A síndrome do “overtraining”: características

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Texto de apoio ao curso de Especialização
Atividade física adaptada e saúde
Prof. Dr. Luzimar Teixeira
A síndrome do “overtraining”: características metabólicas da fadiga
muscular crônica.
A síndrome do “overtraining” (excesso de treinamento) se anuncia quando o atleta, em
fase de preparação ou treinamento, não consegue melhorar sua performance, apesar e a despeito
do seu ritmo de trabalho. A síndrome é uma indicação da fadiga muscular crônica, e é resultado
de importantes alterações no metabolismo intermediário da musculatura esquelética. Estas
alterações começam a partir da depleção das reservas glicídicas, obrigando o tecido muscular a
se valer de fontes alternativas para a obtenção de energia. Entre estas fontes, estão os aminoácidos de cadeia ramificada, cuja oxidação produzirá a amônia, que será exportada pela
musculatura e será detectada no sangue periférico, em altos níveis, após qualquer esforço físico
acentuado. Esta mesma amônia, nos casos de instalação da síndrome, será também produzida
pelo excesso de degradação de AMP, e neste caso, nos mostra um cenário onde a recuperação
muscular, se não vista, se torna complicada e difícil. Para entender como a síndrome se instala, é
preciso voltar aos conhecimentos de como as células dos tecidos se alimentam de nutrientes:
ETAPAS DA EXTRAÇÃO DE ENERGIA DOS ALIMENTOS
LIPÍDEOS
POLISSACARÍDEOS
PROTEÍNAS
Estágio I:
Digestão e
Absorção de
Alimentos
Ácidos graxos e
glicerol
Glicose e outras oses
Amino-ácidos
Estágio II:
Oxidação
Biológica dos
Nutrientes
Acetil-CoA
CoA
ATP
Estágio III:
ADP
O2
Fosforilação
Oxidativa
elétrons
(NADH2
e
FADH2)
Ciclo do ácido
cítrico
Oxidação
Seguida da
Obtenção de
ATP por
Óxido-redução
2 CO2
O desenho esquemático acima mostra as três fontes principais de moléculas que servem de
combustível às células: os polissacarídeos (chamados popularmente de açúcares) são a fonte
preferencial pela qual qualquer célula se nutre. Na realidade, existem casos, como o do tecido
cerebral, cuja fonte energética é quase exclusivamente advinda da glicose; os lipídeos
(chamados popularmente de gorduras) fornecem alto teor de energia, por causa do maior
tamanho das cadeias de carbono laterais, que se queimam durante este processo; e finalmente,
os amino-ácidos, unidades monoméricas das proteínas, que são uma fonte de energia alternativa.
A obtenção de energia nas células é conseguida através de um processo chamado de
oxidação biológica, mas a descrição do mesmo é complexa, e não será focalizada neste artigo. É
suficiente dizer, entretanto, que, esta oxidação é branda, e feita em etapas sucessivas. O
desprendimento de energia contida nas ligações químicas dos elementos das moléculas
combustíveis, é capturado num composto chamado de Adenosina Tri Fosfato, ou ATP. A
energia do ATP é gasta nos diversos processos endergônicos da célula, entre eles o da contração
muscular. A energia obtida é constantemente utilizada, o que obriga o organismo humano a
rebalancear as suas reservas, com o consumo de mais alimento:
Produção de energia ↔ Armazenamento de energia ↔ Consumo de energia
Em qualquer indivíduo, esta equação tem que estar constantemente equilibrada. Por este
motivo, os atletas, que gastam enormes quantidades de energia, são obrigados a consumir mais e
principalmente armazenar mais. O armazenamento de combustível prontamente utilizável é
crucial para a ininterrupta performance física de boa qualidade, no momento exato em que essas
reservas são despendidas. O desequilíbrio dessa equação, mesmo em indivíduos sadios, provoca
uma alteração do metabolismo intermediário celular, primeiro, num processo adaptativo, mas
quando este falha, estas mesmas alterações podem provocar uma lesão celular, em alguns casos,
irreversível.
No caso do atleta, a seqüência entre o consumo, absorção e a utilização dos alimentos,
com ou sem acompanhamento de desequilíbrio de metabolismo, é melhor mostrada na figura
abaixo:
Glicídeos
("Açucares")
Proteínas
(amino ácidos)
Lipídeos
("Gorduras")
Digestão e Absorção
Obtenção de energia pelo metabolismo oxidativo
Oxigênio
Sem
Oxigênio
Suficiente
Oxigênio
Sem
Oxigênio
Suficiente
Oxigênio
Sem
Oxigênio
Suficiente
SIM
SIM
SIM
NÃO
SIM
NÃO
PRODUÇÃO DE
LACTATO
PRODUÇÃO DE
AMÔNIA
O esquema nos mostra que o único metabólito capaz de ser processado na ausência de
oxigênio é a glicose, que é, portanto, um metabólito chave para o músculo em exercício. Note
que, quando se fala em glicose, fala-se também do seu polímero, o glicogênio, que é
rapidamente transformado em fonte de glicose intracelular, durante o exercício físico.
O aumento da ausência de glicose, até a sua depleção quase absoluta como combustível,
no músculo em exercício, provoca a oxidação de amino-ácidos de cadeia ramificada (valina,
leucina e isoleucina), como mostrado a seguir:
Alanina
VALINA
LEUCINA
ISOLEUCINA
T
R
A
N
S
A
M
I
N
A
Ç
Ã
O
H
GD
α-Cetoglutarato + NH3
NAD+
Ciclo de Krebs
ALA Desidrogenase
+
NADH + H
Glutamato + ác. α-cetoisovalérico
Piruvato
Succinil-CoA
Glutamato + ác. α-cetoisocapróico
Acetoacetato + Acetil-CoA
Glutamato + ác. α-ceto-β-metilvalerato
Acetil-CoA + Propionil-CoA
Sob muitas circunstâncias, este processo pode ser, e de fato deve ser, meramente
adaptativo. Em circunstâncias extremas, contudo, ele se torna potencialmente lesivo, por causa
do esgotamento de energia e da conseqüente depleção de ATP:
Pi
ATP
Adenilato cinase
ADP
5'-Nucleotidase
NH3
AMP
Pi
IMP
AMP desaminase
INO
5' Nucleotidase
HX
X
Xantina Oxidase
Aspartato + GTP
Fumarato
Adenilosuccinato
AU
GDP + Pi
Normalmente, o ATP, uma vez consumido, é reciclado nas células, mas o consumo
exagerado do mesmo, o degrada a AMP (adenosina monofostato),e o aumento de concentração
desta, ativa uma enzima degradativa, chamada de AMP desaminase. A conseqüência imediata é
o aumento da concentração de amônia.
É importante assinalar que a concentração periférica de amônia, exportada pelo músculo
em exercício, é o sinal clínico que pode indicar o esforço muscular exagerado, isto é, sem a
contrapartida da produção e do consumo de moléculas combustíveis, e deste modo, a dosagem
pura e simples da amônia no plasma, em modelo cinético adequado, traça um perfil bastante
fidedigno da insuficiência muscular aguda, e em alguns casos, da instalação da síndrome do
overtraining.
A passagem da amônia pelo plasma, em quantidades normais, tem caminho metabólico
detoxativo amplamente conhecido: ela sai direto na urina, ou através da sua conjugação prévia a
uréia, saindo depois também na urina. Em concentrações elevadas, a amônia, sendo uma
molécula altamente tóxica, se torna potencialmente perigosa para os tecidos periféricos,
notadamente cérebro e fígado, onde, entre outros fenômenos, ela é capaz de inibir o Ciclo de
Krebs, importante para o metabolismo oxidativo de alimentos, e até mesmo a cadeia respiratória
propriamente dita. Estas mudanças, mostradas abaixo, podem induzir transformações
importantes nas células hepáticas, entre eles, o aumento do consumo de glicose, com chances de
hipoglicemia, e ainda mais importante, com a inibição da retroglicólise, que é etapa fundamental
para o restabelecimento da glicemia:
Tecido hepático:
α-Cetoglutarato
NH3
NADH
NAD
NH3
GDH
-
+
Glutamato
GOT
Oxaloacetato
Aspartato
-
Carbamil-P
Citrulina
Ciclo da
Uréia
Uréia
Cadeia
Respiratória
H2O
Todas estas mudanças afetam a homeostasia, e dificultam a recuperação do atleta. Embora
nunca tenha sido conclusivamente provado de que tais alterações sejam determinantes de
doença derivada da síndrome, conhecimentos prévios de laboratório sugerem que elas sejam
potencialmente perigosas.
Evidências trazidas de um estudo piloto com pacientes acometidos de dor precordial,
realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostram uma
elevação da amônia plasmática para níveis entre 59,908 a 192,058 µmol/L, quando os valores
normais ficam entre 10 e 47 µmol/L. Em um único caso, onde o paciente apresentou um choque
cardiogênico, o nível de amónia plasmática medido chegou a 491,598 µmol/L. No caso, usamos
como parâmetro de alteração muscular, a musculatura cardíaca, cuja dependência dos níveis de
oxigénio e de processos de respiração é altamente superior aos da musculatura esquelética.
Em resumo: a síndrome de overtraining pode ser detectada por níveis anormais de amónia,
medidos após o esforço físico prolongado. O aumento desta substância, entretanto, denuncia
Ciclo
Kre
alterações metabólicas importantes, que devem ser corrigidas, de modo a evitar consequências
posteriores desastrosas, para o organismo como um todo.
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