ACTIVIDADE SUBVULCÂNICA NOS RIFTES MÉDIOS OCEÂNICOS por FREDERICO MACHADO * RESUMO Ao longo dos riftes oceânicos, de acordo com a teoria da Tectónica Global, as placas litosféricas afastam-se e o vazio assim criado é preenchido por material mais ou menos fundido proveniente da astenosfera que constitui o substrato onde se apoiam as placas. O material astenosférico parece ser constituído por cristais de olivina com um magma basáltico intersticial; por decréscimo da pressão, o magma é exsudado para a parte superior dos filões que sobem nos riftes oceânicos, formando assim uma câmara magmática por baixo de crosta que terá solidificado rapidamente por efeito da água fria do mar. O afastamento das placas vai depois estendendo a câmara magmática para ambos os lados do rifte, até que, por arrefecimento, os extremos da câmara fiquem completamente solidificados. Como o processo é praticamente contínuo e uniforme, pode admitir-se que o regime térmico é permanente, sendo então fácil encontrar um modelo térmico que satisfaça razoavelmente às condições do problema. ABSTRACT ln mid-oceanic rifts, according to Plate Tectonics, the lithospheric plates are separating and the fractures are being filled by partially molten material from the upper mantle (asthenosphere). This material is probably formed of olivine crystals with an interstitial basaltic magma; owing to decrease of pressure, the magma is exuded and accumulates at the upper part of the dykes that rise in the rifts, forming a magma chamber under the relatively thin crust solidified very quickly in contact with the cold sea water. Subsequent sea floor spreading extends the magma chamber on either side of the rift, until the ends cool and solidify. As this evolution is practica1ly continuous and uniform, a thermal steady state seems to have been established and a simple thermal model, satisfying approximately the actual problem, could be worked out. Introdução A teoria da Tectónica Global, estruturada há pouco mais de dez anos (veja-se, por exemplo, MORGAN, 1968), tem hoje uma aceitação muito generalizada porque explica de forma simples um número apreciável de fenómenos geológicos. Um dos postulados da teoria é a ascenção de material mais ou menos fundido para preencher as aberturas deixadas nos riftes oceânicos pelo afastamento das placas litosféricas. Esta é certamente a mais importante actividade vulcânica que se verifica no planeta, mas, como ocorre no fundo do mar a profundidades de alguns milhares de metros, não tem podido ser convenientemente estudada. O presente trabalho é uma tentativa para compreender o mecanismo da intrusão magmática sob os riftes médios oceânicos. Alguns aspectos da Tectónica Global A ideia básica da teoria da Tectónica Global (ou Tectónica de Placas) é a existência, à superfície da Terra, duma camada rígida chamada litosfera, a qual se apoia num substrato mais ou menos fluido chamado astenosfera; várias faixas fracturadas divi- dem a litosfera em placas independentes que podem deslocar-se umas em relação às outras. A litosfera tem constituição um pouco diferente em áreas oceânicas e em áreas continentais. Sob os oceanos compreende, além de alguns sedimentos, a crosta basáltica, com cerca de 5 km de espessura, e uns 50 km de manto superior peridotitico que está aí completamente sólido; sob os continentes a litosfera compreende 30 km de crosta granitoide e algumas centenas de quilómetros de manto superior sólido. Por seu lado, a astenosfera parece ser formada pelo manto superior peridotítico em estado de fusão parcial; a astenosfera será assim um agregado de cristais de olivina (próxima da forsterite) com um liquido intersticial que pode ser considerado como um magma basáltico. A diferença entre a astenosfera e a parte peridotítica da litosfera depende, portanto, apenas da presença de temperaturas acima ou abaixo do ponto de fusão daquele material intersticial. As placas, conforme dissemos, podem deslocar-se. Quando duas placas se afastam, as fracturas existentes entre elas vão abrindo e forma-se um rifte (geralmente em áreas oceânicas, onde a litosfera é • Universidade dos Açores, Horta. 413 mais delgada). Por razões isostáticas, o material mais quente da astneosfera vai subir pelas fracturas alargadas que ficarão assim preenchidas. Esta é uma versão simplificada dos fenómenos que vão, justamente, ser aqui discutidos. Por outro lado, quando duas placas se aproximam uma é forçada a descer por baixo da outra, formando-se uma zona de subducção. A placa que mergulha é sempre de tipo oceânico; a outra é geralmente continental mas pode, nalguns casos, ser também oceânica. Não há ainda consenso sobre o mecanismo que faz deslocar as placas. A convexão térmica produzida do manto pelo calor recebido do núcleo terrestre é uma explicação que goza de popularidade (veja-se, por exemplo, RUNCORN, 1965). Alternativamente as placas poderiam deslocar-se sob a acção das undações produzidas por aquecimento radioactivo de certas zonas do manto (VAN BEMMELEN, 1965), Um outro mecanismo que é também capaz de produzir movimento nas placas são as variações da gravitação ou da respectiva «constante» (EGYED, 1961; CREER, 1967; MACHADO, 1972, 1975). A controvérsia que existe ainda sobre o mecanismo de deslocação das placas não parece afectar grandemente os aspectos práticos da Tectónica Global, visto esta teoria poder já considerar-se confirmada por bastantes fenómenos geológicos e geofísicos. Um outro ponto que convém aqui referir é o efeito da pressão sobre o material da astenosfera. Devido à diferença nos módulos de compressão, se a pressão diminui o magma basáltico intersticial vai dilatar-se muito mais do que os grãos de olivina; haverá assim exsudação e o magma que é mais leve irá ocupar a parte superior da coluna de material astenosférico que sobe ao longo dos riftes oceânicos (Fig. 1). A diminuição de pressão pode ser devida e fiquem também completamente solidificados. Desta forma aparecerá uma larga câmara magmática ao longo de todos os riftes oceânicos. É claro que o material peridotitico parcialmente fundido que penetra na abertura da litosfera vai também ser arrastado no afastamento das placas, mas a pequena fracção fundida deve solidificar muito mais depressa do que o magma que está por cima. Desta forma a câmara magmática ficará, certamente, quase isolada do resto da astenosfera. A litosfera vai sendo assim acrescentada: à superfície a câmara magmática depois de solidificada vai produzir a crosta oceânica essencialmente basáltica, enquanto por baixo da crosta a solidificação da fracção fundida vai dar um peridotito completamente sólido. Modelo térmico dos riftes oceânicos Vimos que os fenómenos subvulcânicos associados aos riftes oceânicos compreendem a abertura de fracturas por afastamento das placas, a intrusão de material astenosférico e o subsequente arrefecimento e solidificação. Se admitirmos que todos estes fenómenos são continuos e uniformes, então o correspondente regime térmico será permanente (isto é, será independente do tempo). Este facto vai simplificar muito o estabelecimento dum modelo térmico. SUPERflCIE LIVRE (T=O) x ~ ~FO.lfTE DE CALOR MAGMA 1-< XS UDA O o : 2 a. PLANA ;,.l ,,t. I CR a S TA / R 1FT MANTO SUPERIOR PERIDOTíTICO SUPERflCIE LIVRE IT=OI x ............... .. ..'t' ................... . •••••••••••••••••••••••••••••••••••••• o • ••• •• •••••••• • • •• • • 0 • • • • • • • • o ••••••••••• ASTENOSFERA Fig. 1 - Esquema da fase <<inicial» da intrusão de material astenosférico sob um rifte oceânico. apenas à subida do material para zonas mais superficiais, mas, se se aceitarem as variações de gravitação, pode haver uma exsudação muito mais geral, interessando talvez quase todo o manto superior. O magma instalado na parte superior das fracturas dos riftes oceânicos solidificará rapidamente à superfície, em contacto com a água fria do mar; na sua maior parte o magma vai, porém, ser estendido pela própria deslocação das placas, até que os extre-, mos da câmara magmática assim formada arrefeçam 414 -------FONTE OE CALOR PLANA , b ,z Fig. 2 - Disposição das fontes planas usadas no:modelo térmico: (a) fonte horizontal, (b) fonte vertical. Vamos admitir que uma área restrita da Terra junto à superfície, se pode considerar como sólido homogéneo e semi-infinito, limitado por uma superfície plana. No interior do sólido existirão fontes térmicas permanentes, com forma adequada, enquanto a superfície é mantida à temperatura T=O. O problema resolve-se pelo método das imagens Assimilemos a câmara magmática a uma fonte plana horizontal uniforme de largura 2a e comprimento infinito (Fig. 2-a), e o filão que alimenta a câmara a uma fonte plana vertical de altura b (Fig. 2-b). A temperatura produzida por uma fonte linear permanente, à distância h da superfície, é dada pela equação (QUINTINO & MACHADO, 1977) 2000 - - - ~- ...... u --- ---- - - "';0 HTO OE f USÃO , OE OllVIHA [FORSTERITICA) PONTO OEFUSÃO 00 BASAlTO o / -- -- ------- < a:: ;:) I- < 1000 a:: UJ a.. :i: NO INTERIOR DA TERRA UJ I- (1) onde C é um factor constante proporcional ao :fluxo de calor transmitido pela fonte e <I> uma função do ponto considerado dada pela equação <I> - P R o F U N D I D A D E (k m) + (Z + h)~ ln ------''------''--''XII xII (2) + (z_h)1I Admitiu-se que a fonte linear era paralela ao eixo Oy, sendo portanto <I> apenas função de x e z. Como as temperaturas produzidas por várias fontes são aditivas, teremos para a fonte plana horizontal + a (x - <1>1 = J ~)2 ~~ (X -~)2 + (Z -h)2 d~ = (X + a)2 + (Z + h)2 (x-a)2+(z+h)2 = (x+a) ln(x + a)2 + (z-h)2 (x-a) ln(x_a)2+(z_h)k +2 (z+h) ( arctan:: : - arctan; + : ) - + :- Fig. 3 - Temperatura admitida no manto superior (segundo MACHADO, 1968, com ligeira modificação). litosfera, com aproximação aceitável, pode considerar-se, porém, um gradiante constante m. A temperatura no modelo térmico que estamos considerando será então (5) + (z + h)2 -2 (z-h) ( arctan: O~-------------,------------, 100 50 o arctan; :) (3) Para a fonte vertical virá analogamente É claro que tanto <1>1 como <1>2 deverão ser, respectivamente, multiplicados por constantes adequadas C1 e C2 para se obterem as contribuições para a temperatura do modelo. . Uma outra parcela que contribui também para essa temperatura provém do gradiante térmico existente na litosfera, mesmo na ausência de riftes ou doutras eventuais câmaras magmáticas. Este gradiante resulta principalmente da produção radioactiva de calor (veja-se, por exemplo, MACHADO, 1968) e diminui com a profundidade (Fig. 3). Dentro da É importante salientar que, além da simplificação resultante de considerar m constante, o uso da equação (1) implica admitir-se que a transmissão de calor se faz apenas por condução e que em toda a litosfera (tanto na crosta como no manto sólido) a condutividade térmica é sempre constante. Estas hipóteses simplificadoras não parecem alterar, de modo significante, os resultados finais. Por tentativas fixaram-se os seguintes valores: h=4 km C 1 =28°C a = 15 km C2 =I,O °C b =45 km m=22°Cfkm Os cálculos foram programados para a calculaladora Texas TI-59 e os resultados apresentam-se na Fig. 4. Esta distribuição de temperaturas pode representar razoavelmente o problema real dentro da litosfera (que é, por definição, sólida). O mesmo não sucede, porém, na parte fundida (total ou parcialmente) onde, devido ao efeito do calor latente de cristalização, a temperatura se deve manter próxima do ponto de fusão. O equilibrio térmico da litosfera não é, porém, alterado por qualquer outra distribuição térmica na astenosfera, desde que na superfície de separação se mantenham as mesmas temperaturas. Esta superfície de sepal'ação corresponde, como dissemos, à temperatura de fusão 't' que varia um pouco com a pressão e portanto com a profundidade. A variação pode exprimir-se pela equação aproximada (6) onde To é o ponto de fusão à superfície e k um coeficiente sensivelmente constante (pelo menos a pro415 fundidades moderadas). Vamos aqui adoptar =1 100 C e k=3° C/km. 't'o= 0 OtSIÃHctA o 10 , <+;;--7) I .... ~,'\ /" / I I I "I I,' II : I 2o Rtfl Ikml AD 30 'O ~ 5O ~:::_--~ 3 00 '00 GO I LI TOSFERA (PERIDOTITICA) 10 e 50 0 - - - - o ----- 10 1\ , __ 20 .. ASTENOSFERA 0'0 (PERIDOT(TICA) Fig. 5 - Esquema de rifte médio oceânico em regime térmico permanente. ------- $OO~ =---------= 1100~ =----------= 10 0 .................................................... Q 0 ------ 80 0 ., ................ .1::::::: .. .. ::::::::::::::!.:::::::::: ::: .. ... ::::::::::::.'::::::1:::::::::::::::::: .... por vezes nódulos peridotíticos que podem ser amostras deste material da astenosfera (cujo magma intersticial teria entretanto solidificado). o ' ......... '100 ... ,-~ 40 AGRADECIMENTOS IJOO~ 50 Fig. 4 - Temperaturas (0C) produzidas pelas fontes permanentes de calor e por um gradiante <<pré-existente». As gravuras foram preparadas por José Carlos Silva, no Departamento de Oceanografia e Pescas, Universidade dos Açores, a quem o autor agradece. BIBLIOG RAFIA Conclusões o modelo térmico aqui desenvolvido baseia-se em hipóteses razoáveis; por isso a distribuição de temperaturas obtidas pode estar próxima da realidade, apresentando alguns pormenores sugestivos (Fig. 5). É notável o facto da espessura da litosfera-diminuir consideravelmente junto ao rifte. Por· outro lado, a altura da câmara magmática é relativamente grande na linha central por onde aflui o material da astenosfera. Como a crosta basáltica, com 5 km de espessura parece resultar da solidificação progressiva da câmara, o magma não deve, em princípio, existir abaixo da base da crosta. Então o fundo da câmara deve estar preenchido por material peridotítico parcialmente fundido (cf. Fig. 5). Não se trata de acumulação de cristais derivados do magma basáltico, mas sim de material da astenosfera (e portanto do manto superior) que praticamente não sofreu alteração. Em algumas ilhas vulcânicas que se)upõe serem atravessadas por troços de riftes oceânicos aparecem 416 CREER, K. M. (1967) - Die Expansion der Erde. Umschau Wiss· Tech., Frankfurt am Main, fase. 1 (1967), pp. 13-16. EGYED, L. (1961) - The internal energies of the Earth as revealed in the course of evolution of Natural Sciences. Acta Technica Acad. Scient. Hungaricae, Budapest, t. xxxvn, pp. 427-434. MACHADO, F. (1968) - Temperature and distribution of radioactive matter in the upper mande. Buli. Volcanol., Napoli, t. XXXII, pp. 403-413. - (1972) - Variações da gravitação na Relatividade Geral. Rev. Fac. Ciên. Lisboa, sér. C, vol. XVII, pp. 159-174. - (1975) - Pulsation of tectonic phenomena and tectonophysical mechanisms. Geol. Rundschau, Stuttgart, vol. 64, pp. 74-84. MORGAN, W. J. (1968) - Rises, trenches, great faults, and crustal blocks. J. Geophys. Res., Washington, vol. 73, pp. 1959-1982. QUINTINO, J. & MACHADO, F. 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