendimento musical aprendido pelo ouvinte, a
partir de um contato prévio com algum tipo de linguagem”. Green (2012, p. 78) diz que, “[...]
tirar música de ouvido naturalmente leva a uma melhora na habilidade de escutar música.
Uma vez que os ouvidos são abertos, eles podem escutar mais. Quando escutam mais,
apreciam e entendem mais”.
43
A ação de escutar uma música e, depois, a de reproduzi-la, conduz o aprendiz a uma
extensa liberdade musical, sobretudo pelo fato de que o músico não necessariamente precisa
de outras fontes de conhecimento para estar imerso nessa prática. Nesse caminho,
complementa Ucar (2015, p. 53), dizendo: “[...] sempre que ouvimos uma música
estabelecemos pontos de referência, ou seja, nossa mente organiza o modo como percebemos
o som, independente de qualquer conhecimento teórico do que está acontecendo”. Aponta
ainda argumentos em relação ao nível de complexidade que há no ato de ouvir música,
dizendo que,
Ouvir música é algo complexo; há muita atividade mental enquanto ouvimos
música. Tal atividade produz imagens mentais, sensoriais, recordações,
expectativas, associações, emoções e antecipações que geralmente não
conseguimos verbalizar. Todas essas operações estão diretamente ligadas à
memória e condicionam a experiência musical. (UCAR, 2015, p. 56).
O realce dos autores traz a necessidade de olhares mais aprofundados sobre a
habilidade da percepção musical que acontece nesses espaços populares. Perceber essa troca
musical e, consequentemente, educativa, pode motivar novas pesquisas na área, colaborando
com o crescimento científico na Educação Musical. O presente trabalho tem esse caráter
desafiador de refletir sobre as distintas práticas do músico popular na busca pelos seus
conhecimentos e, certamente, a habilidade de tirar a música de ouvido estará bem presente
nos relatos dos sujeitos pesquisados.
2.6 Sobre a Música Popular Instrumental Brasileira
A Música Popular Instrumental Brasileira (MPIB) “[...] surge como uma espécie de
subgênero dentro da música popular brasileira (MPB) e possui atualmente um prestígio
nacional e internacional, apesar da dificuldade de uma inserção mais ampla no mercado e na
indústria fonográfica” (CIRINO, 2005, p. 3).
Sendo assim, a MPIB posiciona o instrumentista em espaços diversos onde há uma
gama de conhecimentos necessários à sua atuação profissional. É necessário que o músico
esteja antenado com as habilidades musicais inerentes a esse espaço de atuação, como os
diversos ritmos e estilos, conhecimento de variadas progressões harmônicas, mergulhar em
contextos tecnológicos, conhecer as preferências do público, dominar bem o seu instrumento,
dentre diversos outros conhecimentos.
Nessa prática, segundo Cirino (2005), há uma interlocução entre as bases de
conhecimentos da música erudita e da música popular, colocando o músico em espaço tanto
44
de leitura de uma partitura, como também em momentos de improvisações, ressignificando as
obras musicais. Sendo assim “[...] os momentos de improvisação que surgem nos arranjos são
como ‘janelas’ ou ‘espaços’ para se tocar o que não está escrito na partitura, são momentos
que aproximam o erudito do popular” (CIRINO, 2005, p. 39. Grifo meu).
A aproximação com os diversos ambientes onde os conhecimentos musicais estão
presentes, certamente é uma característica forte do instrumentista popular contemporâneo.
Tempos atrás seria estranho pensar no músico popular com trânsito pelas técnicas da música
erudita. Contudo, o tempo atual traz novas representações sobre o músico popular, sobretudo
os instrumentistas que compreendem os diversos espaços formativos e suas múltiplas
dimensões.
O músico popular instrumentista tem a necessidade de abarcar o máximo de
conhecimentos possíveis, pois há uma exigência do mercado de trabalho. Ou seja, os
conhecimentos musicais configuram-se como ferramentas de trabalho os quais devem estar
acessíveis no momento de sua atuação musical, sejam eles – a execução de improvisos sobre
os modos gregos ou a leitura de uma partitura; seja executando harmonias atonais ou as
progressões I – IV – V - I; seja executando os ritmos do samba, da bossa nova, do forró ou do
brega3.
Apesar do encadeamento proposto por meio destes ritmos ou progressões, as quais
ainda há o senso comum depreciativo sobre eles, propositalmente os coloquei no texto,
justamente na intenção de revelar que no campo de atuação dos instrumentistas populares não
há espaço para os preconceitos, haja vista que é preciso o conhecimento acerca de grandes
variedades de discursos musicais.
Em mesma lógica, Cirino (2005, p. 210) diz que o músico popular instrumentista deve
entrelaçar-se com diversos universos, “[...] brasileiro e estrangeiro, popular e erudito,
tradicional e moderno” na perspectiva de estar atento as exigências do mercado de trabalho.
Portanto, eu exemplifico o músico instrumentista como o ser que pela manhã pode
atuar gravando num estúdio, pela tarde tocando num “churrasco numa laje” e pela noite se
apresentando em um grupo de Jazz em algum bairro nobre. Mais uma vez, é necessário
ressaltar, que não é minha intenção apontar julgamento de valor sobre os espaços, apenas para
mostrar os múltiplos campos de atuação.
3
Segundo Oliveira (2011, p. 30), “Brega é um gênero musical brasileiro. Inicialmente, o termo designava um
tipo de música romântica, com arranjo musical sem grandes elaborações, bastante apelo sentimental, fortes
melodias, letras com rimas fáceis e palavras simples. Uma música supostamente de ‘mau gosto’ ou ‘cafona’.
45
2.7 A interação coletiva do musico instrumentista popular
A música instrumental proporciona um ambiente de grande compartilhamento coletivo
onde a figura do outro é de suma importância na execução do produto musical. O músico
mergulha em cenários propícios à alteridade, estabelecendo uma comunicação capaz de enviar
e, no mesmo instante, trazer informações preciosas e pertinentes à sua própria formação e
aprimoramento técnico em seu instrumento. Neder (2012, p. 118) diz que nesses ambientes de
interação,
Não existe educação sem um envolvimento afetivo com um outro a quem se
quer emular e, eventualmente, superar. Na base da formação do músico com
o que faz não jaz apenas e tão somente um sentimento contemplativo,
utilitarista ou a mera luta pela sobrevivência, mas uma relação interpessoal
de afetividade que possui efeitos realmente transformadores.
Na relação instrumental, o envolvimento interpessoal é o ponto norteador que
enriquece essas práticas. Fernando e Batistela (2014, p. 123) apontam para a aprendizagem
que ocorre nas práticas instrumentais das bandas. Segundo os autores,
As bandas e seus repertórios configuram-se em um mecanismo que permite
o aprendizado de determinados saberes: os conteúdos específicos para
executar um instrumento, habilidades em ‘tirar músicas de ouvido’, ler
cifras, conhecer ritmos de música popular, por exemplo.
Nesses encontros musicais e também educativos, os participantes se identificam com
os objetivos do grupo, assumindo uma identidade coletiva. Segundo Laplanche e Pontalis
(2000, apud NEDER, 2012, p. 118), a identificação é um
Processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma
propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente,
segundo o modelo desse outro. A personalidade constitui-se e defirencia-se
por uma série de identificações.
Nessa relação dialógica que há entre os instrumentistas, sintoniza-se uma atmosfera
imbuída de ensino e aprendizagem. Neder (2012, p. 119), tratando da prática instrumental que
acontece no caso dos músicos jazzísticos, defende que esse ambiente “produz efeitos
totalmente educativos, levando-nos a nos empenharmos, nos superarmos para buscarmos
nosso próprio desenvolvimento”.
Pensar nesses diálogos musicais é compreender o caráter de trocas que há nos
contornos da prática instrumental. O músico instrumentista adquire características pertinentes
ao meio no qual está inserido e assume a motivação de fazer valer o seu convívio nesses
espaços.
46
Nesse sentido, há o compromisso do instrumentista em detrimento da força
motivacional que o ambiente gera sobre ele. O músico que se insere em um grupo tende a
empreender compreensões alargadas sobre a música que está produzindo e, naturalmente,
surge a representação de que é preciso se manter atualizado.
2.8 A motivação na formação autônoma
Diante das discussões já tratadas neste capítulo, está nítido que os músicos populares
objetivam práticas autônomas quando tomam suas próprias decisões sobre quais os caminhos
a transitar em busca dos conhecimentos pertinentes a sua formação musical. Segundo
Hentschke e Cernev (2012, p. 90),
A autonomia refere-se ao desejo de poder reger o próprio comportamento,
oportunizando um senso de independência nas escolhas. O comportamento é
considerado autônomo quando os interesses, preferências e vontades guiam
o processo de tomada de decisões sobre participar ou não de uma atividade
em particular.
O aprender música de forma autônoma promulga posturas de planejamentos e
constantes verificações do sucesso perante os objetivos propostos à aprendizagem. Nessa
relação, os mecanismos motivacionais assumem grande grau de relevância, sobretudo quando
se entende que é a partir desse envolvimento motivacional que o aprendiz projeta maior ou
menor compromisso em relação aos estudos. Cardoso (2015, p. 45:47) define a motivação
como sendo
[...] um elemento psicológico fundamental para quem vivencia a experiência
musical e, sem dúvida, o elemento que garante a qualidade do envolvimento
do indivíduo nesse processo [...] a prática, o ensino e a aprendizagem
musical são atividades conduzidas por meio de fatores emocionais,
cognitivos e subjetivos, bem como são influenciadas pelas situações e
condições do contexto social.
A motivação dos músicos surge a partir de diversos processos sociais e psicológicos.
De maneira geral, “[...] praticar, ensinar e/ou aprender música são ações conduzidas por
fatores motivacionais [...]. ”. (CARDOSO, 2015, p. 46) os quais estão presentes nas diversas
práticas musicais.
A maneira como a música é enxergada pelo aprendiz pode colaborar, em maiores ou
menores proporções, com a aprendizagem musical. Apenas a título de exemplo, basta
refletirmos sobre as diversas formas pedagógicas que a área da pedagogia, durante os séculos,
vem desenvolvendo no sentido de motivar os alunos às aprendizagens. No tocante a este
47
trabalho, o desejo de aprender é algo que surge e é motivado a partir dos próprios contextos
sociais dos aprendizes, sem a interferência de organizações com esse propósito. Não há uma
relação de pressão por instituições acadêmicas, pois, mesmo quando os músicos populares
estão inseridos nos conservatórios, de maneira geral, isso é o resultado de uma decisão deles.
Essa motivação é resultado das primeiras experiências musicais, de como acontece a
exposição do aprendiz diante do universo sonoro. Diante disso, a família e o contexto social
são os principais agentes motivadores para o envolvimento ou não com a música. Quando
essa relação se configura em algo motivador às aprendizagens musicais, surge o senso de
responsabilidade onde o sujeito aprendiz torna-se autor de sua formação musical.
O senso de responsabilidade surge no momento em que o aprendiz autônomo assume a
consciência de refletir sobre a sua própria formação. Segundo Woody (2004, apud
CAVALCANTI, 2015, p. 191) “a prática torna-se eficiente quando envolve planejamento,
habilidades para diagnosticar falhas e corrigi-las, estabelecimento de metas e estratégias
adequadas”. Ou seja, o músico, nesse prisma, deve ser encarado como um agente ativo no
processo de reflexão e avaliação sobre a própria aprendizagem.
A fundamentação exposta colabora com o entendimento de que os músicos populares
assumem uma automotivação em participar e aprender sob a perspectiva das mais diversas
metodologias, as quais, por muitas vezes, são criações dos próprios músicos. Diante disso, é
preciso compreender melhor como funciona esse processo de autoaprendizagem que será
exposto no ponto a seguir.
2.9 Sobre a autoaprendizagem
Pretendo, nesta parte do trabalho, discorrer sobre o entendimento a respeito do
processo de aquisição dos conhecimentos musicais sob a ótica da autonomia do indivíduo,
enquanto agente da sua própria formação musical. Autores apontam diversas denominações
acerca do tema, “auto-educação” (LIBÂNEO, 2010), “autodidatismo” (NAVARRO, 2005) e
o mais usado na atualidade, “autoaprendizagem” (GOHN, 2003; CORRÊA, 2000).
Corrêa (2000) traz em sua pesquisa as práticas de autoaprendizagem de adolescentes.
De acordo com o autor, a autoaprendizagem ocorre quando o aprendiz não está inserido nos
ambientes das escolas, sendo eles mesmos responsáveis pelo próprio aprendizado. Corrêa
(2000, p. 20). Complementa, dizendo que é preciso
O reconhecimento de que os adolescentes passam a maior parte do seu
tempo fora da escola e que utilizam o tempo livre em atividades não só de
48
entretenimento, mas também de formação e autoformação, indica que as
atividades de formação voluntária extra-escolar desempenham um
importante papel no dia a dia.
Com isso, o processo é efetivado de fato pela autonomia dos alunos em relação às suas
decisões. Gohn (2003, p. 31) trata a autonomia percebida na autoaprendizagem como uma
característica intrínseca do aprendiz, dizendo que
O indivíduo que decide aprender música sozinho tem total interesse na
matéria e relaciona o estudo com as informações presentes em seu cotidiano.
Procura elementos na sua vida diária que acrescentem e contribuam com o
processo. Estabelece para si as condições para desenvolver seu potencial –
objetivando independência, criatividade e autoconfiança – e combina
sentimentos e inteligência para obter resultados.
Contudo, percebo que o termo mais usado coloquialmente entre os músicos que
aprendem por conta própria é o autodidatismo, quando eles sentem o prazer em dizer que são
músicos “autodidatas”. Assim, para Podestá (2013, p. 62), o autodidatismo
[...] pode ser interpretado como um processo de aprendizagem composto por
espécies de ‘pesquisas particulares’ – realizadas em diversos níveis e
objetividade e organização que conduzem à seleção de conteúdos (estéticos,
ou pedagógicos) e ao processamento das informações coletadas través da
realização de atividades e estudos que são requisitados, acessados,
conduzidos pelo próprio estudante que visa atender seus anseios mais
eminentes de aprendizagem musical
Segundo a pesquisa de Corrêa (2000, p. 14), refletindo acerca do termo
autoaprendizagem e autodidatismo, diz que
[...] ambos os termos explicam as situações nas quais, por exemplo, os
estudantes que não frequentam aulas de música, mas compram um violão e
começam a ‘tocar, tocando’ ou ainda aqueles que mesmo recebendo aulas se
empenham em pesquisas extras, buscando reforçar sua bagagem de
conhecimento musical.
Jacó Freire (2015), em sua pesquisa de mestrado – Ensino e aprendizagem de violão
na UFRN – problematiza a autoaprendizagem. O autor traz a reflexão de que, partindo do
pressuposto da etimologia da palavra, de certa forma não existe a autoaprendizagem. Defende
que, “[...] mesmo quem estuda sozinho, depende de referenciais, amigos, livros (que são
escritos por outras pessoas) e dificilmente, ou ainda possivelmente, aprenderão algo sem uma
ajuda externa” (p.56).
Alicerçado pelas pesquisas teóricas e empíricas, penso que a autoaprendizagem é um
elemento que está diretamente ligado com a motivação do sujeito aprendiz em conquistar as
informações necessárias a formação de maneira autônoma. Nessa relação, em todos os
contextos – formais, não formais e informais – acontecem processos de autoaprendizagem,
49
pois, mesmo quando os músicos estão sendo instruídos a partir dos direcionamentos das
instituições acadêmicas, sempre acontece momentos em que, por iniciativa própria, buscam os
conhecimentos em diferentes contextos.
Diante disso, a autoaprendizagem assume o caráter diverso e ocorre nos lugares mais
inusitados, seja através do acesso a uma vídeo-aula, em conversas com amigos, ou pela
imitação de uma performance a partir da apreciação de shows. A autoaprendizagem transita
por caminhos motivacionais, focando, primordialmente, nas relações de envolvimento entre o
aprendiz e os conhecimentos pertinentes a sua formação.
50
3 DIMENSÕES METODOLÓGICAS DA PESQUISA
3.1 Trajetória de vida: minha aproximação com o tema
Traço aqui momentos sobre a minha aproximação com a música, sobretudo com as
práticas de aprendizagem a partir da música popular. Com aproximadamente dez anos de
idade, numa “fugida” de casa para assistir a um evento político, deparei com uma grande
estrutura de som arquitetada para um comício. Naquela ocasião, o que me chamou a atenção
foi o impacto sonoro que vivenciei através do show da “banda zoom” que se apresentava no
evento. Fiquei estático e não conseguia mais perceber nada além da performance dos músicos.
Já naquele primeiro contato, surgia a vontade e a projeção em ser um músico, um tecladista, e
tocar em bandas.
Com o passar do tempo, na rua em que eu residia, começaram a aparecer os vizinhos
e, com isso, surgiram as primeiras formações musicais. Instrumentos feitos de lata e muita
brincadeira revelava o cenário artístico da minha rua. O brincar de “biloca”, “escondeesconde” e “futebol de rua” foram substituídos pelos ensaios dos grupos musicais. Passou-se
algum tempo e também deixei a bicicleta de lado. Troquei-a, com o auxílio financeiro de
minha mãe, por um pequenino teclado. A partir disso, o envolvimento musical convergiu-se
em algo mais sério, pois eu já dispunha de um instrumento musical de verdade.
A partir dessas vivências iniciais com a música popular, foi que busquei as primeiras
aprendizagens. Nessa relação, de maneira espontânea aprendia o que era necessário para tocar
ou brincar de tocar com meus amigos do bairro. Porém, mesmo deixando, neste texto,
transparecer uma certa ludicidade a respeito do meu envolvimento musical, sempre tive
clareza a respeito de meus objetivos com o meu envolvimento musical. Desde os primeiros
contatos com a música, já sabia onde eu poderia chegar a partir dessas experiências.
Meu primeiro anseio musical foi em ser componente de alguma banda de forró, pois,
na época, era o estilo musical veiculado nas rádios e que me influenciou fortemente. Sendo
assim, foi a partir da observação das performances dos músicos em atuação nos palcos que
comecei a tentar fazer o que muitos músicos populares fazem: “tirar de ouvido”. No início,
essa prática era bastante incipiente porque eu só dispunha dos LPs. Lembro-me ainda das
diversas vezes em que arranhava os discos na tentativa de conseguir reproduzir determinado
trecho musical. Não demorou muito tempo e vivenciei a modernidade na música: fitas
cassetes, CDs, MP3, entre outros recursos tecnológicos. Essa nova forma de escutar música
impulsionou-me radicalmente em relação à minha aprendizagem musical.
51
O resultado das muitas horas tentando aprimorar a minha percepção auditiva foi
conseguir ser integrante de uma banda de forró (Grupo Show Via Brasil). Mas antes disso,
tive muitas outras participações em bandas iniciantes e pequenos grupos musicais entre os
amigos. Para a concretização desse objetivo, foi necessária uma busca por outras
competências musicais. Nessa nova procura, o teclado deveria imitar o som da sanfona e ter o
“gingado” dos sanfoneiros. Tentei adquirir esses conhecimentos estudando com músicos
reconhecidos da época, mas diante da pouca condição financeira, o envolvimento sonoro foi a
principal forma de aprendizagem musical.
Após essa concretização, o próprio universo da música popular apontava para outros
objetivos, como tocar outros estilos, aprofundar-me em outros instrumentos, entender as
regras harmônicas com mais profundidade. O meu entrelaçamento com as práticas da música
popular me conduziu para os diversos espaços de aprendizagem, sempre na busca de
responder a questões inerentes a minha atuação enquanto músico.
Em determinado momento, senti a necessidade de, para além da prática de “tirar a
música de ouvido”, ter outras formas de aprender, surgindo assim, a minha aproximação com
as partituras. A partir do acesso à Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (EMUFRN), consegui aprender as regras básicas para executar uma música através
da partitura. Contudo, apesar da apreensão dos conhecimentos pertinentes à prática da leitura
de partitura, eu nunca deixava de lado o auxílio da percepção auditiva, sobretudo porque essa
intersecção entre a partitura e o “tirar de ouvido” apontava para executar o instrumento com
mais facilidade. Também estudei as regras harmônicas com o professor Manoca Barreto
através do curso de harmonia funcional oportunizado na EMUFRN. Nesse momento, meu
alvo já era ser um músico envolvido com a MPB.
Após o curso com o professor Manoca Barreto, cheguei a estudar com o professor
Eduardo Taufic por três anos, com quem tive momentos importantes de entendimentos sobre
o universo da música, em especial sobre as técnicas do piano e as possibilidades harmônicas.
Os estudos foram oportunizados de maneira informal uma vez que eu frequentava a casa do
professor Eduardo Taufic para ter as lições.
De fato, o auxílio da partitura foi muito importante, principalmente quando
acompanhei artistas já reconhecidos nacionalmente, tais como Gilliard, Moacir Franco, Perla
e Odair José, entre outros. Sentia-me bem em conseguir “tirar as músicas de ouvido” e
produzir as partituras. Metodologicamente, a prática na partitura foi de grande valor, tendo em
vista que, geralmente, eu participava apenas de um pequeno ensaio antes dos shows o que,
certamente, não seria possível caso não tivesse em mãos as músicas escritas na partitura.
52
Em outro momento de minha atuação profissional, fui convidado para ser arranjador e
maestro da Orquestra Petrobras de Guamaré, que atuava em todo o Rio Grande do Norte e
tinha as interpretações do repertório da MPB como campo de atuação. Essa experiência
profissional trouxe novamente um aspecto desafiador no sentido de conseguir mais
conhecimentos. Apesar de já saber ler e escrever partituras e também de conhecer bem as
regras harmônicas da música popular, eu não sabia como fazer isso com o uso do computador.
Até então, não estava familiarizado com as questões tecnológicas e escrevia os arranjos na
mão. Diante da nova fase profissional, tinha que conseguir aprender a manobrar a máquina
para que os arranjos fossem impressos, apoiando-me nos conhecimentos dos amigos, os quais
eu indagava sempre que surgiam as dúvidas.
Ainda no projeto da orquestra, por muitas vezes me via despreparado para lidar com
os integrantes desta. Percebia a necessidade de uma graduação e, diante disso, ingressei no
curso de Educação Artística com habilitação em Música na UFRN em 2003, concluindo em
2007. Essa foi uma fase acadêmica muito proveitosa, pois os conhecimentos propiciaram-me
um novo entendimento sobre as diversas relações pertinentes a minha atuação profissional
enquanto regente, arranjador, músico e também professor.
Paralelamente aos estudos da universidade, estudei outros instrumentos com o objetivo
de melhorar os meus arranjos, tais como: percussão, violino, sax, flauta doce, violão erudito e
popular, sanfona e baixo elétrico. Em 2009, cursei a pós-graduação em Psicopedagogia na FIP
(Faculdades Integradas de Patos), pesquisando o meu próprio espaço de trabalho com os
alunos que participavam das oficinas de Música do Programa de Criança Petrobras da cidade
de Guamaré/RN. O resultado foi o trabalho intitulado Ambiente Musical na Perspectiva
Psicossocial, o qual teve o objetivo de compreender o poder socializante da música em
estreitamento com as questões da psicologia.
Em 2010, fui aprovado em concurso público para professor da Prefeitura do Natal. Em
2012, prestei concurso para o IFRN (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio Grande do Norte), sendo convocado em 2014 e atuando até os dias atuais.
Diante de todos esses relatos transcritos de forma resumida aqui, fica claro a minha
motivação em trabalhar com a temática da pesquisa escolhida, pois em diversos momentos de
minha formação, a música popular esteve presente. Severino (2007, p. 214-215) aponta que,
[...] a temática deve ser realmente uma problemática vivenciada pelo
pesquisador, ela deve lhe dizer respeito. Não, obviamente, num nível
puramente sentimental, mas no nível de avaliação da relevância e da
53
significação dos problemas abordados para o próprio pesquisador, em vista
de sua relação com o universo que o envolve.
Compreender a formação desses músicos da pesquisa é, de certa maneira, entender
muitos de meus passos empreendidos a partir do meu envolvimento com a música popular.
Estar no mestrado é seguramente mais uma oportunidade de profundas aprendizagens as quais
corroboram a minha qualificação e oportuniza-me poderosas ferramentas capazes de construir
uma sociedade musicalmente educada.
3.2 Participantes da pesquisa
Escolhi os sujeitos da pesquisa motivado por dois aspectos principais, a saber: a
produtividade musical dos pesquisados nos cenários da música potiguar, nacional e até
internacional e o envolvimento de ambos nas práticas de aprendizagem da música popular. Os
sujeitos pesquisados são os músicos José Eduardo Taufic e Jubileu Filho.
A prática profissional dos músicos foi decisiva em relação à escolha deles. São
músicos imersos em amplos espaços de atuação profissional, tais como: acompanhadores de
cantores, envolvimento com a música instrumental, produtores de artistas consagrados
nacionalmente, arranjadores, compositores e também têm atuações em estúdios de gravação.
Nesse sentido, a escolha dos pesquisados contribuiu para o entendimento sobre as
diversas habilidades dos músicos em função da grande variedade de espaços de atuação.
Entender esse percurso de buscas por conhecimentos é de suma importância para a Educação
Musical comprometida com os diversos espaços de ensino e aprendizagem da música.
Abaixo, trago informações sobre os músicos pesquisados, focando na aprendizagem,
produtividade e suas referências musicais.
3.2.1 Eduardo Taufic
O pequeno resumo sobre a trajetória musical de Eduardo Taufic foi resultado do
questionário eletrônico enviado em 06/04/2015. Além disso, visitei diversas vezes o site4 do
próprio músico como forma de obter as informações iniciais.
O músico Eduardo Taufic começou a sua história musical com nove anos de idade
(ANEXO A), quando ganhou o seu primeiro brinquedo musical, um teclado. O irmão mais
4
http://www.eduardotaufic.com/
54
velho, Roberto Taufic, já era um guitarrista e violonista consagrado, atuando
profissionalmente na Itália. Segundo Eduardo Taufic, o próprio irmão foi o seu primeiro
grande ídolo, fonte, inclusive, do seu próprio nome artístico: “Taufic”.
Eduardo Taufic iniciou seus primeiros contatos com a música “tocando de ouvido”,
aprendendo pelos LP’s de música instrumental que o irmão trazia da Europa. Aos onze anos,
conheceu o professor Waldemar de Ernesto (ANEXO B)5 e, de maneira informal, estudou
com este por dois anos, aprendendo as primeiras técnicas do piano, assim como as regras de
harmonia. Entre os 9 e 12 anos, estudou exaustivamente, chegando até a dormir ao lado do
piano.
Suas principais influências vieram da música instrumental, a exemplo do pianista norte
americano Chick Corea e do pianista francês Michel Petrucciani. Outras influências também
foram importantes, tais como o Oscar Peterson, César Camargo Mariano, Egberto Gismonti e
Hermeto Pascoal.
Eduardo Taufic esclareceu que os discos, na época, eram de difícil acesso e ele só os
conseguia porque o irmão disponibilizava. Também foi influenciado pelo que tocava nas
rádios em meados dos anos 1980 para 1990, tais como o pop rock com bandas como RPM e
Paralamas do Sucesso. Sempre esteve muito próximo da MPB desde os seus primeiros
contatos com a música.
Em relação a sua primeira apresentação, já como músico, a figura do mestre Manoca
Barreto foi de grande importância. Manoca apresentou o cenário da música popular de Natal a
Eduardo Taufic, levando-o a tocar consigo no palco do Teatro Alberto Maranhão. A partir
daquele momento, foi convidado a tocar com diversos artistas e bandas do estado.
Fez arranjos e produziu mais de 400 álbuns, acompanhando artistas consagrados
nacionalmente, como: Núbia Lafayette, Elza Soares e Wilson Simonal. No que tange à música
instrumental, gravou e tocou com nomes do calibre de Arthur Maia, Ricardo Silveira, Guinga,
Pascoal Meirelles, Rosario Bonaccorso, Gabrielle Mirabassi, Manoca Barreto, entre outros.
Como produtor, assinou trilhas sonoras conceituadas, como “A Paixão de Cristo” e “Terra à
Vista II”. Em 1994, iniciou suas turnês pelo continente europeu, onde todos os anos, ainda
atualmente, tem shows agendados com diversos artistas internacionais. Em 1995, recebeu o
prêmio de melhor instrumentista no “I Festival da Nova Música do Nordeste”.
5
A imagem em anexo traz além do professor Waldemar de Ernesto, também o irmão Roberto Taufic e o
professor Manoca Barreto.
55
Atualmente, Eduardo Taufic continua gestando suas produções musicais, atuando
como instrumentista em diversos grupos artísticos, fazendo turnê pelo Brasil e Europa,
produzindo no Studio Promídia, gravando projetos fonográficos e desenvolvendo diversos
trabalhos para o mercado publicitário.
3.2.2 Jubileu Filho
O resumo sobre a trajetória musical de Jubileu filho foi adquirido por meio do
questionário eletrônico enviado em 06/04/2015.
O músico Jubileu filho começou a sua vida musical a partir da influência do rock,
motivado pelos solos rápidos dos guitarristas da época. Foi influenciado pelo pai Jubileu
Francisco da Silva, o qual tocava diversos instrumentos, como violão, clarinete, saxofone,
sendo também um sanfoneiro bem conhecido na região do Seridó Norte-riograndense.
Segundo Jubileu, a sua mãe era uma mulher que apreciava bastante a música e sempre
comprava LP’s para que os filhos escutassem em casa. O irmão Beethoven também é músico
com imenso prestígio no cenário da música brasileira.
O seu primeiro contato com a aprendizagem musical foi “tirando as músicas de
ouvido”, imitando as posições dos acordes a partir das revistinhas com as cifras e praticando
exercícios de coordenação motora na guitarra, os quais aprendia com os colegas mais
experientes da cidade de Currais Novos-RN.
Com sete anos, começou a estudar na escola Suetônia Batista, que foi uma musicista
consagrada na região do Seridó. Os estudos tinham como objetivo aprender a tocar um
instrumento de sopro e conseguir ingressar na banda de música do município, chamada Banda
Maestro Santa Rosa. (ANEXO C). Com essa intenção, teve o maestro José Carlos como o seu
primeiro professor de música. Jubileu esclareceu que o estudo tinha um direcionamento
totalmente informal.
Diversas influências alicerçaram o seu trânsito musical, tais como: Armandinho,
Pepeu Gomes, Carlos Santana, George Benson, Ricardo Silveira e Victor Biglione. Jubileu
vivenciava esse universo sonoro por meio do acesso aos LP’s que a sua mãe comprava por
indicação de músicos conhecidos da família. Além disso, o rock dos anos 1980, veiculado nas
rádios, também foi uma das suas principais influências musicais.
Jubileu Filho começou a se envolver em grupos musicais em 1985, ainda na cidade de
Currais Novos – RN com a idade entre oito e noves anos. Iniciou tocando no grupo do músico
conhecido como Nonato. Segundo seus relatos, Nonato gostava de formar os músicos de seu
56
grupo em diversos instrumentos, colocando Jubileu, inicialmente, para tocar trompete e violão
e, com o tempo, executando também contrabaixo elétrico e cavaquinho. Declarou que nessa
fase começou a aflorar o seu lado de músico multi-instrumentista.
Já morando em Natal, e em contato com outros músicos experientes da capital, teve
outras influências, como: Pat Metheny, Scott Henderson, John Scofield, Joe Pass, Joe
Satriani, Steve Vai, entre muitos outros. Jubileu destacou o mestre Manoca Barreto como uma
das principais pessoas que o mostrou bons músicos e o indicou materiais importantes para o
seu aperfeiçoamento técnico como guitarrista.
Com onze anos, começou a tocar profissionalmente em diversos grupos e bandas baile
do Rio Grande do Norte. Aos treze anos, integrou-se ao “Grupo Show Terríveis”, que era uma
banda reconhecida em todo o cenário musical nordestino. (ANEXO D). Nesse período, teve
ao seu lado diversos parceiros musicais experientes, a exemplo da cantora Solange Almeida e
do sanfoneiro Dorgival Dantas. Também estudou música no Instituto de Música Waldemar
de Almeida com o professor de violão erudito Paulo Tito.
Em seu percurso musical, Jubileu Filho chegou a tocar com artistas do calibre de
Pedrino Mendes, Núbia Lafayette, Nelson Gonçalves, Trio Irakitan, Ademilde Fonseca,
Joana, Rosimere, Beto Barbosa, Jair Rodrigues, Benito di Paula, Saulo Fernandes,
Armandinho Macedo, Fafá de Belém, Daniela Mercury, Chico César, Jorge Vercillo, Spok,
Leila Pinheiro, Valeria Oliveira, Arthur Maia, Rildo Hora, Dominguinhos, Alcimar Monteiro,
Waldones, Elino Julião e Marinês.
Atualmente, o músico continua trabalhando em vários grupos musicais como multiinstrumentista, atuando como compositor, arranjador e produzindo trabalhos fonográficos de
diversos artistas.
3.3 Questões éticas da pesquisa
As questões éticas foram as primeiras preocupações sobre as quais me debrucei com
afinco no período das disciplinas do mestrado, antes mesmo de entrar no campo. O meu
compromisso ético está alinhado
[...] com a verdade e com a produção de conhecimento em consonância com
os critérios de validade compartilhados na comunidade de pesquisadores [...]
com os sujeitos da pesquisa, cujas práticas e representações constituem o
foco da investigação – daí a ideia de pesquisa com seres humanos e não em
seres humanos [...] com a sociedade e a cidadania que exige a divulgação
dos resultados de pesquisa [...]. (OLIVEIRA, 2010, p. 27-28).
57
Munido das informações preciosas, adquiridas a partir das disciplinas, busquei,
enquanto pesquisador consciente dessas relações complexas, deixar todos os participantes da
pesquisa bem informados sobre os objetivos do trabalho. Sendo assim, em todos os
procedimentos de coleta de dados (questionário eletrônico, observação direta, entrevistas
semiestruturadas), as questões éticas nortearam os primeiros passos do pensar sobre como
conseguir as informações pertinentes à pesquisa. Queiroz (2013, p. 8) traz considerações
sobre a ética na pesquisa em música, esclarecendo que,
Lidar com pesquisa científica, contemplando uma expressão complexa e
diversificada como a música, exige diretrizes de pesquisa que sejam, ao
mesmo tempo, claras, coerentes e estruturadas, mas, também, respeitosas e
vinculadas aos valores humanos, o que inclui certamente, definições acerca
da conduta ética do pesquisador.
O questionário eletrônico, como primeiro contato entre os possíveis participantes da
pesquisa, delineou claramente a natureza dessa preocupação com a ética. As perguntas
ofertadas no questionário buscaram a compreensão de como os participantes poderiam
contribuir para a pesquisa. O texto deixa nítido o aspecto da autonomia no sentido de que os
respondentes estavam em espaço de liberdade para aceitar ou não a sua participação na
pesquisa.
Já nas observações, o primeiro procedimento ético foi a minha apresentação formal a
todas as pessoas que integravam o grupo o qual eu propunha observar. Esclareci o motivo da
minha participação no ensaio e pedi permissão para registrar fotos do ambiente as quais
poderiam fazer parte de minhas publicações futuras. Naquele momento, já dispunha em mãos
do termo de uso de imagem, requerendo que todos assinassem. (APÊNDICE A). Segundo
Queiroz (2013, p. 13),
[...] é recorrente na pesquisa em música a realização de fotografias,
filmagens e gravações de áudio durante o trabalho de campo. Esses
documentos, produzidos pelos próprios pesquisadores, são, geralmente,
utilizados como material de base analítica, mas também como ilustrações de
textos e/ou outros documentos produzidos. Fontes dessa natureza retratam
situações, instrumentos, performances e outros elementos da música e de
pessoas fazendo música, e, portanto, para serem produzidos, utilizados e/ou
divulgados também necessitam de autorização. É recomendável que todo
pesquisador tenha o respeito e o cuidado devido, solicitando autorização
tanto para realizar os registros, durante a coleta, quanto para utilizá-los em
publicações resultantes do processo investigativo.
As entrevistas foram marcadas em locais definidos pelos próprios participantes.
Esclareci que eu estava à disposição deles e que poderiam trazer sugestões quanto aos dias e
horários para as entrevistas. Apenas solicitei que tivéssemos pelo menos uma hora e trinta
58
minutos voltados ao nosso diálogo. Marcado o dia e hora da entrevista, O Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi devidamente explicado e assinado (Eduardo
Taufic – APÊNDICE B; Jubileu Filho – APÊNDICE C). Nos direcionamentos das perguntas,
as questões éticas estiveram presentes, no sentido de não ultrapassarem os limites éticos,
evitando constranger os entrevistados. Queiroz (2013, p. 13) esboça bem a minha postura
perante os entrevistados, quando diz que,
O pesquisador precisa ficar atento para fazer perguntas coerentes, claras e
reveladoras do que se almeja estudar, mas, sobretudo, é fundamental, buscar
a realização desse processo de forma humana e comprometida com os
interesses de pessoas – os pesquisados – que nos orientam e nos ensinam ao
longo de todo o processo investigativo.
3.4 O estudo de caso e a abordagem qualitativa
A pesquisa traz o estudo de caso como método de investigação por tratar de todas as
fases: definição do problema, delineação da pesquisa, coleta de dados, análise de dados e
apresentação dos resultados. (YIN, 2001). Com isso, utilizei diversas fontes de coleta de
dados, tais como:
questionário eletrônico, observação direta, análise em documentos e
entrevistas.
O estudo de caso aponta para a delimitação que busco nesta pesquisa, que é focar no
caso específico da formação autônoma a partir do olhar sobre dois músicos da cidade do
Natal/RN. Eles estão inseridos em práticas de aprendizagem da Música Popular. A
contribuição teórica de Ludke e André (2013, p. 17) espelha bem os meus objetivos, frente a
escolha do método, quando esclarecem que o estudo de caso é “[...] sempre bem delimitado,
devendo ter seus contornos claramente definidos no desenrolar do estudo. O caso pode ser
similar a outros, mas é ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio, singular”.
Segundo Severino (2007, p. 121), “O caso escolhido para a pesquisa deve ser significativo e
bem representativo, de modo a ser apto a fundamentar uma generalização para situações
análogas, autorizando inferências”. Ainda complementando o entendimento, YIN (2001, p.
20) esclarece que,
[...] os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se
colocam questões do tipo ‘como’ e ‘por que’, quando o pesquisador tem
pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos
contemporâneos inseridos em algum contexto da vida social.
59
Diante disso, na perspectiva de entender “como” e “por que”, é que este estudo assume
a abordagem qualitativa. Ludke e André (2013, p. 18), definem o estudo qualitativo como
sendo “[...] o que se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um
plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa contextualizada”. Segundo
Gaskell e Bauer (2001, p. 496), os dados na pesquisa qualitativa são “dados não estruturados,
por exemplo, transcrições de entrevistas abertas, anotações de campo, fotografias,
documentos ou outros registros”.
Mediante a escolha do estudo de caso e da abordagem qualitativa, lancei o olhar de
investigador sobre a formação musical autônoma dos pesquisados Eduardo Taufic e Jubileu
Filho no sentido de obter evidências as quais puderam nortear os direcionamentos dessa
pesquisa. O método escolhido trouxe grande variedade em relação à coleta dos dados, cujos
procedimentos serão expostos a seguir.
3.5 Instrumentos de coleta de dados
3.5.1 Questionário eletrônico
O questionário foi enviado6, preliminarmente, ainda na fase de construção do projeto
de pesquisa. O objetivo do questionário seguiu no sentido de conseguir capturar as primeiras
informações sobre os músicos e possíveis participantes da pesquisa. Gil (1999, p. 128)
argumenta que o questionário tem papel importante na obtenção de informações, como: “[...]
conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações
vivenciadas etc”.
Nessa ênfase, o questionário foi produzido com quatro questões abertas7, as quais
buscaram informações a respeito da aprendizagem dos músicos. A escolha da questão aberta
deu-se pelo fato de “[...] não forçar o respondente a enquadrar sua percepção em alternativas
preestabelecidas” (GIL, 1999, p. 131), deixando este livre para trazer as respostas de maneira
natural e confortável.
Por meio desse procedimento, percebi o comprometimento das pessoas envolvidas em
relação à devolução das respostas requeridas. Enviei o questionário para diversos músicos na
6
Enviado o link pelo WhatsApp no dia 06/04/2015.
7
Como surgiu o seu interesse em estudar música? Onde conseguia os materiais para a sua aprendizagem
musical? Quais as suas referências musicais e como elas chegaram ao seu conhecimento? Quais os seus
campos de atuação profissional?
60
perspectiva de perceber se o perfil deles se alinhava com os objetivos da pesquisa. Enquanto
alguns não demonstraram interesse em responder as questões, outros foram bem solícitos e
atenciosos nas respostas.
Nesse caso, o questionário, além de trazer lucidez a respeito das aprendizagens dos
músicos respondentes, também atuou como ferramenta altamente competente, capaz de
revelar a disposição dos músicos em participar ou não da pesquisa. Dessa forma, a partir das
respostas, entendi o perfil dos músicos e busquei, dentre os respondentes, os participantes que
pudessem contribuir com o cumprimento dos objetivos da pesquisa.
3.5.2 Observação direta
Segundo YIN (2001, p. 115), a observação direta pode ser conduzida em diversos
espaços, onde
[...] incluem-se aqui observações de reuniões, atividades de passeio, trabalho
de fábrica, salas de aula e outras atividades semelhantes. De uma maneira
mais informal, podem-se realizar observações diretas ao longo da visita de
campo, incluindo aquelas ocasiões durante as quais estão sendo coletadas
outras evidências, como as provenientes das entrevistas.
Apesar de já dispor de algumas informações sobre os pesquisados, as quais foram
adquiridas a partir do questionário eletrônico, certamente foi na observação que consegui ter
uma visão bem mais ampla sobre os pesquisados. As observações foram, sem dúvida, o
divisor de águas em relação aos encaminhamentos da pesquisa. A partir desse procedimento
de coleta, nasceram as primeiras unidades de análise que, posteriormente, traduziram-se nas
categorias iniciais e finais pertinentes à análise dos dados da pesquisa.
As observações foram realizadas em diversos espaços e momentos: nos ensaios, no
Studio Promídia e numa performance executada na EMUFRN.
3.5.3 Pesquisa bibliográfica
A pesquisa bibliográfica, dentro do contexto de ferramenta à revisão de literatura,
esteve presente desde os primeiros passos do mestrado, já bem no início da formatação do
projeto de pesquisa. Apoio-me em Severino (2007, p. 222) com a definição de que,
A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro
disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos,
como livros, artigos, teses etc. Utiliza-se dados ou de categorias teóricas já
trabalhados por outros pesquisadores e devidamente registrados.
61
Nessa perspectiva, empreendi buscas em diversas fontes, como no Banco de Teses e
Dissertações da Capes, nas revistas da ABEM, nos anais da ANPPOM e na Biblioteca
Nacional Digital8. Também pesquisei a partir da aquisição de diversos livros e nos espaços
físicos da Biblioteca Central Zila Mamede e na Biblioteca Pe. Jaime Diniz, localizada na
Escola de Música, ambas na UFRN.
3.5.4 Entrevista semiestruturada
O uso da entrevista convergiu-se em um instrumento importante para checar as
inferências levantadas durante as observações (APÊNDICE D). Nesse sentido, a natureza
espontânea permitiu a liberdade em relação aos direcionamentos das perguntas durante a
entrevista. Segundo YIN (2001, p. 112), “essa natureza das entrevistas permite que você tanto
indague respondentes-chave sobre os fatos de uma maneira quanto peça a opinião deles sobre
determinados eventos”. Segundo Severiano (2007, p. 125), as entrevistas semiestruturadas,
São aquelas em que as questões são direcionadas e previamente
estabelecidas, com determinada articulação interna. Apropria-se mais do
questionário, embora sem a impessoalidade deste. Com questões bem
diretivas, obtém do universo de sujeitos, respostas também mais facilmente
categorizáveis, sendo assim muito útil para o desenvolvimento de
levantamentos sociais.
A entrevista enalteceu a possibilidade de recolher dados para além da oralidade, tais
como os gestos, os risos, os silêncios e as expressões corporais. Esses gestos, recheados de
significados, foram registrados e depois analisados em consonância com as respostas
oportunizadas pelo entrevistado.
3.6 Organização e análise dos dados
A organização dos dados foi possível por meio da categorização. Segundo Galiazzi e
Moraes (2011, p. 23), o processo de categorização “[...] além de reunir elementos
semelhantes, também implica nomear e definir as categorias, cada vez com maior precisão, na
medida em que vão sendo construídas”.
A partir das primeiras observações no campo, abordadas em parceria com os
pressupostos teóricos, surgiram as unidades de análise as quais, no decorrer da pesquisa,
8
<http://bancodeteses.capes.gov.br/bando-teses/>; <http://abemeducacaomusical.com.br/>;
<http://www.anppom.com.br/>; <https://bndigital.bn.br/>
62
convergiram-se nas categoriais iniciais e finais. Esse processo que cria as unidades de análise
é denominado unitarização. Segundo Galiazzi e Moraes (2011, p. 69),
A unitarização é parte do processo de superação de uma leitura imediata e
superficial para atingir sentidos mais aprofundados a partir de um
afastamento cada vez maior dos textos em seu sentido imediato.
Corresponde a um aprofundamento da leitura, constituindo-se em exercício
inicial de uma construção criativa realizada a partir dos textos.
As unidades de análise seguem abaixo com as respectivas siglas:
 Contexto dos músicos populares - (CMP)
 O dom musical - (DM)
 Aprender tirando de ouvido - (ATO)
 Escuta atenta e intencional - (EAI)
 Música sob a perspectiva do envolvimento espontâneo - (PEE)
 O papel da família na formação musical - (PFM)
 O caráter pedagógico da apreciação musical - (CPA)
 Aprender brincando com a música - (ABM)
 Influência dos amigos músicos - (IAM)
 Aprendizagem nos ensaios - (AE)
 Aprender música por meio das cifras - (AMC)
 Automotivação do músico popular - (AMP)
 Motivações intrínsecas - (MI)
 Motivações extrínsecas - (ME)
 Rotina de estudo do músico popular - (RE)
 A influência do Jazz - (IJ)
 A função comunicativa do improviso - (FCI)
 Ferramenta da harmonia funcional - (FHF)
 Experimentação de diversos estilos musicais - (EDE)
 O músico popular em uma aula de música - (AM)
 O papel da partitura na música popular - (PMP)
 Aprender a partir dos contextos tecnológicos - (ACT)
 A influência do rádio e televisão - (IRT)
 A aprendizagem a partir dos contextos das apresentações - (ACA)
63
As unidades produzidas traduzem diversas especificidades em relação à própria
abrangência. Nesse sentido, esse processo de unitarização “[...] pode produzir unidades que
vão da amplitude de um livro, artigo, entrevista ou depoimentos tomados como um todo
único, até unidades intermediárias e de menor amplitude, como parágrafos, frases e palavras”.
(GALIAZZI, MORAES, 2011, p. 67). A partir das análises, ficaram mais nítidos os
direcionamentos da pesquisa no sentido de buscar a organização dos textos e, posteriormente,
retirar os sentidos mais amplos.
A partir das unidades de análise, originaram-se as categorias iniciais, a saber:
a) Formação a partir do contexto familiar;
b) Formação a partir do material sonoro;
c) Formação a partir dos contextos da música popular;
d) Formação a partir de distintos contextos;
e) Formação a partir da atuação na música popular;
f) Formação a partir das exigências mercadológicas.
As categorias iniciais, convergiram-se em três categorias finais:
1 – Formação musical inicial;
2 – Formação musical em distintos espaços;
3 – Formação musical em contextos de profissionalização.
O quadro abaixo esclarece como as unidades de análise foram atraídas pelas
categoriais iniciais. Este traz as siglas das unidades. Uma mesma unidade de análise pode
estar presente em diversas categoriais iniciais e finais. O quadro também demonstra a relação
de aproximação entre as categoriais iniciais e as finais, uma vez que há uma relação de
sentido entre ambas.
UNIDADES DE
ANÁLISE
CMP, ATO, PEE, PFM,
CPA, ABM, MI, AMP,
EDE, IRT
CMP, ATO, EAI, PEE,
ABM, MI, IJ, EDE, IRT
ATO, EAI, PEE, IAM, AE,
CATEGORIAS INICIAIS
CATEGORIAS FINAIS
FORMAÇÃO A PARTIR DO
CONTEXTO FAMILIAR
FORMAÇÃO A PARTIR DO
MATERIAL SONORO
FORMAÇÃO A PARTIR DOS
FORMAÇÃO MUSICAL
INICIAL
64
AMC, MI, EDE, RE
AMC, ME, RE, FHF,
PMP, ACT, ME, AM
EAI, IAM, AE, IJ, FCI,
FHF, PMP, ACT, ACA
CMP, EAI, AE, ME, ACA,
ACT
AMBIENTES DA MÚSICA
POPULAR
FORMAÇÃO A PARTIR DE
CONTEXTOS DIVERSOS
FORMAÇÃO A PARTIR DA
ATUAÇÃO NA MÚSICA
POPULAR
FORMAÇÃO A PARTIR DAS
EXIGÊNCIAS
MERCADOLÓGICAS
FORMAÇÃO MUSICAL EM
DISTINTOS ESPAÇOS
FORMAÇÃO MUSICAL EM
CONTEXTOS DE
PROFISSIONALIZAÇÃO
O conjunto das categorias finais trouxe elementos fundamentais à construção do texto
de análise da pesquisa. Segundo Galiazzi e Moraes, as
Categorias de análise necessitam ser válidas ou pertinentes no que se refere
aos objetivos e ao objetivo da análise. Um conjunto de categorias é válido
quando é capaz de proporcionar uma nova compreensão sobre os fenômenos
pesquisados. [...] constituem conceitos abrangentes que possibilitam
compreender os fenômenos que precisam ser construídos pelo pesquisador.
[...] é um processo de comparação constante entre as unidades definidas no
momento inicial da análise, levando a agrupamentos e elementos
semelhantes (2011, p. 22-26-29).
As observações foram descritas no caderno de campo com espaços reservados a
proposições as quais me auxiliaram na fase da construção das perguntas usadas nas
entrevistas.
As entrevistas foram gravadas, transcritas e introduzidas numa tabela com as unidades
de análise e depois relacionadas com as categorias iniciais e finais. As fotografias foram
extraídas a partir dos espaços de coleta de dados (observações e entrevistas) e inseridas no
texto, de acordo com cada momento. Segundo Gaskell e Bauer (2002, p. 510), “toda imagem
que contém dados sobre um estado passado do mundo pode ser tratada como um registro”.
Além das imagens produzidas nas visitas de campo, requeri dos investigados as
imagens as quais delineassem a trajetória musical deles, esclarecendo sobre a necessidade de
fotos em três momentos: o envolvimento inicial com a música, os momentos de aprendizagem
e a prática profissional.
O material foi analisado sob a ótica da análise textual discursiva, considerada pelo
autor como “[...] um processo auto-organizado de construção de novos significados em
relação a determinados objetos de estudo, a partir de materiais textuais referentes a esses
fenômenos”. (GALIAZZI; MORAES, 2011, p. 45). Complementa, inferindo que
A Análise Textual Discursiva, com sua perspectiva fundamentada na
hermenêutica, inicia seus esforços de construção de compreensão a partir dos
sentidos mais imediatos e simples dos fenômenos que pesquisa. Assume,
65
porém, um desafio permanente de produzir sentidos mais distantes,
complexos e aprofundados. Nisso não entende propriamente estar
procurando sentidos ocultos, mas pretende envolver-se em movimentos de
constante reconstrução dos significados e dos discursos que investiga. Mais
do que expressar realidades já existentes, a Análise Textual Discursiva
tenciona inserir-se em movimentos de produção e reconstrução das
realidades, combinando em seus exercícios de pesquisa a hermenêutica e a
dialética. (GALIAZZI; MORAES, 2011, p. 149).
Nesse sentido, “a análise textual discursiva opera com significados construídos a partir
de um conjunto de textos. Os materiais textuais constituem significantes a que o analista
precisa atribuir sentido e significados”. (GALIAZZI, MORAES, 2011, p. 13).
A análise do material coletado foi direcionada em consonância com quatro etapas:
1 – Desmontagem dos textos (unitarização);
2 – Estabelecimento de relações;
3 – Captando o novo emergente;
4 – Processo de autoorganizado.
Na desmontagem dos textos (unitarização), foi preciso grande envolvimento com o
material analisado, surgindo assim novas compreensões. Os textos analisados surgiram tanto
do campo teórico como do empírico, possibilitando uma multiplicidade de leituras e
interpretações, extrapolando os sentidos imediatos dos textos.
Para os autores, “a unitarização é um processo que produz desordem a partir de um
conjunto de textos ordenados” (Ibidem, p. 21), apontando “novas compreensões dos
fenômenos investigados [...]” (Ibidem, p. 22).
Na segunda fase, identificada como a categorização, aconteceu o estabelecimento das
relações em que as unidades se agruparam em aproximações de sentido com as categorias. Fiz
uso do método indutivo, que implica em produzir as categorias de acordo com as análises das
unidades, focalizando o todo por meio das partes. (GALIAZZI; MORAES, 2011). Nessa
prática, propus que o campo trouxesse a lume dos direcionamentos da pesquisa.
Na terceira fase, captando o novo emergente, inferi argumentos em torno das
categorias no sentido de começar a surgir uma nova teoria. Nessa lógica, a partir da
unitarização e, consequentemente, da categorização, debrucei-me na construção do texto da
pesquisa. Galiazzi e Moraes (2011, p. 34) dizem que,
A produção textual, mais do que simplesmente um exercício de expor algo já
perfeitamente dominado e compreendido, é uma oportunidade de aprender. É
um processo vivo, um movimento de aprendizagem aprofundada sobre os
66
fenômenos investigados. Combina duas fases de um mesmo movimento, e
aprender e o comunicar.
Na última fase, no processo auto organizado, acontece a “[...] construção de novos
significados em relação a determinados objetos de estudo, a partir de materiais textuais
referentes a esses fenômenos”. (GALIAZZI; MORAES, 2011, p. 45). Nesse sentido, a
compreensão dos sujeitos pesquisados cristalizou-se nos resultados da pesquisa.
67
4. COMPREENDENDO O CAMPO: UM OLHAR NAS PRÁTICAS
A seguir, trago a descrição das observações com o objetivo de deixar resplandecer os
campos de atuação dos músicos pesquisados.
4.1 Ensaio do show “Entre amigos”
Observei o ensaio no dia 10 de fevereiro de 2016 no Studio Arena de propriedade do
músico Carlos Sergio Ferreira, localizado na Av. Senador Salgado Filho, Lagoa Nova,
Conjunto Potilândia, nº 04, Natal-RN.
Nesse primeiro envolvimento com o campo, o objetivo era conseguir o maior número
de informações as quais pudessem desenhar os caminhos da minha pesquisa. Até este
primeiro contato, os percursos, tanto metodológicos como teóricos, ainda estavam nebulosos,
pois refletir sobre a formação dos músicos populares era algo muito recente em minhas
pesquisas.
Fiz o contato com Eduardo Taufic que concedeu as informações sobre o ensaio e
permitiu a minha presença como pesquisador. Deixei claro que seria uma observação
totalmente sem interferências e que os músicos podiam manter as atitudes espontâneas. Este
fato ficou evidenciado pela falta de ângulo, constatado nas imagens das observações, pois não
transitei pelo espaço do ensaio, fiz as imagens do mesmo lugar onde permaneci sentado do
início ao fim.
Contudo, mesmo diante dessa busca pela neutralidade no momento da observação,
tenho a compreensão que jamais a ação do pesquisador vai ser de total neutralidade, pois
sempre há interferências e os músicos assumem comportamentos diferentes quando sabem
que estão sendo observados. Mas, já sabendo dessa perspectiva, comecei a observação.
A minha presença trouxe olhares curiosos, todavia os músicos não me questionaram.
Diante dessa percepção, decidi fazer uma apresentação formal, posicionando-me como
pesquisador e esclarecendo que a “integração de Eduardo Taufic com o ambiente musical” era
o motivo da minha observação. Expliquei os objetivos da pesquisa e deixei claro que as
questões éticas seriam resguardadas. Também fiz o pedido para que, no transcorrer do ensaio,
eu fizesse algumas imagens e, na sequência, requeri as assinaturas para o termo de uso de
imagem.
68
Os músicos integrantes do grupo observado foram: Darlan Marley (bateria), Eduardo
Taufic (teclados), Airton Guimarães (baixo acústico), Roberto Taufic (violão) e Ramon
Gabriel (percussão).
Eduardo Taufic deu início ao ensaio entregando as partituras 9 para que os músicos
tivessem um momento para a análise destas. De início, já tive um choque conceitual que na
verdade revelou todo o preconceito, historicamente construído e presente no senso comum,
acerca dos meandros que configuram um ensaio de músicos populares. Nunca imaginaria que
num ensaio de música popular o diretor musical poderia chegar com partituras e entregar aos
músicos. Talvez uma cifra, no máximo, seria a representação mais próxima deste panorama.
Contudo, sei que as pesquisas estão mostrando caminhos diferentes em relação a
diversos conceitos cristalizados, mas essa primeira percepção também estava alicerçada na
minha prática, enquanto músico popular, pois, comumente não usamos partitura nos ensaios
com os grupos. A audição aguçada, certamente, é o carro chefe que conduz a aprendizagem e
prática do músico popular nestes espaços, pelo menos até o momento desta pesquisa. Isso
poderá ter outros contornos a partir das conclusões deste trabalho.
Constatei que apenas o baterista e o percussionista não dispunham da partitura, tendo
que conduzir as músicas a partir das explicações orais do diretor musical. Destaco a primeira
música: Groovin High de Dizzy Moore & Burns. Essa música deixava espaços para a
liberdade de criação onde o diálogo com o improviso foi bem intenso. Questões começaram a
“pipocar” da minha mente, pois tinha visto a partitura da música e, diante de todo “os
improvisos”, surgiu a seguinte reflexão: “como improvisam, se a partitura já estava pronta? O
trabalho não seria apenas a sua leitura?” Os possíveis caminhos de respostas sobre a questão
serão delineados na sequência dos meus relatos.
Já nestes momentos iniciais, constatei uma atitude que integrava as ações de todo o
grupo: o respeito. Chamou-me a atenção a relação de “companheirismo” que os músicos
tinham entre si. A gesticulação facial presente naquele espaço apontava sorrisos, vozes
serenas e tranquilidade na hora de trazer as intervenções, mesmo quando era para confrontar a
forma de condução do outro. Essa ação de confrontar a condução musical ficou mais ao cargo
do diretor Eduardo Taufic, pois essa era a sua função naquele espaço.
Outro ponto importante a ser destacado é a figura do violonista Roberto Taufic, irmão
mais velho de Eduardo Taufic. Roberto emanava uma atmosfera de respeito, de identificação
como um líder munido de informações preciosas para o grupo. Apesar de Roberto não ser o
9
Para este trabalho, o conceito de partitura está em consonância com a forma difundida por meio das regras
da música erudita europeia.
69
diretor musical, encontrava total liberdade em registrar suas ideias, porém, sempre ao final de
suas inferências, perguntava a opinião de todos os músicos.
Quero deixar transparecer um pouco do diálogo, enaltecendo a questão do respeito ao
violonista Roberto Taufic a partir do discurso do diretor musical. No término da primeira
música, Eduardo Taufic fez o seguinte questionamento para o grupo: “E aí? O que acharam?”
(informação verbal)10. Roberto apontou um caminho: “Dudu, podemos introduzir novos
compassos de improviso no meio da música” (informação verbal)11. Eduardo Taufic, diante
da ideia do irmão, passou as observações para o restante do grupo os quais aceitaram sem
questionamentos. Em minhas percepções sobre este canário, ficou claro que não era apenas a
presença de um músico ou de um irmão, mas sim de um ídolo para todo o grupo, uma pessoa
que a sua história impõe respeito e autoridade em debater sobre as questões musicais.
Eduardo tem um respeito profundo pela pessoa que o apresentou a profissão. Essa
informação foi dita pelo próprio músico antes do ensaio, esclarecendo que até o nome artístico
“Taufic” vem do irmão. Em outro diálogo entre os irmãos, o respeito ficou nítido: “A
velocidade da música está boa Dudu?” (informação verbal)12. “Está boa. Você achou muito
rápida?” (informação verbal)13. “Não, está boa, vamos conduzir assim”. (informação
verbal)14. Enxergo, a partir do meu olhar de pesquisador, que Eduardo Taufic percebia no
irmão distintas possibilidades de buscar melhorar a sua performance e a do grupo.
Neste momento, já estava claro a relação de admiração. A partir disso, surgiu diversas
dúvidas e possíveis inferências a respeito da formação musical de Eduardo com o
envolvimento do seu irmão mais velho. Nessa perspectiva, a primeira categoria de análise da
minha dissertação começava a brotar, já pensava em pesquisar sobre a formação musical a
partir do contexto familiar. Diante dessa possibilidade, comecei a buscar trabalhos os quais
convergissem nesse debate.
Alicerçado pela vivência na observação dos sujeitos e de autores os quais abordam a
formação musical em contextos familiares, posso lançar proposições as quais identificam o
sujeito músico popular inserido em famílias onde os conhecimentos musicais estão sendo
assimilados durante as gerações. Os músicos, sujeitos desta pesquisa, são exímios exemplos
disso, pois cresceram em ambiente recheado de exemplos musicais. Nessa linha de raciocínio,
10
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, 10/02/2016.
11
Informação proferida pelo músico Roberto Taufic em Natal-RN, em 10/02/2016.
12
Informação proferida pelo músico Roberto Taufic em Natal-RN, em 10/02/2016.
13
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 10/02/2016.
14
Informação proferida pelo músico Roberto Taufic em Natal-RN, em 10/02/2016.
70
a vontade de ser valorizado enquanto alguém que está seguindo os passos do irmão mais
velho, certamente, trouxe uma motivação capaz de impulsionar a vontade de ser um músico
respeitado entre os pares da própria família. Um trabalho que considero importante sobre a
aprendizagem musical na família, enaltecendo a música que transpassa as gerações, é o do
autor Celso Henrique Sousa Gomes (2009), intitulado “Educação musical na família: as
lógicas do invisível”.
Durante o ensaio, outras questões foram sendo minimizadas e compreendidas. O uso
da partitura, por exemplo, foi esclarecido pelas atitudes dos próprios músicos. Eles usavam
como um guia inicial que pudesse trazer maior fluidez ao grupo, na perspectiva
organizacional, mas não seguiam fielmente. Nesse sentido, o seu uso configurou-se como uma
ferramenta de trabalho, cujas as regras poderiam ser quebradas em detrimento das
interpretações. Isso ficou esclarecido a partir de um diálogo do diretor Eduardo com o baixista
Airton Guimarães: “o que acharam dessa ideia de finalização?” (informação verbal)15. “mas
Dudu, o compasso é quaternário e ficará com apenas três tempos? Vai ficar aberto?”
(Informação verbal)16. “Pode sim, não tem problemas, se todos acham que o trecho ficou
bom, pode deixar apenas três tempos” (informação verbal)17. Quer dizer, a partitura tem o seu
papel organizacional bem definido naquele espaço, porém o carro chefe que conduziu as
decisões sobre o ensaio foi o consenso dos músicos acerca do que eles percebem como sendo
mais musical.
Sendo assim, o “ouvir atento” as interpretações assumem grande importância neste
meio dos músicos. A oralidade tornou-se o fio condutor das relações musicais. Sempre o
“escutar” estava em primeira mão e as interpretações no centro das decisões, podendo até
quebrar as regras impostas pela partitura em detrimento de uma boa interpretação. Os gestos
mostravam que, no término das músicas, os músicos eram imbuídos numa atmosfera de
celebração, deixando transparecer o bem-estar com as frases musicais.
Durante a performance das músicas, os instrumentistas ficavam bem atentos para as
observações que Eduardo Taufic, no decorrer da própria execução, direcionava sobre
determinados trechos musicais. Os integrantes do grupo privilegiavam bastante o escutar,
tocando em volume baixo, permitindo, com isso, conversas durante a própria execução. Um
diálogo entre os irmãos Eduardo e Roberto mostrou essa prática de conversar durante a
15
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 10/02/2016.
16
Informação proferida pelo músico Airton Guimarães em Natal-RN, em 10/02/2016.
17
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 10/02/2016.
71
execução da música: “deixa só a bateria e guitarra” (informação verbal)18. “não mudou a
harmonia?” (informação verbal)19. “pode ser, vamos tocar usando estes acordes então”. No
término da música, Eduardo verbalizou: “vamos amadurecendo, o clima é este” (informação
verbal)20.
Neste clima, os músicos usavam uma linguagem própria entre eles, como por
exemplo: “som mais flutuante”, querendo esclarecer que o som deveria permanecer.
Entretanto, percebi que eles faziam uso de termos inerentes da música erudita, presentes nos
diálogos entre Roberto Taufic e o baixista Airton Guimarães. Nas explicações de Airton ele
usou o termo “quiálteras” para explicar determinado trecho musical. Em relação ao uso dos
termos “populares” ou “eruditos”, intuo que há uma interseção entre estes diálogos, inclusive
pelo fato da formação dos próprios músicos. No ensaio, por exemplo, tinha o baixista Airton
Guimarães que tem uma boa formação erudita e é professor da EMUFRN, deixando
transparecer que os diversos “mundos musicais”21 dialogam e trocam conhecimentos.
Após esse momento de percepção sobre os discursos eruditos e populares em mesmo
espaço musical, debrucei-me nas pesquisas e compreendi que o músico popular
contemporâneo assume uma configuração bem diferenciada quando comparado com outras
realidades em períodos anteriores. Na atualidade, há uma interação entre os conhecimentos
eruditos e populares, proporcionando um ambiente riquíssimo de possibilidades. É fato que
muitos músicos populares estão adquirindo técnicas e práticas as quais eram vislumbradas
apenas nos músicos eruditos. Por outro lado, não é raro presenciarmos os músicos eruditos
inseridos em momentos de “improvisos” jamais pensados em outros períodos.
O ambiente do ensaio trazia a espontaneidade e os risos entre os músicos eram
constantes. O gestual positivo em relação ao improviso do colega estava evidente nos rostos.
Era o momento em que o corpo assumia o papel de regente entre os músicos. Prova disso, foi
quando em determinado instante, o ritmo não estava bem claro no início da música. Neste
momento, o baterista Darlan perguntou qual seria a maneira de conseguir manter a precisão
do tempo. A resposta de Eduardo, simplesmente foi: “a gente se olha” (informação verbal)22.
O diretor musical usava o movimento do próprio corpo para indicar a pulsação. Os músicos se
18
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 10/02/2016.
19
Informação proferida pelo músico Roberto Taufic em Natal-RN, em 10/02/2016.
20
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 10/02/2016.
21
Queiroz (2013) aborda acerca dos mundos musicais.
22
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 10/02/2016.
72
olhavam o tempo inteiro, o diálogo sempre presente e o momento do improviso trazia a
percepção de que tudo aquilo parecia uma grande brincadeira.
Apesar de transparecer como uma grande brincadeira, os improvisos pressupunham
uma imensa consciência musical, sobretudo em relação às questões melódicas e rítmicas.
Eduardo Taufic, em seus momentos de improviso, fazia uso das duas mãos em profunda
independência rítmica. Quando eu fechava os olhos, começava a pensar que havia duas
pessoas improvisando, dois cérebros em profundo diálogo musical.
Diante de todo o envolvimento, tentei manter distante a minha admiração e levantar
proposições acerca do improviso. Surgiram algumas questões: o que seria um “erro” no
momento do improviso? Será que há “erros” e eu não tinha a maturidade musical para
identificá-los? Na tentativa de direcionar o meu olhar investigativo, inferi que o “erro”
poderia assumir outros contornos, mediante a formação dos músicos. Pensando,
especificamente, nos conteúdos musicais, a “harmonia funcional” certamente é um
conhecimento importante na formação desses músicos. As escalas alteradas, diminutas, tons
inteiros, entre outras, trazem possibilidades de diversos caminhos musicais durante o próprio
trecho, mascarando assim um possível “erro musical”.
Nesse sentido, há uma semântica diferenciada sobre o conceito de “erro musical” para
os músicos populares, mediante os diversos caminhos musicais pelos quais uma
“escorregada” poderá conduzir. Ou seja, o músico maduro, alicerçado por diversos
conhecimentos musicais, é capaz de, na iminência de “desentoação” do discurso musical,
direcionar a sua musicalidade para diversos caminhos os quais, possivelmente, poderão trazer
uma melodia até mais empolgante aos ouvidos da audiência. Nesse sentido, a habilidade de
criação em consonância com as informações harmônicas, melódicas e rítmicas são
características visíveis nas práticas dos sujeitos músicos desta pesquisa.
Outro ponto que destaco é em relação à qualidade dos instrumentos musicais e escolha
das sonoridades. Isso foi uma preocupação compartilhada entre todos os participantes do
grupo. Observei que o uso de instrumentos musicais de boa qualidade favorecia bastante a
qualidade sonora. Roberto Taufic trazia consigo uma pedaleira com diversos pedais
independentes, proporcionando imensas variações de timbres. O baterista Darlan Marley se
preocupava com a escolha das baquetas, no sentido de trazer dinâmicas específicas a
determinados trechos musicais. O percussionista dispunha de uma grande variedade de
instrumentos, proporcionando também diversos timbres. Eduardo Taufic usava um
sintetizador que misturava diversos sons, cooperando com amplas possibilidades sonoras.
73
Durante o ensaio, Eduardo Taufic teve que interromper a passagem das músicas e
conceder uma entrevista para a rádio através de uma ligação telefônica. Após isso, tirou da
bolsa uma máquina fotográfica e fez diversas fotos do grupo para enviar ao jornal local. Esta
ação revelou uma ação de protagonismo acerca dos aspectos inerentes à produção do show.
Ou seja, na prática musical destes profissionais é comum que eles procurem os meios de
produção dos próprios shows, trazendo atitudes para além dos aspectos iminentemente
musicais. A partir dessa percepção, surgiu mais uma categoria inicial do meu trabalho que é a
formação a partir das exigências mercadológicas a qual tratarei no próximo capítulo.
Como já mencionado, ao término do ensaio, consegui eleger algumas categorias
importantes as quais nortearam os caminhos da minha dissertação. A observação deste ensaio,
conduziu-me a uma nova consciência, enquanto pesquisador. A minha vivência naquele
espaço abriu diversas dimensões a serem pesquisadas nesta pesquisa, como: a aprendizagem
oportunizada a partir da interação social dos músicos, as relações de protagonismo na
condução da carreira musical, o respeito como um agente motivacional, o uso de linguagem
própria e também da partitura, a busca pela qualidade sonora, inclusive com bons
instrumentos musicais. Certamente, os primeiros contatos com os sujeitos da pesquisa são de
suma importância para qualquer pesquisador. Abaixo seguem as fotos as quais delineiam este
meu primeiro mergulho no campo.
Figura 01: Divulgação do show “Entre amigos”.
Fonte: Jornal Tribuna do Norte23
23
Reportagem veiculada em 11/02/2016.
74
Figura 02: Roberto Taufic,
EduardoTaufic.
Figura 03: Airton
Guimarães, Darlan Marley.
Figura 04: Eduardo Taufic,
Airton Guimarães.
Fonte: O autor (2016)
4.2 Apresentação do show “Entre amigos”
O show aconteceu no dia 12 de fevereiro de 2016, às 20h, no auditório Onofre Lopes
na EMUFRN.
A disposição dos instrumentos no palco deixava transparecer que ali aconteceria uma
conversa entre verdadeiros amigos musicais. Nesse sentido, a arrumação proporcionava o
livre acesso em relação aos olhares entre os músicos durante a apresentação. Outros recursos,
para além da musicalidade, também chamavam a atenção durante o show: a iluminação em
profunda comunhão com as interpretações das músicas; a qualidade sonora do ambiente; a
pontualidade com início e término do show; o compromisso do diretor musical em esclarecer
oralmente informações sobre as músicas interpretadas.
O público, por sua vez, sentia-se confortável em emitir “gritos empolgados” ao
término das músicas e dos improvisos. Gritos do tipo: “bravo”, “mandou bem”, “essa foi
demais” revelavam a integração entre os músicos e seus ouvintes. Constatei que a audiência
estava formada por antigos músicos já conhecidos da cidade e/ou amigos dos músicos.
O diretor musical Eduardo Taufic estava atento as entradas das músicas e fazia o uso
dos gestos corporais, conduzindo a regência do grupo. A troca de olhares estava presente
durante todo o show e cada músico deixava transparecer que estava atento à performance do
outro, com ouvidos e olhares vigilantes. Percebo que nessas relações da música instrumental
há uma grande interação gestual onde os “momentos tensos” transformam-se em “momentos
empolgantes”, repletos de gestos e verdadeiras “gargalhadas”.
Um exemplo bem interessante foi quando houve algo diferente no palco, que não era
esperado, pelo menos mediante o ensaio que eu observei. Na passagem de um trecho musical
para o outro, não aconteceu como eles tinham programado e, neste possível “erro”, começou
uma “brincadeira musical” onde Eduardo Taufic deixou soar uma nota em que o baterista
75
ficava improvisando, finalizando com todos os músicos entrando também nessa brincadeira
musical.
Tenho a convicção de que o público jamais teve a noção que algo soava fora do
planejado. Eu mesmo só consegui entender tudo aquilo porque estava na posição de
pesquisador e tinha acompanhado todo o ensaio anterior ao show. Este momento único e de
grande riqueza para a minha pesquisa, fortalece ainda mais a minha crença de que os músicos
populares têm ferramentas práticas nas resoluções dos problemas. Nessa perspectiva, o que
poderia ser considerado um erro na música erudita, por exemplo, nos espaços da música
popular, revelou-se como uma ótima chance de deixar a criatividade revelar-se perante os
olhos do público.
A criatividade, aspecto tão presente na construção do texto do músico popular
instrumentista, revelou-se como algo constituído de imensa maturidade. Nesse sentido, a
atmosfera de brincadeira, revelada a partir dos gestos, deixa por trás das cortinas todas as
informações que o instrumentista deve acessar em momento de improviso. Na verdade,
alicerçado por vivências próprias, devo explicar que o músico instrumentista disponibiliza
grande tempo de estudos para as diversas escalas as quais compreendem os recursos
necessários aos improvisos. Lógico que há outras habilidades necessárias aos momentos de
improviso, mas considero as escalas como uma poderosa “arma musical” capaz de
transformar os aspectos preocupantes do show em momentos recheados de criatividade.
Diante disso, a criatividade pode ser enxergada como resultado de longas horas de
dedicação e estudos musicais. O resultado de todo o empenho transforma as informações
musicais em verdadeiros conhecimentos, vislumbrado no transcorrer da observação do show
por meio do diálogo entre os músicos com a habilidade em criar os improvisos. Diante disso,
defendo que no momento da apresentação os assuntos são rapidamente acessados, sem a
necessidade de pensar sobre o resultado do seu uso.
Nesse sentido, as longas horas de prática, a partir dos estudos e do envolvimento com
o trabalho musical, enaltece a ação dos músicos, possibilitando o rápido acesso aos
conhecimentos musicais nos momentos de criação. Ou seja, o músico instrumentista não
assume a preocupação de como agir no instante do improviso, pois isso é uma ação
inconsciente escondida por uma consciência, conquistada por meio da dedicação aos estudos.
O show caminhou através do diálogo musical entre os músicos no palco. O público, ao
término da apresentação, aplaudiu de pé e pediu o já famoso “bis”, o qual foi atendido,
causando imensa euforia entre os presentes. A imagem abaixo, por si só, revela o momento de
descontração entre os amigos músicos no palco.
76
Figura 05: Apresentação do show “Entre amigos” na EMUFRN.
Fonte: O autor (2016).
4.3 Ensaio do show: “Nara Costa e o show Gonzaguinha 70 anos”
Observei o ensaio no dia 02 de fevereiro de 2016 no Studio Arena de propriedade do
guitarrista Carlos Sergio Ferreira, localizado na Av. Senador Salgado Filho, Lagoa Nova,
Conjunto Potilândia, nº 04, Natal-RN.
O ensaio contou com a direção musical de Eduardo Taufic em parceria com os
músicos Jubileu Filho (guitarra e cavaquinho), Darlan Marley (bateria), Airton Guimarães
(contrabaixo acústico) e a intérprete Nara Costa. Um dado importante nesse momento foi que
os dois investigados da pesquisa estavam em mesmo ambiente musical, Eduardo Taufic como
diretor musical e Jubileu Filho como músico.
O diretor musical deu início, executando pequenos trechos das músicas apenas com o
piano e a voz, enquanto os outros músicos preparavam os instrumentos. Eduardo Taufic
aproveitava esse momento livre para indicar as dinâmicas e as interpretações para a cantora
Nara Costa. Nesse momento, ele trouxe relatos de vivências próprias, comparando a música
no Brasil e na Itália, destacando que as apresentações no Brasil são bem mais difíceis de
agradar ao público, mediante a nossa formação cultural.
Após o momento inicial, o grupo começou a “passar” as músicas. A primeira música
ensaiada foi “Um homem também chora” (Gonzaguinha). Os músicos já estavam com os
arranjos escritos na partitura, mas, mesmo assim, o diretor musical ainda fazia uso da
oralidade para explicar questões pertinentes ao andamento e à dinâmica da música. Além da
oralidade, também fazia gestos com o corpo, indicando as entradas dos instrumentos em
77
determinados trechos. A gesticulação facial estava bem presente, principalmente quando
havia grandes alterações nos acordes da música.
Na música “o que é o que é” (Gonzaguinha), Eduardo Taufic fez os sons da bateria na
boca, explicando para o baterista sobre o ritmo desta. Fazia também explicações, ancorando
informações com outros ritmos que o baterista já conhecia. O discurso de Eduardo revela isso:
“Darlan, é tipo um soul24, parecido com um funk25” (informação verbal)26. Eduardo teve o
cuidado de tentar explicar a sua intenção musical a partir de ritmos que o baterista já tinha o
conhecimento.
Na música “Um homem também chora” (Gonzaguinha), os dois músicos estudados
nessa pesquisa estavam juntos num duo de piano e violão, acompanhando a interpretação da
cantora Nara Costa. Jubileu Filho mostrou-se bem atento à partitura, enquanto Eduardo
Taufic, durante a própria execução, fazia indicações sobre esta. Sempre, ao término da
música, acontecia uma conversa sobre os trechos em que a música poderia ser modificada em
atendimento às opiniões dos integrantes do grupo. Após a definição sobre as possíveis
modificações, Eduardo Taufic gravava o ensaio com um pequeno gravador portátil. Deixava
claro que mandaria a gravação final por e-mail para que todos os músicos tivessem o material
para o estudo.
A constatação do envolvimento com os recursos tecnológicos foi de grande valia, pois
surgia naquele momento um ponto importante a ser pesquisado. Eduardo deixou claro no
ensaio que a gravação é importante porque todos têm acesso e, sendo assim, eles não precisam
dispor de muitas horas na formatação do show desejado. Como relatei no início, minha
posição não era de levantar questionamentos naquele espaço, mas Eduardo, certamente
percebeu o meu olhar curioso, e verbalizou o seguinte texto:
Valdier, sempre eu gravo as músicas depois que todos decidem como
deveremos tocar. Acho que isso traz maior produtividade e organização ao
nosso trabalho porque, se não fosse isso, teríamos que marcar vários
ensaios até tudo ficar bem sentado nas nossas mentes. Então, o meu
gravador é um verdadeiro amigo que me ajuda em relação a meu tempo
(informação verbal)27.
Na música “Grito de alerta” (Gonzaguinha), foi preciso uma modificação na
tonalidade. Eduardo Taufic explicou para a cantora Nara Costa que precisava mudar a altura,
24
O Soul é um gênero musical dos Estados Unidos que nasceu no final da década de 1950 entre os negros.
25
O funk originou-se nos Estados Unidos na segunda metade da década de 1960.
26
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 02/02/2016.
27
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 02/02/2016.
78
pois naquele momento estava planejado um envolvimento maior com o público e isso exigia
uma outra dimensão para os aspectos harmônicos da música. Este fato deixou transparecer a
preocupação que o profissional assume enquanto produtor. Ou seja, Eduardo não estava
colocando o seu nome apenas como um músico, mas sim como alguém que assina e é
responsável por todas as questões musicais e até não musicais do show. Diante daquele
momento, surgia mais uma categoria importante à minha pesquisa: a formação musical em
contextos de profissionalização. Nessa perspectiva, o músico, enquanto assume a posição de
produtor, necessita de diversos outros conhecimentos que o valide em sua posição.
Enquanto o diretor Eduardo fazia as modificações na tonalidade da música, sugeriu
um intervalo para os integrantes do grupo. Apesar da música estar no formato de uma
partitura – melodia e o acompanhamento com as cifras – na transcrição para a nova
tonalidade, modificou apenas as cifras. Observei diversos outros momentos em que as
músicas tiveram mudanças drásticas. Contudo, não foi comum a reescrita destas, mas sim a
gravação final após todos os encaminhamentos e acordos musicais entre o diretor musical, a
intérprete Nara Costa e os outros integrantes do grupo.
Também aconteceu a escuta de trechos musicais no momento do ensaio. A intérprete
Nara Costa, com o auxílio de seu celular, requereu aos músicos que ouvissem trechos de uma
determinada música. O músico Jubileu Filho escutou o áudio e, logo após a apreciação, já
executou na guitarra. Eduardo, enquanto escutava o áudio, já emitia o parecer sobre os trechos
da música e como o grupo poderia tocá-la. Segue o discurso dele, deixando mais nítido este
momento:
Olha amigos, acho que essa música está muito lenta. Essa gravação foi
retirada de um disco e deve estar com a rotação baixa. Acho melhor
acelerar o ritmo e pensar em um solo de baixo para ela. Tentar trazer um
toque de modernidade, mudando alguns trechos, mas sem retirar os
aspectos essenciais que é o que vai fazer com que as pessoas reconheçam
ela quando começarmos a tocar. (informação verbal)28.
No término do ensaio, aconteceu uma pequena conversa sobre como seria a
apresentação. Essa observação, somando-se as anteriores, trouxe mais subsídios importantes
no que se refere a condução da minha pesquisa. As imagens abaixo descrevem o cenário do
ensaio.
28
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 02/02/2016.
79
Figura 06: Eduardo Taufic, Jubileu Filho.
Figura 07: Jubileu Filho, Airton
Guimarães.
Figura 08: Darlan Marley, Nara Costa.
Figura 09: Jubileu Filho.
Fonte: O autor (2016).
4.4 Ensaio da Banda “Perfume de Gardênia”
Observei o ensaio que ocorreu no dia 28 de janeiro de 2016, no Studio Atelier Sonoro,
de propriedade de Silvio Franco Freire Neto, localizado na Rua Raimundo Chaves, nº 1892,
Candelária, Natal-RN.
O meu foco nessa observação foi compreender o envolvimento musical do músico
pesquisado na minha dissertação, o multi-instrumentista Jubileu Filho. A banda Perfume
Gardênia é resultado de uma sociedade entre Jubileu e seu irmão Beethoven. Na ocasião desse
ensaio, Jubileu assumia a posição de diretor musical, conduzindo o grupo. Os músicos
ensaiavam um repertório para uma apresentação no Carnaval da cidade do Natal.
Beethoven deu início ao ensaio “passando” as frases melódicas das músicas no
saxofone para que os outros músicos pudessem executar. Os músicos não dispunham de
partitura e conseguiam tocar apenas escutando e depois repetindo. Beethoven tocava saxofone
e também assumia o papel de vocalista.
80
Achei este ensaio mais inserido no formato que eu já era acostumado, justamente pelo
o uso da “audição” e da “memória” como ferramentas de trabalho. Jubileu identificou que o
repertório já era conhecido, quando relatou: “todos já conhecem bem esse repertório, vamos
passar apenas as introduções e o final de cada música, fazendo a colagem” (informação
verbal)29. Como os músicos populares, em suas atuações profissionais, têm algumas datas do
ano como momento em que há uma razoável remuneração financeira, como o réveillon, o
carnaval ou o São João, eles, certamente, têm arquivados na memória diversas músicas
reconhecidas nestes momentos. Essas músicas sempre voltam a moda quando começa a
aproximação com as datas. Um exemplo disso é música “vassourinha”30 a qual não pode estar
de fora dos repertórios carnavalescos.
Então, perceber toda aquela habilidade auditiva e a grande diversidade em relação a
memória foi importante e ao mesmo tempo desafiador, pois tinha que estranhar o familiar.
Necessitava retirar significados a partir do meu olhar de pesquisador sob a atuação daqueles
músicos, sobretudo em relação ao sujeito da pesquisa.
Em determinado momento do ensaio, foi preciso parar a música ainda em sua
execução. O fato ocorreu porque Jubileu Filho percebeu que o seu irmão Beethoven, enquanto
assumia o papel de vocalista, desentoava em determinada nota. O relato a seguir delineia este
momento: “A voz está fora do acorde. Não percebeu Beethoven?” (informação verbal)31.
Segundo o seu irmão Beethoven “a voz não está fora porque isso é apenas um charme”
(informação verbal)32. Neste momento, o clima ficou nebuloso, pois Beethoven não
concordava em modificar a nota. Argumentava que a nota fora do acorde trazia mais brilho à
música. Jubileu, enquanto diretor musical, decidiu modificar o acorde e mostrou para os
músicos, por meio do braço da guitarra. Quando acabou a música, trouxe a seguinte
explicação:
29
Informação proferida pelo músico Jubileu Francisco da Silva Filho em Natal-RN, em 28/01/2016.
30
Composição de Matias da Rocha e Joana Batista Ramos.
31
Informação proferida pelo músico Jubileu Francisco da Silva Filho em Natal-RN, em 28/01/2016.
32
Informação proferida pelo músico Francisco Beethoven em Natal-RN, em 28/01/2016.
81
Beethoven, veja só, eu sei que você percebeu a nota fora e sei que você
talvez tenha seus motivos para não querer modificar, mas a questão é que o
nosso contratante não entenderá esse brilho que você defende neste trecho.
Como eu sei que você não vai mudar mesmo, então coloquei o acorde com a
“nona bemol”, assim inclui a sua voz. (Risos). Espero que não mude
novamente. (informação verbal)33.
Diante do relato de Jubileu, percebi a mesma preocupação observada em Eduardo
Taufic quando assumia a posição de produtor. O produtor Jubileu Filho desenhava bem os
rumos do ensaio com vistas aos objetivos da apresentação, conhecendo bem o público
consumidor. Identifico isso como uma habilidade fundamental aos músicos populares,
sobretudo aqueles que tem muitos anos de atuação, os quais demonstram uma boa relação de
consciência em saber os objetivos para cada espaço de atuação.
Jubileu, mesmo sabendo que seu irmão conhece as regras harmônicas, tinha a
convicção de que certas dissonâncias não eram oportunas para aquela apresentação. O
discurso do improviso e a criação espontânea não era valorizado naquele momento. Diante
disso, fica evidente que a ação de Beethoven em colocar a voz na “nona bemol” do acorde
certamente seria enaltecida, caso o meio promulgasse outro discurso, como por exemplo, caso
fosse um show de Jazz.
Então, como está desenhado, neste ensaio não havia momentos de improviso, sendo as
músicas executadas em sua versão original, sem modificações. Os músicos escutavam os
áudios e executavam da mesma forma. Muitas das músicas já faziam parte do conhecimento
de todos, não necessitando do áudio. Uma situação que chamou a minha atenção, foi quando o
baixista Erick Firmino, no momento em que todos escutavam o áudio de uma música do
cantor Ricardo Chaves34, identificou elementos que foram usados na gravação original da
música. Fiquei na dúvida se ele seria o proponente da gravação ou tinha vivenciado alguém
gravando, mas a característica que quero enaltecer é justamente sobre o momento de
aprendizado compartilhado por todos do grupo. Quer dizer, não era apenas escutar e tocar,
houve uma contextualização bem maior sobre a música e que, certamente, colaborou no
entendimento de que o envolvimento no ensaio pode revelar momentos riquíssimos de
formação musical dos músicos.
Os gestos, tão constantes em outras observações anteriores, também não estavam
presentes. Cada músico ficava em seu espaço, executando o instrumento sem procurar o olhar
33
Informação verbal do músico Jubileu Filho, proferida do ensaio em Natal-RN, em 28 de janeiro de 2016.
34
Músico e cantor baiano com performances no axé music, considerado um gênero que surgiu na Bahia na
década de 1980 durante o carnaval de Salvador.
82
do outro. Observei apenas o movimento que Jubileu fez, colocando a mão na cabeça,
querendo dizer que os músicos deveriam executar a música novamente, a partir do início.
Percebi que a objetividade estava bem presente, pois tinham um repertório grande a
ser cumprido no ensaio. Muitas das músicas não eram “passadas” todas, apenas o início e o
fim. Quando acabava alguma música e os músicos queriam discutir algo, Jubileu já indicava
as harmonias para o tecladista, otimizando assim o tempo. Diversas vezes percebi essa
preocupação em relação ao uso do tempo. O trecho a seguir denota isso:
Beethoven, é melhor você passar logo este trecho e deixar para conversar
depois. [...] Vamos passar logo tudo porque só temos agora pela manhã
para concluir todo o repertório [...] é melhor nem passar todas as músicas,
vamos tentar apenas o início e fim e colar com os blocos. (informação
verbal)35.
Eu entendo que essa preocupação em conseguir atingir rapidamente os objetivos é
inerente dos músicos populares os quais ao mesmo tempo assumem diversos compromissos
musicais (acompanhar cantores, inserir algum trecho musical no estúdio, produzir arranjos
para bandas e/ou orquestras, estudar o próprio instrumento), não dispondo de tempo para uma
maior contemplação musical. Além disso, o volume de músicas a ser ensaiadas esboçava bem
essa preocupação.
O diretor musical, por diversas vezes, teve que desempenhar outros papeis, como
resolver problemas técnicos no som. Problemas, como: microfonia, equalização errada, cabos
dos instrumentos com barulhos, dentre outros, os quais foram sanados a partir da intervenção
do músico. Isso, possivelmente, deve-se ao fato de que Jubileu também é proprietário da
banda, assumindo também essas atribuições.
Quando os músicos não conheciam as harmonias das músicas, Jubileu Filho mostrava
o braço do violão, executando os acordes em posições mais comuns. No momento em que ele
percebia que os músicos já tinham adquirido a informação da sequência harmônica correta,
fazia outras posições mais complexas. Como já mencionado, o ambiente musical tratava a
música com bastante objetividade.
Outro momento importante o qual demonstrou a habilidade auditiva foi quando o
músico Jubileu teve que “tirar uma música de ouvido”. Seu irmão Beethoven ligou o áudio e
Jubileu ficou apenas escutando, sem tocar na guitarra. Após a audição de toda a música, ele
mostrou os acordes para os músicos e todos tocaram exatamente igual ao áudio proposto. Isso
demonstra a imensa habilidade auditiva que esses músicos populares carregam consigo.
35
Informação proferida pelo músico Jubileu Francisco da Silva Filho em Natal-RN, em 28/01/2016.
83
Cheguei até a pensar sobre a possibilidade do “ouvido absoluto” o que foi descartado pelo
músico. Jubileu definiu a percepção dele como “um ouvido bem treinado e que sempre
escutou de tudo um pouco” (informação verbal)36.
No término do ensaio, pude perceber diversas habilidades presentes no contexto dos
músicos, tais como: a memória, demonstrada a partir da execução de um grande repertório
sem a necessidade do auxílio de uma forma escrita das músicas; a capacidade de escutar
trechos musicais e repeti-los quase que em mesmo tempo; as explicações verbais, usando uma
linguagem comum entre todos os envolvidos; o uso visual do próprio instrumento, na
perspectiva de socializar com o grupo as ideias pensadas. Essas habilidades e trocas durante o
envolvimento social, certamente aponta para momentos formativos onde cada músico tem a
oportunidade de conseguir informações musicais pertinentes a sua atuação profissional. A
imagem abaixo traz maior percepção sobre o ensaio da banda Perfume de Gardênia.
Figura 10: Jubileu Filho, Carlos Sergio, Emerson Jean, Erick Firmino.
Fonte: O autor (2016).
4.5 Atuação profissional no Studio Promídia
Observei a atuação profissional de Eduardo Taufic no dia 23 de fevereiro de 2016, no
Studio Promídia, de propriedade do músico pesquisado em parceria com o baixista Paulo
Milton. O estúdio fica localizado na rua Alameda das margaridas, nº 1282, Tirol, Natal-RN.
36
Informação proferida pelo músico Jubileu Francisco da Silva Filho em Natal-RN, em 28/01/2016.
84
Na perspectiva de perceber os diversos espaços de atuação dos músicos populares,
também procurei compreender como os músicos, sujeitos da pesquisa, inserem-se nas práticas
de gravação, assumindo a posição de músico produtor.
O estúdio tem dois espaços, sendo a parte em que acontece a captação dos sons a
serem gravados e o espaço onde fica o produtor Eduardo Taufic com o acesso aos
equipamentos, como o computador e o teclado arranjador. Já na parede de entrada do estúdio,
visualizei a decoração com diversas fotos de artistas consagrados, os quais já gravaram
naquele espaço com a produção musical de Eduardo Taufic.
Dentre os diversos músicos expostos no quadro, destaco com grande vênia a foto do
professor da EMUFRN (in memorian), mestre Manoca Barreto. Nos relatos posteriores,
pretendo demonstrar com mais afinco a posição importante de Manoca Barreto no cenário dos
músicos populares do Rio Grande do Norte, inclusive bem enaltecido por meio dos discursos
de Jubileu Filho e Eduardo Taufic.
Outras imagens de nomes de grande relevância para a música local e nacional, como
Artur Maia, Krystal, Pedrinho Mendes, Galvão Filho, Sergio Groove, entre outros, os quais já
gravaram ou foram produzidos pelo Eduardo Taufic. Segue abaixo a imagem.
Figura 12: Artistas que já gravaram no Studio Promídia.
Fonte: O autor (2016).
No estúdio, Eduardo Taufic desenvolve trabalhos fonográficos com diferentes artistas
da cidade e até de fora do estado. Na ocasião da observação, estava presente o sujeito desta
pesquisa e o cantor Gilmar Bezerra, que gravava um CD solo de música Golpel, tendo
85
Eduardo Taufic como produtor musical do trabalho. Por questões éticas, procurei logo
explicar o meu objetivo naquele espaço ao cantor.
Figura 13: Gilmar Bezerra, gravando as vozes.
Fonte: O autor (2016).
Já nas primeiras músicas, percebi que pairava sobre o produtor uma grande
preocupação em relação à qualidade do produto que estava sendo construído. A parte
instrumental da música já estava gravada, então, diante disso, a minha observação voltava-se
para a colocação da voz, o diálogo entre eles e o entrelaçamento tecnológico.
Diversas vezes, aconteceram intervenções do produtor no sentido de consertar
determinados trechos das músicas. Em alguns momentos, o próprio Eduardo Taufic cantava o
trecho musical, indicando como poderia ficar melhor a colocação da voz. Buscava o
aprimoramento a partir das possibilidades físicas do próprio cantor, contudo, quando não
conseguia dessa maneira, usava o recurso tecnológico com o objetivo de melhorar a afinação.
Neste momento em que ele usou o auxílio do computador, explicou em quais situações fazia
isso:
Eu gosto de tirar o melhor do cantor, de fazer com que ele consiga chegar
na afinação, conseguir os objetivos. Então, eu volto o trecho musical muitas
vezes, peço para gravar novamente e, apenas após tentar todas as
possibilidades é que uso o programa para consertar as desafinações. Na
verdade, o mais comum é repetir e consertar, mas temos este auxílio e acho
que algumas vezes podemos usar. (informação verbal)37.
Diante deste momento, entendi a relação profícua em estreitamento com a qualidade
sonora, onde, por diversas vezes, presenciei a correção do produtor. Um exemplo disso foi
37
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 23/02/2016.
86
quando o cantor Claudio estava colocando a voz em um trecho musical, lendo a letra com o
auxílio do celular. Neste instante, Eduardo disse: “lembrar de cantar, viu Claudio!”
(informação verbal)38. Após a gravação o cantor perguntou: “e ai Dudu? Comecei a
cantar?(Risos)” (informação verbal)39. Eduardo Taufic permanecia bem atento e fazia gestos
na hora da gravação. Os gestos, a oralidade, os olhares de repreensão, os sorrisos, as
entoações motivadas funcionavam como uma verdadeira regência na construção do produto
musical.
Figura 14: Eduardo Taufic, apontando indicações,
momentos antes de iniciar a gravação.
Fonte: O autor (2016).
Outra percepção, foi a questão da linguagem, pois usavam termos específicos do
conhecimento entre eles. Frases, como “vamos a boa”, identificando que a colocação da voz
foi boa, mas que poderia tentar outra vez, que seria melhor. Outra explicação chamou-me a
atenção quando houve a seguinte frase: “porque a outra que tu fez tem uma curvinha”
(informação verbal)40, explicando que a música estava diferente da gravação anterior.
A observação nesse ambiente trouxe a possibilidade de enxergar a busca pela
qualidade em relação ao produto construído. Segundo Eduardo Taufic, no estúdio há uma
busca contínua pela qualidade, pois o produtor precisa entregar um trabalho de altíssimo nível
ao seu cliente. Chegou a relatar que “O CD poderá viajar imensas distâncias e atingir um
38
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 23/02/2016
39
Informação proferida pelo músico Gilmar Bezerra em Natal-RN, em 23/02/2016
40
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 23/02/2016
87
grande público, trazendo bons elogios ou péssimas críticas em relação ao produtor.”
(informação verbal)41.
Uma questão me intrigou, pois, a parte instrumental trazia tonalidades bem elevadas,
revelando um certo desconforto na hora da gravação, o que também fazia com que o produtor
fizesse uso dos recursos tecnológicos para atingir a afinação correta. Queria entender isso,
pois Eduardo Taufic era o produtor e o responsável por todas as etapas da gravação, desde a
colocação dos primeiros acordes até a mixagem. Em análises próprias, após a observação,
busquei compreender um pouco a respeito das gravações de música Gospel e, escutando
diversos áudios, percebi que é comum as músicas serem gravadas em tonalidades bem
elevadas. Então, diante disso, compreendi que o produtor musical já tinha o conhecimento
estético acerca desse estilo musical.
Em relação a especificidade da habilidade com o contexto tecnológico, percebi que a
gravação era feita a partir de pequenos trechos e depois cortado as partes. Havia uma grande
expertise em relação ao conhecimento dos programas de gravação. Eduardo usava o programa
“Cubase42” para gravar e mixar e o “Wavelab43” para masterizar.
Figura 15: Eduardo Taufic, gravando e mixando.
Fonte: O autor (2016)
O cantor Gilmar Bezerra finalizava o CD na ocasião da minha observação.
Demonstrou bastante entusiasmo com o trabalho final do produtor, confidenciando que já
havia gravado inclusive outros trabalhos com Eduardo Taufic.
41
Informação proferida pelo músico José Eduardo Hasbum em Natal-RN, em 23/02/2016
42
Steinberg Cubase é um programa de gravação, produção e mixagem na produção de CDs.
43
É um editor digital de áudio que oferece suporte com diversos canais de gravação.
88
Essa observação foi de grande valia, pois o campo de atuação no estúdio de gravação
revelou outra faceta do pesquisado. Colaborou na compreensão de que, naquele espaço, é
preciso outras formas de conhecimentos. Diante disso, surgiu uma questão bem pertinente que
me debrucei em compreender, sobretudo quando estava nos momentos da entrevista: Será que
o envolvimento dos músicos, enquanto profissionais que gravam e produzem em estúdios,
pode diferenciar a qualidade sonora deles quando estão atuando numa performance? Essa
questão será tratada no capítulo seguinte e, certamente, será retomada nos momentos
conclusivos.
89
5 ESPAÇOS FORMATIVOS DOS MÚSICOS POPULARES
Apresento neste capítulo os dados coletados nas entrevistas, assim como as
observações do caderno de campo. Proponho a discussão por meio da análise textual
discursiva. Segundo os autores, “o que se propõe na análise textual discursiva é utilizar as
categorias como modos de focalizar o todo por meio das partes” (MORAES; GALIAZZI,
2011, p. 27). Nesse sentido, o debate está apresentado segundo as categorias finais: formação
musical inicial, formação musical em distintos espaços e formação musical em contextos de
profissionalização.
A autonomia na formação musical indica distintos caminhos nos quais os músicos
adquirem as informações musicais de maneira bastante peculiar, sobretudo os músicos
envolvidos no universo da música popular. Diante disso, percebi, através dos dados coletados
no campo e apoiando-me nos referenciais teóricos, que os músicos populares trafegam por
diferentes espaços de aprendizagem durante a sua formação musical e profissionalização.
Os espaços musicais são os mais diversificados, como o envolvimento espontâneo
com o próprio material sonoro, a participação em pequenos cursos em conservatórios, as dicas
de amigos músicos, a aprendizagem a partir das bandas de música, a tentativa de imitar os
músicos através da televisão, os livros repassados entre os músicos próximos, a aprendizagem
por meio das revistas com as cifras, o envolvimento com músicos na própria família, dentre
outras várias situações. Nesse contexto, há uma complexidade em compreender a formação
dos músicos populares.
Posso inferir, a partir do meu envolvimento nesse trabalho, que os músicos
investigados têm em sua trajetória um amplo leque de espaços de atuação profissional,
necessitando, com isso, de diversas informações musicais. Os músicos, na perspectiva da
formação, transitaram por diferentes terrenos, sendo em sua maior proporção a partir das
práticas de aprendizagens informais.
5.1 Formação musical inicial
A aprendizagem inicial dos músicos desta pesquisa traz o envolvimento com o
ambiente musical que os cercava no seu contexto social. Nessa fase, a aprendizagem
aconteceu de maneira totalmente informal, quando não havia a consciência de que estavam
90
sendo influenciados pela música. O espaço simplesmente favoreceu aos pesquisados os
primeiros contatos com a música, ainda crianças.
Tanto Eduardo Taufic como Jubileu Filho estavam imersos em contextos onde a
música era privilegiada pelos seus familiares. Além disso, ambos têm irmãos que seguiram a
carreira musical, reforçando a afirmativa de que os contextos fomentavam o gosto e a
aproximação com o universo musical.
5.1.1 O brincar com os sons
Os entrevistados deixaram transparecer em seus discursos a ideia de que a brincadeira
com o material sonoro foi de suma importância para os contatos iniciais com a música. O
brincar, tradicionalmente estabelecido no senso comum, como jogar bola, andar de bicicleta,
subir em árvores, entre outas diversas formas, transformou-se em brincadeiras com os sons. A
exploração sonora apontava um divertimento que suplantava a vontade de brincar
normalmente como as outras crianças da mesma faixa etária brincavam. O trecho a seguir
evidencia isso, quando Silva Filho (2016) diz:
Eu nunca brinquei muito não, acho que se eu brinquei foi até quando eu
comecei a me envolver com a música. A música era como se fosse uma
brincadeira, fazia banda de brincadeira com os amigos lá da rua, entendeu?
Fazia bateria de lata, a gente se divertia assim. Mas brincar, brincar
(Risos). Para você ter uma ideia, nem de bicicleta eu sei andar (Risos),
verdade! No início era aquela coisa, eu me divertia tocando e aprendendo,
eu sempre gostei muito, sempre (silêncio) acho que eu nasci para ser músico
mesmo! (informação verbal)44.
Diante das brincadeiras musicais, constato um cenário onde surge o primeiro espaço
de aprendizagem e, consequentemente, pedagógico dos músicos populares: o próprio
cotidiano. Os primeiros passos formativos desses músicos aconteceram a partir da influência
espontânea dos elementos musicais presentes no contexto social. O brincar com as
brincadeiras não musicais perdeu a motivação diante da atração que a música exerceu sobre
os músicos investigados. Eduardo (2016) evidencia bem isso, quando diz que:
Meu espaço familiar era de muita música. Isso era como um brinquedo
interessante na minha infância. Quando eu não tinha obrigação de estudar
para a escola, ia brincar de tocar porque a música para mim era uma coisa
muito atraente. (informação verbal)45
44
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
45
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, 17/03/2016.
91
Os relatos reforçam a relação do cotidiano, na perspectiva da brincadeira, enquanto
ambiente pedagógico. Ademais, vale salientar a posição que esse ambiente assume quando
comparado, por exemplo, com a escola e suas tarefas. Eduardo Taufic colocou as tarefas da
escola e o brincar com a música em dois blocos motivacionais bem distantes. O primeiro
trouxe toda uma carga de força social, apontando para a obrigatoriedade; enquanto o
envolvimento musical se configurou em algo bastante atrativo para o músico.
Segundo Ricieri Carlini (2001), a inteligência musical está presente em todos os seres
humanos, mas para ser ativada, precisa ser desenvolvida. Diante disso, enxergo que o
“desenvolvimento”, no caso dos músicos populares, inicia-se sem a consciência dos músicos.
O brincar com os sons configurou-se como a primeira ferramenta capaz de colaborar com o
desenvolvimento musical.
Sendo assim, diferente de outras formas de aprender música, nas práticas da música
popular, o desenvolvimento acontece de forma lúdica, em meio ao divertimento e às
brincadeiras, proporcionando enorme prazer. Isso enfraquece a tônica de que o músico só
pode aprender a partir de exercícios e regras pré-estabelecidas, como foi socialmente
construída a nível de senso comum.
5.1.2 Motivação familiar
Dessa forma, a família assumiu um imenso papel motivador quando, além de não
trazer a obrigatoriedade e a rigidez para com os estudos musicais, também deixou os músicos
experimentarem diversos espaços sonoros, os quais eram compartilhados por todos os
membros da família.
Segundo (GOMES, 2009, p. 195),
As oportunidades de acesso à prática musical, geradas em família, podem ser
fundamentais, ainda, para tentar explicar e compreender certos mitos e
preconceitos sobre a formação de músicos, tais como o “dom”, “talento
inato” ou “herança musical inata”. Essas afirmações podem esconder fatos e
processos de formação musical muitas vezes ocultos, que podem se iniciar,
na maioria das vezes, a partir da própria convivência familiar.
A indução do autor colabora com a compreensão acerca dos músicos desta pesquisa os
quais, sem dúvida, foram enormemente influenciados pelos familiares. A motivação familiar
para a música estava presente nos lares dos músicos investigados e, naturalmente, estimulou o
apreço musical.
92
Silva Filho (2016) relatou como a sua mãe apresentava diversas músicas para ele e seu
irmão Beethoven, que também é músico:
Minha mãe era o seguinte, tinha uma coleção de discos em casa. Ela sempre
investiu muito na nossa formação, sempre quis que a gente fossemos
músicos. Durante a semana ela comprava a coleção de música Clássica,
Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Jobim, Ivanildo do sax
de ouro. Então ela fazia audições comigo e meu irmão Beethoven. Quando
ela chegava do trabalho, pela noite, a gente se deitava no tapete da sala e
ficava ouvindo música Clássica. No outro dia, era Caetano Veloso e assim
escutamos muitas coisas. (informação verbal)46.
Esse discurso denota o importante papel pedagógico desempenhado pela sua mãe
quando trazia diversos gêneros musicais para a apreciação da família. O interessante é que,
apesar do instrumentista dizer que sua mãe objetivava que ele fosse um músico, não constato
um ambiente de opressão nessa relação. Isso ficou bem evidente, a partir das anotações do
caderno de campo:
Neste momento em que o entrevistado enaltece as atitudes da sua mãe, seus
gestos falam mais do que a sua própria verbalização. O olhar sereno e a voz
lenta, corpo pensativo, delineia alguém que está retornando a um
maravilhoso passado. Isso tudo reverberou, tomando conta de todo o
ambiente da entrevista. Consegui sentir, de fato, uma imensa emoção e
perceber que estava diante de alguém formado dentro de um contexto
familiar de grande envolvimento musical, entrelaçado por laços amorosos.
(CADERNO DE CAMPO, 28/03/2016).
Outro aspecto que destaco, em relação à apreciação dos diversos gêneros musicais, foi
a possibilidade de ampliação dos repertórios. Esse conhecimento inicial, onde Jubileu Filho
mergulhou em diversos gêneros musicais, sem que houvesse um juízo de valor sobre os
mesmos, certamente colaborou com a amplitude de sua formação e reverberou em sua prática
profissional. Isso ficou bem evidente quando me propus a observar os contextos profissionais
dos pesquisados, pois toda essa diversidade musical inicial estava presente nas ações do
músico.
Eduardo (2016) traz o discurso, enaltecendo a influência da família, quando destaca
que,
Meu pai tocava violão e incentivou meu irmão mais velho que é Roberto
Taufic a tocar. Minha irmã também e meu outro irmão do meio, Geraldo e
Gisele. O meu pai nos incentivou muito para a música e, apesar de somente
eu e meu irmão mais velho ter seguido a carreira como músicos, mas os
outros irmãos também tiveram experiências com instrumentos. Então, eu
acho que o ponto de origem foi realmente o nosso pai porque outro, como
46
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
93
avô, a gente não tem notícia que tenha tido contato com a música.
(informação verbal)47.
Eduardo Taufic tem a consciência de que no seio da própria família começou o
estímulo para a música. Em seu discurso, aponta que, embora todos os filhos tenham sido
estimulados, apenas ele e seu irmão mais velho foram os que trilharam os caminhos musicais.
Percebo, com isso, a questão do estímulo positivo em relação aos envolvimentos musicais,
haja vista que não havia cobranças, pois todos os irmãos tiveram contatos com a música, mas
a decisão era particular de cada membro da família em continuar ou não os envolvimentos
musicais.
Na verdade, no meio familiar de ambos os investigados, a música foi apresentada de
maneira livre, não sendo designada como uma posição de obrigatoriedade. A música, nesse
sentido, estava presente e sendo vivenciada por todos os membros. Destaca ainda Eduardo
(2016) o papel do irmão mais velho, identificando a forte influência oportunizada a partir
deste:
[...] foi uma coisa de geração para geração, meu pai passou toda essa coisa
da música para meu irmão Roberto Taufic que aí eu fui totalmente
influenciado por ele. Vendo ele tocar, então eu diria que ele foi a minha
primeira grande influência na vida musical, ou seja, o que ele ouvia eu
passei a ouvir, o que ele gostava eu passei a gostar. (informação verbal)48.
Segundo Eduardo Taufic, seu primeiro grande ídolo foi o próprio irmão. Relatou que
Roberto Taufic era a “autoridade máxima da música” para ele (informação verbal)49. Nesse
contexto, o instrumentista queria imitar a sonoridade do irmão mais velho. Destacou que, com
apenas nove anos, buscava entender a musicalidade do irmão Roberto Taufic, que na época
estava com dezenove anos e já era músico profissional. O trecho a seguir evidencia bem o
respeito pelo irmão músico:
Meu irmão já tocava e isso para mim foi um choque muito grande porque eu
presenciava o que ele fazia e, de certa forma, se relacionava com o que eu
estava buscando. Mesmo criança ainda, mas já era a fase da associação
onde eu percebia o que ele fazia no instrumento, que já era uma música
muito bem construída, muito madura. [...] ele já tocava profissionalmente
nos grupos e com os artistas locais, e era aquilo que eu estava querendo.
(informação verbal)50.
47
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
48
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
49
Informação proferida na oportunidade do ensaio do show “Entre amigos”, em Natal-RN, em 10/02/2016.
50
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
94
A presença dos ídolos é muito forte na formação dos músicos populares. Na formação
musical de Eduardo Taufic, isso se deu de forma bem mais acentuada, pois o seu primeiro
grande ídolo era o próprio irmão, o qual estava acessível, podendo indicar materiais
pertinentes à formação musical. O imenso respeito pelo violonista Roberto Taufic foi
vivenciado em minha observação realizada no ensaio do show “Entre amigos”. Naquele
momento, percebi que sobre as indicações de Roberto em relação às músicas ensaiadas
pairava uma atmosfera a qual, de fato, confirmava uma “autoridade máxima”.
Diante do exposto, ficou claro a importância dos membros familiares dos músicos
pesquisados, no sentido de motivar e colaborar com a formação musical. Nesse sentido,
podemos expor, no caso desta pesquisa, o cotidiano familiar como sendo o primeiro grande
espaço de aprendizagem dos músicos, sobretudo em relação à forma de deixar que a música
assumisse uma posição lúdica e espontânea, valorizando o brincar a partir dos diversos
elementos musicais.
5.1.3 A consciência formativa
O momento de entender que estavam em espaços de aprendizagem musical chegou em
caminhos distintos entre os pesquisados. Enquanto Eduardo Taufic continuou aprendendo a
tocar a partir do próprio material sonoro, Jubileu Filho usava outros métodos de
aprendizagem. O “tirar de ouvido” para Jubileu Filho teve outros contornos os quais serão
abordados a seguir. Silva Filho (2016) identificou que começou a aprender visualizando as
cifras e depois tocando. De acordo com os seus relatos:
[...] meu tio me ensinou uns acordes e como eu era muito curioso comprava
as revistas que tinha as cifras das músicas que tocava no rádio. Dessa forma
a gente ia aprendendo a tocar as músicas de sucesso da época. [...] o que
tocava nos rádios, saia nas revistinhas e eu era viciado em comprar as
revistinhas para aprender as músicas. (informação verbal)51.
O discurso do músico evidenciou bem a década de 1980, quando muitos músicos, a
partir dos sucessos protagonizados por diversos grupos – como RPM, Cazuza, Legião Urbana
– começaram os primeiros envolvimentos musicais.
Já Eduardo (2016), em metodologia diferente daquela de Jubileu Filho, “tirava as
músicas de ouvido”. Segundo seus relatos:
51
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
95
[...] através do ouvido, da pura intuição, eu conseguia fazer com que o
instrumento tocasse. Eu apertava e saia o som, então eu queria reproduzir
as músicas que eu ouvia na época. (informação verbal)52.
Ambos os músicos, apesar de formas de aprendizagens distintas, foram influenciados
pelo gosto musical da época. Nessa perspectiva, o rádio teve papel importante na motivação
inicial desses músicos em aprender as músicas do momento. Eduardo (2016) aponta que,
[...] na época as rádios tocavam o que eu gostava de ouvir, as bandas de
pop rock daquela época que tinha uma qualidade muito legal, as
composições, os ritmos me fascinavam muito (informação verbal. Grifo
meu)53.
O rádio certamente trouxe um ambiente que influenciou a formação dos músicos
populares, como já debatido. Contudo, problematizando a questão, identifico em meu grifo
que o discurso do instrumentista não assinalou a sua consciência acerca dos objetivos dos
veículos midiáticos. Na verdade, as rádios não tocam as preferências dos músicos, mas sim,
os músicos têm os “gostos” adquiridos e/ou moldados a partir das influências desse meio.
De fato, entendo que essa “não consciência”, pelo menos nas fases formativas iniciais,
pode ser expressada como um elemento positivo, no sentido de não gerar preconceitos a
respeito dos gêneros musicais veiculados na mídia. Ou seja, apesar do fato de ter os “gostos”
musicais influenciados, o inconsciente revela-se como algo positivo, pois muitos músicos
cresceram musicalmente a partir da vontade de reproduzir as músicas escutadas nas rádios ou
nos programas televisivos. Defendo que o olhar crítico, em vias dessa primeira fase formativa,
delinearia um músico com diversas fragilidades em detrimento do seu juízo de valor acerca
das músicas.
5.1.4 O escutar e tocar numa concepção informal
A partir da brincadeira espontânea com o universo sonoro, associada ao apoio
constante da família e ao contato com os recursos tecnológicos, os músicos Eduardo Taufic e
Jubileu Filho começaram a adquirir a habilidade de “tirar as músicas de ouvido”. Eduardo
Taufic assumiu, desde o início de sua influência e formação musical, essa característica forte
de aproximação e entendimento do material sonoro. Eduardo (2016) disse que,
[...] eu fui atraído pelos sons e sem técnica nenhuma eu fui buscando me
aproximar daqueles sons e comecei a usar o ouvido como ferramenta. Eu
52
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
53
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum realizada no dia 17/03/2016.
96
não sabia se esse dedo era aqui, se a digitação do piano estava correta, mas
eu comecei a buscar aquela melodia e acabava achando. [...] através do
ouvido, da pura intuição, eu conseguia fazer com que o instrumento tocasse.
Eu apertava e saia o som, então eu queria reproduzir as músicas que eu
ouvia na época. (informação verbal)54.
O “tirar de ouvido” não representou a busca por técnicas ou regras musicais, sendo
uma habilidade totalmente inerente ao contexto de cumprir o objetivo de reproduzir o som
escutado, não importando se os dedos estavam “errados”. O discurso do pesquisado sugere a
sua consciência atual sobre o que é, musicalmente, errado ou certo. Contudo, o que de fato
demonstra a cena é que naquele ambiente formativo não havia essa maturidade de entender os
“erros” ou “acertos”. Quando um músico, em seus primeiros momentos de aprendizagem,
escuta alguém questionando acerca “do dedo que está errado” ou “do ombro caído”,
certamente que esse contexto não reflete as práticas de aprendizagem dos músicos populares.
Já Jubileu Filho começou a ambicionar a percepção auditiva a partir do seu
envolvimento com o campo profissional. Como já discutido, em princípio, conseguia aprender
a partir do escutar as músicas veiculadas nas rádios, reproduzindo os sons através do auxílio
das cifras das revistas. Apenas com o ingresso na banda “Arco Íris”, da cidade de Currais
Novos-RN, foi que o “tirar de ouvido” começou a ser importante para o músico. A partir
daquele momento, aos onze anos, começou a treinar a sua habilidade auditiva. Relatou que,
No começo tirar a música de ouvido era um problema porque eu não tinha
muita noção. Fui aprendendo aos poucos, mas nunca tive vontade de desistir
pois aquilo me dava mais motivação ao ponto de, em princípio tirar o
repertório da banda, mas depois eu comecei a copiar coisas mais difíceis.
Chegava os discos de Ricardo Silveira, de Victor Bligione, que foi um dos
primeiros guitarristas a chegar material no Brasil de música instrumental
para guitarra. E aí a diversão era ficar tentando tirar as músicas, os solos,
os improvisos de Ricardo Silveira, ficava tentando tirar de ouvido ali os
detalhes das músicas. (informação verbal)55.
Silva Filho (2016) explica porque a partir de seu ingresso na banda a metodologia de
aprendizagem por meio das revistinhas não funcionava mais:
Eu tinha 11 anos e foi quando eu comecei a tirar música de ouvido mesmo.
Até então era só as revistinhas porque pegava a harmonia e acompanhava.
Mas quando eu entrei na banda, tinha que copiar os solos, os riffs de
guitarra que tinha nas músicas. Eu tinha que copiar do mesmo jeito e foi
54
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
55
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
97
quando começou a experiência de tirar a música de ouvido. (informação
verbal)56.
Uma característica importante de ressalva é que, mesmo Jubileu Filho não se
envolvendo com o “tirar de ouvido” em seus primeiros passos formativos, isso já era,
inconscientemente, trabalhado a partir da diversidade musical apresentada pela sua mãe
quando o colocava em espaço de apreciação musical.
Sendo assim, o contexto social foi o principal condutor da formação musical de
Jubileu Filho. O uso das revistinhas em detrimento do “tirar de ouvido” apenas reforça o
entendimento de que os músicos populares simplesmente querem tocar. Não importa a
metodologia de aprendizagem, pois o que for mais acessível para o momento é o que interessa
para esses músicos. Jubileu possuía a influência das músicas das rádios e tinha a oportunidade
de conseguir as revistinhas, então, naquele momento, aquilo trazia bem mais conforto do que
“tirar de ouvido”, pois o que interessava era tocar o seu instrumento. No momento em que foi
preciso usar a ferramenta do “tirar de ouvido”, certamente que toda a sua influência inicial
contribuiu.
Interessante a percepção de que o próprio ambiente proporcionou novas formas de
aprendizagens. Os pesquisados têm a característica de circular por diversos ambientes os
quais trazem a lume distintas possibilidades de formação musical.
5.2 Formação musical em distintos espaços
A formação musical dos pesquisados foi evidenciada por meio de diversos espaços de
aprendizagem. Como já discutido, a formação inicial aconteceu de forma totalmente
espontânea e mergulhada na inconsciência acerca das aprendizagens. Contudo, na medida em
que havia uma consciência e até uma visão de que poderiam ser músicos, as buscas por
espaços formativos foram surgindo.
5.2.1 Formação musical a partir do contexto social dos amigos músicos
O meio social dos amigos músicos foi decisivo em relação à formação musical dos
pesquisados. Eduardo Taufic acabou herdando do irmão Roberto o ciclo de amizades de
grandes músicos da cidade do Natal-RN. Com o passar dos tempos, esses músicos não seriam
56
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, Em Natal-RN, em
28/03/2016.
98
apenas amigos, mas sim grandes parceiros musicais em diversas produções e shows. Eduardo
(2016) relata que,
Os amigos que Roberto tinha na época, acabaram virando os meus amigos.
Eu era muito pequeno, mas já convivia entre os amigos de Roberto, como
Manoca Barreto (silêncio), Paulo Milton, Fernando Suassuna, enfim. Os
amigos dele faziam parte de toda uma geração de músicos importantes,
como Pedrinho Mendes, Sueldo Soares. Roberto tocou com todos eles e eles
conheciam o caçula que gostava de fazer barulhos (Risos). O tempo foi
passando e os amigos do meu irmão acabaram sendo os meus amigos.
(informação verbal)57.
No momento em que ele relatou sobre os amigos, fiz anotações no meu caderno de
campo, as quais julgo importante descrever:
O entrevistado, no momento em que relatou acerca dos amigos do irmão os
quais se tornara também seus amigos, parecia que estava homenageando
grandes mestres musicais e pessoas de grande importância para a sua
formação. Quero enaltecer o olhar que ele fez quando lembrou do saudoso
mestre Manoca Barreto. Naquele instante tive a certeza de que havia um
sentimento de gratidão em conseguir relacionar-se e aprender a partir dos
laços de amizades. (CADERNO DE CAMPO, 17/03/2016).
Quando questionado acerca dos amigos da escola, ele não mostrou entusiasmo e,
simplesmente, disse que as relações eram estritamente para assuntos da própria escola. Em
relação aos amigos da escola, Silva Filho (2016) relatou que,
Os amigos da escola eu conto nos dedos! Eu tive dois amigos que não são
músicos, aliás, um deles é que é o André. Era André e mais uns dois que se
perderam no tempo! Não há muitas lembranças. Eu era muito tímido, então
tinha problemas em se relacionar. (informação verbal)58.
Também apontou os companheiros músicos como sendo os seus principais amigos.
Nesse ciclo de amizades, Eduardo Taufic e Jubileu Filho têm muitos amigos em comum.
Aliás, eles são a prova de uma amizade regada a música e respeito, pois também são amigos
há um largo período. Jubileu Filho, em determinado momento da sua entrevista, dirigiu-se a
“Dudu”59 da seguinte maneira:
57
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
58
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
59
“Dudu” é a forma carinhosa como os músicos potiguares e amigos referem-se a Eduardo Taufic.
99
Rapaz, Dudu, é um cara fora de sério. Eu não teria nem como explicar o que
ele representa como meu amigo e o que ele representa para a música.
(Silêncio). Há poucos “Dudus” pelo mundo. (informação verbal)60.
Identificou como se relacionava com o amigo “Dudu” e com os outros:
Tive diversos amigos musicais, como Valeria Oliveira, Babal, Leão Neto,
Sueldo Soares, Pedrinho Mendes, entre outros que não lembro agora. Eu
encontrava sempre Dudu nas bandas para acompanhar os cantores e aí a
amizade foi tomando forma, de vez em quando eu ia para a casa dele
escutar discos, estudar, tocar juntos, entendeu? (informação verbal)61.
Diante dos relatos, a rede de amigos configurou-se como algo bem significativo para
os pesquisados, enquanto possibilidades formativas por meio dos envolvimentos. Constatei
que os amigos dos pesquisados já eram nomes de referência no cenário da música da cidade
do Natal-RN, proporcionando, com isso, uma excelente oportunidade de aquisição dos
conhecimentos musicais. Nesse sentido, o agente motivador estava presente na medida em
que todos discutiam as mesmas coisas, falavam a mesma língua: a linguagem musical.
Nessa relação, a formação musical não é mais algo tão inconsciente, assim como
ocorreu nos primeiros contatos espontâneos com a música. Contudo, apesar da consciência
acerca das possibilidades de aprendizagens musicais, percebo que o aspecto da
espontaneidade continuou presente diante das relações entre os amigos. Ou seja, há uma
intenção de aprender música a partir das trocas dos amigos, mas não há uma pressão de ter
que aprender, pois a formação acontece naturalmente em meio aos ciclos de amizades.
5.2.2 O papel dos professores na formação musical
Os músicos populares postulam oportunidades de aprendizagem a partir da sua
aproximação com os diversos meios. Dentre esses, a aproximação com os professores,
certamente, configura-se como uma oportunidade ampla de formação. De acordo com os
relatos dos pesquisados, os professores tornaram-se grandes mestres, pois, além de indicarem
os caminhos musicais, também permitiram àqueles transitarem por metodologias próprias de
entender a música. Eduardo (2016) destacou bem isso, quando relatou acerca do seu primeiro
professor de piano.
60
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
61
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
100
A minha vida acadêmica com a música foi três anos que eu estudei com o
professor Waldemar e não foi um estudo metódico! Eu não fui aquele aluno
que começou a estudar o Hanon, as escalas e tinha obrigação de passar 8
horas por dia. Enfim, eu estudei tudo isso, mas de forma muito espontânea,
muito autodidata mesmo, de querer buscar. Então, seguia em busca de uma
técnica porque eu queria fazer uma coisa, não porque eu fui obrigado a
fazer os exercícios, entende? Eu queria tocar aquela música, então eu fazia
de tudo para tocar aquela música. Eu precisava de técnica, precisava de
conhecimento e assim eu fui na minha cabeça criando as minhas próprias
teorias e ferramentas próprias de aprendizagem. (informação verbal)62.
O relato do músico esclarece que o professor o permitia criar suas próprias
metodologias de aprendizagem. Apesar de transitar pelos métodos estabelecidos na literatura
tradicional e frequentar as aulas com o professor, deixa claro que não transitou pelos
caminhos didáticos estabelecidos nas relações das academias de música.
Isso é bem comum entre os músicos populares, pois, mesmo quando têm acesso à
figura do professor que os orienta, paralelamente, conseguem criar outras formas de entender
e propiciar a própria aprendizagem musical. Freire (2015, p. 56) colabora com essa reflexão,
quando defende que em todos os espaços formativos, tanto os informais como os formais,
acontecem, de certo modo, processos de autoaprendizagem. Segundo ele, “[...] mesmo
havendo um professor, o sujeito se desenvolve a partir de suas próprias capacidades, pois o
professor assim o permite”.
Os pesquisados apontaram a importância dos professores em relação à “lapidação dos
conhecimentos” que já possuíam. Silva Filho (2016) destacou o professor Manoca Barreto
como alguém que contribuiu na sua formação musical, enquanto instrumentista. Segundo ele,
Antes de estudar com o professor Manoca, como eu estudava muita técnica,
meu improviso era muito frio, muito cheio de técnica, de velocidade, mas
não passava muita emoção. Meu irmão reclamava disso pra caramba
(Risos). Algumas pessoas chegavam pra mim pra falar. Mas, a partir dos
conselhos de Manoca, mudei completamente a minha forma de tocar e de
enxergar a música. (informação verbal. Grifo meu)63.
A partir do meu grifo, busco relacionar o que está por trás das aparências iniciais do
discurso do entrevistado. Quando este caracteriza a sua formação a partir dos “conselhos de
Manoca”, é porque assume uma posição de autonomia para escolher o envolvimento com o
professor e até seguir ou não os seus “conselhos”. De fato, a liberdade de escolha
caracterizou-se como uma forte tônica em todas as fases formativas dos músicos pesquisados.
62
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
63
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
101
Os músicos populares escolhem os seus espaços formativos, mas a questão cerne de reflexão é
o que lhes chama a atenção em transitar por esses espaços.
Nesse contexto, vale ressaltar que Jubileu Filho não estudou com Manoca na
academia, apesar do fato de que o professor também atuava nos conservatórios. O estudo foi
totalmente informal. Questionei porque ele não procurou estudar nos conservatórios. Ele
esclareceu, dizendo:
Uma “birra” que eu tinha com a música erudita, de estudar nos
conservatórios, era a questão dos músicos eruditos e como eles olhavam
para a música popular. Isso era uma coisa que me afastou da área erudita.
Manoca foi um cara que bateu de frente com isso! Ele conseguiu quebrar
um pouco isso. [...] hoje essa relação é bem diferente. (informação
verbal)64.
Como bem definiu o músico, a rivalidade entre a música erudita e a música popular,
que o senso comum estabeleceu durante décadas, está, de fato, enfraquecida. Certamente que
as ações pedagógicas de muitos professores foram fundamentais para a quebra desse
paradigma. Na atualidade, já constatamos um envolvimento amigável entre os músicos
eruditos e populares. Nas minhas observações, a partir dos ensaios, ficou nítido isso, quando o
professor da EMUFRN, Airton Guimarães, atuou como músico na formatação de shows de
música popular65.
Silva Filho (2016) teve na figura do seu professor Manoca Barreto uma elevada
estima, que vai bem além de uma relação de emissão e recepção de conteúdo. Os relatos
delineiam isso:
Manoca me apresentou vários guitarristas que eu não conhecia, mais na
área do Jazz, como Pep Metine, Jonscoll Field, Wesmolment, John Peace,
Lery Calton. Então, Manoca foi uma pessoa que fez muito por mim.
(Silêncio). Entendeu? De chegar e abraçar mesmo (Silêncio). Acho que
ninguém fez por mim o que ele fez (silêncio). Ele sabia que eu tinha parado
de estudar e não podia fazer o curso de harmonia na escola de música,
então, me deu todo o suporte que eu precisava. (informação verbal)66.
O meu grifo mostrou toda a afetividade que o aluno demonstrou para com o seu
mestre. Nesse momento, descrevi no caderno de campo o estado emocional pelo qual o
entrevistado foi tomado:
64
65
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
Atuou tocando contrabaixo acústico nos ensaios dos shows: “Entre Amigos” e “Nara Costa e o show
Gonzaguinha 70 anos”.
66
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
102
Quando ele disse “acho que ninguém fez por mim o que ele fez” a atmosfera
foi tomada pela emoção e o entrevistado se mostrou bastante nervoso em
prosseguir com a entrevista. Percebi que ele tem na figura do professor
Manoca como um ser bem especial, um verdadeiro pai musical. (CADERNO
DE CAMPO, 28/03/2016).
Certamente, o momento de lembrar e versar sobre Manoca Barreto é algo bastante
forte, principalmente porque ele não está mais entre nós. Confesso que não foi apenas Jubileu
que não conseguiu mais ser entrevistado, eu também me senti perdido na condução da
entrevista. Embora minha posição fosse de pesquisador, onde o correto seria manter o
distanciamento, o momento foi, de fato, muito emocionante. Estar em posição de
compreender as ações de um educador lapidando o seu discípulo é também relembrar o meu
passado e enxergar como eu cresci musicalmente a partir dos diversos “conselhos” do
professor e amigo Manoca Barreto. Aliás, uma grande parte dos músicos populares do Rio
Grande do Norte, diretamente ou não, carregam consigo um pedaço dos ensinamentos do
mestre “Manoquinha”67.
Eduardo (2016) destaca o aprimoramento musical a partir do curso de Harmonia
Funcional68 vivenciado nas aulas do professor Manoca Barreto:
O curso de harmonia com Manoca me trouxe uma certa estabilização das
minhas ideias. Eu já improvisava, mas quando eu vi a teoria daquilo,
comecei a associar as duas coisas. Foi uma explosão de alegrias porque,
sabe quando você acha um tesouro que você já fazia e agora você sabe o
porquê? Por isso que eu tenho essa intimidade com harmonia, porque eu já
fazia muita coisa. Quando eu estudei, compreendi e o que era errado eu
consertei, o que estava certo, eu fiquei ainda mais consciente, entendeu?
Foi uma luz muito grande o curso de harmonia funcional na minha vida,
uma grande luz, e isso eu devo ao grande mestre Manoca Barreto.
(informação verbal. Grifo meu)69.
As palavras grifadas revelam um contexto o qual demonstra que os músicos populares
transitam pela intuição, mas, em determinados momentos, sentem a necessidade de conhecer
os porquês das questões musicais. Na formação dos músicos populares, há momentos em que
surgem diversas dúvidas, pois sabem executar, improvisar, “tocar de ouvido”, mas não
conseguem entender quais as explicações para suas práticas. Silva Filho (2016) explicou bem
isso:
67
“Manoquinha” era o nome carinhoso que os alunos se referiam ao professor Manoca Barreto.
68
O curso de Harmonia Funcional era voltado para o público dos músicos populares da cidade do Natal-RN na
EMUFRN. Vale salientar que Jubileu fez este curso de maneira totalmente informal com Manoca Barreto
enquanto que Eduardo Taufic fez o curso na instituição.
69
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
103
Tinha coisas que eu já sentia intuitivamente, mas não sabia porque que
aquilo acontecia, entendeu? Por exemplo: eu estava tocando uma música
numa cadência I, IV, V, em Do maior. Tocava ali - Do, Fa e Sol. Na minha
cabeça, eu tinha que tocar a escala de cada acorde, você está entendendo?
(Risos). Se eu tivesse em Do, era escala de do maior, quando eu mudava
para Fa, escala de fa maior, só que quando eu tocava o sib, quando estava
em fa, soava estranho. Eu dizia, pô, mas se eu estou tocando um acorde de
fa e tocando a escala de fa porque é que não dá certo? (Risos). Ai eu já
sentia que, sabe, algo estava errado. Mas, após o curso de harmonia
funcional minha relação com a música mudou completamente. Aí eu dizia:
oh, por isso que não dava certo! porque na realidade você tinha que tocar o
modo do quarto grau. Então, foi onde deu uma abertura na minha cabeça.
(informação verbal)70.
Diante dos relatos, está clara a relação de crescimento dos músicos a partir dos
momentos de aprendizagem com os professores. Nessa relação, não constatei indícios da
“pedagogia tradicional”, a qual foca no “[...] o uso de exercícios repetitivos e a centralização
do poder nas mãos dos professores”. (RIBEIRO, 2015, p. 4). Bem distante disso, a relação
professor/aluno configurou-se em um ambiente completamente motivador, propício à
liberdade de escolhas. Os pesquisados, diante das ações dos professores, aumentaram os
conhecimentos, não negando as habilidades adquiridas anteriormente.
Portanto, a didática do professor colaborou com a motivação e aproximação dos
músicos, pois não trouxe os conhecimentos musicais como algo vestido de obrigatoriedade.
Seja na formação inicial ou na fase de profissionalização, jamais os músicos demonstraram
que aprender música fosse algo obrigatório ou que não trouxesse um bem-estar pessoal.
5.3 Formação musical em contextos de profissionalização
A atuação profissional do músico popular traz a necessidade de aquisição de diversos
conhecimentos. A discursão nesta parte do trabalho relaciona o músico popular como um ser
imerso em diversas áreas de atuação, onde para cada contexto há uma linguagem, uma forma,
um repertório, um modo de se comunicar musicalmente. Entender os contextos de atuação,
certamente, possibilita compreender a formação musical desse profissional, haja vista que há,
por exemplo, informações bem distintas de um músico que atua apenas nas noites,
acompanhando cantores, quando comparado com um músico produtor.
Lacorte (2006, p. 107), em sua pesquisa sobre a aprendizagem dos músicos populares,
esclarece a complexidade de informações que já há apenas num espaço de atuação. Aborda
70
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
104
acerca dos músicos que atuam nas noites, esclarecendo a necessidade de um vasto “cardápio”
de conhecimento necessário nesse trânsito: [...] ter conhecimento de alguns padrões ou clichês
de estilos musicais, como o samba, rock, baião, pop. Da mesma forma, é importante que ele
tenha vasto repertório de músicas [...].
Então, diante dessa complexidade, proponho compreender a formação dos músicos
populares diante dos diversos espaços de atuação profissional.
5.3.1 Espaços de atuação profissional
Eduardo (2016), desde muito cedo, iniciou seu envolvimento profissional com a
música:
[...] eu não saia com os amigos, preferia tocar. Na minha adolescência, eu
não fui uma pessoa de sair com os amigos para boate, para as festas, essas
coisas (Risos). Gostava de música, gostava de trabalhar com a música.
Enquanto os jovens estavam na festa se divertindo, eu estava também na
festa me divertindo com a música, entendeu? (Risos). (informação verbal)71.
Silva Filho (2016) descreveu como foram os seus primeiros contatos profissionais:
Eu comecei a minha experiência profissional muito cedo, com onze anos.
Comecei a tocar numa banda baile chamada Arco-íris, da cidade de Lagoa
Nova-RN. Era uma banda da paróquia lá de Santana que foi formada para
tocar as quermesses da igreja. A banda tocava as coisas que passava no
rádio e eu já sabia muitas músicas porque escutava muito. [...] foi quando
eu comecei a me envolver mais em tirar as músicas de ouvido. (informação
verbal)72.
Ambos os instrumentistas atuaram também como produtores, envolvendo-se em
estúdios de gravação. O músico que trabalha nos estúdios de gravação tem uma configuração
bem complexa, pois necessita de conhecimentos para além dos conteúdos estritamente
musicais. Ou seja, o “[...] músico-produtor deve adquirir conhecimentos específicos, os quais
vão muito além dos conhecimentos inerentes somente à prática musical, à execução musical”
(BERTUSSI, 2015, p. 59). Pierre Lévy (1999) diz que o músico produtor deve conhecer o
“[...] sequenciador para o auxílio à composição, o sampler para a digitação do som, os
programas de mixagem e arranjo do som digitalizado e o sintetizador, que produz sons a partir
de instruções ou de códigos digitais”.
71
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
72
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A observação que fiz no Studio Promídia foi fundamental para entender a
complexidade de informações de que o músico necessita quando assume o posto de produtor
musical. Eduardo (2016) começou a sua prática profissional, de maneira informal, nos
estúdios de gravação, ainda muito cedo:
[...] tudo foi muito natural. Inclusive, foi a mesma época, com 13 ou 14
anos, eu já era chamado pelos estúdios para fazer jingles, porque eu
dominava muito bem o teclado, as programações. Nessa época,
naturalmente, eu já fui entrando no mercado publicitário. (informação
verbal)73.
O discurso mostra que o pesquisado necessitou conhecer bem as informações
pertencentes à área tecnológica, no sentido de validar a sua atuação profissional nos estúdios.
Não basta dominar as técnicas do instrumento, conhecer as escalas, o campo harmônico ou
diversos ritmos. É preciso, para além disso, manobrar a linguagem dos computadores,
envolver-se com softwares, falar o discurso das produções fonográficas. Diante desses
desafios que o ambiente impõe, o próprio espaço de trabalho colabora com a motivação em
conquistar novos conhecimentos, enriquecer o “cardápio” das habilidades.
Dantas (2011) compara as habilidades necessárias a um músico que atua gravando
quando comparado a uma performance musical. Segundo ele,
Diferentemente do que pensam alguns músicos, atuar como músico de
estúdio em gravações requer uma qualificação que nem sempre os músicos
que atuam com maior frequência em shows, nas diversas esferas, possuem.
A abordagem do instrumento, no momento de uma gravação em estúdio,
possui especificidades distintas as de uma performance em uma apresentação
musical “ao vivo”. (DANTAS, 2011, p. 49).
No caso do Eduardo Taufic, as habilidades são maiores, pois na prática profissional,
além de assumir a posição do músico que grava, também é produtor musical, assinando todas
as etapas da confecção do produto. Eduardo (2016) revelou que, a partir do envolvimento nos
estúdios de gravação, foi conquistando a sua formação na área:
73
Informação proveniente da entrevista com José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
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Rapaz, fui aprendendo, de maneira informal. Quando eu não sabia o que
fazer, ficava ali até conseguir porque eu tinha um cliente, alguém que
estava me pagando. Então, eu não tinha escolhas, tinha que ficar tentando
até conseguir atingir o resultado. Com o tempo, eu adquiri uma boa prática
gravando, mas eu não tenho cursos que diga como posso equalizar uma
guitarra! Eu sei qual é o som que eu quero para equalizar e acabo chegando
no resultado desejado. (informação verbal)74.
Eduardo Taufic foi formado musicalmente para os estúdios por meio da pressão que o
ambiente provocou. Uma coisa importante de destaque que grifei é a consciência segundo a
qual o profissional que necessita chegar ao resultado de qualidade não tem escolhas, tem que
persistir até alcançar esse objetivo. Na atuação profissional, a música perde grande parte das
configurações espontâneas dos primeiros envolvimentos quando o brincar com o ambiente
sonoro era algo que não trazia a obrigatoriedade. Nessa relação, há a questão financeira e os
músicos precisam conseguir atingir os objetivos do cliente que paga pelo serviço.
De maneira geral, o leque de informações pertinentes às práticas profissionais dos
músicos permite um fácil ajustamento destes a diversas práticas musicais. Isso ficou
evidenciado quando Silva Filho (2016) identificou a sua melhora, enquanto músico
instrumentista, a partir do envolvimento com as gravações:
Minha forma de tocar foi modificada completamente quando comecei a
gravar. Porque quando você começa a ter experiência com gravação,
começa a lapidar a sonoridade. São questões bem mais além do que a
técnica! Começa a entender melhor a sonoridade, saber se colocar dentro
de uma música. Acho que quem não tem experiência com gravação, toca de
qualquer jeito, passa muita coisa despercebida, mas o músico de estúdio
não, qualquer “coisinha” que você erre, um tempinho que você toque fora,
fica muito claro! Eu diria que atuar nos estúdios mudou tudo, comecei a
perceber essas coisas, a ver o todo, enxergar a música de uma maneira mais
ampla, mais completa, porque antes eu enxergava apenas o meu
instrumento. (informação verbal)75.
A atuação profissional do músico nos estúdios de gravação melhorou a sua
performance enquanto instrumentista. Nesse sentido, minha interpretação é que os músicos
populares conseguem remanejar os conhecimentos entre os diversos espaços de atuação. Na
medida em que o músico transita profissionalmente pelas bandas, por exemplo, adquire
informações preciosas que poderão ser acessadas também na sua prática enquanto produtor.
Outro exemplo, é quando estão em processo de construção de um arranjo e precisam conhecer
a linguagem musical de um gênero específico, como a Bossa Nova. Certamente, começam a
74
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
75
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conquistar informações importantes as quais estarão disponíveis em outros contextos
profissionais.
Silva Filho (2016) esclarece acerca da sua atuação profissional na banda Terríveis,
pontuando como um momento de grande importância para a sua formação profissional:
Comecei a tocar profissionalmente na banda Terríveis, quando vim para
Natal com 13 para os 14 anos. Foi quando eu comecei a estudar guitarra de
verdade, conhecer outros guitarristas, conhecer o pessoal do Rock, do Jazz.
A banda Terríveis, nessa época, já tinha 30 anos de existência e era uma
banda de altíssimo nível onde tinha diversos músicos bons da cidade. Foi
um espaço valioso que aprendi muito. (informação verbal)76.
No meu grifo, ressaltei os significados que a atuação profissional pode assumir,
enquanto maior pressão e consciência acerca dos estudos. O pesquisado identificou que
começou a estudar guitarra de verdade a partir do seu envolvimento com a banda Terríveis.
Diante do relato, percebo que, de fato, há uma maior consciência acerca da necessidade de
formação e da preparação para suprir as necessidades do mercado de trabalho, todavia, é
válida a compreensão de que não podemos minimizar a importância formativa das fases
anteriores. Esta pesquisa demonstrou que houve formação musical durante todas as etapas de
vida dos pesquisados, desde as primeiras apreciações nas famílias até as atuações
profissionais.
Problematizando o debate, há dois pontos cruciais de reflexão neste momento:
primeiro, o meio profissional pode ter gerado um maior grau de consciência de que estava
estudando com mais afinco e; segundo, de fato, os estudos se intensificaram mediante a
pressão do meio profissional. Diante dessa perspectiva da pressão que o meio exerce sobre os
músicos, defendo que ambas as questões se completam no entendimento, pois a prática e a
consciência cresceram a partir da profissionalização. Antes, a prática era mais espontânea,
onde tocar o instrumento assumia uma conotação de vontade, de momento e sem pressões
externas. Porém, a partir do momento em que o músico popular está atuando no mercado
profissional, claramente é preciso estar munido das informações pertinentes a esses contextos.
Moscovici (2015, p. 82) colabora com a reflexão acerca da pressão exercida pelo meio,
quando diz que,
76
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal- RN, em
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[...] o comportamento de uma pessoa provém de dois conjuntos diferentes de
motivações internas e externas e que o conjunto das motivações externas
provém não da pessoa, mas de seu ambiente, de seu status social e das
pressões que outras pessoas exercem sobre ela.
Nesse sentido, certamente que a convivência profissional nos grupos ou bandas, além
de gerar maiores pressões as quais conduzem à motivação para com os estudos, também
funcionam como ambiente propício às chamadas “trocas musicais”. Isso ficou bem evidente a
partir das minhas observações no campo, pois os ensaios configuraram-se em riquíssimos
ambientes formativos, por meio da aprendizagem musical conquistada a partir das discussões
dos músicos no momento da formatação dos shows.
Os músicos pesquisados podem ser definidos como instrumentistas bem ecléticos, no
sentido de conhecer o “sotaque” de cada ambiente musical. Outro espaço profissional que
apontou enormes possibilidades formativas foi o envolvimento com a música instrumental.
Questionei, especificamente, sobre a influência do Jazz na formação musical deles. Perguntei
aos pesquisados acerca desse envolvimento, querendo saber se eles seriam os músicos com o
reconhecimento que têm hoje, caso não tivessem o contato com esse gênero. Silva Filho
(2016) respondeu que,
Acho que não! O Jazz foi fundamental na minha formação. Eu posso dizer
para você que eu não sou um jazzista, como também não sou roqueiro, como
também não sou um blues man! Eu sou um pouco de tudo, eu tenho uma veia
roqueira, mas também tenho uma do Jazz, do Choro, da música brasileira.
Então, a linguagem do Jazz foi fundamental na minha formação, assim como
as outras.(informação verbal)77.
Já Eduardo (2016) atribuiu a importância do Jazz ao seu discurso enquanto
instrumentista:
Como instrumentista foi decisivo passar pelo Jazz! Mas, como artista eu
diria que talvez eu não precisasse ter passado pelo jazz! Está entendendo a
diferença? Por exemplo, minhas músicas, tem tema, tem improvisação, tem
tudo isso, mas eu não tento encarar como puramente Jazz. Eu diria que,
como instrumentista, o Jazz me deu virtuosidade nos solos e muita gente me
segue por causa disso, por causa do instrumentista que eu sou. Mas como
artista o Jazz assume o mesmo espaço que o forró, que o bolero.
(informação verbal)78.
Os pesquisados defenderam que todos os gêneros musicais foram importantes,
colocando-os em pé de igualdade. Eduardo argumentou que a figura dele como artista não
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seria abalada caso não tivesse o contato com o Jazz; que o gênero está mais ligado a ele como
instrumentista. Contudo, há uma contradição no discurso, pois assumiu que o gênero do Jazz
foi fundamental para adquirir os conhecimentos que o transformou em um instrumentista
virtuoso e que, diante disso, muitas pessoas o seguem. No caso dos pesquisados, surge a
questão: podemos separar o músico artista do músico instrumentista? Ou uma coisa não seria
consequência da outra? Penso que, justamente, foi a habilidade instrumental que deu
visibilidade aos pesquisados enquanto artistas.
Nesse sentido, os pesquisados, desde muito cedo, foram influenciados pelo discurso do
Jazz. Os conhecimentos jazzísticos são como “ferramentas mestras” usadas em diferentes
situações durante a performance musical. De maneira geral, conhecer as técnicas e
possibilidades de criação e improviso aumentam as possibilidades de atuação dos músicos
populares, adquirindo maior prestígio profissional.
Em minhas observações, constatei que os conhecimentos jazzísticos foram
fundamentais para a prática dos músicos, pois funcionaram como importantes “saídas”, no
sentido de consertar, quando algo fugia do planejado. A ideologia da “liberdade” que paira
sobre o Jazz postula um significado musical no qual os instrumentistas não veem o “erro
musical” da mesma maneira que em outros gêneros musicais. Silva Filho (2016) esclarece
isso, quando diz que,
O jazz é uma coisa que é muito livre! O conceito do jazz, da improvisação,
quem quer aprender a improvisar bem, ele sempre vai dar uma notinha fora,
que pode soar estranho, mas isso para o músico do Jazz não é um erro. No
início essas notas estranhas podem ser por causa da pouca prática mesmo,
mas com o tempo as notas fora são mais conscientes e ficam até bonitas
porque a música jazzística é livre.(informação verbal)79.
Eduardo (2016) explica que há uma distorção no entendimento acerca da liberdade do
Jazz:
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É porque muita gente confundi, inclusive (Risos) tem muita gente querendo
improvisar e simplesmente acha que o jazz é livre pra você fazer o que
quiser porque tem gente que começa a improvisar fazendo qualquer nota,
batendo fora do ritmo! Quer dizer, isso não soa música, entendeu? Então
isso pra mim é um erro... você confundir liberdade com desleixo.
(informação verbal)80.
Apesar dos relatos de Eduardo Taufic acerca do gênero, de fato, minhas inferências
acerca dos conhecimentos jazzísticos é que foram de grande importância na formação musical
dos pesquisados, enquanto músicos instrumentistas virtuosos.
Desse modo, está claro que a fase de profissionalização colabora significativamente
com a formação dos músicos populares, haja vista o imenso arsenal de conhecimentos que são
adquiridos. O músico popular vai conquistando muitos conhecimentos a partir da sua atuação
profissional, motivado pela própria pressão e consciência de que há uma relação profissional,
um produto que está sendo vendido: o produto musical. Diante disso, os espaços profissionais
configuraram-se em espaços motivacionais onde os músicos sentem-se pressionados e
conduzem, muitas vezes por processos de autoaprendizagem, a própria formação musical.
5.3.2 O papel da partitura na atuação dos músicos
A partitura configurou-se para os pesquisados como uma ferramenta de trabalho capaz
de otimizar as práticas musicais. Silva Filho (2016) relatou que começou a ler partitura a
partir da banda de música Maestro Santa Rosa, da cidade de Currais Novos-RN.
Comecei na banda lendo partitura. A gente tocava dobrados, valsas. A
partitura esteve bem no início, mas não era um estudo bem aprofundado,
tocávamos apenas uns compassos simples, não havia compassos como 5/7,
4/8 (informação verbal)81.
Eduardo (2016) começou a sua aproximação com a partitura a partir das necessidades
impostas pelo mercado de trabalho, quando assumia a função de arranjador.
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28/03/2016.
111
A partitura se relaciona, sobretudo com a organização, certo! Por exemplo,
quando eu sou um arranjador de um show, sou o diretor musical, prefiro
organizar tudo e chamar as pessoas que leem para que o ensaio seja mais
dinâmico e mais preciso, porque quando os músicos tocam sem seguir a
partitura fica muito solto e acaba sujando a música. (informação verbal)82.
O senso comum de que o músico popular apenas toca de ouvido está cada vez mais
degastado. De fato, o músico popular tem uma grande percepção musical, mas há outras
ferramentas colaborativas à sua prática profissional. Na verdade, o músico popular busca
compreender o porquê das coisas, identificando a funcionalidade dos conhecimentos em
estreitamento com as suas intenções musicais. O uso da partitura, assim como revelou
Eduardo Taufic, tem uma função bem específica nos seus contextos profissionais,
proporcionando maior organização na hora da formatação de um show. Quando o músico não
assumia essa posição de arranjador, ou seja, quando era apenas músico instrumentista, não
havia a motivação em aprender os conhecimentos acerca da partitura.
5.3.3 Autoprodução em contextos mercadológicos
O mercado musical exige a configuração de um músico popular atuante, que cuide de
sua carreira nos mínimos detalhes, enquanto artista que também é referência para outros
músicos. Diante disso, diversas ações colaboram na configuração desse músico que, diante
das questões financeiras, precisa estar conectado com a sua audiência.
Na atualidade, os canais interativos como os Sites, o Facebook e o WhatsApp estão
acessíveis e atingem um grande público. Os músicos pesquisados demonstraram a consciência
de que é preciso divulgar a sua imagem, mostrar as suas credenciais nesses espaços.
Eduardo (2016) apontou a preocupação em saber conduzir a sua imagem, quando
explicou acerca do trabalho em deixar o site atualizado.
É o seguinte, meu site está tudo organizado. O realise está em cinco línguas
diferentes. Os clipes sempre são atualizados. Quer dizer, tudo que o cliente
precise saber, poderá acessar quando abre o site, entendeu? Sei que não é
todo músico que faz isso porque dá muito trabalho, mas isso é
imprescindível para divulgar o meu trabalho. (informação verbal)83.
Já em relação às redes sociais, na perspectiva de divulgação do trabalho, Eduardo
(2016) sublinhou a questão da qualidade:
82
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
83
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
112
O compromisso com a qualidade é fundamental, nem um vídeo na internet
você vai colocar se não for uma coisa interessante porque você é uma figura
pública e o pessoal que lhe acompanha quer que você esteja sempre
“mandando a boa”. (informação verbal)84.
Silva Filho (2016) identifica que sentiu necessidade de se preocupar com a sua
imagem a partir do momento em que se tornou proprietário da banda Perfume da Gardênia:
Eu procuro me promover porque a gente que é autônomo, precisa disso. Se
bem que estou entrando nisso agora a pouco tempo, por causa da banda
Perfume de Gardênia. Ano passado, quando lancei o meu disco, comecei a
explorar mais esse universo da internet para divulgar, mas antes eu não era
muito antenado com isso não. Dudu fica puxando minha orelha direto
porque ele faz isso muito bem, divulga muito bem o duo dele com o seu
irmão. Então, ele realmente tira um tempo por dia para divulgar nas redes
sociais o trabalho. Estou começando a fazer isso agora. (informação
verbal)85.
O mercado exige que o músico divulgue a sua imagem, pois nessa trama há uma
pressão financeira. Os músicos populares, de maneira geral, não têm vínculos profissionais
que os propiciem a estabilidade financeira. Geralmente, abraçam diversas responsabilidades,
onde deixar os canais de comunicação atualizados configuram-se num pequeno exemplo
acerca das diversas exigências que o mercado impõe.
A formação dos músicos pesquisados, diante desse prisma, aconteceu em meio a esses
espaços. Ou seja, com o tempo, foram adquirindo os conhecimentos os quais respondiam às
exigências do mercado. Um exemplo disso, foi quando Eduardo (2016) explicou que teve que
melhorar a sua oratória, pois deveria apresentar o seu show:
Quando tinha que apresentar o meu show para o público, no início foi um
grande problema. Acho que os músicos instrumentistas geralmente são bem
tímidos e eu fui assim também. Quando eu tocava com os cantores, não
tinha problemas porque eu não precisava falar, porque para tocar, nunca
tive timidez. (Risos). Agora, para falar! (Risos) para você ter ideia, no início
eu escrevia o texto porque não conseguia de outra forma. Mas com o tempo
eu fui adquirindo essa habilidade e acho que hoje falo até bem. (informação
verbal)86.
O discurso a seguir delineia bem as habilidades que o músico deve ter, as quais estão
bem mais além do que os conhecimentos estritamente musicais.
Cada show é uma história, você tem que ter um atrativo, um tema ou um
lançamento de um disco ou uma homenagem. Enfim, é bom ter um título.
84
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo, em Natal-RN, em 17/03/2016.
85
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
86
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
113
Tem que ver como será a questão dos custos, como é a logística! Tudo eu me
preocupo, desde a produção de levantamento de custos, da formação do
grupo, do repertório, dos arranjos, como também da parte da divulgação.
Eu tenho uma boa relação com a mídia e sempre há uma boa divulgação
nos jornais, nas TVs. Tem também a questão que eu tenho que correr atrás
dos cachês, do desenho de luz, do som, tudo eu me preocupo. (Risos). É uma
produção geral. Acho que por último é que eu me preocupo em tocar, é o
mais fácil. (Risos). (informação verbal)87.
Essa relação ficou bem evidenciada na minha observação do show “Entre Amigos”
quando Eduardo Taufic precisou parar o ensaio para ser entrevistado por uma equipe de rádio
e depois já tinha em suas mãos uma máquina fotográfica profissional para registrar as
imagens do grupo e enviar aos jornais locais. Naquele momento, ficou claro que o músico
popular, na atualidade, é um indivíduo que deve estar, de fato, conectado às exigências do
mercado.
Silva Filho (2016) comentou acerca da busca por financiamentos dos seus shows:
[...] eu preciso sair um pouco da área de músico instrumentista e correr
atrás, virar um autoprodutor! Agora mesmo, estou para gravar um DVD que
foi aprovado pelo fundo de incentivo à cultura. Será o DVD com as músicas
do CD do ano passado, então, eu já estou muito atarefado com este projeto.
Tenho que pensar na produção, nos músicos, no som, em todas as questões
técnicas e também musicais. Vou ensaiar, marcar com os músicos,
rearranjar as músicas e depois subir no palco. Até chegar a hora de mandar
o som, é muito trabalho. (informação verbal)88.
Os músicos têm a consciência de que isso é uma exigência e uma configuração do
próprio mercado. Não há como escapar; é preciso se moldar a essa realidade. O trecho abaixo
traz o discurso de Eduardo (2016), mostrando o distanciamento do que seria o “ideal” para a
“realidade”:
[...]o ideal seria que eu ensaiasse e subisse no palco tranquilo, mas até o
último minuto antes do show você está preocupado se tem troco para dar no
ingresso, quem vai vender o disco, qual a hora que você começa, você tem
que fazer a gravação e enviar pra rádio, tem que ir atrás de apoio! Tudo
isso eu faço, tenho que fazer. (informação verbal)89.
Portanto, está claro que a sobrevivência dos músicos populares na contemporaneidade
depende dos diversos discursos musicais e não musicais. Entender as redes sociais, os
financiamentos de shows, as leis, o manejo de uma máquina fotográfica; saber falar em
público; entender de som, iluminação; ter o troco para conseguir vender os DVDs e CDs.
87
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
88
Informação proveniente da entrevista com o músico Jubileu Francisco da Silva Filho, em Natal-RN, em
28/03/2016.
89
Informações provenientes da entrevista com o músico José Eduardo Hasbum, em Natal-RN, em 17/03/2016.
114
Todas essas habilidades são peças fundamentais na configuração desse músico popular regido
sob a batuta do mercado musical.
115
6 CONCLUSÃO
Durante todo o processo de construção desta pesquisa, fui motivado pelas intensas
leituras acerca da formação dos músicos populares. Tive acesso a um vasto material: artigos
científicos, revistas, livros, além de navegar por sites, como o da ABEM e da ANPPOM.
Contudo, a literatura, por muitas vezes, não evidenciava em seus títulos a relação
direta com a minha pesquisa. Um exemplo disso foi quando eu comecei a ler acerca das
revoluções tecnológicas, mas os textos não relacionavam as tecnologias com a possibilidade
de formação dos músicos populares. Apenas após perceber o próprio campo, foi que consegui
fazer os links e enxergar que era preciso correlacionar os contextos no sentido de conquistar
um conhecimento mais holístico sobre o tema.
Diante disso, observar o campo foi a solução para conseguir perceber as relações com
a literatura, pois o próprio campo mostrou como é importante problematizar as revoluções
tecnológicas para compreender um dos caminhos formativos dos músicos populares. Estar na
posição de pesquisador foi um percurso de imensas descobertas e incertezas. Sempre surgiu a
dúvida de como conduzir a pesquisa de uma forma organizada a qual, de fato, trouxesse uma
contribuição científica à Educação Musical.
Os músicos Eduardo Taufic e Jubileu Filho proporcionaram-me livre acesso em
relação à busca dos dados. Em todas as situações de coleta dos dados, foram bem solícitos.
Por outro lado, também tive o cuidado de observar as questões éticas, explicando todas as
informações para os pesquisados. Além disso, escolhi justamente eles, como os sujeitos da
minha pesquisa, pelo fato de que atuam em diversos contextos profissionais como produtores,
arranjadores, compositores e instrumentistas. Mediante isso, busquei compreender como
ocorreu a formação musical também a partir das dimensões profissionais.
Usei o estudo de caso na perspectiva de compreender o caso da formação dos músicos
populares a partir do olhar científico sobre os sujeitos da pesquisa. A coleta de dados seguiu
da seguinte maneira: Questionário eletrônico – usado para acessar as primeiras informações a
respeito dos sujeitos da pesquisa; pesquisas bibliográficas – realizadas em todos os momentos
da pesquisa; observação direta – quando eu tive a oportunidade de sentir a prática profissional
dos músicos nos ensaios, show e estúdio de gravação; entrevistas semiestruturadas – na
perspectiva de conseguir extrair dos pesquisados as suas impressões acerca da formação
musical.
Diante dos resultados, entendo que este trabalho é apenas um primeiro passo na minha
busca em compreender a formação dos músicos populares, mediante toda a complexidade que
116
paira sobre o tema. Perceber os espaços pelos quais o músico popular transita e refletir como
acontece a formação musical, mediante as diversas exigências da contemporaneidade, é
certamente uma tarefa bem mais ampla que exige o trabalho de muitos pesquisadores.
Mas, assumindo a consciência de que esta pesquisa é apenas o meu primeiro passo,
enquanto pesquisador que busca a compreensão acerca do tema, proponho deixar a minha
contribuição na perspectiva de que é preciso ainda muito mais trabalhos acerca da formação
dos músicos populares.
A pesquisa delineou o músico popular contemporâneo, identificando as diversas
etapas de sua formação. Certamente, diante das análises dos textos produzidos a partir do
campo e também da literatura, constatei que o músico popular é um ser totalmente autônomo
no sentido de escolher os caminhos formativos. Eu diria que a palavra chave para o músico
popular seria “liberdade”. Em todas as fases da formação, desde as primeiras apreciações
musicais até a profissionalização, a liberdade de escolha foi conjeturada como algo bem forte
para os pesquisados.
A pesquisa revelou a família e os amigos como sendo os primeiros professores dos
músicos pesquisados. O papel da família, na exposição do ambiente musical, de maneira
totalmente espontânea e sem gerar pressões, foi de suma importância no sentido de motivar os
músicos. Já os amigos também foram fundamentais, pois tinham valiosos conhecimentos
musicais os quais, a partir do convívio social, possibilitaram gerar formação aos pesquisados
nesses primeiros passos de envolvimento com a música.
O acesso às tecnologias como CDs, DVDs, rádio, TV, vídeo-aulas, materiais da
internet, programas de gravação e mixagem, entre diversos outros, contribuíram com a
formação dos pesquisados. Tanto Jubileu Filho como Eduardo Taufic são músicos resultado
das revoluções tecnológicas.
Outra característica foi a relação que os espaços de atuação tiveram com a formação
musical dos pesquisados. Nessa lógica, os músicos foram formados diante dos próprios
contextos de atuação. Na medida em que transitavam pelos grupos musicais, buscavam as
informações musicais as quais respaldassem a atuação naqueles espaços. Do mesmo modo,
quando os músicos assumiam a posição de produtores, os espaços dos estúdios foram os seus
professores.
Destaco a relação formativa que os músicos tiveram com os professores Waldemar de
Ernesto e Manoca Barreto. Os músicos se envolveram com os docentes de forma espontânea,
em que a liberdade de escolha esteve presente. Não foi um envolvimento pedagógico nos
modelos tradicionais. Os professores contribuíram com a formação dos músicos, mas, ao
117
mesmo tempo, deixaram eles adquirirem conhecimentos em outros espaços. Na verdade, eu
diria até que foi uma formação musical a partir dos amigos, pois os professores tornaram-se
grandes amigos dos músicos pesquisados.
Em síntese, espero que esta investigação tenha muitos seguidores e possa contribuir
com a reflexão acerca das dimensões que o tema pode assumir. Estou imbuído de uma grande
consciência de que isso foi apenas um “pequenino” passo e que posso contribuir ainda mais
com a comunidade científica, mediante minhas publicações futuras.
118
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123
ANEXOS
124
ANEXO A
Eduardo Taufic, brincando com a música
Eduardo Taufic com o seu primeiro piano
Eduardo Taufic em meio musical e familiar
125
ANEXO B
Eduardo Taufic ao lado do irmão Roberto Taufic, do professor Waldemar de Ernesto e
do mestre Manoca Barreto.
126
ANEXO C
Banda Maestro Santa Rosa
127
ANEXO D
Atuação profissional do músico Jubileu Filho na banda “Grupo Show Terríveis”
128
APÊNDICES
129
APÊNDICE A
130
131
132
133
134
135
136
137
APÊNDICE B
138
139
APÊNDICE C
140
141
APÊNDICE D
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
Roteiro da entrevista semiestruturada
1. Formação musical a partir do contexto familiar
 Com qual idade começou o seu envolvimento com a música?
 De que forma a música entrou na sua vida?
 Como aconteceu o seu primeiro contato com a música?
 Como era o envolvimento da sua família com o ambiente musical?
 Havia pressão familiar para o seu encaminhamento à profissão de
músico?
 Você teve influências de parentes músicos?
 Como considera o papel da família na sua formação musical?
2. Formação a partir do material sonoro
 No seu contexto social, ainda criança, havia o hábito de escutar música?
 Como você dividia o tempo entre o envolvimento com a música e as
outras atividades, como, por exemplo, brincar com os amigos?
 Onde conseguia o material sonoro para a audição?
 Como era o seu envolvimento com o ambiente sonoro?
 Em relação a diversidade de estilos, de quais você considera que sofreu
influência?
 Você considera que o seu envolvimento inicial com o material sonoro já
era, conscientemente, uma forma de aprendizagem?
142
3. Formação a partir dos ambientes da música popular
 Como você conseguiu as primeiras informações para executar o seu
instrumento?
 Quais os espaços de aprendizagem você tinha a disposição na sua
formação?
 Você chegou a aprender música a partir dos recursos tecnológicos,
como: LP’s, CD’s, Vídeo aulas?
 Qual a primeira forma de leitura musical a que você teve acesso?
 Você considera que aprendeu música a partir do envolvimento com os
amigos?
 Você considera os ensaios com os grupos ou bandas como um espaço
propício à formação musical?
 Você considera que a música popular tem uma linguagem própria?
Comente.
4. Formação a partir de contextos diversos
 Você vivenciou as informações compartilhadas nos conservatórios
durante a sua formação?
 Teve amigos que estavam matriculados nos conservatórios?
 Como é a sua relação com a música erudita?
 Em que momento houve a consciência sobre a aprendizagem a partir da
música erudita e da música popular?
5. Formação a partir da atuação profissional
 Com qual idade você começou a atuar como músico profissional?
 Você começou atuando profissionalmente de que forma?
 Em quais os espaços você começou na música profissionalmente? Ou
seja, tocou em bandas? Acompanhou cantores? Gravava em estúdios?
 Você teve que buscar informações para entrar nos diferentes espaços de
atuação profissional?
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6. Formação a partir das exigências mercadológicas
 Você considera que o mercado tem o poder de influenciar na sua
profissão e, consequentemente, na sua formação musical?
 Como você encara a sua imagem musical perante o seu cliente, no caso,
o público?
 Você considera que o músico na atualidade necessita de outras
ferramentas não musicais, como por exemplo: ter domínio sobre as
tecnologias, saber falar em público, entender de iluminação, dentre
outros? Comente.
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