Enviado por Do utilizador15056

Singa GT1 final

Propaganda
VII SINGA
VII Simpósio Internacional e
VIII Simpósio Nacional de
Geografia Agrária
Jornada das Águas e
Comunidades Tradicionais
ANAIS
Eixo de Trabalho:
Estado, Políticas Públicas
e Desenvolvimento Rural
Sumário
Espaço rural e o associativismo no fortalecimento da agricultura familiar.............................................1
Acssuel de Sousa Lisboa
Fernanda Viana de Alcantara
Extensão rural em uma perspectiva territorial: sob qual abordagem?................................................... 13
Adriana de Magalhães Chaves Martins
Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio
A Emenda Constitucional No 81/2014: um importante instrumento para
a erradicação do trabalho escravo no Brasil..................................................................................................... 27
Adsson José Rodrigues Luz
Samuel Correa Duarte
Stéfanny Karinny Souza França
Cidadania nos territórios da cidadania? Um olhar a partir de duas realidades
no território do Vale do Rio Vermelho................................................................................................................ 41
Alexandre Eduardo Santos
Franciane Prado Gonçalves
Panorama da política agrícola em Cuba: entre o coletivismo e a cooperação.................................... 55
Aline dos Santos Lima
Guiomar Inez Germani
Jesús Cruz Reyes
As mudanças na dinâmica social dos reassentados das vilas produtivas rurais
do projeto São Francisco......................................................................................................................................... 69
Álvaro Xavier Santos Pastor
Ana Roberta Duarte Piancó
Novo cenário na microrregião geográfica da Campanha Meridional: a rearticulação
do espaço rural frente à cadeia produtiva da fruticultura visando o desenvolimento
regional.......................................................................................................................................................................... 81
Ana Luiza Pinto Alves
Meri Lourdes Bezzi
Políticas públicas de desenvolvimento territorial ou de desenvolvimento
do capitalismo no campo? ..................................................................................................................................... 95
Anderson Antônio da Silva
O novo código florestal como expressão do capitalismo verde: o início de sua
implementação no estado do Acre...................................................................................................................111
Anderson Peixoto Amparo
Fabiano Moreira da Silva
Lyvia Milenna de Souza Rocha
Desenvolvimento territorial rural: um estudo exploratório sobre Brasil e México...........................125
Andressa Krieser Bauermann
Anelise Graciele Rambo
Lucas Azeredo Rodrigues
Políticas de desenvolvimento rural nas comunidades de agricultores familiares
do município de Rio Sono – Tocantins.............................................................................................................139
Angelita Fernandes Pereira
José Pedro Cabrera Cabral
Territorialização do capital nos cerrados Norte e Nordeste do Brasil: Matopiba..............................153
Antonio Joaquim da Silva
Maria do Socorro Lira Monteiro
Eriosvaldo Lima Barbosa
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)
no município de Faxinal.........................................................................................................................................167
Ariel Pereira da Silva Oliveira
Prof. Drª. Ruth Youko Tsukamoto
Limites e potencialidades do Programa Nacional de Alimentação Escolar para
a Agricultura Camponesa: o caso de Ourinhos-SP.......................................................................................179
Arthur Boscariol da Silva
Espaço de gestão social, governança e desenvolvimento territorial– o Colegiado
do Território da Cidadania do Vale Do Paranã...............................................................................................193
Bruno Abdala
A inter-relação existente entre a geografia do trabalho, as questões agrárias no Brasil
e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária(PRONERA)..................................................207
Camila Campos de Lara Jakimiu
Agricultura familiar: políticas públicas e desenvolvimento rural............................................................219
Carmem Rejane Pacheco Porto
Gracieli Trentin
Análise reflexiva das marchas e contra marchas da relação do PNE com a educaçao
do campo....................................................................................................................................................................231
Cássia Betânia Rodrigues dos Santos
Desenvolvimento Territorial Rural e Agroecologia no Assentamento Contestado,
Lapa – PR.....................................................................................................................................................................245
Celbo Antonio Ramos Fonseca Rosas
Desenvolvimento e políticas públicas: a sustentabilidade socioambiental
no Zé Açu-Parintins/AM.........................................................................................................................................253
Charlene Maria Muniz da Silva
O associativismo no contexto da produção agrícola moderna no Triângulo Mineiro/
Alto Paranaíba: o caso de Uberlândia-MG.......................................................................................................267
Daise Jesus de Moura
Laís Ribeiro
Produção e comercialização agrícola nos perímetros irrigados de Sergipe:
o caso de Jacarecicai e Ribeira (2010-2014)....................................................................................................279
Diana Mendonça de Carvalho
Fernanda Viana de Alcantara
José Eloízio da Costa
Política pública e ordenamento territorial da produção de flores em Nova Friburgo - RJ ����������293
Dimitri Andrey Scarinci
Nilton Abranches Junior
Renan Caldas Galhardo Azevedo
Desenvolvimento rural sustentável e a extensão rural: o caso de Sananduva/RS...........................305
Dreisse Gabbi Fantineli
Cristiane Maria Tonetto Godoy
Cerrado e agricultura: as transformações ocasionadas pela inserção da soja
no município de Capinópolis/MG......................................................................................................................319
Eduardo Marques Silveira
Meri Lourdes Bezzi
Roberto Barboza Castanho
A pertinência da reforma agrária como estratégia territorial contra hegemônica
em tempos de levante do Brasilarcaico..........................................................................................................331
Eliane Tomiasi Paulino
Desenvolvimento territorial: conceitos e teorias..........................................................................................345
Elienai Constantino Gonçalves
A natureza enquanto mercadoria: políticas públicas para implantação de parques
eólicos no semiárido...............................................................................................................................................351
Erika Maria de Oliveira
Josefa de Lisboa Santos
Análise dos objetivos estratégicos do INCRA em seus assentamentos de reforma
agrária em Mato Grosso.........................................................................................................................................365
Eva Karoline Baroni
Onélia Carmem Rossetto
Desenvolvimento rural e cooperativismo-associativismo no Sudoeste de Goiás............................377
Evandro César Clemente
Rafael Fernando Gontijo Silva
Tatiane Rodrigues de Souza
O Estado, o Capital e a Amazônia: Algumas Reflexões...............................................................................391
Fabiano Moreira da Silva
Anderson Peixoto Amparo
Lyvia Milenna de Souza Rocha
Territorios rurais e participaçao social: a experiencia do territorio de identidade
de Vitoria da Conquista – BA/Brasil....................................................................................................................401
Fernanda Viana de Alcantara
Diana Mendonça de Carvalho
José Eloízio da Costa
O papel do NEDETER frente às centralidades das Políticas Públicas de Desenvolvimento
Territorial do Sul do Pará e Alto Xingu..............................................................................................................411
Francileno da Trindade Batista
Laís Alves dos Santos
Os desafios da assistência técnica em extensão rural no território da Bacia Leiteira-AL...............423
Franklin da Cruz Pereira
Prof. Dr. Marcelo Alves Mendes
Politicas publicas para o desenvolvimento territorial rurale as incoerências
do sistema de ensino institucionalizado para as populações do campo............................................433
Gabriel Max de Oliveira Dias
Lígia Maria Brochado de Aguiar
Filipe César Pereira
A agricultura como transformadora do espaço social................................................................................443
Gabriela de Oliveira Costa
Roberto Barboza Castanho
Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e Programa de Produção
Sustentável de Óleo de Palma(PSOP) no Nordeste Paraense: um discurso sobre
desenvolvimento......................................................................................................................................................455
Guilherme Batista Monteiro
Elienai de Vasconcelos dos Santos
João Santos Nahum
Análise das políticas de desenvolvimento social no Assentamento Caimã
e Ponta da Serra .......................................................................................................................................................465
Hericondio Santos Conceição
Carlos Gutierre Santos Santana
O social nas propostas do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável
do Vale do Itapecuru...............................................................................................................................................479
Igor Breno Barbosa de Sousa
Luiemerson Avelar Ribeiro
José Sampaio de Mattos Júnior
Fomentando processos agroindustriais em cooperativas de assentamentos da reforma
agrária – o caso da coopaterra, localizada no município de Duque de Caxias, RJ...........................491
Iranilde de Oliveira Silva
André Khrykhtine Peres
Andreia C. Matheus
Políticas de desenvolvimento territorial: o caso do Território da Cidadania Sul do Amapá��������507
Irenildo Costa da Silva
Antônio Sérgio Monteiro Filocreão
Roni Mayer Lomba
Ação estatal na ocupação do cerrado e impactos no município de Itumbiara/GO.........................523
Isabel Cristina de Oliveira
Aristeu Geovani de Oliveira
Educação na reforma agrária: construindo conhecimentos para a reafirmação
camponesa.................................................................................................................................................................539
Ivanalda Dantas Nóbrega Di Lorenzo
Avaliação dos impactos do PAA no município de Lagoa Seca-PB..........................................................553
Jamerson Raniere Monteiro de Souza
A importância da inovação das TCs: o caso do amendoim no Agreste de Sergipe.........................567
Jislaine Lima da Silva
José Eloizio da Costa
Lilian Oliveira Silva
Dinâmica da agricultura familiar na Microrregião do Agreste de Itabaiana.......................................579
João Ernandes Barreto Nascimento
Marcelo Alves Mendes
Uma leitura geográfica do dendê na Amazônia paraense........................................................................593
João Santos Nahum
Cleison Bastos dos Santos
Gestão social e democratização das políticas públicas para o meio rural
do Nordeste brasileiro............................................................................................................................................607
José Carlos dos Santos
Prof. Dr. Marcelo Alves Mendes
A construção do território brasileiro: entre a Fome e a busca pela cidadania...................................619
José Henrique Rodrigues Stacciarini
João Henrique Santana Stacciarini
Produção e reprodução do espaço agrário– o Programa de Aquisição de Alimentos
e o Plano Nacional de Alimentação Escolar como políticas de desenvolvimento agrário ����������631
Júlia Garcia de Souza da Silva
Orientador: Dr. José Antônio Lobo dos Santos
Os obstáculos ao desenvolvimento territorial vistos a partir do codeter
do Sudeste Paraense ..............................................................................................................................................645
Kamilla Oliveira Lopes
Hinckley Wendell do Nascimento Mendes
Marcos Alexandre Pimentel da Silva
Aspectos preliminares do programa Nacional de Habitação Rural no Nordeste:
um estudo de caso...................................................................................................................................................659
Leide Maria Reis dos Santos
Cecília Laís Santana da Silva
José Eloízio da Costa
Estudo das ações do Colegiado Territorial do Território da Cidadania da Baixada
Cuiabana-MT..............................................................................................................................................................673
Lisanil da Conceição Patrocínio Pereira
Luiz Augusto Passos
Waldineia Antunes Alcantara Ferreira
A Política Nacional de Desenvolvimento Territorial e a Constituição do Territorio
Ruraldo Extremo Oeste de Santa Catarina.....................................................................................................681
Lucas Azeredo Rodrigues
Willian Simões
A política pública territorial como promotora do desenvolvimento no Território
de Cidadania Vale do Paranã – GO.....................................................................................................................693
Ludimila Lelis Ataides
Prof. Dr. Adriano Rodrigues Oliveira
Políticas de acesso à terra em Minas Gerais: juventude rural e os entraves
na regularização fundiária....................................................................................................................................705
Ludimila de Miranda Rodrigues Silva
Kamil Cheab David Lopes
Alessandra Lomelino Campos Lopes
O modelo de reforma agrária de mercado e os programas executados no Brasil...........................719
Marcel Petrocino Esteves
Políticas públicas para o campo e desenvolvimento territorial no assentamento
Dom Tomás Baduíno...............................................................................................................................................729
e na Comunidade São João Do Monte Alegre – Goiás (GO).....................................................................729
Marcos Vinícius Ferreira da Silva
Aspectos históricos das políticas de irrigação para o Semiárido a partir
da década de 1970...................................................................................................................................................745
Maria Erileuda Brito Teixeira
Aldiva Sales Diniz
O papel do estado na modernização do espaço agrário brasileiro.......................................................757
Marlison dos Anjos carvalho
Políticas públicas de desenvolvimento rural como instrumentos de enfrentamento
da pobrezae da insegurança alimentar no Brasil.........................................................................................769
Maurício Ferreira Mendes
Manoel Calaça
Análise dos efeitos do Programa Nacional de Alimentação Escolar sobre
a agricultura familiar na Paraíba.........................................................................................................................781
Nayana Ruth Mangueira de Figueiredo
Ivan Targino Moreira
A territorialidade do Plano Brasil sem Miséria como inclusão social e produtiva
na agricultura familiar.............................................................................................................................................795
do Município de Amontada – CE........................................................................................................................795
Paulo Roberto da Costa Oliveira
Marize Luciano Vital M. de Oliveira
Da questão agrária à questão ambiental: uma breve análise do caso
do estado do Acre....................................................................................................................................................809
Pietra Cepero Rua Perez
Políticas de produção e ocupação do cerrado goiano na década de 1970........................................827
Rafael Caique da Silva Santos Arantes
Luana Maria Xavier Silva
Magda Alves David de Brito
Perspectivas para o desenvolvimento territorial..........................................................................................837
Rafael Fernando Gontijo Silva
Evandro César Clemente
Políticas públicas e agronegócio na Amazônia Legal: conflitos e contradições
sociais no espaço agrário......................................................................................................................................847
Roberto de Souza Santos
Comercialização dos alimentos de origem animal na feira livre da Cidade de Goiás.....................861
Rodrigo Gonçalves de Souza
Dorcelina Aparecida Militão Moreira
Fernanda Chaveiro de Souza
Márcio Caliari
Políticas públicas no Brasil: as relações entre o Programa Bolsa Família, os objetivos
do milênio e a pobreza rural................................................................................................................................877
Rosaly Justiniano de Souza Rocha
José Pedro Cabrera Cabral
PRONAF e a falta de apoio técnico às famílias do Assentamento Dom Tomás Balduíno
em Goiás-GO..............................................................................................................................................................891
Suelem Martini Assmann
Débora da Silva Pereira
Márcia Janete Martini Assmann
A gestão da atividade pesqueira no Brasil: um breve relato das historias, conflitos
e lutas dos pescadores(as) artesanais...............................................................................................................899
Taíse dos Santos Alves
Guiomar Inez Germani
Ruralidade, estado e desenvolvimento em Neópolis-SE...........................................................................915
Tereza Raquel Muniz de Paulo
Isabela Santos de Melo
Estratégia de agroindustrialização da cadeia da cana de açúcar em assentamentos
de reforma agrária do norte do estado do Rio de Janeiro: uma experiência
da COOPSCAMP........................................................................................................................................................927
Thiago Rodrigues Lyrio Barbosa
Leopoldo de Jesus Coutinho Campos de Oliveira
Andreia Cristina Matheus
Apontamentos teóricos sobre a política de desenvolvimento do Sistema Nacional
de Crédito Rural........................................................................................................................................................939
Tiago Satim Karas
As políticas públicas de reestruturação dos territorios: uma análise do contexto
território do Portal da Amazônia .......................................................................................................................951
Valdecir de Carvalho
Jorge Luiz Gomes Monteiro
Nestor Alexandre Perehouskei
A reterritorialização do Colegiado de Desenvolvimento Territorial no Nordeste Paraense���������963
Vanessa da Costa Silva
Marcos Alexandre Pimentel da Silva
O Programa Território da Cidadania em Áreas de Reforma Agrária do Alto Sertão
Alagoano: limites e possibilidades de desenvolvimento territorial.......................................................977
Wanubya Maria Menezes da Silva
Francisca Maria Teixeira Vasconcelos
A regularização fundiária no estado de Goiás: análise da Lei “Gleba Legal”
(Lei Estadual nº 18.826/2015)..............................................................................................................................989
Yasmine Altimare Silva
Sanmarie Rigaud dos Santos
Espaço rural e o associativismo
no fortalecimento da agricultura
familiar
ESPACIO RURALES Y ASOCIACIONES EN EL
FORTALECIMIENTO DE LA AGRICULTURA FAMILIAR
Acssuel de Sousa Lisboa
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
[email protected]
Fernanda Viana de Alcantara
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
[email protected]
Resumo: O presente artigo tem como objetivo discutir a relação existente entre o
associativismo no espaço rural e a sua importância no fortalecimento da agricultura familiar,
abordando, inicialmente, as temáticas do espaço rural e suas transformações, agricultura
familiar e a importância do associativismo para o fortalecimento da agricultura familiar. Os
pressupostos teóricos sobre as respectivas tematicas teve como referencias autores como
Santos J (2011), Veiga (2004), Gimenes (2012), Silva (1997), Abramovay (1997), Picolotto
(2011), Figueredo (2007), Lima (2011) entre outros. Foi realizada revisão teórica e conceitual,
observação, analises de livros e artigos dos autores citados, que discutem as referentes
temáticas, a partir de pontos de vistas diferentes. Dessa forma, o trabalho apresenta a
relação existente entre a pratica do associativismo e a agricultura familiar, os mecanismos de
articulação proporcionados por essa pratica para o agricultor familiar que possibilita novas
dinâmicas no espaço rural, no cenário social, econômico e cultural.
Palavras chave: Associativismo, Espaço rural, Agricultura Familiar.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo discutir la relación entre las asociaciones en
las zonas rurales y su importancia en el fortalecimiento de la agricultura familiar, cubriendo
inicialmente el tema del campo y sus transformaciones, la agricultura familiar y la importancia
de las asociaciones para fortalecer la agricultura familiar . Los supuestos teóricos acerca de su
temática tuvieron como referencias a autores como Santos J (2011), Veiga (2004), Gimenes
(2012), Silva (1997), Abramovay (1997), Picolotto (2011), Figueredo (2007), Lima ( 2011) entre
otros. Se llevó a cabo revisión teórica y conceptual, la observación, el análisis de libros y
artículos de autores que tratan sobre los temas en cuestión, desde diferentes puntos de vista.
Así, el artículo presenta la relación entre la práctica de las asociaciones y la agricultura familiar,
el mecanismo de la bisagra proporcionado por esta práctica para el agricultor familiar que
permite una nueva dinámica en las zonas rurales, en el escenario social, económico y cultural.
Palabras clave: Asociaciones, zonas rurales, la agricultura familiar.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
1 Introdução
O espaço rural apresenta uma forte dinâmica, não só nas relações de
produção, mas também nas relações sociais e culturais, no qual ao decorrer da
historia se estruturam de diferentes maneiras. O setor agrícola é a atividade principal
do espaço rural, porém apresenta variáveis sociais e culturais que a desenvolve de
maneiras divergentes a depender, principalmente, da organização sociocultural.
Desse modo, o presente trabalho se estrutura na abordagem das relações
existentes no espaço rural, do desenvolvimento e articulação da agricultura familiar,
proporcionado pelo associativismo, nesse espaço dinâmico. Primeiramente, discutese o espaço rural e suas transformações no decorrer do tempo, em uma abordagem
conceitual, contextual e critica, embasado em diversos autores que seguem a mesma
linha, porem com olhares e percepções distintas.
Em seguida, trata-se da agricultura familiar e associativismo, ou seja, do desenvolvimento dessa categoria social- agricultura familiar- que antes não possuía
nenhuma importância no espaço rural, e hoje passa a ter uma maior notoriedade
dentro do campo político-social. O associativismo se insere, nesse contexto, dentro do
espaço rural, como organização coletiva que possibilita certa articulação dos agricultores familiares em relação à conquistas de benefícios, ou seja, de maior significância
dentro de um espaço que ainda não é visto com a importância mínima necessária.
Assim, a partir da organização coletiva em prol do bem comum, a prática do associativismo fortalece a agricultura familiar gerando novas demandas, que acabam
influenciando de forma positiva no desenvolvimento socioeconômico do país, uma
vez que a agricultura familiar possui uma grande importância na economia do Brasil.
2 O espaço rural
O espaço é formado sobre tudo por dinâmicas sociais, principalmente de
produção que configura o espaço totalizado e também os específicos (com algumas
particularidades) que se inserem dentro deste, se torna importante discutir o Espaço
Rural, embasados nas definições de alguns autores, uma vez que se torna importante
saber que existem diversas variáveis que são consideráveis para a concretização
do entendimento e do próprio conceito de rural, sendo que o processo histórico
se dimensiona a cada momento. Nessa perspectiva, os processos de configuração
do espaço geográfico formam diferentes formas de organização social, estrutural e
cultural, estando o espaço rural como uma forma de organização importante dentro
dessa dinâmica de relações que estão inseridas no espaço totalizado, ou seja, no
espaço geográfico.
Santos J. 2011, entende o espaço como forma de organização e estruturação
social, sendo o fator agrícola uma especificidade do rural, ou seja, atividade principal
inserida na dinâmica desse espaço.
2
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Segundo Teixeira e Lages (1997), o rural, antes de tudo se define por sua
população ocupando e modificando um espaço, se tornando rural não somente por
ser unicamente agrícola, mas por usos diversos. O espaço rural, parte da construção
social, da relação homem e natureza, sendo que essa relação, não está restrita somente
à visão de espaço rural como um apêndice das atividades agrícolas, mas como uma
condição social que vai além (SANTOS, 2007). Portanto espaço rural é socialmente
dinamizado e dinamizador do espaço totalizado, sendo essa dinâmica dada por seus
processos de produção e de vida, com técnicas rudimentares e avançadas.
Existem estudos que afirmam que o contato com a terra, ou seja, agricultura,
e a criação de animais são características determinantes do rural, porem há autores
como Brunet que apontam uma visão mais ampla, afirmando a agricultura e a criação
de animais somente como características integrante do rural, e que esse vai muito
além de tais características. Santos J¹ 2011, partindo de alguns autores, conclui:
Observa-se, de acordo com Brunet, Ferras e Thery (1992), que o conceito de espaço
rural é muito mais amplo, pois engloba formas de produção, de consumo, comportamento, infra-estrutura, técnicas, enfim, uma gama de fatores que, relacionados entre si,
podem expressar se o meio é caracterizado como rural ou não. (SANTOS, 2011, p. 97)
A partir das contribuições do autor pode-se perceber a dimensão do conceito
de espaço rural, uma vez que ele não é configurado a partir de uma ou duas variáveis
e sim de varias que não envolvem apenas o tipo de produção, mas também o modo
de vida da sociedade de tal espaço.
Em âmbito nacional, o país possui um espaço rural de grande proporção,
no qual se configurou e vem se configurando relações de produção e forma de
organização social, que merece ser analisado de forma abrangente.
Ao tratar do espaço rural, não se deve deixar de levar em consideração o
espaço urbano, ou seja, a relação cidade-campo que, no entanto se da em um processo histórico e social, frente ao “desenvolvimento” da humanidade com relação
às técnicas de produção.
Nessa discussão se torna fundamental sintetizar sobre os processos e
parâmetros utilizados para definir cada área, nesse caso, focando no rural. O
parâmetro utilizado no Brasil, para a delimitação da área urbana e rural, é baseado
em critérios políticos-administrativos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE 2007, a área rural é a “área externa ao perímetro urbano”, ou seja,
tudo aquilo que não é considerado urbano.
Veiga (2004) diz que para a diferenciação do rural e urbano, o fator “densidade
demográfica” é muito importante, junto também com a localização. A densidade
demográfica “é o indicador que melhor expressa a “pressão antrópica” e reflete
as modificações do meio natural ou o grau de artificialização dos ecossistemas
que resultam de atividades humanas, sendo o que indicaria, de fato, o grau de
urbanização dos territórios.” (BISPO e MENDES, 2010, p.5).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Espaço rural e o associativismo no fortalecimento da agricultura familiar
Acssuel de Sousa Lisboa | Fernanda Viana de Alcantara
3
Segundo Veiga (2004):
[...] o Brasil essencialmente rural é formado por 80% dos municípios, nos quais residem
30% dos habitantes. Ao contrário da absurda regra em vigor - criada no período mais
totalitário do Estado Novo pelo Decreto-lei 311/38 - esta tipologia permite entender
que só existem verdadeiras cidades nos 455 municípios do Brasil urbano. As sedes
dos 4.485 municípios do Brasil rural são vilarejos e as sedes dos 567 municípios intermédios são vilas, das quais apenas uma parte se transformará em novas cidades.
(VEIGA, 2004, p. 10).
O autor mostra que a densidade demográfica e a localização, juntamente
com a dimensão, deveria ser critério para definição do espaço rural, visto que estes
elementos se tornam fundamental, pois muitas áreas se encontra em situações
ambivalentes na existente classificação equivocada do Brasil.
O espaço rural brasileiro possui uma dinâmica rica em aspectos de processos
produtivo, sociais e culturais, porem, na maioria das vezes, ao longo da historio,
em tal dinâmica somente o processo de produção é destacado. Elesbão 2007, se
debruçando sobre o espaço rural brasileiro, coloca:
O território rural brasileiro sempre foi olhado como espaço de produção de alimentos,
matérias-primas e fornecedor de mão-de-obra para o processo de industrialização,
sendo estas as funções clássicas desempenhadas pela agricultura no processo de
desenvolvimento. (ELESBÃO, 2007, p.49).
O autor ressalta o olhar e pensamento clássico sobre o rural, no qual o processo
histórico do país a partir dessas esferas de produção, foram fundamentalmente
importante para o desenvolvimento deste.
No processo histórico, a produção vai estruturando os ritmos e as formas
das atividades humanas, principalmente pelo desenvolvimento das formas de
produção que vão surgindo na caminhada da apropriação do meio natural, nesse
caso específico, do meio rural. A visão de espaço de produção é importante na
analise do rural, porém não se torna única. Os processos de configurações sociais e
culturais que também se dinamizam a partir desse processo produtivo, devem ser
considerados, pois encontram-se intrínsecos na produção e na reprodução de tal
espaço rural, uma vez que a organização desse espaço se caracteriza pela diversidade
social, cultural e econômica presentes em vários aspectos.
Diante de variadas realidades e relações ao longo da historia, o espaço rural
vem sempre se modificando em decorrência da necessidade de buscar estruturar
novas forma de vivencias, reprodução e, respectivamente, relações socioculturais,
visando o desenvolvimento do meio e do sujeito envolvido.
4
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
3 Transformações no espaço rural
O espaço rural vem passando por transformações intensas no decorrer do
tempo, ou seja, começa a se concretizar um “novo rural”. No Brasil essas modificações
começam a surgir na década de 1960 com a modernização da agricultura. Segundo
José Antônio Lobo dos Santos:
O que se pode dizer é que nos últimos anos têm se multiplicado as referências à existência de um processo de transformação no espaço rural brasileiro, o que implica uma
possível constituição de “um novo mundo rural”. (SANTOS, 2011, p. 98).
Com isso o processo de transformação que se intensifica nos últimos anos,
proporciona uma nova dinâmica no espaço rural, ou seja, uma nova realidade,
provocada por novas relações: de produção, trabalho e atividades.
Analisando a historia (no Brasil), pode-se afirmar que na década de 1950
o espaço rural era visto como sinônimo de atraso, até mesmo pela ocorrência da
intensa modernização do meio urbano, pelo desenvolvimento industrial e tecnológico principalmente.
Em meados de 1960 e 1970, com esse pensamento de aumento da produtividade e seu excedente, se cria uma dinâmica de movimentação da população, em
que ocorre um intenso êxodo rural, no qual a população do campo se dirigia a cidade
pelo fetiche do emprego num momento de crescimento econômico intensificado,
onde não havia exigências de qualificações; e pela modernização do campo que
deixou muitos trabalhadores agrícolas desempregados, ou seja, trocou a força de
trabalho do individuo por maquinas.
A partir dos anos de 1990, o espaço rural se moderniza ainda mais gerando
a necessidade de estratégias que viabilizem uma nova dinâmica, onde pretende
enfatizar a relação da produção com a sociedade rural. Nesse contexto, Michellon
e Gimenes colocam:
Já nas décadas de 1990 e 2000, a agricultura brasileira incorpora tecnologias ainda
mais sofisticadas, dando origem à prática de inseminação artificial, a máquinas
equipadas com GPS 3 , a produtos transgênicos, entre outros. É neste momento que
surgem estratégias sustentáveis de vivência, onde serão estudados temas como a
participação e as estratégias de redução da pobreza, porém, sem deixar de lado outros,
como por exemplo, o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. (GIMENES e
MICHELON, 2012, p.4)
Assim, as novas configurações de avanço que se dão na agricultura, ou seja,
no rural, estão intimamente ligadas às “integração da unidade produtiva às redes
de produção, cada vez mais especializadas, visando atender “nichos” ou segmentos
de mercados” (SILVA e GROSSI, 1997), tornando a análise cada vez mais complexa.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Espaço rural e o associativismo no fortalecimento da agricultura familiar
Acssuel de Sousa Lisboa | Fernanda Viana de Alcantara
5
“Já não se pode caracterizar o meio rural brasileiro, somente como agrário”
(SILVA, 1997, p.3). Para ele, aquela velha dinâmica que o meio rural possuía a tempos
atrás, dinâmica de agricultura e sociedade rudimentar, não se encontra mais nesse
espaço, por conta do crescimento econômico e urbano. Silva ainda coloca:
Em poucas palavras, pode-se dizer que o meio rural brasileiro se urbanizou nas duas
últimas décadas, como resultado do processo de industrialização da agricultura, de
um lado, e, de outro, do transbordamento do mundo urbano naquele espaço que
tradicionalmente era definido como rural. Como resultado desse duplo processo
de transformação, a agricultura - que antes podia ser caracterizada como um setor
produtivo relativamente autárquico, com seu próprio mercado de trabalho e equilíbrio interno - se integrou no restante da economia a ponto de não mais poder
ser separada dos setores que lhe fornecem insumos e/ou compram seus produtos.
(SILVA, 1997, p.01)
Pode-se salientar que, o processo de configuração do novo espaço rural,
se da, principalmente, a partir do desenvolvimento econômico. Com o avanço
industrial, a globalização e, respectivamente a expansão do urbano até o meio
rural, as características tradicionais vão se dilatando, ou se adaptando a outra
dinâmica empregada no espaço. Desse modo, esse espaço esta cada vez mais
sendo utilizado para fins não agrícolas, principalmente para as indústrias que estão
constantemente em busca de áreas que ofereçam baixos custos com mão-de-obra
barata e informal, redução de impostos, proximidade de matéria-prima, e que
também ofereça espaços extensos. Mas não são apenas as atividades industriais
que estão se expandindo e influenciando o rural, as questões de preservação do
meio ambiente, gerando atratividade para atividades de lazer, de turismo e até
mesmo de moradia, também são fatores importantes na construção contextual
da nova dinâmica desse espaço.
O novo rural apresenta em sua dinâmica varias atividades que o configuram
como novo, partindo de relações sociais e de produção que ao longo da historia
vem se modificando e expandindo no rural.
As transformações do espaço agrário atual tem se caracterizado pelo
transbordamento do urbano sobre o rural e o resultado desse processo é a distinção
da população de acordo com as atividades, sendo que o numero de pessoas que
desenvolvem atividades não agrícolas, aumentam. (LOCH; NEUMANN, 2001,p.245).
A partir dessas discussões e das notórias mudanças ocorridas no rural ao
longo do tempo, é importante perceber que apesar de avanços que influenciaram
nessa nova dinâmica do rural, esse espaço ainda apresenta muitas características
desestruturadas que não se desenvolveu junto com os processos técnicos e
econômicos presentes e, essas diversas discussões ricas de diversas variáveis e
analises, se torna fundamental para o entendimento das relações intrínsecas no rural.
6
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
4 Agricultura familiar e Associativismo
A discussão acerca da agricultura familiar e suas variáveis se torna cada vez mais
importante para o desenvolvimento socioeconômico, uma vez que esse termo passou
e, de certa forma ainda passa por uma certa discriminação. Abramovay (1997) coloca:
O uso da expressão agricultura familiar no Brasil é muito recente. Até dois anos atrás,
os documentos oficiais usavam de maneira indiscrimida e como noções equivalentes
“agricultura de baixa renda”, “pequena produção”, quando não “agricultura de subsistência”. Da mesma forma, a grande maioria dos textos acadêmicos voltados a este
tema adotava os mesmos termos. (ABRAMOVAY, 1997, p.2)
O autor destaca que tal forma de utilização do termo agricultura familiar,
é preconceituosa. Dessa forma, os termos usados como sinônimo, desenha um
julgamento prévio e equivocado sobre o desenvolvimento econômico dessa unidade.
É evidente que na agricultura familiar encontra-se grupos que se enquadram em
tais termos, porem, se torna equivocado generaliza-los.
Estudos mostram que nas ultimas décadas, a agricultura familiar vem
adquirindo uma importância maior. Picolotto (2011) diz que “vem ocorrendo um
processo de reconhecimento e de criação de instituições de apoio a este modelo
de agricultura”. Segundo o autor:
O reconhecimento, neste caso, não deve ser entendido como um mero reconhecimento jurídico da categoria, pautado em leis e políticas públicas, mas como um
processo complexo de construção de grupos ou categorias sociais rurais inferiorizadas
historicamente e em luta por fazer-se reconhecer frente a outros atores e perante o
Estado. Segundo apontado por Honneth (2009, p.156), as lutas por reconhecimento
são as “lutas moralmente motivadas de grupos sociais, sua tentativa coletiva de estabelecer institucional e culturalmente formas ampliadas de reconhecimento recíproco,
aquilo por meio do qual vem a se realizar a transformação normativamente gerida
das sociedades.” (PICOLOTTO, 2011, p. 14).
Para o autor, a agricultura familiar vem conquistando um espaço a partir de
construções que envolve relações coletivas e culturais. E isso vem sendo reconhecido
nos últimos tempos, porem esse reconhecimento deve ser visto como um processo
desenvolvido historicamente por grupos que na maioria das vezes são inferiorizados
e que querem conquistar sua notoriedade frente as outras classes.
Apesar da pouca valorização dedicada à agricultura familiar. Entende-se que
a agricultura familiar é fundamentalmente importante para a organização do espaço
agrário no Brasil. O trabalho dos pequenos agricultores vem contribuindo para o
desenvolvimento social e para o equilíbrio do país, pois através de seus milhões de
pequenos produtores é um setor em crescimento e relevante para a nação.” (LIMA;
SILVA, 2011, p. 01). Lima e Silva (2011) destacam que a agricultura familiar:
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Espaço rural e o associativismo no fortalecimento da agricultura familiar
Acssuel de Sousa Lisboa | Fernanda Viana de Alcantara
7
Todos os anos ela movimenta bilhões de reais para o país, produzindo mais da metade
dos alimentos que são consumidos por nós. E também, tem participação na criação
de empregos, geração e distribuição de renda e diminuição das saídas do campo para
as cidades. (LIMA; SILVA, 2011, p. 01).
Os autores mostram a importância desse tipo de agricultura, para o país,
uma vez que ela participa do desempenho econômico na nação, respondendo,
segundo o IBGE 1996, por 38% da produção agrícola nacional, ocupando 75% da
população ativa agrícola. E além de tudo ela contribui de forma muito relevante
para a alimentação da maior parte do nosso país.
Segundo Lima e Silva (2011):
Souza (2011) faz menção de que até meados dos 90 não existia nenhum tipo de
política pública, com abrangência nacional, voltada ao atendimento específico das
necessidades dos pequenos produtores familiares. Foram em resposta as antigas lutas
organizadas pelos trabalhadores rurais que se passou a vigorar o Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF. (LIMA; SILVA, 2011, p. 05).
A discursão dos autores traz o processo de busca organizado pelos trabalhadores rurais, que conquistaram organizações incentivadoras a essa classe, em
principal o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF.
Esse programa é uma das políticas públicas estabelecida pelo Governo Federal para
apoiar os agricultores familiares. Lima e Silva (2011) descreve:
Segundo Grybowskiet al (2006), do ponto de vista operacional, o Pronaf concentra-se em
quatro grandes linhas de atuação: financiamento da produção; financiamento de infra-estrutura e serviços municipais; capacitação e profissionalização dos(as) agricultores(as)
familiares e financiamento da pesquisa e extensão rural. (LIMA; SILVA, 2011, p. 07).
Dessa forma, foi com o desenvolvimento do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, que os pequenos produtores
passaram a ter oportunidade de investir em seus negócios, e assim, gerando mais
renda e trabalho. E com isso podemos perceber a importância da agricultura familiar e
das politicas publicas de incentivos, criadas para atender essa parcela de agricultores.
Contudo para conseguir trazer tais politicas e articulações para os agricultores
familiares, não é tarefa fácil, assim o associativismo se torna fundamental nessa
empreitada, uma vez que constitui uma força coletiva significante para o agricultor.
O associativismo é a atividade organizacional coletiva que tem como
finalidade, conquistar benefícios comuns para os associados que a compõe, sem
nenhum fim lucrativo. Pode se afirmar que o associativismo é fruto da luta pela
sobrevivência, da conquista social da melhoria de condições de vida.
O associativismo surge no meio rural como forma de integrar e organizar a
busca por conquistas que viabilizem, principalmente, atividades econômicas para
possibilitar aos associados, nesse caso aos agricultores familiares, condições de
8
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
concorrência no mercado e, respectivamente melhores condições de vida. Nessa
pespectiva, Toniasso, Souza, Brum e Figueiredo (2007) destacam:
As associações de agricultura familiar que têm se formado em todos os estados
brasileiros se constituem como organizações sociais ou de economia social que,
como afirma Pimenta e outros (2006, p.84), “são aquelas que desenvolvem atividades
econômicas caracterizadas pela gestão democrática e autônoma das organizações
e pela primazia das pessoas sobre o lucro. Essas atividades seriam exercidas por
sociedades cooperativas, organizações mutualistas e associações”. (TONIASSO et
al ,2007, p. 3)
O associativismo se desenvolve na perspectiva social democrática e voluntaria,
ou seja, sem fins lucrativos diretamente, porem nesse caso, visa à estabilidade e
inserção do pequeno agricultor no campo e no mercado econômico, reforçando
assim suas territorialidades. Explanando sobre o tema, Sperry (2003) destaca que com
a criação dessas associações no meio rural, as lavouras e produções de agricultura
familiar apareceram com maiores possibilidades. “A exploração da forma coletiva
do trabalho surgiu como fonte de renda e experimentação tecnológica para tornar
sustentáveis algumas atividades de produção coletiva dessas associações”. (SPERRY,
2003 apud TONIASSO, 2007).
A partir disso pode-se refletir sobre as lutas e desejos do pequeno agricultor,
uma vez, que tais lutas se desencadeiam na perspectiva de estruturação social, de
formas de territorialidade. Segundo Figueiredo e outros:
Lamarche (1998) afirma que o agricultor, por meio de sua apreciação subjetiva, avalia
sua necessidade de terra, ligando-a à representação do bem fundiário. Observa-se
também que as trajetórias fundiárias dos estabelecimentos inscrevem-se num contexto social que traz a marca de processos de acumulação fundiária mais ou menos
rápidos e intensos, e que afetam de maneira diferenciada as diversas categorias.
(TONIASSO et al, 2007, p. 03)
Nessa discursão o autor ainda destaca que a aplicação de recurso, caso fosse
disponibilizado ao pequeno produtor, afirmando que de cada dez agricultores, nove
investiria na terra, caso tivesse disposição de qualquer recurso, sendo que cinco
investiria prioritariamente nessa disponibilização de recursos. A partir dai pode-se
perceber, uma parcela, da necessidade de incentivos para o desenvolvimento do
agricultor familiar no seu meio. E com o associativismo eles buscam esse processo
de desenvolvimento sócio-econômico. Seguindo essa linha de raciocínio, Moraes
(2007) destaca:
A construção de redes de solidariedade pode ser uma saída alternativa, promovendo-se a interação entre grupos sociais com interesses numa mudança significativa nos
padrões de decisão, elevando as possibilidades de autonomia cultural das comunidades rurais. (MORAES, 2007, p.03).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Espaço rural e o associativismo no fortalecimento da agricultura familiar
Acssuel de Sousa Lisboa | Fernanda Viana de Alcantara
9
Contudo, a sociedade rural, ou seja, a de agricultores familiares necessitam
de conscientização e reflexão sobre a realidade que os afeta, sobre as causas dos
problemas enfrentados. Desse modo, as organizações coletivas - o associativismo
- funciona como espaço de articulação, e também de reflexão sobe variados ações
que buscam o desenvolvimento social e econômico e a permanência do agricultor
familiar no meio em que vive, através, principalmente, de políticas públicas.
5 Considerações finais
Estudar o espaço rural e as relações que ocorrem dentro dele não é tarefa
fácil, porem de fundamental importância para o desenvolvimento politico e social,
uma vez que tal espaço possui diversas formas de organização e estruturação social,
cultural e de produção que necessita de olhares e analises para se desenvolver.
A agricultura familiar, categoria social e agente no espaço rural, possui um
essencial e importante papel no desenvolvimento do país, em contra partida não
era vista dessa maneira pelos “olhos” dos governantes, principalmente. Atualmente
essa relação tem avançado um pouco por conta, principalmente, da organização e
luta dos próprios agricultores.
O associativismo é um das importantes formas de organizações coletivas que
vem possibilitando a articulação dos agricultores familiares, gerando, através do
foco a bens comuns e da organização, a garantia de benefícios mínimos e essenciais
a vivencia, desenvolvimento, e permanência no espaço em que vive, ou seja, no
espaço rural onde possui um vinculo, uma identidade. Contudo, a relação entre
associativismo e agricultura familiar se torna uma união bem sucedida, na qual com
o desenvolvimento do associativismo no meio rural, a agricultura familiar começa-se
a desenvolver de forma mais dinâmica e passa a ganhar uma maior notoriedade e
importância no cenário socioeconômico do país.
Referencias
ABRAMOVAY, Ricardo. Agricultura familiar e uso do solo. São Paulo em Perspectiva – Abr/
jun, vol. 11, nº2:73-78, 1997.
BISPO, C. L. S. Relações entre urbano/rural e cidade/campo : o distrito de Pires Belo no
município de Catalão (GO). s/d.
ELESBÃO, Ivo. O espaço rural brasileiro em transformação. CEG, 2007.
GUILHOTO, Joaquim J. M. et al. A importância da agricultura familiar no brasil e em seus
Estados. Anpec, 2007.
LIMA, O. C. Agricultura Familiar: análise a partir da fundamentação de autores a cerca do
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF. 2011.
10
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
MARQUES, Marta. I. M. O conceito de espaço rural em questão. Terra Livre São Paulo Ano
18, n. 19 p. 95-112 jul./dez. 2002.
MICHELLON, Ednaldo, TANIA Izelli Gimenes. O novo rural: teoria e estudo de caso. Maringá
– PR, Desenvolvimento Territorial E Ruralidade, 2005.
MORAES, E. G; CURADO, F. F. Os limites do associativismo na agricultura familiar de assentamentos rurais em Corumbá, MS. SIMPAN 2004- Sustentabilidade Regional.
PICOLOTTO, E. L. As Mãos que Alimentam a Nação: agricultura familiar, sindicalismo e
política / Everton Lazzaretti Picolotto, 2011.
SANTOS, J. A. L. O Conceito de Espaço Rural e as Políticas de Governo no Brasil. Revista
Discente Expressões Geográficas, nº 07, ano VII, p. 95 - 110. Florianópolis, junho de 2011.
SILVA, J. G; GROSSI, M. D; CAMPANHOLA, C. O que há de realmente novo no rural brasileiro.
Caderno de Ciência e Tecnologia, Brasília, v. 19, n. 1, p. 37-67, jan/abr. 2002.
SILVA, J. G. O Novo Rural Brasileiro. 2002.
TINOCO, Sonia T. J. Conceituação de Agricultura Familiar uma revisão bibliográfica. São
Paulo, 2006.
TONIASSO, H. R. Agricultura Familiar e Associativismo Rural – o caso associação harmonia
de agricultura familiar de mato grosso do sul e a sua sustentabilidade. Informe Gepec
– Vol. 12, nº 2, jul/dez. 2007.
VEIGA, J. E. O Brasil rural ainda não encontrou seu eixo de desenvolvimento. Estud. av.
vol.15 no.43 São Paulo Sept./Dec. 2001.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Espaço rural e o associativismo no fortalecimento da agricultura familiar
Acssuel de Sousa Lisboa | Fernanda Viana de Alcantara
11
Extensão rural em uma perspectiva
territorial: sob qual abordagem?
RURAL EXTENSION IN A TERRITORIAL PERSPECTIVE:
UNDER WHICH APPROACH?
Adriana de Magalhães Chaves Martins
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
[email protected]
Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio
Embrapa Agrobiologia e UFRRJ
[email protected]
Resumo: O objetivo deste trabalho é propor uma reflexão inicial sobre a Assistência Técnica e
Extensão Rural (ATER) em uma perspectiva territorial, analisando o sentido dessa abordagem,
como a ATER pode se inserir nesta perspectiva e quais contornos ela ganharia.
Este trabalho é realizado com base em análise bibliográfica e são estabelecidos alguns
conceitos de referência para as reflexões empreendidas: o conceito de ATER associada ao
conceito de Agricultura Familiar; os conceitos de território e territorialidade; por último os
conceitos de desenvolvimento territorial e políticas públicas. Este conjunto de conceitos é
importante para a reflexão sobre as sinergias entre as políticas de desenvolvimento territorial
e de extensão rural existentes no Brasil.
Palavras-chave: ATER. Políticas de Desenvolvimento. Desenvolvimento Territorial.
Abstract: The aim of this paper is to propose an initial reflection regarding the Assistência Técnica
e Extensão Rural (ATER) in a territorial perspective, analyzing the meaning of this approach,
how the ATER can insert itself in this perspective and which outlines it would benefit in each
approach. This paper is written based on bibliographical analysis and some framework concepts
are established for the reflections undertaken: the concept of ATER associated with the concept
of family agriculture; the concepts of territory and territoriality; finally the concepts of territorial
development and public policies. This set of concepts is important to think about the synergies
between the territorial development policies and rural extension exist in Brazil.
Keywords: ATER. Development Policies. Territorial Development.
I. Introdução
O objetivo deste trabalho é propor uma reflexão inicial sobre a Assistência
Técnica e Extensão Rural (ATER) em uma perspectiva territorial, analisando o sentido
dessa abordagem, como a ATER pode se inserir nesta perspectiva e quais contornos
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
ela ganharia. Portanto, inicialmente colocadas duas perguntas: se é possível ocorrer e
pertinente promover a extensão rural sob uma perspectiva territorial. Caso afirmativo,
sob qual abordagem ou abordagens ela se dá/daria?
Este trabalho será realizado com base em análise bibliográfica e é necessário
que se estabeleçam alguns conceitos que servirão de referência para as reflexões
aqui empreendidas.
Em primeiro lugar apresentaremos o conceito de ATER associada ao conceito
de Agricultura Familiar, para estabelecer a que tipo de atividade ou prática estamos
nos referindo. Logo em seguida apresentaremos os conceitos de território e
territorialidade nos seus aspectos significativos que embasarão a discussão posterior.
Finalmente serão tratados os conceitos de desenvolvimento territorial e políticas
públicas. Este conjunto de conceitos é importante para a reflexão sobre as sinergias
entre as políticas de desenvolvimento territorial e de extensão rural existentes no
Brasil. Na seção seguinte é justamente esta reflexão que se pretende fazer.
Por fim serão apresentadas algumas conclusões que podem colaborar com
a ampliação da visão sobre este objeto.
Ii. Desenvolvimento
II.1. Extensão rural e agricultura familiar
No Brasil contemporâneo, a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) está
inserida no âmbito da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010 que instituiu a Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER). A PNATER define em
seu Art. 2o a ATER como um complexo e amplo espectro de atividades e serviços
“[...] de educação não formal, de caráter continuado [...] que promove processos de
gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços
agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas,
florestais e artesanais” (BRASIL, 2010, p. 1).
Esta é uma política pública de significativa importância para a agricultura
familiar1, setor diretamente ligado à segurança e soberania alimentar do país
(CONSEA, 2013), mas também em razão da sua importância em termos de pessoas
e área ocupada (CENSO AGROPECUÁRIO, 2009a).
1 Segundo a Lei nº 11.326/2006 que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da
Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, define-se como agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural e que não possua área maior do que quatro
módulos fiscais; utilize predominantemente mão-de-obra familiar nas atividades do estabelecimento ou
empreendimento; tenha percentual mínimo da renda familiar originada das atividades econômicas do seu
estabelecimento ou empreendimento e o dirija com sua família (BRASIL, 2006).
14
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
A agricultura familiar é responsável pelo fornecimento dos principais produtos
consumidos no mercado interno, tais como mandioca (87% da produção nacional),
feijão (70% da produção), milho (46%), café (38%), arroz (34%), leite (58%), suínos
(59%), aves (50%), bovinos (30%) e trigo (21%) (CENSO AGROPECUÁRIO, 2009b).
Segundo dados do Censo Agropecuário, em 2006 a ATER continuava limitada
no Brasil, abordando 22% dos estabelecimentos rurais, dos quais 43% eram atendidos
pela ATER governamental, voltada aos menores, com área média de 64 ha (CENSO
AGROPECUÁRIO, 2009a).
Desta forma, justifica-se plenamente a existência e o estudo sobre o conjunto
de políticas públicas voltados a este setor, do qual a Assistência Técnica e Extensão
Rural faz parte.
O caráter educacional contido na ATER definida por Lei, implica que
ela, necessariamente, se fundamente em determinadas concepções teóricas,
metodológicas e visões de mundo que justificam e instrumentalizam sua prática, e
desvendam os “porquês”, os “como” e para quem fazer ATER. Desta forma podemos
ver que não existe uma, mas inúmeras possibilidades de realização deste conjunto
de atividades e serviços chamado Assistência Técnica e Extensão Rural, cada uma
delas repleta de significados e potenciais de realização.
Este conjunto, que podemos denominar de “instrumental” da ATER, pode
ser disponibilizado e equipado de diferentes maneiras, como já foi dito, de acordo
com sua razão de ser e da importância que assuma para a organização de esforços
e obtenção de recursos. Assim poderá assumir diferentes dimensões ou proporções
que variam desde ações pontuais, restritas a curtos intervalos de tempo ou espaços
reduzidos (como, por exemplo, a ATER para um grupo muito particular de produtores
ou ações com princípio, meio e fim em curto prazo) a ações mais amplas, com
estratégias territoriais em diferentes escalas espaciais (local, regional, nacional) e
tempos mais extensos (médio e longo prazo; continuada).
Portanto além do caráter educacional, existe na ATER um caráter estratégico, que
a torna passível de planejamento e execução para a obtenção de determinados fins.
Neste artigo interessa particularmente discutir a perspectiva territorial da
ATER, ou seja, que papel e contornos assumiria nessa escala de atuação e a quem
estaria favorecendo.
II.2. Território e territorialidade
Territorialidade para humanos é uma poderosa estratégia geográfica para controlar
pessoas e coisas através do controle de área. Territórios políticos e propriedades privadas de terra podem ser as formas mais familiares em que a territorialidade ocorre
em vários níveis e em numerosos contextos sociais. A territorialidade é utilizada em
relacionamentos cotidianos e em organizações complexas. Territorialidade é uma
expressão geográfica primária de poder social. É o meio pelo qual espaço e sociedade
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Extensão rural em uma perspectiva territorial: sob qual abordagem?
Adriana de Magalhães Chaves Martins | Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio
15
estão inter-relacionados. [...] A história de territorialidade e a relação de territorialidade
com espaço e sociedade podem ser entendidas através das vantagens teoricamente
possíveis que se espera que a territorialidade possa fornecer (SACK, 2011, p.63).
O estudo da territorialidade nos mostra que historicamente o ser humano
tem se utilizado de diferentes estratégias para manter seu domínio (individual ou
coletivo, de grupos) ao acesso aos territórios e seus recursos, tais como a terra, os
minérios, a água, a biodiversidade, a possibilidade de circulação entre outros. A
territorialidade permite, restringe ou exclui ao acesso ao território (SACK, 2011).
O significado de territorialidade é mais amplo que simplesmente o controle de
uma área. Pode-se definir territorialidade “como a tentativa, por indivíduo ou grupo, de
afetar, influenciar, ou controlar pessoas, fenômenos e relações, ao delimitar e assegurar
seu controle sobre certa área geográfica. Essa área será chamada de território [grifo
do autor]” (SACK, 2011, p. 76)
Portanto a territorialidade implica em interesses manifestos e sendo assim, o
território só faz sentido ao se transformar em objeto de desejo. Sendo assim, “[...] um
lugar pode ser um território em um momento e não ser em outro [...] [e] declaração
de territorialidade pode ser aplicada somente por tempo limitado” (SACK, 2011, p. 73).
Desta forma, os “[...] territórios requerem esforços constantes para estabelecêlos e mantê-los [...] seus limites são usados para afetar o comportamento ao controlar
o acesso [...] aos recursos e ao poder” (SACK, 2011, p. 77).
Estas estratégias de controle variam da sutileza da influência sobre outras
pessoas, às normas de conduta, políticas, leis e até a violência e são praticadas por
quem detém o poder, que pode ou não estar dentro do território. As transgressões à
ordem são punidas. Quando não há uma afirmação clara de territorialidade é gerada
uma incerteza sobre o seu exercício (SACK, 2011).
Os “Países e Estados Nacionais não listam, e provavelmente não podem listar,
o que eles desejam controlar, e não listando o que está sob controle permite que a
territorialidade esconda o que está sendo controlado.” (SACK, 2011, p. 84)
Como ela é uma estratégia, pode ser acionada ou não, de acordo com os
objetivos almejados. Assim, há sempre uma consequência ao uso da territorialidade,
ela proporciona resultados, tanto para quem controla como para aqueles que
se submetem ao controle. Assim a territorialidade “atrai efeitos físicos, sociais e
psicológicos.” (SACK, 2011, p. 80)
A territorialidade “indica que as relações espaciais humanas não são neutras.”
(SACK, 2011, p. 87). Elas “são os resultados de influência e poder. [...] Diferentes
sociedades usam diferentes formas de poder.” (SACK, 2011, p. 88)
O território pode ser abordado por diferentes perspectivas. Numa perspectiva
teórica, como categoria de analise, enfoca o espaço geográfico na ótica das relações
de poder; enquanto categoria prática faz parte das lutas e reivindicações dos grupos
subalternos; e como categoria normativa, estabelece o que “o território deve ser [grifo
16
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
do autor]” (HAESBAERT, 2014, p. 55) quer seja para valorizar produtos, como exemplo
as denominações de origem, quanto para ordenar o espaço segundo políticas de
ordenamento territorial.
Existem vários exemplo de políticas estatais brasileiras de base territorial,
conforme salienta Haesbaert (2014, p.56), entre as quais cita o “Programa dos
Territórios da Cidadania, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, de 2008”.
A partir da luta pela terra há dois grandes paradigmas da questão territorial, o
hegemônico que “vê o espaço como mera extensão ou superfície a ser transposta e
substrato a ser explorado, a terra-território como instrumento de dominação, recurso
basicamente funcional, dentro de uma economia ainda fundamentada no modelo
extrativo-agro-exportador” (HAESBAERT, 2014, p.53) e outro, contra-hegemônico,
liderado pelos grupos subalternos.
Segundo Haesbaert (2014), as relações de dominação e/ou apropriação que
a sociedade faz sobre o espaço vão do aspecto político-econômico ao simbólico.
Território tem a ver com poder de apropriação, por exemplo, num sentido mais
simbólico, representando o que foi vivido e o valor de uso. E tem a ver com o poder
de dominação, mais funcional, vinculado à propriedade e ao valor de troca. Estas
duas formas de poder deveriam estar vinculadas, com predominância da primeira
modalidade, que foi praticamente inviabilizada pela dinâmica capitalista.
Neste contexto faz sentido que o território e as dinâmicas de territorialização
e desterritorialização sejam “distinguidos através dos sujeitos que efetivamente
exercem poder, que de fato controlam esse(s) espaço(s) e, consequentemente, os
processos sociais que o(s) compõe(m)” (HAESBAERT, 2014, p.58). Lembrando que
não existe poder sem que haja resistência.
Para Zambrano (2010 apud HAESBAERT, 2014) no campo político é possível
reconhecer uma multiplicidade de territórios e de territorialidades convivendo
em um mesmo espaço, independentemente de haver ou não haver disputa pelo
território, o que pode ser observado através dos movimentos sociais e diferentes lutas
de diversos grupos, como as ecológicas, de povos tradicionais, eclesiais entre outras.
A territorialidade “é também uma dimensão imaterial, no sentido de
que, enquanto ‘imagem’ ou símbolo de um território, existe e pode inserir-se
eficazmente como uma estratégia político-cultural, mesmo que o território [...]
não esteja concretamente manifestado” (HAESBAERT, 2014, p.64), como exemplo
a Terra Prometida. Mas este “território simbólico” pode estar também no campo
da “reconstrução identitária em função dos interesses dos grupos hegemônicos”
(HAESBAERT, 2014, p.67) causada pelas imagens criadas pelo marketing.
Para o autor, o território pode se manifestar em espaços de natureza distinta,
transitando de um território “mais zonal ou de controle de áreas (lógica típica do
estado-nação) para um território-rede ou de controle de redes (típico da grande
lógica empresarial capitalista)” (HAESBAERT, 2014, p.68). Segundo Haesbaert (2014), o
capitalismo utiliza e se fundamenta nestes dois padrões territoriais, o do controle de
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Extensão rural em uma perspectiva territorial: sob qual abordagem?
Adriana de Magalhães Chaves Martins | Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio
17
fluxos por meio do controle de áreas contínuas e fronteiras (típico da lógica estatal) e
por meio do controle dos fluxos por meio das redes de alcance (na lógica empresarial).
Sendo assim, “dentro da diversidade territorial do nosso tempo, devemos
levar em conta, em primeiro lugar, essa distinção – mas nunca dissociação – entre
uma lógica territorial zonal e uma lógica territorial reticular” (HAESBAERT, 2014,
p.70-71) que devem conviver.
A experiência espacial contemporânea permite uma organização em
territórios descontínuos, configurados em redes de relações, o que implica numa
multiterritorialidade física, mas “também por ‘conectividade virtual’, [gerando]
a capacidade de interagirmos a distância, influenciando e, de alguma forma,
interagindo com e integrando outros territórios” (HAESBAERT, 2014, p. 79).
Porém o autor, relembrando Milton Santos, afirma que “um território
efetivamente a serviço de processos crescentes de democratização, não pode se
restringir apenas à modalidade de território-rede” (HAESBAERT, 2014, p.72).
II.3. Desenvolvimento rural e políticas públicas
Nesta seção, o primeiro conceito que se faz necessário discutir é o conceito
de desenvolvimento. Amartya Sen discorre sobre o conceito de desenvolvimento
“como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam”
(SEN, 2000, p. 17) numa perspectiva de ampliação das liberdades substantivas
individuais e coletivas.
Caracteriza as liberdades substantivas como aquelas que levam ao
enriquecimento da vida humana, como exemplo, saber ler e calcular; a participação
política, a liberdade de expressão, o direito à vida e a não morrer prematuramente,
evitar privações como a fome e a subnutrição entre outros (SEN, 2000).
A liberdade é a finalidade em si dos processos de desenvolvimento, assim
como os meios para obtê-lo (SEN, 2000).
Ele rompe com a perspectiva do desenvolvimento fundamentada apenas no
crescimento econômico ou na geração de renda (SEN, 2000). Investiga o “processo
de desenvolvimento integrando considerações econômicas, sociais e políticas” (SEN,
2000, p. 23).
Para Sen as liberdades são os fins e os meios para alcançar o desenvolvimento
e distingue cinco tipos de liberdade numa
perspectiva ‘instrumental’[...]: (1) liberdades políticas, (2) facilidades econômicas, (3)
oportunidades sociais, (4) garantias de transparência e (5) segurança protetora. Cada
um desses tipos distintos de direitos e oportunidades ajuda a promover a capacidade
geral de uma pessoa. Eles podem ainda atuar complementando-se mutuamente. As
políticas públicas visando ao aumento das capacidades humanas e das liberdades
substantivas em geral podem funcionar por meio da promoção dessas liberdades
distintas mas inter-relacionadas (SEN, 2000, p. 25).
18
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Este conceito mais amplo de desenvolvimento dialoga com o conceito de
“desenvolvimento rural” trazido por Navarro (2001), aprofundando sua perspectiva
do que seria a “melhoria do bem-estar das populações rurais” (NAVARRO, 2001, p. 88).
Desta forma, conforme Navarro diz, vale traçar uma diferenciação entre o que
é “desenvolvimento agrícola”, “desenvolvimento agrário” e “desenvolvimento rural”.
Enquanto o primeiro se restringe aos aspectos meramente produtivos e o segundo
foca sua análise nos determinantes sociais, políticos, econômicos e estruturais dentro
de uma perspectiva histórica, o terceiro trata de “uma ação previamente articulada
que induz (ou pretende induzir) mudanças em um determinado ambiente rural [...]
[visando] a melhoria do bem-estar das populações rurais como o objetivo final desse
desenvolvimento” (NAVARRO, 2001, p. 88).
Desta forma, o desenvolvimento rural pode se referir à elaboração ou
aos resultados de programas realizados pelo Estado com objetivo de alterar
determinados aspectos do mundo rural; a partir de objetivos previamente definidos,
variando de acordo com a metodologia adotada (NAVARRO, 2001). Ainda pode ser
adjetivado por conceitos como “sustentável” ou “local”, o primeiro salientando as
preocupações com aspectos ambientais e o segundo ligado à descentralização de
algumas funções do Estado com a transferência de responsabilidades aos municípios
(NAVARRO, 2001).
Segundo Navarro (2001, p. 97),
Desenvolvimento rural, portanto, não se restringe ao ‘rural estritamente falando’ –
famílias rurais e produção agrícola – nem exclusivamente ao plano das interações
sociais, também principalmente rurais – comunidades, bairros e distritos rurais, por
exemplo –, mas necessariamente abarcam mudanças em diversas esferas da vida
social as quais, se têm por limite mais imediato de realização o município, podem
estender-se para horizontes territoriais mais extensos.
Finalmente o conceito de Política Pública, que conforme Silva e Bassi (2012)
apesar de não haver consenso sobre uma definição de política pública é por meio
dela que ocorre a intervenção do governo e apenas ele pode implementá-la “porque
possui a capacidade de universalização, coerção e regulamentação e pode adotar
medidas com caráter universal, que atenda a todo povo ou de forma generalizada
tenha maior poder de alcance” (SILVA; BASSI, 2012, p. 16).
Ainda estes autores afirmam que “a política pública permite distinguir entre
o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz” (SILVA; BASSI, 2012, p. 21) e
que são diversas as fontes que pressionam os governos sobre o que devem ou não
fazer. Desta a forma
a política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada
nos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os
informais são também importantes. [...] A política pública é constituída pelos grupos
de interesse, específicos àquela temática, mas representativos para externar a ação do
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Extensão rural em uma perspectiva territorial: sob qual abordagem?
Adriana de Magalhães Chaves Martins | Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio
19
governo por meio daquela política para atender uma determinada demanda (SILVA;
BASSI, 2012, p. 21).
Finalmente estes autores colocam que “não adianta estabelecer apenas leis
se não existem arranjos institucionais capazes de implementá-los, executá-los e
acompanhá-los” (SILVA; BASSI, 2012, p. 22). Para eles o “processo de formação e
implementação da política pública está diretamente relacionado à sua capacidade de
execução” (SILVA; BASSI, 2012, p. 22). Constituem-se fases do processo de elaboração,
implantação e acompanhamento de políticas públicas: (1) a identificação do
problema; (2) inserção do tema na agenda dos agentes; (3) formulação da proposta
de política; (4) legitimização da política; (5) implementação da política e (5) avaliação
continuada da política (SILVA; BASSI, 2012).
Esses são conceitos importantes para se refletir sobre a(s) proposta(s) de
desenvolvimento e extensão rural que têm sido e podem ser adotadas no Brasil.
II.4. Extensão rural em uma perspectiva territorial: sob qual abordagem?
Nesta seção pretendemos realizar uma reflexão sobre a extensão rural em
uma perspectiva territorial procurando identificar, por meio de análise bibliográfica e
da fundamentação nos conceitos apresentados anteriormente, pistas para possíveis
configurações ou abordagens da ATER realizada nesta escala ou dimensão.
Nesta reflexão partimos da prerrogativa da importância da agricultura
familiar para o país e da importância da ATER para este segmento. A partir destas
duas afirmativas, assumidas como verdadeiras, podemos analisar a perspectiva de
desenvolvimento rural, amparada na ideia de desenvolvimento apresentada por
Sen (2000), e que faça sentido para este grupo bastante diversificado, porém nãohegemônico, portanto homogêneo na sua fragilidade em relação à correlação de
forças com a classe dominante.
Segundo Assis (2006), a agroecologia caracteriza-se como a fundamentação
teórica para os processos de desenvolvimento rural sustentável, tratando-se de uma
co-evolução de sistemas naturais e sociais. Ela se compatibiliza melhor à produção
familiar do que a produção em larga escala, devido a dois fatores: sua estrutura de
produção diversificada e o fato desta complexidade não comprometer o controle
sobre o processo produtivo.
Para Assis (2006, p.82), implementar um desenvolvimento rural sustentável
significa construir “uma lógica econômica e social que possibilite o desenvolvimento
de múltiplas formas de agricultura [...] fundamentais na reprodução de conhecimentos
e modos de vida tradicionais.” Sendo assim, para um desenvolvimento rural baseado
na agricultura familiar “o acesso a terra é o pressuposto básico de qualquer política”
(ASSIS, 2006, p.83).
20
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
O crédito e a assistência técnica devem ser apropriados à agroecologia e os
mercados locais incentivados e dinamizados. Neste paradigma não se pode exigir
resultados de curto prazo da pesquisa e da extensão. (ASSIS, 2006).
A disseminação de experiências práticas exitosas são referências para os
técnicos da viabilidade da agroecologia para programas de desenvolvimento rural
sustentável, ao mesmo tempo que enriquecem o debate público, em escala nacional,
sobre “um projeto popular e democrático para o mundo rural brasileiro.”(ALMEIDA,
2009, p.67)
No cerne da concepção de desenvolvimento das redes agroecológicas está o
aumento da autonomia e o rompimento da dependência material que recriam a relação
da agricultura com a natureza, com a sociedade e sua economia (PETERSEN, 2009).
Essa “nova concepção se traduz na necessidade de manter e cultivar uma
postura permanente de denúncia do caráter excludente e antiecológico das políticas
sustentadas pelo Estado na área do desenvolvimento rural.” (ALMEIDA, 2009, p.81)
A capilaridade da ATER pública está comprometida pelo enxugamento dos
quadros funcionais e as instituições focam o “desenvolvimento agrícola stricto sensu,
dispondo de poucos profissionais capacitados a promover o desenvolvimento
rural. Da mesma forma, o trabalho das ONGs, além de limitado do ponto de vista
geográfico, se caracteriza pela dispersão, fragmentação e pontualidade” (SCHNEIDER;
MATTEI; CAZELLA, 2004, p.18).
Para Delgado (2001) não se pode pensar em um tipo único de extensão rural
nem num perfil único de extensionista, sendo necessária uma diversidade para
atuar em diferentes níveis dos programas e projetos governamentais (nas suas três
esferas), apoiando as sinergias entre as instituições estatais e as organizações dos
agricultores (DELGADO, 2001).
Entre as organizações públicas, as representações dos agricultores e
dos movimentos sociais há diferentes concepções de desenvolvimento e falta
articulação entre as organizações que atuam com desenvolvimento rural. Porém
há uma “preocupação do Governo Federal em criar uma cultura participativa; [...]
[e de valorizar] outros aspectos além do econômico com a introdução da noção de
território” (FIALHO; WAQUIL, 2008, p.129-130)
Uma dificuldade é que “as políticas de desenvolvimento rural refletem,
em certa medida, mais os interesses dos grupos dominantes, agora locais, do
que [d]aqueles que são, inicialmente, os principais beneficiados pelos programas
de desenvolvimento rural.” (FIALHO; WAQUIL, 2008, p.133). O que compromete
“uma porção representativa da sociedade rural brasileira [...] [que] ainda possa
manter viva uma racionalidade camponesa, na qual a lógica de suas estratégias
de sobrevivência esteja mais relacionada com a reprodução social do que com a
reprodução econômica.” (FIALHO; WAQUIL, 2008, p.141-142)
Fialho e Waquil (2008) salientam que a Secretaria de Desenvolvimento
Territorial/MDA, do governo federal, referencia o desenvolvimento rural sustentável
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Extensão rural em uma perspectiva territorial: sob qual abordagem?
Adriana de Magalhães Chaves Martins | Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio
21
por meio da melhoria da qualidade de vida do conjunto da população do território,
inserindo o conceito de desenvolvimento territorial (FIALHO; WAQUIL, 2008, p.142).
Para estes autores o enfoque territorial é inovador devido à participação ativa
das populações locais. “Entretanto, a noção de desenvolvimento está identificada
a crescimento e geração de riquezas” (FIALHO; WAQUIL, 2008, p.142-143). Apesar
de mudar os caminhos os objetivos permanecem os mesmos, já que os parâmetros
do desenvolvimento são os mesmos de outras concepções criticadas (FIALHO;
WAQUIL, 2008).
Em geral o conceito de desenvolvimento reflete a instituição que o propõe,
mas no geral é visto como resultado da intervenção do Estado por meio de projetos e
atividades. A questão econômica é central na concepção dos agricultores. A geração
de emprego e renda são hegemônicas na discussão sobre desenvolvimento rural
apesar dos esforços em incluir, por exemplo, outros aspectos sociais ou ambientais
(FIALHO; WAQUIL, 2008).
Concretizar o desenvolvimento rural na prática trata-se de “subordinar
interesses particulares aos interesses particulares dos que possuem maior porção de
poder (pressupondo-se relações de poder assimétricas), transfigurando os interesses
particulares, dos que detém maior parcela de poder, em coletivos (FIALHO; WAQUIL,
2008, p.148).
Entre as possibilidades de desenvolvimento com viés agrícola e complementar
a outros setores da economia local, há o desenvolvimento endógeno, promotor da
autonomia tecnológica-produtiva; da diversificação da produção; do fortalecimento
e abastecimento dos mercados locais e regionais; do estímulo ao compromisso entre
produtores e consumidores e do repensar da relação sociedade-natureza. (FIALHO;
WAQUIL, 2008)
Desenvolvimento rural também remete à concepção de igualdade de condições
entre todos os segmentos sociais para “alcançar qualidade de vida digna (por exemplo:
saneamento, saúde, educação)” e cidadania. (FIALHO; WAQUIL, 2008, p. 155)
No desenvolvimento como propulsor da qualidade de vida e do bem-estar
da sociedade, há a concepção de equilíbrio entre as condições sociais e ambientais,
capaz de ensejar uma existência agradável e próspera. Nesse sentido, estão
subentendidos aspectos como satisfação, segurança, conforto e tranqüilidade.”
(FIALHO; WAQUIL, 2008, p. 155).
As “disputas ideológicas ou o permanente cultivo das diferenças entre
as organizações emperram ou dificultam o funcionamento dessa engrenagem,
comprometendo com todo um processo de desenvolvimento.” (FIALHO; WAQUIL,
2008, p. 158)
Conhecer a realidade; reconhecer e valorizar o agricultor, suas vontades e
motivações são pistas importantes para o desenvolvimento rural, mas que exigem um
processo relacional, de participação, colaboração, entre organizações e agricultores
(FIALHO; WAQUIL, 2008).
22
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
“Uma das bases essenciais para o processo de desenvolvimento [...] é o
ambiente de cooperação [...]. A intensificação das relações sociais para a valorização
de certos territórios permite (ou exige) o compartilhamento de valores e intenções”
(ABRAMOVAY, 1998).
Deve haver um mínimo de consenso sobre um projeto de desenvolvimento;
que considere a participação dos atores na sua elaboração e execução; que tenha
princípio, meio e fim e uma “unidade gestora deste projeto, que não estará livre
dos conflitos inerentes às relações sociais” (CASAROTTO FILHO; PIRES, 1998 apud
ABRAMOVAY, 1998).
Tanto os conselheiros como dos técnicos que elaboram os planos de
desenvolvimento municipal apresentam baixa formação e capacitação (SAYAGO,
2006). A formação é fundamental, mas deve ir além da formação técnica ou
profissional. Trata-se de saber utilizar este conhecimento para gerar oportunidades
no território e não transformá-lo numa região exportadora de mão-de-obra
qualificada (ABRAMOVAY, 1998).
O desenvolvimento territorial se apoia numa rede de relações trabalhando
em conjunto para valorizar uma região. Não é necessário aguardar os investimentos
públicos, porém para que haja mudanças é preciso haver uma ação voluntária
que coordene e crie um clima de confiança entre os atores locais. Quanto mais
setores forem estimulados maiores serão as chances de sucesso do projeto de
desenvolvimento. (ABRAMOVAY, 1998).
Para Abramovay (1998, p.16), pensar o território como “a base física da
produção agrícola” dificilmente levará a um resultado diferente do “esvaziamento
social, econômico, político e cultural”. Porém sua perspectiva de desenvolvimento
aumenta quando é entendido “como base de um conjunto diversificado de atividades
e de mercados potenciais” (ABRAMOVAY,1998, p.16).
Abramovay (1998) salienta que a baixa densidade demográfica, a distância
dos centros urbanos e a relação com a natureza não explicam o atraso da maior
parte da população rural, por isso, a ideia de que para sair da pobreza o mais fácil
é deixar o local de origem, é uma visão equivocada. “Construir novas instituições
propícias ao desenvolvimento rural consiste, antes de tudo em fortalecer o capital
social dos territórios, muito mais do que em promover o crescimento desta ou
daquela atividade econômica (ABRAMOVAY, 1998, p.16)”.
Iii. Considerações finais
Neste breve estudo se pode analisar que o desenvolvimento territorial que
visa qualidade de vida do conjunto da população rural e meios democráticos de
definição sobre o modelo de desenvolvimento que se deseja é mais próximo do
modelo proposto por Sen (2000) que vê o desenvolvimento como uma ampliação
das liberdades humanas.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Extensão rural em uma perspectiva territorial: sob qual abordagem?
Adriana de Magalhães Chaves Martins | Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio
23
É importante que este desenvolvimento territorial, para se aproximar da
sustentabilidade, tenha em vista incluir como metas outros aspectos para além
da geração de emprego e renda, contribuição que a abordagem agroecológica
pode trazer como referência teórica e prática para os planos ou projetos de
desenvolvimento rural e para as políticas públicas territoriais, municipais, regionais,
estaduais ou nacionais.
Os conflitos pelo poder são inerentes à territorialidade. Estes tenderão a existir
mesmo numa sociedade democrática. Mas, é importante que haja um mínimo de
consenso entre as instituições / organizações que se propõe a dialogar sobre planos
de desenvolvimento.
A valorização dos atores locais e sua formação, entre eles os agricultores e os
extensionistas, são condições para qualificar estes planos, porém focar a educação
de forma que esta contribua com a ampliação das liberdades humanas dentro
do território pode se um fator a amplificar e consolidar as próprias estratégias de
desenvolvimento territorial.
Também é desejável o investimento em qualificação e ampliação dos quadros
profissionais da extensão rural, pública e privada, tendo em vista a execução de
suas diversas atribuições relativas ao desenvolvimento agrícola e rural territorial,
precisando de quadros específicos para distintas funções.
A extensão rural ainda pode ser considerada pertinente e importante
como um elemento integrante das políticas públicas de desenvolvimento rural e
desenvolvimento territorial, sendo particularmente desejável que o poder executivo
federal visasse ampliar as sinergias entre as políticas territoriais e de extensão rural
tendo em vista potencializar seus resultados.
IV. Referências
ABRAMOVAY, Ricardo. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural.
Governo do Estado do Ceará, 1998. p. 1-18.
ALMEIDA, Sílvio Gomes de. Construção e desafios do campo agroecológico brasileiro. p.63-83.
In: PETERSEN, Paulo (Org.). Agricultura familiar camponesa na construção do futuro./ Paulo
Petersen (org) - Rio de Janeiro: AS-PTA, 2009. 168p.:il.; 24cm
ASSIS, Renato Linhares de. Desenvolvimento rural sustentável no Brasil: perspectivas a partir
da integração de ações públicas e privadas com base na agroecologia. Economia Aplicada,
Ribeirão Preto, v. 10, n. 1, p. 75-89, Mar. 2006.
BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 4.854, de 08 de outubro de 2003. Dispõe sobre
a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável - CONDRAF, e dá outras providências.
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010. Institui a Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária - PNATER e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura
24
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Familiar e na Reforma Agrária - PRONATER, altera a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e
dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006. Estabelece as diretrizes para a formulação
da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11326.htm>. Acesso
em: 13 dez. 2014, 16:13.
CENSO AGROPECUÁRIO: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE), v. 2006, 2009[a]. 777 p. Quinquenal.
Continuação de Censo Agrícola. ISSN 0103-6157.
CENSO AGROPECUÁRIO: Agricultura Familiar, primeiros resultados. Brasil, grandes regiões e
unidades da federação. Rio de Janeiro: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
(IBGE), v. 2006, 2009[b]. p. 1-267. Quinquenal. Continuação de Censo Agrícola. ISSN 0103-6157.
CONSELHO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL – CONSEA. Conceitos: Segurança
Alimentar e Nutricional e Soberania Alimentar. Publicado em 02 jan. 2013. Atualizado em
20 mar. 2015. Disponível em:<http://www4.planalto.gov.br/consea/acesso-a-informacao/
institucional/conceitos/conceitos>. Acesso em: 25 mai. 2015.
DELGADO, Nelson Giordano. Desenvolvimento local e extensão rural e pesqueira: reflexões
metodológicas. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 16, p. 62-73, abril 2001.
DUARTE, Laura Maria Goular; SAYAGO, Doris. Dinâmicas Associativas da Agricultura Familiar
e Funcionamento dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável. Cadernos do CEAM, Brasília, v. 6. n. 23, p. 205-220, 2006. (SABOURIN, Eric (Org.). Associativismo,
Cooperativismo e Economia Solidária no meio rural. UNB/CEAM/NEA).
FIALHO, Marco Antônio Verardi; WAQUIL, Paulo Dabdab. O desenvolvimento rural: concepções
e referências para a proposição de políticas públicas de desenvolvimento nos territórios rurais.
Revista Extensão Rural, DEAER/CPGExR – CCR – UFSM, Ano XV, p. 129-165, jan – jun de 2008.
HAESBAERT, Rogério. Território e multiterritorialidade em questão. In: HAESBAERT, Rogério.
Viver no limite: território e multi/transterritorialidade em tempos de in-segurança e contenção. 1 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014. p. 53-86.
NAVARRO, Zander. Desenvolvimento rural no Brasil: os limites do passado e os caminhos do
futuro. Estudos Avançados, [S.l.], v. 15, n. 43, p.83-100, 2001.
PETERSEN, Paulo. Introdução. In: PETERSEN, Paulo (Org.). Agricultura familiar camponesa
na construção do futuro. Rio de Janeiro: AS-PTA, 2009. p. 5-15.
SACK, Robert David. O significado de territorialidade. In: DIAS, Leila Christina; FERRARI, Maristela (Org.). Territorialidades humanas e redes sociais. Florianópolis: Insular, 2011. p. 63-89.
SCHNEIDER, Sergio; MATTEI, Lauro; CAZELLA, Ademir Antonio. Histórico, caracterização e
dinâmica recente do PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. In:SCHNEIDER, Sergio; SILVA, Marcelo Kunrath; MARQUES, Paulo Eduardo Moruzzi (Org.).
Políticas Públicas e Participação Social no Brasil Rural. Porto Alegre, 2004, p. 21-50.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Extensão rural em uma perspectiva territorial: sob qual abordagem?
Adriana de Magalhães Chaves Martins | Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio
25
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta.
Revisão Técnica Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. (Título
Original: Development as freedom).
SILVA, Christian Luiz da; BASSI, Nadia Solange Schmidt. Políticas públicas e desenvolvimento
local. In: SILVA, Christian Luiz da (Org.). Políticas públicas e desenvolvimento local. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 15-38.
26
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
A Emenda Constitucional
No 81/2014: um importante
instrumento para a erradicação
do trabalho escravo no Brasil
A ENMIENDA CONSTITUCIONAL No 81/2014: una
herramienta importante para ELIMINACIÓN DEL
TRABAJO ESCLAVO EN BRASIL
Adsson José Rodrigues Luz
Universidade Federal de Goiás
[email protected]
Samuel Correa Duarte
Universidade Federal do Tocantins
[email protected]
Stéfanny Karinny Souza França
Faculdade Cambury
[email protected]
Resumo: O presente estudo é o resultado de análises bibliográficas e quantitativas, a partir
da análise de estatísticas produzidas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e tem como objetivo a análise de questões relativas trabalho
escravo no campo, com ênfase para a análise das politicas publicas de enfrentamento ao
trabalho escravo no Brasil, com ênfase á análise dos efeitos da Emenda Constitucional
N˚81/2014, apelidada de “PEC do Trabalho Escravo” e sua relação com as Leis Penais e
processuais Penais Brasileiras.
Palavras Chave: Trabalho escravo, erradicação, Brasil, Políticas Públicas.
Resumen: Este estudio es el resultado de un análisis bibliográfico y cuantitativo, basado
en el análisis de las estadísticas elaboradas por la Comisión Pastoral de la Tierra (CPT) y la
Organización Internacional del Trabajo (OIT) y tiene como objetivo analizar las cuestiones sobre
el trabajo Esclavo en campo, con énfasis en el análisis de las políticas públicas para enfrentar el
trabajo esclavo en Brasil, con énfasis analizará los efectos de la Enmienda Constitucional N˚ 81
/ 2014, conocido como el “trabajo Esclavo PEC” y su relación con las leyes y los procedimientos
penales penal brasileño.
Palabras Clave: trabajo esclavo, la erradicación, Brasil, la política pública.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
Introdução:
A escravidão moderna é o resultado da convergência de dois fatores, o
trabalho degradante e o cerceamento da liberdade. Ambos elementos consistem
em fatores pré-capitalistas que conseguem responder às demandas de um tipo
específico de capitalismo: aquele no qual o desenvolvimento de um mercado interno
não é o foco central da atividade econômica, de modo que a formação de uma classe
trabalhadora assalariada e livre não está em pauta nesses contextos.
O sistema que garante a continuidade do trabalho escravo no Brasil, sobretudo
no campo, apoia-se em duas questões básicas: de um lado certeza da impunidade de
crimes contra os direitos humanos fundamentais, aproveitando-se da vulnerabilidade
de milhares de brasileiros, que para garantir sua sobrevivência, se deixam levar por
promessas fraudulentas de trabalho decente e bem remunerado. De outo lado,
a ganância de empregadores que exploram essa mão-de-obra contando com a
intermediação de aliciadores chamados “gatos” e como o apoio de milícias armadas,
formadas por “jagunços” e outros capangas.
Pouco mais de uma década se passou desde o início das conferências que
culminaram com a criação do Programa Nacional de Direitos Humanos-3 (PNDH-3)
em 2009, como meta de universalização dos direitos e garantias fundamentais aos
cidadãos brasileiros, dentre as quais destacamos a luta pela erradicação do trabalho
escravo no país1. Nesse interim, o Brasil tem demonstrado importante liderança
na luta contra o trabalho escravo, sendo, inclusive, considerado como referência
mundial a este tipo de crime.
O presente estudo é o resultado de análises bibliográficas e quantitativas, a
partir da de dados estatísticos produzidas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e visa dar continuidade às pesquisas
iniciadas no ano de 2014, que resultaram na publicação de dois trabalhos, “Aspectos
gerais sobre o tráfico de pessoas” apresentado na XV Semana de Ciência e tecnologia
da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, realizada em Goiânia e “Tráfico de
seres humanos: a escravidão dos tempos modernos”, publicado no XV Encuentro de
Geógrafos de América Latina, realizado em abril de 2015 na cidade de Havana, Cuba,
contemplando temas como: a conceituação de trabalho escravo, sua relação com o
tráfico de seres humanos, as dinâmicas territoriais e o modelo econômico neoliberal,
o perfil dos trabalhadores escravizados, as áreas de maior incidência e as atividades
com o maior número de registros de trabalho escravo no Brasil, as políticas públicas
1 O PNDH-3 também discutuiu temáticas como questões relativas à segurança alimentar, educação, saúde,
habitação, igualdade racial, direitos da mulher, juventude, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência,
idosos, meio ambiente etc. Seu objetivo é servir de roteiro ao Estado brasileiro na busca pela efetivação dos
direitos humanos. In BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Brasília: SEDH/PR, 2010. P. 13
28
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
de enfrentamento ao trabalho escravo no Brasil, com ênfase à análise dos efeitos
da Emenda Constitucional N˚81/2014, apelidada de “PEC do Trabalho Escravo” e sua
relação com as Leis Penais e processuais Penais Brasileiras.
Conceito de trabalho escravo no Direito brasileiro
O sistema jurídico brasileiro, baseado no sistema de “freios e contrapesos” dos
instrumentos penais exige uma caracterização clara das ações a fim de delimitar os
limites do exercício do poder punitivo do Estado. Desta forma, delimitar um conceito
de trabalho escravo é de fundamental importância para o controle jurisdicional
Estatal. Entretanto, a tarefa de definir o que consiste ou não a exploração da mãode obra-escrava, diferenciando-a das formas legais de exploração do trabalho,
não é uma tarefa das mais simples. Evidentemente, a conceituação de escravidão
moderna é bem diferente das práticas durante a antiguidade ou no período colonial.
A atual conceituação de escravidão considera o aviltamento da dignidade humana,
e neste aspecto, várias práticas hodiernas desrespeitam um amplo espectro dos
direitos humanos fundamentais, referentes à liberdade e ao mundo do trabalho,
podendo ser consideradas análogas à escravidão. A cautela em uma conceituação
jurídica bem determinada está justamente neste ponto, pois o desenvolvimento
econômico e social tende a alterar as circunstâncias em que acontecerá a exploração
do trabalhador.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a forma de escravidão
moderna mais comum no Brasil é a servidão ou a “peonagem” por dívida. Nesta
modalidade, o cativo dá em penhor sua própria força de trabalho ou de pessoas
sob sua responsabilidade como garantia de crédito, sem, todavia, que o valor do
trabalho, sua natureza e duração tenham sido claramente determinados, ensejando
absurdos variados que acabam por aprisionar o trabalhador ao pagamento de uma
dívida que jamais conseguirá de livrar.
No Brasil, conforme SAKAMOTO (2007 P.32-33), o termo ‘trabalho escravo’ é
utilizado para enquadrar quaisquer modalidades que configuram aquelas práticas
e instituições análogas à escravidão definidas pelos tratados internacionais. Tais
práticas, quer sejam cometidas no país ou em outros lugares do mundo, sempre
perpassam por duas características básicas: 1 - o uso da força; 2- A negação da
liberdade. No Brasil, a caracterização do trabalho escravo se dá pela convergência
de duas condutas, o trabalho degradante e a privação da liberdade ou mesmo a
com vigilância constante de milícias armadas que os impedem de deixar as fazendas
onde prestam serviços sob o pretexto de que primeiro devem adimplir suas dívidas.
Como conceito jurídico para o trabalho escravo no Brasil, tomaremos o art.
149 do Código Penal que estabelece condutas claras para que seja caracterizada a
condição análoga à escravidão. Segundo o referido artigo, comete crime contra a
liberdade pessoal aquele que reduz alguém à condição análoga à de escravo, quer
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A Emenda Constitucional No 81/2014: um importante instrumento para a erradicação...
Adsson José Rodrigues Luz | Samuel Correa Duarte | Stéfanny Karinny Souza França
29
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, condições degradantes
de trabalho, restringindo, por qualquer meio a locomoção em razão de dívida
contraída com empregador ou preposto. Portanto, notamos a existência de quatro
pressupostos básicos na Lei Penal para a caracterização do trabalho escravo: I trabalhos forçados; II - jornadas exaustivas; III -condições degradantes de trabalho;
IV - escravidão por dívidas. Ainda de acordo com o art.149 do Código Penal, também
comete o mesmo crime quem cerceia o uso de qualquer meio de transporte por
parte do trabalhador com o fim de retê-lo no local de trabalho ou ainda que mantém
vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de objetos pessoais do
trabalhador com o fim de permanência compulsória no local de trabalho.
A questão do trafico de seres humanos e o trabalho escravo no Brasil
Aqui há se se apontar a relação entre o trabalho escravo e o tráfico de seres
humanos no Brasil. Pesquisas realizadas pela Comissão Nacional da Terra (CPT) no
interior do Brasil buscam determinar o perfil dos trabalhadores escravizados. De
acordo com SAKAMOTO&Plassat (2008 p.14), os trabalhadores mais aliciados são
jovens entre 18 e 44 anos (83,3%), do sexo masculino (95,1%).
Perfil médio dos trabalhadores resgatados entre 2003-9/2014 in Síntese estatística em
31/10/2014 CPT Nacional Campanha “De olho aberto para não virar escravo”.
Raramente alfabetizados, sem–terra, sem qualificação, sem organização e
muitas vezes sem documentos, esses trabalhadores saem de seus locais de origem
busca de trabalho. Submetidos ao mercado informal de trabalho e a condições
rudimentares de relações trabalhistas são altamente vulneráveis e passíveis de
aliciamento por “gatos” (funcionários de propriedades com práticas análogas à
escravidão pagos para recrutar novos trabalhadores) com promessas de ganhos
30
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
vantajosos em atividade onde existe uso intensivo de mão de obra braçal (exe.
lavoura e pecuária rudimentares, carvoejamento, produção sulcro-alcooleira,
aspectos da construção civil, etc).
Nível médio de instrução dos trabalhadores resgatados entre os anos de 2003-9/2014 in Síntese
estatística em 31/10/2014 CPT Nacional Campanha “De olho aberto para não virar escravo”.
Ainda de acordo com o autor, a estimativa é de que dois terços dos
trabalhadores brasileiros encontrados em situação de trabalho escravo estão
localizados nos estados Pará, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso e sejam vindos de
estados da região Nordeste, como o Piauí e o Maranhão, Bahia e Ceará.
Esses trabalhadores, motivados pelas precárias condições de vida em seus
Estados de origem, constituem uma espécie de alvo ideal para os aliciadores de
mão-de-obra que exploram o trabalho escravo, que se deslocam em zonas livres
de fiscalização ou estradas vicinais.
Quantidade de trabalhadores libertados e nos anos de 2013 e 2014 in Síntese estatística em
31/10/2014 CPT Nacional Campanha “De olho aberto para não virar escravo”.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A Emenda Constitucional No 81/2014: um importante instrumento para a erradicação...
Adsson José Rodrigues Luz | Samuel Correa Duarte | Stéfanny Karinny Souza França
31
Uma vez localizado o trabalhador que será utilizado como mão-de-obra,
pricipalmente em atividades variadas, quer seja no campo, quer seja nas cidades, os
“gatos” celebram um contrato verbal de empreita, desprovido da proteção jurídica
esperada por não obedecer as norms legais. É neste ponto que inicia-se o ciclo
que levará o trabalhador aliciado à situação análoga à escravidão, caracterizada
por dívidas do abono inicial generosamente oferecido pelo intermediário ou o
tomador de serviços que ele representa, dívidas da pensão paga diretamente ao
proprietário, dívidas do transporte, dívidas pelo consumo de alimentos e bebidas,
dívidas das ferramentas, utensílios e remédios, originando um sistema comumente
denominado de ‘cativo’. Essas dívidas serão, em momento oportuno, descontadas de
qualquer valor a receber pelo trabalho fornecido, mantendo o trabalhador sempre
em situação de inadimplência com o empreiteiro. A chantagem da dívida a pagar
servirá como meio eficaz para manter subjugado o trabalhador, negando-lhe o
direito de sair do serviço enquanto não zerar todo o saldo negativo acumulado, o
que nunca acontece, pelo contrário, quanto mais tempo o trabalhador se vê à mercê
do explorador de sua força de trabalho, mais sua dívida aumenta.
Neste sentido, o trabalho escravo é uma das componentes do tráfico de
seres humanos, praticado principalmente nos serviços relacionados á exploração de
recursos naturais e ao agronegócio, em estados como Pará, Mato Grosso, Tocantins,
Maranhão, Goiás, Bahia, Mato Grosso do Sul, Rondônia e até no Rio de Janeiro, São
Paulo e Rio Grande do Sul
Média de trabalhadores resgatados por atividade entre os anos de 2003/2014 in Síntese
estatística em 31/10/2014 CPT Nacional Campanha “De olho aberto para não virar escravo”.
A corrente do tráfico é formada por um intrincado conjunto de relações que
vai do fazendeiro, geralmente desconhecido dos trabalhadores, envolvendo outras
pessoas como até a dona da pensão, do boteco ou do caminhão, passando pelos
32
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
“gatos”, até o gerente e os vigilantes da fazenda. Segundo SAKAMOTO&Plassat
(2008 p.15), pode envolver a cumplicidade de muitos outros como a polícia civil ou
militar que, mediante propinas, aceitas para fechar os olhos quando os comboios
percorrem as estradas secundárias, utilizando transportes irregulares, ou mesmo
alguns funcionários públicos cuja manutenção no cargo, com freqüência, depende
da compreensão que possam manifestar para com os interesses das oligarquias de
plantão.
industrialização, “revolução verde”, êxodo rural e o trabalho escravo, as varáveis
de uma perversa relação.
Dentro das discussões sobre as motivicões para trabalho escravo, acreditamos
ser de grande relevância estabelecermos a relação deste fenômeno com o modelo
capitalista. A industrialização, a Revolução Verde, a subtituição dos modelos de
economia componesa simples que resultou na desintegração do campesinato pelo
moderno sistema de plantation instituido pelo agronegócio provocaram um intenso
êxodo rural principalmente após a décecada de 1960. Essa migração trouxe para as
cidades grandes contingentes populacionais que, acima de tudo, buscavam melhores
condições de vida e remunerações, motivadas pelas benesses trazidas pelo trabalho
industrial, o que na esmagadora maioria das vezes não aconteceu.
Além desta situação, as transformações introduzidas no sistema capitalista
provocadas pelos avanços da eletônica, informática e alta tecnologia e pela
Revolução Verde tendem a piorar a situação de desemprego observadas tanto nas
grandes metrópoles como no campo, causando um treível desequilíbrio entre a
quantidade de trabalhadores e o número de postos de trabalho existentes. Esses
trabalhadores, sobretudo camponeses, muitas vezes sem qualificação profissional,
originam multidões de desempregados. Essas massas começam então a se deslocar
de suas regiões em direção a outras cidades e Estados em busca de um futuro melhor.
As políticas internacionais estimulam modelos neoliberais, com ênfase
na exportação e obediência ao pagamento das dívidas externas, diminuindo os
investimentos dos governos na área social, vulnerabilizando ainda mais a posição
dos trabalhadores, de modo que o atual modelo de capitalismo neoliberal aumenta
ainda mais as diferenças entre os países ou localidades desenvolvidas e os países
ou localidades subdesenvolvidodas. Então esse contingente de desempregados
se desloca em direção a zonas de maior prosperidade econômica em busca das
condições de sobrevivência que não encontram em seus localidades de orígem.
Desta forma, notamos que as características do modelo capitalista neoliberal,
como a concentração de renda, urbanização sem planejamento, flexibilização das
relações de trabalho, etc, intensificam os processos migratórios, uma vez que, a
maior parte dos fluxos migratórios possuem motivicão sócioeconômica. Muitas
vezes, esses retirantes, sem as devidas informações sobre seus direitos, acabam se
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A Emenda Constitucional No 81/2014: um importante instrumento para a erradicação...
Adsson José Rodrigues Luz | Samuel Correa Duarte | Stéfanny Karinny Souza França
33
tornando as vítimas ideais dos grupos de aliciamento de mão-de-obra nas regiões
com grande incidência de casos de trabalho escravo.
Trabalho escravo: impunidade e miséria:
O trabalho escravo não envolve apenas trabalhos forçados, jornadas
exaustivas, condições degradantes de trabalho ou escravidão por dívidas, como
preceituado na Lei Penal. Também devem ser consideradasas condições que
expulsaram o trabalhador de sua terra, em uma ponta, e a impunidade dos que
exploram essas pessoas, em outra.
SAKAMOTO & Plassat (2008 p.15-16), salientam que
A dificuldade de colocar um escravista atrás das grades em razão de obstáculos, como
a indecisão sobre a esfera competente no julgamento desse crime, cria nos fazendeiros uma sensação de impunidade, de que o Estado apóia, através de sua inação, a
exploração dessa mão-de-obra.”
Assim, a mão-de-obra que se torna escrava é também fragilizada por causa da
extrema pobreza da sua região de origem. A falta de oportunidades de emprego, de
geração de renda e de terra para plantar, além do ostracismo a que foi condenado
pelo poder público – ausente na garantia dos direitos mais fundamentais, como
educação e saúde – forçam o trabalhador a deixar sua casa e família.
O combate ao trabalho escravo passou a ser feito de forma mais sistemática no
Brasil a partir de 1995, com a criação dos grupos móveis de fiscalização, coordenados
pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Outros aspecto importantes a salientar são os que prevê a fiscalização do
deslocamento de trabalhadores para localidades fora de seu município de origem
(dificultando o aliciamento ilegal) e o que busca diminuir a vulnerabilidade do
trabalhador através de políticas dedesenvolvimento rural.
Quantidade de ações de apoio ao resgate de trabalhadores entre os anos de 2011 e 2014
cativos in Síntese estatística em 31/10/2014 CPT Nacional Campanha “De olho aberto para
não virar escravo”.
34
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Insta ressaltar que nos casos de escravidão contemporânea é raro encontrar
uma estrutura mafiosa em operação. Na maior parte das vezes, são operadores
individuais, trabalhando para proprietários rurais ou para si próprios. A experiência
das entidades da sociedade civil que atuam no combate ao trabalho escravo, como a
CPT, mostra que não há uma organização criminosa com recursos financeiros vultosos
e estratégia visando ao tráfico de escravos para exploração econômica. O que existe
são ações pontuais, na maior parte das vezes, pulverizadas e sem coordenação, oque
acaba por dificultar ações de fiscalização.
As condiçoes para a exploração para o trabalho escravo tem inicio sempre com
a situação de miséria das vítimas e a impunidade de seus executores, que devem ser
combatidas. Segundo pesquisas realizadas em conjunto entre a OIT e CPT publicadas
no Trabalho Escravo no Brasil do século XXI em 2007, mais de 90% dos envolvidos
em trabalho escravo nas sul e sudeste do Pará sequer foram denunciados pelo crime.
Conforme ressalta Oliveira (2012 p. 12) pena mínima de dois anos para a
prática do delito, prevista no art. 149 permite a aplicação de vários dispositivos que
permitem abrandar a execução penal, convertendo-a em, por exemplo, prestação
de serviços à comunidade ou distribuição de cestas básicas. Sakamoto (2007 p.33)
lembra também que o primeiro condenado criminalmente por trabalho escravo no
Brasil, Antônio Barbosa de Melo, proprietário da fazendo Alvorada, em Água Azul
do Norte, sul do Pará, teve sua pena convertida em pagamento de cestas básicas.
Um outro caso grave de impunidade de pessoas relacionadas ao crime de
trabalho escravo é a “Chacina de Unaí” em Minas Gerais, em 28 de janeiro de 2004,
onde três Auditores Fiscais do Trabalho e um motorista foram executados a tiros por
pistoleiros no momento em que procediam uma fiscalização regular em fazendas
de plantação de feijão no município. Oliveira (2012 p.5) relembra ainda que um
dos indiciados como mentor do crime, o produtor rural Antério Mânica2, tornou-se
prefeito da cidade mineira, ocupando o cargo de 2004 até 2012 sendo que em sua
primeira eleição, no ano de 2004, mesmo preso, o suposto mandante na chacina
fora eleito com 72% dos votos3.
Se a qualidade de vida da população rural não aumentar a patamares dignos
e os criminosos não forem julgados e punidos, os princípios e diretrizes lançados na
política irão se tornar absolutamente ineficazes.
2 Reportagem portal G1- Norberto Mânica, acusado da chacina de Unaí, será julgado em BH, diz STF
http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/04/julgamento-do-fazendeiro-norberto-manica-sera-em-bh-diz-stf.html Acesso em 14 de jun. de 15.
3 Reportagem “Dez anos depois, cinco acusados pela chacina de Unaí ainda não foram julgados.” http://
reporterbrasil.org.br/2014/01/dez-anos-depois-cinco-acusados-pela-chacina-de-unai-ainda-nao-foram-julgados/ Acesso em 14 de jun. de 15.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A Emenda Constitucional No 81/2014: um importante instrumento para a erradicação...
Adsson José Rodrigues Luz | Samuel Correa Duarte | Stéfanny Karinny Souza França
35
Políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de pessoas:
Uma vez problematizada a questão, devemos entender como a criação de
políticas públicas podem ser eficazes no combate do trabalho escravo, para tal
cabe compreender que “as políticas públicas pressupõem o interesse do Estado em
investir por meio de programas e projetos que se revertam para a melhoria de vida
da população” (Hazeu, 2008).
A exploração do trabalho escravo garante o funcionamento de setores
econômicos que lucram e não conseguiriam funcionar com trabalhadores livres,
que exigem a garantia dos seus direitos. Conforme SAKAMOTO (2007 p. 33) “A nova
escravidão é tão vantajosa para os empresários quanto a da época do Brasil Colônia
e do Império, pelo menos do ponto de vista financeiro e operacional.”
Não somente o agronegócio, mas mercado de sexo, o trabalho doméstico, a
confecção de roupas baratas e a construção civil, por exemplo lucram com exploração
de trabalhadores sem direitos e impedidos de ir e vir. Neste aspecto,não podemos
olvidar que o senhor de escravos moderno não se diferencia em nada de outros
senhores exploradores da vantagem econômica advinda de atividades ilícitas, tal
como os senhores da prostituição, os senhores da pedofilía, os senhores do tráfico
de armas ou os senhores do tráfico de entorpecentes.
Neste sentido, há três tipos de políticas que devem ser consideradas quando
se trata de trabalho escravo: políticas econômicas, políticas de migração e políticas
específicas de enfrentamento à escravização de trabalhadores.
As politicas econômicas não apresentam o resultado esperado, pois não
desetimulam os processo migratórios e, por consequência a escravização de
trabalhadores. As políticas migratórias quer sejam em âmbito interno, quer sejam
em escala internacional também mostram pouca eficácia porque favorecem
vulnerabilidade, dos migrantes tanto os regulares, quanto os irregulares. As políticas
específicas de enfrentamento á escravização de trabalhadores, em que pese
problemas como as agendas confusas e falta de verbas, são, ao nosso ver, a forma
mais eficaz de combate ao trabalho escravo no Brasil, razão pela qual analisaremos os
impactos que poderão ser desencadeados com aprovação da Emenda Constitucional
N˚81/2014, que ficou conhecida como “PEC do Trabalho Escravo”.
A emenda constitudional n˚ 81/2014 como forma de erradicação ao trabalho
escravo no brasil
A Proposta de Emenda Constitucional n.o 438, mais tarde apelidada de “PEC do
Trabalho Escravo, foi apresentada ao Senado Federal em 1999, sob o número 57/1999.
Na Câmada do Deputados, a matéria foi proposta em 1995, tendo demorado mais
de 15 ano, de sua propositura na forma de Proposta de Emenda Constitucional, até
sua aprovação sob a forma da Emenda Constitucional n˚81 em 5 de junho de 2014.
36
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
A Emenda altera a redação do art. 243 da Constituição Federal de 1988, prevendo
que propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas
culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na
forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de
habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de
outras sanções previstas em lei.
Note-se que aqui que o novo o texto constitucional é bem claro ao especificar
que o proprietário não terá direito a qualquer indenização, podendo ainda responder
por outras sanções previstas em lei. Além das terras, o artigo ainda prevê que todo
e qualquer outro bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico
de drogas será confiscado. O parágrafo único do artigo 1˚ da ec n˚81/14 também
determina que os bens de valor econômico apreendidos em decorrência da
utilização de trabalho forçado serão também confiscados e revertidos em proveito
do assentamento dos colonos que foram escravizados e no aparelhamento e
custeio das atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão à escravidão.
Enfatizamos que o uso das expressões confisco ou expropriação, o que significa
dizer que nenhuma verba indenizatória será devida ao proprietário escravocrata.
Entretanto, a EC N˚81/14 sozinha não é suficiente por si só para erradicar o
trabalho escravo, pois este está assentado em questões estruturais que transcendem
à capacidade de intervenção do Direito, questões essas que interpenetram-se em
partes variadas da materialidade econômica, social e política de nossa sociedade.
Logo, apenas um esforço amplo, capaz de intervir em múltiplas facetas da sociedade
poderá ser capaz de erradicar o trabalho escravo.
O Plano Nacional Para Erradicação do Trabalho Escravo foi uma tentativa, ao
propor conjugar e orientar os Poderes Públicos, Instituições e Entidades emu ma ação
coletiva contra a escravidão. Segundo HESSE (1991 p.22-23), “mais uma vez, a questão
problemática central tende então para a esfera da concretização”. Mas justamente por
conta dessa necessidade de concretizar-se é que a alteração da Constituição trazida
pela EC N˚81/2014 é fundamental à erradicação do trabalho escravo porque pode municiar o Poder Judiciário de um poderoso instrumento jurídico de combate e repressão
à prática do ilícito: o confisco, também chamado de expropriação.
Sem duvidas há um forte simbolismo ao redor da expressão de confisco. No
âmbito da EC N˚81/2014. O “Princípio da função social”, assimilada de forma mais
ampla no ordenamento jurídico Brasileiro pela Constituição de 1988, trouxe uma
profunda alteração no sentido de não mais considerar o proprietário como um
indivíduo autonômo e superior à sociedade, como se desta não dependesse e a esta
não estivesse necessaria e vinculado em uma relação complexa de interdependência.
Aceitar que a propriedade pode ser confiscada em razão do descumprimento
de sua função social, aqui especificamente quando for constatada a existência
de trabalho escravo, é dar um importante passo no sentido de edificar uma nova
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A Emenda Constitucional No 81/2014: um importante instrumento para a erradicação...
Adsson José Rodrigues Luz | Samuel Correa Duarte | Stéfanny Karinny Souza França
37
concepção da própria propriedade, que não mais poderá manter-se se não for
benéfica ao conjunto social.
Ao mesmo tempo, revigora-se a importância da função social da propriedade
agrária, ampliando a noção de que é no meio rural o local que se produzem os bens
fundamentais à existência humana coletiva, não sendo lícito a ninguém desvirtuar tal
vocação e subjulgar a terra aos seus próprios interesses egoístas e mesquinhos. Além
disso, coloca o direito de propriedade em harmonia com o contemporâneo Estado
de Direito, onde a Constituição tem primazia e onde deve-se atender aos anseios
do povo que, dando claros sinais, em razão da gravidade punitiva representada pela
medida de expropriação, que esse Estado não mais irá tolerar a conduta anacrônia,
imoral e largamente ilícita da escravidão.
Por fim, entendemos que, com Constituição de 1988, a propriedade privada
rural que não cumpra, integralmente, sua função social não está protegida pelo
Direito. A EC. N˚81/2014 vem com o objetivo de concretizar esse entendimento e
dinamizar a justa solução para os casos comprovados de exploração de práticas
análogas à escravidão. Erradicar este crime apenas será possível se a Lei proporcionar
ao Estado um intrumento de punibilidade ágil, eficiente e adequado, capaz de descer
ao cerne do problema, inviabilizando economicamente a atividade.
Na expressão de GONÇALVES e CERÉSER (2013 p. 64) temos que:
A Constituição Federal de 198 elevou ao âmbito constitucional o tratamento da função social da propriedade rural, ao estabelecer em seu art. 186 que a função social
da propriedade rural seria cumprida quando atendidos, simultaneamente, além dos
graus de exigência estabelecidos em lei, os requisitos a) de aproveitamento racional
e adequado; b) de utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; c) de observância das disposições que regulam as relações
de trabalho; e d) de exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores (grifo nosso).
Como leciona MARÉS (2003 p.126),
A propriedade agrária que não cumpre sua função social na integralidade do art. 186
é duplamente antissocial, porque omite-se da obrigação de aproveitar a terra para a
produção de bens necessários à reprodução da vida, e viola uma série de dispositivos
legais. Essa dupla violação não pode passar impune ou livre de qualquer consequência
ao titular da lesão.
E ainda, segundo GONÇALVES e CERÉSER (2013 p. 65-67),
O requisito sociológico (art. 186, inciso IV, da Constituição Federal) é atendido quando
a exploração da propriedade rural favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais, o que ocorre quando ‘objetiva o atendimento das necessidades básicas
dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca
conflitos e tensões sociais no imóvel’” (§ 5 do art 9 da lei 8629/93)
38
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Considerações:
Ainda no século XXI, o trabalho escravo é uma chaga que carece de ser
combatida com toda energia pelo Estado, por privar dos indivíduos cativos o exercício
de seus direitos fundamentais, privando-o, alem da liverdade de ir e vir totalmente
de sua dignidade enquanto ser humano. A escravidão moderna ganha ainda mais
dramaticidade quando impede o exercício de direitos a brasieiros no auge da vida
produtiva.
Sem dúvidas tal conduta é fomentada por se tartar de atividade altamente
rentável para os tomadores de trabalho, ainda mais porque, em que pese o crime do
art. 149 do Código Penal, a baixa pena minima permite que os senhores de escravos
modernos possam responder seus porcessos em liberdade ou ter suas penas restritivas de liberdade convertidas em restritivas de direitos, como ocorrido no caso do
fazendeiro Antônio Barbosa de Melo, proprietário da fazendo Alvorada, em Água Azul
do Norte, Sul do Pará, teve sua pena convertida em pagamento de cestas básicas.
Neste sentido, a hipotese de expropriação introduzida pela Emenda Constitucional n˚81 em 5 de junho de 2014 é um importante instrument jurídico-social
a ser utilizado na erradicação do trabalho escravo no Brasil, por permitir o ataque
direto ao patrimômio dos modernos escravagistas.
Ainda há quesões as esclarecer, como a competênica material para o processamento das ações de expropriação ou o rito de processamento, mas indubitavelmente,
trata-se de um importante e poderoso meio garantia de justice Social.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Termo de Cooperação do Trabalho Escravo.
Disponível em http://www.mte.gov.br/trab_escravo/termo.pdf . Acesso em: 22 maio. 2015.
________. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Plano
Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Brasília: OIT, 2003
________. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Brasília: SEDH/PR, 2010.
GONÇALVES, Albenir Itaboraí Querubini; CERESÉR, Cassiano Portella. Função ambiental da
propriedade rural e dos contratos agrários. Editora Leud: São Paulo, 2013.
HAZEU, Marcel. Políticas públicas de enfrentamentoao tráfico de pessoas: a quem interessa
o tráfico de pessoas?. Secretaria Nacional de Justiça, 2ª ed., Brasília: 2008.
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1991.
MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003
Nucci, Guilheme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A Emenda Constitucional No 81/2014: um importante instrumento para a erradicação...
Adsson José Rodrigues Luz | Samuel Correa Duarte | Stéfanny Karinny Souza França
39
Oliveira, Igor Lima Goettenauer de. PEC do “Trabalho Escravo” (Nª 438/2001): Imperativo
de Justiça Social. Disponível em http://www.direitorp.usp.br/arquivos/noticias/sites_eventos/3_semana_juridica_2010/papers/Igor%20Lima%20Goettenauer%20de%20Oliveira.pdf
Acesso em 14 de jun. de 15
SAKAMOTO, Leandro; Plassat, Xavier. Desafios para uma política de enfrentamento ao
tráfico de seres humanos para o trabalho escravo. Secretaria Nacional de Justiça, 2ª ed.,
Brasília: 2008.
________. Trabalho Escravo no Brasil do século XXI. Brasília: OIT, 2007.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Contitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros,
2009.
40
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Cidadania nos territórios da
cidadania? Um olhar a partir de
duas realidades no território do
Vale do Rio Vermelho
CITIZENSHIP IN THE TERRITORIES OF CITIZENSHIP? A
LOOK FROM TWO REALITIES IN THE TERRITORY VALE DO
RIO VERMELHO
Alexandre Eduardo Santos
Universidade Federal de Goiás
Franciane Prado Gonçalves
Universidade Federal de Goiás
Resumo: O texto apresenta o resultado de uma pesquisa que teve como objetivo analisar a
política pública Territórios da Cidadania a partir de duas realidades no município de Goiás-GO
dentro do Território Vale do Rio Vermelho, mais especificamente em um lote no Assentamento
Dom Tomás Balduíno e em um sítio na Comunidade São João do Monte Alegre. O Programa
foi instituído mediante ao Decreto de 25 de fevereiro de 2008 com o objetivo de promover
e acelerar a superação da pobreza e das desigualdades sociais no meio rural, por meio de
estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. O trabalho foi realizado por meio de
pesquisa bibliográfica e documental de caráter exploratório a cerca dessa política pública,
além de consultas aos documentos oficiais e dados disponíveis nos sitio do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, além de trabalho do campo. Assim, o Programa por meio de seus
objetivos já apresenta um avanço significativo, mas é preciso que haja ações estratégicas em
detrimento de estratégias de ação, para que possamos pensar na existência de uma cidadania
rural no Brasil.
Palavras-chave: Programa Territórios da Cidadania. Cidadania. Desenvolvimento Rural. Vale
do Rio Vermelho. Goiás.
Abstract: The paper presents the results of a survey that aimed to analyze public policy
Citizenship Territories from two realities in the city of Goiás-GO within the Territory Vale do
Rio Vermelho more specifically on a lot in Settlement Dom Tomás Balduíno and at a site in
the Community São João do Monte Alegre. The Program was established by the Decree of
25 February 2008 with the objective to promote and accelerate the elimination of poverty
and social inequality in rural areas through sustainable territorial development strategy. The
work was done by means of bibliographic and documentary exploratory research about this
public policy, and queries to official documents and data available within site of the Ministry of
Agrarian Development, beyond the fieldwork. Thus, the Program through your goals already
represent a significant step forward, but there needs to be strategic actions rather than action
strategies so that we can think of the existence of a rural citizenship in Brazil.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
Key words: Territories of Citizenship Program. Rural Development. Citizenship. Territory Vale
do Rio Vermelho. Goiás.
Introdução
Este trabalho é resultado de uma pesquisa realizada que tem como objetivo
analisar a política pública Territórios da Cidadania a partir de duas realidades
no município de Goiás-GO dentro do Território do Vale do Rio Vermelho, mais
especificamente em um lote no Assentamento Dom Tomás Balduíno e em um sítio
na Comunidade São João do Monte Alegre, onde foram realizadas pesquisas in
loco a fim de verificar as condições sociais e econômicas de seus moradores frente
à proposta de desenvolvimento rural por meio desta política pública.
O Programa Territórios da Cidadania é uma política pública criada pelo
Ministério do Desenvolvimento Agrário, lançado pelo Governo Federal em 2008 e tem
como objetivos promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas
básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial
sustentável, com ações direcionadas ao desenvolvimento social, à organização
sustentável da produção, saúde, saneamento e acesso água, educação, cultura,
infraestrutura, e ações fundiárias articuladas nesses Territórios com participação
social e a integração entre governo federal, estados e municípios.
O trabalho foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica e documental de
caráter exploratório a cerca dessa política pública, além de consultas aos documentos
oficiais e dados disponíveis nos sitio do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Durante as visitas aos lotes, foram realizadas conversas subsidiadas por roteiros de
pesquisa previamente estabelecidos com os seus respectivos responsáveis, além
de lideranças do assentamento e da comunidade a fim de verificar como se dão
as questões relacionadas ao desenvolvimento territorial rural e como isso reflete
na realidade sócioespacial e cotidiana na qual os sujeitos moradores do campo
estão inseridos.
Partindo da ideia de examinar como a realidade do campo no Território do
Vale do Rio Vermelho a partir da política pública que o institui, buscamos neste
trabalho analisar se os principais eixos que compõem a proposta de desenvolvimento
territorial rural por meio desta política pública. Afinal, existe ou não existe cidadania
nos Territórios da Cidadania?
Cidadania e território para o desenvolvimento rural
O avanço técnico e as relações econômicas desenvolvidas no campo
levaram-o à consolidação da hegemonia agrícola capitalista, e isso fez do espaço
agrário um espaço socioeconomicamente desigual. A tecnificação do campo junto
42
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
às artimanhas do capital, priva o homem de seus direitos mais básicos, Santos (2007)
ao pensar a cidadania rural por, afirma que
O homem do campo brasileiro, em sua grande maioria, está desarmado diante de
uma economia cada vez mais modernizada, concentrada e desalmada, incapaz de se
premunir contra as vacilações da natureza, de se armar para acompanhar os progressos técnicos e de se defender contra as oscilações dos preços externos e internos, e a
ganância dos intermediários. Esse homem do campo é menos titular de direito que
a maioria dos homens da cidade, já que os serviços públicos lhe são negados, sob a
desculpa da carência de recursos para lhe fazer chegar saúde, educação, água e eletricidade, para não falar de tantos outros serviços essenciais (SANTOS, 2007, p. 41/42).
O Brasil nasce latifúndio e essa problemática que envolve a questão agrária
brasileira que se mantem até os dias atuais, configurando um quadro desigual
de propriedade e de 1recursos frente aos processos produtivos no campo,
marginalizando os moradores do campo descapitalizados. Sobre isso, Hespanhol
(2010) infere que:
A intensa concentração fundiária, a desigual forma de distribuição da terra e as limitações em termos de acesso de parcela expressiva dos produtores rurais às condições
em termos de produção (crédito rural, assistência técnica, comercialização etc.) são
apenas alguns dos problemas que afligem os agricultores, particularmente aqueles
de pequeno porte e descapitalizados, que dependem exclusivamente das atividades
agropecuárias. Diferentemente da realidade da União Europeia, no Brasil, a agricultura
ainda tem importância econômica, social, política e cultural no contexto nacional.
(HESPANHOL, 2010, p. 7)
Nesse sentido, a realidade brasileira exclui o camponês e por meio da negação
dos direitos a esse homem do campo e às desigualdades que se engendram no
espaço, o Estado capitalista enquanto “mediador” das lutas de classe entre capital e
trabalho, em sua função de “árbitro” entre os interesses conflitantes,1 laçam mão de
estratégias de desenvolvimento rural a fim de minimizar os impactos socioeconômicos
e ambientais gerados pela apropriação capitalista do espaço agrário.
A análise da atuação do Estado em detrimento das mazelas que se instauram
no campo brasileiro, por meio de políticas públicas, faz-se necessário estabelecer
um entendimento conceitual de desenvolvimento rural e a papel do Estado nesse
contexto. A partir dessa proposta de desenvolvimento no espaço rural é que o Estado
institui e normatiza as estratégias e ações para o campo.
1 Ao analisar a teoria marxista do Estado Harvey (2005), afirma que o Estado capitalista não pode ser outra
coisa que instrumento de dominação de classe, pois se organiza para sustentar a relação básica entre capital
e trabalho, no entanto o Estado capitalista deve desempenhar o papel de árbitro entre os interesses conflitantes entre as classes sociais.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Cidadania nos territórios da cidadania? Um olhar a partir de duas realidades no território do Vale do Rio Vermelho
Alexandre Eduardo Santos | Franciane Prado Gonçalves
43
Diferenciando os conceitos que aparecem nas políticas públicas Navarro
(2001) ressalta a expressão desenvolvimento rural. Caracterizando-a por tratar-se
de uma ação previamente articulada que pretende induzir melhorias nos espaços
rurais. Em consequência, o Estado nacional sempre esteve presente à frente de
qualquer proposta de desenvolvimento rural, como seu agente principal. Por meio
de sua legitimidade que o Estado tem o poder de propor mecanismos, estratégias,
metas e ações que que têm como norte o desenvolvimento rural.
Shneider (2004) analisa a definição de desenvolvimento rural a partir de
alguns trabalhos e autores que são referenciais no debate recente e elenca quatro
elementos principais que versam o debate sobre desenvolvimento rural, sendo
eles: a erradicação da pobreza no campo, o protagonismo dos atores sociais e sua
participação política, o território como unidade de referência e a preocupação
central com a sustentabilidade ambiental. A partir de suas análises o autor define
desenvolvimento rural como um processo que resulta de ações articuladas, que
visam induzir mudanças socioeconômicas e ambientais no âmbito do espaço rural
para melhorar a renda, a qualidade de vida e o bem-estar das populações rurais.
Nesse sentido, podemos inferir que os elementos-chave elencados e a definição
conceitual proposta por Shneider (2004), aparecem nos discursos a cerca do desenvolvimento rural, sobretudo a substituição da região pelo território como unidade de
referência, sendo incorporado o termo desenvolvimento territorial rural, metamorfoseando o conceito de território para além da perspectiva da geopolítica. O autor afirma
que a substituição do termo se dá pelo esgotamento teórico e prático da abordagem
regional, em se que tornam evidentes os limites da noção de região como unidade
de referência para se pensar as ações e políticas públicas destinadas à promoção do
desenvolvimento rural. Assim a abordagem regional perde seu poder explicativo
enquanto referência teórica e conceitual e tornou-se insuficiente como instrumento
para o planejamento normativo das ações práticas do Estado e dos agentes políticos.
Destarte, Hespanhol (2010) certifica que na perspectiva normativa e
operacional adotada pelo Estado brasileiro, o enfoque territorial é utilizado como
uma ferramenta para se pensar o planejamento e a intervenção estatal na sociedade
a partir de diferentes escalas de atuação. Para Abramovay (2000),
A ideia central é que o território, mais que simples base física para as relações entre
indivíduos e empresas, possui um tecido social, uma organização complexa feita por
laços que vão muito além de seus atributos naturais e dos custos de transportes e de
comunicações. Um território representa uma trama de relações com raízes históricas,
configurações políticas e identidades que desempenham um papel ainda pouco
conhecido no próprio desenvolvimento econômico. (ABRAMOVAY, 2000, p.7)
De acordo Abramovay (2000), a forma de gerir o espaço a partir de uma visão
territorial do desenvolvimento pode revelar potenciais que, até hoje, o meio rural não
revelou à sociedade. Nessa perspectiva, o autor defende que a adoção da dimensão
44
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
territorial para o desenvolvimento rural em que este é visto como a base física da
produção agrícola é uma forma de alargar possibilidades de escapar à tragédia do
esvaziamento social, econômico, político e cultural do campo brasileiro.
De maneira geral a perspectiva territorial para o desenvolvimento rural
surge como nova unidade de referência para a atuação do Estado e a regulação das
políticas públicas. Tratando-se na realidade de uma tentativa de resposta do Estado,
enquanto instituição jurídico-social, às fortes críticas a que vinha sendo submetido,
sobretudo tendo em vista a ineficácia e a ineficiência de suas ações, seu alto custo
para a sociedade e a permanência das mazelas sociais mais graves como a pobreza,
o desemprego, a violência, etc. (SCHINEIDER, 2004).
Por conseguinte, Santos (2007) reitera que é impossível imaginar uma
cidadania concreta que prescinda do componente territorial, uma vez que o valor
do indivíduo depende do lugar em que está e que, desse modo, a igualdade dos
cidadãos supõe, para todos, uma acessibilidade semelhante aos bens e serviços, sem
os quais a vida não será vivida com aquele mínimo de dignidade que isso impõe.
No entanto vale ressaltar que diante da realidade brasileira, a proposta da
abordagem territorial para o desenvolvimento rural, apesar de significar um avanço,
por si só é capaz de provocar de melhorias e trazer os benefícios a todas as parcelas
da população. Tornando-se necessário, um maior envolvimento e participação efetiva
das classes menos favorecidas (CLEMENTE, 2013).
Nesse sentido, a abordagem territorial para o desenvolvimento rural apresenta
um avanço significativo do ponto de vista teórico e normativo que subsidia o planejamento e as ações do Estado principalmente por meio das políticas públicas federais.
Dentre essas políticas públicas que já adotam o território como referência, o Programa
Territórios da Cidadania traz além do território enquanto referência para o desenvolvimento que integra os espaços rurais e urbanos, a proposta efetivar a cidadania ao
morador dos territórios. Nesse sentido nas próximas sessões serão analisadas as propostas do programa e quais contribuições ela traz para a concretização da cidadania
no espaço rural a partir de duas realidades no Território Vale do Rio Vermelho.
O Programa Territórios da Cidadania
Por meio do Decreto de 25 de fevereiro de 2008 o governo federal instituiu
o Programa Territórios da Cidadania implementado com o objetivo de promover e
acelerar a superação da pobreza e das desigualdades sociais no meio rural, inclusive
as de gênero, raça e etnia, por meio de estratégia de desenvolvimento territorial
sustentável. O referido documento apresenta visa comtemplar: a integração
de políticas públicas com base no planejamento territorial; a ampliação dos
mecanismos de participação social na gestão das políticas públicas de interesse
do desenvolvimento dos territórios; a ampliação da oferta dos programas básicos
de cidadania; a inclusão e a integração produtiva das populações pobres e dos
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Cidadania nos territórios da cidadania? Um olhar a partir de duas realidades no território do Vale do Rio Vermelho
Alexandre Eduardo Santos | Franciane Prado Gonçalves
45
segmentos sociais mais vulneráveis, tais como trabalhadoras rurais, quilombolas,
indígenas e populações tradicionais; e a valorização da diversidade social, cultural,
econômica, política, institucional e ambiental das regiões e das populações.
Esquema 1. Estrutura Lógica do Programa Territórios da Cidadania: eixos e temas.
Cidadania e
Acesso àdireitos
Qualificação da
infraestrutura
Apoio as atividades
produtivas
Direitos e
desenvolvimento
social
Infraestrutura
Organização
sustentável
da produção
Saúde,
saneamento
e acesso à agua
Apoio a gestão
territorial
Assistência
técnica
e crédito rural
Educação e
cultura
comercialização
de produtos
Fonte: Sitio do MDA. Organização: Alexandre Eduardo Santos (2014).
Tendo como problema central a pobreza rural que vem acompanhada de
baixo acesso aos serviços básicos, de estagnação na geração de renda e manutenção
das atividades produtivas básicas e de carência de políticas públicas que supram
essas demandas, o Programa caracteriza-se como uma estratégia de planejamento e
gestão territorial integrando o governo federal e os governos estaduais e municipais
além de promover a participação social. Nesse sentido a estrutura da gestão se
dá a partir da interação entre a Coordenação Executiva do MDA, o Comitê Gestor
Nacional, o Grupo Interministerial de Execução e Acompanhamento, os Comitês de
Articulação Estaduais e os Colegiados Territoriais.
De acordo com o Art. 5o do mesmo decreto, o Programa seria implementado
segundo três eixos de atuação, sendo eles: ação produtiva, cidadania e infraestrutura.
Estes eixos teriam a função de orientar a elaboração das matrizes de ações nas
quais os órgãos envolvidos definirão as ações que pretendem desenvolver em cada
território, segundo as respectivas competências e compromissos.
Partindo do pressuposto de que existe uma base teórica e normativa em
busca de um desenvolvimento territorial rural, a partir desses eixos que norteiam as
ações do Programa, é possível analisar como isso se dá na prática e perceber como os
moradores do campo em que o Programa está instituído se beneficiam das ações e
como isso reflete na cidadania que é posta como princípio estratégico do Programa.
46
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
O Território Vale do Rio Vermelho
O Programa Territórios da Cidadania compreende um total de 120 territórios,
abrangendo 1.852 municípios e uma população de 42,4 milhões de habitantes dos
quais 13,1 milhões vivem em espaços rurais, sendo agricultores familiares, assentados
de reforma agrária, comunidades indígenas e quilombolas além de pescadores2.
O Território Vale do Rio Vermelho localizado no estado de Goiás compreende
uma área de 12.040,50 km² abrangendo 16 municípios, sendo eles: Buriti de Goiás,
Carmo do Rio Verde, Córrego do Ouro, Goiás, Guaraíta, Heitoraí, Itaberaí, Itaguari,
Itaguaru, Itapirapuã, Itapuranga, Morro Agudo de Goiás, Mossâmedes, Sanclerlândia,
Taquaral de Goiás, e Uruana (Mapa 1). A população do território em 2010 era de
156.393 habitantes, sendo 33.059 habitantes na área rural e 123.334 habitantes na
área urbana. A base da economia desse território é dada pela agropecuária, tendo
como carro chefe a bovinocultura de leite e corte.
Mapa 1. Municípios que compõem o Território do Vale do Rio Vermelho
Fonte: IBGE. Organização: Alexandre Eduardo Santos, 2014.
2 Os dados foram coletados no sitio do MDA e correspondem ao Censo de 2010.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Cidadania nos territórios da cidadania? Um olhar a partir de duas realidades no território do Vale do Rio Vermelho
Alexandre Eduardo Santos | Franciane Prado Gonçalves
47
O Ministério do Desenvolvimento Agrário junto à Universidade Federal de
Goiás elaborou o Relatório Analítico do Território do Rio Vermelho que analisou os
fatores do desenvolvimento no território com bases em pesquisas e aplicação de
questionários. A partir da pesquisa foi possível constatar que itens como o acesso a
bens de consumo, condições de moradia, acesso aos mercados está com uma média
regular, e apenas a educação no que se refere ao acesso ao ensino fundamental está
ruim, demonstrando que necessita de uma intervenção nesta etapa do processo de
aprendizagem para mudar esta realidade.
O relatório conclui que, os efeitos do desenvolvimento como condições de
alimentação e nutrição, condições de saúde e condição econômica estão regulares
e, apenas a atividade cultural está deficitária, indicando falta de políticas de lazer e
cultura para o meio rural. A qualidade de vida na percepção das famílias rurais estão
em um nível médio de avaliação, demonstrando que a vida no campo não está nem
ruim ou ótima, mas a perspectiva de melhoria está em um avaliação boa.
Outro ponto que merece destaque no relatório refere-se ao acesso à
educação que se caracteriza como um indicador importante, pois indiretamente está
relacionado à possibilidade de desenvolvimento futuro da propriedade a partir da
qualificação dos moradores do campo (em particular de seus filhos). Os dados sobre
educação mostram uma situação atual preocupante revelando a não erradicação do
analfabetismo e o baixo índice de domicílios em que todos completaram o ensino
fundamental.
No que tange as políticas de crédito e assistência técnica o relatório demonstra
que parte importante dos agricultores no território está acessando o crédito rural
do Pronaf tanto para investimento como para custeio. Entre os agricultores que
acessaram o crédito, 90% informaram estar conseguindo pagar o financiamento
ao banco. Mas é relevante também o número de famílias que informa nunca ter
acessado nenhum crédito oficial. O número de agricultores que informou não ter
tido acesso ao Pronaf é muito maior entre os tradicionais (35,7%) do que entre os
assentados (9,1%).
É significativo o número de estabelecimentos que não recebe assistência
técnica no território: 36% do total. A assistência técnica recebida pelos agricultores,
em 72% dos casos foi principalmente voltada para a pecuária leiteira. Pois essa é,
geralmente, a especialidade da equipe técnica, a principal atividade do agricultor
e seu maior interesse.
Em contraste com os agricultores tradicionais, o acesso dos assentados à
assistência técnica é relativamente alto, com 95% das famílias sendo atendidas com
visitas nas propriedades. O dado indica que o governo federal está garantindo o
apoio ao desenvolvimento dos assentamentos no Estado. A informação preocupante
é alto índice de famílias tradicionais que não recebem atendimento, 44% do total.
Das famílias tradicionais atendidas, 30% recebem assistência na propriedade e
48
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
26% recebe assistência apenas no escritório na cidade. Esse dado indica uma baixa
atenção aos agricultores tradicionais no território.
Os dados apresentados no relatório dão uma dimensão da situação geral
do Território Vale do Rio Vermelho, agora a partir de duas situações diferentes
verificadas a partir do trabalho de campo no Assentamento Dom Tomás Balduíno
e na Comunidade São João do Monte Alegre.
Assentamento e Comunidade Tradicional: duas realidades no Território Vale
do Rio Vermelho
O município de Goiás-GO é um dos 16 municípios que compõem o
Território Vale do Rio Vermelho além de ser o município brasileiro que tem a maior
concentração de assentamentos criados, totalizando 22.3 Nesse arranjo encontrase o Assentamento Dom Tomás Balduíno, que abriga 65 famílias advindas de 10
acampamentos diferentes.
Em visita a uma dessas famílias que está assentada há oito anos, verificamos
como se se dão as relações frente aos três eixos de ação do Programa Territórios
da Cidadania. Nesse sentido o primeiro eixo remete-se à cidadania e ao acesso aos
direitos. A família se diz relativamente satisfeita com relação aos temas desse eixo,
possuem casa de alvenaria com bom acabamento (Figura 1), acesso à rede de energia,
água encanada e torre para sinal de aparelho de celular.
Figura 1. Residência da família no assentamento.
Foto: Alexandre Eduardo Santos, 2014.
3 Informação colhida no Blog da Superintendência Regional do INCRA em Goiás.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Cidadania nos territórios da cidadania? Um olhar a partir de duas realidades no território do Vale do Rio Vermelho
Alexandre Eduardo Santos | Franciane Prado Gonçalves
49
No que tange o acesso aos serviços básicos de saúde, a família afirma que
o atendimento é razoável e que precisa melhorar. O atendimento acontece uma
vez por mês quando o médico da prefeitura vem à sede do assentamento que está
localizada à aproximadamente quatro quilômetros do lote da família. Quando é
preciso realizar algum outro procedimento, os moradores precisam se deslocar para
a cidade. De acordo com a moradora existe uma ambulância do SAMU que atende
o assentamento em caso de urgência, sempre que necessário.
A educação apresenta-se como a principal fragilidade desse eixo, uma vez
que a escola rural mais próxima localiza-se a aproximadamente 30 quilômetros do
lote. A filha mais nova da família estuda nessa escola e enfrenta sérios problemas
com o transporte, uma vez que o veículo atrasa e falta frequentemente. O filho mais
velho enquanto estudava na escola agrícola tinha uma boa relação com o campo e
tinha o objetivo de trabalhar como médico veterinário. Essa escola fechou e o filho
mudou-se definitivamente para a cidade para concluir seus estudos e trabalhar,
perdendo totalmente o interesse pelo campo. No que diz respeito à qualificação dos
adultos, a família afirma que já fez diversos cursos no SENAR, mas que não foram
absorvidos e aplicados no cotidiano, uma vez que os temas desses cursos fogem
aos interesses da maioria dos assentados.
A cultura também se apresenta como uma fragilidade no assentamento,
visto que não existe um espaço que seja ponto de encontro entre os moradores
do campo, tanto as crianças quanto os adultos não socializam cotidianamente no
assentamento. Os esporádicos encontros acontecem quando são realizadas missas
na sede ou quando os moradores se reúnem em mutirão para executar alguma
atividade.
No que diz respeito ao segundo eixo que objetiva a qualificação da
infraestrutura, a família não se sente satisfeita. Segundo o morador as estradas não
estão em boas condições, dificultando a locomoção nas atividades corriqueiras.
A principal atividade econômica no assentamento é a produção de leite e um
das principais conquistas foi a aquisição de um tanque de resfriamento para
armazenamento do leite produzido diariamente, a partir da articulação do Programa
Territórios da Cidadania. No mais, o assentamento não conta com contribuições
infraestruturais por meio de ações do Programa.
O terceiro eixo que se remete ao apoio as atividades produtivas a família
afirma que é razoável, e que precisa de melhorias. A atividade geradora de renda
da família remete-se à pecuária de leite, justificada por ser uma atividade que tem
retorno financeiro imediato. A família tentou a produção de banana, mas devido à
falta de assistência técnica, não obteve bons resultados e não seguiu com a atividade.
A assistência técnica aconteceu por meio de uma médica veterinária contratada
pelo SEBRAE, no entanto o contrato com a técnica findou-se e desde então todas
as famílias do assentamento estão desassistidas.
50
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Quanto ao crédito rural a família acessou o Pronaf Custeio e o Pronaf Mulher
que foram investidos na aquisição de gado leiteiro, estando regularizados com os
pagamentos. A família não conhece e não teve acesso a nenhum outro programa
de crédito rural. No que tange a comercialização, a família entrega a produção diária
de leite – média de 80 litros – ao laticínio e não produz derivados e não comercializa
por meio de programas como PAA e o PNAE.
A família diz que pretende manter o leite como principal atividade produtiva.
No lote também é produzido mandioca, banana, chuchu, laranja, milho entre outros
alimentos além de criação de frango e porco para o consumo próprio. De acordo com
o morador a vida no campo é difícil, o mesmo afirma que não vive ali porque quer e
sim porque precisa usando este argumento para incentivar seus filhos a estudarem.
A Comunidade São João do Monte Alegre também está localizada no
município de Goiás-GO, sendo composta por trinta famílias tradicionais articuladas
pelo Movimento dos Pequenos Agricultores. A moradora do sítio visitado faz parte
da associação da comunidade e segundo ela o movimento tem força, mas que ainda
não conseguiu alcançar os objetivos básicos para a melhoria da qualidade de vida.
O primeiro eixo que diz respeito à Cidadania e o acesso aos direitos não
satisfaz as necessidades básicas. A família que herdou o sítio dos avós possui casa
de alvenaria com acesso à rede de energia elétrica, água encanada e antena de sinal
para telefone celular (Figura 2).
Figura 2. Residência e quintal da família.
Foto: Alexandre Eduardo Santos, 2014.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Cidadania nos territórios da cidadania? Um olhar a partir de duas realidades no território do Vale do Rio Vermelho
Alexandre Eduardo Santos | Franciane Prado Gonçalves
51
A saúde também é bastante precária, um agente de saúde faz visitas
regularmente, o SAMU também atende em caso de urgência – embora demore
muito –, o posto de atendimento médico mais próximo fica à aproximadamente dez
quilômetros do sítio. A família tem um agregado idoso que precisa de atendimento
frequentemente, tendo na maioria das vezes que se deslocar para a cidade em busca
de atendimento.
A maior fragilidade está relacionada à educação. Os três filhos do casal já são
adultos e moram na cidade, no período escolar passaram por muitas dificuldades no
dia-a-dia para frequentar a escola rural, uma vez que o transporte era muito instável
principalmente pelas péssimas condições das estradas que se mantêm até hoje. De
acordo com a moradora outras famílias ainda enfrentam esse problema atualmente,
as crianças que dependem do transporte tem que se deslocar por muitos quilômetros
dependendo da localização do sítio até o ponto de para embarcar no ônibus. Tal
situação obriga algumas famílias a levar as crianças para morar na cidade em casa
de parentes para frequentar escolas urbanas.
No que se refere à qualificação dos moradores adultos, a moradora afirma que
já fez cursos oferecidos pelo SENAR, mas que não aplicou nenhum, pois fugiam do
cotidiano e da realidade da comunidade. A família diz que também não existe uma
preocupação com a cultura e com o lazer, com apenas alguns encontros promovidos
pela igreja católica eventualmente.
Em relação à infraestrutura a família reclama muito da situação das estradas,
a associação tem solicitado a prefeitura uma melhoria nas condições das mesmas,
no entanto, são realizadas apenas medidas paliativas mantendo a situação caótica.
A família não possui carro, apenas uma motocicleta antiga para locomoção, o que
aumenta ainda mais o problema de transporte dos moradores e das mercadorias
que produzem.
Quanto às questões de apoio as atividades produtivas, a família acessou
somente o Pronaf Custeio e investiu o dinheiro na aquisição de gado leiteiro, que
também é a base de rendimentos da família que não teve acesso a nenhum outro
programa de comercialização de alimentos. A família produz em média 40 litros de
leite, dos quais produz queijo e entrega em residências na cidade juntamente com
galinha e porco caipira. No sitio também são cultivados arroz, milho, mandioca entre
outros para a subsistência. De acordo com a moradora a principal dificuldade está na
falta de assistência técnica para orientar as atividades e aumentar a produtividade
de forma sustentável.
A família não tem conhecimento de ações diretas do Programa Territórios
da Cidadania em nenhum de seus eixos. A moradora que sonha com a volta dos
filhos para o campo acaba de graduar-se em Pedagogia, considera a família como
camponesa e pretende trabalhar na escola rural que atende a comunidade a fim de
fortalecer o vinculo dessas crianças com o campo conscientizando-os da importância
de permanecer no campo com a família.
52
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Considerações Finais
A proposta do Programa Territórios da Cidadania a partir de suas estratégias,
eixos e temas, consegue do ponto de vista normativo e de planejamento em termos
de política pública estabelecer os elementos chave para o desenvolvimento rural
com ênfase à erradicação da pobreza e da produção sustentável no campo.
A implementação de políticas públicas como o Programa Territórios da
Cidadania por meio de seus eixos de atuação sendo efetivamente concretizados
podem ser capazes de alcançar o almejado desenvolvimento territorial rural,
ampliando as possibilidades no campo e valorizando a heterogeneidade e as
particularidades de cada território, bem como sua capacidade interna de desenvolver
capacitações e iniciativas de acordo com suas identidades e características.
No entanto é importante salientar que ainda há muito para ser feito, é preciso
que haja uma maior integração entre os governos federal, estadual e municipal
juntamente com a participação popular que possibilitem a concretização dessas
estratégias de ações lançadas pelo Programa a fim de articular as atividades políticas
que possam intervir diretamente nos aspectos econômicos e sociais que irão refletir
na melhoria da qualidade de vida dos moradores do campo.
A partir da pesquisa através do trabalho de campo no assentamento e
na comunidade tradicional foi possível identificar que as realidades nesses dois
contextos se encaixam no quadro estabelecido pelo relatório analítico elaborado
pelo MDA em parceria com a UFG, corroborando as principais conclusões levantadas
pelo documento. Nesse parecem poucas as contribuições do Programa Territórios
da Cidadania para a efetivação de uma cidadania rural no território.
São comuns as duas realidades que o principal problema referente aos direitos
básicos e à cidadania remete-se à educação e à cultura. Em ambos os casos existem
poucas ações que possibilitem a efetivação de uma educação no campo e para o
campo, e que possibilitem o fortalecimento das relações entre os moradores do
campo que tendem a se seduzir pela cidade em busca de modernidade e diversão. É
necessário realizar ações que sejam capazes de manter as crianças e os adolescentes
no campo junto com a família, intensificando suas relações com este espaço, visando
reduzir a tendência do envelhecimento e do esvaziamento do campo brasileiro.
Com exceção dos serviços básicos de fornecimento de energia elétrica e água
encanada, ambas as realidades demandam melhorias infraestruturais tanto para
produção quanto para movimentação no desenvolver de suas atividades. A falta
de assistência técnica junto ao acesso de crédito rural e a comercialização também
se caracterizam como um problema para o bom desenvolvimento econômico das
atividades desenvolvidas pelas famílias.
A realidade do assentado apresenta melhores condições que a realidade da
comunidade tradicional, uma vez que a primeira por seu histórico de luta pela terra
se apresenta mais politizada e melhor articulada com as entidades e as instituições
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Cidadania nos territórios da cidadania? Um olhar a partir de duas realidades no território do Vale do Rio Vermelho
Alexandre Eduardo Santos | Franciane Prado Gonçalves
53
públicas. No entanto a comunidade tradicional apresenta uma relação de vida mais
intensa com o campo, podendo ser percebidas características do campesinato.
De modo geral, podemos inferir que a ainda estamos longe de alcançarmos o
status de desenvolvimento no campo brasileiro. O Programa Territórios da Cidadania
por meio de seus objetivos já apresenta um avanço significativo, mas é preciso que
haja ações estratégicas em detrimento de estratégias de ação, para que possamos
efetivar os direitos do homem do campo e pensar na existência de uma real cidadania
rural no Brasil.
Referências
ABRAMOVAY, R. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. Economia
Aplicada. v. 4, n° 2, abril/junho. 2000.
Blog da Superintendência do INCRA em Goiás. Disponível em: <http://incragoias. wordpress.
com/about/> Acesso em: 06 de julho de 2014.
BRASIL. Decreto de 25 de fevereiro de 2008. Institui o Programa Territórios da Cidadania e dá
outras providências. Diário Oficial, Brasília, DF, 25 de fevereiro de 2008.
CLEMENTE, E. C. Análise da proposta do desenvolvimento territorial na realidade brasileira.
Geoambiente On-line, n. 21. p.127-151, Jul-Dez/2013.
HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005.
HESPANHOL, R. A. M. A adoção da perspectiva territorial nas políticas de desenvolvimento rural
no Brasil. CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v.5, n.10, p. 123-147, ago. 2010.
Ministério do Desenvolvimento Agrário. Disponível em: < http://www.mda.gov.br/>. Acesso
em: 05 de julho de 2014.
NAVARRO, Z. Desenvolvimento rural no Brasil: os limites do passado e os caminhos do futuro.
Revista Estudos Avançados, São Paulo, USP, Vol. 16, nº 44, 2001.
Relatório Analítico do Território do Vale do Rio Vermelho. Disponível em: < http://sit. mda.
gov.br/download/ra/ra067.pdf>. Acesso em: 05 de julho de 2014.
SANTOS, M. O Espaço do Cidadão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007.
SHNEIDER, S. A abordagem territorial do desenvolvimento rural e suas articulações externas.
Sociologias, Porto Alegre, ano 6, nº 11, jan/jun 2004, p. 88-125.
54
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Panorama da política agrícola
em Cuba: entre o coletivismo e a
cooperação
DESCRIPCIÓN GENERAL DE LA POLÍTICA AGRÍCOLA EN
CUBA: ENTRE EL COLECTIVISMO Y LA COOPERACIÓN
Aline dos Santos Lima
IF Baiano/Grupo GeografAR-UFBA/Bolsista FAPESB
[email protected]
Guiomar Inez Germani
Grupo GeografAR-Universidade Federal da Bahia
[email protected]
Jesús Cruz Reyes
Facultad de Economia Universidad de la Habana
[email protected]
Resumo: O cooperativismo surgiu no século XIX como uma proposta de superação do
sistema capitalista e como contraponto as ideias marxistas de transformação social pela luta
de classe. Mas, as cooperativas se multiplicaram pelo mundo em articulação com a expansão
do capital e a economia de mercado. Em Cuba, o triunfo da Revolução de 1959 lançou as
bases para novas formas de participação e gestão econômica. Neste contexto, foram abertas
as possibilidades para a criação de cooperativas com reconhecimento constitucional e
apoio estatal. Até recentemente, essas cooperativas eram voltadas para o desenvolvimento
da agricultura e responsáveis exclusivamente pela produção alimentícia. Desse processo,
foram criadas as Cooperativas de Crédito e Serviços, as Cooperativas de Produção Agrícola
e as Unidades Básicas de Produção Cooperativa. Sendo assim, o presente texto pretende
apresentar um panorama do cooperativismo cubano destacando as três formas de produção
da política agrícola socialista.
Palavras-chave: cooperativismo – Cuba – Revolução de 1959 – formas de produção.
Resumen: Las cooperativas surgieron en el siglo XIX como una propuesta para superar el
sistema capitalista y como contrapunto las ideas marxistas de transformación social a través de
la lucha de clases. Pero, las cooperativas se han multiplicado en todo el mundo en relación con
la ampliación de capital y la economía de mercado. En Cuba, el triunfo de la Revolución 1959
sentó las bases para nuevas formas de participación y gestión económica. En este contexto,
las posibilidades estaban abiertas para la creación de cooperativas con el reconocimiento
constitucional y el apoyo del Estado. Hasta hace poco, estas cooperativas fueron dirigidas al
desarrollo de la agricultura y responsable exclusivamente para la producción de alimentos.
En este proceso, se crearon las Cooperativas de Créditos y Servicios, las Cooperativas de
Producción Agropecuaria y las Unidades Básicas de Producción Cooperativa. Por lo tanto,
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
este artículo se propone presentar un panorama de la cooperativa cubana destacando las
tres formas de producción de la política agrícola socialista.
Palabras Clave: cooperativismo – Cuba – Revolución de 1959 – formas de producción.
Introdução
O presente texto resulta do estágio acadêmico realizado na Universidad de La
Habana no primeiro semestre de 2015 com o objetivo de conhecer as principais formas
de produção e comercialização agrícola na Ilha comunista1. O cooperativismo surgiu
no século XIX como uma proposta de superação das desigualdades decorrentes do
sistema capitalista e, desde então, tem sido usado com finalidades diversas.
Nesse texto, propomos apresentar um panorama do cooperativismo cubano
destacando as três formas de produção da política agrícola socialista. Nesses termos,
será inevitável a contextualizar o surgimento do cooperativismo no mundo, ainda
no século XIX, e sua institucionalização pelo Estado comunista em Cuba na segunda
metade do século XX. Assim, ao pontuarmos o cooperativismo cubano em curso
a partir da Revolução, estaremos abordando elementos da formação territorial na
ilha caribenha e, ao mesmo tempo, expondo as formas de produção cooperativista
criadas desde 1959 com o triunfo revolucionário.
Para tanto, correlacionamos teoria ↔ prática a partir da literatura específica ao
tema (cooperativismo), monografias e dissertações de conclusão de curso realizadas
nas Faculdades de Economia e de Geografia da Universidade de Havana e trabalho de
campo. Este último foi realizado nas províncias de Holguín, Matanzas, Pínar del Rio e
Santiago de Cuba através da parceria com pesquisadores vinculados a Universidad de
la Habana, a Casa de Iberoamérica (Holguín), ao Núcleo de Género de la Universidad de
Holguín “Oscar Lucero Moya” (Holguín) e ao Parque Nacional de Viñales (Pínar del Rio).
Notas sobre o cooperativismo
A cooperação é uma prática antiga e em todos os tempos há relatos de
auxílios mútuos para resolver problemas e/ou enfrentar intempéries. Informalmente,
a cooperação é utilizada entre vizinhos e/ou parentes, seja para plantar, construir
ou cuidar de animais. Já a cooperação formal, ocorre quando a “entreajuda” está
1 Integramos a equipe do projeto “Estado, Capital e Campesinato no desenvolvimento das políticas de
produção de alimentos e agrocombustíveis no Brasil e Cuba. Semelhanças e Diferenças” (Projeto: CAPES
/ MES-CUBA PROJETOS - 161/12). O Projeto é coordenado na Faculdad de Geografia da Universidad de La
Habana pela Dra. Angelina Herrera Sorzano e no Brasil pelo Dr. João Cleps Júnior da Universidade Federal
de Uberlândia.
56
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
conscientemente organizada obedecendo a estatutos previamente acordados entre
os membros cooperadores, em cooperativas, sindicatos e outros (PINHO, 1966 e 1973).
As “raízes” do cooperativismo tem sua origem nas formas de arrendamento
de terras para exploração comum entre os babilônios, nas sociedades de auxíliomútuo ente gregos e romanos, passando pelas confrarias da Idade Média e pelas
corporações de artes e ofícios da Idade Moderna, bem como através das précooperativas por iniciativa de grupos religiosos, operários e socialistas (PINHO, 1966).
Contudo, o primeiro modelo de cooperativa como instituição moderna
nasceu na Inglaterra em 1844 com a Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale,
considerada a “mãe” de todas as cooperativas e a difusora do cooperativismo
pela Europa2 (PINHO, 1966; SINGER, 2002; REYS & HARNECKER, 2012). Segundo
Pinho (1966), sua criação ocorre numa conjuntura marcada pelo desemprego
em decorrência da introdução de máquinas com novas técnicas de produção
industrial. À época, os princípios do liberalismo – individualidade, livre-concorrência,
não-intervenção do Estado e a proibição do associativismo profissional – foram
fundamentais para o desenvolvimento do cooperativismo.
Enquanto uma minoria de empresários enriquecia, graças à alta produtividade
das máquinas e aos baixos salários pagos à mão-de-obra, os trabalhadores passavam
fome (PINHO, 1973). Esses trabalhadores, antigos camponeses expulsos dos domínios
senhoriais, se transformaram no proletariado cuja jornada de trabalho nas fábricas
não tinha limites legais e envolvia adultos e crianças. Ou seja, a primeira cooperativa
moderna que tivera êxito se formou no contexto dos terríveis efeitos da Revolução
Industrial que veio a cabo na Grã-Bretanha no final do século XVIII (SINGER, 2002;
REYS & HARNECKER, 2012).
Como estavam proibidos de formar qualquer tipo de organização de defesa
de seus interesses profissionais, muitos trabalhadores – dentre os quais comunistas,
cartistas, líderes sindicais –, buscaram soluções para seus problemas de maneira
conjunta. Foi assim que os tecelões da indústria de flanelas de Rochdale, distrito de
Lancashire, na Inglaterra, acompanharam a prosperidade da produção e resolveram
abrir um armazém cooperativo onde eles e suas famílias pudessem adquirir bens de
primeira necessidade com boa qualidade e preços acessíveis (PINHO, 1966 e 1973;
SINGER, 2002; REYS & HARNECKER, 2012; LIMA & GERMANI, 2015).
A trajetória exitosa da Rochdale é identificada pelo aumento do seu quadro
social no decorrer dos anos; pela oferta de serviços, como venda a varejo e operações
bancárias; pelo processo de formação de seus usuários através da educação; e
2 Contudo, as primeiras experiências de cooperativas modernas surgiram ainda no século XVIII, tal como
a cooperativa de moleiros que compravam trigo para moer e fazer farinha em 1760. Porém, essa e outras
experiências fracassaram por não priorizarem a parte empresarial, ou seja, por não assegurar a reprodução
econômica da organização (REYS & HARNECKER, 2012).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Panorama da política agrícola em Cuba: entre o coletivismo e a cooperação
Aline dos Santos Lima | Guiomar Inez Germani | Jesús Cruz Reyes
57
pela criação de formas espaciais, como alfaiataria, moinho de trigo e tecelagem
(SINGER, 2002). O sucesso dessa cooperativa, que se tornaria modelo, tem como
base sete princípios de funcionamento: adesão livre; gestão democrática; retorno
das operações; juros limitados ao capital; vendas a dinheiro; educação dos membros;
e cooperativização global3 (PINHO, 1973, p. 30).
Desde os Probos de Rochdale formaram-se e difundiram-se cooperativas pelo
mundo. Ou melhor, foram criadas inúmeras “sociedades de pessoas” de caráter “não
lucrativas”, consideradas como eficientes “instrumentos” de desenvolvimento econômico (PINHO, 1966). De acordo com Reys & Harnecker (2012, p. 32), baseados na Aliança
Cooperativa Internacional, atualmente mais de 800 milhões de pessoas no mundo
estão organizadas em cooperativas que realizam atividades econômicas diversas4.
Para Pinho (1973), uma cooperativa é uma “empresa serviço” que se distingue
da “empresa capitalista” por priorizar a satisfação das necessidades dos usuários. Para
Muller (1981), o cooperativismo é entendido como organização de autoajuda em
ações não só econômicas como comunitárias, que têm em vista uma distribuição
equânime dos resultados entre os cooperados.
Para Schneider (1981), o cooperativismo surgiu como uma proposta de
superação “pacífica” do sistema capitalista diante das mazelas desencadeadas a partir
Revolução Industrial. Segundo o autor, os teóricos que pensaram o cooperativismo
nesses termos, consideravam que o “motor dessa transformação gradativa da
sociedade não seria a luta de classes, como propunham Marx e seus seguidores,
mas o apelo natural à racionalidade da organização cooperativista, que se imporia
sobre o laissez faire capitalista” (SCHNEIDER, 1981, p. 11).
Contudo, cooperativas surgem a partir de diferentes compreensões da organização social da produção, o que depende da postura política e ideológica dos sujeitos
envolvidos, ora motivados por uma cooperação mais de “natureza econômica” com
“fins produtivos” e uma “racionalidade de empresa” capitalista; ora mediada por relações de parentesco; e outras, no “processo de luta” dos trabalhadores (FABRINI, 2002).
Nessa mesma linha, Reys & Harnecker (2012), entendem que o número
considerável de empresas que se identificam como cooperativas, na realidade, não
aplicam os princípios do cooperativismo e somente se denominam como tal para
3 Para Pinho (1973), as regras ou normas da sociedade de consumo dos Tecelões de Rochdale foram “impropriamente” denominadas como princípios. Para a autora, um princípio representa uma “afirmação fundamental de ciência ou de moral, e do qual decorrem leis científicas, ou regras de conduta, de equidade, de
direito. ‘Princípios Cooperativos’ são os postulados morais de onde derivam as regras fixadas pelo costume
cooperativo (que são as ‘regras’ de Rochdale)” (PINHO, 1973, p. 22).
4 Na Finlândia as cooperativas são responsáveis por 96% da produção de lácteos, 50% dos ovos e 34% dos
produtos florestais; na França elas controlam mais de 40% da produção de alimentos agrícolas; no Uruguai
produzem 90% do leite e 30% do trigo; em 2007, as cooperativas geraram 22% do PIB da Nova Zelândia; e,
em 2009, contribuíram com 5,4% do PIB brasileiro (REYS & HARNECKER, 2012, p. 31).
58
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
acessar benefícios que os Estados outorgam para essas formas de organização
associativa-empresarial5. Nessa perspectiva, compreendem que uma cooperativa é
um grupo ou associação de pessoas que se unem voluntariamente para satisfazer
necessidades e aspirações econômicas, sociais e/ou culturais comuns por meio de
uma empresa democraticamente controlada, autônoma a aberta. Porém, é uma
empresa onde o associativo, o social é o que guia o funcionamento empresarial,
ou seja, é uma empresa de pessoas e não de capitais (REYS & HARNECKER, 2012).
Cuba: Cooperativismo e Revolução
O cooperativismo em Cuba não tinha tradição até o triunfo da Revolução
devido a fatores de ordem econômica e social. A prolongada escravidão que durou
quase 350 anos e a larga luta pela independência contra o poder colonial espanhol
não favoreceram o desenvolvimento do cooperativismo (REYS, 2013).
O passado colonial cubano foi marcado pelo expansionismo comercial europeu
através da concentração de terras para a criação de gado e o cultivo de tabaco6 e de
açúcar7 para o mercado externo com a exploração da mão-de-obra escrava. Durante
o período republicano há uma intensificação da entrada do capital estrangeiro
concomitantemente ao comércio de terras públicas e privadas formando uma forte
classe de proprietários rentistas ao lado de uma força de trabalho assalariada com
poucas condições de associação8 (FABRINI & MARCOS, 2010; CALLAVA, 2014).
5 Dentre as maiores e mais recentes experiências de cooperativismo no mundo se destacam a Corporação
Cooperativa de Mondragón criada em 1956 no norte da Espanha na cidade basca de Mondragón e a Liga
Nacional de Cooperativas fundada em 1986 no norte da Itália (SINGER, 2002; REYS & HARNECKER, 2012).
6 Ainda hoje a Ilha produz tabaco, sobretudo nas províncias de Pinar del Río, Villa Clara e Sancti Spíritus,
responsáveis por mais de 80% do tabaco cubano. Pinar del Río, sozinha, produz mais de 60% da produção
nacional o que se atribui as condições naturais, a infraestrutura e a tradição tabacalera. Nesta província, se
destacam os municípios de San Luis, San Juan Y Martinez e Gunes, considerados a ‘Meca do Tabaco’ (FABRINI
& MARCOS, 2010, p. 117).
7 A primeira metade do século XIX assistiu a uma verdadeira revolução na tecnologia de fabricação do açúcar em Cuba, o que resultou no surgimento dos primeiros engenhos inteiramente mecanizados. Esses ingenios (engenhos) empregavam a energia a vapor não só para moer a cana, mas também para transformar
seu caldo em açúcar. Na década de 1860, a colônia espanhola tinha 64 engenhos totalmente mecanizados
(BARICKMAN, 2003, p. 289).
A produção de açúcar continua relevante em Cuba, seja pelo incentivo a sua produção com alta tecnologia
e/ou pela existência de instituições responsáveis por promover/pesquisar sobre a lavoura, como o Ministerio de Azúcar (Minaz) e a Estação Provincial de Pesquisas da Cana-de-açúcar de Matanzas. A produção
de açúcar é comandada por empresas açucareiras, ou centrais açucareiras, que controlam o processo de
produção agrícola e industrial. Desde 1990, a cana entregue às centrais é produzida nas CPAs, UBPCs e CCSs
(FABRINI & MARCOS, 2010).
8 O Censo de 1931 revelava que as propriedades com menos de 40 hectares representavam 71% dos imóveis e abarcavam 10% da área do país. Já as propriedades acima de 670 hectares representavam 1% dos
imóveis e ocupavam 58% da área total de terras (PAZ apud FABRINI & MARCOS, 2010).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Panorama da política agrícola em Cuba: entre o coletivismo e a cooperação
Aline dos Santos Lima | Guiomar Inez Germani | Jesús Cruz Reyes
59
Esta situação atrasou o início e desenvolvimento da organização campesina e/
ou operária em relação à criação de cooperativas. A partir da década de 1930 surge na
Ilha organizações partidárias e movimentos que eram contra a ordem latifundiárioburguesa e que defendiam tanto a reforma agrária como o cooperativismo, este
último como uma alternativa à organização produtiva (FABRINI & MARCOS, 2010;
GONZÁLEZ, 2012). Além disso, são criadas cooperativas e associações formadas por
proprietários rurais e produtores que buscavam melhores preços para seus produtos.
Essas organizações foram pouco visíveis e não tiveram identidade própria devido à
situação social, econômica e política na Ilha9 (CALLAVA, 2014).
Para Callava (2012), o fomento desse tipo de organização requeria uma visão
de desenvolvimento econômico para o país e novas forças sociais interessadas em
mudanças. Essas oportunidades foram postas com a Revolução de Janeiro de 1959
ao promover o fim do latifúndio privado e a formação de um setor estatal coletivo,
conforme Quadro 1.
Quadro 1 – Cuba: cooperativismo e formas de produção coletiva:
ETAPAS
PERÍODO
CARACTERÍSTICAS
Início do cooperativismo
1959-1974
- Leis de Reforma Agrária
- Formas simples de cooperação
- Criação das CCS
- Criação da ANAP
O cooperativismo em desenvolvimento
1975-1989
- Congresso do PCC
- Criação da CPA
O cooperativismo na reforma econômica 1990-2007
- Criação da UBPC
- Fortalecimento da CCS
- Fortalecimento da CPA
O cooperativismo no reordenamento da 2008-atual
agricultura
- Fortalecimento e gestão integral
de todas as formas cooperativas
ELABORAÇÃO: Jesús Cruz Reys.
A estrutura agrária pós-revolução era bastante concentrada. Em 1959, 9,4%
dos proprietários possuíam 73,3% das terras do país (GONZÁLEZ, 2012). Diante dessa
conjuntura, resultante de um problema estrutural, uma das primeiras medidas do
governo revolucionário foi a I Lei de Reforma Agrária criada em maio de 1959. Essa Lei
9 O cooperativismo estava presente no programa revolucionário da organização Joven Cuba (1930) e no
artigo n° 75 da Constituição em 1940. Porém, as proposições não lograram êxito, pois o não existiu de fato
uma lei de cooperativas. O que se chamava por cooperativa era, na verdade, associações (GONZÁLEZ, 2012;
PEISO, 2012). Em 1944, o político Marino López Blanco elaborou um desenho jurídico próprio para cooperativas e federações de cooperativas, contudo, suas considerações foram negligenciadas (REYS, 2013).
60
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
determinava a desapropriação de terras dos latifundiários cubanos e a nacionalização
das pertencentes a estrangeiros. Para tanto, foi criado o Ministerio de Recuperación
de Bienes Malversados, cuja atuação formou um fundo de terras que distribuiu 2,7
milhões de hectares para quase 100 mil camponeses (FABRINI & MARCOS, 2010).
Como a concessão de terras resultante da I Lei de Reforma Agrária contrariava
os grupos sociais até então dominantes, estes se organizaram numa espécie de
“setor contrarrevolucionário no campo” boicotando as ações do Estado (RAMOS
FILHO, 2008; FABRINI & MARCOS, 2010). Como resposta, o Partido criou, em 1961, a
Asociación Nacional de Agricultores Pequeños (ANAP) e, em 1963, lançou a II Lei de
Reforma Agrária.
A ANAP, que representava tanto o campesino individual quanto o cooperado,
foi um passo relevante para o desenvolvimento do cooperativismo. Esta organização
resultou numa articulação política constituída por associações campesinas e se
converteu numa escola prática de educação cooperativa10 (RAMOS FILHO, 2008;
FABRINI & MARCOS, 2010; GONZÁLEZ, 2012; CALLAVA, 2014).
Já a II Lei de Reforma Agrária consolida o caráter “socialista da revolução”, ao
desapropriar, confiscar e nacionalizar terras, até mesmo, de “pequenos proprietários
contrários à revolução” (FABRINI & MARCOS, 2010, p. 80). Concedida a terra cabia
ao Estado implementar as formas de produção e de socialização dessa produção.
A política agrária que seria levada a cabo pela Revolução foi exposta por
Fidel Castro, durante a abertura do Congresso Provincial Campesino realizado em
Santiago de Cuba em fevereiro de 1959. O líder, na ocasião, afirmava que ‘Para
mantener el consumo, para mantener la riqueza, para hacer la Reforma Agraria, no es
posible repartir la tierra en un millón de pedacitos [...] Deben instalarse cooperativas en
los lugares que sean propicios a este tipo de producción y hacerse un cultivo planificado
de los terrenos’ (GONZÁLEZ, 2012, p. 322).
As primeiras cooperativas criadas no período revolucionário foram as
Asociaciones Campesinas11 e as Cooperativas de Créditos y Servicios (CCS) criadas
em 1960 na província de Pínar del Rio12. Esse processo foi uma estratégia adotada
pelos tabacaleros (produtores de tabaco) que sentiram a necessidade de criar um
mecanismo que possibilitasse a continuidade da concessão de créditos agrícolas após
10 Atualmente, a ANAP tem cumprido funções de uma federação de cooperativas representando todos os
associados e as organizações que lhes integram, empresas e instituições governamentais. Essa Asociación
tem promovido o intercâmbio de experiências entre as CCS e CPA com organizações similares em nível
mundial através de seu centro nacional de capacitação (REYS, 2013).
11 Existiram de forma paralela com as Cooperativas de Créditos y Servicios até o final de 1980 quando foram
convertidas em CCSs (GONZÁLEZ, 2012).
12 Existiram outras experiências elementares e intermediárias de cooperação, como as Las Juntas, Las Brigadas Federación de Mujeres Cubanos, Las Brigadas de Ayuda Mutua, Las Cooperativas cañeras e Las Sociedades
Agropecuarias.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Panorama da política agrícola em Cuba: entre o coletivismo e a cooperação
Aline dos Santos Lima | Guiomar Inez Germani | Jesús Cruz Reyes
61
a desativação do Banco de Fomento Agrícola e Industrial de Cuba e da Compañía
Norteamérica Cuban Land que financiavam a produção de tabaco antes da Revolução
(FABRINI & MARCOS, 2010; GONZÁLEZ, 2012).
Com o I Congresso do Partido Comunista, em 1975, o cooperativismo passou
a ter pleno apoio do Estado, sobretudo entre os campesinos que foram beneficiados
com as terras da reforma agrária. São constituídas, então, as Cooperativas de
Producción Agropecuaria (CPA) que, junto com as CCS, formam um importante
movimento cooperativista na agricultura cubana (GONZÁLEZ, 2012).
É importante esclarecer que na “ótica marxista ortodoxa” o núcleo familiar é
central na ordenação das relações sociais de produção. Entretanto, os princípios que
fundamentaram o socialismo cubano desde a Revolução foram coletivistas, ou seja,
cada um de acordo com as suas possibilidades e a cada um de acordo com o seu
trabalho. Essa perspectiva se sustenta teoricamente na seguinte ideia: o sujeito que
trabalha com a família num determinado lote possui uma mentalidade próxima do
ideal burguês (individualista), ou seja, é alguém que nega o processo de socialização
e coletivização dos meios de produção e que está na contramão do ‘espírito coletivo’,
pilar da construção do socialismo. Por conta disso, a agricultura familiar camponesa
não se constituiu como uma prioridade na Ilha (FABRINI & MARCOS, 2010).
O processo de organização da agricultura cubana se formou, então, a partir de
uma política agrícola pautada na estatização da terra, na centralização e na produção
em escala “ao estilo da revolução verde” (FABRINI & MARCOS, 2010, p. 79-80). Contudo,
o modelo agrícola começou a apresentar sinais de esgotamento na década de 1980,
quando o elevado uso de insumos já não correspondia em aumento da produção
(FABRINI & MARCOS, 2010; GONZÁLEZ, 2012; PALAZÓN, 2012).
Acrescenta-se, ainda, a queda do bloco socialista e, consequentemente,
a perda do principal mercado comprador e exportador da Ilha. Essa conjuntura
desembocou numa crise nacional conhecida como Periodo Especial 13 cujas
implicações afetaram todas as dimensões da vida. Para enfrentar as dificuldades o
Estado adotou uma série de medidas.
O setor agrário foi reestruturado, o que provocou o “deslocamento” da
agricultura coletiva estatal para uma agricultura coletiva cooperativista, pois as
CCSs e as CPAs se encontravam melhor preparadas para funcionar do que a empresa
estatal14. Como desdobramento, são criadas, em setembro 1993, as Unidades Básicas
de Produção Cooperativa (UBPCs).
13 Caracterizado pela “elevação dos preços e à falta de alimentos resultantes da crise que se abateu” com o
fim da URSS (FABRINI & MARCOS, 2010, p. 132).
14 Em 1990, apenas 27% das empresas agrícolas estatais eram rentáveis, ao passo que, 80% das CPAs tinham
boa rentabilidade (GONZÁLEZ, 2012, p. 326-327).
62
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Em 1994, houve a reabertura dos agromercados (mercados agropecuário),
fechados desde 198615. Essa medida favoreceu o surgimento de uma agricultura
orgânica nas áreas urbanas com vistas a produzir alimentos utilizando técnicas de
agroecologia (FABRINI & MARCOS, 2010; PALAZÓN, 2012). A reativação do Setor
Agropecuário contou, ainda com a autorização do Estado para que as famílias que
desejarem tenha acesso a terra. Ademais, desde 2007, o Estado tem melhorado o
valor do preço do leite, da carne e dos produtos agrícolas (GONZÁLEZ, 2012).
As modificações não param por aí. Estão em curso uma série de transformações
na economia cubana. Tais mudanças derivam dos acordos do VI Congresso do PCC
realizado em 2011, e abrem um espaço maior para a criação de cooperativas em
diferentes setores (VI CONGRESO DEL PARTIDO COMINISTA DE CUBA, 2011; REYS, 2013).
Formas de produção cooperativa em Cuba: ccs, cpa e ubpc
Em Cuba, as cooperativas de produção representam uma das formas de
organização empresarial ao lado das empresas estatais e sociedades mercantis.
Existem três modalidades de cooperativas criadas em distintas conjunturas
socioespaciais: as Cooperativas de Créditos e Serviços, as Cooperativas de Produção
Agropecuária e as Unidades Básicas de Produção Cooperativa.
Em 2013, essas três formas compreendiam 51% (5.222) das 10.246
organizações existentes no país, conforme Quadro 2. Porém, uma parte significativa
delas não funciona realmente como cooperativa porque não desfrutam da autonomia
necessária para tomar decisões básicas como a comercialização dos seus produtos
(REYS & HARNECKER, 2012).
Quadro 2 – Cuba: formas de cooperativa (2009):
TIPO
QUANTIDADE
N°
%
CCS
2.502
47,9
CPA
909
17,4
UBPC
1.811
34,7
TOTAL
5.222
FONTE: Oficina Nacional de Estadística e Información.
ELABORAÇAO: Aline dos Santos Lima.
15 Estes funcionam “em lugar determinado pelo Estado” onde é autorizada a comercialização dos excedentes dos planos anuais que devem ser cumpridos pelas fazendas estatais, CPAs, UBPCs e CCSs, muito embora
exista um comércio paralelo (FABRINI & MARCOS, 2010).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Panorama da política agrícola em Cuba: entre o coletivismo e a cooperação
Aline dos Santos Lima | Guiomar Inez Germani | Jesús Cruz Reyes
63
Nas CCSs, cada camponês possui seu lote de terra, ou seja, mantem a condição
de proprietários individuais da terra e dos meios de produção explorados com
o trabalho familiar, portanto sua estrutura nega a produção coletiva. Tudo que é
produzido pela família é comercializado com o intermédio da cooperativa na qual
o camponês está vinculado. Embora sigam “planos de produção” esses sujeitos
tem “relativa autonomia”. Se, em determinado momento, um sócio se desvincula
da Cooperativa ele retoma sua condição de proprietário dos meios de produção
(CALLAVA, 2014).
As CCSs podem ser “fortalecidas” ou “não fortalecidas” a depender da
adequação a determinados critérios e que são avaliados pelo Ministerio de la
Agricultura” (Minag) em conjunto com representantes da ANAP16. Aquelas que são
“fortalecidas” possuem uma equipe responsável pelo acompanhamento de pesagem
da produção, verificação da qualidade, assessoria contábil, dentre outros. Por sua
vez, nas CCSs “não fortalecidas”, a organização é de responsabilidade dos próprios
camponeses (FABRINI & MARCOS, 2010, p. 128).
Por sua vez, as CPAs são formadas por campesinos que incorporam suas terras
e instrumentos de trabalho à cooperativa, passando da condição de proprietários
para trabalhadores coletivos (GONZÁLEZ, 2012). Ou seja, é uma forma de cooperação
mais socializada do que a CCSs. Todas as CPAs têm um plano de metas elaborado
pela cooperativa sob a supervisão do Estado que adquire a produção, embora o
excedente possa ser vendido nos agromercados.
As UBPCs foram criadas a partir de decadentes granjas estatais com um
modelo inspirado no sucesso das CPAs. Apesar disso, adotam uma “nova” forma
de produção coletiva na qual os trabalhadores assumem a gestão e a posse dos
instrumentos de trabalho. A remuneração dos trabalhadores é proporcional à
produção, diferentemente do passado quando cada trabalhador da fazenda estatal
possuía um salário fixo. Mesmo assim, os obreros agrícolas (trabalhadores) ainda
carecem de autonomia, pois a comercialização é regulada pelo Estado por meio de
planos anuais que definem os compradores, a área e o volume da produção.
Inicialmente, as UBPCs atuavam no setor canavieiro, e, posteriormente,
foram replicadas no plantio de gêneros alimentícios para atender as necessidades
de seus trabalhadores ou à comercialização. Com a criação das UBPCs a agricultura
cubana muda significativamente, a ponto de a área agrícola cultivada por formas
cooperativas passar de 15% em 1989 para 70% em 1999 (GONZÁLEZ, 2012, 329).
Para Palazón (2012), as UBPC são as formas de organização produtiva
que conta ao mesmo tempo com maior número de recursos e resultados mais
16 O conjunto de critérios é: existência de uma sede para administração; realização de encontros, reuniões
da diretoria e assembleias; equipamentos agrícolas coletivos; boa qualidade e volume de produção (FABRINI
& MARCOS, 2010, p. 116).
64
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
deficientes17. Contribuiu para isso as condições de seu surgimento, já que foram
criadas na década de 1990 “de manera fortuita y a partir de las entidades estatales
agrícolas on el objetivo de ganar flexibilidad, pero el entorno en el que han operado se
lo ha impedido” (PALAZÓN, 2012, p. 20).
Já para GONZÁLEZ (2012), “La trayectoria y experiencia positiva de las CPA de
más de 20 años sirvió de modelo para la proyección y constitución de las UBPC” que
transformou obreros agrícolas “de la noche a la mañana em propietarios colectivos
(cooperativistas)” (GONZÁLEZ, 2012, p. 328). Essa mesma questão já havia sido
analisada por Fabrini & Marcos (2010). Para esses dois geógrafos brasileiros, quando
a “produção açucareira” era um “bom negócio” as granjas estavam nas mãos do
Estado. Com a decadência, “elas foram repassadas aos trabalhadores para que dessem
respostas positivas à crise” (FABRINI & MARCOS, 2010, p. 86).
Além das produções coletivas (CPA e UBPC) e das familiares/particulares
(CCS) existem às fincas. Estas passaram a existir, “recentemente”, e são exploradas em
“terras remanescentes de fazendas estatais arruinadas ou de proprietários que não
possuem recurso para explorá-las” (FABRINI & MARCOS, 2010, p. 117). Geralmente,
produzem alimentos de autoconsumo para o abastecimento da população de
pequenas cidades.
Para Fabrini & Marcos (2010), o modelo agrícola cubano apresenta uma série
de percalços para a questão agrária. Em primeiro lugar, o Estado impõe limites para o
acesso aos meios de produção, sem contar nos baixos preços pagos pelos produtos
agrícolas, além de priorizar a agricultura coletiva realizada pelas CPAs e UBPCs. Para
os autores, tais aspectos indicam a existência de um “problema agrário estrutural”
em Cuba. Ou seja, uma “questão agrária, não necessariamente centralizada na possa
da terra, mas no processo produtivo” (FABRINI & MARCOS, 2010, p. 15).
Considerações finais
A cooperação incontestavelmente é uma forma de organização do trabalho e de
produção que aumenta a produtividade, melhora a eficiência e promove o desenvolvimento das forças produtivas. Em Cuba, durante os 56 anos de Revolução, a agricultura
atravessou distintos momentos e as cooperativas contribuíram para o desenvolvimento
da agropecuária adquirindo importância crescente e que tende a se ampliar.
Nesse mais de meio século, o setor agropecuário foi integrado por três tipos de
cooperativas – as UBPCs, as CPAs, as CCSs –, o que conduz a reflexão sobre as formas
17 Já que o Estado proporciona estímulos ao setor como a “distribuição de divisas” para a “aquisição de máquinas e equipamentos” para as “unidades” produtoras de açúcar que sejam “eficientes”. Contudo, para gozar
desse benefício à UBPC deve “cumprir rigorosamente as determinações” do Minaz (FABRINI & MARCOS, 2010,
p. 89-90).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Panorama da política agrícola em Cuba: entre o coletivismo e a cooperação
Aline dos Santos Lima | Guiomar Inez Germani | Jesús Cruz Reyes
65
de propriedade e de gestão da produção. É importante destacar a eficiência das CCS
e dos campesinos privados ao passo que as CPAs vêm diminuindo de quantidade
e as UBPCs vêm sofrendo com ineficiência e dificuldade em cumprir os contratos.
A economia cubana tem muitos desafios para prosseguir com seu modelo e
fazer frente às difíceis mudanças internacionais e problemas internos. Uma demanda
recorrente é a necessidade de atingir a soberania alimentar em bases sustentáveis
reduzindo a dependência externa.
O sexto Congresso do Partido realizado, em 2011, atualizou o modelo
econômico cubano com o objetivo de garantir a continuidade do Socialismo. Os
lineamentos dessa Política Económica y Social del Partido y la Revolución passaram a
permitir e a orientar a criação de cooperativas como forma socialista de propriedade
coletiva em diferentes setores e não exclusivamente na agricultura.
Referências
BARICKMAN, Bert Jud. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão
no Recôncavo, 1780-1860. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.
CALLAVA, Ivette García. Diagnóstico integral de la gestión cooperativa de la UBPC Organopónico Vivero Alamar. Propuestas de acciones estratégicas para su desarrollo. La Habana-Cuba: Facultad de Economía da Universidad de La Habana, 2014. (Mestrado em Economia).
FABRINI, João Edmilson. Os assentamentos de trabalhadores rurais sem terra do Centro-Oeste/PR enquanto território de resistência camponesa. Presidente Prudente-SP: UNESP,
2002. (Doutorado em Geografia).
FABRINI, João Edmilson. MARCOS, Valéria de. Os camponeses e a práxis da produção coletiva. São Paulo: Expressão Popular/UNESP/Programa de Pós-graduação em Geografia, 2010.
(Geografia em movimento).
LIMA, Aline dos Santos Lima. GERMANI, Guiomar Inez. Cooperativismo e reprodução do capital
no espaço rural brasileiro. In: ENCUENTRO DE GEÓGRAFOS DE AMÉRICA LATINA, 15., 2015, La
Habana-Cuba. Programa Científico XV EGAL. La Habana-Cuba: Palacio de Convenciones,
2015. p. 1-14.
MULLER, Geraldo. Tentativa de criação de um conglomerado de capital nacional. In: LOUREIRO,
Maria Rita Garcia. (Org.). Cooperativas agrícolas e capitalismo no Brasil. São Paulo: Cortez/
Autores Associados, 1981. (Coleção teoria e prática sociais). (p. 97-131).
PALAZÓN, Lisset Cárdenas. UBPC Trece de Marzo. Análisis de la evolución de los indicadores económicos productivos en el período 2008-2011. La Habana-Cuba: Facultad de
Economía da Universidad de La Habana, 2012. (Graduação em Economia).
PEISO, Avelino Fernández. Notas características del marco legal del ambiente cooperativo
cubano. In: HARNECKER, Camila Piñeiro (Org). Cooperativas y socialismo: una mirada desde
Cuba. La Habana: Editorial Caminos, 2012. (p. 366-396).
66
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente
solidária. São Paulo: Saraiva, 2004.
___. A doutrina cooperativa e a problemática do desenvolvimento econômico. In: PINHO, Diva
Benevides. A problemática cooperativista no desenvolvimento econômico. São Paulo:
Fundação Frierich Nauman, 1973. (15-47).
___. Que é cooperativismo. São Paulo: Buriti, 1966.
RAMOS FILHO, Eraldo da Silva. “El campesino pobre no purde existir! Dónde tiene ingresso,
tiene resultado social”: a revolução agrária em Cuba. Revista Ateliê Geográfico, Goiânia-GO,
v. 2, n. 1, p. 150161, mai. 2008.
REYES, Jesús Cruz. Cooperativas de segundo grado en Cuba (experiencia de 1982/86). In: CONGRESO DE LA ASOCIACION NACIONAL DE ECONOMISTAS Y CONTADORES DE CUBA, 7., 2013,
La Habana-Cuba. Anais VII ANEC. La Habana-Cuba: Palacio de Convenciones, 2013. p. 1-10.
REYES, Jesús Cruz. HARNECKER, Camila Piñeiro. Una introducción a las cooperativas. In:
HARNECKER, Camila Piñeiro (Org). Cooperativas y socialismo: una mirada desde Cuba. La
Habana: Editorial Caminos, 2012. (p. 31-54).
SCHNEIDER, João Elmo. O cooperativismo agrícola na dinâmica social do desenvolvimento
periférico dependente: o caso brasileiro. In: LOUREIRO, Maria Rita Garcia. (Org.). Cooperativas
agrícolas e capitalismo no Brasil. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1981. (Coleção
teoria e prática sociais). (p. 11-40).
SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.
VI CONGRESO DEL PARTIDO COMINISTA DE CUBA. Lineminetos de la Política Económica y
Social del Partido y la Revolución. Cuba, 2011.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Panorama da política agrícola em Cuba: entre o coletivismo e a cooperação
Aline dos Santos Lima | Guiomar Inez Germani | Jesús Cruz Reyes
67
As mudanças na dinâmica social
dos reassentados das vilas
produtivas rurais do projeto São
Francisco
CHANGES IN THE SOCIAL DYNAMICS OF RESETTLED
VILLAGES OF RURAL PRODUCTIVE RIVER SAN
FRANCISCO PROJECT
Álvaro Xavier Santos Pastor
Universidade Regional do Cariri1
[email protected]
Ana Roberta Duarte Piancó
Universidade Regional do Cariri2
[email protected]
Resumo: Este artigo analisa de forma sucinta algumas mudanças no modo de vida famílias
relocadas de suas moradias originais para as chamadas Vilas Produtivas Rurais planejadas
pelo Ministério da Integração Nacional no Projeto de Integração do Rio São Francisco com
Bacias do Nordeste Setentrional. Após uma breve exposição técnica da obra de transposição,
as vilas produtivas são exploradas no intuito de mostrar as propostas de sua função social e
prática e de sua infraestrutura tencionando exibir um breve panorama de como era e de como
passou a ser a dinâmica social destas famílias, focando o aspecto agrário, tendo em vista a
realidade de como o mesmo é tratado no Brasil. Como recurso metodológico foi realizado
pesquisa documental e entrevistas com reassentados, além, da minha própria experiência
de campo, após ter trabalhado de forma direta, nos processos de construção e ocupação das
referidas vilas, tendo sempre como referência central a opinião e o relato dos reassentados,
objetivando obter informações que possibilitem uma análise dos elementos que compõem
dois modos distintos de vida no âmbito rural – antes e depois das vilas – para assim possamos
ter subsídios que propiciem propostas de aprimoramentos no modelo agrário brasileiro de
reassentamentos.
Palavras-chave: dinâmica social, vilas, mudanças, reassentamento, rural.
Abstract: This article discusses briefly some changes in the way of life of families relocated from
their original homes to so-called Productive Rural Villages (Vilas Produtivas Rurais), planned by
1
Discente de Graduação de Licenciatura em Geografia pela Universidade Regional do Cariri.
2 Profª. Me. em Geografia do Departamento de Geociências da Universidade Regional do Cariri, líder do
grupo de pesquisa CNPq- Território, espaço e movimentos sociais.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
the Ministry of National Integration for the São Francisco River Integration Project to connect
with the watersheds in the northern part of Northeast Brazil. After a short technical description
of the work, productive villages are investigated in order to show the proposals of their social
and practical function and their infrastructure, intending to display a brief overview of how
this was and has become the social dynamics of these families, focusing on the agricultural
aspect, given the reality of how this is treated in Brazil. Methodological resources consisted
in documental research and interviews with the dislocated population, apart from my own
personal field experience, after having worked directly in the construction and occupation,
based on the opinion and the report of these people as central reference, aiming to obtain
information and allowing an analysis of the elements of two distinct modes of living in rural
areas - before and after the construction of the villages – in order to obtain details that provide
proposals for the improvement in the Brazilian agrarian model of resettlement.
Keywords: social dynamics, villages, changes, resettlement, rural
Introdução
A partir do processo formação das Vilas Produtivas Rurais (VPRs) do
Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste
Setentrional (PISF), e do processo de ocupação das mesmas seguindo um modelo de
reassentamentos em agrovilas bem parecido com o modelo dos perímetros irrigados,
foram tomadas como estudo de caso as vilas Baixio dos Grandes e Captação no
município de Cabrobó e Negreiros, no município de Salgueiro todas em Pernambuco,
que foram as primeiras postas em funcionamento.
A pesquisa documental e a observação de campo, bem como, entrevistas
com alguns moradores das VPRs, somadas à experiência do trabalho nesse ambiente
durante quatro anos foram os principais recursos metodológicos utilizados.
Justifica-se o trabalho por meio da análise dos fatores que caracterizaram
as principais mudanças no trabalho e na vida das pessoas que compõe as unidades
familiares que passaram a habitar estes módulos residenciais com fins de produção
agrícola familiar num modelo de agrovila que remete aos Perímetros Irrigados
planejados pela SUDENE no inicio da década de 80, segundo DINIZ (1999) com o intuito
de “solucionar” o problema das longas estiagens na “região problema” (grifos da autora).
O objetivo geral traduz-se na comparação entre os fatores que possam ser
considerados positivos e negativos dentro do processo de transição observado a
fim de se poder obter conhecimento de causa para argumentar e questionar sobre
uma possível expansão do modelo dentro do quadro agrário brasileiro.
Os objetivos específicos são: 1. Dar uma ideia geral a respeito do Projeto São
Francisco com intuito de contextualizar o leitor a respeito desse empreendimento; 2.
Explanar sobre o processo construtivo das vilas produtivas rurais (VPRs) apresentando
dados que esclarecem seu contexto social. 3. Confrontar fatos relevantes referentes
ao modus vivendi dos camponeses antes e depois da ocupação das vilas.
70
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Breve histórico sobre o Rio São Francisco
De acordo com dados do Ministério da Integração Nacional (MI), o Rio São
Francisco, foi descoberto em 1502, e foi chamado rio da integração nacional por ser
o caminho de ligação do Sudeste e do Centro-Oeste com o Nordeste. Desde as suas
nascentes, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até sua foz, na divisa de Sergipe
e Alagoas, ele percorre 2.700 km banhando cinco Estados (Minas Gerais, Bahia,
Pernambuco, Sergipe e Alagoas).
Ainda de acordo com o MI, dos 168 tributários do Velho Chico, 99 são perenes,
vindo da região central do Brasil sua maior produção de água. A pluviometria da
Bacia do São Francisco varia em média de 1.900 milímetros na área da nascente a 350
milímetros no semiárido nordestino. Por sua vez, os índices de evaporação crescem
inversamente variando entre 500 milímetros/ano, na cabeceira, a 2.200 milímetros/
ano em Petrolina (PE).
A barragem de Sobradinho, projetada para prover a geração de energia
elétrica das usinas operadas pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco, assegura
a regularidade da vazão do rio mesmo no período de estiagens. A água então segue
seu curso até a foz após terem sido consumidos apenas 5% do total da vazão no
Vale do Rio.
O projeto de integração do rio São Francisco – Pisf
O Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas
do Nordeste Setentrional é um empreendimento do Governo Federal, sob a
responsabilidade do Ministério da Integração Nacional (MI). De acordo com a
proposta, o projeto objetiva oferecer água para 12 milhões de habitantes de 390
municípios do Agreste e do Sertão dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e
Rio Grande do Norte.
Conforme a proposta técnica do MI, a integração do rio São Francisco com
bacias de rios temporários do Semiárido será possível com a retirada contínua de
26,4 m³/s de água, o equivalente a apenas 1,42% da vazão garantida pela barragem
de Sobradinho.
O Projeto de Integração do Rio São Francisco está projetado para funcionar
por meio de dois canais: o eixo Norte, com captação em Cabrobó – PE e que levará
água para os sertões de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, e o Leste,
captação em Floresta – PE, que beneficiará parte dos sertões e das regiões agreste
de Pernambuco e da Paraíba. Ambos percorrerão respectivamente 402 e 220 km
integrando bacias no decorrer do percurso.
Os canais são concebidos na forma trapezoidal, revestidos com uma camada
plástica impermeável e recobertos de concreto. Possuem ainda uma faixa de domínio
de 100 metros para cada lado, que deve ser completamente cercada de forma a
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
As mudanças na dinâmica social dos reassentados das vilas produtivas rurais do projeto São Francisco
Álvaro Xavier Santos Pastor | Ana Roberta Duarte Piancó
71
impedir o acesso direto de pessoas e animais às águas do canal de transposição,
uma vez que a distribuição dessas águas deve se dar de forma regular, através de,
adutoras, açudes e barragens.
O relatório de impactos ambientais (RIMA, MI, 2004) indica os principais
objetivos do projeto:
•
Aumentar a oferta de água, com garantia de atendimento ao Semiárido;
•
Fornecer água de forma complementar para açudes existentes na região,
viabilizando melhor gestão da água;
•
Reduzir as diferenças regionais causadas pela oferta desigual da água.
O RIMA também propõe, como estratégia do projeto, assistência prioritária
às comunidades que povoarão os entornos do eixo dos canais visando diminuir o
“êxodo rural”.
As vilas produtivas rurais do projeto São Francisco
A análise dos impactos ambientais descritos no EIA/RIMA foi precedida da
elaboração de um PBA (Plano Básico Ambiental). Este plano teria a finalidade de ser
apresentado ao IBAMA com vistas ao licenciamento da obra, funcionando como
roteiro básico das atividades e planejamentos organizacionais da obra diretamente
condicionados as questões ambientais.
Assim, no PBA, foram descritos 38 (trinta e oito) programas ambientais
divididos por sua estrutura funcional, ligados à implantação da obra. A monitoração
desses programas foi então dividida em três estruturas funcionais principais: o meio
físico, o meio biótico e o meio antrópico, Monitorando respectivamente o âmbito
natural com foco na paisagem estrutural, a fauna e flora com apoio de entidades
como a Universidade do Vale do São Francisco (UNIVASF), encarregada da captura
de animais nas áreas diretamente atingidas pela obra e os impactos produzidos nas
relações humanas. É no meio antrópico que se insere o PBA 08: Programa Básico
Ambiental de Reassentamento das Populações.
Em 2005, o PBA 08 previa inicialmente a construção de 14 agrovilas
denominadas de Vilas Produtivas Rurais que deveriam atender as populações que
residiam na linha por onde o canal de transposição está sendo construído, definindo
como público alvo para esses reassentamentos famílias proprietárias ou não de terras
e ou moradias nas áreas afetadas diretamente pelo projeto.
Estas vilas são compostas de casas de aproximadamente 100m² com três
quartos, sala, banheiro com sanitário, área de serviço e cozinha, locadas em um
terreno de meio hectare (100x50 metros) com vistas a produção ou criação de
animais, além de que cada família a ocupar a vila, ainda teria direito a um lote de terra
chamado de lote produtivo com tamanho variável de acordo com a área destinada a
esse fim. Dispõe de toda uma infraestrutura básica composta por ruas não calçadas,
porém topograficamente projetadas e compactadas, iluminação pública, sistema
72
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
de distribuição de água e energia elétrica, sistema de esgoto, quadra de esportes,
campo de futebol, escola e posto médico além de prédio para funcionamento de
associação de moradores e área destinada à construção de templo religioso. Todo o
perímetro externo da agrovila é cercado tendo em vista a não invasão e apropriação
indébita de lotes.
O PBA 08 registra ainda que a escolha das áreas para a construção das agrovilas
foi definida em conjunto com as famílias a serem deslocadas através de reuniões
e visitas feitas no período de estudo da obra por uma equipe multidisciplinar
formada por engenheiros ambientais e agrônomos, técnicos agrícolas, psicólogos,
assistentes sociais dentre outros para cuidar dessa relação antrópica, considerando a
identificação com os locais na maioria dos casos, ocupado por estas famílias há anos.
Assim, estas áreas foram selecionadas nos estados de Pernambuco, Ceará e Paraíba
ao longo de uma margem de 2,5 km dos canais, pois um dos critérios construtivos
é que as vilas deveriam ser construídas nas proximidades do canal.
Foi então que em 2008 efetivou-se um convênio do Ministério da Integração
Nacional com o Exército Brasileiro então representado pela Comissão de Obras da 7ª
Região Militar, para a construção das 14 vilas nesses moldes. Em 2009, este numero
foi elevado para 18 vilas visando reassentar 825 famílias, proprietárias ou não, cujo
valor referente às benfeitorias realizadas na terra ou propriedade ocupada não
ultrapassasse o valor de R$ 30.000,00, valor definido com base no valor médio por
reassentamento por família em áreas rurais produtivas da região.
Em 2010 foram inauguradas as 05 primeiras das 18 vilas planejadas pelo MI, à
saber VPR Captação e VPR Baixio dos Grandes, munícipio de Cabrobó, VPR Negreiros e
VPR Uri em Salgueiro e VPR Pilões no município de Verdejante, todas em Pernambuco.
O perfil socioeconomico dos reassentados
Segundo dados do MI, o perfil da maioria dos reassentados das VPRs é de
pessoas cuja principal atividade antes de serem transferidas para as agrovilas era
agricultura na produção de culturas como o feijão, o milho e, no caso dos ocupantes
das VPRs de Cabrobó a cebola, muito cultivada na região.
Para quase cem por cento dessas famílias a renda familiar girava em torno
de um salário mínimo mensal proveniente do trabalho rural, e complementado
apenas pelos benefícios providos pelo Governo Federal como, Bolsa Família. Com a
transferência para as vilas, essas famílias que tiveram que deixar de produzir em suas
antigas terras de trabalho, passaram a receber uma contribuição mensal temporária
do Governo no valor de um salário mínimo e meio, até que fossem distribuídos os
lotes destinados a produção agrícola e os reassentados pudessem desenvolver sua
própria renda familiar. Este item, será melhor explorado adiante.
A escolaridade é variada. Entre as crianças o déficit escolar é praticamente
nulo. Não foram encontrados casos de famílias cujas crianças não frequentam escola.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
As mudanças na dinâmica social dos reassentados das vilas produtivas rurais do projeto São Francisco
Álvaro Xavier Santos Pastor | Ana Roberta Duarte Piancó
73
Entre jovens também na grande maioria dos casos a frequência escolar é cumprida
e muitos inclusive já concluíram o ensino médio, ainda que haja incompatibilidade
entre a idade e a série cursada. Entre os adultos, tem-se uma taxa de analfabetismo
quase nula, sendo que: cerca de 10% da população apenas assina o nome.
Aproximadamente 15% estão em alfabetização, em programas desenvolvidos para
jovens e adultos. 65% sabem ler e escrever tendo o ensino fundamental completo
e 10% concluiu ensino médio. Há ainda casos de frequentantes do ensino superior,
mas são bem pontuais.
O processo de transferência para as VPRs
O processo de transferência das famílias de suas residências de origem para
as VPRs se deu da seguinte maneira: foi formada uma frente de trabalho onde a
responsabilidade pela parte logística das transferências ficou a cargo do Exército
Brasileiro que teve de prover meios de transporte dos objetos pessoais e mobília das
famílias bem como, das pessoas e inclusive, dos animais em veículos apropriados para
cada finalidade. Além disso, o Exército teve que dispor para as famílias alimentação
integral no dia da transferência (café da manhã, almoço, lanches e jantar além de
água para beber), tendo em vista que, as mesmas estariam em fase de transição e
não disporiam da logística necessária para prover a própria alimentação. Equipes
formadas por representantes do Exército junto com técnicos da CMT Engenharia,
empresa contratada pelo MI para o acompanhamento da execução dos PBAs tinham
que acompanhar todo o processo, desde o carregamento dos materiais dos familiares
para os veículos de transporte até o desembarque presando para que não houvesse
danos materiais, uma vez que, a reparação de possíveis danos seria responsabilidade
do MI. Era proibida a participação dos reassentados no carregamento dos objetos,
tendo em vista não ocorrerem acidentes ou lesões por esforço.
Chamou bastante atenção perceber as diferentes reações das pessoas no
processo de transferência. Para a maioria dos jovens com faixa etária entre 0 e 20
anos, a transferência foi muito comemorada pois estavam deixando lugares muitas
vezes inóspitos e distantes, para habitar uma vila com características de condomínio
residencial urbano. Para as pessoas de idade adulta percebia-se ainda uma alegria
serena. Muitos que saíram de terras arrendadas ou de casas que apesar de serem
ocupadas há muitos anos pela mesma família, pertenciam aos patrões, também
esboçavam grande satisfação. Essas pessoas realizavam o sonho da casa e da terra
próprias. No entanto para muitos idosos, apesar da alegria por estarem fazendo parte
de um momento histórico, a tristeza foi inevitável. O apego ao chão muitas vezes
centenário, proveniente da participação na formação de um território (ANDRADE,
2004). Era triste ver a estrutura que antes era viva, pela presença das crianças, animais
e pessoas agora com ar de abandono.
74
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
O que mudou na dinâmica social dos reassentado
Considerando que o território forma-se a partir do espaço e é resultado de uma ação
conduzida por um ator, no caso o Estado, aquele espaço a partir do momento que
sofre a intervenção, passa a ser o território daquele ator através do controle concreto
e disciplinar de um espaço delimitado. (DINIZ, 1999, p.86)
As VPRs marcam sem dúvida uma forma de intervenção do Estado no espaço
agrário, no entanto a mudança de suas moradias de origem para as agrovilas do
Projeto São Francisco, marcou uma alteração drástica na dinâmica social dessas
famílias com benefícios e melhorias mas, também com pontos negativos, em alguns
casos provocados por uma falta parcial de assistência e organização do Governo, e
em outros por questões antrópicas as quais trago neste ponto.
Antes de qualquer coisa, no que se refere ao aspecto humano, o primeiro e
principal impacto causado pela mudança para as agrovilas é agora a realidade da
vida compartilhada em um ambiente de coletividade. Antes, para a maioria das
pessoas que compõe as vilas do PISF, uma vizinhança próxima era apenas formada
por familiares e pessoas próximas que conviviam compartilhando, por exemplo,
do trabalho para um mesmo patrão algo comum no interior principalmente no
sertão, ao que Andrade (2004) chamou de “moradores”, gerações de empregados
se perpetuarem servindo a respectivas gerações de patrões em troca do lugar pra
viver e parte da produção. Assim, apesar de não existirem laços sanguíneos, muitas
vezes formava-se um vinculo familiar entre essas pessoas e famílias onde no máximo
compartilhavam de proximidade física, pessoas de mais afinidade pessoal.
Com a realidade das VPRs, agora uma vizinhança não tão próxima afetivamente
passa a ser uma realidade, apesar de que na organização espacial e na distribuição das
casas para as famílias, laços familiares de primeiro grau eram tidos como prioridades
(PBA-08, 2005), ou seja, filhos, pais e irmãos deveriam habitar próximos nas vilas.
Mesmo assim, proximidade com pessoas não tão próximas foram se tornando um
obstáculo e um problema a ser vencido, traduzindo-se em uma grande necessidade
de adaptação cultural e em alguns casos um verdadeiro “teste de tolerância”.
Desde os primeiros anos escolares aprendemos que uma característica da
vida no campo é a distancia entre as residências, notadamente maior que nas
áreas urbanas tal como As casas das agrovilas agora estavam distantes umas das
outras de apenas 50 metros. Daí no inicio constatou-se problemas como: conflitos
entre pessoas que aos fins de semana tinham hábitos como ouvir uma musica em
volume mais alto, que antes não tinham vizinhos para incomodar e que agora têm
que respeitar o direito do vizinho que prefere o silêncio; ou a invasão das galinhas
ou outros animais domésticos de uma casa na vizinha, de alguma forma afetando
a convivência entre pessoas.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
As mudanças na dinâmica social dos reassentados das vilas produtivas rurais do projeto São Francisco
Álvaro Xavier Santos Pastor | Ana Roberta Duarte Piancó
75
A vida nas agrovilas tende mais à urbanidade, à coletividade, ao que Lefebvre
(1999) chamou de “expansão do tecido urbano”. A construção já previa associação de
moradores, pois, agora tudo é decidido em comum e para aquelas pessoas principalmente de mais idade vindas de uma cultura mais austera marcada por autoritarismo
dos “patriarcas” familiares o compartilhamento de opiniões e decisões passa a ser
realmente um obstáculo a ser vencido. Por isso, no inicio da ocupação das agrovilas,
conflitos provenientes de divergências de opiniões tornaram-se muito comuns.
E estes conflitos acabaram gerando ainda outros problemas tais como a
dificuldade de manter alguém na liderança da associação de moradores, pois, como
as tomadas de decisões nem sempre agradavam a todos, as partes discordantes
acabavam se virando contra a pessoa da liderança da comunidade com acusações do
tipo incentivo e utilização da posição de liderança comunitária para atendimento aos
próprios interesses e até denuncias muitas vezes inconsistentes de corrupção. Em três
das cinco agrovilas, a liderança mudou pelo menos uma vez ainda no primeiro ano
de gestão, por desistência do líder inicial, em detrimento destes tipos de conflitos.
Outra problemática se levantava agora em torno da questão produtiva e do
trabalho dos moradores das vilas. Em muitos casos, chefes de famílias deixaram
mesmo antes de habitar as vilas, o trabalho na agricultura para compor frentes de
trabalho como empregados das empresas envolvidas nas obras do PISF. Alguns
inclusive trabalharam na própria construção da VPR em que morariam. Isso era
inclusive exigência do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) que determinava
que a mão de obra dos projetos tivesse que ser de habitantes locais. No principio, isso
era algo muito positivo e movimentou bastante a economia dos municípios anfitriões
de lotes das obras do PISF. No entanto com a conclusão de algumas etapas e a não
continuação sincronizada de etapas que deveriam ser subsequentes nas obras, e
ainda a paralisação quase total das obras após a transição do governo Lula para o
governo Dilma houve sérios impactos negativos, pois na entrega das agrovilas, os
lotes produtivos, destinados à agricultura ainda não haviam sido repartidos nem
estruturados. Isso fez com que muitos chefes de famílias agora, desempregados,
tivessem que depender unicamente do auxilio do governo destinado às famílias.
Quanto a esse auxilio havia ainda muita insegurança por parte das famílias, sobre
até quando o governo manteria o benefício e se o mesmo perduraria até o inicio
da etapa produtiva das VPRs.
Mais um problema de cunho antrópico, caracterizado por Monte-Mór (2006)
como efeitos dos “germes da polis”3³, se deu pelo fato de homens que nasceram com
o hábito do trabalho, como elemento da cultura do sertanejo, viam-se agora de-
3 “germes da polis” foi o termo usado por Roberto Monte-Mór em seu artigo “O que é o urbano no mundo
contemporâneo”. O autor se refere às características da cidade industrial que se estendem sobre o meio rural
trazendo consigo a práxis da política urbana já moldada pelo capitalismo moderno.
76
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
sempregados e sem perspectiva de trabalho nem na agricultura, pela falta dos lotes
produtivos, nem nas “firmas” como eles costumam chamar as empresas das obras.
Mais um grande problema se deu, paradoxalmente, por causa da falta de
abastecimento de água nas VPRs. Como as redes de distribuição de água faziam parte
do escopo da obra do projeto das vilas, a empresa contratada para a construção das
mesmas construiu um reservatório principal em cada uma delas do qual derivava
uma rede de abastecimento que atendia às caixas d’água individuais de cada uma
das casas. O problema se deu por conta de que no inicio das obras, ainda não se
tinha definição sobre de onde viria à água para atender os reservatórios principais,
chamados castelos d’água. Com as obras de construção das agrovilas já iniciadas, foi
acertado entre o MI e a CRO/7 (Exército) que teriam de ser elaborados projetos de
adutoras para atender estas vilas trazendo água das redes de distribuição já existentes
nas regiões. A CRO/7 contratou uma empresa que elaborou estes projetos, sendo
que, para que os mesmos pudessem ser executados deveriam passar por aprovação
da concessionária de água (Compesa, no caso de Pernambuco), e ainda haver um
processo licitatório para a construção das mesmas, visto que não faziam parte do
escopo inicial das obras das vilas.
Com todas essas questões burocráticas e a paralização das obras, as adutoras
não saíram do papel. Assim, paradoxalmente, uma obra que deveria resolver o
problema da água para essa porção da sociedade, acarretou ainda mais sofrimento.
O abastecimento desde a ocupação dessas vilas passou a ser feito por meio de carros
pipa. Os moradores das vilas reclamam da quantidade de água fornecida por dia
por família.
A quantidade foi determinada pelo MI baseado num cálculo aproximado de
500l de água por dia para cada família, onde muitas dessas famílias em suas antigas
casas possuíam água encanada e ininterrupta, proveniente de poços, cacimbões,
e até mesmo do Rio São Francisco como no caso dos moradores da VPR Captação
que fica a aproximadamente a 3 km do rio.
Outra problemática: as redes elétricas das VPRs foram construídas por empresa
contratada pelo Exército e no período da entrega dessas agrovilas, foram ligadas pela
concessionária de energia de Pernambuco, a CELPE, porém, também por questões
burocráticas, de acordo com o departamento de projetos da Companhia, a rede
deveria ser doada pelo MI à concessionária, o que não aconteceu. Por isso, essas
redes foram ligadas, mas durante muito tempo não foram cadastradas pela Celpe,
consequentemente não fazendo parte do seu sistema informatizado. Mesmo assim
medidores foram instalados nas residências dos reassentados, que passaram a pagar
tarifas em geral mais altas que nas residências de origem, visto que tarifas como a de
iluminação pública não eram cobradas antes. Enfim, por conta desse não cadastro
das redes elétricas das vilas, na ocorrência de defeitos nessas redes, ao solicitarem a
manutenção por parte da concessionária, os atendentes não enxergavam a existência
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
As mudanças na dinâmica social dos reassentados das vilas produtivas rurais do projeto São Francisco
Álvaro Xavier Santos Pastor | Ana Roberta Duarte Piancó
77
das redes no sistema da empresa. Por isso em alguns casos como na vila de Pilões em
Verdejante, moradores informaram que chegaram passar até três dias sem energia
elétrica, sendo necessária intervenção do Exército para conseguir a manutenção
por parte da empresa de energia local.
Todas essas questões aqui levantadas tomaram um rumo de questionamentos
e reclamações dos reassentados mediante ao MI provocando uma reação que se
tornou de esperança e entusiasmo no inicio da obra para insatisfação e frustração,
pois muitos desses problemas não faziam parte da realidade anterior destas pessoas.
Apesar de tudo isso alguns pontos positivos também foram levados em
conta, como por exemplo, a coleta de lixo que não havia antes e passou a existir nas
agrovilas, decorrente de intervenção do MI junto às prefeituras.
A maior viabilidade de movimentação das pessoas das vilas aos centros dos
respectivos municípios para muitas pessoas também foi ponto de avanço. Foram
vistos casos em que filhos de famílias que antes tinham que passar a semana fora
de casa por trabalhar ou estudar na zona urbana e que agora podem ir e voltar
todos os dias por estarem mais próximas dos centros e por então terem acesso ao
transporte escolar.
Para as famílias que não eram proprietárias de suas casas e terras de trabalho,
outro ponto bastante positivo foi à conquista das terras e residência próprias, apesar
das unânimes reclamações de demora nesse processo da documentação oficial de
posse das novas propriedades.
Conclusão
A partir de todas as informações que foram coletadas, sendo a maior parte
delas fruto de vivência como já antes mencionado, obteve-se como resultado principal a constatação de uma falta de estrutura e planejamento por parte da máquina
estatal em empreendimentos de grande porte envolvendo atores componentes da
sociedade, principalmente representante das classes menos favorecidas.
Percebe-se ainda que a falta de sincronismo nas etapas do Projeto São
Francisco bem como o excesso de burocracia e falta coordenação naquilo que
tange às relações entre os governos municipal, estadual e federal para viabilização
e agilização de processos, provoca graves transtornos que afetam desde a
infraestrutura necessária à subsistência de famílias envolvidas até refletir de forma
direta nos municípios que recebem as obras.
No entanto, a iniciativa desse modelo de reassentamento é boa e tem potencial
para formar verdadeiras comunidades produtivas e sustentáveis necessitando para
isso, ter um olhar mais cuidadoso por parte do Estado nos sentido de aparar essas
arestas, viabilizando e promovendo uma forma eficiente e eficaz de se estabelecer
famílias dentro de um ambiente agrário democrático, organizado e que atenda as
necessidades das populações atingidas.
78
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Alguns fatores foram pontos de dificuldade na elaboração desse trabalho.
Entre eles a falta de referências bibliográficas mais especificas voltadas para a
realidade dos reassentamentos do governo no formato de agrovilas. Mesmo assim,
um dos objetivos foi passar algo da experiência vivenciada nesse processo com
tantos elementos possíveis de ser geograficamente explorados.
Fica então algo que pode servir de ponto de partida para uma exploração
mais profunda que contribua para uma compreensão das relações sociais entre os
indivíduos alvo da ainda ineficiente e às vezes perversa política agrária do nosso
país, e o seu agente promotor, o Estado.
Os problemas aqui levantados exprimem a realidade e o dia a dia de uma
parcela de brasileiros que ainda sofrem com o abandono das responsabilidades
sociais no país por parte dos atores responsáveis. É fruto de uma vivência real a
qual tentei expor de maneira imparcial e apartidária para que assim, possam de
certa maneira servir como objeto de estudo e compreensão de muitas realidades,
como em um laboratório.
Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. A questão do território no Brasil. São Paulo, Hucitec,2004.
BORGES, Fabiane Macedo. O associativismo no projeto São Francisco: Estudo de caso da
Vila Produtiva Rural Negreiros. Dissertação de mestrado. Brasília. UNB, 2004.
DINIZ, Aldiva Sales. A intervenção do estado e as relações de poder na construção dos
perímetros irrigados do Nordeste. Revista Casa da Geografia de Sobral. Ano l n.l ,1999.
LEFEBVRE, Henry. A revolução urbana. Belo Horizonte, Ed UFMG, 1999.
MI – MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, O Rio e seus números. Disponível em: <http://
www.integracao.gov.br/web/guest/o-rio-e-seus-numeros> Acesso em 14 janeiro 2015.
______. Estudos de Impacto Ambiental (EIA). Projeto de integração do Rio São Francisco
com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, 2004.
______. Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Projeto de integração do Rio São Francisco
com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, 2004.
______. Projeto Básico Ambiental (PBA). Projeto de integração do Rio São Francisco com
Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, 2005.
______. Programa de reassentamento de populações – item 08 (PBA). Projeto de integração
do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, 2004.
Site: https//www.mi.gov.br/projetosaofrancisco, acessado em 10, 14, 22 e 30 de junho de 2013.
MONTE-MÓR, Roberto Luís. O que é urbano, no mundo contemporâneo. Revista Paranaense
de Desenvolvimento. Curitiba. n. 111, p.09-18
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
As mudanças na dinâmica social dos reassentados das vilas produtivas rurais do projeto São Francisco
Álvaro Xavier Santos Pastor | Ana Roberta Duarte Piancó
79
Novo cenário na microrregião
geográfica da Campanha
Meridional: a rearticulação
do espaço rural frente à cadeia
produtiva da fruticultura visando
o desenvolimento regional
NUEVO ESCENARIO EN LA MICRORREGIÓN GEOGRÁFICA
DE LA CAMPAÑA MERIDIONAL: LA REARTICULACIÓN
DEL ESPACIO RURAL FRENTE A LA CADENA PRODUCTIVA
DE LA FRUTICULTURA CON VISTA AL DESARROLLO
REGIONAL
Ana Luiza Pinto Alves
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
Meri Lourdes Bezzi
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
Resumo: A pesquisa tem como objetivo geral analisar as transformações espaciais da
Microrregião Geográfica da Campanha Meridional mediante a inserção da fruticultura, que
surge na tentativa de dinamizar a economia local/regional. A Microrregião em análise está
localizada na Metade Sul do Estado do Rio Grande do Sul, a qual é constituída por cinco
municípios (Aceguá, Bagé, Dom Pedrito, Hulha Negra e Lavras do Sul), tendo sua economia
baseada na pecuária extensiva tradicional e, mais recentemente, nas lavouras de arroz e de soja.
Desta forma, buscam-se diversificar a produção regional, por meio de políticas públicas, para
tentar reverter o atraso econômico que este recorte regional apresenta, se comparado a outros.
Assim, a fruticultura representa a influência do capital como um agente que “tenta” romper
as barreiras impostas por tradições seculares, na tentativa de desenvolvimento regional.
Palavras-chave: Transformações espaciais. Desenvolvimento regional. Fruticultura.
Resumen: Este trabajo tiene como objetivo general analizar las transformaciones espaciales de
la microrregión geográfica de la campaña meridional, a través de la inserción de la fruticultura
que se manifiesta pretendiendo dinamizar la economía local/regional. La Microrregión en
estudio se localiza en la mitad sur del Estado de Rio Grande do Sul, está constituida por cinco
municipios (Aceguá, Bagé, Dom Pedrito, Hulha Negra e Lavras do Sul), su economía se basa
en la tradicional ganadería extensiva, y recientemente en los cultivos de arroz y soya. De esta
manera se busca diversificar la producción regional mediante políticas públicas, para intentar
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
revertir el atraso económico que presenta esta región, cuando se compara con otras regiones.
En este sentido, la fruticultura representa la influencia del capital como un factor que intenta
romper las barreras de tradiciones impuestas hace siglos, pretendiendo el desarrollo regional.
Palabras Clave: Transformaciones espaciales, Desarrollo Regional, Fruticultura.
Introdução
A organização do espaço está intimamente atrelada à transformação e
evolução da sociedade, mantendo-se em um processo contínuo de desenvolvimento,
sendo esta determinada pela tecnologia, pela cultura e pelas relações sociais que
a empreendem.
O estabelecimento de um processo produtivo da sociedade, da forma como
organiza os meios de produção, determina a produção e a transformação do espaço.
Desta forma, o espaço constitui-se no palco para as diferentes atividades humanas,
de acordo com seus distintos interesses (MORAES, 2009).
O espaço geográfico apresenta em cada momento histórico as características
da sociedade que o produz e/ou reproduz. Esta dinâmica é constante no processo
evolutivo das sociedades, acarretando transformações profundas, originando novas
formas e fazendo com que velhas formas assumam novas funções (SANTOS, 1978).
Neste sentido, pode-se citar as atividades agropecuárias, as quais têm
passado por diversas e importantes transformações, mediante a modernização
de suas atividades. Assim, o espaço rural se redesenha e se reorganiza na medida
em que novos atores econômicos e tecnologias são incorporados à sua produção,
rearticulando econômica e socialmente o local e o regional.
Desta forma, a pesquisa tem como objetivo analisar as transformações
espaciais da Microrregião Geográfica da Campanha Meridional (MRG 031) mediante a
inserção da fruticultura, que surge como uma das formas para dinamizar a economia
local/regional (Figura 1).
Ressalta-se a pertinência deste estudo, pois a Microrregião em análise está
localizada na Metade Sul do Estado do Rio Grande do Sul, a qual é constituída por
cinco municípios (Aceguá, Bagé, Dom Pedrito, Hulha Negra e Lavras do Sul), sendo
considerada como um dos recortes espaciais mais atrasados economicamente,
constituindo uma microrregião que alia sob a ótica da cultura, a política, com a
formação de lideranças regionais que se perpetuam no poder e na economia por
meio da coexistência da pecuária extensiva tradicional e a inserção de novos atores
econômicos, que marcam a influência do capital como um agente que “tenta” romper
as barreiras impostas por tradições seculares.
82
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Figura 1: Mapa de localização da MRG da Campanha Meridional (MRG 031)
Fonte: IBGE, 2015.
Org.: ALVES, A. L. P., 2015.
A estrutura metodológica da pesquisa está divida em etapas. Na primeira,
realizou-se o levantamento bibliográfico, o qual estruturou a matriz teórica do
trabalho. Posteriormente, coletaram-se dados, relativos ao espaço agrário, no
Sistema IBGE de Recuperação Automática. A terceira etapa, esteve relacionada ao
trabalho de campo, em que foi possível realizar entrevistas com os órgãos gestores
(Secretarias de Agricultura e Pecuária, EMATER, Associações e Sindicatos Rurais) e
com produtores rurais (amostragem aleatória, de modo intencional). Por fim, a última
etapa, consistiu na análise e interpretação dos resultados.
1 Referencial teórico
1.1 Globalização, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional
O processo de globalização ocorre com maior ou menor intensidade em
diversos países, apresentando diferenciação dentro de um mesmo local. Isto
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Novo cenário na microrregião geográfica da Campanha Meridional: a rearticulação...
Ana Luiza Pinto Alves | Meri Lourdes Bezzi
83
ocorre devido à variabilidade de atrativos de determinado lugar, dentro de uma
rede global. Estes atrativos estão relacionados a fatores, tais como potencialidades,
tanto no mercado externo quanto no interno, importância e disponibilidade de
matéria prima, políticas públicas em nível estadual e nacional e, até mesmo, o nível
de corrupção da gestão.
Neste sentido, Campanhola; Graziano da Silva (2000, p. 15) afirmam
A globalização não distribui seus custos e benefícios igualmente entre os diferentes
países, nem elimina a necessidade de haver a intervenção dos estados nacionais
para a integração regional, pois toda a lógica do seu movimento tem um caráter de
concorrência predatória e de especulação patrimonialista, que só pode ser contida e
regulada por novas formas e por reforços dos mecanismos de intervenção delineados
nas políticas públicas.
A globalização tende a excluir países, regiões, territórios e lugares, ela
está longe de ser um fenômeno mundial de homogeneização, mas de exclusão,
aumentando as desigualdades e diferenciando áreas. Nesta perspectiva, Santos
(1996, p. 271) afirma que “Não existe um espaço global, mas, apenas, espaços da
globalização. [...] O Mundo, porém, é apenas um conjunto de possibilidades, cuja
efetivação depende das oportunidades oferecidas pelos lugares”.
As estratégias locais são direcionadas de acordo com as forças globais, em
que há uma dependência mútua. Para a estruturação de estratégias, destaca-se a
relevância do papel do governo na gestão e na criação de políticas públicas que
venham a contribuir no desenvolvimento local/regional, pois esse, dado o uso das
atribuições que lhes são conferidas, deve representar e atender os anseios do Estado,
pensando de modo estratégico e agindo com planejamento, almejando o bem
público, a qual ocorre com a intervenção de políticas públicas (SILVA; BASSI, 2011).
Então, torna-se fundamental, saber o papel do poder público na regulamentação, gestão e criação de políticas públicas, a qual difere entre lugares, regiões e
até mesmo dentro de um país. Neste sentido, resgata-se Farah Júnior (2012, p. 39),
quando o autor afirma
O Estado moderno tem vários papéis a desempenhar em uma sociedade como a brasileira,
que tem características multiculturais, sociais, econômicas e produtivas. São realidades
bastante diferentes em cada região, estados federados e, dentro destes, em suas diversas
regiões. Portanto, não há uma regra e orientação única para que o poder público, em
seus três níveis de poder, atue para atender as necessidades e demandas da sociedade.
Contudo, o planejamento para a gestão das políticas públicas torna-se um
fator determinante, em que essas devem ser mais do que a geração de intenções,
buscando privilegiar ações, pois se sabe que existem inúmeras políticas públicas, e
que se fossem executadas trariam diversos benefícios coletivos, porém, nem sempre
são de fácil acesso a todos que necessitam.
84
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Neste sentido, é importante a realização de diagnósticos e prognósticos
para a execução de um planejamento, pois de acordo com Campanhola; Graziano
da Silva (2000, p. 20)
Mediante um diagnóstico bem elaborado, pode-se identificar os principais problemas
e reivindicações e propor as principais linhas de uma política de desenvolvimento para
o município. Entre essas linhas destacam-se: a qualidade de vida; a renda dos agricultores familiares; o acesso a novas tecnologias e alternativas de produção que garantam
a qualidade e a conservação do meio ambiente; a infraestrutura produtiva e social; a
assistência técnica e a formação profissional dos agricultores; a qualidade da educação
rural; o acesso à saúde gratuita; a valorização do conhecimento e da cultura da população
local, a participação dos jovens, mulheres e idosos; e a organização dos agricultores e sua
participação nas decisões que envolvam as políticas para o município. [...] A elaboração
de planos e políticas, porém, é apenas o início do processo. Resta saber como essas
políticas serão implantadas e, mais que isso, como elas serão monitoradas e avaliadas.
Considerando o planejamento, não basta atrair grandes empresas, é necessário
o planejamento das políticas por parte do poder público para que elas sejam eficientes. É essencial que haja uma análise social, econômica e cultural de cada região e/
ou lugar que se possa planejar. Para isso é necessário a contribuição da população,
para que se construa juntamente a este grupo, propostas que venham a minimizar
e/ou resolver as dificuldades locais/regionais.
No entanto, o que se tem realmente, é a influência direta de grandes empresas
internacionais, as quais se sobrepõem ao Estado. Tal fato ocorre, pois se tem um
Estado pouco organizado para atuar no planejamento territorial, promovendo o
desenvolvimento de uma nação, estado, região ou munícipio, deixa-se a mercê do
capital o controle de regulação. Portanto, a ação pública concentra-se na atração de
empresas, como se elas fossem a grande saída para o desenvolvimento (CARGNIN, 2011).
Desse modo, há muitas vezes o descaso com os interesses locais e regionais,
em que o planejamento torna-se mera articulação governamental, sem que haja
a participação e a integração da população neste processo. Neste sentido, Farah
Júnior (2012, p. 50) relata
No estágio atual da sociedade brasileira há um consenso de que, embora o poder
público tenha um papel relevante na ordenação e planejamento do futuro do país,
estados e municípios, isoladamente o governo, embora disponha de muitos recursos
não sob seu domínio todas as competências, recursos, habilidades e saberes para equacionar todas as carências da sociedade. [...] maior chance de sucesso quando ocorre a
participação efetiva da sociedade por meio de órgãos e entidades que representem
trabalhadores e empresários, instituições públicas e privadas de fomento, pesquisa,
ciência e tecnologia, entre tantas outras existentes. É aqui que se requer por parte
do poder público, a busca da integração e da sinergia às ações (governamentais e
não governamentais) [...] que poderão ser realizadas em conjunto com a sociedade e
encontrar a solução dos problemas local, regional, estadual, inter-regional e nacional.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Novo cenário na microrregião geográfica da Campanha Meridional: a rearticulação...
Ana Luiza Pinto Alves | Meri Lourdes Bezzi
85
Considerando a importância do planejamento em escala regional, Cargnin (2011)
aborda que a grande dificuldade de realizá-lo, está relacionada ao fato de os representantes regionais não fazerem parte de uma estrutura político-administrativa do Estado,
os quais não possuem capacidade direta de gestão e nem participação em orçamentos.
Desse modo, os atores locais se sobrepõem aos regionais, negociando diretamente com
escalas maiores. Neste sentido, é necessária a articulação desses últimos, priorizando o
desenvolvimento da região e não apenas de um determinado local.
Neste contexto, o desenvolvimento regional resulta de duas forças, a
externa (dinâmica econômica e de reprodução do capital) e a interna (aspectos
sociais e ambientais), em que ambas devem ser analisadas e consideradas para o
desenvolvimento de políticas públicas. Porém, é nesse processo de integração dos
interesses locais aos globais, que os agentes regionais encontram dificuldades.
De acordo com Siedenberg (2003, p. 166) observa-se que
As diretrizes de desenvolvimento atualmente empregadas são uma mescla de experiências, resignações, restrições e possibilidades, e a globalização do conhecimento
funde e reapresenta, constantemente, ideias, estratégias e práticas de sucesso com
outras ainda não consolidadas ou, mesmo, com concepções e políticas que, pelas
mais diferentes razões, não tiveram êxito em outros espaços.
Portanto, não basta aplicar uma teoria e/ou um modelo de desenvolvimento,
para que as estratégias sejam eficazes, é necessário que haja o aproveitamento
das diferenças regionais, aproveitando as suas vantagens e especificidades. O
desenvolvimento não ocorre de modo uniforme no espaço, por isso têm-se regiões
mais desenvolvidas, se comparadas a outras.
Com estas diferenciações regionais, têm-se espaços mais competitivos e
estratégicos que outros. Desta forma, o que se observa é uma influência global
atuando sobre o regional e o local, pois essa vem influenciando diretamente, a
partir de tomadas de decisões, optando por uma determinada localização em um
território específico, pensando unicamente em sua estratégia de mercado, gerando
investimentos e oportunidades de empregos e negócios naquele local, acentuando
ainda mais as desigualdades existentes. E o que se observa, é um Estado tentando
regular e evitar ainda mais as fragilidades sociais e econômicas (CARGNIN, 2011).
Pode-se afirmar então que não há uma única alternativa para alcançar o
desenvolvimento regional, para isso, deve-se respeitar e compreender as particularidades locais, sejam elas de ordem social, econômica e/ou cultural.
1.2 Cadeias Produtivas
A conceituação de cadeia produtiva foi desenvolvida para que se possa
compreender a visão sistêmica, em que os diversos atores estão interconectados por
fluxos de materiais, de capital e de informação, com o objetivo de suprir o mercado
86
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
consumidor final com os produtos do sistema. Neste sentido, Haguenauer et al (2001,
p. 6) conceitua cadeia produtiva como “[...] o conjunto das atividades, nas diversas
etapas de processamento ou montagem, que transforma matérias primas básicas
em produtos finais”.
A gênese deste conceito está baseado na produção agropecuária e florestal.
No entanto, com o decorrer do tempo, foi sendo utilizado em outros setores, o que
permitiu utilizar as suas capacidades e ferramentas para a formulação de estratégias
e políticas de desenvolvimento em uma ampla gama de processos produtivos. Neste
sentido, Castro; Lima; Cristo (2002, p. 8) enfatizam
[...] o conceito de cadeia produtiva originou-se no setor agrícola, a partir da necessidade de ampliação da visão de dentro da porteira para antes e depois da porteira da
fazenda. Nesta concepção, uma cadeia produtiva agropecuária seria composta por
elos que englobariam as organizações supridoras de insumos básicos para a produção
agrícola ou agroindustrial, as fazendas e agroindústrias com seus processos produtivos,
as unidades de comercialização atacadista e varejista e os consumidores finais, todo
conectados por fluxos de capital, materiais e de informação.
Pode-se afirmar que a cadeia produtiva deve ser compreendida dentro de sistemas. Destaca-se que a análise sistêmica surge para ser utilizada em planejamentos
estratégicos, visando buscar um marco conceitual para determinar estratégias de
orientação, possibilitando maior compreensão, intervenção e gestão da agropecuária
(JOHNSON et al, 1992).
Nesta perspectiva, Haguenauer et al, (2001, p. 6) afirmam
Cadeias intensamente integradas no país propagam, internamente à cadeia, movimentos de expansão ou retração, conformando, portanto, um espaço analítico privilegiado
para a observação de mudanças estruturais na composição do PIB. Também aspectos
relevantes da inserção externa da economia poder ser melhor apreendidos mediante
o uso dessa categoria, analisando-se a articulação das cadeias nacionais com cadeias
internacionais. [...] ampliam o mercado às atividades a montante da cadeia nacional
e indicam possíveis fragilidades ou baixo dinamismo nos setores a jusante. [...] sinalizando áreas potencialmente críticas no caso do agravamento das restrições externas
ao crescimento da economia.
Desta forma, a ideia de cadeia produtiva vem sendo utilizada pelas Ciências
Sociais Aplicadas, Economia, Administração e pela Engenharia de Produção. Com a
emergência deste novo conceito, o uso do termo “cadeia produtiva” tem por objetivo
permitir ou facilitar a visualização, de forma integral, das diversas etapas e agentes
envolvidos na produção, desde a distribuição, comercialização, serviços de apoio e
até o consumo de uma determinada mercadoria.
Enfatiza-se que cada cadeia produtiva demonstra sua função, para que se
possa analisar, organizar e compreender os processos produtivos, podendo-se
examinar os desempenhos e as oportunidades desperdiçadas em cada sistema.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Novo cenário na microrregião geográfica da Campanha Meridional: a rearticulação...
Ana Luiza Pinto Alves | Meri Lourdes Bezzi
87
Desse modo, pode-se entender o termo cadeia produtiva como a produção
de qualquer produto, que envolva todos os elementos associados ao seu processo
produtivo, desde a preparação da terra para o plantio, até o produto final nas mãos
do consumidor.
O estudo das cadeias produtivas permite ampliar a compreensão sobre o
ambiente em que estão inseridas. A partir desta visão sistêmica, os atores locais/
regionais podem compreender e se inter-relacionar, identificando os principais
entraves e as potencialidades para que as mesmas possam competir (SILVA, 2005).
Ressalta-se então, a crescente organização das cadeias produtivas, as
quais objetivam elevar a competitividade frente ao mercado, reestruturando
seus processos produtivos, integrando diversas empresas e setores de produção,
armazenamento, distribuição e comercialização.
2 A cadeia produtiva da fruticultura e sua viabilidade ao desenvolvimento
regional na Campanha Meridional
A economia da Microrregião Geográfica da Campanha Meridional está
estruturada no setor primário, principalmente na pecuária bovina, ovina e equina,
e pela agricultura com base na lavoura de arroz, e mais recentemente, no cultivo
da soja. Ressalta-se que esses produtos estão na melhor fase econômica já ocorrida
neste setor ao longo da história.
No entanto, apesar do excelente momento econômico, alguns produtores
são excluídos deste processo. Desta forma, foram criados programas de incentivo ao
desenvolvimento da fruticultura, para que os mesmos tivessem novas possibilidades,
além de diversificar os produtos do campo na microrregião e em toda Metade Sul
do Estado do Rio Grande do Sul.
A fruticultura começou a receber incentivos a partir da década de 90, com o
objetivo de diminuir as desigualdades econômicas, sociais e regionais da Metade Sul
do Rio Grande do Sul. Para essa finalidade, vários setores governamentais juntamente
com iniciativas privadas vêm elaborando estratégias de desenvolvimento, via
aproveitamento da vocação regional agrícola, diversificando as atividades do setor
primário. Entre as medidas, pode-se citar o Programa de Desenvolvimento da
Fruticultura Irrigada na Metade Sul/RS, criado em 1997 e o Programa Estadual de
Fruticultura (PROFRUTA/RS), no ano de 2001 (RATHMANN, R.; et al., 2006).
Ressalta-se que ambos os programas têm como portfólio o incentivo para a
adesão de agricultores a cadeias produtivas com rendimentos acima do padrão das
tradicionais culturas da região, além de ter entre suas metas reverter o processo de
importação de frutas, através de novos polos econômicos. Entre as particularidades
desses, pode-se citar de acordo com Rathmann et al (2006, p. 18)
a) o crescimento da demanda mundial de frutas na ordem de 5% ao ano, com tendência
crescente; b) mais de 70% das frutas consumidas no mundo são de clima temperado,
88
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
tendo o Brasil pequena participação neste mercado; c) existência de capacidade ociosa
em câmaras frias de frigoríficos que podem servir para o armazenamento da produção; d) o Rio Grande do Sul tem potencialidades para tornar-se um grande produtor
e exportador de frutas de clima temperado, dadas suas condições edafoclimáticas e
disponibilidade de terras para o cultivo.
Os projetos de incentivo à fruticultura na Metade Sul do Estado podem ser
considerados como alternativas para o desenvolvimento local/regional. A fruticultura
é desenvolvida geralmente em médias e grandes unidades produtivas, quando essa é
desenvolvida em pequena propriedade, normalmente o produtor é capitalizado com
outras fontes de renda distintas do campo. Neste sentido, é importante enfatizar que
alguns pequenos produtores não se propõem a desenvolver este tipo de atividade,
já que possuem menores espaços para produção, não podendo colocar em risco
partes de sua propriedade para uma cultura sem lucro garantido.
Pode-se afirmar que a fruticultura representa uma possibilidade e/ou
alternativa para o desenvolvimento econômico local/regional das atividades
agropecuárias, pois a fruticultura não concorre com as lavouras e a pecuária, uma
vez que, são realizadas de forma consorciada. Entre os principais frutos cultivados
na Campanha Meridional, tem-se: uva vinífera, uva de mesa, azeitona, melancia,
pêssego e figo. Ainda em pequena escala, tem-se o cultivo de melão e frutas cítricas,
tais como a laranja e a bergamota1.
Entre os diversos fatores que contribuíram para a inserção da fruticultura
na Campanha Gaúcha, o fator determinante foi o clima favorável a esta atividade
apresentando características similares ao clima da região do Mediterrâneo, criando
condições propícias principalmente para o cultivo de uvas viníferas.
O Programa Estadual de Fruticultura aponta alguns problemas quanto a cadeia
produtiva da fruticultura, entre os principais entraves estão a alta perecibilidade
das frutas. Desta forma, projetos mais modernos deveriam ser instaurados para a
conservação dos frutos. Para que isso seja possível, é necessária a implantação de
câmaras frias, o que resulta em um maior prazo de validade dos frutos até chegar
ao mercado consumidor interno ou para a exportação (GOVERNO DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL, 2003).
Neste sentido, João et al (2002, p. 76) afirmam que
É sobremaneira importante que cada fruta tenha a sua cadeia produtiva devidamente estruturada, fato que começa pelo seu estudo. Os diversos segmentos, desde
viveiristas, fruticultores, comerciantes e industriais devem ter relações fortes entre si
e formarem parcerias com entidades públicas e privadas. Somente unidos em torno
1 Ressalta-se que neste trabalho irá abordar apenas a produção de vitivinicultura e oliveiras, pois são os
frutos mais representativos na MRG em análise.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Novo cenário na microrregião geográfica da Campanha Meridional: a rearticulação...
Ana Luiza Pinto Alves | Meri Lourdes Bezzi
89
do seu produto e buscando qualidade é que estarão preparados para os desafios,
ameaças e oportunidades vindas do mercado (local, estadual, nacional e exterior).
É importante enfatizar também que esta proposta de diversificação da
produção, não substituem os cultivos tradicionais. Elas coexistem com a matriz
econômica (pecuária-arroz-soja), sendo um complemento e/ou alternativa produtiva,
uma vez que, os períodos de safras da fruticultura são distintos aos da lavoura. Assim,
é possível ao produtor, uma distribuição dos rendimentos ao longo do ano.
Neste sentido, percebe-se, de acordo com as entrevistas realizadas com os
produtores, que os diversos programas e incentivos governamentais para a expansão
desta cadeia produtiva na microrregião, acabam beneficiando produtores que
possuem uma economia estável, que não dependem exclusivamente do campo,
pois são médicos, militares, aposentados, advogados, entre outros.
Ressalta-se que a fruticultura quando instaladas em pequenas propriedades,
por meio de políticas públicas e por doação de mudas, tais como o PROFRUTA e o
Olivais do Pampa2, estas produções possuem pouco ou nenhum acompanhamento
técnico, ou então, não estão adequadas para aquele tipo de solo. É importante
salientar que tentar inserir cadeias produtivas de alto custo e ainda sem indústrias
de beneficiamento aos pequenos produtores, é colocá-los em uma situação de
risco, tanto econômico quanto socialmente, pois no início, os produtores recebem
apoio técnico e incentivo, no entanto, pela escassez de técnicos, acabam não sendo
acompanhados nas demais etapas de produção.
Está ocorrendo no Município de Hulha Negra, o desenvolvimento de um
projeto de vitivinicultura orgânica, em 22 pequenas propriedades, meio hectare por
produtor, destinado à uva para suco. A ideia é que o suco seja produzido localmente,
juntamente com o Município de Candiota, com a finalidade de ser comercializado
localmente e para merenda escolar. O desenvolvimento deste projeto contará
com a ajuda técnica da EMATER local e regional, UFPel e Governo do Estado do Rio
Grande do Sul.
O alto valor do custo de plantio e manutenção dos parreirais de uva fez com
que o cultivo declinasse nos últimos anos, pois todo custo de produção são de
responsabilidade dos produtores. Assim, as únicas beneficiadas, com esta produção,
2 O Projeto Olivais no Pampa tem como objetivo beneficiar pequenos e médios produtores, abrangendo
cinco municípios da região do Pampa Gaúcho (Bagé, Candiota, Hulha Negra, Quaraí e Aceguá). Mediante o
desenvolvimento deste cultivo, pretende-se fomentar a olivicultura, trabalhando toda a cadeia produtiva,
desde o plantio até a comercialização, para obter o “azeite de oliva extra virgem do pampa”. Ressalta-se que
para a execução deste projeto, tem-se como parceria, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
juntamente com o Governo da Itália. Desta forma, o programa fornecerá as mudas para os produtores, além
da assistência técnica, sendo de responsabilidade municipal, o preparo do solo para o plantio. No entanto,
os insumos e os serviços técnicos necessários para sua implantação ficam ao cargo do produtor selecionado
(PREFEITURA MUNICIPAL DE BAGÉ, 2015).
90
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
são as vinícolas. É importante salientar que existem, ainda que poucos produtores
de uva, que estão produzindo vinhos artesanais e comercializando localmente. Estes
produtores não vivem exclusivamente da vinícola, pois são também pecuaristas,
agricultores de hortigranjeiros, de arroz e de soja (Figura 2).
É importante destacar que os produtores repassam suas safras para as
vinícolas da Serra Gaúcha, entre elas a Salton e a Miolo e, também para a vinícola
local Peruzzo. Há ainda, a presença de indústrias de beneficiamento situadas nos
municípios vizinhos, o que torna a produção de uva, uma alternativa produtiva na
microrregião, mas com muitas dificuldades a serem superadas.
Figura 2 – Parreiras de uva na MRG Campanha Meridional
Fonte: Trabalho de Campo, 2015.
Org.: ALVES, A. L. P., 2015.
Em relação aos produtores de oliveiras – geralmente antigo produtor de uva
– salienta-se que estão se organizando por meio de associativismos, tendo como
objetivo a estruturação de uma pequena agroindústria para produção do Azeite de
Oliva Extra Virgem do Pampa. Entretanto, não existem dados desta iniciativa local,
uma vez que, ainda não houve colheita (Figura 3).
Entre os entraves ao desenvolvimento da fruticultura é relativo a mão de
obra, sendo difícil manter os trabalhadores no campo. As facilidades e confortos
da cidade acabam atraindo os mesmos. Desse modo, está cada vez mais escassa a
mão de obra para trabalhar no meio rural, pois muitas vezes, eles preferem trabalhar
informalmente na cidade, morando em áreas suburbanas, com trabalho braçal, com
baixa remuneração, para ficar próximo da família.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Novo cenário na microrregião geográfica da Campanha Meridional: a rearticulação...
Ana Luiza Pinto Alves | Meri Lourdes Bezzi
91
Outro problema observado em campo é a necessidade do produtor da
Campanha Meridional em aprender à utilizar a assistência técnica, pois muitos
reclamam da falta de ajuda, mas raramente solicitaram auxílio técnico da EMATER,
prefeitura e/ou outros órgãos. Em relação ao acompanhamento técnico disponível
pela EMATER, este não é suficiente, devido aos poucos profissionais disponíveis e
ao grande número de propriedades e pelas grandes distâncias entre as mesmas.
Figura 3 – Plantio de Oliveiras na Microrregião em análise
Fonte: Trabalho de campo, 2015.
Org.: ALVES, A. L. P., 2015.
Os médios e grandes produtores contratam assessorias e técnicos, ou também
recebem auxílio dos vendedores de insumos. Os pequenos produtores precisam
de auxílio constante, pois muitas vezes, acabam sendo desestimulados pela baixa
produtividade ou pela perda de suas produções.
Em relação às linhas de crédito, a maioria dos produtores de fruticultura
realizam financiamentos, geralmente os oriundos do PRONAF3 (Mais Alimentos).
3 O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) tem como objetivo apoiar por
meio de financiamento as atividades agropecuárias ou não-agropecuárias, para implantação, ampliação ou
modernização da estrutura de produção, beneficiamento, industrialização e de serviços, no estabelecimento rural ou em áreas comunitárias rurais. Por meio deste programa, pretende-se promover o aumento da
produção e da produtividade e a redução dos custos de produção, visando à elevação da renda da família
produtora rural. Esta forma de crédito pode ser obtida de modo individual ou formalizada por um grupo de
produtores. Dentro deste programa têm-se oito linhas de crédito: 1) Pronaf Agroindústria; 2) Pronaf Mulher;
3) Pronaf Agroecologia; 4) Pronaf ECO; 5) Pronaf Mais Alimentos; 6) Pronaf Composição de Dívidas; 7) Pronaf
Jovem e 8) Pronaf Microcrédito (BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO – BNDES, 2015).
92
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
No entanto, os entrevistados reclamam da burocracia existente nos bancos e a
demora em liberação do crédito. Quanto ao agricultor familiar, este sofre mais que
o assentado para ter acesso ao crédito, pois este último dispõe de um número maior
de programas do governo.
Ressalta-se ainda, a precariedades das estradas de todo interior dos municípios que compõem esta microrregião, pois acaba interferindo no escoamento
da produção, na locomoção do produtor e também na acessibilidade dos técnicos
chegarem até as propriedades, o que se torna um dos principais problemas a ser
superado.
Considerações
A fruticultura vem sendo desenvolvida em todos os municípios da Campanha
Meridional, devido principalmente, às boas condições edafoclimáticas e a
disponibilidade de terras para o plantio.
Desta forma, busca-se desenvolver novos mercados e manter os que já estão
estruturados, o que exige dinamismo e interação entre todos os atores da cadeia
produtiva da fruticultura, desde os produtores, os comerciantes e até os industriais,
para que possam formar parcerias. O acompanhamento técnico desde o plantio à
colheita é de extrema importância, pois os resultados sendo satisfatórios estimularão
os produtores. Assim, se teria uma cadeia produtiva mais segura e estável.
Sabe-se que existem programas que visam dinamizar a fruticultura, no
entanto, cabe aos governantes locais, regionais e estaduais, acompanhar como
esses estão sendo executados, verificar se estão sendo eficazes ou se precisam ser
melhorados, identificar os principais entraves e as potencialidades a serem sanadas
e/ou aproveitadas, para que assim se alcance o desenvolvimento regional, tendo
a cadeia produtiva da fruticultura como um membro integrante deste processo.
Referências
BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. Pronaf. http://www.bndes.
gov.br/apoio/pronaf.html. Acesso em 15 de março de 2015.
CAMPANHOLA, C; GRAZIANO DA SILVA, J. Desenvolvimento local e a democratização dos
espaços rurais. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v. 17, n. 1, p. 11-40, jan/abr., 2000.
CASTRO, A. M. G. de; LIMA, S. M. V.; CRISTO, C. M. P. N. Cadeia Produtiva: Marco Conceitual para
Apoiar a Prospecção. XXII Símpósio de Gestão da Inovação Tecnológica, USP, Salvador, 2002.
CARGNIN, A. P. Políticas de desenvolvimento regional no Rio Grande do Sul: vestígios,
marcas e repercussões territoriais. 2011. 317f. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.
FARAH JUNIOR, M. F. Orçamento público e gestão governamental. In: SILVA, C. L. da. (Org.).
Políticas Públicas e Desenvolvimento Local. Petrópolis: Vozes, 2012.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Novo cenário na microrregião geográfica da Campanha Meridional: a rearticulação...
Ana Luiza Pinto Alves | Meri Lourdes Bezzi
93
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Notícias. Profruta/RS traça metas para expansão da fruticultura, Porto Alegre, 16 dez. 2003. http:// www.estado.rs.gov.br/conteudo/179194/
profrutars-traca-metas-para-expansao-da-fruticultura. Acesso em 15 de março de 2015.
HAGUENAUER, L.; BAHIA, L. D.; CASTRO, P. F. DE; RIBEIRO, M. B. Evolução das Cadeias Produtivas Brasileiras na Década de 90. Brasília: IPEA, 2001.
JOÃO, P. L.; et al. Levantamento da Fruticultura Comercial do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: EMATER/RS, 2002.
JOHNSON, B. B.; CASTRO, A. M. G. DE; PAEZ, M. L. & FREITAS FILHO, A. Projetos para a mudança
estratégica em instituições de P&D. Anais do XVII Simpósio Nacional de Gestão da Inovação
Tecnológica, FEA/USP, São Paulo, 1992.
MORAES, F. D. A organização espacial de Mata/RS: reestruturação produtiva no seu espaço
rural. 2009. 155f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de Santa Maria,
Santa Maria, 2009.
PREFEITURA MUNICIPAL DE BAGÉ. Notícias - Olivais do Pampa avança nos campos da
região. http://www.bage.rs.gov.br/noticias_visualiza.php?id=1850. Acesso em 15 de março
de 2015.
RATHMANN, R.; HOFF, D. N.; PADULA, A. D. Estratégias de desenvolvimento regional com base
na diversificação da produção: O desenvolvimento da cadeia frutícola da Região da Campanha
do Estado do Rio Grande do Sul. Teoria e Evidência Econômica, Passo Fundo, v. 14, n. 27, 2006.
SANTOS, M. Por uma Geografia Nova. São Paulo: Hucitec, 1978.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
SIEDENBERG, D. R. A gestão do desenvolvimento: ações e estratégias entre a realidade e a
utopia. In: BECKER; D. F.; WITTMANN, M. L. Desenvolvimento Regional: abordagens interdisciplinares. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 157-173.
SILVA, C. L. da; BASSI, N. S. S. O uso e estudos prospectivos no processo de políticas públicas.
Revista de Políticas Públicas, São Luís, n. 2, v. 15, p. 315-325, 2011. http://www.alice.cnptia.
embrapa.br/bitstream/doc/919997/1/OUSODEESTUDOSPROSPECTIVOSNOPROCESSODEPOLITICASPUBLICAS.pdf. Acesso em 15 de março de 2015.
SILVA, L. C. da. Cadeia produtiva de produtos agrícolas. Boletim Técnico, Vitória, p. 1-10,
2005. http://www.agais.com. Acesso em 20 de outubro de 2014.
94
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Políticas públicas de
desenvolvimento territorial ou de
desenvolvimento do capitalismo
no campo?
DESARROLLO DE LA POLÍTICA PÚBLICA O DEL
CAPITALISMO DESARROLLO TERRITORIAL EN EL CAMPO?
Anderson Antônio da Silva
Faculdade de Tecnologia de Presidente Prudente, Coordenador do NEAGRO
– Núcleo de Estudos Multidisciplinares e Pesquisador do Programa Especial
de Cooperação com o Ministério do Desenvolvimento Agrário MDA-COSAECNPq
[email protected]
Resumo: Este artigo se propõe a fazer uma análise das Políticas Públicas de Desenvolvimento
Territorial Rural (DTR), desenvolvidas no âmbito do Programa Nacional de Desenvolvimento
Sustentável de Territórios Rurais (Pronat), executado pela Secretaria de Desenvolvimento
Territorial (SDT), órgão do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) durante os governos
petistas Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2014). No desenvolvimento da referida pesquisa,
lançamos mão da hipótese que as políticas públicas brasileiras de desenvolvimento territorial
rural, contribuíram muito mais com aprofundamento do desenvolvimento do capitalismo
no campo do que com um contexto que, ao menos do ponto de vista programático, se
dizem antagônicos e, portanto, visam combater. A proposta da presente pesquisa está
consubstanciada na compreensão de que a incorporação do termo territorial a agenda
petista, se dá em meio a um Estado, que se isenta progressivamente de seu papel garantidor
de direitos, através do encolhimento de suas responsabilidades sociais, e com a transferência
destas responsabilidades para a sociedade civil, sobre o viés da participação.
Palavras chave: desenvolvimento territorial, espaço, território, dimensão, multidimensionalidade
Resumen: Este artículo tiene como objetivo hacer un análisis de Políticas Públicas para el
Desarrollo Territorial Rural (DTR), desarrollado en el marco del Programa Nacional para el
Desarrollo Sostenible del Medio Rural (PRONAT), administrado por la Secretaría de Desarrollo
Territorial (SDT), Ministerio de la agencia de Desarrollo Agrícola (MDA) para el gobierno del PT
de Lula (2003-2010) y Dilma (2011-2014). En el desarrollo de esta investigación, se utilizó el
supuesto de que las políticas públicas brasileñas de desarrollo rural territorial, contribuyeron
mucho a la profundización del desarrollo del capitalismo en el campo que en un contexto
que, al menos desde el punto de vista programático, dicen que son antagónicas y por lo tanto
tratar de combate. El propósito de esta investigación se basa en el entendimiento de que la
incorporación de plazo territorial el horario PT , tiene lugar en medio de un estado que es
progresivamente libre de su papel como garante de los derechos , a través de la reducción de
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
sus responsabilidades sociales y la la transferencia de estas responsabilidades a la sociedad
civil , sobre el sesgo de participación.
Palabras clave: desarrollo territorial, el espacio, el territorio, la dimensión, multidimensional
Introdução
No desenvolvimento da pesquisa que deu origem a este artigo, lançamos mão
da hipótese que as políticas públicas brasileiras de desenvolvimento territorial rural,
contribuíram muito mais com aprofundamento do desenvolvimento do capitalismo
no campo, do que com um contexto, que, ao menos do ponto de vista programático,
se dizem antagônicos e, portanto, visam combater.
Nossa proposta de debate está consubstanciada na compreensão de que
a incorporação do termo territorial a agenda petista, se dá em meio a um Estado
mínimo, que se isenta progressivamente de seu papel garantidor de direitos, através
do encolhimento de suas responsabilidades sociais, em meio da transferência destas
responsabilidades para a sociedade civil, sobre o viés da participação. As últimas eleições presidenciais, concluída via segunda turno no dia 26/10/2014, são uma prova
disso, pois manter o Partido dos Trabalhadores – PT no poder, significou entre outras
coisas a manutenção de importantes programas sociais, dentro de estados como bem
define, Santos (2014), considerados pós-neoliberais, a exemplo do Equador e da Bolívia.
Sobre a participação retrocedemos a década de 1990, uma vez que esta
foi marcada pela criação de espaços de trânsito, entre sociedade civil e Estado,
de forma que se torna relevante investigar, qual foi o sentido atribuído pela SDT/
MDA a participação, a partir da análise da capacidade desse programa ministerial
acomodar as demandas dos movimentos sociais, e demais membros da sociedade
civil e do poder público.
A investigação realizada visou apurar até que ponto a arquitetura desta
política pública, que prevê ampla participação social, vista num primeiro momento
como alargamento da democracia no Brasil, com a chegada da esquerda ao poder,
necessita ser analisada criticamente, como um processo de transferência das
responsabilidades sociais do Estado para sociedade civil, sem produzir a emancipação
desta última, transformando a mesma numa instância provedora de serviços, da
qual também participam as universidades e as organizações não-governamentais.
Na posição de “advogado do diabo”, se por um lado a agenda das políticas de
estado no Brasil, há décadas abandonaram a redução das desigualdades regionais,
até pela ausência de um projeto de nação, assunto amplamente conhecido por
nós Geógrafos, o tema territorial emerge num primeiro momento como uma
possibilidade da retoma de escala do desenvolvimento, numa perspectiva mais
abrangente, considerada territorial. Por outro lado, ao tratar o tema territorial como
96
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
uma dimensão do desenvolvimento, incorre ao localismo, ou seja, investem em ações
que não ganham escala para superar, as já mencionadas desigualdades regiões.
Assim, buscou-se apreender quais foram às estratégias de intervenção,
adotadas pela SDT/MDA durante este período, delimitando dentro de qual contexto,
e a partir da adoção de quais princípios, práticas, conceitos, tanto no plano político,
prático e ideológico, o “desenvolvimento territorial” desenvolvido por esse programa
ministerial foi possível.
A conjuntura na qual emerge a associação do termo “territorial” as políticas
públicas de desenvolvimento rural brasileiras
Inicialmente gostaríamos de pontuar em que cenário, ou seja, em que
conjuntura emerge a associação do termo “territorial” as políticas públicas de
desenvolvimento rural brasileiras. Para tanto, faz-se necessário lembrar que o uso
do termo territorial, e atribuído às políticas públicas brasileiras desde o governo
Fernando Henrique Cardoso FHC (1985-2002), e tiveram seu escopo intensificado
com a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder.
Durante os governos Lula e Dilma parte dos ministérios, sobretudo aqueles
que direta ou tangencialmente mantinham ligação com redução da pobreza,
desigualdade no campo, redução da fome, ou que de alguma forma, tinham como
missão investir em ações que promovessem a dignidade humana, adotaram o uso
do temo territorial a agenda de seus programas ministeriais. Ou seja, entre os vários
adjetivos que o desenvolvimento já assumiu no Brasil (desenvolvimento ambiental,
endógeno, local, sustentável, humano) a moda agora é adjetivar o modelo de
desenvolvimento das políticas públicas do governo petista com o termo “territorial”.
Sem entrar no mérito (o que faremos mais adiante) do significado conceitual
e polissêmico, que pode ser atribuído ao termo território e/ou territorial, por obras
clássicas da Geografia brasileira, bem como de outras áreas do conhecimento, aqui
vale destacar que a associação da palavra desenvolvimento ao o termo territorial,
(desenvolvimento + território = desenvolvimento mais abrangente), ao menos do
ponto de vista semântico, gera expectativas sobre o novo tipo de “modelo social”
que será adotado pelo PT, no encaminhamento das políticas territoriais em questão,
ou seja, são despertadas novas expectativas, sobre a condução dada à questão dos
direitos civis, políticos, econômicos e sociais do povo brasileiro.
Embora tenha sido extraordinário a retirada de 36 milhões de brasileiros da
linha da pobreza em 13 anos de governo petista, sobretudo a pobreza extrema,
não podemos confundir “alhos com bugalhos”, pois o que estamos discutindo é
a abrangência das políticas públicas territoriais, ou seja, aquilo que ainda não foi
alcançado e/ou conquistado. É sabido que uma abordagem via políticas públicas
mais abrangentes, focada no aprofundamento de direitos civis, da dignidade
humana, exige entre outras coisas, uma revitalização da relação entre capital e estado.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas públicas de desenvolvimento territorial ou de desenvolvimento do capitalismo no campo?
Anderson Antônio da Silva
97
Neste sentido, o caso brasileiro é um caso interessante, pois os governos Lula
e Dilma não mudaram os rumos do modelo de desenvolvimento do país. Seguiram
com um modelo de desenvolvimento neoliberal, porém, com uma participação mais
intensa do estado de forma pontual em algumas frentes, somando-se assim ao que
a literatura designou na América Latina de governos pós-neoliberais, conforme já
citamos anteriormente.
Entretanto, em termos de recorte temporal, lembramos que as políticas
territoriais em questão tiveram sua origem no interior da formulação neoliberal,
da fragmentação industrial, da privatização e terceirização e, sobretudo, da
intensificação do poder do capital financeiro, do qual, diga-se de passagem, o
Brasil tem ampliado sua participação, e num momento em que há nítida mudança
na relação entre conhecimento e produção, visto que atualmente a ciência se
transformou enquanto saber em força produtiva, em um agente constitutivo da
acumulação do capital (CHAUI, 2013).
A este contexto podemos somar a partir do ano 1989 o processo de
liberalização da economia brasileira, ou seja, apenas um ano após a constituinte
de 1988, de forma que a década de 1990 foi marcada pela criação de espaços de
trânsito entre a sociedade civil para o Estado (DAGNINO, 2004).
Este cenário reforça a necessidade de análise sobre o ataque que é feito
aos direitos humanos mínimos para que os homens e as mulheres do campo no
Brasil possam viver com dignidade. Estamos nos referindo a disputa territorial do
agronegócio versus campesinato, disputa essa que também é travada no campo
das políticas públicas.
De acordo com Dagnino (2004) dentre estes espaços podemos destacar
os Conselhos Gestores de Políticas Públicas, instituídos por lei, os Orçamentos
Participativos, que, a partir da experiência pioneira de Porto Alegre, foram
implementados em cerca de cem cidades brasileiras, a maioria governadas por
partidos de esquerda, principalmente o Partido dos Trabalhadores (PT). No entanto,
ao passo que existe uma aposta na atuação conjunta entre estado e sociedade civil,
visando o aprofundamento democrático, lembramos que:
Com a eleição de Collor em 1989 e como parte da estratégia do Estado para a implementação do ajuste neoliberal, há a emergência de um projeto de Estado mínimo
que se isenta progressivamente de seu papel de garantidor de direitos, através do
encolhimento de suas responsabilidades sociais e sua transferência para a sociedade
civil. Este projeto constitui o núcleo duro do bem conhecido processo global de adequação das sociedades ao modelo neoliberal produzido pelo Consenso de Washington
(DAGNINO, 2004, p.97).
O cenário apresentado gerou nos anos que se seguiram um estado de
emergência, sem que ele fosse declarado, pois embora não tenha ocorrido uma
suspensão formal da democracia, pois nos deparamos com o pleno funcionamento
98
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
constitucional, todavia, mesmo com a chegada do PT ao poder em 2003, continuamos
a viver um gradual esvaziamento democrático.
É neste contexto que o governo petista incorpora a sua agenda o termo
territorial, termo este, que notadamente passa ser apresentado pelos documentos
de referência ministeriais como uma nova forma de fazer políticas públicas. Esta
situação gera algo muito bem definido pela colocação de Oliveira (2010) “é óbvio que
aqui o velho ditado continua novo, mudar a aparência para não mudar a essência”,
pois a pergunta que não quer calar é como um estado fortemente influenciado pelo
receituário neoliberal, almeja colocar em prática políticas públicas de cunho “territorial”.
Ao que tudo indica o modelo adotado não é o maximizador das responsabilidades
sociais e, muito menos, orientado para os interesses dos camponeses materializados na
figura das famílias assentadas, dos agricultores familiares proprietários, dos posseiros,
dos ribeirinhos, das atividades extrativistas e dos quilombolas, todos abrangidos ao
menos na teoria pelas políticas territoriais do governo federal.
Uma segunda finalidade diz respeito ao fato de que tanto o projeto
democratizante, quanto o projeto neoliberal apesar de apontar para direções opostas
e até antagônicas, segundo Dagnino (2004, p. 97) requerem ambos uma sociedade
civil ativa e propositiva, o que do nosso ponto de vista cria uma encruzilhada
para os movimentos sociais, sobretudo os de maior representação política como
o MST. Carvalho (1997) chama atenção para o perigo da “inserção institucional”
dos movimentos sociais via participação na estrutura do estado, pois com o ajuste
neoliberal, o sentido do projeto democrático participativo, e da sociedade civil
dentro deste projeto, gestado nos anos 70 e 80, passa a receber no momento atual
outro sentido.
Outro ponto está relacionado à forte participação das agências internacionais
como Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE); Organização
das Nações Unidas Para alimentação e Agricultura (FAO); Fundo Internacional
de Desenvolvimento Agrícola (Fida); Banco Mundial; Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID); Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(Cepal); Instituto Latino-americano e do Caribe de Planificação Econômica e Social
(Ilpes); Agência Alemã de Cooperação Técnica (GTZ) nas quais o governo brasileiro se
apoiou para implantar no país, entre continuidades e descontinuidades, o discurso
do Desenvolvimento Territorial Rural durante os governos FHC, Lula e Dilma.
Essas instituições internacionais, entre outras, também são apresentadas
por Fernández, Amin e Vigil (2008) como as principais influências na formulação
de políticas de desenvolvimento subnacional na América Latina. Os autores
argumentam que a forma como essas instituições internalizaram o discurso
transnacional do desenvolvimento nos países latino-americanos se deu por meio da:
Influência de um corpo teórico majoritariamente germinado e primeiramente introduzido nos países centrais e, posteriormente, assimilado com pouca capacidade crítica
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas públicas de desenvolvimento territorial ou de desenvolvimento do capitalismo no campo?
Anderson Antônio da Silva
99
tanto pelos organismos supranacionais que operam a região, como pelas instituições
nacionais e subnacionais (Fernandez, Amin e Vigil, 2008, p. 50, tradução nossa).
A redefinição da noção de sociedade civil e do que ela designa talvez tenha
constituído o deslocamento mais visível produzido no âmbito da hegemonia do projeto
neoliberal; por isso mesmo o mais estudado. O crescimento acelerado e o novo papel
desempenhado pelas Organizações Não-Governamentais; a emergência do chamado
Terceiro Setor e das Fundações Empresariais, com a forte ênfase numa filantropia
redefinida (Fernandes, 1994; Landim, 1993; Alvarez, 1999; Paoli, 2002; Salamon, 1997);
e a marginalização (a que alguns autores se referem como “criminalização” (Oliveira,
1997) dos movimentos sociais, evidenciam esse movimento de redefinição.
Paralelos a todos estes processos no ano de 1996 tivemos a criação do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A criação do MDA foi a Alternativa
encontrada naquele momento pelo governo FHC para dar resposta às pressões
realizadas pelos movimentos sociais em meio à conjuntura do Massacre de Eldorado
dos Carajás no Estado de Belém do Pará. Em 28 de junho do mesmo ano a partir do
Decreto 1.946 o governo FHC confere a linha de crédito criada em 1995 o status de
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Inicialmente o
Pronaf foi executado pelo Ministério da Agricultura e Abastecimento, e passou a ser
gerenciado pelo (MDA) quando da criação deste. Em 1999 passa ser operacionalizado
especificamente pela Secretaria de Agricultura Familiar (SAF).
No entanto, até o ano de 1996, apenas as ações relativas ao crédito de custeio
foram implementadas, uma vez que a ampliação do programa para as áreas de
investimentos, infra-estrutura e serviços municipais, capacitação e pesquisa, só
ocorreu a partir de 1997, quando o PRONAF ganhou maior dimensão e passou a
operar de forma integrada em todo território nacional.
Segundo o Manual Operacional do PRONAF, o programa visa o fortalecimento
da Agricultura familiar, mediante apoio técnico e financeiro, para promover o
desenvolvimento rural sustentável. Seu objetivo geral consiste em fortalecer a
capacidade produtiva da agricultura familiar; contribuir para a geração de emprego
e renda nas áreas rurais e melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares
(SCHNEIDER, 2004).
A partir de 1999, com o início do segundo Governo FHC, o PRONAF passou
por novas reformulações. Institucionalmente, o programa deixou de fazer parte do
Ministério da Agricultura, onde estava vinculado a então Secretaria de Desenvolvimento
Rural, passando a ser incorporado pelo recém-criado Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA). O MDA substituiu o Ministério Extraordinário de Assuntos Fundiários,
criado em 1995, tendo antes a condição de Secretaria de Estado. O MDA passou a
abrigar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), instituição
encarregada da política fundiária e de assentamentos da reforma agrária e, no lugar
da Secretaria de Desenvolvimento Rural, foi criada a Secretaria da Agricultura Familiar
100
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
(SAF), que passou a ser o guarda-chuva institucional das diversas linhas de ação do
PRONAF e demais programas ligados à agricultura familiar brasileira. Nessa nova
estrutura organizacional, o tema da agricultura familiar ganhou mais espaço, tanto
na esfera pública federal como na sua visibilidade junto à sociedade civil. Deve-se
registrar que uma nova reformulação institucional foi realizada na SAF em 2003, no
início do Governo Lula, com implicações sobre o PRONAF. No âmbito do MDA foi criada
a Secretaria do Desenvolvimento Territorial (SDT), a qual passou a definir e gerenciar
a modalidade do PRONAF infra-estrutura e serviços municipais (SCHNEIDER, 2004). No
entanto, a mudança mais recente e, quem sabe, a de maior impacto, se deu em 2003.
Com a posse de Lula, a estrutura do MDA foi reformulada, sendo criada a Secretaria de
Desenvolvimento Territorial (SDT). Responsável pela gestão do PRONAF Infra-estrutura,
também conhecido como Proinf, a SDT passou a associar essa modalidade do programa
à noção de “desenvolvimento territorial”. No Governo Lula o Proinf, transformandose no principal mecanismo de financiamento do Programa de Desenvolvimento
Sustentável dos Territórios Rurais (Pronat), (SDT, 2003). Atualmente existem 164
territórios rurais1 dos quais 120 também são territórios da cidadania, distribuídos em
1.852 municípios brasileiros, (ver mapa da figura 1).
Com isso, o município deixou de ser a unidade de referência dessa linha de
crédito passando a beneficiar iniciativas intermunicipais. Segundo a própria SDT,
na maior parte das vezes, o município isolado é uma unidade administrativa pouco
adequada para gerir a rede de relações necessárias ao desenvolvimento rural. Nesse
sentido, por meio de ações intermunicipais as organizações podem ampliar o raio de
relações sociais dos agricultores familiares e dos assentamentos da reforma agrária.
Na avaliação da SDT, o município seria uma instância decisiva de controle social,
mas insuficiente para responder ao estímulo de uma proposta de desenvolvimento
(SDT, 2003).
O Pronat ficou popularmente conhecido no meio acadêmico como o principal
programa de suporte aos “territórios rurais”. Em razão dessas limitações da esfera
municipal, a nova Secretaria passou a atuar com base na ideia de territórios, entendese os territórios rurais como um espaço físico, geograficamente definido, geralmente
contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais que se relaciona interna e
externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou
mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial (MDA/
SDT/CONDRAF, 2003).
Com a criação dos territórios da cidadania são incorporados aos documentos
de referência dos territórios da cidadania o conceito de Territórios de Identidade.
Participam dos Territórios da Cidadania 17 ministérios e cinco Secretárias do Governo
1 Informações disponíveis em:> http://www.mda.gov.br> Acesso em: 27 jan. 2015
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas públicas de desenvolvimento territorial ou de desenvolvimento do capitalismo no campo?
Anderson Antônio da Silva
101
Federal. Esta participação de diferentes ministérios pode ser entendida como uma
tentativa do governo cingir uma política de caráter multidimensional, a partir das
políticas setoriais, desenvolvidas isoladamente pelos ministérios participantes dos
territórios da cidadania. Com a criação dos Territórios da Cidadania, completa-se
o primeiro ciclo da experiência brasileira recente, sobre a adoção do “enfoque
territorial” nas políticas de desenvolvimento rural.
Figura 1
É em virtude do Pronat que nascem os colegiados territoriais, fóruns
constituídos em cada território por instituições da sociedade civil e do poder público,
102
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
responsáveis pelo planejamento territorial, pela articulação institucional, elaboração
de propostas e projetos técnicos, acompanhamento e controle social das ações
do Pronat e de outras políticas públicas que concorrem para o desenvolvimento
sustentável dos territórios.
Embora a gestão social seja uma prerrogativa das políticas territoriais criadas
no âmbito do Pronat, ainda assim, a decisão sobre quais temas receberão apoio, ou
seja, sobre quais editais serão abertos é fundamentalmente do MDA, que a partir da
construção da sua matriz de ações elege prioridades para realização de investimentos.
Embora a matriz possa ser considerada um avanço, pois proporcionada maior
visibilidade do conjunto das políticas dos diferentes ministérios que são reunidas
em um único documento, por outro lado, há de se avançar no aprimoramento da
matriz, sobretudo no que diz respeito à construção de uma matriz planejada de
forma interministerial. Esse diálogo entre ministérios seria um passo importante na
construção de políticas genuinamente territoriais.
Sobre as prioridades, mesmo havendo consulta prévia, via Colegiado Territorial,
na construção da matriz de ações, do ponto de vista prático, o esvaziamento de
recursos do MDA torna impossível oferecer um atendimento mais abrangente e
multidimensional as demandas identificadas nos Colegiados.
O esvaziamento de recursos obriga a criação de uma ordem de prioridades
que se comunique imediatamente com as condições objetivas da reprodução
material da vida humana, de forma que assuntos relacionados à pauta produtiva
compareçam com muito mais freqüência do que os relacionados a temas como
educação, eletrificação rural, gênero, cultura e lazer e a questão agrária, produzindo
assim, via participação social a legitimação daquilo que é oferecido pelo MDA ao
território (BARONE et al., 2011).
Sobre o tema questão agrária e/ou política fundiária, ambos não integram a
matriz de ações em questão, tirando do radar das políticas públicas da SDT/MDA,
questões relacionadas ao conflito fundiário, que são temas recorrentes e diretamente
atreladas ao desenvolvimento de territórios como Pontal do Paranapanema, Altamira
e Marabá no Pará, muito menos a regularização de quilombos e terras indígenas,
entre outros temas relacionados ao problema agrário brasileiro.
A ausência destes temas, na matriz de ações da SDT/MDA, motiva
questionamentos sobre o caráter territorial desta política, pois seu caráter setorial e
produtivista enfrenta dificuldade em atender as demandas do universo camponês,
uma vez que tem o mercado como único caminho possível para reprodução social
dos sujeitos sociais aos quais se destina atender, e, portanto, reafirma nossa tese de
que ainda funciona mais como uma política de desenvolvimento do capitalismo no
campo do que de ampliação das liberdades do homem do campo. A participação das
universidades via CNPq a partir do Edital nº 05/2009 – Gestão de Territórios Rurais, cria
entre o MDA/SDT e as universidades uma aproximação. Esta aproximação contribui
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas públicas de desenvolvimento territorial ou de desenvolvimento do capitalismo no campo?
Anderson Antônio da Silva
103
para a interiorização do discurso sobre desenvolvimento pautado pelo MDA no
meio acadêmico, de forma que os núcleos de pesquisa e extensão das universidades
contempladas com este edital assumam o papel de entidade provedora de serviços,
substituindo assim parcialmente, o trabalho que até então era prestado pelas
Organizações Não-Governamentais (ONGs).
Sobre esse aspecto temos uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo
em que o convite as universidades devam ser entendidas como uma forma de
aprimoramento das políticas em discussão, pois a tradição do governo brasileiro
promover a avalição das suas políticas ainda é recente, da outra ponta, não se pode
negar o viés provedor de serviços que as mesmas assumiram dentro desse processo.
Sobre o Edital 05/2009 ressaltamos que, tanto seus objetivos, quanto os
procedimentos metodológicos de execução da pesquisa, que teve duração de 36
meses, foram pautados pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial, ratificando
o caráter provedor de serviços assumido pelas universidades, que muito pouco, ou
quase nada puderam opinar sobre os encaminhamentos de pesquisa, haja vista que,
o Edital se tratava de uma encomenda, de um contrato de prestação de serviços,
celebrado entre MDA-SDT-UNIVERSIDADES, e com a intermediação financeira do
CNPq. Vale a pena destacar a tentativa de um grupo de trabalho minoritário de
Consultores Terceirizados criado temporariamente dentro da SDT/MDA durante a
gestão do Secretário de Desenvolvimento Territorial Humberto de Oliveira, que
a partir de uma visão mais abrangente do tema desenvolvimento territorial, nesta
relação construída com as universidades, buscou amenizar os impactos desta visão
mais instrumentalizada da política em parte construída pela tendência interna
majoritária do PT, popularmente conhecida como Socialismo Democrático, ou
apenas DS2.
Esta aproximação cria uma segunda hipótese de pesquisa, desta vez
relacionada aos modismos, que vez ou outra capturam o interesse de pesquisa das
ciências humanas e sociais, pois à medida que o tema desenvolvimento territorial
é parcialmente acomodado pela agenda acadêmica no Brasil, com anuência de um
dos seus principais órgãos de fomento, o tema questão agrária perde espaço nas
discussões, ou seja, mesmo continuando extremamente importante e atual o debate
sobre a questão agrária brasileira, o tema da moda é o desenvolvimento territorial.
Visando caracterizar a relação (estado-capital-políticas públicas territoriais),
acreditamos que a criação do Pronat, bem como de alguns dos seus desdobramentos,
a exemplo dos Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Territorial Rural, coloca
como desafio analítico um conjunto de tramas que apesar de fazerem parte do
jogo democrático, não tem como objetivo contribuir com a “democratização da
2 Mais informações sobre a DS podem ser obtidas em: <http://www.democraciasocialista.org.br/democraciasocialista/sobre/quemsomos>Acesso em: 14 jun 2009
104
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
democracia do homem do campo, pois não visam à emancipação deste sujeito
social”, Santos (2001). A seguir apresentamos a luz da geografia, discussão teórica
sobre alguns conceitos, bem como categoriais de analise relevantes para o estudo
do tema desenvolvimento territorial.
Bases teóricas: do espaço ao território
Com base nas conceituações sobre espaço contido nas obras de Santos (1978;
1991; 1992; 1996), Lefebvre (1991) e Harvey (2001), podemos dizer que o espaço
geográfico corresponde ao espaço construído e alterado pelo homem, podendo ser
definido com sendo o palco das realizações humanas no qual estão às relações entre
os homens e desses com a natureza. O espaço geográfico abriga o homem e todos os
elementos naturais, tais como relevo, clima, vegetação e tudo que nela está inserido.
Por sua amplitude, o conceito de espaço pode ser utilizado de modos distintos.
Todavia, muitas vezes a sua utilização não é compreensível, porque não se define
o espaço do qual está se falando. É assim que o espaço vira uma panacéia. Para
evitar equívocos, é preciso esclarecer que o espaço social está contido no espaço
geográfico, criado originalmente pela natureza e transformado continuamente
pelas relações sociais, que produzem diversos outros tipos de espaços materiais e
imateriais, como por exemplo: políticos, culturais, econômicos e ciberespaço.
O espaço social é uma dimensão do espaço geográfico e contém a qualidade
da completividade. Por causa dessa qualidade, o espaço social complementa o
espaço geográfico. O mesmo acontece com todos os outros tipos de espaços. Esse
é o caráter da composicionalidade, em que as dimensões são igualmente espaços
completos e completivos. Essas qualidades dos espaços desafiam os sujeitos que
neles vivem e pretendem compreendê-los. O espaço é multidimensional, pluriescalar
ou multiescalar, em intenso processo de completibilidade, conflitualidade e
interação. As relações sociais, muitas vezes, realizam leituras e ações que fragmentam
o espaço. São análises parciais, unidimensionais, setoriais, lineares, uniescalar,
incompletas e, portanto, limitadas, porque necessitam delimitar. Essas leituras
espaciais fragmentárias promovem desigualdades e diferentes formas de exclusão.
A superação dessa visão de mundo exige ponderabilidade na criação de métodos
que desfragmentem o espaço e que não restrinjam as qualidades composicionais
e completivas dos espaços.
Essa é a identidade do espaço, sua plenitude, como demonstra Santos (1996,
p. 50), na elaboração de uma definição plena de espaço. Santos compreende que o
“espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório,
de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas
como o quadro único no qual a história se dá”. Essa definição explicita o espaço
geográfico onde se realizam todos os tipos de relações.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas públicas de desenvolvimento territorial ou de desenvolvimento do capitalismo no campo?
Anderson Antônio da Silva
105
As relações são formadoras dos sistemas de ações e de objetos, que de
acordo com Milton Santos são contraditórios e solidários. As relações sociais
são predominantemente produtoras de espaços fragmentados, divididos, unos,
singulares, dicotomizados, fracionados, portanto, também conflititivos. Aprodução
de fragmentos ou frações de espaços é resultado de intencionalidades das relações
sociais, que determinam as leituras e ações propositivas que projetam a totalidade
como parte, o seja, o espaço em sua qualidade completiva é apresentado somente
como uma fração ou um fragmento. Essa determinação é uma ação propositiva
que interage com uma ação receptiva e a representação do espaço como fração
ou fragmento se realiza. Assim, a intencionalidade determina a representação do
espaço. Constitui-se, portanto, numa forma de poder, que mantém a representação
materializada e ou imaterializada do espaço, determinada pela intencionalidade e
sustentada pela receptividade.
Sem essa relação social o espaço como fração não se sustenta. É importante
reforçar que o espaço como fragmento ou fração é uma representação, construída
a partir de uma eterminação interagida pela receptividade, constituída por uma
relação social. Essa representação exige uma intencionalidade, ou seja, uma forma
de compreensão unidimensional do espaço, reduzindo suas qualidades. Desse
modo, apresentam o espaço político somente como político, o espaço econômico
somente como econômico e o espaço cultural somente como cultural. Essa
compreensão se efetiva, ainda que os espaços políticos, econômicos e culturais
sejam multidimensionais e completivos do espaço geográfico.
A intencionalidade é um modo de compreensão que um grupo, uma nação,
uma classe social ou até mesmo uma pessoa utiliza para poder se realizar, ou seja, se
materializar no espaço, como bem definiu Lefebvre. A intencionalidade é uma visão
de mundo, ampla, todavia una, é sempre uma forma, um modo de ser, de existir.
Constitui-se em uma identidade. Por esta condição, precisa delimitar para poder se
diferenciar e ser identificada. E assim, constrói uma leitura parcial de espaço que é
apresentada como totalidade.
Desse modo, a multidimensionalidade do espaço é restringida ao ser
delimitada pela determinação da intencionalidade. Em outras palavras: a parte é
transformada em todo e o todo é transformado em parte. Isso significa que o espaço
agora passa a ser compreendido segundo a intencionalidade da relação social que o
criou. É, então, reduzido a uma representação unidimensional e a visão que o criou,
embora parcial, é expandida como representação da multidimensionalidade. A
relação social em sua intencionalidade cria uma determinada leitura do espaço, que
conforme o campo de forças em disputa pode ser dominante ou não. E assim, criamse diferentes leituras socioespaciais. O território foi definido por Raffestin (1993, p.
63), como sistemas de ações e sistemas de objetos. Essa similitude das definições de
Claude Raffestin e Milton Santos significa também que espaço geográfico e território,
106
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
ainda que diferentes, são o mesmo. Pode-se afirmar com certeza que todo território
é um espaço (geográfico, social, político, cultural, cibernético etc.). Por outro lado, é
evidente que nem sempre e nem todo espaço é um território. Para Fernandes (2008)
o conceito de território está sendo utilizado, principalmente, para se referir aos
espaços de governança em escala municipal, reunindo um conjunto de municípios
que formam uma microrregião, como, por exemplo, os Territórios da Cidadania.
Os territórios se movimentam e se fixam sobre o espaço geográfico. O
espaço geográfico de uma nação é o seu território. E no interior deste espaço
há diferentes territórios, constituindo o que Haesbaert, (2004), denominou de
multiterritorialidades. São as relações sociais que transformam o espaço em território
e vice e versa, sendo o espaço um a priori e o território um a posteriori. O espaço é
perene e o território é intermitente. Da mesma forma que o espaço e o território são
fundamentais para a realização das relações sociais, estas produzem continuamente
espaços e territórios de formas contraditórias, solidárias e conflitivas. Esses vínculos
são indissociáveis.
Para a Geografia o território é uma totalidade, portanto é multidimensional.
Para outras ciências o território pode ser compreendido apenas como uma
dimensão. Alguns economistas tratam o território como uma dimensão do
desenvolvimento, reduzindo o território a uma determinada relação social. Assim
como o desenvolvimento, o território é multidimensional, portanto não existe
uma dimensão territorial do desenvolvimento. A compreensão do território como
espaço unidimensional trata-o como um setor, chamando-o equivocadamente de
território. Essa é uma prática muito comum em artigos dedicados a discutir o tema
“desenvolvimento territorial”.
Segundo Fernandes (2008) o território recoloca a questão das classes sociais.
As classes sociais são formadas por pessoas que ocupam a mesma posição nas
relações sociais de produção em função das propriedades dos meios de produção,
de seus territórios e dos poderes de decisão. Não é suficiente estudar as classes
sociais somente pelas relações sociais. A propriedade é relação social e território,
que nos possibilita estudar os territórios das classes sociais.
Em Fernandes (2008) citando a afirmação de Haesbaert (2004, p. 20) de
que “não há como definir o indivíduo, o grupo, a comunidade, a sociedade sem
ao mesmo inseri-los num determinado contexto geográfico, ‘territorial’”, nos traz
outra questão. Os sujeitos produzem seus próprios territórios e a destruição destes
territórios significa o fim desses sujeitos. O desapossamento também destrói sujeitos,
identidades, grupos sociais e classes sociais. A idéia de acumulação por espoliação de
Harvey (2003) revela seus próprios limites. E aí está o ponto forte da luta territorial,
da disputa territorial. Sujeitos, grupos sociais, classes sociais não existem sem seus
territórios. Estas considerações sobre o conceito de espaço e território são exercícios
teóricos importantes para o estudo e compreensão do crescente número de
trabalhos dedicado ao estudo do tema desenvolvimento territorial.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas públicas de desenvolvimento territorial ou de desenvolvimento do capitalismo no campo?
Anderson Antônio da Silva
107
Considerações finais
A discussão das políticas públicas de desenvolvimento territorial, ora
apresentadas neste artigo, buscam recuperar alguns elementos relacionados ao
contexto no qual ocorreu a incorporação do termo territorial a agenda petista. A
investigação realizada visou apurar até que ponto a arquitetura desta política pública,
prevê ampla participação social, vista num primeiro momento como alargamento da
democracia no Brasil, com a chegada da esquerda ao poder, necessita ser analisada
criticamente, como um processo de transferência das responsabilidades sociais do
Estado para sociedade civil, sem produzir a emancipação desta última, contribuindo
assim, muito mais com aprofundamento do desenvolvimento do capitalismo no
campo e suas tradicionais formas de expropriação, do que com um desenvolvimento
territorial substantivo e capaz de criar espaços de vida.
Bibliográfica
SANTOS. Boaventura de Souza. Para uma Revolução Democratica da Justiça. São Paulo:
Cortez, 2007, 120 p.
SANTOS, Boaventura de Sousa (1989), “Estado, sociedade, políticas sociais: o caso da política
de saúde”, in Moura, Alexandrina (org.), O Estado e as Políticas Públicas na Transição Democrática. São Paulo: Vértice, 326-389.
HARVEY, David. O Enigma do Capital: e as crises do capitalismo. David Harvey: tradução de
João Alexandre Peschanski. – São Paulo, SP: Boitempo, 2011
MESZAROS, Istvan. O Poder da Ideologia. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004
MAZOYER, Marcel, 1933- História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise contemporânea Marcel Mazoyer, Laurence Roudart; [tradução de Cláudia F. Falluh Balduino Ferreira].
– São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: NEAD, 2010.
DAGNINO, Evelina (2004) “¿Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando?”
En Daniel Mato (coord.), Políticas de ciudadanía y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, pp. 95-110.
FERNÁNDEZ, V. R.; AMIN, A.; VIGIL, J. I. Discutiendo el desarrollo regional: desde la emergencia
y la institucionalización de la nueva ortodoxia hacia su reconsideración. In: ______. Repensando el desarrollo regional: contribuciones globales para una estrategia latinoamericana.
Buenos Aires: Miño y Dávila, 2008. p. 19-61.
MONTENEGRO GÓMEZ, J. R. Desenvolvimento em (des)construção. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2006.
SCHNEIDER, Sergio; SILVA, Marcelo Kunrath; MARQUES, Paulo Eduardo Moruzzi (Org.). Políticas
Públicas e Participação Social no Brasil Rural. Porto Alegre, 2004, p. 21-50.
BARONE, Luis Antonio; MELAZZO, Everaldo Santos; SILVA, Anderson Antonio. Célula do Pontal do Paranapanema – SP: acompanhamento e informação para o desenvolvimento rural.
108
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Presidente Prudente, 2011. <disponível em: http://sit.mda.gov.br/download/ra/ra073.pdf>
Acesso em: 27 jan. 2015
SANTOS, Boaventura de S. (org.). Democratizar a democracia os caminhos da democracia
participativa. Porto: Afrontamento, 2001 (3ª edição em 2005). Também publicado no Brasil,
São Paulo: Editora Cortez (2ª edição).
CHAUÍ, Marilena. Uma classe trabalhadora .In: 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil:
Lula e Dilma / Emir Sader (org.). - São Paulo, SP: Boitempo; Rio de Janeiro: FLACSO Brasil 2013
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas públicas de desenvolvimento territorial ou de desenvolvimento do capitalismo no campo?
Anderson Antônio da Silva
109
O novo Código Florestal como
expressão do capitalismo verde:
o início de sua implementação no
estado do Acre
THE NEW FOREST CODE AS EXPRESSION OF GREEN
CAPITALISM: HIS START OF IMPLEMENTATION IN ACRE
STATE
Anderson Peixoto Amparo
Universidade Federal do Acre
[email protected]
Fabiano Moreira da Silva
Universidade Federal do Acre
[email protected]
Lyvia Milenna de Souza Rocha
Universidade Federal do Acre
[email protected]
Resumo: As discussões que envolveram a consolidação do novo Código Florestal Brasileiro,
lei federal 12651/12, dividiu opiniões quanto às novas regras acerca da proteção da vegetação
nativa e sua supressão, o uso alternativo do solo, bem como a regularização ambiental das
propriedades rurais brasileiras. Este artigo tem como objetivo mostrar como a norma em
questão se destaca por trazer em seu corpo mecanismos direcionados ao mercado e ao
poder econômico, que aparecem por trás do suspeito discurso em prol da necessidade de
modernização da legislação ambiental brasileira. Tais mecanismos são observados, sobretudo,
a partir do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e na Cota de Reserva Ambiental (CRA) e nos riscos
que esses novos instrumentos podem representar para os direitos sobre a terra e o território. A
título de exemplo é apresentada a implantação do novo Código no Acre e como a expectativa
gerada pela sua efetivação ultrapassa a simples consolidação de um banco de dados acerca
da espacialização rural naquele Estado, culminando em um arranjo necessário para a entrada
no mercado de carbono e de florestas, numa nítida busca pela negociação de territórios que
exemplifica o atual processo de financeirização da natureza orquestrado pelo capital.
Palavras-chave: Código florestal; legislação ambiental; Acre; Cadastro Ambiental Rural
Abstract: Discussions involving the consolidation of new Brazilian Forest Code, Federal
Law 12651/12, divided views on the new rules on the protection of native vegetation and
its suppression, the alternative land use and environmental regulation of Brazilian farms.
This article aims to show how the provision in question stands out for bringing into your
body mechanisms targeted the market and the economic power that appear behind the
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
contradictory speech in favor of a suspected need to modernize Brazilian environmental
legislation. Such mechanisms are observed, above all, from the Rural Environmental Registry
(CAR) and Environmental Reserve Quota (CRA) and the risks that these tools can pose to the
rights to land and territory. The example shows the implementation of the new Code in Acre
and how the expectation generated by its effectiveness goes beyond the simple consolidation
of a database on the rural spatial in that state, culminating in a necessary arrangement for
entry into the carbon market, a clear search for the negotiation of forest areas and territories
that exemplifies the current nature of the financialization process orchestrated by the capital.
Keywords: Forest Code; environmental legislation; Acre; Rural Environmental Registry
1 Introdução
As principais discussões que envolveram a substituição do antigo Código
Florestal Brasileiro, datado de 1965, tratavam de matérias referentes aos ajustes na
categorização das áreas de preservação permanente, tamanho da reserva legal, além
da anistia às multas referentes a desmatamento ilegal e possíveis consequências
dessas alterações aos biomas brasileiros. Completados três anos da promulgação
do novo Código em 25 de maio de 2015, os debates sobre seus desdobramentos
ainda prosseguem, mesmo que de maneira discreta se comparada à época de sua
aprovação pelo governo federal. A base geral da discussão permanece na disputa
entre grupos que defendem o ajuste da norma com o mínimo de restrição ao setor
produtivo, identificados pelos setores do agronegócio brasileiro e sua constante
necessidade por terra e para a expansão das monoculturas, da produção de
commodities e do desmatamento; aqueles que pedem a incorporação de critérios
onde economia, ecologia e questões sociais avançariam com os mesmos ganhos,
representados pelo discurso do desenvolvimento sustentável como saída para a
crise ecológica; e, por último, os que não concordam que a questão ambiental seja
conduzida pelo discurso econômico e que indicam a autonomia e manutenção dos
direitos sociais, dos territórios originários1 e da conservação dos ecossistemas como
principais objetivos a serem buscados pela temática ambiental.
A recente lei florestal aprovou ajustes que flexibilizaram critérios de proteção
como a metragem das áreas de preservação permanente, a recomposição da reserva
legal e a consolidação de atividades em áreas de preservação que deveriam ser
mantidas intocadas, que em outras palavras se refere à anistia aos crimes ambientais
cometidos antes de julho de 2008. Não será objeto do presente trabalho a discussão
1 Preferimos utilizar a expressão originários ao invés de tradicionais a partir da afirmação de Porto-Gonçalves
(2012, p.25) em que este menciona que a expressão tradicional conclama ao seu par moderno e, assim, se
inscreve numa hierarquização conduzida pelo eurocentrismo do tradicional ao moderno. Já a expressão
originários recusa esse par e requer que seja vista por si e pelos seus próprios valores.
112
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
de toda a gama de critérios de proteção que consideramos terem sido afrouxados na
nova lei, mas destacamos apenas a inclusão de novos procedimentos surgidos com
o novo regulamento para que o leitor possa se situar melhor sobre o tema estudado.
Dentre os estudos já elaborados sobre o novo Código, Soares Filho et al (2014)
apontaram avanços e retrocessos, uma vez que na análise realizada foi indicado que
a lei federal diminui a área de floresta desmatada ilegalmente que deveria ser restaurada
no país em 58%: de 50 milhões de hectares (500 mil km²) para 21 milhões de hectares
(210 mil km²). Além disso, permitiria o desmatamento legal de mais 88 milhões de
hectares. Em outra situação, são apontados avanços ambientais alcançados pela lei, como
a elaboração de um sistema integrado de informações ambientais a partir do Cadastro
Ambiental Rural (CAR) e a possibilidade de comercializar títulos referentes a propriedades
que conservam a mata nativa, denominada Cota de Reserva Ambiental (CRA).
Tendo como parâmetro o estudo indicado se observa como o novo Código
Florestal apresenta incongruências. Em nosso entendimento, além da alteração em
critérios que podem trazer consequências como o aumento do desmatamento e a queda
na taxa de restauração florestal, os mecanismos denominados CAR e CRA representam
a sobrevalorização dada ao critério econômico. Nesse sentido, no presente artigo
objetiva-se mostrar como o novo Código Florestal Brasileiro envolve mecanismos
direcionados ao mercado e ao poder econômico que aparecem por trás do
contraditório discurso em prol de uma suspeita necessidade de modernização
legislação ambiental brasileira. Na busca por esse propósito são analisados esses dois
mecanismos, CAR e CRA, que exemplificam o sistema de pagamento por serviços
ambientais, que é outra novidade proporcionada pelo Código. Por fim, apresentamos
de maneira breve como está sendo estruturada a aplicação dos mesmos no Estado
do Acre, no intuito de corroborar a proposição de que representam instrumentos
com grande teor mercadológico. Acreditamos que a discussão acerca do CAR e do
CRA faz parte de alguns temas que receberam pouco destaque à época da aprovação
do Código e que agora começam a ser debatidos em suas diversas contradições.
2 – O novo Código Florestal e seus instrumentos econômicos
2.1 – Um código ajustado ao modelo de desenvolvimento brasileiro
A análise sobre o novo Código Florestal e o aspecto de sua aproximação
com os ditames da reprodução do capital na modernidade, sobretudo através da
aproximação entre quesitos ambientais como o ar, a água e a floresta e o mercado,
carecem de uma ampliação no campo de observação para revelar que essa norma
não está isolada na seara que diz respeito à legislação ambiental brasileira, não sendo
a única a sofrer alterações de caráter economicista. Há, em tempos atuais, um grande
arcabouço de regras que estão sendo criadas ou modificadas para atendimento ao
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O novo Código Florestal como expressão do capitalismo verde: o início de sua implementação no estado do Acre
Anderson Peixoto Amparo | Fabiano Moreira da Silva | Lyvia Milenna de Souza Rocha
113
setor produtivo com o discurso afinado em prol do capitalismo verde, comumente
chamado de desenvolvimento sustentável, como menciona Paula (2013).
Segundo Leroy (2014), o capital enfrenta a crise de acumulação com
investimentos em inovação tecnológica, economia verde, subordinação total do
Estado aos seus interesses, maior poder do capital financeiro, etc. Tal condição pode
ser visualizada na tabela abaixo numa demonstração em cinco exemplos sobre a
forma como a normatização ambiental tem sido programada e estabelecida pelo
Estado brasileiro em parceria com o capital.
Norma jurídica
Lei Federal 12678/2012 - Dispõe sobre alterações
nos limites dos Parques Nacionais da Amazônia, dos
Campos Amazônicos e Mapinguari, das Florestas
Nacionais de Itaituba I, Itaituba II e do Crepori e da
Área de Proteção Ambiental do Tapajós.
Lei complementar 140/2011 – Define a divisão
de atribuições entre municípios, Estado e União
na proteção do meio ambiente, fiscalização,
licenciamento e combate ao desmatamento.
Mineração em terras indígenas e proposta de um
Novo Código de Mineração – 13 Projetos de Lei (PL)
tramitando no Congresso que dispõem sobre a
mineração em TI’s.
Lei Federal 12651/1 - Novo Código Florestal
Regulamentações da Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança - CTNBio
Ameaças ao ambiente e aos direitos humanos
A alteração dos limites das unidades de conservação
visa a resolver problemas agrários e viabilizar
legalmente usinas hidrelétricas que deverão inundar
parte dessas reservas.
O ente federativo poderá delegar, mediante
convênio, a execução de ações administrativas a
ele atribuídas. As obras de infra estrutura do país
deixarão de exigir, exclusivamente, a elaboração de
um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), tendo que
ser apresentado apenas um Relatório Ambiental
Simplificado (RAS).
Nas áreas indígenas a mineração seria feita a partir
de procedimentos especiais que podem ferir o
bem comum, além de provocar uma inversão de
prioridade entre os direitos individuais e coletivos e o
interesse econômico, público e privado.
Com o argumento da importância da produção
agrícola e sob o pretexto hipócrita de defender os
interesses dos pequenos produtores, ele aumenta
as áreas passíveis de desmatamento, reduz áreas de
preservação permanente e perdoa multas.
A partir de seu papel normativo aprova
sucessivamente sementes de milho, soja e feijão,
geneticamente alteradas, em detrimento da
agricultura familiar e de suas sementes tradicionais.
Fonte: Leroy, 2014
Para o discurso dominante tais alterações não são representativas de uma
flexibilização, tampouco se trata de desregulação, mas uma modernização que deve
readequar as normas aos interesses da sociedade brasileira. Entretanto, no Brasil,
com a eleição dos presidentes Lula e Dilma, firma-se uma aliança entre Governo
Federal, amplos setores do legislativo, e interesse agroindustriais e industriais para
114
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
implementar um modelo de desenvolvimento baseado em atividades com uso
intensivo de recursos naturais. O que se assiste é a expansão da agroindústria, a volta
do latifúndio, o avanço na construção de gigantescas hidrelétricas e das atividades
de mineração. No antípoda da sustentabilidade, fica caracterizada a reprimarização
da economia (Leroy, 2014). E o arranjo da legislação ambiental para essa onda
desenvolvimentista cai então como uma luva.
Para o caso do Código Florestal, muito se mencionou com afirmações de que
sua versão até então vigente não condizia com a realidade, sendo imprescindível
seu ajuste para que se adeque melhor aos novos tempos. Entretanto, o que nos
ressaltou aos olhos é que a partir dos mecanismos trazidos pela nova lei verificamos
seu conteúdo intrinsicamente ligado às necessidades do capital. Senão, vejamos.
2.2 – O Cadastro Ambiental Rural (CAR)
O antigo Código Florestal estabelecido pela Lei 4771/1965 era considerado
ultrapassado tanto por ambientalistas quanto pelo setor produtivo. Sancionado a
nova lei, esta trouxe alguns novos dispositivos, dentre eles o Cadastro Ambiental
Rural. Aqui são abordadas as características desse cadastro, as exigências relacionadas
a ele, suas possibilidades e, posteriormente, as contradições trazidas por esse sistema
de informações.
De acordo com o art. 29 do novo Código Florestal, todos os imóveis rurais
devem se inscrever no CAR com a finalidade de integrar as informações ambientais
das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para diversas finalidades.
O objetivo do CAR seria então a promoção e o apoio à regularização ambiental de
imóveis rurais por meio do compromisso dos proprietários ou posseiros de recuperar
as Áreas de Preservação Permanentes eventualmente degradadas e de averbar a
Reserva Legal de suas propriedades.
A obrigação em inscrever as propriedades no CAR perpassa diversas partes da
nova lei em um processo onde a adesão a este registro nacional de propriedades e
posses rurais é condição fundamental para a utilização dos recursos naturais ou para
uso alternativo do solo, chegando ao ponto de suspender algumas multas aplicadas
pelos órgãos de controle e fiscalização, para o caso em que o responsável assuma o
compromisso de recuperar os danos causados ao meio ambiente.2
2 Um dos itens que causou muita polêmica na aprovação do novo Código foi a previsão de suspensão de
multas administrativas aplicadas por desmatamento sem autorização. No entanto, não é uma inovação do
novo Código Florestal, pois já fora prevista no Dec.7029/2009, o qual estendia o beneficio aos autuados
que aderissem ao Programa Mais Ambiente. A inovação, por sua vez, encontra-se no fato de que a nova lei
afastou a punibilidade criminal prevista nos arts. 38, 39 e 48 da Lei 9605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais)
nos casos em que o responsável assume seu compromisso de reparar o dano ambiental, recuperando as
áreas danificadas.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O novo Código Florestal como expressão do capitalismo verde: o início de sua implementação no estado do Acre
Anderson Peixoto Amparo | Fabiano Moreira da Silva | Lyvia Milenna de Souza Rocha
115
Os registros das propriedades rurais no CAR devem ser feitos eletronicamente
e são autodeclaratórios, ou seja, os proprietários ou posseiros acessam as páginas dos
órgãos ambientais ou os escritórios locais e declaram as características de suas áreas
rurais, a comprovação da posse, sua localização, a localização dos remanescentes de
vegetação nativa, as áreas de preservação permanente, a reserva legal e as áreas já
utilizadas em atividades agropastoris. A falta de registro das propriedades no CAR não
caracteriza infração administrativa ou crime contra o meio ambiente. Entretanto, são
inúmeras as exigências impostas pela Lei 12.651/2012, culminando numa situação
em que o proprietário rural fica condicionado ao registro no CAR. As exigências em
questão vão desde os tipos de atividades que o produtor deseja desenvolver, até os
financiamentos e créditos bancários. No artigo 12, ao tratar da Reserva Legal, a nova
norma jurídica condiciona a emissão de autorização para a supressão da vegetação
nativa para quaisquer finalidades pelos órgãos ambientais ao cadastro do imóvel
no CAR. Além disso, a localização da reserva legal dos imóveis rurais somente será
aprovada pelo órgão estadual de meio ambiente após registro da propriedade no
CAR. Ainda neste ponto, o cálculo da área de Reserva Legal do imóvel só poderá
incluir as Áreas de Preservação Permanente se a propriedade estiver incluída no CAR.
No contexto de adoção do CAR, há um dispositivo importante para o novo
Código Florestal e, sobretudo, para o produtor rural, que trata sobre a proibição
de concessão de crédito agrícola por instituições financeiras após cinco anos da
publicação da Lei 12.651/2012 para proprietários de imóveis que não tenham se
regularizado no CAR.3 Certamente esta medida terá grande influência na adesão
do cadastro nacional das propriedades rurais. Desse modo, ocorre a proibição da
concessão de crédito agrícola aos proprietários de imóveis que descumprirem a
regra. Condiciona-o também à comprovação da regularidade florestal, que é um dos
principais argumentos do CAR, especialmente no que diz respeito à manutenção
e/ou recuperação das APP’s e a manutenção, recuperação e/ou compensação da
Reserva Legal. Para Bechara (2012), o objetivo da norma é impedir que as instituições
financeiras viabilizem com o crédito, o desenvolvimento de atividades em imóveis
que desrespeitem a legislação florestal, ainda que as atividades, em si, não sejam
impactantes. Com tal medida, acaba forçando que todos os imóveis – ou pelo menos
uma grande parte – busquem sua regularidade ambiental.
No discurso do governo, dentre os objetivos do CAR está o controle do
desmatamento no Brasil, que teria ligação direta com a desregularização ambiental.
Verifica-se que ao estabelecer a necessidade de cadastro das propriedades rurais e o
compromisso de adoção de medidas ambientais capazes de propiciar a recuperação
de algumas áreas desmatadas irregularmente, há grande possibilidade de acréscimo
3 Ver artigo 78-A da Lei 12.651/2014.
116
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
de áreas recuperadas ambientalmente. O produto final do CAR será um diagnóstico
de todas as propriedades rurais brasileiras, o que permitirá o acompanhamento
da recuperação de áreas degradadas e de novos desmatamentos por meio de
imagens de satélite, tendendo a garantir uma maior eficácia nas ações de combate
ao desmatamento ilegal.
Sem dúvida a obrigatoriedade do registro das propriedades rurais no Cadastro
Ambiental Rural fornecerá ao Estado brasileiro um importante instrumento de planejamento estratégico para tratamento da questão ambiental e agrária no país, resta
saber a utilização e tratamento que os governos fornecerão à sociedade brasileira.
Sendo assim, em que sentido o CAR é visto como um instrumento econômico
ou uma artimanha a ser utilizada pelo mercado? Como mencionado por Barreto e
Martins (2014), informação é poder, e nesse caso, poder econômico. Pois ao se ter
um cadastro, ou seja, uma rede de informações e mapas constando todas as áreas
de cobertura vegetal e florestal ainda existentes no país, cria-se para o mercado as
informações necessárias para se ter a noção exata da demanda e oferta por títulos
financeiros que sejam representativos dessas áreas para a compensação de outras
já desmatadas. Entra em cena o segundo instrumento foco de nossa análise: a Cota
de Reserva Ambiental (CRA).
2.3 – A Cota de Reserva Ambiental (CRA)
O novo Código Florestal traz à tona uma nova forma, pelo menos no cenário
brasileiro, de remuneração por serviços ambientais. Trata-se da Cota de Reserva
Ambiental (CRA) que, dentre outros aspectos, diz respeito à negociação de um título
que pode compensar a Reserva Legal de outro imóvel situado no mesmo bioma.
Segundo Trennepohl (2012):
“Pode-se afirmar que proprietários de áreas mecanizáveis e apropriadas para atividades
agrícolas de alto rendimento procurarão adquirir o excedente de áreas preservadas
por meio de créditos de propriedades rurais com difícil acesso de forma a não precisarem recuperar a vegetação em áreas já convertidas para práticas agropecuárias. ”
Em resumo, a partir de um modelo de pagamento por serviço ambiental
expressado pela CRA, fica permitida a compensação de Reserva Legal em um mesmo
bioma, o que facilitaria a vida do proprietário de duas ou mais propriedades. Na
primeira propriedade, adequada para agricultura ou pecuária, ele pode desmatar
tudo, desde que altere a conservação da Reserva Legal para sua segunda propriedade,
que pode ser até em outro Estado da federação, desde que no mesmo bioma. Em tal
processo nos confrontamos com uma das contradições do novo Código Florestal ao
pensarmos num cenário muito provável para os próximos anos em que as terras de
agricultores familiares poderão ser compradas para que as reservas de vegetação
sejam usadas na compensação de grandes fazendeiros. Sem contar os impactos locais
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O novo Código Florestal como expressão do capitalismo verde: o início de sua implementação no estado do Acre
Anderson Peixoto Amparo | Fabiano Moreira da Silva | Lyvia Milenna de Souza Rocha
117
e regionais numa determinada área onde um solo inicialmente produtivo e com
grande fertilidade teve a totalidade de sua cobertura de vegetação nativa retirada,
o que causaria enormes prejuízos socioambientais como alteração no microclima,
nas bacias hidrográficas, no abastecimento das cidades, dentre outros.
No ano de 2011, anteriormente à promulgação do novo Código um grande
número de estudos já criticava o sistema de Cotas de Reserva Ambiental, sugerindo
a possível inconstitucionalidade da norma que estava na iminência de ser aprovada.
“Por isso, a atual reforma do Código Florestal é claramente inconstitucional, já que
pretende desconstituir o núcleo constitucional que impõe a função socioambiental da
propriedade. A reforma desobriga o proprietário a atender qualquer interesse público
e social e transfere a todos os cidadãos - inclusive aos não proprietários já prejudicados com a concentração da terra e da renda no país - através de mecanismos como
o pagamento por serviços ambientais e a compra de Cotas de Reserva Ambiental, o
ônus econômico e social gerado com as atividades degradantes empreendidas pelo
agronegócio. ” (Terra de Direitos, 2011)
Ainda sobre a Cota de Reserva Ambiental, pelo que já se observa, há uma
provável transformação de cada hectare de floresta em pé em títulos que deverão,
obrigatoriamente, ser registrados nas bolsas de valores. Assim, as florestas tornamse atrativas para a especulação financeira. Os títulos poderão ser comprados por
desmatadores como forma de compensar ambientalmente o dano. Assim que
for comercializada a Cota, o agricultor não poderá retirar sua floresta do sistema
financeiro, a não ser que o comprador garanta a aquisição de outra área ou outra
cota, pois a área que garantiu a negociação já foi desmatada.
Tal mecanismo não está distante de nossa realidade, pois no Brasil já existem
mercados financeiros especializados em negociar Cotas de Reserva Ambiental,
atrelando a transação ao Cadastro Ambiental Rural, pois para efetivar o negócio as
propriedades devem estar obrigatoriamente cadastradas.4 É o caso da BVRio – Bolsa
Verde do Rio de Janeiro – como um dos mercados de valores que negociam a Cota
de Reserva Ambiental. 5
Temos então a CRA e outros instrumentos como os créditos de carbono,
também mencionados no novo Código como mecanismos que exemplificam o atual
4 Daí se constata a íntima relação entre o casal de siglas trazidas pelo novo Código Florestal, CAR e CRA.
5 Em trecho copiado do site dessa instituição em 29/07/14 temos o seguinte texto: “A BVRio oferece a
possibilidade de comercialização de CRAs em sua plataforma de negociação (BVTrade). Atualmente este
mercado conta com mais de 1900 participantes, e 2 milhões de ha de imóveis rurais ofertando Cotas
de Reserva Ambiental. No entanto, como ainda não há CRAs emitidas em volumes suficientes para
possibilitar um mercado de pronta entrega (mercado “spot”), a BVRio criou um mercado de contratos de
desenvolvimento destas cotas para entrega em um momento futuro – o mercado de CRAs. Para mais
informações sobre essa Bolsa Verde: http://www.bvrio.org/site/
118
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
processo de financeirização da natureza e dos bens comuns, ou seja, transformam
as florestas em mercadorias a serem lançadas em bolsas especulativas e de capital
fictícios, sendo que antes eram tratadas como bens coletivos, ocasionando assim um
alto risco para a soberania dos camponeses, indígenas e outros grupos originários,
ameaçando suas terras e seus territórios.
3 – A implementação do CAR/CRA no Acre, o governo estadual como articulador
Após três anos da promulgação da Lei 12.651/12, novo Código Florestal,
que, dentre outros procedimentos, instituiu o Cadastro Ambiental Rural em todo o
país e trouxe a Cota de Reserva Ambiental, foi publicado o Decreto 8235/2014, que
regulamenta o CAR. Posteriormente, o Estado do Acre publicou norma que trata
exclusivamente sobre o CAR, o Decreto 7734/2014. Nele é possível verificar de que
forma será feito o cadastramento dos imóveis rurais em todo o Estado e quais as
funções a serem desempenhadas por cada órgão de governo envolvido.
No Acre a estimativa é que sejam cadastrados quarenta mil imóveis e pelos
discursos apresentados pelo governo estadual o CAR vem como solução para boa
parte dos problemas referentes à produção agrícola, a pecuária, além da questão
ambiental estadual. Tal percepção pode ser observada na fala do Secretário Estadual
de Meio Ambiente, Edgard de Deus, sobre o CAR:
“O CAR é uma exigência do Código Florestal que é uma nova lei que vai trazer muitas
vantagens e benefícios para o produtor rural. Primeiro vai garantir a virada de uma
página na história do ambiental com o produtivo e liberar o produtor para produzir,
além de garantir o perdão das dívidas de multas que até o ano de 2008 que serão totalmente perdoadas. Se o produtor tiver algum débito depois desse período referente
a reserva legal e áreas de APP, que são áreas de matas que ficam ao longo dos igarapés
e nascentes vai fazer um contrato com o órgão ambiental e poder parcelar o débito em
até 20 anos. O produtor pode inclusive fazer um plantio produtivo para gerar renda.
O mais importante é que o cadastro vai garantir acesso a financiamentos, para que o
produtor possa vender o boi no frigorífico, vender sua propriedade e até acessar os
programas dos governos Federal e Estadual. O cadastro que demorava um ano para ser
feito e tinha um alto custo, agora é feito em 45 minutos de forma gratuita e o produtor
garante o documento para acessar muitos benefícios e ter condição melhor de vida. ” 6
O discurso do secretário apresenta um grande otimismo frente ao processo
que se inicia com a implantação do CAR no Acre. Este sistema seria o responsável por
resolver grande parte das angústias vividas principalmente pelo pequeno produtor
6 Fala do Secretário Estadual de Meio Ambiente, Edgard de Deus, em entrevista veiculada no dia 04/07/2014
no endereço http://www.vozdonorte.com.br/jornal/index.php/politica/2341-entrevista-edgard-de-deussecretario-de-meio-ambiente-do-acre.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O novo Código Florestal como expressão do capitalismo verde: o início de sua implementação no estado do Acre
Anderson Peixoto Amparo | Fabiano Moreira da Silva | Lyvia Milenna de Souza Rocha
119
rural, não importando se o produtor possui áreas preservadas ou já desmatadas, não
havendo riscos para o proprietário.
No caso acreano o governo contratou empresas terceirizadas para dar suporte
à efetivação do CAR estadual. Foram contratados servidores de nível médio para
realização do primeiro cadastro nos computadores, o “Protocolo de Intenção” em
aderir ao CAR, e outros com experiência em geoprocessamento para a elaboração de
mapas e entrega do Cadastro. Além disso, o governo vem recebendo toda a estrutura
logística para a implantação do Sistema a partir de recursos do Fundo Amazônia, que
tem como origem a doação de governos de países como a Alemanha e a Noruega
para atividades de cunho ambiental no Brasil.
Conforme as apresentações feitas pelas instituições ambientais do governo
do Acre há cinco objetivos principais no estabelecimento do CAR: 1) regularização
ambiental; 2) acesso às políticas públicas; 3) acesso bancário; 4) créditos de carbono
e 5) certificação da produção. Como se observa, o CAR tem uma amplitude muito
grande e envolve questões ecológicas, econômicas e mostra ter uma estreita relação
com o mercado de crédito de carbono, como internalizado pelo governo estadual
acreano através de sua participação em diversos fóruns locais e internacionais que
abordam o assunto.
Vale ressaltar que o Acre possui lei para tratar exclusivamente dos incentivos
por serviços ambientais, Lei Estadual 2308/2010, que instituiu o Sistema de Serviços
Ambientais (SISA), e vem se preparando para entrar de vez no mercado de títulos e
créditos, caracterizado pelos argumentos da Economia Verde e que tende a taxar a
floresta como se fosse uma mercadoria como qualquer outra. Pelo que se observa a
reforma do Código Florestal e o Cadastro Ambiental Rural representam um grande
impulso na largada para as florestas realmente virem a fazer parte do mercado
financeiro.
Ademais, o governo acreano já possui acordo com a citada BVRio com o
objetivo de desenvolver um modelo de leilão e negociação das reduções das
emissões de carbono produto do programa REDD + ISA Carbono. No pacto, a
BVRio disponibiliza sua plataforma a serviço do Estado do Acre para auxiliar a
comercialização dos créditos de carbono e também da mencionada Cota de Reserva
Ambiental (CRA).
Para Michel Schmidlehner, o Acre está sendo apresentado internacionalmente
e serve de vitrine para esse tipo de projeto, entretanto não são mostradas suas
primeiras consequências e a lógica perversa que transforma os camponeses e
indígenas em povos que oferecem serviços ambientais ao mercado. Sob tal ponto
de vista, temos a constatação de uma condição em que o direito sobre o que está
sobre o território, ainda que os territórios pertençam à comunidade, fica nas mãos
das corporações que compraram os títulos, as cotas, e nas mãos dos especuladores
financeiros do mercado nacional e internacional.
120
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
O CAR acreano ainda está em fase de implantação e não se sabe de que forma
o produtor rural será orientado, por exemplo, a fazer a recuperação florestal de
suas áreas, ou quais serão os incentivos disponibilizados para que possa aderir aos
planos de recuperação ambiental que envolva toda a sua propriedade. Ao mesmo
tempo, para a negociação das CRAs, cujos interessados estão de olhos abertos para
a expressiva área de floresta preservada localizada no Acre, como pode ser o caso
de um grande latifundiário da soja em Mato Grosso ou em Tocantins, a estrutura
está cada vez mais consolidada. Estão preparados os acordos com a bolsa de valores
e montada toda a estrutura de governo que atenderá à negociação das florestas.
4 – Considerações finais
O novo Código Florestal trouxe mecanismos que afetaram o setor ambiental
e agrícola brasileiros diretamente e tende a propiciar uma onda de cadastros,
regularizações e negociações. Apesar de alguns avanços na preocupação com
a recuperação de áreas degradadas e maior controle por parte do Estado nas
informações sobre o que vem ocorrendo no meio rural, isso não permite dizer que
haverá queda em hectares desmatados ou maior produção de alimentos. Em nossa
análise procuramos evidenciar que os pontos de maior relevância e que merecem
amplo debate dizem respeito à entrada dos fatores econômicos na nova lei florestal,
diferentemente do que ocorria na norma anterior.
Apresentamos o novo Código Florestal como parte do processo de
financeirização da natureza tão expressivo no tempo presente, e constatado via
reforma nas legislações e na lógica das políticas públicas. A nova proposta sai
do campo do comando e controle e entra no sistema de comércio e negociação
de territórios via Cota de Reserva Ambiental, numa estratégia que coloca dentro
do sistema os bens comuns que não possuíam importância dentro do mercado.
O Código representa esse processo, pois nele teremos a precificação da reserva
legal, a desagregação da natureza, que na nova lógica é vista como mercadoria,
a individualização dos proprietários em cadastros, a efetivação dos títulos de
propriedade que serão colocados como passíveis de serem negociados em mercados
financeiros e, por fim, a destruição dos modos de vida originários e camponeses.
Para Harvey (2011): “Modos de vida não mercantis e não capitalistas são, em suma,
considerados uma barreira para a acumulação do capital e, portanto, devem ser
dissolvidos para dar lugar aos 3% de taxa de crescimento composto que constitui
a força motriz do capitalismo. ”
Como buscamos apresentar no caso acreano, o Estado assume papel de
protagonista na execução do novo Código, ao passo em que as comunidades não
são consultadas e a elas caberá a obrigação de participarem do Cadastro. Enquanto
que para o grande produtor vem sendo legitimada sua contaminação, sua poluição,
seus lucros e seu controle dos territórios.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O novo Código Florestal como expressão do capitalismo verde: o início de sua implementação no estado do Acre
Anderson Peixoto Amparo | Fabiano Moreira da Silva | Lyvia Milenna de Souza Rocha
121
Por fim, salientamos a colocação de Barreto e Martins (2014), no sentido de
que aos movimentos sociais do campo o novo Código Florestal pode vir a ser uma
importante ferramenta na luta para a oficialização e a visibilização dos conflitos
agrários e socioambientais, das formas de uso coletivos e diferenciados dos territórios
(mesmo aqueles ainda não regularizados), da ação dos grileiros e dos supostos
proprietários invasores dos territórios tradicionais e áreas de assentamento. Como
seu cumprimento se faz a partir de burocracias obrigatórias que pretendem realizar
suas políticas e programas públicos, neste caso de recuperação e proteção de áreas
ambientais, mas atrelados também ao processo do mercado de apropriação privada
dos bens comuns e da natureza, essas podem servir também ser uma arma para
contribuir na luta de afirmação e defesa dos direitos.
Referências bibliográficas
ACRE. Decreto Estadual 7734/2014, de 06 de junho de 2014. Regulamenta o Cadastro Ambiental Rural - CAR, no âmbito do Estado do Acre.
BARRETO, A. MARTINS, P. O novo código florestal, “CRA” e “CAR”: afirmação da defesa do
direito à terra ou a privatização financeira dos bens comuns? p.3-4. In: Jornal Aldeia. Jornal
produzido pela FASE Amazônia, Grupo Carta de Belém (GCB) e Fórum da Amazônia Oriental
(FAOR) | 1º Semestre de 2014.
BECHARA, Érika. Disposições Complementares. In: MILARÉ, Édis & MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Novo Código Florestal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012.
BRASIL. Decreto Federal 8235/2014, de 05 de maio de 2014. Estabelece normas gerais complementares aos Programas de Regularização Ambiental dos Estados e do Distrito Federal.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8235.
htm. Acesso em 31/07/2014.
BRASIL. Lei Federal n. 12.651/2012, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da
vegetação nativa. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/
lei/L12651compilado.htm. Acesso em 06/07/2014.
HARVEY, D. O Enigma do Capital e as Crises do Capitalismo. Rio de Janeiro: Boitempo, 2011.
LEROY, J. P. Flexibilização de direitos e justiça ambiental. pp. 23-50 In: VALENCIO, N. & ZHOURI,
A. Formas de matar, morrer e de resistir: limites da resolucao negociada dos conflitos ambientais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
PAULA, E.A. Capitalismo Verde e Transgressões: Amazônia no espelho de Caliban. Dourados:
UFGD, 2013.
PORTO-GONÇALVES, C. W. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. 4ª edição.
SOARES-FILHO, B. ; RAJAO, R. ; MACEDO, M. ; CARNEIRO, A. ; COSTA, W. ; COE, M. ; RODRIGUES,
H. ; ALENCAR, A. . Cracking Brazil’s Forest Code. Science (New York, N.Y.), v. 344, p. 363-364, 2014.
122
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
TERRA DE DIREITOS. Pagamentos por “serviços ambientais” e flexibilização do Código Florestal para um capitalismo “verde”. http://terradedireitos.org.br/wp-content/uploads/2011/08/
Analise-PSA-CODIGO-Florestal-e-TEEB-_Terra-de-direitos.pdf Acesso em 28/07/2014.
TRENNEPOHL, Curt. Capítulo VI - Do Cadastro Ambiental Rural. In: MILARÉ, Édis & MACHADO,
Paulo Affonso Leme. Novo Código Florestal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O novo Código Florestal como expressão do capitalismo verde: o início de sua implementação no estado do Acre
Anderson Peixoto Amparo | Fabiano Moreira da Silva | Lyvia Milenna de Souza Rocha
123
Desenvolvimento territorial rural:
um estudo exploratório sobre
Brasil e México
RURAL TERRITORIAL DEVELOPMENT: AN EXPLORATORY
STUDY ON BRAZIL AND MEXICO
Andressa Krieser Bauermann
Universidade Federal da Fronteira Sul
[email protected]
Anelise Graciele Rambo
Universidade Federal da Fronteira Sul
[email protected]
Lucas Azeredo Rodrigues
Universidade Federal da Fronteira Sul
[email protected]
Resumo:O desenvolvimento territorial tem sido, nos últimos anos, objeto de estudo de
inúmeras pesquisas. A partir da década de 1990 intensificou-se o debate acerca do discurso
sobre desenvolvimento territorial, o qual salienta a importância de uma inovação retórica,
passando da visão setorial em direção a territorial, sobretudo no âmbito das políticas públicas
voltadas ao desenvolvimento rural. Sob esta perspectiva, este trabalho visa realizar breves
considerações sobre como o discurso do desenvolvimento territorial aparece nas políticas
no Brasil e no México. Para tanto, o mesmo inicia-se em uma seção que, retrata a abordagem
territorial das políticas públicas, perpassando pelo discurso do desenvolvimento territorial e
pelos conceitos de território, gestão social e governança territorial. Num segundo momento,
apresenta uma caracterização do Programa Territorios Productivos, implementado pelo
governo mexicano e dos Programas Territórios Rurais e Territórios da Cidadania, implantados
pelo governo brasileiro. Para finalizar, realiza-se breve análise de como o discurso do
desenvolvimento territorial rural aparece nas duas iniciativas.
Palavras-chave: Desenvolvimento Territorial; Políticas públicas; Brasil; México; Território.
Abstract: The territorial development has been, in recent years, extensive research object of
study. From the 1990s it intensified the debate about the discourse on territorial development,
which stresses the importance of a rhetorical innovation, moving from the sectoral approach
towards territorial, especially in the context of public policies for rural development.
From this perspective, this study aims at briefly consider how the discourse of territorial
development presented in the policies in Brazil and Mexico. Therefore, it starts in a section
that depicts the territorial approach to public policy, passing by the discourse of territorial
development and the territory of concepts, social management and territorial governance.
Secondly, it presents a characterization of the Productive Territories Program, implemented
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
by the Mexican government and Rural Programs and Citizenship Territories, deployed by the
Brazilian government. Finally, there will be brief analysis of how the discourse of rural territorial
development presented in the two initiatives.
Keywords: Territorial Development; Public policy; Brazil; Mexico; Territory.
Introdução
Entre as décadas de 1980 e 1990 iniciou-se uma mudança institucional na
visão de desenvolvimento. Disseminou-se neste período um novo discurso que
salientava a importância de uma inovação retórica da visão setorial em direção a
territorial, no âmbito das políticas públicas brasileiras voltadas ao desenvolvimento
rural. Esta forma de abordagem destaca dois aspectos eminentes: a feição
intersetorial e interministerial e abrangência mais ampla do que comunidades e
municípios (FAVARETO, 2009).
Esse tipo de política aborda o território de maneira multidimensional,
introduzindo conceitos de gestão social e governança territorial, a fim de reduzir
a pobreza do campo através de ações voltadas à promoção da agricultura familiar
e, aos agentes sociais a ela ligados. Nesse sentido, Favareto (2009) destaca que a
origem dessas políticas está relacionada às novas dinâmicas espaciais marcadas pela
aproximação do rural e do urbano, em vez de uma dicotomia entre esses dois espaços.
As políticas de cunho territorial apresentam grande dificuldade em se
integrar às estruturas de governo, pois estas são separadas rigidamente por áreas
administrativas, onde tem-se um paralelismo entre as políticas de desenvolvimento
territorial rural com as políticas que ocorrem em outros ministérios, ressaltando a
necessidade de reconhecimento da diversificação das economias no meio rural,
conforme salientado por IICA (2010).
Considerando o exposto acima, propomos neste trabalho apresentar o
Programa Territorios Productivos (PTP), executado pelo governo mexicano e os
Programas Territórios Rurais e Territórios da Cidadania (PTC) implementados pelo
governo brasileiro. O trabalho encontra-se estruturado em uma seção que, retrata
a abordagem territorial das políticas públicas, perpassando pelo discurso do
desenvolvimento territorial e pelos conceitos de território, gestão social e governança
territorial. Por conseguinte, caracteriza-se o Programa Territorios Productivos
(México) e os Programas Territórios Rurais e Territórios da Cidadania (Brasil). Ao final
realiza-se uma breve análise de como o discurso do desenvolvimento territorial
aparece nas políticas no Brasil e no México, seguidas das considerações finais e dos
referenciais utilizados.
126
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
A abordagem territorial das políticas públicas e o conceito de território
Nos últimos anos, observamos uma disseminação de políticas territoriais
por diferentes partes do mundo1. Favareto (2009) salienta a importância de uma
inovação retórica, haja vista uma mudança institucional da visão setorial em
direção a uma verdadeira abordagem territorial, pois ainda não existem programas
que implementem todos os elementos que compõem a abordagem territorial de
desenvolvimento rural. O autor ressalta que, a abordagem territorial enfatiza dois
aspectos eminentes: a feição intersetorial e interministerial, onde, há a adoção de
políticas públicas coordenadas por diferentes ministérios de forma conjunta sob um
mesmo território e, a abrangência mais ampla do que comunidades e municípios.
Esse tipo de abordagem traz consigo a necessidade de aferrar o território
de maneira multidimensional e, por conseguinte aplicar sobre ele medidas
multisetoriais. Neste sentido, torna-se de suma importância notabilizar que mesmo
não havendo uma política que abranja estes elementos, novos programas vêm sendo
estabelecidos com essa perspectiva (FAVARETO, 2009).
Levando em consideração a proposta de desenvolvimento territorial sob o
caráter intersetorial e de abrangência geográfica que extrapole limites municipais e
comunitários, as políticas territoriais, em geral, tem proposto a redução da pobreza
do campo através de ações voltadas à promoção da agricultura e, aos agentes
sociais a ela ligados (Favareto, 2009). Neste sentido, o envolvimento das estruturas
governamentais e das organizações sociais torna-se fundamental no rompimento
dos limites setoriais e de política social que impedem a introdução do adjetivo
territorial às políticas públicas voltadas ao campo.
De acordo com Favareto (2009) a origem deste tipo de política está relacionada
às novas dinâmicas espaciais marcadas pela aproximação do rural e do urbano, em
vez de uma dicotomia clara entre esses dois espaços, juntamente com a negativa
de que a industrialização ou a modernização agrícola seriam elementos bastantes
para se alcançar o desenvolvimento regional.
Conforme estudos do ICCA (2010), as políticas de cunho territorial
apresentam grande dificuldade em se integrar em estruturas de governo separadas
rigidamente por áreas administrativas. Tem-se um paralelismo entre as políticas de
desenvolvimento territorial rural e as políticas que ocorrem em outros ministérios. O
estudo ressalta a necessidade de reconhecimento da diversificação das economias
1 Enquanto políticas territoriais, podemos citar o Programa LEADER da União Européia; o EZ/CZ – Empowerment Zones/ Entreprise Communities – dos Estados Unidos; o Programa Unidad de Minifúndio, o Programa
Social Agropecuário, o Proinder e o Prodernea da Argentina; o Pronaf, o Programa Nacional de Reforma
Agrária e Programas de crédito fundiário do Brasil; o Prorural, o Prodesal, o DPR – Fosis, o Prodecop IV, o
Prodecop Secano e o Prodecam do Chile; e o INCODER da Colômbia. Para mais informações a esse respeito
ver Favareto (2006) e Perafán (2007).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento territorial rural: um estudo exploratório sobre Brasil e México
Andressa Krieser Bauermann | Anelise Graciele Rambo | Lucas Azeredo Rodrigues
127
no meio rural, da participação dos atores sociais, da diferenciação de rural e agrário,
da importância da agricultura familiar e da passagem da visão setorial para territorial.
Por conseguinte, Favareto (2010) ressalta que esta estratégia de desenvolvimento é embasada no conceito de competitividade territorial, envolvendo: i) a
estruturação dos recursos do território de forma coesa; ii) o envolvimento de diversos
atores e instituições; iii) a integração entre setores empresariais em uma dinâmica
de inovações; e iv) a cooperação com outras áreas e políticas nos vários níveis de
governo. Ademais, a abordagem territorial passou a fazer parte definitivamente
do discurso dos planejadores de políticas públicas dando origem a importantes
inovações, porém parciais, em que
Dentre elas a mais importante é a ampliação da escala dos investimentos públicos em
desenvolvimento rural, passando do âmbito municipal para o âmbito intermunicipal.
Contudo, essa inovação parcial não se fez acompanhar de mudanças institucionais
correlatas que pudessem dar um novo conteúdo a esses investimentos. Assim, embora as políticas tenham se aproximado dos requisitos trazidos com a retórica do
desenvolvimento territorial, seus efeitos ainda estão longe de representar um aporte
sólido para que as regiões rurais consigam vislumbrar projetos estratégicos de longo
prazo, capazes de melhorar suas formas de inserção externa e de organização local
(Favareto, 2010, p. 36).
Tal abordagem evidencia a importância da gestão social dos territórios, pois
ao ser definida como uma forma de governança democrática torna-se capaz de
desenvolver o fortalecimento da democratização nas relações sociais mediante
a participação e engajamento de múltiplos atores nas práticas que privilegiam o
caráter dialógico da gestão (BOULLOSA; SCHOMMER, 2009).
Ao trabalhar a gestão social em políticas públicas na conjuntura das relações
entre Estado e sociedade, se procura chamar a atenção para o protagonismo da
sociedade nos estágios de elaboração, administração e avaliação de políticas
(KRONEMBERGER; GUEDES, 2014).
Em síntese, o conceito de gestão social é abordado de modo a evidencialo como “a tomada de decisão coletiva, sem coerção, baseada na inteligibilidade
da linguagem, na dialogicidade e no entendimento esclarecido como processo,
na transparência, como pressuposto e na emancipação enquanto fim último”
(CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2011, p. 697).
Echeverri (2010) concebe a gestão social como um roteiro orientador que
perpassa ciclos que se iniciam com processos de sensibilização e mobilização dos
atores sociais, a fim de a ação coletiva traduzir-se em energia ou capital social, o que
conduz a uma fase de planejamento, incluindo o diagnóstico territorial consensuado,
a identificação de um projeto territorial de futuro e o estabelecimento de objetivos,
diretrizes, estratégias e ações haja vista alcançar as metas de desenvolvimento
sustentável.
128
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
A abordagem da gestão social de territórios, focada nos processos de
desenvolvimento territorial, introduz o conceito de governança territorial (VILPOUX;
LAURINO; CAMPEÃO, 2014). Esta se refere “às iniciativas ou ações que expressam a
capacidade de uma sociedade organizada territorialmente, para gerir os assuntos
públicos a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais,
econômicos e institucionais” (DALLABRIDA, 2007, p. 46).
Para que este processo de gestão social e governança territorial efetuemse, fomentando e apoiando a participação dos atores locais nas discussões e
deliberações referentes a políticas, programas e projetos, as políticas públicas vêm
criando estruturas descentralizadas, como será apresentado na sequência deste
trabalho.
No entanto, é importante salientar que há uma dissonância entre a abordagem territorial empregada pelas políticas públicas e o conceito de território, tal
como concebido, por exemplo, pela Geografia. Enquanto a abordagem territorial
das políticas públicas foca na superação do viés setorial e no combate à pobreza, a
abordagem da geografia política enfatiza muito mais as relações de poder.
Segundo Raffestin (1980) o território é resultado de uma ação conduzida
por um ator sintagmático em qualquer nível, e a partir do momento que este se
apropria de um espaço, concreta ou abstratamente, o ator territorializa o espaço.
Nesta perspectiva, o território é um espaço onde se projetou um trabalho, seja
energia ou transformação, o que por consequência, expõe relações marcadas pelo
poder. Portanto, o autor afirma que o território é delimitado por meio das relações de
poder em suas múltiplas dimensões, assim este também é considerado um campo
de forças que valoriza os aspectos imateriais de seu uso.
Ao compreender o território como campo de forças, ou “teias ou redes de
relações sociais”, Souza (1995), aponta que “territórios são no fundo relações sociais
projetadas no espaço” podendo formar-se ou dissolverem-se de modo muito rápido.
Santos (2008) aborda e compreende o território a partir da perspectiva do uso,
onde este se constitui como um complexo, em que se tece uma trama de relações
complementares e conflitantes, compreendidas como uma totalidade que vai do
global ao local, visando a ação e a utilização desempenhada pelos seres humanos
na produção do espaço.
Para Saquet (2004), o território está relacionado também às ações econômicas
e culturais, sendo considerado um “processo de relações sociais, de perda e
reconstrução de relações”, assim também apresenta caráter político, constituindo
um espaço modificado pelo trabalho e relações de poder. Assim
Um território é produzido, ao mesmo tempo, por relações políticas, culturais e econômicas, nas quais as relações de poder inerentes às relações sociais estão presentes
num jogo contínuo de dominação e submissão, de controle do espaço geográfico. O
território é apropriado e construído socialmente, fruto do processo de territorialização,
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento territorial rural: um estudo exploratório sobre Brasil e México
Andressa Krieser Bauermann | Anelise Graciele Rambo | Lucas Azeredo Rodrigues
129
do enraizamento; é resultado do processo de apropriação e domínio de um espaço,
cotidianamente, inscrevendo-se num campo de poder, de relações socioespaciais
(SAQUET, 2004, p. 128-129).
Na perspectiva apresentada por Saquet (2004), a gestão social e a governança
territorial tornam-se fundamentais no desenvolvimento das políticas territoriais.
No entanto, como poderá ser observado a seguir, apesar das mudanças que vem
ocorrendo nas políticas públicas, estas ainda não incorporam as dinâmicas territoriais
sob o viés das relações de poder, e sim, pelo viés da superação da pobreza e das
ações setoriais.
O Programa Territorios Productivos - México
O Programa Territórios Produtivos (PTP), implementado no México, direcionase aos setores pobres do campo. O Programa foi criado em setembro de 2014,
entrando em vigor em primeiro de janeiro de 2015. É executado pelo PROSPERA
(Programa de Inclusión Social), sob a coordenação da Secretaría de Desarrollo Social
(SEDESOL) e Secretaría de Hacienda y Crédito Público (SHCP). O PTP, é apoiado
pelo FIDA (Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola) e pelo IDRC
(International Development Research Centre), como salientado por DOF (Diario
Oficial de la Federación).
O Programa Territorios Productivos, poderá se articular com a CDI (Comision
Nacional para el Desarrollo de los Pueblos Indigenas), a CONAFOR (Comisión Nacional
Forestal), o FINRURAL (Financiera Rural de México), o INAES (Instituto Nacional de la
Economía Social), a SAGARPA (Secretaría de Agricultura, Ganadería, Desarrollo Rural,
Pesca y Alimentación), a SCT (Secretaría de Comunicaciones y Transportes), SEDATU
(Secretaría de Desarrollo Agrario, Territorial y Urbano), e SERAMART (Secretaría de
Medio Ambiente y Recursos Naturales), conforme RIMISP (2015, p. 35).
Inspirado em políticas de desenvolvimento econômico e produtivo, se
articula com políticas de desenvolvimento social com o intuito de potencializar a
produtividade, a produção e a renda das famílias em situação de pobreza, as quais
já são beneficiadas pelo PROSPERA. Segundo DOF (2014), o Programa se destina a
população que habita municípios e localidades em que os pequenos produtores
detêm peso econômico e social preponderante, priorizando os municípios
selecionados pela Cruzada Nacional contra el Hambre (CNCH).
O PTP foi criado devido aos frequentes déficits produtivos e a pobreza rural
atrelados a estrutura fundiária. O espaço rural do México constitui-se, em sua
maioria, de pequenas propriedades. Estas, segundo RIMISP (2015), nos anos recentes
sofreram com políticas públicas desarticuladas que, por sua vez, beneficiavam
apenas alguns segmentos, suscitando uma “modernização seletiva”, baseada em
critérios econômicos que definiam regiões viáveis e inviáveis, gerando um espaço
130
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
rural estruturado apenas em algumas áreas. Conforme o RIMISP (2015) contribuíram
para este quadro i) a lenta redução da pobreza e da inseguridade alimentar nas
famílias rurais; ii) o lento crescimento da produtividade agrícola proveniente dos
pequenos produtores e camponeses; e iii) o baixo investimento público em políticas
que contribuam para o desenvolvimento dos pequenos produtores e campesinos.
O programa tem o propósito de i) acrescer a renda por meio de atividades
agrícolas e não agrícolas; ii) aumentar a produção de alimentos e a produtividade com
base nos recursos já disponíveis; e iii) efetivar políticas e programas de capacitação.
Neste sentido, o programa busca dinamizar os centros econômicos a nível local e
regional de modo a melhorar a participação das famílias pobres nestes espaços
econômicos (RIMISP, 2015 p.11).
Segundo o RIMISP (2015), o programa efetua-se por meio de cinco eixos estratégicos tendo em vista i) o incentivo financeiro aos camponeses que desenvolvem
novas atividades produtivas; ii) o fortalecimento de organizações sociais e econômicas para o desenvolvimento a nível local e territorial; iii) um conjunto coerente
de investimentos e iniciativas para a produção de “bens públicos” visando eliminar
ou atenuar as restrições que afetam o desempenho dos principais eixos produtivos
territoriais; iv) o acesso ao conjunto mínimo necessário e bem coordenado de serviços públicos de apoio ao desenvolvimento produtivo, enfatizando os que visam
impulsionar as capacidades individuais e coletivas locais no âmbito tecnológico,
comercial, de liderança e inovação social, pois estes constroem articulações com
outros programas e órgãos governamentais; e v) o enfoque territorial do programa
baseado em territórios funcionais onde as localidades rurais estão estritamente relacionadas com pequenos e médios centros urbanos reconhecendo esses territórios
como espaços em que a população rural em situação de pobreza faz grande parte
de sua vida econômica.
Apesar dos inúmeros projetos de caráter produtivo presentes no território
mexicano, estes apresentaram um conjunto de características que os tornavam
ineficientes (RIMISP, 2015). São apontados pelos autores da proposta as seguintes
falhas sistêmicas nos programas de fomento produtivo tradicionais presentes no
território mexicano: a) não existem atualmente programas de fomento produtivo
enfocados apenas em pequenos produtores e que apresentem cobertura relevante
a essa dimensão populacional; b) concentração de gastos em estados, municípios
e produtores com melhores condições econômicas e de produção; c) a incoerência
de muitos programas aos atuais objetivos da política pública, pois muitas delas
são heranças de políticas que perderam relevância ou não estão mais vigentes;
d) dissociação de instrumentos e políticas sociais; e) falta de coordenação entre
os programas e seus respectivos componentes; f ) como consequência do acima
exposto, há dispersão de serviços essenciais como o desenvolvimento organizacional
para a ação coletiva econômica, a assistência técnica e capacitação para a inovação
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento territorial rural: um estudo exploratório sobre Brasil e México
Andressa Krieser Bauermann | Anelise Graciele Rambo | Lucas Azeredo Rodrigues
131
e produção, serviços técnicos, acesso a mercados e comercialização, acesso a
financiamento, entre outros; g) baixa participação dos governos estadual e municipal
na gestão local dos programas, e h) inexistência de avaliações que permitam saber
quais programas são eficazes.
Conforme dados disponibilizados por RIMISP (2015), o programa atua nos
400 municípios selecionados inicialmente pela CNCH, tendo cerca de 727 mil
beneficiados. Selecionaram-se inicialmente 10.000 famílias distribuídas em cinco
estados da federação (Chiapas, Estado de México, Oaxaca, Puebla e Veracruz)
constituindo 14 territórios funcionais, nos quais foram identificados 91 localidades
que cumprem os critérios de seleção.
A operacionalização do programa baseia-se em estimular e apoiar processos
econômicos territoriais e autossustentados, de modo a incorporar agentes pobres,
como produtores e assalariados do campo. Com isso, de acordo com RIMISP (2015)
pretende-se alicerçar os eixos produtivos agrícolas e não agrícolas de acordo com
seu potencial de expansão, realizar ações e investimentos que modifiquem as
restrições que afetam a produção principal, por meio da participação dos atores locais
e desenvolver capacidades individuais e coletivas somadas a empreendimentos e
atividades produtivas familiares e comunitárias, em vez de apoiar projetos dispersos
e isolados.
O viés territorial empregado potencializa as diversas atividades produtivas
(agrícolas e não agrícolas) de modo a não privilegiar apenas alguns setores
econômicos, promover vínculos intersetoriais articulando as atividades primárias
ao processamento dos produtos e ao setor de serviços e proporcionar vínculos
entre as comunidades rurais e os pequenos e médios centros urbanos. A partir
deste viés, o programa é capaz de articular de forma integral bens e serviços,
proporcionando conforme salientado pelo RIMISP (2015), o desenvolvimento
e fortalecimento organizacional, serviços de assistência técnica e capacitação
para melhorar a comercialização, o acesso aos mercados e a inovação produtiva,
acesso a equipamentos, insumos, serviços financeiros e a infraestrutura de ampla
complexidade como estradas, irrigação (quando viável) e armazenamento dos
produtos agrícolas.
Por meio desta articulação, os serviços e a aquisição de bens dão-se
preferencialmente nos mercados locais e regionais, integrando campo e cidade e, ao
mesmo tempo, movimentando as economias locais. Assim, nas primeiras semanas
o PTP é instalado e apresentado à sociedade. Num segundo momento, seguindo
uma agenda pré-determinada, efetiva suas ações num período de três anos, estando
sujeito à renovação DOF (2014).
O programa é executado pelo PROSPERA, em coordenação com a Secretaría
de Desarrollo Social e a Secretaría de Hacienda y Crédito Público. Sua execução é
de responsabilidade de uma unidade operativa, que deve assegurar o vínculo do
programa com as estratégias do governo, principalmente em relação à Cruzada
132
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Nacional Contra el Hambre e o Programa para Democratizar la Productividad. Ao
nível estatal, o programa PROSPERA e a SEDESOL tem a responsabilidade de dar
segmento e entrelaçar o PTP com as estratégias e programas produtivos promovidos
ao nível estadual e federal. A fim de manter o bom funcionamento, o programa é
monitorado e fiscalizado constantemente.
Os Programas Territórios Rurais e Territórios da Cidadania - Brasil
A partir da criação da Secretaria do Desenvolvimento Territorial (SDT) em
2003, é implementado o Programa Desenvolvimento Sustentável de Territórios
Rurais (Pronat) seguido do Programa Territórios da Cidadania (PTC) em 2008. No
Brasil, as pesquisas e ações internacionais influenciaram o ambiente acadêmico e
político, incentivando a criação da SDT, do Pronat e do PTC. Três eixos estratégicos
organizam as ações da SDT: (a) organização e o fortalecimento dos atores sociais, que
procura desencadear um processo de incremento das redes sociais dos territórios,
buscando maior autonomia e empoderamento das comunidades na gestão do
desenvolvimento; (b) adoção de princípios e práticas da gestão social para estimular
a adoção de práticas de gestão social do desenvolvimento concretizando espaços
de debate e concertação; (c) implementação e integração de políticas públicas para
promover a convergência das mesmas e consequentemente a integração vertical
(dos ambientes municipal, territorial, estadual e nacional) e horizontal (entre órgãos
e/ou entidades distintas que atuam em um mesmo nível) (BRASIL, 2005).
A perspectiva territorial do desenvolvimento rural sustentável proposta,
envolve uma visão integradora de espaços, atores sociais, mercados e políticas
públicas de intervenção. A partir desta perspectiva propõe-se desenvolver soluções
que contemplem combinações entre as diversas dimensões do desenvolvimento
sustentável: econômica, sócio-cultural, político-institucional e ambiental (BRASIL, 2004).
Para tal, no Pronat, o território é entendido enquanto um espaço físico,
geograficamente definido, compreendendo cidades e campos, caracterizado por
critérios multidimensionais (ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política
e as instituições) e uma população com grupos sociais relativamente distintos onde
se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social,
cultural e territorial. Por sua vez, o território rural seria aquele onde os critérios
multidimensionais que o caracterizam, bem como os elementos mais marcantes
que facilitam a coesão social, cultural e territorial, apresentam a predominância de
elementos rurais (BRASIL, 2003).
A seleção dos territórios rurais para ações do Pronat tem por base as
microrregiões geográficas que apresentam densidade demográfica menor que 80
hab/km² e população média por município de até 50.000 habitantes, bem como a
presença de agricultores familiares, famílias assentadas e famílias de trabalhadores
acampados (BRASIL, 2003).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento territorial rural: um estudo exploratório sobre Brasil e México
Andressa Krieser Bauermann | Anelise Graciele Rambo | Lucas Azeredo Rodrigues
133
A estrutura organizacional dos territórios rurais é sustentada pelo Colegiado
de Desenvolvimento Territorial (Codeter). O Colegiado representa um tipo de
arranjo institucional, por meio do qual se pretende construir acordos em torno
da implementação dos projetos de interesse do território, catalisando habilidades
e competências dispersas num conjunto de organizações e agentes, públicos e
privados, individuais e coletivos, e operar esses atributos colocando-os a serviço
do território (BRASIL, 2005).
Os Colegiados devem ter, em sua composição, representantes das três
esferas de governo e da sociedade, devendo haver paridade entre representantes
do governo e sociedade civil bem. Ao Codeter cabe deliberar e propor ações para
o desenvolvimento sustentável dos territórios, além de articular políticas públicas,
realizar o planejamento das ações e definir os programas e projetos que devem
compor o Plano Territorial de Desenvolvimento Territorial Sustentável (PTDRS).
Com base nos critérios estabelecidos pela SDT, há atualmente 242 territórios
rurais identificados, sendo que 164 são apoiados pelo Pronat. Destes, 93 aprovaram
seus planos e outros 71 estão em processo de elaboração e qualificação (BRASIL, 2010c).
Em decorrência do Pronat surge, em 2008, o Programa Territórios da Cidadania
(PTC). Ele resulta da constatação de significativas desigualdades sócio-econômicas
entre os próprios territórios rurais. Com o mesmo referencial conceitual do Pronat
acerca do desenvolvimento territorial, a prioridade do PTC consiste em atender
territórios que apresentam baixo acesso a serviços básicos, índices de estagnação na
geração de renda, e carência de políticas integradas e sustentáveis para autonomia
econômica. No PTC a ênfase recai sobre o combate à pobreza e conquista de
cidadania.
Assim sendo, o objetivo maior do PTC consiste na superação da pobreza
e geração de trabalho e renda no meio rural por meio de uma estratégia de
desenvolvimento territorial sustentável.
A partir do conceito de território adotado pelo Pronat, o PTC acrescenta novos
critérios de seleção dos Territórios de Cidadania, prevendo a implementação de
territórios que já estivessem incorporados no Pronat, com presença de um por estado
da federação em 2008 e dois em 2009. Quanto aos recursos destinados ao PTC, Wesz
Júnior e Leite (2010) apontam que, em 2008 o valor previsto para os 60 Territórios
da Cidadania chegou a R$ 12,8 bilhões, valor que alcançou quase R$ 25 bilhões em
2009 com a entrada de mais 60 novos territórios. Em 2010 o montante de recursos
ampliou-se para R$ 26,8 bilhões. Houve, portanto um crescimento de 109,8% de
2008 para 2010. As linhas com maior crescimento foram (a) organização sustentável
da produção e saúde e (b) saneamento e acesso à água, que aumentaram o valor
previsto em 187,5% e 147,7%, respectivamente. O tema que teve uma ampliação mais
reduzida nestes três anos foi o de Ações Fundiárias (27%), que apresentou inclusive
uma redução de 20% nos valores absolutos de 2009 para 2010.
134
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
O discurso do desenvolvimento territorial rural nas políticas do Brasil e do
México
Com base na caracterização do Programa Territorios Productivos e dos
Programas Territórios Rurais e Territórios da Cidadania observa-se que o discurso
territorial imbricado enfatiza além do combate ao viés setorial, a pobreza rural que
atinge os setores pobres do campo.
Ambas as políticas, mesmo salientando a necessidade de atenuar a pobreza
e diminuir as desigualdades no campo, ainda não conseguiram implementar nos
territórios o desenvolvimento territorial, em contraponto ao setorial, a gestão social,
com ampla participação dos atores locais envolvidos e a governança territorial.
Nota-se que tanto no caso mexicano, quanto no caso brasileiro, o discurso do
desenvolvimento territorial aparece atrelado ao combate à pobreza rural e as políticas
setoriais decorrentes de desigualdades socioeconômicas construídas ao longo da
história. Ambas versam a respeito da abordagem territorial do desenvolvimento
rural no âmbito de práticas agrícolas e não-agrícolas. Apesar destas ainda não
conseguirem cumprir todos os seus objetivos, a multidimensionalidade sob a qual
o rural é visto permite que este não seja mais atrelado ao sinônimo de agrícola e
atrasado, mas como um rural pluriativo, de novas funções e mais interativo com o
urbano.
Ademais, se percebe a dissonância entre a abordagem territorial empregada
pelas políticas públicas e o conceito de território, concebido, por exemplo, pela
Geografia. Enquanto, a abordagem territorial das políticas públicas em ambos os
países foca no combate a pobreza e ao viés setorial, a abordagem da geografia
política enfatiza as relações de poder.
Deste modo, as políticas públicas consideram o território a priori, não
observando as relações de poder entre os agentes sociais, desde a escala local até a
escala global. A partir das experiências apresentadas, se pode perceber, que apesar
das mudanças que vem ocorrendo nas políticas públicas, estas ainda não incorporam
as dinâmicas territoriais sob o viés das relações de poder.
Considerações Finais
O território é considerado um espaço de identidade, para tanto somado
ao aspecto multidimensional, o enfoque territorial do desenvolvimento requer
a participação de múltiplos atores sociais pertencentes ao território como ponto
fundamental. Além disto, o discurso do desenvolvimento territorial salienta a
importância de uma inovação retórica da visão setorial em direção à visão territorial
na esfera das políticas públicas de desenvolvimento rural, a fim de combater a
pobreza e fomentar o desenvolvimento local e regional.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento territorial rural: um estudo exploratório sobre Brasil e México
Andressa Krieser Bauermann | Anelise Graciele Rambo | Lucas Azeredo Rodrigues
135
As políticas de cunho territorial apresentam grande dificuldade em se
integrar as estruturas de governo, pois estas são separadas rigidamente por áreas
administrativas. Em ambos os casos, se percebe a feição interministerial sendo que,
no caso mexicano o Programa articula-se com programas sociais e no caso brasileiro,
há uma articulação entre ministérios.
Quanto ao programa mexicano, por se tratar de uma experiência muito
recente, estes elementos ainda não se fazem tão evidentes. Num primeiro momento,
se evidencia ampla articulação com programas sociais. Cabe destacar que programas
de outras esferas poderiam ser articulados neste contexto. Além do mais, devido ao
seu caráter recente, ainda não se pode inferir o comportamento dos atores locais,
porém se pode afirmar que esta iniciativa trouxe avanços, pois pela primeira vez os
pequenos produtores são alvos de uma política pública específica que busca não
somente aumentos produtivos, mas capacitar os atores sociais locais.
O discurso do desenvolvimento territorial rural aparece nas experiências
como forma de combate a pobreza. Cabe ressaltar, que por se tratarem de programas
recentes necessitam de novos estudos, principalmente no caso mexicano, ainda em
fase inicial de implantação.
Por meio das experiências apresentadas, se percebe que as políticas territoriais
já avançaram em relação às políticas setoriais e às políticas agrícolas tradicionais.
Porém, estas ainda, não podem ser consideradas territoriais levando em consideração
a abordagem do conceito de território, onde não se evidencia as relações de poder
entre os agentes sociais que o constituem.
Isso decorre, devido à dissociação entre a abordagem territorial empregada
pelas politicas públicas e o conceito de território empregado pela geografia política.
Como já ressaltado anteriormente, a abordagem territorial das políticas públicas foca
unicamente no combate a pobreza a ao viés setorial, enquanto a abordagem sob o olhar
da geografia política enfatiza as relações de poder pelas quais o território é construído.
Referências bibliográficas
BERDEGUÉ, J. A, et al. 2015. Territorios Productivos Um Programa Articulador para Reducir
la Pobreza Rural a través del Incremento de la Productividad, la Producción y Los Ingresos. Documento Nº 131. Grupo de Trabajo Desarrollo com Cohesión Territorial. Rimisp. México.
BOULLOSA, R. F.; SCHOMMER, P. C. Gestão social: caso de inovação em políticas públicas ou
mais um enigma de Lampedusa? In: RIGO, A. S. et al. (Ed.). Gestão social e políticas públicas
de desenvolvimento: ações, articulações e agenda. Recife: UNIVASF, 2009. p. 63-92.
BRASIL. Portal da cidadania. 2015. Disponível em: <http://http://www.territoriosdacidadania.
gov.br/>. Acesso em 14 mai. 2015.
BRASIL. DECRETO DE 25 DE FEVEREIRO DE 2008. 2011. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Dnn/Dnn1.... Acesso em: 22 mai. 2015.
136
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
CANÇADO, A.; TENÓRIO, F. G.; PEREIRA, J. R. Gestão social: reflexões teóricas e conceituais.
Caderno EBAPE. BR, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 681-703, set. 2011.
DALLABRIDA, V. R. A gestão social dos territórios nos processos de desenvolvimento territorial: uma aproximação conceitual. Sociedade, Contabilidade e Gestão, Rio de Janeiro,
v. 2, n. 2, 2º semestre 2007.
DALLABRIDA, V. R . Governança territorial e desenvolvimento: Introdução ao tema. In: . (Org).
Governança territorial e desenvolvimento: descentralização político-administrativa, estruturas
subnacionais de gestão do desenvolvimento e capacidades estatais. Rio de Janeiro: Garamond,
2011. p. 15–39.
DOF, 2014. “Decreto por el cual se crea la Coordinación Nacional de Prospera Programa de Inclusión Social”. Disponível em: < http://www.dof.gob.mx/nota_detalle_popup.
php?codigo=5377269>. Acesso em: 19/03/2015.
ECHEVERRI, R. Emergência e evolução do programa de desenvolvimento sustentável dos
territórios rurais e nos territórios da cidadania. In: FAVARETO, A. (Ed.). Políticas de desenvolvimento territorial rural no Brasil: avanços e desafios. Brasília: IICA, 2010. p. 81-114. (Série
Desenvolvimento Rural Sustentável, 12).
FAVARETO, A. Paradigmas do desenvolvimento rural em questão – do agrério ao territorial. 2006. 220 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
FAVARETO, A. Retrato das políticas de desenvolvimento territorial no Brasil. Santiago:
Rimisp,2009. N°26.
FAVARETO, A. Tendências contemporâneas dos estudos e políticas sobre o desenvolvimento
territorial In: FAVARETO, A. (Ed.). Políticas de desenvolvimento territorial rural no Brasil:
avanços e desafios. Brasília: IICA, 2010. p. 81-114. (Série Desenvolvimento Rural Sustentável, 12).
HAESBAERT, Rogério. Definindo território para entender a desterritorialização. In: O mitoda
desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2004. p. 35-98.
INSTITUTO INTERAMERICANO DE COOPERAÇÃO PARA A AGRICULTURA: Reflexões sobre
políticas de desenvolvimento territorial / Carlos Miranda, Breno Tiburcio (organizadores).
Brasília, 2010.
KRONEMBERGER, T. S; GUEDES, C. A. M. Desenvolvimento Territorial Rural com Gestão
Social: um estudo exploratório entre Brasil e Argentina. Organizações Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 16, n. 2, p. 233-246, 2014.
PERAFÁN, M. E. V. O Território do Desenvolvimento e o Desenvolvimento dos Territórios:
o Novo Rosto do Desenvolvimento no Brasil e na Colômbia. Agosto de 2007. 305 f. Tese
(Doutorado em Ciências Sociais)- Programa de Doutorado do Centro de Pós-graduação e
Pesquisa sobre as Américas, Universidade de Brasília (CEPPAC-UnB), Brasília. 2007.
RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. Tradução de Maria Cecília Franca. São Paulo:
Atica, 2011. 242 p. V. 29.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento territorial rural: um estudo exploratório sobre Brasil e México
Andressa Krieser Bauermann | Anelise Graciele Rambo | Lucas Azeredo Rodrigues
137
RAMBO, A. G; BASTIAN, L; KRONE, E. E; CONTERATO, M. A; SCHNEIDER, S. APREENDENDO
DINÂMICAS TERRITORIAIS DE DESENVOLVIMENTO POR MEIO DA ANÁLISE ESCALAR:
UM ESTUDO DO PROINF E DAS EMENDAS PARLAMENTARES NO TERRITÓRIO RURAL
ZONA SUL DO RIO GRANDE DO SUL. ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária,
2013. p.103-132.
SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
SAQUET, Marcos Aurélio. O território: diferentes interpretações na literatura italiana. In: RIBAS,
Alexandre Domingues; SPOSITO Eliseu Savério; SAQUET, Marcos Aurélio. Território e desenvolvimento: diferentes abordagens. Francisco Beltrão: Unioeste, 2004.
SILVA, G. José ; GROSSI, D.E.Mauro. O novo rural brasileiro. Ocupações Não-Agrícolas.
SOUZA, M. J. L. de. O território; sobre espaço e poder,autonomia e desenvolvimento. CASTRO,
I. E. de; GOMES, P.C. da C. e CORRÊA. R. L. (Orgs). Geografia Conceitos e Temas. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1995.
VILPOUX, O, F; LAURINO, J; CAMPEÃO, P. Papel dos Colegiados no desenvolvimento de
uma política de integração territorial: exemplo dos Territórios Rurais do Mato Grosso
do Sul. Desenvolvimento em questão, UNIJUI, v. 12, n. 28, out./dez. 2014. Disponível em:
https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/desenvolvimentoemquestao/issue/view/151.
Acesso em: 07 dez. 2014.
WESZ JÚNIOR, Valdemar J.; LEITE, Sergio P. Financiamento da política de financiamento territorial. Relatório final. IICA/OPPA: 2010. Diponível em: <http://www.concope.gob.ec/redif/
action/file/download?file_guid=1425>. Acesso em: 15 mai. 2015.
138
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Políticas de desenvolvimento
rural nas comunidades de
agricultores familiares do
município de Rio Sono – Tocantins
Políticas de desarrollo rural en las
comunidades de agricultores familiares del
municipio de Rio Sono – Tocantins.
Angelita Fernandes Pereira
Universidade Federal do Tocantins
[email protected]
José Pedro Cabrera Cabral
Universidade Federal do Tocantins
[email protected]
Resumo: Nos últimos anos, o Governo Federal tem criado programas e projetos de
desenvolvimento rural com o objetivo de fortalecer a agricultura familiar a partir do
incentivo à produção e comercialização das culturas das comunidades tradicionais. Desta
forma, os programas PAA e PNAE têm se configurado como uma das principais políticas
públicas brasileiras de geração de trabalho e renda. Este estudo tem como base de analise as
transformações originadas nos processos de produção e de comercialização das associações
de pequenos produtores familiares do município de Rio Sono – Tocantins. Objetiva-se realizar
um estudo empírico com foco na: a) acessibilidade das políticas públicas; b) eficiência e no
alcance das políticas públicas para estas comunidades beneficiárias; e c) nos resultados
concretos e sua relação com os processos de geração de trabalho e renda. Os instrumentos
metodológicos utilizados foram: questionários semiestruturados com perguntas abertas e
fechadas, representando uma amostra de 10% da população total, subsidiando o cruzamento
das informações, realizadas a partir de três categorias de sujeitos: 1) os membros das famílias
de agricultores, 2) os representantes de cada uma das comunidades e 3) os representantes
governamentais do município.
Palavras-chave: Políticas públicas. Desenvolvimento rural. Comunidades de agricultores
familiares. PAA-Compra Direta. PNAE.
Resumen: En los últimos años, el gobierno federal ha creado programas y proyectos de
desarrollo rural con el fin de fortalecer la agricultura familiar de fomentar la producción y
comercialización de las culturas de las comunidades tradicionales. Por lo tanto, los programas
de PAA y PNAE se caracterizan por ser una de las principales políticas públicas brasileñas
para generar empleo e ingresos. Este estudio se basa en el análisis que se originan cambios
en los procesos de producción y las asociaciones de comercialización de los pequeños
agricultores familiares en el municipio de Rio Sono – Tocantins. El objetivo es llevar a cabo un
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
estudio empírico se centra en: a) la accesibilidad de las políticas públicas; b) la eficacia y en el
alcance de las políticas públicas para estas comunidades beneficiarias; e c) en los resultados
reales y su relación con los procesos de generación de empleo e ingresos. Las herramientas
metodológicas utilizadas fueron: cuestionarios semiestructurados con preguntas abiertas y
cerradas, lo que representa una muestra del 10% de la población total, apoyando el cruce
de información, a partir de tres categorías temáticas: 1) los miembros de las familias de
agricultores, 2) representantes de cada una de las comunidades, y 3) los representantes del
gobierno del municipio.
Palabras clave: Políticas públicas. Desarrollo rural. Comunidad de agricultores familiares.
PAA-Compra Directa. PNAE.
Introdução
Uma parceria, iniciada em 2010, entre a Universidade Federal do Tocantins
(UFT) e o Centro de Capacitação de Jovens da Agricultura Familiar (CJAF) da Escola
Família Agrícola de Porto Nacional (EFA-Porto) e o Programa Desenvolvimento &
Cidadania da Petrobras, resultou no “Projeto Fortalecimento da Agricultura Familiar
a partir da geração de trabalho e renda nas cadeias produtivas do Centro-Sul
Tocantinense”, ou simplesmente, Projeto Cadeias Produtivas na Agricultura Familiar.
A proposta do projeto teve como objetivo desenvolver uma metodologia para o
monitoramento do Programa Nacional de Alimentação na Educação (PNAE) e do
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) nos assentamentos da reforma agrária1,
nas associações de agricultores familiares e nas comunidades de remanescentes
quilombolas do estado do Tocantins. Este trabalho trata apenas dos resultados das
associações de agricultores familiares.
O objeto de estudo esteve centrado nas contradições existentes entre
as políticas públicas de desenvolvimento rural e o processo de produção e
comercialização das comunidades de agricultores familiares Ana Cândida e
Canjarana, localizadas no município de Rio Sono, estado do Tocantins, assim como
nas relações com o mercado entre ambos os setores. Assim, teve-se como objetivo
diagnosticar a realidade socioeconômica-produtiva e as respectivas potencialidades
das comunidades para o trabalho associativo em cadeias produtivas de frango,
melhoramento genético de gado leiteiro e frutas do cerrado.
1 Os resultados desta pesquisa podem ser encontrados nos artigos CABRAL, J. P. C.; PEREIRA, A. F. A precarização das associações de produtores rurais nos assentamentos da reforma agrária no Centro-Sul do Tocantins. E
também em: PEREIRA, A. F.; CABRAL, J. P. C. Políticas Públicas para a Juventude Rural no Centro-Sul do Tocantins:
entre a permanência e o êxodo rural. In: IX Congresso da Associação Latino-Americana de Sociologia Rural, 2014,
Cidade de México. Memoria del IX Congreso de la Asociación Latinoamericana de Sociología Rural. Ciudad
de México Em relação aos dados sobre as comunidades quilombolas, os dados ainda estão sendo tabulados.
140
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Este trabalho realizou um estudo empírico com foco na: a) acessibilidade das
políticas públicas; b) eficiência e alcance das políticas públicas para estas comunidades beneficiárias; e c) nos resultados concretos e sua relação com os processos
de geração de trabalho e renda. Para atingir esses objetivos foram utilizados os seguintes instrumentos metodológicos: 1) coleta de informações a partir da aplicação
de 118 questionários semiestruturados com perguntas abertas e fechadas a cada
família de agricultor das comunidades Ana Cândida e Canjarana; 2) a realização de
entrevista com: a) o tesoureiro, o presidente e o vice-presidente da comunidade; b)
representantes da sociedade civil local e c) as lideranças do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Sono e das associações de produtores presentes nas reuniões.
A realização das entrevistas contou com uma amostra de 10% da população
total, subsidiando o cruzamento das informações realizadas a partir de duas categorias
de sujeitos: 1) os membros das famílias de agricultores, 2) e os representantes de
cada uma das comunidades. Cabe ressaltar que essas duas categorias de sujeitos são
compostas por agricultores familiares pertencentes às comunidades estudadas, deste
modo, as informações aqui divulgadas não identificam nenhum ator em especial,
mas todos os dados são tomados em conjunto, visto que não nos foi autorizado a
divulgação das informações de modo individualizado.
A coleta dessas informações e a realização das entrevistas ocorrem durante
encontros e seminários de capacitação com os agricultores familiares da região que
participam da implantação do Projeto de Cadeias Produtivas, desenvolvido pelo
CJAF/ EFA-Porto. A Escola Rural Municipal de Rio Sono foi o ponto de encontro das
28 famílias, com reuniões realizadas quinzenalmente, entre os dias 31 de maio a
02 de agosto de 2014 e resultou no Diagnóstico das comunidades de Agricultores
Familiares de Rio Sono. Compreendendo o PNAE e o PAA, sobretudo, a modalidade
Compra-Direta, como programas de repasse de créditos, o foco principal esteve nas
14 famílias que contratam esses dois programas, a fim de analisar como ocorre a
relação: agricultor familiar – programas – crédito – acesso ao mercado.
Políticas públicas de desenvolvimento rural
Seguindo a proposta de promover o desenvolvimento social e humano das
nações em desenvolvimento, a segunda metade do século passado trouxe consigo
a criação de inúmeras instituições multilaterais dedicadas ao combate à fome, a
miséria e a desigualdade social, inclusive no meio rural. Desta forma, instituições
internacionais e agências supranacionais têm promovido estudos, encontros e
financiamentos de projetos de desenvolvimento territorial rural na América Latina,
sendo que as principais são: o Instituto Interamericano de Cooperação para a
Agricultura (IICA), o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e a
Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial (BM) e a Organização das Nações
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas de desenvolvimento rural nas comunidades de agricultores familiares do município de Rio Sono – Tocantins
Angelita Fernandes Pereira | José Pedro Cabrera Cabral
141
Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). A base dos discursos e programas
de ações desses atores internacionais partem de uma “concepção universalizante
de desenvolvimento”, fundamentados no multilateralismo liberal, integrando: la
defensa de los derechos humanos, la noción de progreso, la cultura del pacifismo y de la
negociación, así como el ideal del intercambio en la construcción de consensos plurales
(GÓMEZ, 2008, p. 164).
O envolvimento destas agências e instituições no processo de elaboração
e implantação das políticas públicas de desenvolvimento territorial rural perpassa
por todas as esferas sociais do meio rural, limitado a atuação do Estado, que deveria
coordenar suas ações juntamente com as categorias sociais realmente interessadas.
Os convênios de cooperação técnica entre governos e instituições internacionais
têm resultado na reformulação das políticas de desenvolvimento rural e vem
sendo difundido como única solução para a pobreza e a desigualdade do meio
rural, orientadas por diretrizes genéricas. As instituições internacionais atribuem
deficiências, como o aumento das taxas de indigência rurais, aos países destinatários
das estratégias, mas jamais como uma deficiência da tentativa de consolidação do
sistema capitalista (GÓMEZ, 2008).
O enfoque territorial do desenvolvimento rural proposto pelo IICA pressupõe
uma construção social, um conjunto de relações sociais que dão origem e que
expressam uma identidade e um sentido de propósito compartilhado. É um território
onde os conflitos de interesses dos múltiplos agentes públicos e privados tendem
a ser negociados, pois pressupõe-se que existe uma identidade comum, capaz
de impulsionar um projeto de desenvolvimento que contemple os interesses de
todos, ou ao menos da maioria. Um território sem conflitos estruturais, próprios
da sociedade capitalista, seria a base para a elaboração e implantação de políticas
públicas de desenvolvimento territorial rural (SCHEJTMAN; BERDEGUÉ, 2004).
A principal política pública voltada para os agricultores familiares é o Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), criado em 1994. Este
programa determinou o agricultor familiar enquanto sujeito dotado de direitos,
tendo acesso a políticas governamentais que atuam no nível municipal, estadual
e federal. A Lei nº 11.326/ 2006, conhecida como a Lei da Agricultura Familiar
(BRASIL, 2008), estabelece que o agricultor ou empreendedor familiar é todo aquele
que trabalha a terra com mão-de-obra predominantemente familiar e reside no
estabelecimento (ou próximo a ele). Sua lógica de produção pretende, em primeiro
lugar, assegurar a reprodução de suas condições de vida e de trabalho, ou seja, a
própria unidade de produção.
Seguindo a mesma linha do desenvolvimento rural com enfoque territorial, o
Programa Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), estabelece que o
Poder Público, os setores governamentais envolvidos no debate e a sociedade civil
devem, juntos, formular e implementar políticas, planos, programas e ações a fim de
assegurar o direito humano à alimentação adequada. Dentro desta perspectiva, o
142
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi criado com a finalidade de incentivar
a agricultura familiar com ações vinculadas à distribuição de produtos agropecuários
para pessoas em situação de insegurança alimentar e à formação de estoques
estratégicos. Sua operacionalização ocorre com recursos governamentais, através do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) ou do Ministério do Desenvolvimento
Social (MDS), intermediados pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).
Suas ações são voltadas para melhorias de acesso aos alimentos, geração de
renda, mobilização e fortalecimento da agricultura familiar, por meio da compra
governamental de produtos da agricultura familiar (IPC-IG, 2013).
A novidade que o programa apresenta é a obrigatoriedade da aquisição de ao
menos 30% dos recursos destinados ao Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) sejam utilizados na aquisição de gêneros alimentícios oriundos da agricultura
familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os
assentados da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e quilombolas.
Com isso, tem-se como objetivo promover o fortalecimento e a valorização da
produção dos agricultores familiares em âmbito local, regional e nacional.
Realidade socioeconômica tocantinense
Localizando na região Norte do Brasil, o estado do Tocantins nasceu aos 5
de outubro de 1988, contabilizando 139 municípios, ocupando uma área total de
277.720,569 quilômetros quadrados, sendo circunvizinho dos estados do Pará,
Maranhão, Piauí, Bahia, Goiás e Mato Grosso. Estima-se que a população tocantinense
em 2014 é de 1.496.880 pessoas, com densidade demográfica de 4,98 habitantes
por quilômetro quadrado (IBGE, 2014).
De acordo com o Censo Agropecuário (IBGE, 2006), o estado do Tocantins
possui ao todo 56.567 estabelecimentos rurais, dos quais 76,9% são enquadrados na
categoria agricultores familiares, conforme a Lei nº 11.326/2006. Esses agricultores
respondem por 30,5% do valor bruto da produção gerado pelo setor agropecuário
no estado, ocupando 2.695,201 quilômetros quadrados, ou seja, 31,8% da área
total. Há um total de 502 empreendimentos da economia solidária no estado do
Tocantins, destes, 68% encontram-se em regiões rurais vinculados com a agricultura
familiar e os assentados da reforma agrária, contribuindo para a formação de
grupos e associações baseadas na agricultura familiar. A atividade industrial vem
crescendo significativamente, no entanto, houve e ainda há um grande fluxo
migratório das cidades do interior do estado para a capital. Apesar da alta taxa de
crescimento, o número de empregos no setor industrial ainda é baixo, as altas taxas
de empregabilidade estão localizadas no setor de serviços, no entanto, a atividade
na agricultura familiar é predominante (PEREIRA; CABRAL, 2014).
Emancipado em 1982, o município de Rio Sono está localizado na Mesorregião
Oriental do Tocantins, integrando a 5ª Região Administrativa do estado, localizado
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas de desenvolvimento rural nas comunidades de agricultores familiares do município de Rio Sono – Tocantins
Angelita Fernandes Pereira | José Pedro Cabrera Cabral
143
a 163 quilômetros da capital, Palmas, e 1.094 quilômetros de Brasília. Estima-se que
em 2014 a população riosonense atingiu a marca dos 6.473 habitantes, algo em
torno de 1,0 habitante por quilômetro quadrado. Uma característica incomum no
município, principalmente se comparado com o restante do país, é a predominância
da população rural, pois, apenas 38,49% habita na zona urbana. A população rural é
composta por cerca de 4 mil habitantes, sendo que 54,03% é masculina. Apesar de
a população adulta ser significativa, há uma parcela expressiva da população com
idade superior a 60 anos, algo em torno de 500 pessoas.
O município tem uma área total de 6.354,367 quilômetros quadrados. De
acordo com o Atlas do Corredor Ecológico da Região do Jalapão (ICMBio,2011),
existem 860 unidades agropecuárias (UAP) destas, 626 são estabelecimentos da
agricultura familiar. Há ainda 9.128 assentamentos criados. O Produto Interno
Bruto (PIB) do município é de R$ 28.963, representando 0,11% do PIB estadual.
Sua composição advém das contribuições do setor de serviços (84%), seguido pela
agropecuária e por fim pelo setor industrial (IBGE, 2014).
A insustentabilidade dos empreendimentos da agricultura familiar ainda
é uma característica do meio rural tocantinense, devido a precariedade dos
instrumentos utilizados durante o processo de produção. O processo de limpeza da
vegetação e de eliminação de plantas daninhas, pragas e doenças é feito por formas
tradicionais de corte e queima, ou roçado. Apesar de a queimada agilizar o preparo
do solo para o novo cultivo, essa forma de produção causa sérios danos ao meio
ambiente como a poluição do solo, da água e do ar, a erosão, a perda de nutrientes
e desmatamento de áreas de vazantes. Além disso, essa prática não contribui para
o aumento da produtividade, pois as sucessivas queimadas extraem nutrientes
minerais e matéria orgânica degradando o solo. Consequentemente, isso tem
gerado altas taxas de instabilidade entre os agricultores que acabam por abandonar
ou vender a terra e migrar com sua família para a cidade (PEREIRA; CABRAL, 2014).
Não bastando as dificuldades para lidar com o manejo da terra, há uma série de
outros fatores que contribuem para os baixos índices de produção e comercialização
da produção das comunidades rurais do Tocantins, como a escassez de água e a
falta de energia elétrica; dificuldade de acesso aos serviços de assistência técnica e
aos créditos oficiais; pouco conhecimento técnico para ampliação das atividades e
utilização de inovações tecnológicas; deficiência na organização comunitária efetiva;
dependência externa para as questões produtivas; falta de escolarização e difícil
acesso à escola, saúde e saneamento básico.
Ao estudar a juventude rural tocantinense, Angelita Pereira e José Pedro
Cabral (2014) puderam constatar que todos esses fatores têm gerado desmotivação
e desânimo nos/nas jovens com relação a continuarem vivendo no campo,
contribuindo, portanto, para a evasão dos mais jovens para os centros urbanos.
Deste modo, faz-se necessário reconhecer que as intervenções junto a esse público,
sejam elas governamentais ou não-governamentais, ainda são insuficientes fazendo-
144
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
se necessário buscar inovações técnicas, sócio organizativas e metodológicas
compatíveis com a racionalidade e a lógica dos processos de gestão técnica e
econômica da agricultura familiar, estimulando, assim, a permanência da juventude
no campo, através das políticas públicas e geração de trabalho e renda a partir da
agricultura familiar.
Informações socioeconômicas das comunidades de agricultores familiares.
Desmembrando as 28 famílias que integram as comunidades Ana Cândida e
Canjarana, tem-se uma população total de 118 pessoas, sendo que 51 são do sexo
feminino e 67 do sexo masculino. A média de idade para cada sexo é de 29 anos
para as mulheres e de 30,4 anos para homens. Mais da metade dos entrevistados
(61%) residem na propriedade familiar a mais de 20 anos, apenas duas famílias
residem no meio rural a até 5 anos. A maioria das propriedades familiares, 19 para
ser mais preciso, ocupam uma extensão rural maior que 20 hectares, três famílias
ocupam uma área de 15 a 20 hectares e mais três de 05 a 10 hectares, apenas 3%
das áreas ocupadas, ou seja, uma propriedade tem entre 10 a 15 hectares. Deste
modo, a população entrevistada é predominantemente masculina e jovem, não
sendo comum a evasão aos centros urbanos em busca de melhores qualidades de
vida, trabalho e renda.
Foi possível constatar que os rendimentos extra prediais das famílias são
fundamentais para complementar a renda familiar total, pois 9 famílias recebem
benefícios de aposentadoria, outras 9 são contratadas pelo município e mais 9 realizam trabalhos eventuais, seja na lavoura ou com prestação de serviços domésticos
na cidade. Cabe ainda destacar que 17 famílias são beneficiárias do Programa Bolsa
Família. Ou seja, ao menos um membro de cada grupo familiar exerce funções fora
da propriedade rural para ajudar na composição da renda familiar mensal.
A renda familiar monetária declarada corresponde ao total da renda obtida
mensalmente por cada grupo familiar. Nesta renda não está incluído os ganhos com a
venda de produtos produzidos nas propriedades, nem o excedente da produção, pois
é comum entre os agricultores familiares não considerarem como renda familiar o
excedente da produção que é destinado ao consumo próprio, bem como a produção
de grãos que se estoca para alimentação animal. Das famílias entrevistas, 87% têm
renda familiar monetária declarada com valores entre R$ 500,00 a R$ 1.500,00 por
mês, outras 3 famílias sobrevivem com renda mensal declarada entre R$ 250,00 a
R$ 500,00 e apenas 2 famílias contam com valores superiores a R$ 2.500,00. Estes
dois últimos valores se referem as famílias cujo um dos membros ocupam cargos
relevantes na esfera governamental local.
Assim sendo, os números apresentados revelam que a renda declarada, obtida
em atividades fora da propriedade rural, tem sido fundamental para a subsistência
de parte significativa dos agricultores familiares das comunidades de Rio Sono.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas de desenvolvimento rural nas comunidades de agricultores familiares do município de Rio Sono – Tocantins
Angelita Fernandes Pereira | José Pedro Cabrera Cabral
145
Portanto, ao mensurar a média da renda familiar per capita das 28 famílias entrevistas
em Rio Sono, chegou-se ao denominador ao valor de R$ 253,77. A este valor está
acrescido a renda familiar do vereador e da secretária de educação, sem contar
que, há famílias com baixo número de residentes em suas propriedades, elevando,
consequentemente, a renda per capita entre estes grupos familiares.
Produção agrícola, destino final e cadeias produtivas
Ao questionar os agricultores familiares de Rio Sono sobre as principais
culturas produzidas e o destino final dessas produções, foi possível constatar nove
produtos de maior significação, comuns a todas as propriedades, constituindo-se,
portanto, em maior ou menor grau, como parte básica da alimentação das famílias
e como mercadoria para a comercialização e obtenção de renda. As principais
culturas são: abóbora, arroz, banana, farinha, feijão, frango caipira, gado de corte,
mandioca, milho e polvilho.
As culturas de milho e arroz são totalmente direcionadas ao consumo
próprio. Assim 72,5% da criação de gado, 12% da produção de farinha, 11,5% da
criação de frango e 11% produção de banana produzida nas propriedades rurais
são direcionadas ao comércio local, servido como fonte de obtenção de renda
monetária. Os principais mercados/ compradores dessas produções são: os vizinhos,
os atravessadores, o açougueiro local, o boiadeiro, mercados locais de pequeno porte
e por fim, os programas PNAE e PAA. Deste modo, 86% das culturas produzidas pelos
agricultores familiares das comunidades entrevistas em Rio Sono tem o consumo
próprio como destino final, 13% da produção total é destinada ao comércio local e
0,55% para o PAA, modalidade Compra-Direta e 0,45% para o PNAE.
Foi possível perceber que os agricultores familiares de Rio Sono possuem
potencialidades para a produção em cadeias produtivas nas culturas de frango,
de gado de corte e de árvores frutíferas. A criação de frango está presente em 21
propriedades, totalizando 1.292 frangos caipiras. No entanto, seu modo de criação
é precário: não há infraestrutura mínima adequada para criação, abate e armazenamento das aves, 95% dos agricultores não vacinam os francos e 80% destes não
conseguem produzir a ração para alimentar as aves, comprando ração industrializada.
O gado leiteiro é encontrado em 10 propriedades, com variação média de
43,6 cabeças por propriedade. Até o momento da conclusão da dissertação não
havia sido identificado a quantidade de leite produzido por rebanho em geral e por
cada propriedade em particular. As raças são variadas com predominância de gado
adaptado ou em processo de adaptação às condições climáticas da região. Apesar
de os agricultores manifestarem a aplicação regular das vacinas, estes não contam
com infraestrutura adequada, certificação adequada para comercialização e local
apropriado para estoque e armazenamento do leite. A isso se acrescenta a falta de
assistência técnica especializada e acompanhamento de um médico veterinário. A
146
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
assistência técnica tem sido a ajuda solidária entre os vizinhos em casos de necessidade extrema.
Outra cultura presente e pouco valorizada pelos agricultores entrevistados
é a produção de frutos do cerrado. Foi contabilizado um total de 1.355 árvores
frutíferas em estágio produtivo. O destino final da produção é o consumo próprio e
para alimentação animal. Os agricultores têm desenvolvido técnicas de conservas,
compotas e doces, no entanto, pouco é destinado a comercialização. No entanto,
parte expressiva das frutas não é aproveitada, sendo consideradas como “lixo”, que
“não serve para nada”. Há, entre os agricultores, grande interesse em organizar a
produção de frutas em cadeias produtivas para atender o PNAE futuramente, visto
que não há um controle/ planejamento para a produção em quantidade suficiente
para a comercialização.
Dificuldades para produzir e comercializar
Durante o processo de produção do “Diagnóstico das comunidades de
agricultores familiares de Rio Sono”, os produtores apontaram os principais entraves
que vem limitando o processo de produção e de comercialização de suas culturas
no âmbito local. Para melhor entendimento das limitações apresentadas, optouse dividir essa seção em três categorias, quais sejam: infraestrutura, produção e
comercialização. De modo geral, os dois principais entraves encontrados nas três
categorias estão relacionados às más condições das estradas e vias de acesso as
propriedades rurais e a precariedade dos transportes, dificultando o processo de
escoamento das produções aos centros urbanos.
Uma característica do meio rural é a falta de transporte público, seja para a
venda dos produtos ou para comprar mais insumos e até mesmo para o transporte
escolar. No entanto, não há um sistema de cooperação ou de ajuda mútua entre
os membros das comunidades. Os agricultores costumam “dar carona” ou resolver
alguma pendência de terceiros, mas normalmente se restringe aos laços familiares. As
motocicletas constituem no principal meio de transporte das famílias, desse modo,
é praticamente impossível transportar mercadorias em quantidade significativa aos
pontos de comercialização. Não havendo transporte próprio e adequado para a
locomoção das culturas, os agricultores familiares de Rio Sono têm utilizado a locação
de transporte (frete) ou os atravessadores para escoarem suas produções e também
para adquirirem novos insumos. No entanto, a utilização deste instrumento tem
se demonstrado inviável – devido seu auto custo, algo em torno de R$ 120,00 por
translado – e da precariedade da qualidade destes veículos, pois não são adequados
para a função que se prestam. Por outro lado, os agricultores manifestaram que há
um diálogo entre as associações, o sindicato dos trabalhadores rurais do município e
a prefeitura municipal, em busca de soluções e melhores condições dos transportes
e das estradas, mas nada de concreto ainda foi realizado.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas de desenvolvimento rural nas comunidades de agricultores familiares do município de Rio Sono – Tocantins
Angelita Fernandes Pereira | José Pedro Cabrera Cabral
147
No que se refere especificamente a precariedade na infraestrutura, falta de
maquinários e equipamentos adequados para que os pequenos produtores possam
trabalhar a terra. Apenas uma, das 28 famílias, possui um trator, que tem mais de 15
anos de uso e outro agricultor que dispõe de uma trituradora de milho. Os demais
utilizam ferramentas manuais como enxadas e pás, e a irrigação da plantação são
feito com mangueiras e baldes. A prática de utilização de defensivos agrícolas é
encontrada na metade das propriedades, apenas 50% dos agricultores utilizam
adubação orgânica feita por eles mesmos, com frutas e esterco, não deixando, no
entanto, de fazer uso definitivo dos defensivos.
As propriedades rurais que fazem parte deste estudo, não contam com um
sistema de subministro de água tratada, recorrendo, portanto, a perfuração de poços
artesianos. No entanto, nos períodos de seca o volume de água é insatisfatório.
Além dessa característica comum no município, quase todas as propriedades não
dispõem de um sistema de irrigação, portanto, a água armazenada em baldes, caixas
d’água, cisternas e galões são estocadas durante o período da chuva, que perdura,
nesta região do estado do Tocantins, entre os meses de dezembro a abril. Poucas
propriedades familiares contam com energia elétrica, e ainda assim, o fluxo não é
continuo, não havendo a prática de armazenamento e congelamento de produtos
perecíveis. O lixo produzido é descartado através da incineração, pois inexiste um
sistema de saneamento básico.
Além da precariedade das estradas para que o ônibus possa ter acesso
às propriedades, facilitando o transporte dos estudantes às escolas, a educação
oferecida as populações rurais no município atende apenas até o ensino fundamental,
do quinto ao nono ano. Para que possam completar sua formação básica, os alunos
são matriculados em outros municípios, como os alunos da Escola Família Agrícola
de Porto Nacional (EFA-Porto), percorrendo quase 300 km a cada duas semanas do
mês. Cabe informar que a EFA-Porto adota a pedagogia da alternância como sistema
metodológico de ensino, intercalando um período de convivência em sala de aula
com outro no campo.
No que se refere às dificuldades durante o processo de produção, optou-se
por subdividi-los em dois grupos fundamentais: a) falta de infraestrutura e b) falta
de acesso a programas de financiamento adequado. A falta de assistência técnica
e melhores condições dos transportes e estradas são as principais causas dos
baixos indicies de produção e comercialização dos produtos da agricultura familiar
no município de Rio Sono. A isso, é somado o excesso de burocracia e a falta de
flexibilização das condições para acessar as linhas crédito e demais programas
direcionados a categoria.
Os produtores manifestaram ter dificuldades para lidar com as pragas que
vêm destruindo as folhagens e as plantações, muitos têm feito uso de defensivos
químicos para diminuírem os ataques. Outra limitação está em não saber controlar a
acidez do solo e prepara-lo adequadamente para o plantio em maior escala. Portanto,
148
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
a falta de assistência técnica e de extensão rural, por parte dos órgãos competentes,
tem se configurado como o principal entrave para a produção.
O excesso de burocracia tem sido uma das maiores dificuldades dos
agricultores para acessarem as políticas públicas. É característica do meio rural
uma população com baixos níveis de escolaridade, portanto, com dificuldades de
ler e/ou entender o que os editais e contratos estão exigindo. A falta de acesso à
modalidade Compra-Direta do PAA se deve à falta de diálogo entre os produtores
e suas respectivas associações, juntamente com o poder público municipal, pois
muitos agricultores não têm informações suficientes de como o programa funciona.
Os programas de financiamento de crédito para a produção agrícola têm
sido aceitos positivamente entre os agricultores e promovido o desenvolvimento da
produção de autoconsumo e a inserção da categoria no mercado local. No entanto, a
falta de flexibilidade dos financiamentos tem gerado duas situações. Por um lado, o
PRONAF não tem oferecido alternativas de prazos para a quitação dos financiamentos contratados, o que tem contribuído para o atraso dos pagamentos, tornando os
agricultores inadimplentes e ficando impedidos de ter acesso a novos financiamentos.
Por outro, as modalidades crédito de custeio e investimento em infraestrutura
do PRONAF tem financiado atividades produtivas específicas, voltadas, sobretudo,
para a inserção do agricultor no mercado, pois exige-se retorno quase que imediato
dos financiamentos, isto tem reforçado o processo de desenvolvimento produtivista
dos grãos e das commodities agrícolas e financiado a aquisição de tecnologias e
insumos. Deste modo, o que os agricultores de Rio Sono reclamam é a falta de uma
de linha de crédito específica que atenda as particularidades da criação de gado
leiteiro, pois o que o programa não tem considerado é que cada segmento tem suas
necessidades e peculiaridades.
Apesar de os municípios da região de Rio Sono serem capazes de absorver
maior percentual da produção, os agricultores familiares apontaram as seguintes
dificuldades justificando os baixos índices de acesso ao programa PAA – Compra
Direta: 1) Dificuldades em se organizarem em suas associações, as quais, por sua
vez, tem tido dificuldade em suas gestões; 2) além dos excessos burocráticos em
todas as instâncias do programa, falta uma compreensão plena de como realmente
funciona o programa; 3) as dificuldades de articulação e diálogo entre o poder
público, os editais de compra direta e as associações dos agricultores; e 4) os editais
tem feito exigências em relação a quantidade de produtos e as datas de entrega
que os produtores não tem conseguido cumprir.
Considerações Finais
As principais dificuldades/ obstáculos apontados pelos pequenos proprietários familiares estão na precariedade das estradas, dificultando o acesso à propriedade e no alto custo do frete para transportar os produtos para os centros de
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas de desenvolvimento rural nas comunidades de agricultores familiares do município de Rio Sono – Tocantins
Angelita Fernandes Pereira | José Pedro Cabrera Cabral
149
comercialização. Eles têm encontrado dificuldade para atender as demandas dos
programas em termos de frequência de entrega e quantidade da produção. Os agricultores familiares ainda não compreendem que os programas garantem até 30%
da aquisição de alimentos oriundos da agricultura familiar, se constituindo em um
direito dos trabalhadores do campo e mais uma oportunidade de comercialização.
Não tem se desenvolvido uma consciência entre os agricultores de que estas políticas
públicas são de inclusão produtiva e social. Outros dois atores têm contribuído para
o não desenvolvimento dos Programas nas regiões pesquisadas. Se por um lado as
prefeituras de alguns municípios têm resistido a operacionalizar os programas, por
outro, a maioria das associações não passam de instituições formais que dispõe de
toda a documentação necessária como pessoa jurídica mais não funciona como
uma associação.
Ou seja, por um lado, o poder público municipal que como gestor das políticas
públicas dos programas de compra direta não garante - na maioria das vezes - a
viabilidade da execução do programa e o acesso ao mesmo dos agricultores, visto
que para os gestores é mais “prático” fazer a compra de empresas privadas obtendo
assim, entrega de alimentos industrializados em quantidade adequada e obtendo
alimentos não perecíveis mesmo que em detrimento da qualidade da alimentação
escolar. Por outro lado, a organização dos trabalhadores através das associações é
precária e ineficiente. O problema não se centra necessariamente nas associações
e sim na falta de uma “cultura” para o trabalho associativo - pelo menos no estado
do Tocantins -, a diferença de outras regiões do país. Portanto, o funcionamento
das políticas públicas - neste caso de compra direta - não se resolvem a partir da
implantação dos Programas se junto a estes não se implementam as estruturas e as
infraestruturas necessárias para seu funcionamento.
Referências
BRASIL. Resolução nº 3.559, de 28 de março de 2008. Altera as disposições estabelecidas no Manual de Crédito Rural, Capítulo 10 (MCR 10) para financiamentos ao amparo
do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?tipo=res&
ano=2008&numero=3559>. Acesso em: 04 abr. 2013.
BRASIL (b). Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11947.htm>.
Acesso em: 27 fev. 2014.
CABRAL, J. P. C. Projeto: Cadeias produtivas na agricultura familiar no centro-sul tocantinense.
Relatório Final de Diagnóstico. EFA/CJAF/UFT. Porto Nacional-TO, 2014.
CABRAL, J. P. C.; PEREIRA, A. F. A precarização das associações de produtores rurais nos assentamentos da reforma agrária no Centro-Sul do Tocantins. In: IX Congresso da Associação
150
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Latino-Americana de Sociologia Rural, 2014, Cidade de México. Memoria del IX Congreso
de la Asociación Latinoamericana de Sociología Rural. Ciudad de México: Unam, 2014. ISBN:
987-067-9293-04-8.
GÓMEZ, J. R. M. Los límites del consenso – la propuesta de desarrollo territorial rural en América
Latina. In: FERNANDES, Bernardo Mançano. Campesinato e agronegócio na América Latina:
a questão agrária atual. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008, p. 249-274.
IBGE. Censo agropecuário 2006: agricultura familiar – Brasil grandes regiões. Rio de Janeiro:
2006. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/
censoagro/agri_familiar_2006/familia_censoagro2006.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2014.
IBGE. Estados. Tocantins. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?
sigla=to>. Acesso em: 05 dez. 2014.
ICMBio. Atlas do Corredor Ecológico: região do Jalapão. Projeto corredor ecológico região
do Jalapão. Versão digital, 2011. Disponível em: http://www.icmbio.gov.br/portal/images/
stories/comunicacao/downloads/atlasjalapao.pdf>. Acesso em 05 dez. 2014.
IPC-IG. Demanda estruturada e pequenos agricultores no Brasil: o caso do PAA e PNAE.
Centro Internacional de Política para o Crescimento Inclusivo/ PNUD. Brasília, 2013.
OLIVEIRA, A. U. Modo capitalista de produção, agricultura e reforma agrária. São Paulo:
FFLCH, 2007.
PEREIRA, A. F.; CABRAL, J. P. C. Políticas públicas para a juventude rural no Centro-Sul do Tocantins: entre a permanência e o êxodo rural. In: IX Congresso da Associação Latino-Americana
de Sociologia Rural. Cuidad de México. Memória del IX Congreso de la Asociación Latinoamericana de Sociologia Rural. Ciudad de México: Unam, 2014. p. 1-15.
SANTOS, J. V. T. Colonos do Vinho. Estudo sobre a subordinação do trabalho camponês ao
capital. Ed. Hucitec. São Paulo, 1978.
SCHEJTMAN, A.; BERDEGUÉ, J. A. Desarrollo territorial rural. RIMISP – Centro Latinoamericano
para el Desarrollo Rural. Debates y temas rurales n. 1, marzo 2004.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Políticas de desenvolvimento rural nas comunidades de agricultores familiares do município de Rio Sono – Tocantins
Angelita Fernandes Pereira | José Pedro Cabrera Cabral
151
Territorialização do capital nos
cerrados Norte e Nordeste do
Brasil: Matopiba
TERRITORIALIZAÇÃO DEL CAPITAL EN LOS CERRADOS
NORTE Y NORDESTE DEL BRASIL: MATOPIBA
Antonio Joaquim da Silva
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí
[email protected]
Maria do Socorro Lira Monteiro
Universidade Federal do Piauí
[email protected]
Eriosvaldo Lima Barbosa
Universidade Federal do Piauí
[email protected]
Resumo: A difusão do agronegócio no Brasil tem despertado nos circuitos acadêmicos
ou não uma rediscussão sobre as contradições provocadas pelo desenvolvimento do
capital no setor primário da economia, haja vista se constatar problemas inerentes como a
concentração fundiária, a mercantilização da terra, a baixa qualidade de vida do agricultor
familiar, a proletarização e precarização do trabalho de base familiar, o êxodo rural, os impactos
ambientais e a desterritorialização. Assim, a territorialização dos cerrados Norte/Nordeste,
por grupos hegemônicos do capital agrário, demonstra a trama das relações de poder
que envolve a posse e o uso dos recursos naturais e culturais. Embasado numa revisão de
literatura em livros, periódicos e sites de instituições que tratam do tema, este artigo pretende
analisar a dinâmica da ocupação dos cerrados brasileiros pelo agronegócio, inclusive, a nova
configuração territorial instituída pelo Governo Federal como Matopiba (fronteiras agrícolas
localizadas no Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Após a revisão, conclui-se que, a expansão
do agronegócio nos cerrados Norte/Nordeste se deve ao caráter político/ideológico do Estado
em beneficiar empresas do setor agropecuário, o que reordenou o território e valorizou o
capital através da dominação/apropriação dos bens ambientais (e dos sujeitos).
Palavras-chave: Agronegócio, Agricultura familiar, Cerrados, Matopiba, Soja.
Resumen: La difusión del agro negocio en Brasil ha despertado en los circuitos académicos
o no una rediscusión acerca de las contradicciones provocadas por el desarrollo del capital
en el sector primario de la economía, haya vista constatarse problemas inherentes como la
concentración agraria, la mercantilización de la tierra, la baja calidad de vida del agricultor
familiar, a proletarización y precarización del trabajo de base familiar, o éxodo rural, los
impactos ambientales y la pierda de territorio. Así que, la expansión territorial de los cerrados
Norte/Nordeste, por grupos hegemónicos del capital agrario, demuestra la trama de las
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
relaciones de poder que envuelve la posesión y el uso de los recursos naturales y culturales.
Basado en un repaso de literatura en libros, periódicos y sitios electrónicos e instituciones que
abordan el tema, este artículo pretende analizar la dinámica de la ocupación de los cerrados
brasileños por el agro negocio, incluso a la nueva configuración territorial instituida por el
Gobierno Federal como Matopiba (fronteras agrícolas ubicadas en Maranhão, Tocantins,
Piauí y Bahia). Tras el repaso, se concluye que, la expansión del agro negocio en los cerrados
Norte/Nordeste se debe al carácter político/ideológico del Estado en beneficiar empresas del
sector agropecuario, lo que reordenó el territorio y valoró el capital a través de la dominación/
apropiación de los bienes ambientales (y de los sujetos).
Palavras-clave: Agro negocio, Agricultura familiar, Cerrados, Matopiba, Soya.
Introdução
Recentemente, o agronegócio tem se destacado no Brasil como um setor ativo
da economia, por isso, tem despertado a atenção, sobretudo, da mídia, do Governo,
de determinados partidos políticos e dos mercados doméstico e global, como uma
possível base para um bem sucedido projeto de desenvolvimento econômico.
Tal conformação sublinha que, em 2014, o agronegócio respondeu por US$
96,75 bilhões das exportações agropecuárias, cujo superávit na balança comercial
apresentou-se positivo, com US$ 80,13 bilhões. Destarte, a produção grãos/carnes
desempenhou papel importante nesse cenário, na medida em que os complexos
da soja e de carnes representaram US$ 48,83 bilhões, ou seja, somaram 50,4% das
vendas internacionais (BRASIL, 2015a).
Por outro lado, de acordo com Silva, Monteiro e Barbosa (2015, p.50-53), o
agronegócio manifesta “um projeto sociopolítico formulado pelos interesses do
Estado e de grupos hegemônicos do capitalismo agrário, comandado pelo mercado
financeiro internacional”. Portanto, assinalam que devido seu caráter político/
ideológico, o agronegócio “reclama o controle dos mercados e a apropriação e o
domínio dos territórios, que inclui os bens ambientais e os sujeitos”.
Nesse contexto, salienta-se que a partir da década de 1970 o agronegócio
passou a ocupar o bioma Cerrado – savana tropical com presença de maior
biodiversidade do mundo, e a segunda maior formação vegetal do Brasil (MUELLER;
MARTHA JÚNIOR, 2008), com fins de reproduzir o capital através da produção grãos/
carnes, o que provocou a alteração da paisagem e, ao mesmo tempo, introduziu
novas relações de trabalho, reorganizou a produção agropecuária e interferiu nos
modos de vida da população local.
Inclusive para Silva (2014), o agronegócio consiste o principal responsável por
profundas mudanças nos cerrados brasileiros, pois tem transformado as pessoas,
os animais e a vegetação, as identidades, os costumes, os hábitos, as práticas e os
saberes tradicionais do agricultor familiar de culturas de consumo local e regional.
154
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Sendo assim, ressalta que o agronegócio tem influenciado na continuidade da
agricultura familiar e na preservação do bioma.
Nesse sentido, faz-se necessário questionar tal projeto sociopolítico, na medida
em que a ocupação dos cerrados traz também um imperativo de rugosidades, termo
definido por Santos (2009, p.141), como formas isoladas ou como arranjos, isto é, as
rugosidades simbolizam “ao que fica do passado como forma, espaço construído,
paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com
que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares”. Então, que fatores
determinaram a expansão do agronegócio nos cerrados brasileiros a partir da década
de 1970? Quais as repercussões dessa expansão para a reprodução da agricultura
familiar e para a preservação do bioma?
Assim, sob a ótica das transformações socioprodutivas na agropecuária brasileira, este artigo pretende analisar as rugosidades do processo de ocupação dos
cerrados brasileiros pelo agronegócio, sobretudo, a incorporação das regiões Norte
e Nordeste. Para tanto, se embasa numa revisão de literatura em livros, periódicos e
sites de instituições que abordam a temática em questão. Dessa forma, está divido em
quatro seções, além da introdução. A próxima apresenta uma contextualização sobre
a marcha do agronegócio para os cerrados do Planalto Central, referenciando o papel
do Estado e os aspectos geoambientais que viabilizaram tal contexto. A terceira versa
sobre a expansão do agronegócio para os cerrados Norte/Nordeste, enfatizando os
contrapontos desse cenário para a continuidade da agricultura familiar e a preservação
do bioma, além disso, trata do Matopiba uma denominação instituída pelo Governo
Federal para designar as áreas de elevada produção agropecuária localizadas nos
estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (genericamente reconhecida como a
nova fronteira agrícola do país). Por fim, são feitas algumas considerações finais.
A marcha do agronegócio no Brasil: a ocupação dos cerrados do Centro-Oeste
O agronegócio ou agribusiness que de acordo com Silva, Monteiro e Barbosa
(2015, p.53) significa “um projeto político/ideológico do Estado e de um pequeno
grupo de capitalistas, validado pela defesa da manutenção da grande lavoura
capitalista, que fundamenta suas práticas na racionalidade da agricultura científica”,
vem se consolidando no Brasil através da potencialização do capital, sobretudo, por
meio da produção grãos/carnes.
A origem do agronegócio advém dos Estados Unidos da América, na década
de 1950, quando John Davis e Ray Goldberg, então professores da Harvard Business
School, organizaram os três setores da economia segundo um sistema agroindustrial.
Nessa perspectiva, definiram agronegócio como:
[...] a soma de todas as operações de processamento e distribuição de insumos agropecuários, as atividades de cultivo e colheita nas unidades agrícolas; e o armazena-
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Territorialização do capital nos cerrados Norte e Nordeste do Brasil: Matopiba
Antonio Joaquim da Silva | Maria do Socorro Lira Monteiro | Eriosvaldo Lima Barbosa
155
mento, o beneficiamento e a distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a
partir deles (GRAZIANO DA SILVA, 1998 apud SILVA; MONTEIRO; BARBOSA, 2015, p.48)
No Brasil, a introdução do agronegócio data das mudanças nos padrões
de produção agropecuária ocorridas na segunda metade do século XX quando se
intensificaram a internalização da indústria de insumos modernos, de máquinas e
equipamentos que, conforme Silva, Monteiro e Barbosa (2015, p.50), consequentemente,
difundiram a decomposição do complexo rural, que se caracterizava pela “dependência
das flutuações do mercado externo e pelo uso de tecnologia agrícola bastante
rudimentar em praticamente todas as regiões, exceto Sudeste e Sul”. Em virtude desse
panorama, destacam o II Plano Nacional de Desenvolvimento ou II PND, proposto
Governo Federal, como instrumento preponderante à instalação do agronegócio no país.
Por conseguinte, Aguiar e Monteiro (2006) ressaltam a modernização e a
criação de mecanismos subvencionadores como mecanismos inexoráveis à garantia
dos chamados Complexos Agroindustriais (CAIs), responsáveis por assegurar a oferta
de matérias-primas estratégicas (defensivos, tratores, fertilizantes, sementes, etc.).
Dentre tais mecanismos, pontuam o crédito bancário, preconizado através do Sistema
Nacional de Crédito Rural (SNCR); a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM); a
abertura comercial; os incentivos fiscais e os investimentos em pesquisas científicas.
No âmago desse cenário, salienta-se que a partir da década 1970 inicia-se o
movimento de expansão e modernização da fronteira agrícola, entendida como lugar
de conflitos e de limites históricos, cuja conversão do Cerrado ao processo produtivo
da cadeia grãos/carnes orientou-se por meio da dinâmica do mercado mundial.
Sem embargo, o agronegócio granífero, protagonizado pela soja, que até
então ocupava os estados das regiões Sul e Sudeste (cabendo ao Rio Grande do
Sul o pioneirismo do cultivo, no final da década de 1950), irradia-se para o Planalto
Central e, posteriormente, para as regiões Norte e Nordeste, favorecendo as práticas
de novos agentes e acirrando as tensões sociais (BERNARDES, 2009).
Segundo Matos e Pessôa (2011), a expansão do agronegócio para o Cerrado,
foi promovida através de políticas exclusivas, como o Programa de Desenvolvimento
dos Cerrados (Polocentro) e o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira de
Desenvolvimento Agrícola da Região do Cerrado (Prodecer). O Polocentro, criado
em 1975, visava anexar áreas do bioma aos Complexos Agroindustriais por meio
de benéficos (crédito agrícola) e vantagens (preço das terras). Para tanto, foram
escolhidas áreas nos estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
Além disso, as áreas selecionadas já possuíam pré-requisitos considerados básicos à
ocupação (alguma infraestrutura, estradas vicinais, eletrificação, proximidade com
minas de calcário e potencial agrícola favorável), sendo classificadas, portanto, como
“prioritárias” ou secundárias”, com isso, recebiam investimentos em fixos e fluxos.
Já o Prodecer, assinado em 1974, entre o governo brasileiro e o japonês,
consistia um acordo para ocupar e explorar as terras do Cerrado sob sistemas de
156
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
cooperativas conduzidas pela Companhia de Promoção Agrícola (Campo) uma
empresa multinacional administrada através de duas holdings, a Companhia
Brasileira de Participação Agrícola (Basagro) e Japan-Brazil Agricultural Development
Corporation (Jadeco). A primeira detinha 51% das ações controladas por capitais
nacionais, enquanto a segunda respondia por 49%, sob o comando de capitalistas
estrangeiros (OLIVEIRA, 2005).
Para Alves (2014), tais Programas foram os responsáveis diretos pela
colonização, modernização e degradação dos recursos naturais do Cerrado, fazendo
da soja a principal cultura desenvolvida. Isso exigiu a dependência do Estado aos
capitais financeiros, a expansão das agroindústrias por meio da constituição dos
CAIs e a vinculação da economia agrícola aos imperativos do mercado internacional.
Assinala-se que as características ambientais do Cerrado se demonstraram
favoráveis à instalação do novo modus operandi, na medida em que a topografia, o
clima e o solo, não impediram o processo de ocupação do bioma. Logo, para Peixinho
e Scopel (2009), o incremento da mecanização nos cerrados foi potencializado em
razão do relevo plano e/ou suavemente ondulado, das diferentes condições de
luminosidade, temperatura e pluviosidade, e da correção dos solos (com a aplicação
de calcários agrícolas visando reduzir a acidez e repor nutrientes, como cálcio e
magnésio). Constatam ainda o uso de sementes melhoradas, o controle de pragas
e doenças, e a profissionalização do produtor.
Outro fator determinante para a fixação do agronegócio nos cerrados foi o
papel desempenhado pelo Estado em desenvolver, ideologicamente, a ocupação
dos espaços ditos “vazios”, os quais apresentavam, historicamente, povoamento
rarefeito, notadamente, no Centro-Oeste. Por conta disso, Bernardes (2009) assegura
que em razão da pouca objeção das populações nativas, as ações de territorialização
da agricultura se estruturaram. Logo, sob a ótica expansionista do Governo Federal,
era preciso estabelecer um novo tipo de agricultor o qual pudesse reunir em torno
de si os atributos da almejada agricultura moderna. Tal ordenação só seria viável
mediante o binômio governo/iniciativa privada e dos investimentos em energia,
transporte e comunicação.
Portanto, tais fatores incrementaram o desenvolvimento de grãos nos
cerrados, cuja realização exigiu a personificação “de um produtor que sabe manejar
a base técnica de produção, devendo incorporar a essa produção um caráter
empresarial”. Todavia, isso não patenteia que todos os que produzem grãos nos
cerrados sejam “empresários, mas que a sua dinâmica está associada à formação
de um núcleo empresarial que dá coesão à sua organização” (PEIXINHO e SCOPEL,
2009, p.96-97).
É nesse contexto que o agronegócio se apossou dos cerrados do Planalto
Central, desencadeando uma nova lógica produtiva assentada na economia em
escala. Assim, após incorporar os estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e
Mato Grosso do Sul, na década de 1970, o agronegócio direciona-se nas décadas
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Territorialização do capital nos cerrados Norte e Nordeste do Brasil: Matopiba
Antonio Joaquim da Silva | Maria do Socorro Lira Monteiro | Eriosvaldo Lima Barbosa
157
seguintes para as regiões Norte e Nordeste, particularmente, para os estados da
Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Nesses novos espaços, o agronegócio vem transformando a paisagem, as
relações de trabalho e o sentido da produção, configurando ideologicamente novos
arranjos territoriais como, por exemplo, o Matopiba, área recentemente instituída
pelo Governo Federal, sob Decreto n. 8.477, de 6 de maio de 2015, para representar
o território do agronegócio no Norte/Nordeste.
O agronegócio nos cerrados do Norte/Nordeste: a estruturação do Matopiba
Conforme Alves (2009, p.152-153), as condições geográficas dos cerrados
nordestinos expressam a existência de singularidades socioespaciais em relação ao
conjunto da região Nordeste. Essas particularidades dizem respeito às formas físicogeográficas e às características da ocupação humana. Logo, encerra que:
No primeiro caso, predominam chapadões planos recobertos de vegetação de cerrado,
cuja extensão nos limites administrativos da região inclui o oeste da Bahia, o sudoeste
do Piauí e o sul do Maranhão. Os cerrados nordestinos representam, entretanto, apenas um fragmento dessa unidade ecológica cujo prolongamento acompanha vastas
áreas de todos os estados do Brasil Central e partes das terras de Minas Gerais e São
Paulo. [...] As primeiras formas de ocupação dos cerrados nordestinos se caracterizam
pelo extrativismo vegetal, a agricultura camponesa e a pecuária extensiva, atividades
que contribuíram para construir historicamente os contornos regionais, modificados
atualmente pela instalação da agricultura moderna.
Haesbaert (2005) chama esses espaços de “novo Nordeste”, por consistir num
núcleo de atração de investimentos público/privados, sendo assim, constata que o“novo
Nordeste”se configura numa nova divisão territorial do trabalho, ditada pela modernização seletiva da agricultura e monopolizada por grupos tradings do setor agropecuário.
Nesse sentido, sublinha-se o oeste baiano como a principal área da presença
do agronegócio granífero no Nordeste, com destaque para os municípios São
Desidério, Barreiras e Luís Eduardo Magalhães, cuja intensa produção agrícola
possibilitou a incorporação de empreendimentos privados do ramo de esmagamento
e processamento de grãos como a Bunge Alimentos S.A. e a Cargill Agrícola S.A.,
além de cooperativas agrícolas e empresas de comércio e de prestação de serviços
especializados para o setor.
Alves (2009, p.159) comenta que as ações governamentais como infraestrutura
viária e portuária, crédito subsidiado e incentivo em pesquisas, além do baixo
preço da terra, foram condição sine qua non para a corrente migratória de sulistas
(genericamente, representam os migrantes originários do sul do Brasil) para
os cerrados baianos, iniciada em 1970, mas intensificada entre 1980 e 1990.
Consequentemente, os sulistas foram os principais responsáveis pela modernização
das lavouras temporárias no oeste baiano.
158
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
No Maranhão, especificamente nas terras do Sul (onde se destaca o município
de Balsas – marco inicial da modernização dos cerrados maranhenses), o agronegócio
aporta em 1974, com os migrantes sulistas. Coube à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), por meio de programas de desenvolvimento regional,
o papel de introduzir o agronegócio no estado, cujas linhas de créditos estavam
associadas à pecuária melhorada e à cultura de arroz de sequeiro (ALVES, 2009).
Todavia, constata-se que o agronegócio se consolida naquele estado a partir
de 1991, por meio dos estudos realizados pelo convênio de cooperação técnica e
financeira entre a Embrapa e instituições bancárias como o Banco do Brasil, o Banco
do Nordeste do Brasil, o Banco da Amazônia S.A. e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), além de empresas como a Companhia Vale
do Rio Doce (CVRD).
Para Alves (2009), os resultados do Convênio visavam a criação do Programa
Corredores de Exportação Norte, cuja meta conciliava a proximidade das áreas produtoras de matérias-primas com a possibilidade de escoar a produção agropecuária
para os mercados interno e externo, este último, se evidenciaria por meio dos portos
de Itaqui e Ponta da Madeira em São Luís.
Entretanto, o autor adverte que a incorporação dos cerrados maranhenses
para o agronegócio não repercutiu em mudanças nas estruturas de desigualdades
sociais, na medida em que se acentuaram as contradições e os conflitos socioespaciais
(concentração da posse da terra, baixa qualidade de vida nas comunidades rurais,
pequena produtividade da agricultura familiar, êxodo rural).
No Tocantins, o agronegócio data da década de 1990 com as lavouras de
rizicultura. O interesse dos grupos econômicos do setor agropecuário pelos cerrados
tocantinenses justifica-se pela localização estratégica, pois estão situados na porção
central do país, limitando-se com outros centros produtores nas regiões Norte,
Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste; e por possuírem bacias hidrográficas importantes
(rios Tocantins e Araguaia). Contudo, para Bernardes (2009), essas vantagens espaciais
repercutem diretamente no preço da terra, cujos valores são relativamente altos
quando comparados aos lugares de ocupação antiga.
Mas para Aguiar et al. (2013), é exatamente o preço da terra o elemento de
maior atração do agronegócio nos cerrados tocantinenses, haja vista que o hectare
custa em média R$ 6.100,00. Confirma sua posição ao comparar os preços médios
da terra de outros lugares, por exemplo, de Ribeirão Preto-SP (R$ 27.300,00/ha), do
Noroeste do Rio Grande do Sul (R$ 26.900,00/há) e de Dourados-MS (R$ 18.000,00/ha).
Além disso, constata-se, em conformidade com Alves (2009, p.157),
certas perspectivas de disputas territoriais, posto que antes “de ser apropriada
privadamente, em especial pela ação de grileiros, a área era constituída de grandes
extensões de terras devolutas”.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Territorialização do capital nos cerrados Norte e Nordeste do Brasil: Matopiba
Antonio Joaquim da Silva | Maria do Socorro Lira Monteiro | Eriosvaldo Lima Barbosa
159
Outro determinante para a instalação do agronegócio no Tocantins diz
respeito ao escoamento da produção agrícola, sendo transportada em rodovias
intermodais (BR-230, BR-010 e BR-153); em ferrovias, como a Estrada de Ferro Carajás
(EFC) e Ferrovia Norte/Sul (FNS); e exportada através dos complexos portuários de
Itaqui e Ponta da Madeira (BERNARDES, 2009).
Piauí não se distingue dos demais estados onde o agronegócio desembarcou,
haja vista as políticas públicas decisivas para as alterações socioespaciais ocasionadas
nas áreas de cerrado, a partir da década de 1970, sobretudo, na Mesorregião Sudoeste
(onde se destacam os municípios de Uruçuí e Bom Jesus como maiores produtores de
grãos do estado). Assim, para Alves (2014), os recursos direcionados pelo Programa
de Terras e de Estimulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste (Polonordeste),
com fins de modernizar a produção agropecuária, beneficiaram sobremaneira a
camada de médios e grandes proprietários rurais, supostamente em condições
de os tornarem auto-suficientes para atender as metas federais de crescimento
econômico vigentes na época.
Peixinho e Scopel (2009, p.103) acrescentam também, naquele período, os
incentivos fiscais do Fundo de Investimento do Nordeste (FINOR-Agropecuário) que
cumpriria o objetivo de sustentar o desenvolvimento agropecuário (com aquisição e
melhoramento de rebanhos, cultivo de pastagens, formação de áreas de extrativismo,
etc.) e do Fundo de Investimento Setorial (FISET) que possibilitaria a exploração
florestal (principalmente caju). Tais programas foram os principais responsáveis para
a colonização e exploração do cerrado piauiense pelo agronegócio.
Todavia, os resultados daqueles incentivos não foram satisfatórios, uma
vez que tanto os projetos agropecuários como as plantações de caju foram
substituídos por lavouras modernas. Para Aguiar e Monteiro (2006, p.212), isso
agravou a concentração fundiária, pois as terras eram negociadas via Companhia de
Desenvolvimento do Piauí (Comdepi), a preços insignificantes ou ditos “simbólicos”,
“possibilitando a constituição e dinamização do mercado de terras” no estado.
Além disso, destaca-se a instituição de uma legislação específica para garantir
incentivos fiscais, como por exemplo, a Lei n. 4.859, de 27 de agosto de 1996, cujo
fim visava atrair empresas, na qual o Piauí se comprometia a fixar:
[...] isenção fiscal entre 60 e 100%, em até 15 anos, para o Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e
de Comunicação (ICMS), a ser concedido aos empreendimentos industriais e agroindustriais, considerados prioritários para o estado (PEIXINHO e SCOPEL, 2009, p. 104).
Alicerçado nessa configuração, Aguiar e Monteiro (2006) ressaltam que não
obstante a inserção da ocupação e uso do cerrado piauiense ter iniciado na década
de 1970, através de subsídios do FINOR-Agropecuário e do FISET, somente a partir da
década de 1990, ocorreu a intensificação da instalação de grandes empreendimentos
produtores de grãos, em particular, soja, atraídos, sobretudo, pelo baixo preço da terra,
160
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
pelo esgotamento de solos agricultáveis em outras regiões do país, pela proximidade
dos mercados consumidores e pelos recursos facilitados dos governos federal e estadual.
Peixinho e Scopel (2009) relatam que o fato dessas políticas induzirem à
territorialização dos cerrados, não significa que tal frente de expansão capitalista
abandone a prática da seletividade espacial, pois dos 11,5 milhões de hectares de
cerrado piauiense, as áreas que de fato foram (e estão sendo) incorporadas para a
produção de grãos são aquelas cujo modelo técnico produtivo exige características
particulares, como por exemplo, as áreas de platôs ou chapadas (denominados
localmente de Gerais), onde o relevo é plano e/ou suavemente ondulado, os solos
são de textura média/argilosa e o clima apresenta temperaturas mais amenas e
distribuição pluviométrica regular.
Nos cerrados piauienses os Gerais eram pouco aproveitados pelos nativos, já
que representavam para as famílias camponesas os lugares de uso comum, ou seja,
as áreas de reservas naturais onde se soltava o gado para o proveito da pastagem
(em determinadas épocas do ano), ou serviam de lugar de extrativismo vegetal
(lenha, frutos e plantas medicinais) e de caça de animais silvestres. Portanto, os
Gerais designavam as terras devolutas, isto é, terras ociosas e não cercadas, que
constituíam extensos descampados de matas de cerrados.
Ademais, Peixinho e Scopel (2009, p.111) preconizam que a retirada da
vegetação dos Gerais “não só produziu um grande impacto ambiental, mas,
sobretudo, comprometeu o modo de vida dessa população”.
Assim, a nova organização socioespacial dos cerrados piauienses sustenta-se
na lógica de valorização do capital. Nessa perspectiva, salienta-se que os sistemas
técnicos tornaram-se parte integrante da paisagem local, expressando novos tempos
no cotidiano das comunidades rurais (e da população urbana), com isso, o sentido
de tempo imposto pelo agronegócio calca-se na produção mercantil, ou seja, num
tempo cujo ritmo é orientado por:
[...] máquinas agrícolas fiscalizadas por satélites; grandes galpões capazes de armazenar
milhares de toneladas de grãos monitorados sob rígido controle de qualidade; escritórios
controlando em tempo real o preço das commodities nas principais bolsas mundiais; unidades de recebimento de grãos das grandes empresas instaladas em pontos estratégicos,
e próximo delas um movimento intenso de caminhões despejando ou retirando produtos
para as fábricas esmagadoras ou para os portos exportadores (ALVES, 2009, p. 168).
Por outro lado, admite-se que a introdução do agronegócio nos cerrados
piauienses não resolveu os impactos sociais gerados pela modernização, já que
para Bernardes (2009), em função do nível técnico aplicado, o agronegócio pouco
emprega, desse modo, reduz as possibilidades de trabalho em termos quantitativos,
utilizando, quando necessário, formas de trabalho de menor qualificação, difundindo,
então, os vínculos de contratos temporários e mal remunerados. Nesses trâmites,
evidencia que os agricultores familiares de culturas tradicionais de consumo local
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Territorialização do capital nos cerrados Norte e Nordeste do Brasil: Matopiba
Antonio Joaquim da Silva | Maria do Socorro Lira Monteiro | Eriosvaldo Lima Barbosa
161
e regional têm pouca chance de inserção no agronegócio, acentuando-se, nesse
contexto, os problemas sociais, como a concentração da terra.
Alicerçado nessa conformação, Aguiar et al. (2013) realçam o agravamento
daquele cenário quando analisam as transações de compra e venda de terras no Piauí,
onde o preço médio computa R$ 5.800,00/ha, com valores máximos de R$ 8.000,00/
ha. Ou seja, o Cerrado piauiense se transformou num ativo de alta liquidez, na medida
em o preço de suas terras são menores quando comparado às outras regiões, por
exemplo, o oeste baiano, o triângulo mineiro e o planalto mato-grossense, lugares
onde o preço média da terra é negociado por R$ 6.600,00/ha, R$ 21.800,00/ha e R$
12.400,00/ha, respectivamente.
No entanto, em razão da alta produtividade granífera dos cerrados Norte/
Nordeste, o Governo Federal instituiu o Matopiba, por meio do Decreto n. 8.477,
de 6 de maio de 2015, com a finalidade de promover e coordenar políticas públicas
voltadas ao desenvolvimento econômico das atividades agrícolas e pecuárias dos
cerrados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A representação espacial do Matopiba
está ilustrada na Figura 1.
Figura 1: Localização espacial do Matopiba
Fonte: Elaboração própria
162
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Destaca-se que o Matopiba apresenta área territorial de 73.173.845 ha, disposta
em 337 municípios, cuja população, em 2010, era de 5.901.789 habitantes. Ademais,
o Matopiba possui PIB per capita de R$ 7.594,00 (IBGE, 2010).
Não obstante tal contextualização, salienta-se, segundo Brasil (2015b, p.2),
que a criação do Matopiba objetivou:
I - desenvolvimento e aumento da eficiência da infraestrutura logística relativa às atividades agrícolas e pecuárias; II - apoio à inovação e ao desenvolvimento tecnológico
voltados às atividades agrícolas e pecuárias; e III - ampliação e fortalecimento da classe
média no setor rural, por meio da implementação de instrumentos de mobilidade
social que promovam a melhoria da renda, do emprego e da qualificação profissional
de produtores rurais.
Porém, em consonância com Peixinho e Scopel (2009), nota-se que a proposta
estatal para a potencialização do Matopiba centra-se no estabelecimento de um tipo
moderno de produtor rural, personificado à luz da lógica empresarial. Dessa maneira,
sustenta-se a opinião de que o Matopiba denota uma estratégia política/ideológica
do Estado e das classes dominantes do agronegócio (que inclui as multinacionais
do capital agrário, os produtores rurais bem capitalizados, etc.) e, ao mesmo tempo,
propõe a competitividade dos cerrados nos mercados doméstico e global.
Nessa perspectiva, afirma-se que a estruturação do Matopiba não nega o
passado de domínio e apropriação do Cerrado, pois vincula-se a um conjunto de
instrumentos de natureza institucional, cuja dinâmica é comandada pela integração
de capitais e condicionada pela política estatal.
Considerações Finais
Entende-se que a expansão do agronegócio para os cerrados brasileiros
faz parte de um projeto político/ideológico arquitetado pelo Estado com fins
de desenvolver o capital no setor primário da economia. No entanto, tal política
de ocupação se demonstrou seletiva, beneficiando grupos agroindústrias e um
pequeno número de produtores agropecuários considerados ‘aptos’ a se tornarem
empresários bem sucedidos.
Logo, constata-se que as transformações em curso no bioma Cerrado,
notadamente, iniciadas na década de 1970, quando o agronegócio irradia-se do
Sul e Sudeste para os outros estados, despontam um contexto de organização,
desorganização e reorganização dos territórios cujo objetivo principal calca-se na
reprodução ampliada do capital.
Nas regiões Norte e Nordeste, operacionalmente, denominados de Matopiba,
o agronegócio se instalou seguindo as mesmas características das outras cidades
antes apropriadas (no Centro-Oeste), especificamente, favorecido por incentivos
fiscais, estímulos à pesquisa científica, disponibilidade de infraestrutura e facilidade
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Territorialização do capital nos cerrados Norte e Nordeste do Brasil: Matopiba
Antonio Joaquim da Silva | Maria do Socorro Lira Monteiro | Eriosvaldo Lima Barbosa
163
de acesso às terras. Também se deve aos aspectos geoambientais como topografia,
clima, solo e hidrografia.
Tal incorporação, no entanto, mostrou-se contraditória, posto que a agricultura
familiar mantivesse excluída dos planos estatais. Dessa forma, verifica-se que o
agronegócio tem avançado sob as terras de uso comum nos cerrados, causando
incertezas sobre a continuidade dos modos de vida rurais e das identidades territoriais.
Sendo assim, compreende-se que a ocupação dos cerrados do Centro-Oeste,
Norte e Nordeste pelo agronegócio manifesta uma realidade ‘perversa e contraditória’
da história agrária do país, na medida em que provoca profundos descompassos
nos lugares, sobretudo, a acentuação dos conflitos sociais, como a concentração e
mercantilização da terra, o êxodo rural, a segregação espacial do urbano, a pobreza
e a exclusão do agricultor familiar, além da seletividade socioespacial do trabalho e
a degradação dos recursos naturais.
Portanto, conclui-se que a marcha do agronegócio, sob a ótica da expansão
da fronteira agropecuária, encerra distintos processos de redimensionamento do
território, pois revela a complexidade das relações de poder no qual os recursos
naturais e culturais são consumidos pelo capital.
Referências
AGUIAR, G.; LOPES, A.; RIBEIRO, R.; TORRES, A. Mercado de terras: balanço nos principais estados
agrícolas. Mercado & Negócios, p. 15-17, dez. 2013.
AGUIAR, T. de J. A.; MONTEIRO, M. do S. L. Ocupação do cerrado piauiense: valorização fundiária
e consequências ambientais. In: ELIAS, D. de S.; PEQUENO, R. (Orgs.). Difusão do agronegócio
e novas dinâmicas socioespaciais. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2006. p. 211-233.
ALVES, V. E. L. As novas dinâmicas socioespaciais introduzidas pelo agronegócio nos cerrados
da Bahia, Maranhão, Piauí e Tocantins. In: In: BERNARDES, J. A.; BRANDÃO FILHO, J. B. (Orgs.).
A territorialidade do capital: geografias da soja II. Rio de Janeiro: Arquimedes Edições,
2009. p.151-175.
______. Región centro-norte de Brasil: dinámicas territoriales recientes en el campo y en la
ciudad. Cuadernos de Geografía, Bogotá, v. 23, n. 1, p. 47-60, ene./jun. 2014.
BERNARDES, J. A. Fronteiras da agricultura moderna no cerrado Norte/Nordeste: descontinuidades e permanências. In: BERNARDES, J. A.; BRANDÃO FILHO, J. B. (Orgs.). A territorialidade
do capital: geografias da soja II. Rio de Janeiro: Arquimedes Edições, 2009. p.13-39.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Balança comercial resumida,
jan./dez. de 2014. Dados consolidados do AgroStat Brasil/SECEX/MDIC. Disponível em: http://
www.agricultura.gov.br/. Acesso em: 12 de junho de 2015a.
______. Decreto n. 8.447, de 6 de maio de 2015. Dispõe sobre o plano de desenvolvimento
agropecuário do Matopiba e a criação de seu comitê gestor. Diário oficial da União, n. 85,
seção 1, p.2, maio de 2015. Brasília, Poder Executivo, 2015b.
164
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
HAESBAERT, R. “Gaúchos” e “Baianos” no “Novo” Nordeste: entre a globalização econômica e
a reinvenção das identidades territoriais. In: CASTRO, I. E. de; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R. L.
(Orgs.). Brasil: questões atuais da reorganização do território. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2005. p. 367-415.
IBGE. Censo demográfico 2010 (Piauí). Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/
estatistica/populacao/censo2010/. Acesso em: 22 de junho de 2015.
MATOS, P. F.; PESSÔA, V. L. S. A modernização da agricultura no Brasil e os novos usos do território. Geo UFRJ, Rio de Janeiro, v. 2, n. 22, p. 290-322, 2011. Disponível em: file:///C:/Users/
Perfil/Downloads/2456-9242-1-PB.pdf. Acesso: 5 de junho de 2015.
MUELLER, C. C.; MARTHA JÚNIOR, G. B. A agropecuária e o desenvolvimento socioeconômico
recente do cerrado. In: Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade,
agronegócio e recursos naturais. Planaltina: Embrapa, 2008.
OLIVEIRA, A. U. de. Agricultura brasileira: transformações recentes. In: ROSS, J. L. S. (Org.).
Geografia do Brasil. 5 ed.São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. p. 465-534.
PEIXINHO, D. M.; SCOPEL, I. A territorialização da agricultura moderna no Piauí. BERNARDES,
J. A.; BRANDÃO FILHO, J. B. (Orgs.). A territorialidade do capital: geografias da soja II. Rio de
Janeiro: Arquimedes Edições, 2009. p.89-113.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4. ed. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2009.
SILVA, A. J. da; MONTEIRO, M. do S. L.; BARBOSA, E. L. Difusão do agronegócio no Brasil: estratégias governamentais. Informe Econômico, Teresina, ano 17, n. 34, p. 47-54, junho de 2015.
SILVA, M. V. da. Pequenos municípios e agronegócio: dinâmicas e impactos em Sebastião Leal
(PI). Informe Econômico, Teresina, ano 16, n. 31, p. 69-78, junho de 2014.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Territorialização do capital nos cerrados Norte e Nordeste do Brasil: Matopiba
Antonio Joaquim da Silva | Maria do Socorro Lira Monteiro | Eriosvaldo Lima Barbosa
165
O Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF) no município de
Faxinal
EL PROGRAMA NACIONAL DE FORTALECIMIENTO DE LA
AGRICULTURA FAMILIAR (PRONAF) EN LA CIUDAD DE
FAXINAL
Ariel Pereira da Silva Oliveira
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
Prof. Drª. Ruth Youko Tsukamoto
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
Resumo: O PRONAF foi primeira política pública com objetivo de apoiar a agricultura familiar
por meio das diversas linhas de financiamento, motivando a permanência das famílias no
campo, em escala nacional. Este programa financia o custeio da safra, atividade agroindustrial,
investimento em máquinas e equipamentos, etc.
O recorte foi o município de Faxinal, que se mostra um fértil campo de pesquisa já que segundo
o Censo Agropecuário de 2006, os estabelecimentos de agricultura familiar representavam o
maior número de unidades com 78% do total. O município de Faxinal é peculiar ao desenvolver
a olericultura em estufas, com uso de tecnologias apropriadas que eleva o custo da produção,
mas traz ganhos em produtividade. O presente artigo analisa e caracteriza a agricultura familiar
e o PRONAF no município de Faxinal e sua influência no fomento das atividades desenvolvidas.
Palavras-chave: PRONAF; Agricultura familiar; Faxinal.
Resumen: El PRONAF, fue la primera política pública con el objetivo de apoyar la agricultura
familiar por medio de las diversas líneas de financiamiento, motivando la permanencia de
las familias en el campo, en escala nacional. Este programa financia el costo de la cosecha,
actividad agroindustrial, invirtiendo en máquinas y equipamientos, etc.
El recorte fue la ciudad de Faxinal, que se muestra un fértil campo de investigación ya
que según el Censo Agropecuario de 2006, los establecimientos de la agricultura familiar,
representan el mayor número de unidades, con 78%. La ciudad es peculiar al desarrollar la
horticultura en estufas, demostrando pose de tecnología, eso eleva los costos de la producción,
pero trae ganancia en la productividad. El presente artículo analiza y caracteriza la agricultura
familiar, el PRONAF en la ciudad de Faxinal, y su influencia en el fomento de las actividades
desarrolladas.
Palabras-claves: PRONAF; Agricultura familiar; Microrregión geográfica de Faxinal.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
Introdução
Este trabalho é resultado de um projeto de pesquisa de iniciação cientifica
realizada no curso e geografia na Universidade Estadual de Londrina (UEL), fazendo
parte de um projeto maior chamado Permanência/resistência e a ação do Estado: o
produtor familiar da Microrregião Geográfica de Faxinal-PR1.
Propomo-nos estudar o papel do PRONAF no desenvolvimento
socioeconômico dos agricultores familiares no município de Faxinal, um dos
municípios que compõe a microrregião geográfica de Faxinal, que compreende
sete municípios: Bom Sucesso, Borrazópolis, Cruzmaltina, Faxinal, Kaloré, Marumbi
e Rio Bom, situados na porção norte do Paraná.
O estudo sobre o PRONAF no município de Faxinal é importante
principalmente pelo fato da agricultura familiar ser muito expressiva nesse recorte
geográfico. Analisando o Censo Agropecuário da agricultura familiar do IBGE (2006),
é possivel observar que o municipio conta com um total de 1057 estabelecimentos,
desses 827 (78,2%) são de agricultura familiar enquanto 230 (21,8%) não se enquaram
nessa categoria. Entretanto, em relação a área ocupada essa situação se inverte, pois
o total de estabelecimentos de agricultura não familiar ocupa 84,3% a área.
O objetivo principal desse artigo foi investigar como o programa está
refletindo na vida do agricultor familiar, para tanto, se procurou entender o uso da
terra e o papel do PRONAF no desenvolvimento dos mesmos.
Com relação à metodologia de interpretação foram realizados levantamentos
e leituras de bibliografias relevantes à temática tais como obras sobre as discussões
teóricas sobre a agricultura familiar e políticas públicas, principalmente ao Programa
Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar – Pronaf. Como metodologia
de pesquisa foi realizada um levantamento em fontes secundárias, nos Censos
Agropecuários do IBGE, dados do IPARDES e do instituto EMATER além da coleta de
dados primários por meio de trabalhos de campo com aplicação de questionários
junto aos produtores e entrevista no Instituto EMATER, no município de Faxinal. Para
a elaboração do relatório foi necessário fazer a sistematização e análise dos dados,
com elaboração de mapas, tabelas e cartogramas.
Breves considerações acerca do PRONAF
Segundo Grisa, Wesz Junior, e Buchweitz (2014) O PRONAF foi criado em 1995
e marca o reconhecimento, por parte do Estado, da agricultura familiar, provendo
crédito agrícola, por meio de vários instrumentos diferentes como: crédito rural,
financiamento de infraestrutura e capacitação profissional dos agricultores familiares.
1 Projeto coordenado pelas Professoras Drª. Ruth Youko Tsukamoto e Drª. Alice Yatiyo Asari
168
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Para Gazolla e Schneider (2013) O PRONAF é um marco da intervenção do
Estado na agricultura brasileira que emerge na década de 1990 como a principal
política pública à agricultura familiar; a partir dela, outras políticas foram desenhadas, como Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o reestruturado Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Mattei (2005) analisa o PRONAF em dois períodos: no início, o número
de financiamentos foi baixo, em 1996 o número e contratos aumentam, e se
concentraram no sul do Brasil (78%), e 65% de recursos na mesma região. O segundo
período é após 1999, com crescimento de contratos e homogeneização dos mesmos
entre as regiões, mas o sul ainda concentrava maior parte dos contratos (47%). Em
2004 o montante de recursos triplicou em relação à safra de 1999.
Com relação a essa concentração de montante na região sul, estudos mais
recentes mostram que isso ainda ocorre. Segundo Grisa, Wesz Junior, e Buchweitz
(2014), com relação ao número de contratos, no início o valor era de R$ 1.952, 34,
em 2012 o valor médio dos contratos alcançou R$ 8.878,60. A região sul do país
respondia por 60% dos contratos em 1998 enquanto a nordeste representava 25%,
em 2012 o sul respondia a 32,74% dos contatos, enquanto o nordeste responde
a 45,48%. Com relação à distribuição dos contratos entre os Estados entre 1999 e
2012, 20% dos contratos ocorreram no Rio Grande do Sul, seguido por Minas Gerais
(9,3%); Bahia (9,0%); 8% no Paraná e 7,8% em Santa Catarina.
Os autores chamam atenção para o fato de que embora o centro-oeste
tenha uma baixa participação no número de contratos, os valores desses contratos
apresentam maiores valores atingindo mais de R$ 20.000,00 em 2012.
Quanto aos recursos financeiros, a predominância é do sul nos últimos cinco
anos, por exemplo, a região respondeu por aproximadamente 50%; o nordeste
respondeu em 2006, seu percentual máximo (26% dos recursos). Dos R$ 97,6 bilhões
aplicados no PRONAF entre 1999 e 2012, 24% foi para o Rio Grande do Sul, 13,5%
ao Paraná e 12,4 para Santa Catarina, concentrando cerca de 50% dos recursos no
Sul. (GRISA; WESZ JUNIOR; BUCHWEITZ, 2014)
Segundo os mesmos autores, os recursos aplicados ao PRONAF tem sido
crescentes, em 1996 foram destinados R$ 650 milhões ao programa, já em 2012
alcançou um montante de quase R$ 16 bilhões, no plano-safra 2013/2014 saltou
para R$ 21 bilhões. A maior expansão de recursos ocorreu após o governo Lula, com
incremento de 662% de 2002 a 2012.
Com base em informações do Banco Central do Brasil (2014), pode acessar
o PRONAF quem se enquadra nos seguintes critérios: proprietário, posseiro,
arrendatário, comodatário, parceiro, concessionário do Programa Nacional da
Reforma Agrária (PNRA) ou permissionário de áreas públicas; que residam no
estabelecimento ou próximo a ele, a propriedade em questão deve ter até quatro
módulos fiscais, contíguos ou não e seis módulos fiscais, no caso de atividade
pecuária; Além disso, no mínimo, 50% da renda bruta familiar deve vir de atividades
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) no município de Faxinal
Ariel Pereira da Silva Oliveira | Prof. Drª. Ruth Youko Tsukamoto
169
ligadas ao estabelecimento; O trabalho familiar deve ser predominante, a mão de
obra de terceiros pode até ser utilizada, mas de acordo com as exigências sazonais
da atividade; os empregados fixos não devem superar em número, os membros
da família que trabalham na propriedade; Para finalizar a renda bruta familiar dos
últimos 12 meses, que antecedem a solicitação da DAP, seja de até R$360.000,00.
Também podem ser beneficiários do PRONAF, aqueles que além de se
enquadrarem nos critérios acima, sejam: pescadores artesanais autônomos, com
meios de produção próprios ou em regime de parceria com outros pescadores
artesanais; que explorem área não superior a dois hectares de lâmina d’água, ou
ocupem até 500 m³ de água, silvicultores que promovam o manejo sustentável dos
ambientes; extrativistas que exerçam o extrativismo artesanalmente e são excluídos
os garimpeiros e faiscadores; Por fim, comunidades quilombolas; povos indígenas;
e comunidades tradicionais. Com relação as linha de crédito do PRONAF, elas se
dividem em: PRONAF A, B, A/C e V como podem ser vistos no quadro 1.
Quadro 1: Linhas de Crédito do PRONAF
Linha
PRONAF A
PRONAF B
PRONAF A/C
PRONAF V
Público Alvo
Agricultores assentados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), beneficiários do
Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) e reassentados em função da construção de
barragens. - Investimento
Agricultores familiares com renda bruta anual familiar de até R$ 20.000,00. Mulheres
agricultoras integrantes de unidades familiares enquadradas nos Grupo A, AC e B do Pronaf.
Agricultores familiares assentados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e
beneficiários do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) – Custeio
Agricultores familiares com renda bruta anual de até R$ 360.000,00
Fonte: Banco do Nordeste, 2014
Há várias linhas de crédito mais específicas, dentro do PRONAF, segundo
dados do MDA e do Banco Central do Brasil eles são: PRONAF custeio; PRONAF investimento; PRONAF Agroindústria; PRONAF Agroecologia; PRONAF Eco; PRONAF
Floresta; PRONAF Semiárido; PRONAF Mulher; PRONAF Jovem; PRONAF Custeio e Comercialização de Agroindústrias Familiares; PRONAF Cota-Parte; Microcrédito Rural.
Atuação do PRONAF no município de Faxinal
A Microrregião Geográfica de Faxinal (onde o município está inserido), como
pode ser visto na figura 1, se insere no Território do Vale do Ivaí e apresenta uma
atividade agrícola intensiva em estabelecimentos de até quatro módulos fiscais2, com
2 O módulo fiscal no município de Faxinal é 18 (ha), a área de 4 módulos fiscais é 72 (ha).
170
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
representatividade de 80% na categoria agricultura familiar do Censo Agropecuário
de 2006.
Segundo Tsukamoto e Asari (2012, 2014) os municípios possuem
características similares no que se refere à distribuição da população (rural/urbano)
e o Índice de Desenvolvimento Humano municipal (IDHM), na maior parte dos
municípios está entre 0,713 e 0,752. Com relação à população é possível observar
uma variação entre 3 e 16 mil habitantes, sendo que a população rural representa
entre 19% e 52% do total. A emancipação dos municípios se deu entre as décadas
de 1950 e 1960.
Figura 1: Localização da Microrregião Geográfica de Faxinal - PR
Fonte: Tsukamoto; Asari (2012)
Apesar do número de estabelecimentos da agricultura não familiar ser menor
(21,9%), estes ocupam uma área superior (79,4%). Com relação a distribuição de
terras, pode-se perceber que no município de Faxinal a porcentagem correspondente
ao número de estabelecimentos de agricultura familiar é de 78,2%, enquanto da
agricultura não familiar é de 21,8. Entretanto, em área, a segunda categoria supera
significativamente com 84,25% do total ocupado, situação semelhante ao da
Microrregião. Vale salientar que em alguns municípios a diferença é muito mais
expressiva como em Marumbi, onde o número de estabelecimentos de agricultura
familiar, representa 62,8% do total, mas ocupa uma área de apenas 7,9%. Essas
informações podem ser contempladas na tabela 1.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) no município de Faxinal
Ariel Pereira da Silva Oliveira | Prof. Drª. Ruth Youko Tsukamoto
171
Tabela 1: Estabelecimento e área da agricultura familiar
Municípios
Totais
Agricultura Familiar
Agricultura Não Familiar
Est.
Área
Est.
%
Área
%
Est.
%
Área
%
Total
4578
228 292
3 575
78,1
46 809
20,6
1 003
21,9
181 483
79,4
Bom Sucesso
408
31 824
224
55,0
3 560
11,2
184
45
28 264
88,8
Borrazópolis
942
30 580
799
84,8
11 377
37,2
143
15,2
19 204
62,8
Cruzmaltina
441
29 473
331
75,0
3 963
13,4
110
25
25 511
86,6
Faxinal
1057
53 316
827
78,2
8 392
15,7
230
21,8
44 924
84,3
Kaloré
721
17 176
659
91,4
9 472
55,1
62
8,6
7 704
44,9
Marumbi
487
48 687
306
62,8
3 831
7,9
181
37,2
44 856
92,1
522
17 236
429
82,2
6 216
36
93
17,8
11 020
64
Rio Bom
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário da agricultura Familiar (2006)
Com relação à representatividade econômica o setor agropecuário
superou o industrial passando de 26,3% para 32,7% no período de 1999 a 2004, as
lavouras temporárias predominam na utilização de terras ocupando 71,05% dos
estabelecimentos da microrregião, outra atividade que se sobressai é a pecuária
basicamente de corte, que está em 25% dos estabelecimentos. Faxinal apresenta a
olericultura em estufas desde 2000, com tomate, pepino e pimentão; o município
contava em 2011 com 800 estufas (22x100m²), isso demonstra a posse de tecnologia
agrícola (estufas, irrigação por gotejamento e agroquímicos) refletindo na elevação
do custo da produção. (TSUKAMOTO; ASARI, 2014)
Segundo observações realizadas em um trabalho de campo, o tomate
em Faxinal é importante há aproximadamente 15 anos, hoje há muitos jovens
trabalhando individualmente e tem permitido a permanência desses no campo
pelo rendimento que permite obter. Faxinal chegou a ter 2000 estufas e é um dos
municípios da Microrregião com maior significado nesse sistema de produção. É
importante ressaltar um fato ocorrido nos anos de 2013 e 2014 quando o produto
sofreu uma alta significativa no preço do tomate; entretanto, segundo depoimento
do técnico da EMATER, nos anos que antecederam essa data, os preços estavam muito
baixos e consequentemente deixaram de produzir levando à falta do produto no
mercado. Nesse sentido, somente os que se mantiveram nessa atividade obtiveram
um rendimento significativo propiciando a compra de mais terras ou imóveis na
área urbana.
Além da produção agrícola em si, nos estabelecimentos visitados foi
possível notar uma diversificação de atividades, a exemplo da criação de animais
(bovinos e suínos) e a piscicultura, como pode ser visto na tabela 2. Observe que o
produtor 1 é assentado e chama atenção pela maior diversificação de atividades;
Isso gera uma complementação importante na renda, e também pode ser vista
172
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
como alternativa em períodos de dificuldades, como por exemplo, a queda de
preço no momento da comercialização ou frustação da safra principal provocada
por efeitos climáticos adversos.
Tabela 2: Outras atividades desenvolvidas nos estabelecimentos
Agricultor 1 Agricultor 2 Agricultor 3 Agricultor 4 Agricultor 5
Bovino (cabeças)
10
-
-
-
-
Suíno (Cabeças)
7
1
-
-
3
Piscicultura (tanques)
2
-
-
1
-
Bovino de leite
4
60
-
-
5
Litros de leite - dia
25
-
-
-
15
Aves (cabeças)
50
20
20
12
40
Fonte: Pesquisa “in loco”. Município de Faxinal. Maio/ 2014
Foram aplicados questionários no município de Faxinal em diferentes bairros
rurais, a fim de entender como se dá o processo de produção, nas unidades familiares,
bem como o acesso dos mesmos às políticas públicas do governo federal, em especial
o PRONAF. Analisando os dados foi possível localizar que 50% dos estabelecimentos
eram próprios, 33,3 % assentados do INCRA e 16,7% arrendatários. A área média dos
estabelecimentos é de 19,12 hectares.
As propriedades visitadas ficam próximas à área central da cidade, em uma
distância média de 8 km, sendo que o mais próximo fica a 4 km do núcleo urbano
e o mais distante a 13 km. Todos os entrevistados residem nas propriedades, por
desenvolverem lavouras que demanda maior atenção e mão de obra familiar,
principalmente.
Com relação ao tamanho dos estabelecimentos, a área média é de 19,12
hectares, sendo que o maior tem 32,67 hectares e o menor, 10,89 hectares. 40%
dos entrevistados arrendam terra, um deles com área de 8,47 hectares, e a forma e
pagamento se dá por meio de uma saca de soja por alqueire3, no ano e 2013 deu 35
sacas de soja no ano, o outro arrenda 10,89 hectares para plantar trigo.
Com relação ao nível tecnológico, 100% dos entrevistados fazem uso
de insumos como inseticida, calcário, herbicida, mas há aqueles (60%) que
complementam com esterco de frango diminuindo assim, o uso de fertilizante
químico. A estufa está presente em 80% dos estabelecimentos visitados fato que
exige implantar o sistema de irrigação por gotejamento e utilização do pulverizador
costal (90%).
3 Uma saca de soja por alqueire corresponde a uma saca para cada 2,42 ha.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) no município de Faxinal
Ariel Pereira da Silva Oliveira | Prof. Drª. Ruth Youko Tsukamoto
173
O uso desses insumos agrícolas sinalizam duas coisas, a primeira é que pelo
fato de todos trabalharem com tomate, pode-se deduzir que esses insumos são
usados na sua produção, já que é sabido que o tomate e demais hortaliças exigem
muitos cuidados; a segunda sinaliza que os recursos do PRONAF estão financiando
esses insumos, já que 80% dos produtores declararam ter empregado o dinheiro do
último financiamento na lavoura. É importante ressaltar que o técnico da EMATER
do município é muito presente, e faz um bom trabalho no sentido de orientar os
agricultores de Faxinal, no entanto, foi observado em campo a necessidade de
contratação de mais técnicos, pois a demanda aumentou em função do aumento
do número de produtores a exemplo dos assentamentos rurais do INCRA e pelo
número de projetos para se inserir nos programas institucionais.
É importante salientar que essas atividades são desenvolvidas por famílias
cuja faixa etária predominante está entre 41 a mais de 60 anos, denotando que a
população envolvida na agricultura está envelhecendo. (tab.3)
Tabela 3: Idade dos membros das famílias entrevistadas
Idade
0 - 11
12 - 20
21 – 30
31 - 40
41 - 50
51 - 60
60 ou mais
Total
Nº pessoas
3
1
3
0
3
3
4
17
Fonte: Pesquisa “in loco”. Município de Faxinal – maio. 2014
Além do fato da faixa etária ser elevada, 40% dos entrevistados declararam que
os filhos não querem permanecer no campo, entre as justificativas está a busca por
renda maior, e mesmo entre os que responderam que os filhos pretendem permanecer
no campo, afirmaram que a renda da agricultura é muito baixa, pois, segundo o
agricultor 4: “Alguns filhos vivem aqui, outros não, porque não tem renda pra todos”.
Por esses dados é possível afirmar que são poucos os jovens vinculados
no campo e a mão-de-obra utilizada para desenvolver as atividades estão
predominantemente nas mãos dos casais ou mesmo dos pais dos chefes de família.
Um dos entrevistados (agricultor 3) e sua esposa, tem aposentadoria rural,
esse dado e interessante, pois reflete na melhoria da renda familiar.
Com relação à escolaridade a maioria dos “chefes de família” entrevistados,
possui o ensino fundamental, e dentro deste nível, o máximo é a 6ª serie (atual sétimo
ano), mas entre os demais membros de sua família, é possível encontrar pessoas
com nível de escolaridade maior, como por exemplo, seus filhos com ensino médio
completo e/ou curso técnico.
Com esse perfil dos produtores a parte produtiva dos estabelecimentos é
possível destacar que 80% trabalham com tomate, produzem em estufas, cujas
dimensões das mesmas têm em média 2000 m². Entre os produtos cultivados além
do tomate estão: Alface; Repolho; Vagem; Pepino; Couve; Beterraba; Caqui; Laranja,
Goiaba; Mexerica; Trigo; Soja e Milho.
174
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Cerca de 80% dos entrevistados tem pomar que é para consumo próprio,
porém, isso pode sinalizar uma opção de renda, já que podem entregar se inserir
nos programas institucionais como o Programa de Aquisição de Alimentos- PAA. Um
deles – o agricultor 3- possui 70 pés de caqui e no último ano (2014) entregou 2 mil
kg de caqui para o “compra direta” a R$2,40 o quilo, demonstrando a importância
de estar integrado no mercado institucional. As formas de comercialização são
muito diversificadas tais como na feira do produtor, na CEASA, nas cooperativas ou
particularmente, mas pelo fato do produtos cultivados em estufas, o tomate por
exemplo, 100% são vendidos para intermediários.
Os produtores que acessam o PRONAF são para o milho e o tomate sinalizando
a especialização do município na cultura de tomate em estufa. Já, em relação ao milho
vale lembrar as palavras de Grisa, Wesz Junior, e Buchweitz (2014), que entre 1999 e
2012, os principais produtos financiados foram milho, soja, café e fumo, sendo que
o milho e a soja ocupam os primeiros lugares, totalizando mais de 50% desde 2001;
segundo os autores, “no Rio Grande do Sul e no Paraná, o milho e a soja respondem
por quase 80% dos contratos e mais de 70% dos recursos aplicados no custeio de
lavoura no período 1999-2012” (p. 337)
Gazolla e Schneider (2013) ao analisar o PRONAF crédito de custeio e de
investimento no Rio Grande do Sul, afirmam:
[...] Essas culturas historicamente têm um legado de pouco valor agregado aos
agricultores familiares, baixos preços recebidos e mercados em que eles dependem
de outros intermediários como empresas, cerealistas ou cooperativas tritícolas para
realizar a venda da produção. Nesse cenário, a perda da autonomia reprodutiva dos
agricultores para estes outros agentes é um dos principais efeitos gerados. (p.64)
Dos agricultores entrevistados, 90% acessam o PRONAF, mas foi constatado que
há certa confusão por parte dos entrevistados quanto ao tipo de financiamento que se
enquadram, mas foi possível detectar que 60% se enquadram no PRONAF B e 40% no
PRONAF A/C. Esse dado é interessante, pois segundo Grisa, Wesz Junior, e Buchweitz
(2014), com relação à participação dos grupos na distribuição de recursos, os agricultores
mais capitalizados do“Grupo V”foram os que mais acessaram os recursos, os percentuais
ficam em uma média de 80%, em 2008, por exemplo, chegou atingir 91%. Para os autores:
Estes dados destoam muito da estratificação da agricultura familiar entre os grupos do
Pronaf realizada pelo IBGE no último Censo Agropecuário, sendo que os agricultores
familiares enquadrados nos grupos “A” e “B” perfazem 67,56% dos estabelecimentos
da agricultura familiar brasileira, enquanto que os demais agricultores familiares
respondem por 32,44% dos estabelecimentos. (p. 332)
Segundo os autores, os grupos A e A/C foram reduzidos com o passar do
tempo, indo de 21% em 2000, para 3% em 2012, com relação ao grupo B, os recursos
cresceram passando de 1% em 2000 para 15% em 2012. Assim:
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) no município de Faxinal
Ariel Pereira da Silva Oliveira | Prof. Drª. Ruth Youko Tsukamoto
175
O crescimento do Pronaf no Grupo “B” pode sinalizar possíveis mudanças, que são importantes, mas ainda insuficientes se for considerado o peso deste grupo no conjunto
da agricultura familiar brasileira. Além disso, a redução da participação dos assentados
da reforma agrária preocupa pelo fato de que são unidades de produção em processo
inicial de instalação e estruturação. (GRISA; WESZ JUNIOR; BUCHWEITZ, 2014, p. 333)
Dos que acessam ao PRONAF todos recebem assistência técnica da EMATER,
além disso, todos tomaram conhecimento dos programas institucionais pela primeira
vez, por meio dos técnicos da EMATER, sinalizando o importante papel que essa
instituição exerce no desenvolvimento das atividades. Com relação à assistência
técnica, para Guanziroli (2007) ela é um dos fatores responsáveis pela imagem
negativa do PRONAF perante os agricultores, pois o tamanho do corpo técnico seria
insuficiente para dar assistência individual a todos.
Quando questionados se estão satisfeitos com a assistência técnica, os
entrevistados responderam que sim, pois sempre há ajuda quando necessário, e
seguindo as orientações dos agrônomos conseguem produzir bem. Segundo um
dos agricultores, “Os agrônomos fazem um bom trabalho, mas tem poucos técnicos,
falta contratar mais”.
Para os que acessaram o PRONAF tanto para investimento quanto para o
custeio da safra, as respostas se dividiram da seguinte maneira: 60% só para custeio
e 40% já acessaram para custeio e investimento que segundo Gazolla e Schneider
(2013) estas lavouras necessitam de uso intensivo de fertilizantes químicos,
agrotóxicos, demonstrando assim o tipo de culturas que o programa está apoiando.
Somente a metade dos entrevistados se recordou do número de vezes que
já acessaram ao PRONAF, numa média de nove financiamentos e, em relação ao
valor, a média foi de R$ 7.000,00. O banco responsável por todos os financiamentos
foi o Banco do Brasil.
De modo geral o PRONAF é bem visto pelos agricultores entrevistados,
segundo os mesmos, o PRONAF contribuiu na melhoria das condições para produzir
e no aumento de renda; o ponto positivo mais citado foi o juro baixo; salienta-se que
mesmo os juros do PRONAF sendo baixos, a renda da terra do agricultor está sendo
apropriada pelo capital financeiro, fazendo parte dos objetivos da industrialização
da agricultura. Com relação aos pontos negativos segundo o agricultor 3: “O banco
enrola muito, muita burocracia”.
Foi possível notar que o PRONAF viabiliza a produção e contribui para o
produtor entrar em mercados institucionais como PAA, programa este que tem
viabilizado uma alternativa de renda aos agricultores entrevistados e à segurança
alimentar da população vulnerável que necessita de doações de alimentos.
Para Mattei (2005) o PRONAF tem sido aperfeiçoado, mas ainda se faz presente
no programa, barreiras que impedem uma melhor intervenção do governo. Para
Gazolla e Schneider (2013) o programa trouxe muitos pontos positivos para o
176
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
desenvolvimento rural como a melhoria das condições de vida contribuindo na
permanência do agricultor no campo, e aumento da produtividade e, Guanziroli
(2007) concorda que o PRONAF têm trazido melhorias de renda e ampliação da
capacidade produtiva dos agricultores familiares.
Considerações Finais
Tanto a Microrregião Geográfica de Faxinal quanto no município em tela
apresentam uma intensa atividade agrícola. Durante a pesquisa foram entrevistados
agricultores familiares em assentamentos e em unidades de produção já consolidadas.
É importante salientar a relevância do instituto EMATER, que se mostrou muito
importante na vida do agricultor, mesmo com alguns problemas que o órgão EMATER
apresenta como a insuficiência de técnicos para dar uma assistência individual aos
agricultores; que é muito importante na realidade do agricultor paranaense, EMATER
foi o maior responsável, nos depoimentos colhidos, por repassar as informações
e orientações referentes ao PRONAF bem como na elaboração da Declaração de
Aptidão ao Pronaf - DAP documento este para ter acesso aos recursos existentes
para viabilizar a produção.
Foi observado que o agricultor está cumprindo o propósito do programa,
empregando os recursos em insumos e na infraestrutura para melhorar e aumentar
sua produção sendo atraídos pelo acesso ao crédito com juros mais baixos e alvo
dos maiores elogios.
Gazolla e Schneider (2013) sugerem que algumas mudanças são necessárias
para que o PRONAF contribua de maneira mais efetiva para com o desenvolvimento
rural como incorporar as dimensões das necessidades familiares, os princípios da
diversificação rural e territorial, segurança alimentar, entre outros.
Nas entrevistas foi possível detectar que os produtores gostam de viver no
campo, mas afirmam que viver do campo é difícil e pouco rentável; por isso boa
parte deles incentivam os filhos a migrar para a cidade.
O PRONAF e os demais programas institucionais têm atuado e contribuído
para a permanência do homem do campo e para a segurança alimentar da população.
Com relação ao desenvolvimento desta pesquisa, além dos passos já descritos
(metodologia) vale ressaltar que um dos mais importantes foi à ida ao campo, onde
foi possível unir teoria e realidade e ouvir dos próprios agricultores como o PRONAF
vem atuando no seu dia a dia.
Referencias
BANCO DO NORDESTE. Quadro Resumo - Grupos e Linhas de Crédito do PRONAF. Disponível em: <http://www.bnb.gov.br/documents/165130/228956/tabela_dos_grupos_10_2014.
pdf/ea3e714f-dcf0-43a7-b194-140b20288ae5>. Acesso em 13 de Jun. 2015
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) no município de Faxinal
Ariel Pereira da Silva Oliveira | Prof. Drª. Ruth Youko Tsukamoto
177
BRASIL, Banco Central do Brasil. FAQ – Programa Nacional do Fortalecimento da Agricultura Familiar. Disponível em: < http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/PRONAF.asp#1>.
Acesso em: 18 de Ago. 2014
GAZOLLA, M.; SCHNEIDER, S. Qual “Fortalecimento” da Agricultura Familiar? Uma análise
do Pronaf crédito de custeio e investimento no Rio Grande do Sul. Revista de Economia e
Sociologia Rural. Piracicaba, vol. 51, n.01, p.041-068, Jan/Mar. 2013.
GRISA, C.; WESZ JR, V. J.; BUCHWEITZ, V. D. Revisitando o Pronaf: velhos questionamentos,
novas interpretações. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 52, n. 2, p. 323-346, 2014.
GUANZIROLI, C. E. PRONAF dez anos depois: resultados e perspectivas para o desenvolvimento
rural. Revista de Economia e Sociologia Rural, Rio de Janeiro, vol. 45, n. 02, p. 301-328, abr/
jun. 2007.
IBGE. Censo Agropecuário da agricultura familiar de 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.
MATTEI, L. Impactos do PRONAF: análise de indicadores. Brasília: MDA/NEAD, 2005, 136 p.
TSUKAMOTO, R.Y.; ASARI, A.Y. Permanência/resistência e a ação do Estado: o produtor
familiar da Microrregião Geográfica de Faxinal- PR. Londrina: UEL/PROPPG, 2012. (Projeto
de Pesquisa)
______. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AGRICULTURA FAMILIAR: UMA REFLEXÃO, In: Encontro
Nacional De Geografia Agrária (ENGA), 22. 2014, Natal, Anais... Natal, 2014, 535 – 545
178
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Limites e potencialidades
do Programa Nacional de
Alimentação Escolar para a
Agricultura Camponesa:
o caso de Ourinhos-SP
LIMITS AND POTENTIAL OF SCHOOL NATIONAL FOOD
PROGRAM (PNAE) FOR PEASANT AGRICULTURE: THE
OURINHOS CASE
Arthur Boscariol da Silva
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo compreender o desenvolvimento da política
pública instituída pelo PNAE no município de Ourinhos/SP. Esta política pública, instaurada
em escala federal e executada pelo município, foi instituída em 2009 e realizada a partir de
2010. A lei 11.947/2009 prevê que 30% dos recursos repassados pelo FNDE sejam utilizados
na aquisição de gêneros alimentícios produzidos pelos agricultores familiares respeitando
a seguinte ordem de prioridade: município, território rural, região, estado e nação. O autor
conta com trabalho já publicado sobre o tema, que trata do desenvolvimento do programa
no município em questão dos anos de 2010, 2011 e 2012. Este artigo, por sua vez, pretende
discutir quais os avanços e retrocessos nos anos de 2013 e 2014.
Palavras-chave: campesinato; PNAE; políticas públicas; Ourinhos/SP.
Abstract: This study aims to understand the development of public policy established by
PNAE in Ourinhos/SP. This public policy, established at the federal level and implemented by
the municipality, was established in 2009 and starts in 2010. The law 11.947/2009 provides
that 30% of the funds transferred by FNDE should be used in the purchase of food produced
by family farming respecting the following order of priority: city, rural area, region, state
and nation. The author has already published a work on the subject, which deals with the
development of the program in Ourinhos concerned the years 2010, 2011 and 2012. This
article intends to discuss what progress and setbacks in the years 2013 and 2014.
Keywords: peasants; PNAE; public policy; Ourinhos/SP.
Introdução
As políticas públicas voltadas ao campo brasileiro moldam-se ao longo do
desenvolvimento da agricultura brasileira. Esta modelagem é resultado de um jogo
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
de forças que acaba por beneficiar parcelas da atividade agrícola e dos agricultores
brasileiros. De um primeiro momento exclusivo à produção capitalista, voltada,
em sua maior parte, para a exportação, admite-se também uma nova perspectiva
de ação do Estado frente ao campo brasileiro, voltada aos camponeses. Esta nova
perspectiva não é resultado direto da vontade dos políticos, mas uma resposta às
longas demandas e lutas das populações camponesas, marginalizadas durante o
processo de desenvolvimento do capitalismo no campo. Essas medidas, apesar de
direcionadas à população rural camponesa, não necessariamente contemplam, sejam
em valores, sejam em princípios, ou em seu funcionamento, todas as demandas.
Tomando como ponto de referência o Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar – PRONAF, entende-se que é a partir de 1996 que as
políticas públicas para os camponeses, entendidos pelo Estado como agricultores
familiares, tomam forma mais representativa. Neste trabalho, portanto, pretendese analisar uma política pública implementada no contexto do Programa Nacional
de Alimentação Escolar – PNAE, pela lei 11.947/2009. Esta política define que, no
mínimo, 30% dos valores repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação sejam utilizados para compra de gêneros alimentícios oriundos da
agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações. Devem
ser priorizados os assentamentos de reforma agrária, as comunidades tradicionais
quilombolas e indígenas.
Esta política também se insere num contexto de mudança da perspectiva
das políticas públicas brasileiras. Apesar do cunho setorial, voltado à produção
agrícola e produtos alimentícios, a política possui uma aplicação territorial. Essa nova
perspectiva fica clara na Resolução 38/2009, que prevê prioridade para propostas
de venda de grupos do município, podendo ser complementados por projetos da
região, do território rural do estado e do país, nesta ordem de prioridade.
Nesse contexto, é objetivo geral deste trabalho compreender o
desenvolvimento desta política no município de Ourinhos/SP nos anos de 2013 e
2014. Os anos de 2010, 2011 e 2012 foram previamente estudados pelo autor em
trabalho já publicado1. A ideia deste trabalho surge das modificações que ocorreram
na execução da política, que demandam novos esforços para compreender os
avanços e/ou retrocessos ocorridos após três anos de experiência da política.
Como forma de atingir este objetivo, realizou-se pesquisa documental
digital das legislações referentes ao tema, análise de documentos disponibilizados
pela Prefeitura Municipal de Ourinhos/SP (Chamadas Públicas, Atas das reuniões
de abertura dos Projetos de Venda e Projetos de Venda, pelo Setor de Compras e
Relatórios Anuais de Gestão, pelo Setor de Nutrição), entrevistas com funcionários
1 SILVA, A. B., PEDON, N. R. (2015).
180
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
públicos responsáveis pelo programa. Além de fundamentação teórica sobre a
questão agrária brasileira e o município de Ourinhos/SP.
Considerações sobre a questão agrária e política pública
A questão agrária, entendida como o conjunto de problemas inerentes ao
desenvolvimento do capitalismo no campo, ao processo desigual e contraditório
de suas relações (FERNANDES, 20012 apud GIRARDI, 2008, p. 91-92), é pano de
fundo para este trabalho. Segundo Oliveira (2007, p. 8), pode-se dizer que de uma
maneira geral todos os estudiosos da questão agrária concordam com um processo
de “[...] generalização progressiva por todos os ramos e setores da produção, e do
assalariamento, relação de produção específica do modo capitalista.”
A expansão deste modo de produção resulta em impactos inegáveis ao
campo brasileiro. Dentre as interpretações possíveis deste processo, entende-se
aqui que o campesinato, impactado por essa expansão, recria-se no processo
expansão capitalista. Ao contrário do que previam alguns autores, não houve o
desaparecimento desta classe, pois:
[...] é o próprio capitalismo dominante que gera relações de produção capitalistas e
não-capitalistas, combinadas ou não, em decorrência do processo contraditório intrínseco a esse desenvolvimento. O que significa dizer que o campesinato e o latifúndio
devem ser entendidos como dentro do capitalismo e não fora deste [...]. O campesinato
deve, pois, ser entendido como classe social que ele é. (OLIVEIRA, 2007, p. 11)
Entendida como relação não-capitalista, o campesinato difere das relações
capitalistas de produção. Sobre as famílias camponesas, Chayanov considera que o
grau de autoexploração da família é determinante para a sua produção, sendo esse
“[...] determinado por um equilíbrio específico entre a satisfação da procura familiar
e a fadiga devida ao trabalho [...]” (CHAYANOV, p. 106). A partir dessas interpretações,
não é possível compreender o campesinato como residual ou os camponeses como
pequenos capitalistas.
Assim, a recriação do campesinato ocorre dentro do capitalismo, através de
estratégias adotadas por esta classe. Parte-se do princípio que a reprodução do
campesinato pode se dar através das relações comerciais dos produtos oriundos
da propriedade familiar, sendo esta uma das estratégias. No caso deste artigo, o
programa implantado pelo PNAE traz uma possibilidade nova de geração de renda,
com estabilidade para os camponeses participantes. A comercialização direta, sem
atravessadores particulares, resulta num incremento de renda, possibilitando a
menor exploração da mão de obra familiar.
2 FERNANDES, B. M. Questão agrária, pesquisa e MST. São Paulo: Cortez, 2001
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Limites e potencialidades do Programa Nacional de Alimentação Escolar para a Agricultura Camponesa:...
Arthur Boscariol da Silva
181
A política pública, nesse contexto, é uma ação do Estado que possibilita a
reprodução do campesinato. Pode-se entender a política pública como “[...] uma
diretriz elaborada para enfrentar um problema público” (SECCHI, 2010, p. 2). De um
modo geral, a política pública é elaborada com a intenção de resolver um problema
público, entendido como coletivamente relevante. O problema em questão é a
expansão de um modo de produção excludente, que acaba por manter ou ampliar
as iniquidades do campo brasileiro. Deste modo, busca-se com a política pública
em questão abrir uma nova oportunidade de comercialização direta, diminuindo a
influência de atravessadores e garantindo preço aos produtores.
Caracterização do município e o Programa de Aquisição de Alimentos pelo
pnae em Ourinhos/sp
O município de Ourinhos/SP, recorte de análise deste estudo, é considerado
parte da frente pioneira, segundo Monbeig (19843 apud DIAS, 2013), relacionado
com o processo de expansão da ferrovias e da produção de café no oeste paulista
e no norte do Paraná. A região se torna pioneira a partir de 1870. A decadência da
mineração no estado de Minas Gerais e a tentativa revolucionária de 1842, incentivam
a saída da região mineira. Nesse contexto, o oeste paulista é ocupado por criadores
de gado e de agricultores de subsistência, que dura até aproximadamente 1900.
(DIAS, 2013)
A expansão da produção cafeeira e da rede ferroviária, associados à capacidade
de mão de obra, possibilitam o desenvolvimento do cultivo na região. A instalação
da Estrada de Ferro Sorocabana, na década de 1910, dá início a um povoamento
próximo à estação. Em 1915, Ourinhos recebe a hierarquia de município que, desde
seu surgimento, é composto por “grandes latifundiários e seus proprietários possuíam
grande influência”. (D’AMBROSIO, 20044 apud DIAS, 2011).
Segundo Dias (2011), durante o desenvolvimento do município, algumas áreas
industriais tomam destaque, como a produção de tijolos, colchões, alimentos, além
do complexo agroindustrial de produção de cana de açúcar e álcool. Este último,
intensificado a partir da década de 1950, ainda predomina na paisagem rural do
município. Além destas atividades, o setor de serviços é relevante no município,
Segundo dados do IBGE,5 em 2014 o município contava com uma população
de estimada de 109.489 habitantes e uma área territorial de 295,820 km². O
3 MONBEIG, P. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Editora Pólis Editora Hucitec, 1984.
4 D’AMBRÓSIO, O. Ourinhos – Um século de história. São Paulo: Noovha América, série conto, canto e encanto
com a minha história, 2004.
5 Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=353470&search=||info
gr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas>. Acesso em 02 de julho de 2015.
182
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
PIB municipal é basicamente gerado pelo setor de serviços (R$ 1.206.435,00),
seguido pelo setor da indústria (R$ 340.980,00) e pelo setor agropecuário (R$
42.279,00). A área rural do município, segundo dados da Coordenadoria Técnica
de Assistência Integrada – CATI, do Levantamento Censitário das Unidades de
Produção Agropecuária do Estado de São Paulo – LUPA (2008)6, retrata a seguinte
configuração: 366 unidades de produção agropecuárias – UPA, distribuídas em
313 unidades em que os familiares do proprietário trabalham na UPA e 184 em
que a unidade possui trabalhadores permanentes. O município conta com 119
declarações de aptidão ao PRONAF – DAP – ativas, segundo informações do
Ministério do Desenvolvimento Agrário7.
Com base nos dados do LUPA, ao analisar a estrutura fundiária, conclui-se que
a terra é concentrada no município. A área total das UPA’s é de 26.895,1 hectares,
sendo que 21.775 hectares representam 80,96% das terras e estão distribuídas em
52 UPA’s. Estas unidades possuem tamanhos entre 100 e 5000 hectares. Os outros
19,04% somam 5120,1 hectares, das outras 314 UPA’s. No caso destas últimas, as
unidades possuem tamanhos entre 0,1 e 100 hectares, sendo a mais comum, 75
unidades, de 2 a 5 hectares.
Ainda segundo os dados do LUPA, a maior parte da área do município se
destina à produção de cana de açúcar (11.646,8 ha), braquiária (5.699,2 ha), milho
(2.621,3 ha) e soja (1.192,0 ha). Em busca de dados mais atualizados, sabendo-se
da dinâmica da produção rural, o engenheiro agrônomo Sérgio Luis Villas Boas
Tambara8, diretor da CATI de Ourinhos, informou que esses dados são atualizados a
uma taxa de 20% ao ano. A expectativa é que se publique um novo levantamento
no ano de 2016.
A dinâmica do programa no município de Ourinhos/SP pode ser estabelecida
na seguinte ordem: envio das demandas pelo Setor de Nutrição; tomada de preços
pela Prefeitura; abertura da chamada pública; recebimento dos documentos de
habilitação e dos projetos de venda; abertura dos envelopes da chamada pública;
escolha dos fornecedores do programa; e assinatura de contratos.
Em todas as chamadas é possível perceber o envio das demandas do Setor
de Nutrição. Esta etapa, que tem base em valores padronizados de consumo, não
está desassociada da produção agrícola familiar. Pelo contrário, é nesta fase que se
escolhem os produtos que devem ir à chamada pública. Assim, cabe à esta etapa
a definição de quais produtos serão adquiridos dos agricultores. Como veremos
6 Disponível em: <http://www.cati.sp.gov.br/projetolupa/dadosmunicipais/pdf/t387.pdf> . Acesso em 03
de julho de 2015.
7 Informações disponíveis em: <http://smap14.mda.gov.br/extratopf/PesquisaMunicipio.aspx>. Acesso em
25 de junho de 2015.
8 Entrevista cedida em 02 de julho de 2015.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Limites e potencialidades do Programa Nacional de Alimentação Escolar para a Agricultura Camponesa:...
Arthur Boscariol da Silva
183
adiante, algumas chamadas não contam com participantes do município pois são,
claramente, direcionadas a alguns produtos não produzidos pelos agricultores locais9.
A tomada de preços foi realizada de maneira diferente nas chamadas
públicas, mas contemplando o que prevê a legislação. Em alguns casos, a tomada
foi realizada através de fornecedores já utilizados pela Prefeitura. A partir de 2013,
no entanto, utilizou-se de supermercados, mercados, varejões e a própria associação
de produtores do município. As tomadas de preço, até onde foi possível apurar pelos
documentos, são realizadas pelo Setor de Nutrição. Com os produtos, os preços e
as quantidades definidas, abre-se a chamada pública.
As associações e cooperativas de agricultores familiares, com base na
chamada pública, enviam a documentação necessária à habilitação e o projeto de
venda. Este último consiste no documento onde são previstas as quantidades de
cada produto a ser comercializado pelo agricultores, com valores unitários e totais
das quantidades, nome e DAP jurídica e DAP individual de cada agricultor. É com
base neste documento que se darão as compras.
Em data prevista para a chamada pública, após passado o tempo de envio
da documentação, são abertos todos os envelopes e analisados quais serão as
associações/cooperativas escolhidas em conjunto com os interessados. Cabe ressaltar
que, segundo informações do Gerente de Compras e Licitação10, a chamada pública
permite outra forma de escolha de vencedores, diferente da licitação. É possível,
segundo ele, priorizar o agricultor do município, mesmo que com preço superior,
desde que não ultrapasse o definido pela tomada de preços.
A escolha da associação de produtores do município de Ourinhos é prioritária.
Caso não haja possibilidade de abastecimento total da chamada pública apenas
com a associação em questão, são estabelecidos também contratos com as outras
associações/cooperativas participantes. Este processo é comum nas chamadas em
que a associação de Ourinhos não é capaz se suprir todos os produtos da chamada.
Escolhidos os fornecedores, passa-se à assinatura dos contratos.
É importante ressaltar que essa dinâmica depende das demandas que
são emitidas pelo Setor de Nutrição. Caso os produtos selecionados não sejam
produzidos no município, é clara a necessidade de serem adquiridos por agricultores
de outras regiões, como exemplo da chamada 04/2011, que veremos a diante.
Também é comum nos casos em que a quantidade definida pela chamada excede
a capacidade de produção dos agricultores.
9 Não se pretende realizar uma crítica negativa ao programa. Havendo demanda para tais produtos e não
havendo a produção no município, a chamada pública é um instrumento legal utilizado para aquisição dos
alimentos oriundos da agricultura familiar.
10 Entrevista concedida dia 02 de junho de 2015.
184
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Iniciado em 2010, o programa surge em Ourinhos no ano seguinte à sua
institucionalização legal. Neste primeiro momento, é relatado tanto pelo Gerente de
Compras e Licitação quanto pelo Gerente de Agronegócio e Agricultura Familiar11
que as atividades tiveram início sem instrução do governo federal, que institui a
política. A base para elaboração do programa é a própria legislação e a resolução
38/2009. Apesar das dificuldades, relatadas por ambos, percebe-se um empenho das
partes na realização do programa, o que é possível perceber com base nos relatos
e na documentação analisada.
O primeiro ano do programa é marcado por duas chamadas públicas: 03/2010
e 05/2010. Na primeira chamada, 03/2010, há participação de 6 agricultores no projeto
venda, seguido por um aumento significativo, chegando, na segunda chamada, a 26
agricultores, residentes no município de Ourinhos. Segundo informações do Gerente
de Agronegócio e Agricultura Familiar12, este fato ocorre pois haveria receio por parte
dos agricultores sobre o pagamento dos produtos. Após ocorrida a primeira chamada,
com pagamentos dentro dos estipulado, o número passa a crescer.
Nestas e em todas as outras chamadas, os agricultores de Ourinhos e a
Associação dos Produtores do Bairro Ribeirão Grande13 comercializa, essencialmente,
os seguintes produtos: banana nanica, tomate molho e salada, alface, cheiro verde
e ovo. Há casos particulares de outros produtos em quantidades menores.
No ano de 2011, em outras duas chamadas públicas, 02/2011 e 03/2011, os
agricultores do município se organizaram, reativando uma antiga associação de produtores do bairro, regularizando sua DAP Jurídica e comercializando com a Prefeitura
através da associação. Apesar dessa organização, o número de agricultores não cresce
neste ano. Pelo contrário, chega a 17 agricultores. O número reduz a partir da primeira chamada pública de 2011. Em outra chamada pública do mesmo ano, o número
continua reduzindo, chegando a 14. Um dos problemas do momento desta chamada
é a entrega dos produtos, que dificulta ou torna inviável a comercialização, pois os
agricultores tem de entregar em cada escola seus produtos, com condução própria.
Outro fator importante deste ano é a participação de associações e cooperativas que não pertencem ao município em outras duas chamadas públicas de 2011,
04/2011 e 05/2011. Com estas chamadas, a Prefeitura busca atingir os índices estabelecidos pela legislação (30% do que é repassado pelo FNDE) comprando de outras
regiões do Brasil. Os produtos comercializados foram leite, arroz, feijão e macarrão.
11 Cargo atual do entrevistado. Em outro momento, 09 de janeiro de 2014, ocupava o cargo de Chefe de
Abastecimento e Produção Rural.
12 Entrevista cedida no dia 07 de julho de 2015.
13 A Associação dos Produtores do Bairro Ribeirão Grande é a associação de produtores do município de
Ourinhos/SP. Existente antes mesmo do programa, havia sido desativada e foi reatada para entrarem como
grupo formal no PNAE.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Limites e potencialidades do Programa Nacional de Alimentação Escolar para a Agricultura Camponesa:...
Arthur Boscariol da Silva
185
As cooperativas são: Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto
Alegre (COOTAP) – sede em Porto Alegre; a Cooperativa Regional de Comercialização
do Extremo Oeste – sede em São Miguel do Oeste/SC; e Cooperativa e Produção e
Consumo Familiar Nossa Terra Ltda – sede em Erechim/RS.
O ano de 2012 segue com quatro chamadas públicas, sendo a associação de
produtores de Ourinhos/SP participante de duas destas: 02/2012 e 04/2012. Nas duas
chamadas, os agricultores de Ourinhos/SP participam com 14 agricultores familiares.
As outras duas chamadas, 01/2012 e 03/2012, contam apenas com cooperativas da
Região Sul do Brasil, comercializando, essencialmente, arroz, feijão, leite, bebidas
lácteas e macarrão. São as cooperativas: Cooperativa e Produção e Consumo Familiar
Nossa Terra Ltda – sede em Erechim/RS; Cooperativa de Agricultores Familiares
(COAFAM) – sede em Gravataí/RS; a Cooperativa Agrícola Mista Nova Palma Ltda. –
sede em Nova Palma/RS; Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária Avante
Ltda. – sede em Querência do Norte/PR.
Em 2013, a Prefeitura realizou duas chamadas públicas: 02/2013 e 04/2013.
No caso da primeira delas, com duração de abril a agosto, é realizada a tomada
de preços nos mercados do município. A chamada é aberta com solicitação de 38
produtos ao todo e conta com a participação das seguintes cooperativas/associações:
Associação dos produtores rurais do bairro Ribeirão Grande – com sede em Ourinhos/
SP, contando com 14 agricultores; AAPISC – com sede em Santa Cruz do Rio Pardo/
SP, contando com 5 agricultores; Cooperativa Agropecuária Familiar Nova Campina
(COAGROCAMP) – com sede em Nova Campina/SP, contando com 63 agricultores.
Nesta chamada, são vencedores a Associação Ribeirão Grande, que fica
com 20 itens, a AAPISC, vencedora em 1 item e a COAGROCAMP em 3 itens, não
atendidos na totalidade pela primeira vencedora. Como já tratado, os vencedores
não possuem, necessariamente, o preço mais baixo, uma vez que a prioridade é dos
agricultores do município.
A segunda chamada voltada para a agricultura familiar do ano de 2013 é
a 04/2013, que segue com a mesma forma de tomada de preço, com base nos
mercados da cidade. Nesta chamada, são enumerados 39 produtos. A duração
da chamada é de setembro a dezembro e tem com participantes as cooperativas:
COOPEVA – com sede em Itapeva; COAGROCAMP; Associação dos produtores rurais
do bairro Ribeirão Grande; AAPISC. Durante o processo de seleção das empresas,
são vencedoras a Associação Ribeirão Grande, com 20 produtos e 13 agricultores,
COOPEVA, com 7 produtos e 9 agricultores, AAPISC, com 3 agricultores e 8 produtos
e COAGROACAMP com 48 agricultores e 27 produtos.
No ano de 2014 são realizadas outras duas chamadas. É interessante
perceber, nesta fase da política, que se repete a metodologia de chamadas, com
períodos e produtos definidos, sugerindo uma forma de padronização da política.
A padronização, no entanto, não é rígida, mas permite afirmar que há uma evolução
no que diz respeito à gestão por parte dos envolvidos.
186
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
A primeira chamada, 01/2014, válida de fevereiro a julho, conta com
41 produtos e tomada de preço nos mercados municipais e na Associação de
produtores do bairro Ribeirão Grande. Mesmo que participantes das chamadas,
foram utilizados para a tomada. Ao realizar o comparativo de preços, constatou-se
que estes não eram destoantes do praticado nos mercados. São participantes dessa
chamada: Associação dos produtores do bairro Ribeirão Grande; AAPISC; COOPEVA;
e Associação dos pequenos agricultores do noroeste Paulista (ASPA) – com sede em
São José do Rio Preto/SP.
Nesta chamada, a associação ASPA não ganha em nenhum dos produtos.
Sendo assim, as associações/cooperativas vencedoras são: Associação dos
produtores do bairro Ribeirão Grande, com 29 agricultores e 19 produtos; AAPISC,
com 7 agricultores e 8 produtos; COOPEVA, com 4 agricultores e 5 produtos.
A última chamada analisada por este trabalho é a 03/2014. Esta chamada
conta com apenas 24 produtos e tomada de preços nos mercados e na Associação
dos produtores do bairro Ribeirão Grande. Em particular, esta chamada tem como
resultado apenas a participação da associação do município, com 14 agricultores,
contemplando os 24 produtos.
Com base nos dados disponibilizados pela Prefeitura de Ourinhos através
dos Relatórios Anuais de Gestão do PNAE, a Tabela 01 retrata os valores gastos na
elaboração do programa. É possível perceber que o valor definido para aquisição de
gêneros alimentícios da agricultura familiar (30% do repassado pelo FNDE) é atingido
a partir de 2012. Os valores relativos aumentam desde o surgimento da política, com
redução para o ano de 2014. Tal redução foi considerada pelo Gerente de Agronegócio
e Agricultura Familiar como resultado da exclusão dos ovos das chamadas públicas de
2014. Segundo informações do mesmo, os ovos foram retirados das chamadas pois
segundo pesquisa do Conselho de Alimentação Escolar – CAE, o agricultor não era um
pequeno produtor, mas grande produtor que comercializaria via DAP14.
Tabela 01 - Valores repassados pelo FNDE, valores absolutos e relativos dos gastos com gêneros
alimentícios oriundos da agricultura familiar entre os anos de 2010 e 2014
Ano
FNDE
Agricultura familiar
Absoluto
Porcentagem
2010
R$ 1.356.360,00
R$ 102.195,03
7,53%
2011
R$ 1.427.460,00
R$ 291.670,03
20,43%
2012
R$ 1.476.048,00
R$ 662.770,39
44,90%
14 Sobre essa informação, sugere-se que a interpretação do CAE foi leviana, baseada em análise subjetiva da
propriedade. No entanto, ao possuir DAP, o agricultor pode ser enquadrado na política.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Limites e potencialidades do Programa Nacional de Alimentação Escolar para a Agricultura Camponesa:...
Arthur Boscariol da Silva
187
Agricultura familiar
Ano
FNDE
Absoluto
Porcentagem
2013
R$ 1.551.812,00
R$ 755.923,36
48,71%
2014
R$ 1.558.986,00
R$ 695.905,50
44,64%
O Gráfico 01 possibilita um comparativo da evolução dos valores gastos com
a agricultura familiar em relação ao repassado pelo FNDE. Essa evolução é mais
interessante se levado em conta que a última chamada de 2014 possui apenas como
participante a associação de produtores do município.
Gráfico 01 - Evolução dos valores repassados pelo FNDE e dos
valores destinados à aquisição de gêneros alimentícios oriundos da
agricultura familiar no município de Ourinhos/SP
R$1.800.000,00
R$1.600.000,00
R$1.400.000,00
R$1.200.000,00
R$1.000.000,00
R$800.000,00
R$600.000,00
R$400.000,00
R$200.000,00
R$-
2010
2011
2012
FNDE
2013
2014
Absoluto
Considerações finais
O comparativo entre os anos de 2010, 2011 e 2012 e os anos de 2013 e 2014
permite que afirme que houve evolução na gestão do programa. Entende-se que
o programa é gerido pela Prefeitura, não havendo gestão compartilhada. Retomase a crítica já realizada em outro momento sobre a falta de instrução do governo
federal, sendo a política desenvolvida com base nas legislações e interpretações
de cada prefeitura.
Foi possível perceber nas primeiras chamadas que houve um certo receio à
adesão ao programa, bem como a realização do mesmo. Os problemas identificados,
188
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
como dificuldade de entrega e realização das chamadas públicas, mostravam
a dificuldade em lidar com o programa. As primeiras chamadas continham um
número grande de produtos, muitas vezes sem o direcionamento para a região. As
especificações dos produtos não eram tão detalhadas quanto as chamadas mais
recentes, com pesos e aspectos de todos os produtos.
Num primeiro momento, a Prefeitura consegue atingir os índices previstos
na legislação adquirindo produtos de fora da região, fato que se altera mais
recentemente, nas chamadas de 2014, principalmente. Os agricultores participantes
da Região Sul do Brasil nas chamadas de 2011 e 2012 compõe grandes cooperativas,
com uma significativa capacidade de produção, entrega e industrialização de
produtos. Assim, a priorização dos agricultores locais e o direcionamento das
chamadas foi uma medida essencial para buscar o desenvolvimento da agricultura
familiar local. A alteração do valor limite de comercialização pelo PNAE por DAP
também é um fato relevante. Em 2012 o valor passa de R$ 9.000,00 para R$ 20.000,00,
possibilitando uma vinculação maior do agricultor com o programa.
Os avanços são percebidos na periodicidade das chamadas, que são
programadas semestralmente, na organização e crescente autonomia dos
agricultores, na definição dos produtos a serem comprados e das tomadas de preços
e na entrega dos produtos mais organizada nas escolas e nos prazos estabelecidos.
A última chamada de 2014 comprova que as chamadas pública estão sendo
direcionadas especificamente para os agricultores do município, em consonância do
que é previsto pela legislação. O pessoal entrevistado confirmou a ideia. A engenheira
agrônoma da Secretaria Municipal de Meio Ambiente informou que para o ano de
2015, por conta de uma demanda da associação do município, serão realizadas 3
chamadas, por conta da variação de preços dos produtos, uma vez que estes são
baseados na tomada de preços. Caso sejam semestrais as chamadas, corre-se o risco
da variação dos preços inviabilizar a comercialização.
A participação do governo federal continua distante. Todos os entrevistados
relataram a visita de um funcionário do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que
fiscalizou parte das contas e fez uma reunião de instrução no ano de 2014. No entanto,
os entrevistados dizem que não foi criado um canal de comunicação com o MDA.
Assim, as informações foram colocadas em reunião, que não foi muito esclarecedora,
segundo os funcionários da SMMAA, mas ainda não há um acompanhamento do
Ministério.
O Gerente de Agronegócio e Agricultura familiar relatou que os agricultores
da associação atualmente estão com autonomia significativa. Em outros momentos,
ele mesmo era quem acompanhava as entregas e a pesagem dos produtos, inclusive
em horários de contra turno. No entanto, atualmente os agricultores possuem um
galpão cedido pela prefeitura, com balança própria e organização interna de entrega,
sem auxílio direto da SMMAA. Além disso, possuem também um escritório na cidade.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Limites e potencialidades do Programa Nacional de Alimentação Escolar para a Agricultura Camponesa:...
Arthur Boscariol da Silva
189
Os funcionários da SMMAA foram questionados quanto a não participação de
outros agricultores da política, no entanto, a informação é de que não tem vontade de
participar, pois já possuem compradores estáveis para sua produção. A participação
da política é uma opção aos camponeses, não necessariamente obrigatório. Caberia
indagar se este realmente seria o motivo, mas toma-se como verdade o relatado.
Deste modo, conclui-se que o desenvolvimento da política pública no
município de Ourinhos/SP está consolidada, através do trabalho dos gestores da
política e da participação dos agricultores, que insistiram apesar das adversidades
e reataram a antiga associação de produtores. Adequados à dinâmica da política,
pode-se dizer que tal programa auxilia na geração de renda desses camponeses,
possibilitando sua reprodução.
Referências
BRASIL. Decreto nº 1.946, de 28 de junho de 1996. Cria o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, e dá outras providências. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto/D1946.htm>. Acesso em 18 jun. 2011.
BRASIL. Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11947.htm>.
Acesso em 18 jun. 2011.
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução/CD/FNDE Nº 38, de 16 de julho de 2009. Disponível em <http://comunidades.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/alimenta-o-escolar/
RES38_FNDE.pdf>. Acesso em 18 jun. 2011
CHAYANOV, A. V. Teorias dos sistemas econômicos não capitalistas. IN: CARVALHO, H.
M. (Org.) Chayanov e o campesinato. 1 Ed. São Paulo: Editora Expressão Popular. p. 99-137.
FERREIRA DIAS, F. Segregação residencial na cidade de Ourinhos – SP. 2013. 197 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Estadual de Maringá, 2013. Disponível em:
<http://sites.uem.br/pge/documentos-para-publicacao/dissertacoes-1/dissertacoes-2013-pdfs/FrancieleMirandaFerreiraDias.pdf>. Acesso em 03 jun 2015.
GIRARDI, E. P. Proposição Teórico-Metodológica de uma Cartografia Geográfica Crítica
e sua aplicação no desenvolvimento do Atlas Da Questão Agrária Brasileira. 2008. Tese
(Doutorado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual
Paulista, Presidente Prudente. Disponível em: <http://www2.fct.unesp.br/nera/atlas/downloads.htm>. Acesso em: 15 maio 2011.
MARTINS, J. S. O cativeiro da terra. 8ª Ed. São Paulo: Ed. HUCITEC, 2004 [1978]. 157 p.
OLIVEIRA, A. U. Modo de produção capitalista, agricultura e reforma agrária. São Paulo:
FFLCH, 2007. p. 3-65. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dg/gesp/baixar/livro_aviovaldo.
pdf>. Acesso em: 10 junho 2011
190
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
PAULINO, E. T. Por uma geografia dos camponeses. 1ª Ed. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
p. 19-64.
SECCHI, L. Políticas Públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo:
Editora Cengage Learning, 2010.
SILVA, A.; PEDON, N. Reprodução do campesinato através de políticas públicas voltadas para
a agricultura familiar: a dinâmica do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) em
Ourinhos-SP. REVISTA NERA, 04 06 2015. Disponível em: <http://revista.fct.unesp.br/index.
php/nera/article/view/3144/2910>. Acesso em 03 jun 2015.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Limites e potencialidades do Programa Nacional de Alimentação Escolar para a Agricultura Camponesa:...
Arthur Boscariol da Silva
191
Espaço de gestão social,
governança e desenvolvimento
territorial– o Colegiado do
Território da Cidadania
do Vale Do Paranã
ESPACIO DE GESTIÓN SOCIAL, GOBERNANZA Y
DESARROLLO TERRITORIAL – LO COLEGIADO DO
TERRITÓRIO DA CIUDADANÍA DEL VALE DO PARANÃ
Bruno Abdala
Universidade Federal Fluminense
[email protected]
Resumo: Este trabalho se debruça sobre o papel dos Colegiados Territoriais, instrumento
para a gestão social da política pública do Governo Federal intitulada Programa Territórios da
Cidadania. O objetivo é discutir a importância e a capacidade destes espaços em contribuir para
a governança e o desenvolvimento dos Territórios em questão. Para tanto, busca-se abordar
as noções de políticas de enfoque territorial, de gestão social, governança e desenvolvimento
territorial, a fim de estruturar uma discussão maior, que fará parte da nossa dissertação de
mestrado sobre o mesmo tema. Como procedimentos metodológicos há, sobretudo, a
preocupação com a revisão bibliográfica e com a análise de levantamentos já organizados
em pesquisas anteriores. Entendemos que para um melhor argumento teórico-metodológico
há a necessidade do olhar empírico, buscando identificar quais sãos os atores e as demandas
territoriais. Desta forma, apontar aspectos da conjuntura territorial (particularidades políticas,
de participação, pertencimento e potencialidades) para traçar elementos sustente a articulação
das tensões ou conflitos presentes no território e nos espaços de gestão com as ações e
projetos disponibilizados pela política do PTC.
Palavras-chave: Gestão Social. Governança. Desenvolvimento Territorial. Políticas Públicas
Resumen: Este trabajo se centra en el papel de la Colegiata Territorial, una herramienta para
la gestión social de la política pública del Gobierno Federal titulada Programa Territorios de
Ciudadanía. El objetivo es discutir la importancia y la capacidad de estas áreas en contribuir a
la gobernanza y el desarrollo de los territorios afectados. Por lo tanto, se trata de abordar las
nociones de enfoque territorial, gestión social, la gobernanza y el desarrollo territorial, con
el fin de estructurar una discusión más amplia que será parte de la tesis de nuestro maestro
sobre el mismo tema. Como procedimientos metodológicos allí, sobre todo, la preocupación
por la revisión de la literatura y el análisis de datos organizada previamente en otros estúdios.
Entendemos que para un mejor argumento teórico y metodológico es necesaria una mirada
empírica con el fin de identificar qué actores y demandas se encuentran en el território.
Así, determinar aspectos puntuales de la situación territorial (particularidades políticas, la
participación, pertenencia y potencial) para extraer elementos que soportan la articulación de
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
tensiones o conflictos en el territorio y en el espacio de la gestión de las acciones y proyectos
previstos por la política de PTC.
Palabras clave: Gestión Social. Gobernanza. Desarrollo Territorial. Políticas Públicas.
Introdução
As políticas públicas fazem parte da estrutura de funcionamento do Estado.
Elas orientam ações para atender as demandas entendidas como públicas. As
políticas são diversas, algumas, por exemplo, estão direcionadas exclusivamente
para a economia das nações, já outras se concentram para aspectos sociais mais
específicos, exercendo influência mais direta no cotidiano da sociedade.
O Estado é o maior agente na criação e no gerenciamento das políticas
públicas, fomentadas a partir dos interesses de vários segmentos sociais, mas
impulsionado, sobretudo, pela vontade governamental. No Brasil, as políticas
setoriais foram responsáveis por, entre outros objetivos, determinar a ocupação e o
desenvolvimento de seu território. Transformações que, muitas vezes, significaram
avanços, mas também favoreceram ou intensificaram problemas econômicos e
sociais entre suas regiões.
Em Goiás, o processo de modernização do campo é um exemplo claro de
como as políticas públicas podem contribuir para esta transformação, sobretudo, e
em suas dimensões espaciais. Influenciado pelo Capital, o processo de modernização
do campo, esteve permeado pelo direcionamento de políticas públicas setoriais
agrícolas que, como argumenta Arrais (2010), privilegiaram seu território goiano de
modo seletivo. Garantindo assim, maior concentração de infraestrutura para o sul do
estado em detrimento do norte, permitindo, á luz de Santos (2001), a configuração
de espaços luminosos (Sul) e espaços opacos (Norte).
Estes espaços opacos, reconhecidos em regiões deprimidas, ao contrário do
que se possa pensar, não estiveram ausentes de políticas públicas. Elas, no entanto,
frequentemente tinham o objetivo de mitigar os problemas encontrados e pouco
promoviam a relação entre autonomia regional e o desenvolvimento. Dentre as
causas apontadas estava a negligência espacial das políticas públicas e a pouca
participação social em seu arranjo.
A Constituição de 1988 consolida um caminho de mudança, indicando certa
descentralização político-administrativa e propondo maior participação social
para afirmação da democracia. A partir de então, os governos brasileiros passaram
a adotar, aos poucos, novas propostas de políticas públicas, que levavam em
consideração sua espacialização e a participação social.
Em 2003 este debate é ampliado dentro do Governo Federal e em 2008 é
lançado o Programa Territórios da Cidadania (PTC). Esta política apresenta, entre
194
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
seus objetivos, a necessidade de dar voz aos sujeitos locais para a construção de
um projeto de desenvolvimento sustentável a partir dos interesses e especificidades
presentes em seus territórios. Para tanto, adota o enfoque territorial levando em
consideração a gestão social exercida por meio dos Colegiados Territoriais.
Este trabalho se debruça sobre o papel destes Colegiados Territoriais. O
objetivo é discutir a importância e a capacidade destes espaços em contribuir para
a governança e o desenvolvimento dos chamados Territórios da Cidadania. Para
tanto, busca-se abordar as noções de políticas de enfoque territorial, de gestão social,
governança e desenvolvimento territorial, a fim de estruturar uma discussão maior,
que fará parte da nossa dissertação de mestrado sobre o mesmo tema.
Como procedimentos metodológicos há, sobretudo, a preocupação com a
revisão bibliográfica e com a análise de levantamentos já organizados em pesquisas
anteriores. Estas foram realizadas a partir da pesquisa qualitativa baseadas no
trabalho de campo, em entrevistas abertas e roteiros de observação com o objetivo
de reconhecer a dinâmica territorial do Vale do Paranã e as demandas anunciadas
pelos atores locais.
O artigo está dividido em quatro partes: na primeira apresentaremos um
panorama das políticas de enfoque territorial e em seguida o PTC e a estrutura de
seus colegiados. Em uma terceira parte discutiremos a gestão social e as dimensões
que tecem a governança e o desenvolvimento territorial, levando em consideração
os Colegiados Territoriais. Na quarta parte apontaremos aspectos da realidade local
e a partir dela perspectivas que possam construir a nossa pesquisa.
As Políticas Públicas de Enfoque Territorial
Steinberger (2006) enfatiza que as políticas públicas durante o século
XX estiveram de modo geral associadas ao planejamento e ao Estado Nacional.
Apesar do reconhecido enfraquecimento deste modelo, após a década de 1980,
consequências do neoliberalismo e da globalização, este cenário volta a se configurar
no século XXI.
O Brasil, superando o estigma da Ditadura Militar (1964 -1985), período
de forte centralização de poder e controle do Estado, também acompanha esta
retomada. No entanto, ele passa a reconhecer a pluralidade dos poderes, dos novos
sujeitos sociais e dos movimentos rurais e urbanos, salientando assim, a expectativa
de um planejamento compartilhado entre Estado e Sociedade.
Para aquela autora é assim que surge a inserção do espaço – não somente
como placo – nas políticas públicas nacionais. Pois levando em consideração
que estes novos sujeitos assumem interesses, estes são espacialmente referidos.
Schneider e Tartaruga (2004) levantam a ideia de que as Ciências Sociais vem
demonstrando interesse recente na dimensão espacial de fenômenos sociais e
econômicos. E é desse interesse que “a abordagem territorial aparece como uma
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Espaço de gestão social, governança e desenvolvimento territorial – o Colegiado do Território da Cidadania...
Bruno Abdala
195
noção que permitiria explicar o papel do contexto e do espaço social como fator
de desenvolvimento.” (SCHNEIDER e TARTARUGA, 2004, p.100).
Bonnal e Maluf (2007, p.1) percebem que “as políticas públicas têm caminhado
na direção da ‘territorialização’ das suas ações, inclusive como procedimento
para obter maior coordenação entre elas.”. O que Rückert (2010, p.17) revê “sob a
forma de diversas políticas e programas governamentais [que] apontam para um
neodesenvolvimentismo combinado com alguns aspectos do novo regionalismo
em voga na Unirão Europeia.”.
Schneider e Tartaruga (2004) compartilham de mesma opinião, no entanto,
falam de um movimento maior que sugere o enfoque territorial. Eles citam o caso do
programa LEADER na União Europeia, do Programa de Empoderamento Comunitário
no EUA, dos Sistemas Locais de Produção Agrícola no Peru, Agroecológica no Chile
e do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais
(PRONAT), no Brasil. Mesmo com algumas ressalvas, acrescentaríamos aqui também
o Programa Territórios da Cidadania.
No caso brasileiro, como afirmam Bonnal e Maluf (2007) as políticas de
desenvolvimento territorial se inserem em um contexto coerente, que é o processo
de reforma político-administrativa pós-redemocratização. Momento que cria
bases para a expansão do modelo democrático-liberal, que experimenta – mesmo
de forma incipiente – políticas de ordenamento territorial e descentralização
administrativa. Os autores comentam também que foi a época de reorganização
dos movimentos sociais agrícolas e rurais, a emergência tanto da agricultura familiar
como categoria sociopolítica quanto de referenciais próprios para as identidades
de populações quilombolas, ribeirinhas e etc. servindo de base para discussão de
políticas diferenciadas.
Schneider (2004) considera que a dimensão espacial, por meio do enfoque
territorial se consolida institucionalmente com a criação da Secretaria de
Desenvolvimento Territorial, parte do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Mas
o que significa ou caracteriza uma política de enfoque territorial?
Rückert (2010), a partir das ideias de Castro (2005), Costa (1988) e Sanchez
(1992), acredita que a política territorial é aquela que se configura a partir de
formulações de atuação e estratégias direcionadas para a intervenção em
determinado território, a partir dos interesses daqueles que exercem poder. Sendo
o território tanto um meio como uma condição para a realização de algumas dessas
estratégias. Segundo Schneider (2004) a abordagem territorial é uma ferramenta para
se pensar o planejamento e a intervenção do Estado nas escalas locais, regionais,
microrregionais e etc. O território se torna uma unidade de referência para a atuação
das políticas e ações governamentais com a intenção de transformar o espaço social.
É fundamental, no entanto, trazer para a discussão a observação feita por
Schneider e Tartaruga (2004, p.100) para a diferença, “que não é apenas de forma,
196
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
entre o território [conceito de análise] e o que vem sendo chamado de enfoque,
abordagem ou perspectiva territorial.”. Hespanhol (2010, p.124) diz que na Geografia
o território é percebido “por e a partir de relações de poder engendradas por um
grupo social num determinado espaço-tempo, sendo os conflitos considerados
um componente fundamental de sua constituição e lógica [...]” e na perspectiva do
Estado, o enfoque territorial, “é considerado apenas como uma ferramenta para se
pensar o planejamento e a intervenção estatal na sociedade a partir de diferentes
escalas de atuação.” (p.124).
A diferença fundamental para Schneider e Tartaruga (2004) é que o sentido
analítico necessita de referências teóricas, empíricas e por fim analíticas. Já o uso
instrumental, pelo Estado, não apresenta esta necessidade quando pretende tratar
de fenômeno, situação ou processo que ocorra em determinado espaço. Sendo
assim, comum, que o “território perca seu sentido heurístico e conceitual e passe a
ser utilizado com sinônimo de espaço ou região, conforme o caso.” (p.107).
Faz sentido, no entanto, o tom crítico de Hespanhol (2010) ao enfatizar que
mesmo com a importância da categoria “poder” – e das relações de conflito que
a derivam – para a compreensão do território, ela não é considerada no âmbito
institucional das políticas públicas. Mesmo levando em consideração a diferença
apresentada, cremos que estas relações fazem parte da realidade. E quando uma
política de enfoque territorial propõe a participação da sociedade na formalização
de conselhos ou colegiados, ela está impreterivelmente criando condições para
que as relações de poder, de alguma maneira, estejam vinculadas ou façam parte
do modelo institucional.
Isso porque no enfoque territorial “ganham destaque iniciativas como a
descentralização e a valorização da participação e do protagonismo dos atores da
sociedade civil [...]” E assim “redefine-se o papel das instituições e cresce a importância
das esferas infranacionais do poder público, notadamente, as prefeituras [...] emerge
a necessidade de novas unidades de referência que tornem a ação estatal exequível
e permeável à participação.” (SCHNEIDER E TARTARUGA, 2004, p. 109).
É a partir deste panorama que se insere o PTC e ainda as noções que gravitam
em torno: a participação ou gestão social, governança e o desenvolvimento. No
entanto, antes de adentrarmos nesta discussão especificamente, trataremos da
estrutura dos PTC e dos seus Colegiados Territoriais, para entender como esta relação
se insere dentro do programa ou, mais especificamente, nos espaços destinados a
gestão social da política nos territórios.
O Programa Territórios da Cidadania e os Colegiados Territoriais
O Programa Territórios da Cidadania foi lançado em 2008 pelo Governo
Federal. Seus objetivos, segundo informações oficiais, são de “promover o
desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Espaço de gestão social, governança e desenvolvimento territorial – o Colegiado do Território da Cidadania...
Bruno Abdala
197
meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável.”. Ele também
considera que “a participação social e a integração de ações entre Governo Federal,
estados e municípios são fundamentais para a construção dessa estratégia.” (BRASIL,
MDA, 2009, p.3). Ainda segundo esta fonte, os territórios são formados por um
conjunto de municípios que apresentam proximidades econômicas e ambientais,
bem como características de coesão social, cultural e geográfica.
São ato todo 120 territórios delimitados a partir de aspectos como o
IDH; concentração de beneficiários do Programa Bolsa Família; concentração de
agricultores familiares, pescadores e assentados da reforma agrária; populações
tradicionais; baixo dinamismo econômico e etc. (PEREIRA et al., 2011).
As ações que orientam alcançar os objetivos são relacionadas ao
desenvolvimento social, à organização sustentável da produção, à saúde, saneamento
e acesso à água, educação, cultura, infraestrutura e ações fundiárias. Segundo o Portal
da Cidadania há em torno de 190 ações oferecidas em sete (07) eixos distintos:
11 ações de apoio à gestão territorial; 12 em direitos e desenvolvimento social;
32 em educação e cultura; 22 em infraestrutura; 76 em organização sustentável
da produção; 27 em saúde, saneamento e acesso à água; e 11 ações fundiárias.
Hespanhol (2010) lista três (03) eixos principais a) acesso aos direitos sociais b)
infraestrutura e c) apoio às atividades produtivas agrícolas e pecuárias.
Do ponto de vista institucional Bonnal (2008) e Brasil (2009) descrevem
que há três instâncias. A primeira é o Comitê Gestor Nacional que é formada pelos
ministérios e coordenado pelo MDA. Este comitê tem como prerrogativa a escolha
dos territórios, a aprovação das diretrizes, a organização das ações federais e a avaliação do Programa. A segunda instância é o Comitê de Articulação Estadual que é
composto por órgãos federais, órgãos estaduais indicados pelo governo federal e
os representantes das prefeituras. Ele é coordenado pelas delegacias do MDA e tem
como base o apoio à organização dos Territórios, o fomento à articulação e a integração de políticas públicas e, por fim, o acompanhamento da execução das ações
propostas. Já a terceira instância, são os Colegiados Territoriais. Eles são formados
pelos representantes governamentais e pela sociedade civil organizada em cada um
dos Territórios. Estes espaços são voltados para a discussão, o planejamento e a execução de ações para o desenvolvimento do Território. O papel fundamental indicado
pelo Governo para esta instância é o de controle social do Programa. Isso é feito,
pelo colegiado, por meio da definição do plano de desenvolvimento do Território,
pela identificação das necessidades e demandas, pelo pacto da agenda de ações
e pela discussão das alternativas possíveis para o desenvolvimento dos Territórios.
Segundo as informações fornecidas por Brasil (2009) o ciclo de planejamento
e gestão do programa se dá primeiramente pela Matriz de Ações, apresentada
anualmente e que concentra o conjunto de propostas ou ações do Governo para os
Territórios. Em seguida os Colegiados fazem o Debate Territorial, quando discutem
198
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
as ações, as demandas e propõe uma agenda de articulação com as instâncias
municipais. A Matriz de Ações, após este debate, se transforma no Plano de Execução,
que é um guia para o controle das ações. Este, por sua vez, é desempenhado a partir
do Relatório de Execução, que detalha os processos envolvidos. Esquema que pode
ser acompanhado a seguir na figura 02.
Figura 01 – Esquema da Gestão dos Territórios da Cidadania
Fonte: Brasil (2009)
Figura 02 – Esquema do Ciclo de Planejamento e Gestão dos Territórios da Cidadania
Fonte: Brasil (2009)
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Espaço de gestão social, governança e desenvolvimento territorial – o Colegiado do Território da Cidadania...
Bruno Abdala
199
Sem entrar a princípio no mérito da eficiência, a partir deste esquema, é
possível perceber que há, institucionalmente, um espaço destinado aos atores locais,
com objetivos e funções determinadas. Isso significa dizer que, de alguma forma,
o Estado reconhece a importância da participação social e tenta, ainda, inseri-la no
arranjo desta política pública específica.
Desta maneira, supomos que este espaço institucional tem a capacidade de
se constituir em um espaço de gestão social, bem como de formar uma agenda das
demandas territoriais que não se limitem apenas as cobertas pelo PTC. A pergunta
que se coloca é: qual a força destes espaços e dos atores que o compõe em produzir
conteúdos que se desdobrem em uma chamada governança territorial e que consiga
de algum modo, pautar o desenvolvimento dos territórios em questão?
A fim de iniciar o que seria os indicativos para uma possível resposta,
propomos discutir, ainda que de modo breve, um pouco mais sobre estes termos
que envolvem esta questão.
Gestão Social, Governança e Desenvolvimento Territorial
Há certo consenso em admitir que a Constituição de 1988 seja um marco
importante para o debate dos modelos de descentralização do Estado. Sobre
esta temática, Bento (2003) acredita que ela consiga encadear questões acerca da
eficiência administrativa com democratização social e política. Com isso, permitir
a sociedade, a partir de suas modalidades de organização, se autogerir e deliberar
sobre políticas sociais, formas de prestação de serviço e ainda de investimentos
públicos: perspectivas de uma nova governança, ao atuar por meio de mecanismos
mais diretos e participativos de gestão.
Tenório (2011) vai de acordo com esta visão ao identificar convergência
dos conceitos de descentralização e gestão social, entendendo que ambos atuam
na democratização das relações político-administrativas e tem a cidadania como
substância comum. Aceitamos a definição deste autor, inclusive, quanto ao conceito
de gestão social, compreendendo-o enquanto “processos decisórios coletivos, […]
a gerência de espaços públicos, de arranjos institucionais participativos, projetados
para promover uma matriz social de todos os concernidos à determinada situaçãoproblema-público” (p.74).
Se continuarmos com este autor, podemos interpretar os Colegiados Territoriais
como arranjos institucionais que favorecem práticas democráticas deliberativas,
logicamente dentro da estrutura disponibilizada pela política dos Territórios da
Cidadania. Isso porque os Colegiados, que são formados pelos mais diversos atores da
sociedade civil organizada, discutem as ações do programa, as demandas territoriais
específicas e propõe uma agenda a ser negociada. Ele também deve acompanhar os
projetos em execução, ou seja, fazem a gestão social da política pública. Se efetivados,
estes projetos podem influenciar no desenvolvimento dos territórios.
200
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Daí, no entanto, há um passo largo para podermos considerar a existência
de uma governança territorial, a partir dos atores locais, nos TC. Isso porque,
apesar de também fazer parte do vocabulário que gravita em torno do conceito
de descentralização, a governança territorial impõe aspectos mais significativos no
bojo da participação popular.
Dallabrida (2011) nos dá um bom caminho para entender a governança
territorial e esclarecer a nossa cautela em identifica-la, de modo geral, nos TC. Para
o autor, o termo é utilizado por diferentes áreas do conhecimento, no entanto, nem
sempre com o mesmo sentido. O próprio admite alguma variação de significado na
própria trajetória de seu trabalho. Ele apresenta que, dentre tantas possibilidades, o
termo já foi abordado por ele “fazendo referência à gestão societária do processo de
desenvolvimento local/regional.” (p.16) ou levando em consideração a sua relação “com
a prática de planejamento e desenvolvimento na perspectiva da institucionalização
de um processo de concertação público-privada” (p.16) ou ainda entendendo a
governança como “o exercício de poder e autoridade para gerenciar um país, território
ou região, compreendendo os mecanismos, processos e instituições através das quais
os cidadãos e grupos articulam seus interesses” (p.16) etc.
Para esta problematização, no entanto, preferimos utilizar este termo como, por
fim, ele sugere: “para se referir às iniciativas ou ações que expressam a capacidade de
uma sociedade organizada territorialmente para gerir os assuntos públicos a partir do
envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais.”
Partindo do pressuposto apresentado por ele de que a “análise dos diferentes processos
de governança territorial e desenvolvimento contribuem para firmar a convicção de
que governa e decide quem tem poder.” (DALLABRIDA, 2011, p.17).
Ora, há então aí uma questão. Se a governança tem a ver com as relações de
poder e, sobretudo, com a atribuição de poder a sociedade, necessitamos averiguar se
Colegiados Territoriais estão se caracterizando desta maneira. Isso porque não há, de
fato, nada que garanta a autonomia dos Colegiados quanto aos processos de tomada
de decisão sobre o território, sobre sua apropriação e sobre a definição das estratégias
de desenvolvimento territorial. Também é necessário saber quem são os atores e qual
a forma de inclusão dos mesmos nos Colegiados. Certamente isto depende de cada
conjuntura territorial e da forma como a política foi ou está sendo inserida. Cabe ressaltar,
como faz Dallabrida (2011) dialogando com Boisier (1998), que este poder de que se
fala não pode ser romantizado e certamente não é capaz de fazer uma revolução, mas
também não é desprezível e atua na delimitação de um projeto de desenvolvimento.
Um Olhar Sobre a Realidade: O Território do Vale do Paranã e Perspectivas
para uma Pesquisa
Como argumenta Brandão (2011, p.121) recentemente observamos uma
valorização das “virtualidades do território enquanto arena e campo catalisador e
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Espaço de gestão social, governança e desenvolvimento territorial – o Colegiado do Território da Cidadania...
Bruno Abdala
201
de possível confluência de projetos que pode e deve assumir toda a conflitualidade
inexorável e necessária á adequada pactação social pelo desenvolvimento.”. O autor
também argumenta que esta recente fase brasileira passa “por inovações em sua
institucionalidade associativa municipal […] consórcios intermunicipais [...] buscando
a solução de problemas ‘entrelaçados’, que extrapolam limites territoriais […]” (p.123).
Para nós, estas inovações são muito importantes, sobretudo, quando tratamos
do desenvolvimento rural. Pois imaginamos que a dinâmica rural ultrapassa os
limites municipais e podem englobar uma realidade que se comunica. Desta
forma, uma política pública com ações territorializadas deve abarcar essa realidade
a fim de garantir que esta comunicação se amplie e que suas demandas sejam
articuladas, assegurando a execução de um plano de desenvolvimento que atenda
as potencialidades territoriais.
O Vale do Paranã em Goiás é um exemplo que nos instiga em algumas
questões. Tratá-lo-emos, portanto, como base para estudo de caso, mas não com o
intuito apenas de uma avaliação da política pública ou do colegiado em si, mas uma
contribuição para a complexidade que acompanha o tema da descentralização e
com ele, da gestão social, da governança territorial e do desenvolvimento.
O Vale do Paranã, microrregião do Estado de Goiás, faz parte dos Territórios
da Cidadania. Reconhecido como corredor da miséria, este Território é composto
por 12 municípios (Alvorada do Norte, Buritinópolis, Damianópolis, Divinópolis de
Goiás, Flores de Goiás, Guarani de Goiás, Iaciara, Mambaí, Posse, São Domingos,
Simolândia e Sítio d`Abadia). Ele faz divisa ao Norte e Oeste com a microrregião, e
também Território da Cidadania da Chapada, da Chapada dos Veadeiros; ao Leste,
faz divisa com o estado da Bahia, ao Sul com o estado de Minas Gerais e a Sudoeste
com a microrregião que compreende o Entorno do Distrito Federal.
Barreira (2002) indica que o Vale do Paranã tem características de pobreza
e miséria e ainda uma dinâmica ambiental que muitas vezes é entendida como
problemática: longa estação seca, áreas de relevo alto, solos em grande parte pobres
e extensas áreas de Cerrado – desvalorizado e visto como um empecilho à utilização
econômica. Sua ocupação se deu, sobretudo, à mineração colonial, embora haja
evidências que ela sofreu influências da criação de gado. Com a decadência da
mineração em 1788 e posteriormente a perda do mercado de carne nordestino,
devido à transferência da produção de cana-de-açúcar para o café, a região entra em
processo de ruralização. A partir daí, grande parte de sua produção esteve voltada
para o autoconsumo.
Já no século XX em Goiás, os modelos de desenvolvimento do Estado não
repercutiram de maneira igual a todo o território, e esta microrregião esteve de certo
modo à margem do processo. Durante todo este período, o Vale do Paranã não viu,
como em grande parte do resto do estado, uma transformação nas suas estruturas
sociais e geográficas. Barreira (2002) salienta que a construção de Brasília, neste
202
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
século, proporcionou uma nova organização espacial para a região com a criação
de novos municípios. Mas até a década de 1980 muitos problemas sociais ainda
estavam presentes. Hoje, percebe-se ainda, de certa maneira, que há um imaginário
recorrente à região: uma área distante, um sertão.
Como já salientado, isso não significa dizer que estas regiões deprimidas,
ou esta em específico, estiveram ausentes de políticas públicas. Ao contrário, o
Vale do Paranã e o Nordeste Goiano, de maneira geral, foram alvos de inúmeras
políticas, principalmente a partir da década de 1970. Estas tinham como objetivo
diminuir as disparidades econômicas e sociais, porém, elas pouco contribuíam para
a consolidação de projetos de futuro. Hoje o Programa Territórios da Cidadania é a
política mais importante direcionada à região.
Alguns dados podem nos ajudar a entender um pouco da realidade hoje do
Território. Ele tem 17.388,91 Km² e em 2010, segundo dados do IBGE, sua população
era de 107.311 habitantes. Deste total, 69.222 em situação urbana e 38.089 rural,
ou seja, 35,50% do total. Segundo fonte do Sistema de Informações Territoriais, o
IDH do Território é 0,670 – o índice do estado de Goiás é de 0,735 –. Ele possui 5.787
agricultores familiares, 3.389 famílias assentadas e uma comunidade quilombola. O
INCRA lista 29 assentamentos na região, entre federais e estaduais.
Quanto ao número de empregos, o Ministério do Trabalho e Emprego / RAIS
sinaliza que em 2012 havia registrado total de 23.959 vagas, a maior parte está
no setor de serviços com 11.036 vagas, seguida do comércio e da agropecuária
respectivamente com 6.797 e 3.525 vagas. O PIB per capita, segundo o Instituto Mauro
Borges, é o mais baixo dentre as microrregiões do estado de Goiás, com 7.404,48
reais: a microrregião de Anápolis e Goiânia, por exemplo, são de respectivamente
26.494,87 e 18.953,47 reais.
Levando em consideração estes dados, podemos extrair algumas perspectivas
que podem orientar nossa pesquisa no futuro. Isso porque buscaremos identificar se
há tensões nos espaços de gestão entre o Território Normado, o Território Normativo
e o Território de Uso. Também se há a possibilidade de pensarmos os Colegiados
Territoriais como um Espaço Político. Além disso, ainda analisar quais as forças que
possibilitam ou não a governança territorial.
A partir de rápida análise sobre a realidade apresentada, entendemos que há
necessidade de saber quais sãos os atores e as demandas territoriais, imaginando
que a grande quantidade de assentamentos rurais, a comunidade quilombola
e os agricultores familiares tem tendência a exercer influência no projeto de
desenvolvimento direcionado ao território.
Entretanto, é preciso também identificar na conjuntura territorial (seus
aspectos políticos, de participação, suas potencialidades) elementos que garantam a
articulação das tensões ou conflitos presentes no território e nos espaços de gestão
com as ações e projetos disponibilizados pela política do PTC.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Espaço de gestão social, governança e desenvolvimento territorial – o Colegiado do Território da Cidadania...
Bruno Abdala
203
Temos a certeza de que muito já foi produzido sobre estas temáticas e que
ainda há muita contribuição possível. Este artigo dá início a um trabalho de maior
organização do corpo teórico-metodológico que fará parte da dissertação de
mestrado. O estágio é inicial, no entanto almeja apresentar resultados que fortaleçam
a questão da participação social e da gestão territorial, de modo a garantir maior
empoderamento das populações locais nos projetos de desenvolvimento que
atravessam seus territórios.
Referências
ARRAIS, Tadeu Alencar. et al. Impactos territoriais dos programas estaduais de intervenção
regional no centro-oeste: NE e N Goiano e entorno do Distrito Federal (1998-2006). Mercator,
Revista de Geografia da UFC, ano 09, número 18, 2010.
BARREIRA, C.C.M.A. Vão do Paranã: a estruturação de uma região. Brasília: Ministério da
Integração Nacional, 2002.
BENTO, L. V. Governança e governabilidade do Estado: entre eficiência e democratização.
Barueri: Manole, 2003.
BONNAL, P. Territórios da Cidadania: evolução ou revolução das políticas públicas no
meio rural brasileiro? Boletins do OPPA, 2008. Disponível em: <http://www.ufrrj.br/cpda/
oppa/ > Acesso em: outubro de 2014.
BONNAL, P.; MALUF, R. S. Políticas de desenvolvimento territorial e a multifuncionalidade da
agricultura familiar no Brasil. In: Colóquio Internacional Sobre Desenvolvimento Territorial
Sustentável, Santa Catarina, 2007.
BRANDÃO, C. A. Descentralização enquanto modo de ordenamento espacial do poder e de
reescalonamento territorial do Estado: trajetória e desafios para o Brasil. IN: DALLABRIDA, V. R.
(Org.). Governança territorial e desenvolvimento: descentralização político-administrativa,
estrutura subnacionais de gestão do desenvolvimento e capacidades estatais. Rio de Janeiro:
Garamond, 2011.
BRASIL. MDA. Orientação para constituição e funcionamento dos colegiados territoriais.
Brasília, MDA/Departamento de Gestão Territorial, 2009.
DALLABRIDA, F. G. Governança territorial e desenvolvimento: introdução ao tema. . IN: DALLABRIDA, V. R. (Org.). Governança territorial e desenvolvimento: descentralização político-administrativa, estrutura subnacionais de gestão do desenvolvimento e capacidades
estatais. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.
HESPANHOL, R. A. M. A adoção da perspectiva territorial nas políticas de desenvolvimento
rural no Brasil. Campo -Território – Revista de geografia agrária, v. 5, n.10, p. 123-147, 2010.
PEREIRA, J. R. et al. Gestão social dos territórios da cidadania: o zoneamento ecológicoeconômico como instrumento de gestão do território noroeste de Minas Gerais.
Cad. EBAPE. bR [online], v. 9, n. 3, p. 724-747, 2011. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/
cebape/v9n3/a04v9n3.pdf >. Acesso em 05/05/2015
204
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
RÜCKERT, A. A. Usos do território e políticas territoriais contemporâneas: alguns cenários no
Brasil, União Européia e Mercosul. Revista de Geopolítica, v. 1, p. 17-32, 2010.
SANTOS, M.; SILVEIRA, M.L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de
Janeiro: Record, 2001.
SCHNEIDER, S. A abordagem territorial do desenvolvimento rural e suas articulações
externas. Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n. 11, p. 88-12, 2004.
SCHNEIDER, S. TARTARUGA, I.P. Território e Abordagem Territorial: das referências cognitivas
aos aportes aplicados à análise dos processos sociais rurais. Raízes, Campina Grande, v. 23,
n. 01 e 02, p. 99-116, 2004.
STEINBERGER, M. Território, Ambiente e Políticas Públicas Espaciais. In _____ (Org.). Território, Ambiente e Políticas Públicas Espaciais. Brasília: Paralelo 15, LGE Editora, 2006. 29-82.
TENÓRIO, F. G. Descentralização político-administrativa, gestão social e participação cidadã.
IN: DALLABRIDA, V. R. (Org.). Governança territorial e desenvolvimento: descentralização
político-administrativa, estrutura subnacionais de gestão do desenvolvimento e capacidades estatais. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Espaço de gestão social, governança e desenvolvimento territorial – o Colegiado do Território da Cidadania...
Bruno Abdala
205
A inter-relação existente entre
a geografia do trabalho, as
questões agrárias no Brasil
e o Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária(PRONERA)
LA INTER-RELACIÓN EXISTENTE ENTRE EL GEOGRAFÍA
DEL TRABAJO, LOS TEMAS AGRÍCOLAS EN BRASIL Y EL
PROGRAMA DE EDUCACIÓN NACIONAL EN LA REFORMA
AGRARIA (PRONERA)
Camila Campos de Lara Jakimiu
Universidade Estadual do Paraná – campus União da Vitória
[email protected]
Resumo: Busca-se neste artigo compreender as relações existentes entre as questões agrárias
no Brasil, a Geografia do Trabalho e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA). Partindo do pressuposto que a Geografia do Trabalho é a área da Geografia que
busca analisar a concepção de trabalho no decorrer dos tempos históricos, o sujeito que
trabalha no tempo e no espaço, e, sobretudo fornecer uma leitura dos paradigmas existentes,
busca-se refletir a questão do trabalho exercido no âmbito das questões agrárias brasileiras,
compreendendo o contexto social, os sujeitos históricos e as implicações no que tange à
questão do trabalho assentado no capital. Nesse contexto, o presente estudo focaliza o
PRONERA, que promove a educação continuada nos assentamentos, garantindo qualidade
no ensino e valorização do trabalhador do campo. Nesse sentido, são objetivos do artigo: a)
Explicar os pressupostos da Geografia do Trabalho, b) Desenvolver considerações acerca do
contexto social da questão agrária brasileira e, c) Analisar o Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária (PRONERA) e explicitar em que medida ele contribui para a mudança
social no contexto das questões agrárias. Quanto à metodologia utilizada à pesquisa adota os
moldes da pesquisa teórico-bibliográfico de cunho qualitativo, com análise em livros e artigos.
Acredita-se que é importante valorizar a educação dos sujeitos que trabalham, sobretudo no
campo, para que os mesmos possam fomentar novas possibilidades de construção social. E
o PRONERA consiste em uma iniciativa importante neste sentido.
Palavras-chave: Geografia do Trabalho; PRONERA; Reforma Agrária.
Resumen: Busca en este artículo entender la relación entre los temas agrícolas en Brasil, la
Geografía del Trabajo y el Programa Nacional de Educación en la Reforma Agraria (PRONERA).
Suponiendo que la Geografía del Trabajo es el área de la geografía que trata de analizar el
trabajo de diseño en los tiempos históricos, el tipo que trabaja en tiempo y espacio, y, sobre
todo proporcionar una lectura de los paradigmas existentes , trata de reflejar la cuestión
del trabajo realizado en las cuestiones agrarias brasileñas, incluyendo los temas sociales,
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
históricos y las implicaciones en cuanto a la cuestión del trabajo que se sienta en la capital.
En este contexto, este estudio se centra en el PRONERA, que promueve la educación en
los asentamientos continua, garantizando la calidad en la educación y la apreciación del
trabajador de campo. En este sentido, es objetivos del artículo: a) Explicar los supuestos de
Geografía del Trabajo, b) Desarrollar consideraciones sobre el contexto social de la cuestión
agraria brasileña, y c) Analizar el Programa Nacional de Educación en la Reforma Agraria
(PRONERA) y explicar que ya que contribuye al cambio social en el contexto de las cuestiones
de la tierra. En cuanto a la metodología utilizada para la investigación adopta moldes de la
investigación teórica y bibliográfica de carácter cualitativo, con el análisis de libros y artículos.
Se cree que es importante valorar la educación de las personas que trabajan, sobre todo en las
zonas rurales para que puedan fomentar nuevas oportunidades para la construcción social.
Y PRONERA consta de una importante iniciativa en este sentido.
Palabras clave: Geografía del Trabajo; PRONERA; Reforma Agraria.
Introdução
Partindo do princípio que a Geografia é uma ciência transformadora, têm-se
na área da Geografia do Trabalho o âmbito de discussões acerca da conceituação do
termo trabalho e suas transformações no decorrer dos tempos históricos no espaço
geográfico. Nesta pesquisa, considera-se que a geografia do trabalho possibilita
analisar a atual configuração estrutural presente no contexto das questões agrárias
brasileiras. Esta vertente teórica valoriza o sujeito que produz espaço e história
através do ato laborativo do trabalho, sobretudo o trabalhador do campo assentado
no movimento político e social da Reforma Agrária. Dessa forma, é importante a
discussão sobre o atual contexto agrário no Brasil assim como reconhecer o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária – o PRONERA – como base de luta para
aqueles que tiveram seus direitos não garantidos historicamente.
Inicialmente, o intuito é teorizar sobre a área da Geografia denominada
de Geografia do trabalho. Neste artigo, considera-se sobretudo a relação capitaltrabalho como motor social, assentados em relações de poder que promovem
desigualdades históricas. Ou seja, pautados nessa lógica contraditória a Geografia do
Trabalho do século XXI vêm para questionar as imposições do capital no que tange
as relações de trabalho, os tipos de trabalho exercido, enxergando e valorizando
aqueles que não tem voz. (THOMAZ JÚNIOR, 2002;2003;2005).
Em continuidade, no segundo momento busca-se desenvolver considerações
sobre o atual contexto das questões agrárias brasileiras, que reafirmam a lógica
destrutiva do capital quando discute-se sobre o agronegócio, a concentração de
terras e o latifúndio. Atenta-se para o fato de ser uma consequência histórica do
processo de colonização que traz implicações até os dias atuais. Nesse viés, têm-se
no pequeno proprietário de terras o verdadeiro produtor de alimentos no Brasil,
que travam lutas diárias para sobreviver. É através de movimentos sociais, como
208
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) assentados na luta maior para
o cumprimento da lei da Reforma Agrária que esses sujeitos seguem, buscando a
cidadania que lhes foi retirada.
Por fim, discute-se o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – o
PRONERA – pois acredita-se que há uma relação intrínseca entre educação e trabalho.
É por meio da educação que formam-se possibilidades de questionar as relações
de trabalho impostas no atual contexto agrário brasileiro, sobretudo o trabalho
como alienação e subordinação do pequeno proprietário ao capital, mas que afeta
a sociedade como um todo. Daí a importância social e política dos movimentos
sociais para a mobilização social da realidade muitas vezes mascarada pelos atores
hegemônicos. De acordo com o Manual de Operações do PRONERA (2004) o objetivo
principal do mesmo é fortalecer a educação nas áreas de Reforma Agrária, sobretudo
nos assentamentos. Assim, por meio de projetos educacionais, alfabetiza-se e garantese a formação continuada para jovens, adultos e pequenos proprietários.
Nesse sentido, são objetivos do artigo: a) Explicar os pressupostos da Geografia
do Trabalho, b) Desenvolver considerações acerca do contexto social da questão
agrária brasileira e, c) Analisar o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA) e explicitar em que medida ele contribui para a mudança social no
contexto das questões agrárias. Quanto à metodologia utilizada à pesquisa adota os
moldes da pesquisa teórico-bibliográfico de cunho qualitativo, com análise em livros e
artigos. Acredita-se que é importante valorizar a educação dos sujeitos que trabalham,
sobretudo no campo, para que os mesmos possam fomentar novas possibilidades de
construção social. E o PRONERA consiste em uma iniciativa importante neste sentido.
A Geografia do Trabalho como fundamento para pensar as relações entre
Trabalho e Educação
Compreende-se aqui a concepção sobre Geografia do Trabalho com base
nos pressupostos de Thomaz Júnior (2002;2003;2005). Para esse autor é necessário
enxergar a Geografia do trabalho sob a razão ontológica do ser que trabalha
(THOMAZ JÚNIOR, 2002), no tempo e no espaço, e por isso faz-se importante
entender o metabolismo societário que está assentado em relações de poder
pautado no capital. Nesse contexto existe uma “classe-que-vive-do-trabalho” 1,
podendo esta ser formal ou informal.
1 Considera-se o termo “Classe-que-vive-do-trabalho” utilizado por Thomaz Júnior (2002) como o conjunto
dos trabalhadores que vivem da sua força de trabalho, sejam eles camelôs, trabalhadores proprietários ou
não dos meios de produção que exercem trabalho formal ou informal, os camponeses sem terras e posseiros, artesãos, pescadores, enfim, todos os demais trabalhadores que constituem a atual polissemia na
Geografia do trabalho.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A inter-relação existente entre a geografia do trabalho, as questões agrárias no Brasil...
Camila Campos de Lara Jakimiu
209
No que tange aos precursores da Geografia do trabalho pode-se citar
Vidal de La Blache que iniciou a reflexão, compreendendo a noção de trabalho ao
ato transformador do homem em retirar do meio natural às condições de vida e
subsistência. Nesse viés, o trabalho era entendido como ato mediador e não como
tema central de análise. Outro autor importante foi Pierre George que tratou de
uma geografia mais voltada ao emprego, às atividades de trabalho. Mas somente
na década de 1980 é que a geografia brasileira repensou o trabalho em sua ordem
teórico-metodológica, refletindo sobre as dificuldades existentes para considerar
o trabalho na sua totalidade social, ou seja, “considerando o processo dialético que
unifica as dimensões ambiental e sócio-espacial.” (THOMAZ JÚNIOR, 2002, p.41).
Pode-se considerar que é através do trabalho que se realizam as mediações
entre a sociedade e a natureza, assegurando os modos de vida em cada período
histórico que se reinventam constante e brutalmente. Por isso a Geografia preocupa-se em compreender as questões relativas ao trabalho em um âmbito mais
abrangente, promovendo reflexões que vão além das relações diretas de emprego,
mas, sobretudo abrangem inúmeras outras, tais como: a relação capital-trabalho, a
“classe-que-vive-do-trabalho”, o detrimento existente entre os atores hegemônicos
e hegemonizados, a relação dialética campo-cidade, enfim, a sociedade como um
mosaico em constante construção. (SANTOS, 2009; THOMAZ JÚNIOR, 2002).
Marx (1984, p.149) já considerava o trabalho como “um processo entre o
homem e a natureza, um processo em que o homem por sua própria ação, media,
regula e controla seu metabolismo com a Natureza.”. Opta-se por considerar o
trabalho como inerente à sociedade, tanto como prática social que parte da lógica
contraditória do capital, que reproduz a mais-valia2. A atual estrutura social é movida
pela burguesia – atores hegemônicos – que consolidam sua dominação através do
fluxo de expansão do capital.
O trabalho no capitalismo assumiu outras formas para além de sua realização
simples na relação homem-natureza, constituindo-se como uma atividade consciente
orientada com finalidades específicas, como a extração da mais-valia incorporada
às mercadorias e a transformação de dinheiro em capital (MARX, 1984). De diversas
formas e conteúdos existentes nessas relações impostas e sustentadas pelo capital
hegemônico o que ocorre é o
...processo de auto-realização da humanidade através do trabalho, ao longo dos
tempos, que reconhecemos o conteúdo do metabolismo social do capital que faz
com que a sociedade e natureza e, as mediações que governam essa relação dialética, sejam “lidas” pela Geografia como base fundante na compreensão da polissemia
2 A mais valia é entendida por Marx (1984) como o trabalho não pago. Dessa forma para o capitalismo
existir a exploração da força de trabalho tem que ser revertida em mais-valia.
210
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
do trabalho no mundo atual ou a polissemização da classe-que-vive-do-trabalho.
(THOMAZ JÚNIOR, 2002, p.41).
Sendo assim é por meio do ato laborativo do trabalho – relação homem/
meio – que a sociedade se reconstrói, e, a partir da geografia, faz-se uma leitura
dessas relações polissêmicas de trabalho no período atual, apreendendo o mundo
do trabalho através do espaço geográfico e seus fenômenos.
Nessa perspectiva de análise, o que têm-se hoje é a denominada divisão
técnica, social e territorial do trabalho que está impactando profundamente as
relações e o mundo do trabalho, sobretudo da “classe-que-vive-do-trabalho”. Consiste
na contraditória separação existente entre o trabalhador e os meios de produção,
o tornando assalariado e alienado, produzindo a chamada acumulação primitiva
do capital e consolidando o capitalismo como sistema hegemônico. Um processo
que cria a relação capital-trabalho por meio da separação do trabalhador de suas
condições de seu trabalho, “transforma, por um lado, os meios sociais de subsistência
e de produção em capital, por outro, os produtores diretos em trabalhadores
assalariados.” (MARX, 1984, p.340).
O contexto social da Questão Agrária brasileira
Partindo do princípio que “o capital trabalha com o movimento contraditório
da desigualdade no processo de seu desenvolvimento” (OLIVEIRA, 2001, p.185)
o atual contexto social da questão agrária brasileira também é permeado por
relações complexas e contraditórias. Com o processo de globalização e a respectiva
modernização em todos os setores da vida social e política, as relações campocidade podem ser analisadas pelo viés da Geografia do Trabalho. Dessa forma, é uma
importante iniciativa, uma vez que este ramo da geografia permite compreender as
contradições e fomentar novas possibilidades diferentes da realidade encontrada.
Nesse sentido, inicialmente, é preciso considerar alguns elementos
presentes no que concerne à questão agrária brasileira. O primeiro elemento a ser
questionado pela Geografia do Trabalho na abordagem que adota-se neste artigo, é
a concentração de terras existente desde o processo de colonização, há mais de 500
anos. Segundo Fernandes (1999, n.p.) desde a chegada do colonizador português
começaram as lutas no campo contra a exploração e o cativeiro, tendo como sujeitos
os indígenas, os escravos e os imigrantes europeus. Era o início do processo árduo
de resistência aos desmandos do capital.
De acordo com o ideário explorado por Fernandes (1999, n.p.), na segunda
metade do século XIX foi criada no Brasil a propriedade de terra e anos mais tarde os
escravos tornaram-se trabalhadores livres. Já imersos no sistema capitalista, o escravo
que já era tido como mercadoria se depara com a terra agora sendo considerada
mercadoria. O imigrante europeu camponês expulso de sua terra era considerado
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A inter-relação existente entre a geografia do trabalho, as questões agrárias no Brasil...
Camila Campos de Lara Jakimiu
211
livre apenas por possuir sua força de trabalho. Ambos foram explorados por senhores
de escravos que se transformaram em senhores de terras, que grilavam enormes
extensões de terras. Sendo assim “os diversos enfrentamentos geraram a morte,
muitas vezes o massacre e o genocídio. A violência contra esses povos delimitaria
as extensões históricas do latifúndio.” (FERNANDES, 1999, n.p.).
O processo de migração iniciou-se com os escravos libertos que deixaram
as fazendas, e, ao encontrar terras cercadas acabavam por acampar nelas, mesmo
que os coronéis os expulsassem. Foi o começo da formação de uma classe, que no
final do século XX, ficara conhecida como Sem Terra. Nesse sentido, “a migração e
a peregrinação como esperança de chegar à terra liberta são marcas da história do
campesinato brasileiro.” (FERNANDES, 1999, n.p.).
Sendo assim sempre existiram dois elementos constituintes da realidade
agrária brasileira: os atores hegemônicos – sendo representados pelos senhores
de terra, coronéis, burguesia, Estado – e os atores hegemonizados – representados
pelos escravos, camponeses, imigrantes, bóias-frias –, mudam-se as denominações
na relação espaço-temporal, mas permanecem os mesmos sujeitos. (SANTOS, 2009).
A partir dessa contextualização histórica, pode-se compreender os porquês
dos paradigmas existentes no campo brasileiro, no que tange sobretudo à questão
da concentração de terras. Nos dias atuais o quadro agrava-se com outro elemento
decorrente dessa formação sócio-espacial contraditória: O Agronegócio. Considerada
pelo capital como o resultado da modernização do campo, a agricultura do negócio
transforma de vez a terra em mercadoria, sendo gestada como propriedade privada
capitalista de terra (OLIVEIRA, 2001). O agronegócio é responsável pelo maior índice
de concentração de terras, segundo Oliveira (2001) têm-se aproximadamente
115.054.000 hectares (20% da área total) de terras improdutivas no Brasil. A maioria
dos latifundiários não pagam o imposto territorial rural (ITR), além da prática histórica
de grilagem de terras.
O agronegócio afirma-se com a revolução verde, denominação que para Santos
(2003, p.191) envolve o uso intensivo de fertilizantes, agrotóxicos e equipamentos
importados, criando grandes monopólios exportadores-importadores, subsidiados
por instituições multinacionais que formam empresas agrícolas capitalistas em
detrimento aos pequenos proprietários. Sendo assim mantêm-se a terra improdutiva
como reserva de valor ou produz-se alimento envenenado.
Nesse sentido, o camponês que possui pequenas propriedades é de fato
o sujeito produtor de alimentos no Brasil, por isso considera-se que a luta dos
camponeses consistem em duas frentes “uma para entrar na terra, para se tornarem
camponeses proprietários; e, em outra frente, lutam para permanecer na terra como
produtores de alimentos fundamentais à sociedade brasileira.”. (OLIVEIRA, 2001,
p.189). Pois a terra improdutiva vai servir como instrumento de poder das elites
políticas do Estado. Nessa perspectiva,
212
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Não se está diante de um processo de luta para não deixar a terra, mas diante de
um processo de luta para entrar na terra. Terra que tem sido mantida improdutiva e
apropriada privadamente para servir de reserva de valor e/ou reserva patrimonial à
classes dominantes. Trata-se de uma luta de expropriados que, na maioria das vezes,
experimentaram a proletarização urbana ou rural, mas resolveram construir o futuro
baseado na negação do presente. (OLIVEIRA, 2001, p.194-195).
Para diminuir as desigualdades historicamente constituídas foi criada a
proposta de lei da Reforma Agrária. Uma lei constitucional ansiada pela população
para que finde o latifúndio, a concentração de terras, a violência e o massacre aos
camponeses. No entanto, a lei não chegou a vigorar devido o poder do capital e seus
atores. Com a exclusão dos trabalhadores rurais por conta da internacionalização
da burguesia nacional, os mesmos veem-se sucumbidos e sem apoio político, pois
a atual configuração territorial e política defendem os interesses dos latifundiários
que detêm o poder econômico. É através dos movimentos sociais, como o MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais sem terra) que esses pequenos proprietários
encontram refúgio para lutar pelo direito que lhes foi tirado historicamente. Sendo
assim, “o MST nasce como um movimento de massa, de contestação contra o nãocumprimento pelo Estado da lei da Reforma Agrária.” (OLIVEIRA, 2001, p.196).
Partindo do princípio que “acampamentos e assentamentos são novas
formas de luta de quem já lutou ou de quem resolveu lutar pelo direito à terra
livre e ao trabalho liberto” (OLIVEIRA, 2001, p.194), o que vêm ocorrendo é o
crescimento absoluto da população rural, ou o retorno à terra legitimado através
dos assentamentos rurais derivados da Reforma Agrária.
Daí a importância de se considerar a geografia do trabalho no que concerne
ao entendimento da lógica contraditória do capital, manifestada no que tange às
questões agrárias brasileiras. Sendo assim, podem-se entender distintas formas de
trabalhos: a exercida pelos pequenos proprietários, a exercida pelos trabalhadores
assalariados e outra assentada no poder abstrato exercido pelos capitalistas.
Nesse contexto, segundo Paulino (2006, p.34) os pequenos proprietários
camponeses são os únicos que dispõem concomitantemente dos meios de produção
e da força de trabalho. Os capitalistas – atores hegemônicos – somente podem
se reproduzir se tiverem a força de trabalho que provém do proletariado. Essa, a
terceira forma de exercer o trabalho, só se reproduz devido à existência do capital,
que compra sua força de trabalho.
Em linhas gerais a geografia do trabalho, área que questiona o entendimento
sobre trabalho em diferentes períodos históricos, suas implicações, relações e
paradigmas, compreende a questão do trabalho no campo subordinado aos atores
hegemônicos do capital. A hegemonia política do agronegócio é um dado empírico
real do controle do Estado, assim como a existência de uma bancada ruralista que
impede à aplicação da lei da Reforma Agrária. (OLIVEIRA, 2001; PAULINO, 2006;
THOMAZ JÚNIOR, 2002).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A inter-relação existente entre a geografia do trabalho, as questões agrárias no Brasil...
Camila Campos de Lara Jakimiu
213
A Reforma Agrária em seu contexto social, político e econômico consiste em
um meio de garantir a cidadania e a justiça social. Por isso é de interesse coletivo
e não só para aqueles que estão diretamente em contato com o campo, mas que,
sobretudo se alimentam e tecem relações dialéticas na cidade e no campo. Dessa
forma, a luta não cabe só aos pequenos proprietários, aos posseiros, as pequenas
comunidades tradicionais, mas toda a sociedade unida, consciente da realidade
atual no que refere-se às questões agrárias brasileiras (PAULINO, 2006).
Daí decorre a importância política de conhecer as iniciativas que lutam pela
garantia da cidadania e da justiça social, sobretudo daqueles que são visivelmente
prejudicados pelo interesse do capital. Por isso é preciso educar a população – do
campo e da cidade – para que reconheçam e transformem o quadro agrário brasileiro.
Nesse viés, considera-se indispensável tecer considerações sobre o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA)
Considera-se a educação o princípio para construção do trabalho consciente
que garanta a cidadania dos indivíduos. Somente com uma educação de qualidade
pode-se acabar com a alienação proveniente da sociedade do capital e reconstruir
relações justas de trabalho, que findem com a subordinação dos direitos daqueles
que lutam historicamente por eles. Por isso, toda a “classe-que-vive-do-trabalho”,
mas enfocando sobretudo a classe camponesa que luta pela Reforma Agrária têm no
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) a oportunidade de
firmar-se como sujeitos históricos, conscientes e transformadores de sua realidade.
É importante assinalar que a Educação por si só não é capaz de mudar o
quadro estrutural existente, mas é importante para que os sujeitos reconheçam seus
direitos e lutem para que os mesmos sejam aplicados. De acordo com o manual de
operações do PRONERA, o mesmo consiste em:
...uma política pública de educação envolvendo trabalhadores(as) das áreas de
Reforma Agrária. O PRONERA é um programa articulador de vários ministérios; de
diferentes esferas do governo; de instituições e movimentos sociais e sindicais de
trabalhadores (as) rurais para qualificação educacional dos assentamentos da Reforma
Agrária. (MANUAL DE OPERAÇÕES DO PRONERA, 2004, p.17).
Em 1998 o Ministério Extraordinário de Política Fundiária criou o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). Em 2001 o Programa foi
incorporado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
elaborando um novo manual de operações. (BRASIL/MDA/INCRA, 2004).
O programa surgiu a partir do I Encontro Nacional das Educadoras e
Educadores da Reforma Agrária – ENERA – que ocorreu em 1997 com parceria do
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) juntamente com o grupo
214
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
de trabalho de apoio à Reforma Agrária da UNB (Universidade de Brasília). No
mesmo ano, ocorreu um encontro onde os representantes de várias universidades
reuniram-se para discutir a participação das mesmas no processo de educação nos
assentamentos. Sendo assim, decidiram que o programa priorizasse a questão do
analfabetismo de jovens e adultos, devido aos seguintes fatores: o alto índice de
analfabetismo e os baixos níveis de escolarização entre aqueles que participam
do Programa de Reforma Agrária; a preferência do Ministério da Educação pelo
reforço do ensino regular e, pelo fato dos dirigentes dos municípios considerarem
os assentamentos áreas federais e fora do âmbito de sua atuação. (BRASIL/MDA/
INCRA, 2004).
O programa é uma resposta à luta dos movimentos sociais dos trabalhadores
rurais pela educação de qualidade, pela alfabetização e pela continuação dos estudos
em diferentes níveis de ensino nos assentamentos. Firmando compromisso com a
educação, no sentido de promover novas relações sociais de trabalho, na organização
do território e no que concerne à Reforma Agrária. Dessa forma o PRONERA contribui
para o desenvolvimento territorial e para a melhoria das condições de vida de
milhares de brasileiros que vivem no campo, garantindo cidadania e justiça social.
(BRASIL/MDA/INCRA, 2004).
O objetivo geral do PRONERA é fortalecer a educação nas áreas de Reforma
Agrária através de projetos educacionais voltadas para o campo. E os objetivos
específicos consistem em: garantir a alfabetização de jovens e adultos assentados
nas áreas de Reforma Agrária; garantir a formação continuada para os professores
que atuarão na educação nessas áreas; garantir aos assentados formação
profissional do nível médio ao ensino superior; produzir e organizar os materiais
didáticos-pedagógicos necessários para executar o programa e, finalmente,
promover encontros e pesquisas para fortalecer a Educação do Campo. (BRASIL/
MDA/INCRA, 2004).
No que concerne aos princípios político-pedagógicos do PRONERA, eles se
baseiam na relação intrínseca entre educação e desenvolvimento territorial para
melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores assentados. Nesse contexto os
princípios fundamentais são a Inclusão, a Participação, a Interação e a Multiplicação.
A Inclusão é apresentada como a condição de acesso à educação, sendo um direito
social dos jovens e adultos que vivem nas áreas de assentamento. A Participação
consiste no elo existente entre comunidades das áreas de Reforma Agrária e demais
parceiros, que decidirão juntos sobre o andamento dos projetos. A Interação sendo a
parceria entre os órgãos do governo, universidades, movimentos sociais, sindicais de
trabalhadores rurais, comunidades assentadas no intuito da promoção da educação
continuada. Sendo a Multiplicação o princípio resultante da ampliação do número de
pessoas envolvidas que atuam como educadores, técnicos, agentes e mobilizadores
em geral nas áreas de Reforma Agrária. (BRASIL/MDA/INCRA, 2004).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A inter-relação existente entre a geografia do trabalho, as questões agrárias no Brasil...
Camila Campos de Lara Jakimiu
215
O PRONERA se firma por meio de parcerias entre movimentos sociais,
trabalhadores rurais, o INCRA, instituições públicas de ensino, organizações sem fins
lucrativos e governos municipais e estaduais. Os princípios teóricos-metodológicos
devem ter por base “a diversidade cultural, os processos de interação e transformação
do campo, a gestão democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico voltados
para o desenvolvimento das áreas de Reforma Agrária.”(BRASIL/MDA/INCRA, 2004, p. 27).
Nessa perspectiva o PRONERA garante a dignidade dos sujeitos atendidos e
possibilita a construção de novas relações sócio-espaciais. O programa legitima a
luta de milhares de camponeses que lutam arduamente desde o período colonial,
mas que agora têm na Reforma Agrária – sobretudo em sua educação – o motor que
impulsiona reivindicar nada mais do que consta na Constituição Federal do Brasil.
Considerações Finais
Buscou-se no presente estudo a possibilidade de repensar a inter-relação
existente entre a Geografia do Trabalho, as questões agrárias no Brasil e o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). Considerando a Geografia do
Trabalho como área da Geografia que preocupa-se com os paradigmas existentes
nas relações de trabalho impostas pelos atores hegemônicos.
É a partir do entendimento do contexto social atual das questões agrárias do
Brasil que é possível compreender a luta política dos movimentos sociais quando
funda-se o PRONERA. Um programa potente para formar cidadãos-trabalhadoresconscientes, que por meio da educação construirão relações de trabalho mais justas,
mesmo que envoltas na lógica contraditória do capital.
Referências
BRASIL. MDA, MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. INCRA, INSTITUTO NACIONAL
DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA). Manual de Operações. Brasília: Edição Revista e Atualizada, 2004.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Brasil: 500 anos de luta pela terra. Cultura Vozes, VOZES,
v. 93, n.2, p. x-xi, 1999.
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Abril, 1984.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos
sociais, conflitos e Reforma Agrária. Estudos Avançados, IEA/USP São Paulo, v. 15, n.43, p.
185-206, 2001.
PAULINO, Eliane Tomiasi. A diversidade das lutas na luta pela terra. Revista Eletrônica da
Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Três Lagoas, v. 1, p. 27-47, 2006.
SANTOS, Milton. Economia espacial: críticas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2003.
216
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
______A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2009.
THOMAZ JÚNIOR, Antonio. Por uma geografia do trabalho! (reflexões preliminares). Revista
Tamoios (Impresso), v. I, p. 33-51, 2005.
______O mundo do trabalho e as transformações territoriais: os limites da ‘leitura geográfica’.
Revista Pegada. Presidente Prudente-SP, v. 3, 20 p., out. 2002. Disponível em: <http://www2.
prudente.unesp.br/ceget/pegada/> Acesso em: 05 jun. 2015.
______A geografia do mundo do trabalho na viragem do século XXI. Revista Pegada. Presidente Prudente-SP, 2003. v. 4, n.2 2003. Disponível em: <http://www2.prudente.unesp.br/
ceget/pegada/> Acesso em: 06 jun. 2015.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A inter-relação existente entre a geografia do trabalho, as questões agrárias no Brasil...
Camila Campos de Lara Jakimiu
217
Agricultura familiar: políticas
públicas e desenvolvimento rural
FAMILY FARM: PUBLIC POLICIES AND RURAL
DEVELOPMENT
Carmem Rejane Pacheco Porto
Universidade Federal do Rio Grande - FURG
[email protected];
Gracieli Trentin
Universidade Federal do Rio Grande - FURG
[email protected]
Resumo: A Agricultura familiar é considerada um segmento muito importante e heterogêneo
da produção agropecuária brasileira, devido ao seu interrelacionamento com importantes
setores da economia. Trata-se neste artigo de resgatar as políticas públicas voltadas para a
agricultura familiar e o seu impacto no desenvolvimento rural, priorizando a abordagem
territorial adotada pelo Estado, no período recente. A construção deste se deu por meio de
revisão de literaturas e consulta a bancos de dados oficiais relacionados às referidas políticas
públicas. Ao final foi possível concluir que mesmo com relativo avanço das políticas públicas
para a agricultura familiar e o seu destaque na produção de alimentos em uma escala nacional,
a que se reconhecer os entraves para o acesso dos agricultores aos programas institucionais e a
falta de canais de comercialização para o escoamento da produção, e que estes se constituem
em um desafio para o desenvolvimento rural.
Palavras-chave: Políticas públicas; Território; Estado.
Abstract: The family farming is considered a very important and heterogeneous segment of
Brazilian agricultural production, due to its inter-relationship with important sectors of the
economy. This article brings up the public policies aimed at family farming and their impact
on rural development, prioritizing the territorial approach taken by the State in the recent
period. The construction of this paper happened through literature review and search to official
databases related to the public policies referred. It was concluded that even with the relative
advancement of public policies for family farms and their emphasis on food production on a
national scale, recognizing the barriers to the access of farmers to institutional programs and
the lack of marketing channels for the production flow, and that these constitute a challenge
for rural development.
Key words: Public Policy; Territory; State.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
Introdução
Historicamente, o desenvolvimento capitalista no território rural brasileiro foi
marcado pela implantação de modos de produção que resultaram na desigualdade
fundiária. A propriedade da terra foi subordinada ao capital, constituindo-se em
um obstáculo ao desenvolvimento da agricultura (GORENDER, 2004). O que houve
foi a priorização da propriedade da terra em detrimento da produção social que
esta deveria realizar. Atualmente, as políticas públicas no Brasil, têm adotado os
princípios da sustentabilidade. Entretanto, a maior parte da intervenção Estatal
ainda está fortemente direcionada ao agronegócio, segmento econômico e
politicamente dominante.
Considera-se, desta forma, a necessidade de inversão de prioridades e um
verdadeiro redirecionamento das políticas públicas. Mesmo porque se entende que
no campo o seu direcionamento é quase exclusivo para a política agrícola, já que a
política agrária é quase inexistente. Ademais a concentração da propriedade da terra
em poucas mãos dificulta o desenvolvimento rural com inclusão social.
Ao analisar as políticas públicas desenvolvidas no Brasil, no momento atual,
é perceptível a presença da abordagem territorial. Essa abordagem é adotada pelo
Estado na intenção de promover o desenvolvimento rural. É uma forma de corrigir
erros históricos e buscar formas de proporcionar a inclusão dos segmentos da
população que foram excluídos. Para Tartaruga (2008), a utilização da abordagem
territorial justifica-se pela necessidade de selecionar e definir as áreas sobre as quais
serão aplicados os projetos de desenvolvimento, buscando mecanismos de adaptação
dos mesmos aos territórios. De outra forma, tal abordagem também é utilizada para a
verificação das transformações nos territórios, a partir do aperfeiçoamento da gestão
dos governos locais e da capacidade de governança da sociedade civil e da iniciativa
privada, assim como, pela análise das transformações nos processos produtivos e de
organização da sociedade, com a diminuição das desigualdades sociais.
A categoria território é tomada na intenção de identificar novas territorialidades
que, criadas no contexto da hegemonia capitalista, excluem grande parcela da
população de suas dinâmicas econômicas, reagem à globalização, instituem novas
formas de organização territorial com base no acesso às políticas públicas, criam
condições emancipatórias e propõem novas organizações.
As políticas públicas para a agricultura familiar, objeto desta pesquisa,
resultaram da diversificação das políticas públicas adotadas pelo Estado, nos
últimos tempos. Estas são reconhecidas como inovadoras e objetivam romper com
o localismo e com o enfoque regional, através do desenvolvimento dos territórios.
Este artigo objetiva resgatar as políticas públicas voltadas para a agricultura familiar,
principalmente, os programas de geração de renda, Assistência Técnica e Extensão
Rural e os Programas de financiamento e o seu impacto no desenvolvimento rural,
priorizando a abordagem territorial adotada pelo Estado, no período recente.
220
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Agricultura familiar no brasil
A agricultura familiar é uma instituição de reprodução da família cujo núcleo
está na relação direta com a terra e com a produção agrícola. Nesses sistemas de
organização familiar, “a ecologia não representa somente a base de sua estrutura
de produção, mas uma dimensão abrangente, relacionada à totalidade da vida
do agricultor e fundamento de reprodução social da família” (CANUTO, SILVEIRA,
MARQUES, 1994, p. 61). Em muitos casos trabalham no mesmo “pedaço” de terra
que seus antepassados viveram. Três elementos caracterizam a agricultura familiar.
São eles: a família, o trabalho e a propriedade.
A agricultura familiar é aquela em que a gestão, a propriedade e a maior
parte do trabalho vêm de indivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou de
casamento. A definição de agricultura familiar, para fins de atribuição de crédito,
pode não ser exatamente a mesma estabelecida com finalidades de quantificação
estatística. O importante é que sempre se mantenham interrelacionados os eixos
gestão, propriedade e trabalho (ABRAMOVAY, 1997).
Para os agricultores familiares a entrada em vigor da Lei 11.326/2006 foi uma
grande conquista. Ela estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional
da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais no Brasil, definindo
como agricultores/as familiares aqueles que praticam atividades no meio rural, e que
atendam, simultaneamente, aos seguintes requisitos: não deter área maior do que
quatro módulos fiscais; utilizar predominantemente mão de obra da própria família
em suas atividades econômicas; ter renda familiar predominantemente originada
de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento; e a gestão do
estabelecimento deve ocorrer em família.
Conforme dados do Censo Agropecuário de 2006, do total de estabelecimentos
agropecuários do território brasileiro, os estabelecimentos familiares representam
15,6%. A área média desses estabelecimentos é de 18,37 ha, apesar de ocupar
apenas 24,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários são responsáveis
por 38% do valor bruto da produção gerada. Além disso, a agricultura familiar
retém o maior número de ocupações no campo, chegando a 74,4% das pessoas
ocupadas. Em 2009, cerca de 60% dos alimentos que compuseram a cesta alimentar
distribuída pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) originaram-se da
Agricultura Familiar.
Ao analisar a distribuição do número de estabelecimentos da agricultura
familiar por região no território nacional, verifica-se na Região Nordeste a concentração do maior número de estabelecimentos, 50%. O conjunto de dados revelados
pelo Censo Agropecuário de 2006 demonstra a importância da agricultura familiar
no setor agropecuário do País, mas também em relação à produção de alimentos e
ao desenvolvimento do mercado interno. O fortalecimento da agricultura familiar
em todo País, mas principalmente em regiões onde os problemas sociais são mais
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Agricultura familiar: políticas públicas e desenvolvimento rural
Carmem Rejane Pacheco Porto | Gracieli Trentin
221
acentuados é fundamental. Esforços devem se concentrar na definição de territórios
entendidos como alvos de programas direcionados à produção familiar, com a especificação de produtos, diversificação da produção, estratégias de comercialização
e inclusão dos segmentos sociais excluídos até um período recente. No Brasil, este
setor é responsável por aproximadamente 70% dos alimentos que chegam à mesa
da população, com mais responsabilidade socioambiental. Entretanto, já há o reconhecimento da agricultura familiar, como uma forma social de trabalho e produção
do desenvolvimento rural (CONTERATO, GAZOLLA, SCHNEIDER, 2007).
É recorrente na literatura que os agricultores familiares são importantes
produtores de alimentos, desempenhando a função de guardiões da paisagem e
conservadores da biodiversidade, afiguram-se como protagonistas importantes
da transição à sustentabilidade. Valoriza-se a agricultura familiar, que se traduz, na
melhor forma de ocupação do território, respondendo a critérios socioambientais
(SACHS, 2004). Também se reconhece a capacidade inventiva e lógica de
sobrevivência dos agricultores e agricultoras familiares. Realça o seu papel social
e seus serviços ambientais. Na agricultura familiar, os insumos principais são os
conhecimentos agroecológicos e a participação das comunidades e dos movimentos
sociais organizados, que também tomam para si uma tarefa educativa que incentiva
a sociedade urbana a valorizar esse tipo de organização.
O ano de 2014 foi instituído como o Ano Internacional da Agricultura Familiar
pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), com
o objetivo de divulgar a importância da agricultura familiar para a segurança e
soberania alimentar e produção de alimentos. Identifica-se outro olhar sobre a
agricultura familiar no Brasil, este novo interesse não se reduz ao território brasileiro,
coincide com os debates contemporâneos na Europa, nos quais as noções de
campesinato e agricultura camponesa estão emergindo como elemento-chave para
compreensão de processos complicados e contraditórios que vêm ocorrendo no
meio rural Europeu (PLOEG, 2009). Mesmo reconhecendo que no território brasileiro,
diferentemente da situação clássica de outros países, a agricultura familiar sempre
tenha ocupado espaços deixados pela agricultura de larga escala, já é possível
verificar maior atenção do poder público em relação à agricultura familiar, que é
evidente quando se verifica a maior inclusão desta no orçamento da União destinado
à agropecuária e também às linhas de financiamento.
A abordagem territorial para o desenvolvimento rural
A abordagem territorial no âmbito das políticas públicas ocorre no Brasil,
principalmente, devido à preocupação com as desigualdades regionais e com
o localismo, onde o baixo desenvolvimento econômico e os problemas sociais
tornaram-se recorrentes. O caráter regional ou mesmo o caráter que privilegiava o
localismo tratam de escalas amplas ou o contrário reduzidas, sendo que no primeiro
222
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
era evidente a desarticulação entre os planos de governo, estes assumiam um caráter
setorial e no segundo havia a centralização, a sobreposição de ações estatais e o
desperdício de recursos públicos.
Ao contrário desses, a abordagem territorial, pressupõe: a articulação de
espaços de desenvolvimento, desde o nível local ao transnacional, que deve ser
cautelosa, subordinada a uma estratégia de desenvolvimento endógeno; a promoção
de parcerias entre todos os atores interessados, em torno de um acordo negociado
de estratégias de desenvolvimento responsável, com harmonização de metas sociais,
ambientais e econômicas por meio do planejamento estratégico e do gerenciamento
cotidiano da economia e da sociedade. O interesse do poder público em desenvolver
as políticas públicas por meio da territorialização das suas ações, pode ser entendido
como um procedimento para obter maior coordenação entre elas.
Com base nesta proposição, o desenvolvimento precisa ser entendido como
um processo de fomento de novas forças produtivas e de instauração de novas
relações de produção, de modo a promover um processo sustentável de crescimento
econômico, que preserve a natureza e redistribua os frutos do crescimento a favor
dos que se encontram marginalizados da produção social e da fruição dos resultados
da mesma (SINGER, 2004). Se o planejamento agrícola pressupõe o desenvolvimento
territorial a partir de atividades que atendam aos anseios das populações residentes
e envolvidas no processo produtivo, para o poder público, o grande desafio é prover
oportunidade para o maior número de pessoas. Trata-se de tarefa bastante difícil, mas
o espaço rural, se bem planejado, é uma maneira eficaz de oferecer uma alternativa
digna de conquistar autonomia e uma vida melhor às comunidades locais.
Na perspectiva de desenvolvimento territorial é necessário refletir sobre
o rural e reconhecer a necessidade de rever o conceito de rural, principalmente,
quando se trata do período atual. Uma consulta ao Aurélio informa que rural (do
latim ruralis) é um adjetivo do que pertence ou é relativo ao campo (FERREIRA,
1995). Contudo, outros critérios podem ser utilizados para definição de rural, como:
a definição do patamar demográfico, ou seja, rural como dispersão; a densidade
demográfica, o número médio de habitantes por quilômetro quadrado em uma
determinada área; e a ocupação econômica da população, principalmente, vinculada
as atividades primárias. No entanto, os avanços técnicos e a atual reestruturação
capitalista possibilitam a desconcentração espacial das atividades econômicas, mais
especificamente as produtivas para áreas não densamente povoadas.
Um conjunto de atividades diferentes das tradicionais é desenvolvido no
campo, que se caracterizam pela incorporação de novos produtos agropecuários,
industriais, prestação de serviços e atividades de entretenimento. Desta forma,
o espaço rural é entendido como a base para a produção agropecuária, mas em
decorrência das transformações socioeconômicas, impulsiona o surgimento e a
expansão de inúmeras atividades relacionadas ou não à agropecuária.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Agricultura familiar: políticas públicas e desenvolvimento rural
Carmem Rejane Pacheco Porto | Gracieli Trentin
223
Duas considerações ainda podem ser feitas no que se refere a este novo rural
e a interação entre urbano e rural. Na primeira, é possível dizer que espacialmente o
rural se constitui como a continuidade do urbano, em que a área com características
rurais ou rururbana sintetiza multidimensões quanto ao uso do solo, o que
aparentemente não os separa. Na segunda, o rural é a extensão do urbano. E se
constitui como extensão, visto que o urbano ali se manifesta. Muitas intervenções
como a ocupação, a produção e os serviços são pensados e organizados a partir do
urbano, principalmente as políticas públicas. Os planejadores e os organizadores
da reestruturação do campo ao acolher as novas atividades ou as novas formas de
produção promovem o seu desenvolvimento a partir do urbano.
Políticas públicas para a agricultura familiar
De acordo com Bonnal e Maluf (2010) podemos indicar vários acontecimentos,
dependentes entre si, que tiveram uma influência determinante no redirecionamento
das políticas públicas para os territórios rurais, no Brasil. Entre os quais, destacam-se:
•
o processo de reorganização dos movimentos sociais agrícolas e rurais
já nos anos 1980, como força reivindicatória independente e com
capacidade de negociação junto ao poder público;
•
a valorização e emergência no Brasil, durante os anos 1990, da agricultura
familiar como categoria sociopolítica, com capacidade de negociar junto
ao Estado a elaboração de políticas públicas específicas;
•
a emergência de referenciais próprios para as agriculturas familiares
e diversas identidades (povos indígenas, comunidades quilombolas,
pescadores artesanais, ribeirinhos etc.), que serviram de base para a
discussão junto aos poderes públicos, de políticas diferenciadas.
Além desses acontecimentos, nas últimas décadas as transformações do
espaço rural demandaram políticas públicas para atender as necessidades mais
recentes, que não se limitaram apenas a um investimento maior nas atividades
agropecuárias e não agropecuárias, mas também na necessidade de investimentos
em infraestrutura e serviços que possibilitassem maior eficiência e conforto para os
que vivem ou usufruem desse espaço.
Neste contexto, em meados dos anos 1990, houve a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, que além de contemplar
crédito rural para custeio e investimento, trazia em seu bojo, pelo menos ao nível
do discurso, a preocupação territorial, por meio da linha PRONAF Infraestrutura
e Serviços Municipais (HESPANHOL, 2006). Também de grande importância foi a
criação, em 1999, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o qual reuniu,
em sua estrutura, a política de reforma agrária e o PRONAF.
224
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Vinculam-se ao MDA e a seus respectivos programas: a Secretaria de Desenvolvimento Territorial, a Secretaria da Agricultura Familiar, a Secretaria Nacional de
Economia Solidária (de responsabilidade do Ministério do Trabalho, no entanto, a
função da mesma é importante instrumento do desenvolvimento rural sustentável) e
a Secretaria de Reordenamento Agrário. Essas secretarias foram criadas com a missão
de consolidar o conjunto da agricultura familiar de modo a desenvolver o território
de forma sustentável, por meio da valorização humana e da política, considerando
os desejos e os anseios das organizações sociais e praticando os princípios da descentralização, da democracia e da participação social.
Em 2005, a formulação do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural
Sustentável, traz a abordagem territorial. De acordo com o MDA e a Secretaria de
Desenvolvimento Territorial (SDT), é uma nova visão de desenvolvimento rural
voltada para o território, deriva da necessidade de articulação das políticas públicas,
da formação de parcerias, de forma a viabilizar o alcance de objetivos maiores das
políticas públicas para o espaço rural, potencializando resultados e reduzindo
desperdícios vinculados à superposição e à dispersão de esforços. Entre os programas
e ações governamentais de reconhecida importância atualmente, estão:
•
Os programas de geração de renda (Programa de Aquisição de Alimentos
– PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE);
•
Assistência Técnica e Extensão Rural;
•
Programa de financiamento (PRONAF).
O Programa de Aquisição de Alimentos – PAA foi instituído em 2003 e se
constitui como uma das ações do Fome Zero, objetiva garantir o acesso aos alimentos
(quantidade, qualidade e regularidade) às populações em situação de insegurança
alimentar e nutricional; formar estoques estratégicos e promover a inclusão social no
campo, com o fortalecimento da agricultura familiar. Segundo o MDA (2015), o PAA
está presente em aproximadamente 3,5 mil municípios brasileiros. Foram beneficiados
no ano de 2013, 60.173 agricultores familiares, que são o público alvo do programa,
os mesmos devem estar enquadrados no PRONAF para acessar o programa.
O PAA oferece reais oportunidades de comercialização da produção,
entre as diferentes modalidades de compras, as compras governamentais são
importantes porque se constituem como um canal de comercialização da produção
e ao mesmo tempo oferecem segurança alimentar e nutricional ao encaminhar os
alimentos adquiridos da agricultura familiar às entidades públicas da localidade
(escolas, creches, asilos, associações comunitárias, entre outras). De 2009 a 2013 as
aquisições realizadas através do programa totalizaram mais de 3 bilhões de reais
(R$ 3.056.571.799,00), beneficiando 705.415 agricultores.
O PAA é uma política pública que além de promover o fortalecimento da
produção de alimentos, também é importante para estimular as formas organizativas
dos agricultores por meio do associativismo/cooperativismo, além de ser uma
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Agricultura familiar: políticas públicas e desenvolvimento rural
Carmem Rejane Pacheco Porto | Gracieli Trentin
225
estratégia para garantir a segurança alimentar da população carente. A formação de
associações para comercialização da produção em muitas situações é uma condição
necessária, tendo em vista que um dos critérios para conquistar o acesso aos canais
de comercialização da produção é o associativismo. Para os agricultores, a associação
de trabalho é a que demonstra características que se identificam com o tipo de
associação comumente formada por este segmento. Trata-se de uma associação
de pequenos proprietários organizados para a comercialização de mercadorias.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é um dos programas
mais antigos, a sua alteração em 2009 representou um grande avanço em relação
à comercialização da produção oriunda da agricultura familiar. Por meio deste
programa o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) faz os repasses
de verbas provenientes do governo federal para a alimentação escolar dos estados e
municípios, com base no número de alunos matriculados na educação básica. Uma
das diretrizes estipula que, no mínimo 30% do total destes recursos sejam destinados
à compra de alimentos, preferencialmente orgânicos, produzidos pela agricultura
familiar, local, regional ou nacional. A compra direta de produtos da agricultura
familiar estimula o desenvolvimento econômico e sustentável das comunidades
beneficiadas por este programa governamental.
Em 2010, o orçamento do PNAE foi de aproximadamente 2,5 bilhões de reais
e beneficiou 45,6 milhões de estudantes da educação básica e de jovens e adultos.
Deste montante, mais de 150 milhões de reais (R$ 150.397.052,68) foram destinados
para compras oriundas da agricultura familiar. No Brasil, 47,4% dos municípios
adquiriram alimentos da agricultura familiar para o PNAE e o percentual médio de
compra nestes municípios foi de 22,7%.
A Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) têm como objetivo melhorar a
renda e a qualidade de vida das famílias rurais, por meio do aperfeiçoamento dos
sistemas de produção, de mecanismos de acesso a recursos, serviços e renda, de
forma sustentável. As ações da ATER são coordenadas pela Secretaria da Agricultura
Familiar (SAF/MDA). Em relação à assistência técnica e extensão rural foram
beneficiários entre 2009 e 2013 aproximadamente 4.442.676 agricultores (MDA,
2015), entre esses não estão incluídos os beneficiários das ações de capacitação.
Até o início da década de 1990, não existia nenhuma política pública no Brasil,
com abrangência nacional voltada ao atendimento das necessidades específicas
do segmento social de agricultores familiares. O PRONAF é a primeira política
pública diferenciada voltada aos agricultores familiares. O PRONAF financia projetos
individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores familiares. Procura incluir
as famílias de pequenos agricultores na produção, principalmente de alimentos
destinados ao mercado interno. O PRONAF além de beneficiar agricultores familiares
e assentados da reforma agrária, também beneficia pescadores artesanais que se
dediquem à pesca artesanal, com fins comerciais; aquicultores que se dediquem
ao cultivo de organismos que tenham na água seu meio de vida; silvicultores
226
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
que cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável
daqueles ambientes; extrativistas que exerçam o extrativismo artesanalmente no
meio rural; integrantes de comunidades quilombolas rurais; povos indígenas e
demais povos e comunidades tradicionais. Todos os segmentos precisam acatar
aos critérios gerais ou de modalidades específicas relacionadas ao programa para
serem atendidos. De acordo com dados do MDA (2015), no período compreendido
entre 2009 e 2013, foram efetivados aproximadamente 8.637.205 contratos, sendo
envolvidos aproximadamente 113 bilhões de reais (R$ 113.153.562.024,00).
No Brasil, as políticas públicas que visam o desenvolvimento territorial,
entendem o espaço rural integrado ao urbano e o seu desenvolvimento como uma
forma de incluir e proporcionar alternativas para conquistar autonomia e uma vida
digna às comunidades locais.
Atualmente, o espaço rural exige o fortalecimento de ações de planejamento,
com políticas públicas de desenvolvimento rural sustentável, que comporte
objetivos e metas amparadas em uma visão mais ampliada do espaço rural. As
políticas e os programas devem sustentar a distribuição da renda e da riqueza, na
combinação entre atividades agropecuárias e não agropecuárias, a possibilidade de
planejamentos participativos e do repensar do papel das instituições públicas no
atendimento às populações que vivem em áreas rurais.
Considerações finais
A presença do Estado tem um papel fundamental no desenvolvimento
rural, onde a gestão territorial fomenta a produção e comercialização, ao garantir
financiamentos, canais de comercialização e infraestrutura. Identifica-se a
necessidade de produzir e comercializar em função de existir mercado consumidor
para os produtos oriundos da agricultura familiar. As políticas públicas para a
agricultura familiar, reestruturadas a partir de 1990, garantiram melhores condições
de produção e comercialização para este segmento através dos programas PAA,
PNAE, ATER e PRONAF. O dispositivo legal criado para a agricultura familiar, também
chamado de “Lei da Agricultura Familiar” a reconheceu como um segmento produtivo
que garante a participação de agricultores e agricultoras familiares na formulação
e implementação das políticas públicas.
Os programas governamentais além de trazer uma série de benefícios aos
agricultores familiares, ainda apresentam limitações no que se refere ao acesso. Há
incompatibilidade entre a definição de agricultura familiar e os critérios estipulados
pelos programas governamentais, o que nos reporta a uma subjetividade da discussão
teórica e uma objetividade seletiva em termos de critérios e dados estatísticos que
impedem a participação de muitos agricultores. A exemplo da participação dos
agricultores familiares no PAA que está condicionada ao enquadramento dos
mesmos no PRONAF. No entanto, as exigências deste último limitam a participação
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Agricultura familiar: políticas públicas e desenvolvimento rural
Carmem Rejane Pacheco Porto | Gracieli Trentin
227
de muitos agricultores familiares por não atenderem aos quesitos bastante rígidos
estipulados pelo referido programa. É a integração de programas e a implementação
articulada dos instrumentos construídos e conquistados pela agricultura familiar que
permite o avanço desse importante setor produtivo do país quanto à produção de
alimentos, contribuindo para a estabilidade econômica e social do Brasil.
A territorialização das políticas públicas e a reestruturação dos programas
governamentais têm proporcionado avanços e inclusão daqueles, que historicamente
foram explorados e excluídos pelo sistema capitalista. O desenvolvimento
territorial rural na forma como está posto prevê não somente a participação de
setores relacionados à agropecuária, mas permite a diversificação de atividades
econômicas no espaço rural, o que inclui diferentes segmentos sociais vinculados
à agricultura familiar. Além dessas transformações na produção e na organização
dos agricultores(as) também adquire importância a inclusão das mulheres em
diferentes atividades.
Contudo, verifica-se que, apesar de todas as mudanças ocorridas no papel do
Estado como empreendedor do desenvolvimento rural, ainda há muitos desafios
a serem superados, principalmente com relação à mobilização e organização dos
produtores rurais, mas também em relação à adequação das políticas públicas à
realidade do país.
Referências
ABRAMOVAY, R. Uma nova extensão para a agricultura familiar. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE
ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL, 1997, Brasília, DF. Anais... Brasília, DF: PNUD, 1997.
BONNAL P.; MALUF R. Políticas de desenvolvimento territorial e multifuncionalidade da agricultura familiar no Brasil. In: CAZELLA, A.; BONNAL, P.; MALUF R. (Eds.). Agricultura familiar:
Multifuncionalidade e desenvolvimento territorial no Brasil, Rio de Janeiro: Mauad, 2009. p.
71-110.
CANUTO, J. C.; SILVEIRA. M. A. da; MARQUES, J. F. O sentido da agricultura familiar para o futuro
da agroecologia. Ciência e Ambiente, Santa Maria, v.1, n.1, p.57-63, 1994.
CONTERATO, M. A.; GAZOLLA, M.; SCHNEIDER, S. A Dinâmica Agrícola do Desenvolvimento
da Agricultura Familiar no Alto Uruguai/RS: suas metamorfoses e reações locais. Porto
Alegre: UFRGS, 2007.
FERREIRA, A. B. de H. Dicionário da Língua Portuguesa. SÃO PAULO: Folha de São Paulo,
1995.
GORENDER, J. Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 2004.
HESPANHOL, Rosangela Ap. M. PRONAF Infraestrutura e Serviços Municipais e associações
de produtores em municípios selecionados da Região de Presidente Prudente, Estado
de São Paulo. Informações Econômicas, São Paulo, v. 36, n. 5, p. 15-24, 2006.
228
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE. Censo Agropecuário. Rio de
Janeiro: IBGE, 2006.
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. MDA. Ações e Programas. Disponível em <
http://www.mda.gov.br/sitemda/pagina/programas >. Acesso em 28 de maio de 2015.
PLOEG, J. D. Van der. O modo de produção camponês revisitado. In: SCHNEIDER, S. (Org.) A
diversidade da agricultura familiar. 2. Ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. p 15-56.
SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond,
2004.
SILVA, J. G. da. Tecnologia e Agricultura Familiar. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
SINGER, P. Desenvolvimento capitalista e desenvolvimento solidário. Estudos Avançados,
v. 18, n.51, São Paulo, 2004.
TARTARUGA, I. G. P. Território e participação: apontamentos para o desenvolvimento territorial rural no Brasil. In: HEIDRICH, A. L. et al. (Org.). A emergência da multiterritorialidade:
a ressignificação da relação do humano com o espaço. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2008. p. 145-159.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Agricultura familiar: políticas públicas e desenvolvimento rural
Carmem Rejane Pacheco Porto | Gracieli Trentin
229
Análise reflexiva das marchas e
contra marchas da relação do PNE
com a educaçao do campo
REFLECTIVE ANALYSIS OF GEARS AND AGAINST PNE OF
RELATIONSHIP WITH THE RANGE FIELD OF EDUCATION
Cássia Betânia Rodrigues dos Santos1
Universidade de Brasília
[email protected]
Resumo: Este trabalho é resultado do aproveitamento da disciplina de Políticas Públicas:
Educação, Desenvolvimento e Meio Ambiente do Programa de Pós-graduação em Meio
Ambiente e Desenvolvimento Rural da Universidade de Brasília – Faculdade de Planaltina (FUP)
– que foi ministrada no primeiro semestre de 2015. Assim, este trabalho tem por objetivo fazer
uma análise/reflexão do PNE de 2001 a 2010 e de 2014 a 2024 considerando a política pública
da Educação do Campo. Sabendo-se que a Educação do Campo ao longo de seu percurso tem
ganhado força e espaço a partir da luta de seus protagonistas: os trabalhadores do campo.
As principais categorias teóricas deste trabalho são Camponês, Território, Educação Rural e
Educação do Campo. Após o contexto teórico e conceituação dessas categorias tem a análise
reflexiva dos PNEs com relação a Educação do Campo. Foi necessário além de bibliografias
importantes, também o acesso aos documentos legais dos PNEs. De qualquer modo o PNE
atual significa mais um dos grandes progressos para a Educação do Campo, uma vez que
no PNE anterior a Educação do Campo não foi trabalhada, dando a entender que houve um
descaso com os povos do campo ao considerar a Educação do Campo inexistente ou pouco
importante para ser tratada.
Palavras-chave: Política pública; PNE; Educação do Campo.
Abstract: This work is the result of the use of discipline Public Policy Education, Development
and Environment of the Graduate Program in Environment and Rural Development at the
University of Brasília - School of Planaltina (FUP) - which was delivered in the first half 2015
. Thus, this study aims to analyze / PNE reflection from 2001 to 2010 and from 2014 to 2024
considering the public policy of the Field of Education. Knowing that the Rural Education
along its route has gained strength and space from the fight of its protagonists: the workers
of the field. The main theoretical categories of this work are Peasant, Territory, Rural Education
and Rural Education. After the theoretical context and conceptualization of these categories
has a reflective analysis of PSNs regarding Rural Education. It was necessary and important
bibliographies also access to legal documents of PNEs. Either the current PNE mode means
1 Graduação em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás, atualmente mestranda em Meio Ambiente
e Desenvolvimento Rural pela Universidade de Brasília.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
another one of great progress for Rural Education, as in the previous NAP the field of education
has not worked, implying that there was a disregard for the peoples of the field when
considering the Rural Education nonexistent or unimportant to be treated.
Key - words: public policy; PNE; Rural Education.
Introdução
A educação atualmente é um direito de todos, embora isso nem sempre
fora assim. A princípio a educação era um direito de poucos, mas a partir de
lutas e movimentos sociais, isso mudou bastante, haja visto que muitos desafios
são perpetrados ainda nesse setor e tal afirmação fica claro quando abordamos
especificamente sobre a Educação do Campo que tem sido tratada com grande
descaso dentro da esfera pública.
Percebemos que muitas das escolas públicas do meio urbano, são imbuídas
de dificuldades/precariedades não garantindo um ensino de qualidade para a
população. Partindo desse pressuposto que afirma - se que na Escola do Campo
esse problema intensifica pois não tem recebido a devida atenção do governo
e como resultado não existe, ou pouco é acionado o Estado para criar e pôr em
exercício as políticas públicas. Em outras palavras, investir em recursos que atendam
às necessidades do povo.
Segundo Pinto (2012, p. 378) outro fator relevante que faz com que as Escolas
do Campo tenham problemas mais sérios, é porque a maioria dessas (85% em 2009),
“encontram sob administração municipal, nível de governo que fica com a menor
parte dos recursos tributários, como já observado”. E de acordo ainda com Pinto
(2012) as Escolas do Campo em sua grande maioria possuem poucos alunos e por
isso são consideradas prejuízos.
“A educação escolar é base constitutiva na formação das pessoas, assim
como as auxilia na defesa e na promoção de outros direitos” (HADDAD, 2012, p.
218). Levando em consideração essa citação, e avaliando a Educação do Campo, fica
evidente num país como o Brasil que ela não é pensada por interesse próprio das
lideranças, já que em nosso país o campo é rural, e é nesse rural que em grandes
escalas a produção com base capitalista tece suas amarras cruéis.
Enfim, o Estado não pode negar o direito ao povo do campo a Educação do
Campo, mas a realidade é que os fundos públicos do Estado, acabam muitas vezes
sendo canalizados para o agronegócio que desde a época em que o Brasil era uma
colônia, este existe, causando impactos socioambientais. O avanço do agronegócio
representa a expulsão dos elementos do camponês, como a escola, assim como
desse próprio sujeito.
232
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
A partir do que já foi colocado, reforçamos que a educação é um direito
fundamental e universal mas que para o camponês em particular não tem sido
oportunizada e quando o foi não tinha a meta de lhe trazer algum benefício social,
como veremos adiante. Molina e Freitas (2011, p.22) colocam que os “camponeses
tem impressões nas trajetórias pessoais e coletivas de exploração e opressão vividas”.
Partindo desse pressuposto, que busca-se trabalhar com a Educação do
Campo sobre a luz de uma outra política pública importante que é o PNE – Plano
Nacional de Educação. Na verdade, tem por objetivo analisar como tem sido
planejado as metas/estratégias para a Educação do Campo de qualidade, no PNE Plano Nacional de Educação. Porem antes de falar as reflexões ligadas a problemática
dessa pesquisa que é o Plano Nacional de Educação para a Educação do Campo, será
feita discussões teóricas e conceituais de categorias importantes que já apareceram
de alguma forma nessa apresentação inicial que são o sujeito a quem essas políticas
públicas vão atender, que nesse estudo é o camponês, seu lócus, território, , também
será feita uma discussão sobre a educação rural e o nascimento e evolução da
Educação no/do Campo para posteriormente tratarmos de apresentar e analisar
uma política específica para a Educação do Campo, que é o PNE – Plano Nacional
de Educação que vigorou em 2001 até 2010 e o novo PNE de 2014 a 2024.
Conhecendo a identidade camponesa
O capitalismo é mais um sistema econômico adotado pela sociedade e
que gira em torno da burguesia e proletariado, lembrando que esta última classe
geralmente é explorada, e em condições relativamente subalternas.
O camponês é um sujeito que sempre existira ainda quando não era esse
modelo de economia. Porém é evidente que com a adoção do capitalismo na
sociedade, o espaço e cultura do camponês já não é mais o mesmo. Mas mesmo
havendo mudanças, o camponês ainda existe, e sua essência continua a mesma.
Ainda assim alguns estudiosos relatam, fazem pesquisas voltadas em questões tais
como: para onde vai o camponês, afirmam ainda o desaparecimento desse sujeito isso
porque sempre “foi considerado como o “empecilho” para o desenvolvimento do país.
O termo camponês como Duarte (2001) coloca é introduzido no Brasil. O
respectivo termo é carregado de toda uma realidade da Rússia, pois antes mesmo se
falava em caipira para se referir a esse sujeito. Caipira na verdade, é uma expressão
pejorativa, que reflete um homem rústico, atrasado e tolo. Mas esse entendimento
foi se perdendo, até começar a se falar em camponês, a partir das ações que estes
foram desenvolvendo (lutas, manifestações) (DUARTE, 2001).
Nesse sentido, o campesinato é uma categoria histórica por sua condição
de saber manter as bases da reprodução biótica dos recursos naturais. Em outras
palavras poderia se dizer que o modo de uso da terra pelo campesinato se dá de
maneira que não causa maiores danos, ou seja, ocorre geralmente de maneira
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Análise reflexiva das marchas e contra marchas da relação do PNE com a educaçao do campo
Cássia Betânia Rodrigues dos Santos
233
harmoniosa, mais natural, pois o sujeito propriamente do campo considera se como
fazendo parte deste meio.
Enfim, o camponês sempre existira, aquele homem que cria vínculos
com a terra e que produz para viver nela é sim um camponês nato e ele está aí
sobrevivendo as barbaridades do capital. Dessa forma falar que camponês precisa
andar em maltrapilhos, ser analfabeto, e viver distante do que proporciona bem
estar social é uma ideia um tanto equivocada. Ocorreram mudanças proporcionadas
pela lógica do capital, os interesses desse sistema se modificaram e com ela toda a
dinâmica mundial. Com a competitividade, a tecnologia se desenvolveu de maneira
sem precedentes, invadindo as casas, os comércios, enfim a cidade e o campo. O
camponês também foi atingido, mas sua maneira de tratar a terra continua sendo
a mesma, permanecendo assim como camponês.
Sendo assim, o campesinato é uma classe que se constitui de uma forma não – capitalista de economia, não sendo assim sujeitos bárbaros, reacionários, pré-políticos,
pequenos – burgueses, miseráveis “saco de batata” resíduo feudais etc. (CAMACHO,
2013, p. 152).
A produção camponesa e a produção capitalista são dicotômicas entre si, pois
enquanto um visa à satisfação em relação ao consumo familiar, o capitalista tende a
vender sempre mais para geração de capital e reprodução do lucro com consequente
crescimento. Enquanto o primeiro embasa num trabalho em conjunto, parcerias entre
parentes e amigos para realização do trabalho, o grande capitalista paga para realizar
o trabalho de modo à estrategicamente beneficiar-se com a exploração do sujeito.
O próximo item tem por objetivo apresentar como tem sido a questão agraria
brasileira. Dessa forma será abordado prioritariamente o território do campesinato,
mas também o território do agronegócio. Ambos tecidos no campo de nosso país.
Territorios e territorios: a questão agraria no Brasil
Primeiramente é importante fazer uma reflexão nessa parte do trabalho
sobre a categoria território que marca as dualidades de um campo em disputa
entre o campesinato e o agronegócio. Antes de ser apropriado pelo trabalho de
determinado sujeito é puramente o espaço, para melhor entender isso retomamos
Raffestin (1993) que afirma:
É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma
a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático
(ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao apropriar de um espaço concreto
ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator «territorializa” o espaço.
Partindo dessa citação podemos dizer que o campo é um território que tem
sido disputado por interesses diferentes, marcando territórios também diferentes.
234
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Contudo, é fundamental entender que a questão agraria no Brasil desde a época
em que este era uma colônia, tem sido marcada em maior escala pela concentração
de terra, para satisfação da lógica capitalista de produção. A concentração de terras
na mãos de poucas pessoas, está associada a exploração, seja dos recursos que a
natureza oferece (solo, agua) como de recursos sociais. Hoje essa grande produção
perdeu o nome que recebia que era de Plantation e passa a ser denominada de
agronegócio, percebido claramente em escalas cada vez maiores em todo o Brasil.
Assim em relação ao agronegócio, afirma Fernandes (2008, p. 47) “esse modelo não
é novo, sua origem está no sistema plantation, em que grandes propriedades são
utilizadas para exportação”. Assim percebe que na grande produção, os monocultivos são destinados para exportação, e o objetivo atual é de estar aumentando o
PIB do país.
Em escalas menores, há a pequena ou média produção, território que é
conduzido pelo camponês com um sistema de policultivos. A pequena ou média
produção que é mantida pelo trabalho familiar e que representa sua fonte de
sobrevivência e da família.
Assim temos o produtor capitalista de um lado e o camponês de outro. Dois
sujeitos, com visões diferentes do que é e para que serve a terra. Enquanto que para
o primeiro a terra, é simplesmente uma mercadoria, para obtenção de lucro, para o
outro, a terra é vida. A terra é a garantia do sustento.
Antes de discutir sobre a Educação do Campo, é importante entendermos a
forma de educação que foi pensada pelas lideranças para os sujeitos camponeses.
Assim entender, o porque se lutaram e lutam pela Educação do Campo.
O contexto histórico conceitual da educaçao rural no Brasil
A Educação Rural é anterior a Educação do Campo. E da mesma forma que
a Educação do Campo, a Educação Rural também destinou-se para os sujeitos que
vive na terra, os camponeses.
Nesse sentido, é importante entender que até por volta da década de 1920,
segundo Paiva (1987) a população brasileira era predominantemente rural, e a
maioria dessas pessoas eram analfabetas. Logo, a educação passa a ser acessível
para as classes mais abastadas e as demais classes simplesmente eram excluídos.
Portanto não existia uma educação para o meio rural que englobasse todas as
pessoas que vivessem no campo.
Segundo Sousa (2012) a Educação Rural passa a ser pensada pelas lideranças
a partir da década de 1920, quando um grande número de pessoas tomavam a
cidade, afim de trabalhar nas indústrias que estavam surgindo. Assim a Educação
Rural, passa a ser uma forma de conter a saída das pessoas que viviam no campo.
Portanto, tímida a Educação Rural entra em cena. É uma das primeiras formas
de educação pensada para o camponês. Esse tipo de educação inicia portanto, a
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Análise reflexiva das marchas e contra marchas da relação do PNE com a educaçao do campo
Cássia Betânia Rodrigues dos Santos
235
partir da primeira metade do século XX, atrelada à grande expansão da produção de
cana-de-açúcar. Segundo CALAZANS (1993) neste mesmo período a escravidão já
havia se findado, portanto houve grande necessidade de mão-de-obra qualificada
neste, assim como em outros setores da agricultura.
Logo, entende-se a importância de surgir a escola pertencente ao campo, para
que a mesma se ocupasse de desenvolver a qualificação dos indivíduos residentes
no campo, afim de que a produção obtivesse um significativo aumento. Porém há
que se notar a equivocada concepção de Educação Rural atribuída pela classe de
maior poder, no instante em que faz uso da escola como instrumento de domínio
àqueles, que por sua vez, possuem um desnível social e econômico.
Assim o momento histórico da Educação Rural, traz eventos relevantes que
ocorreram anterior a 1930, como: O Plano Nacional de Educação de 1812 e suas
respectivas reformas em 1876 e posteriormente em 1879, ao qual consta a presença
de disciplinas que nortearam o desenvolvimento e conhecimento maior acerca de
lavoura e horticultura.
De acordo com Souza (2012) a partir das décadas de 1940 e 1950 começaram
a surgir programas, visando a ampliação da Educação Rural no Brasil, como a
Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) e o Serviço Social Rural (SSR), ao qual
tinha por objetivo estar preparando mão de obra para o mercado de trabalho sem
considerar qualquer característica do sujeito camponês.
Segundo Souza (2012) em 1958 se tem a criação da Campanha Nacional de
Erradicação do Analfabetismo (CNEA), que a primeiro momento fez um levantamento
principalmente para saber a situação educacional dos camponeses, mas com o
mesmo intento de expandir a formação dos mesmos, ao qual apenas era restringida
a alfabetização. Esta campanha se iniciou no estado de Goiás que logo alastrou por
todo o Brasil.
Outro marco a ser considerado neste contexto foi a criação do Movimento
Educacional de Base (MEB) criado na década de 1960, ao qual se deu a partir da
promoção de um ensino sancionado por leigos com o apoio do governo Federal e
da Igreja, embora esta última não exercia sua influência religiosa
Ainda na perspectiva de Souza (2012) nos anos de 1963 a 1964, a partir do
MEB percebe-se um avanço no setor educacional tanto no campo quanto na cidade,
pois passa-se a centrar em uma proposta Freiriana que tem por objetivo considerar
os valores sócio-linguístico-cultural do campo e da cidade.
Nos anos seguintes dá início a um regresso na Educação Rural, pois o que se
havia conquistado em benefício aos camponeses desapareceu durante o período
que se estendeu a Ditadura Militar (1964/1985). Logo, o sistema educacional se
tornou instrumento de reprodução de mentes alienadas para atenderem apenas
aos interesses capitalistas. Assim, nota, que a escola rural de modo algum atendia
as necessidades da comunidade, e Ribeiro reforça
236
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Ensinar o manejo de instrumentos, técnicas e insumos agrícolas era o objetivo das
escolas rurais de nível técnico, além do relacionamento com o mercado no qual o
camponês teria de vender a sua produção para adquirir os “novos” produtos destinados
a dinamizá-la, conforme registra a história da educação rural. Desta forma, a perda da
autonomia dos agricultores, associada à imposição de um conhecimento estranho
àquele que é “transmitido e aperfeiçoado de pai para filho (RIBEIRO, 2012, p. 297).
De tudo que foi colocado sobre a Educação Rural e para dar continuidade
nesse percurso, é importante, concluir essa parte, afirmando que a Educação Rural
aqui apresentada, era uma educação para os sujeitos do campo. Diferentemente da
Educação do Campo que como veremos é uma educação construída não somente
com, mas sim é dos sujeitos do campo (CALDART, 2012).
O percurso da educaçao do campo
Mesmo em época da Ditadura Militar, Souza (2012) diz que em 1970 eclodiram
eventos de grande importância para o fortalecimento da comunidade camponesa.
Foi o surgimento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Goiânia, no ano de 1975,
e, posteriormente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no ano
de 1984. O MST tinha como principal preocupação desenvolver uma educação no/
do campo, pois defendiam a escola do campo, representando assim, um elemento
importante para compor a luta da terra e sua permanência. Assim o MST, representa
os primeiros passos para a criação da Educação do Campo.
Segundo Claudemiro (2003) a luta pela Educação do Campo se solidifica em
julho de 1998 na I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica no Campo, ao qual
surgiu através da realização do I Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras
da Reforma Agrária (ENERA) em Luziânia. Nesta conferência se reuniram diversos
grupos de movimentos sociais, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
o Movimento dos Trabalhadores (MST), a Universidade de Brasília (UNB) a (UNESCO)
o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), onde o principal objetivo se
permeava em se discutir a realidade camponesa, tendo como ponto de partida o
desafio de se debater a realidade das escolas no/do campo.
Esses momentos tão significativos para a Educação do Campo, que foi
aprovada em 2002 o primeiro Marco Legal com as Diretrizes Operacionais para
a Educação Básica nas Escolas do Campo (Parecer n° 36/2001 e Resolução nº 1,
2002 do Conselho Nacional de Educação). Assim, as pressões da sociedade civil e
movimentos sociais foram se amplificando cada vez mais para a Educação no/do
Campo. Cada vez mais pessoas participante de movimentos, educadores e outros
passaram a integrar-se nessa luta.
Em 2004 teve a II Conferência Nacional de Educação do Campo também em
Luziânia. Um dos pontos importantes que ocorreu foi de deixar-se o nome de “Por
Uma Educação Básica nas Escolas do Campo,” e passar a ser “Por Uma Educação do
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Análise reflexiva das marchas e contra marchas da relação do PNE com a educaçao do campo
Cássia Betânia Rodrigues dos Santos
237
Campo”, indicando a partir daí que a Educação do Campo estaria se tornando uma
luta não para educação básica, que envolve somente o ensino infantil ao ensino
médio, mas também englobando o ensino superior. Assim a luta é para que os sujeitos
camponeses possam estar tendo o direito de acessar todos os níveis da educação.
Assim é nesse particular que afirma que a Educação no/do Campo foi uma
conquista dos movimentos sociais, que teve como protagonistas principais, a classe
trabalhadora que sentia a necessidade de uma escola que estivesse integrada
a comunidade, sua realidade social e material. Hoje a Educação do Campo é
reconhecida legalmente.
De acordo com Bernardo Mançano Fernandes é preciso discutir a
permanência do sujeito camponês no campo, valorizando seu território, sua cultura
e principalmente seu trabalho, desta forma o investimento na educação voltada para
o campo é o principal caminho para se pensar na permanência do camponês em seu
local de origem. Diante disso, (Caldart 2002) reforçando a perspectiva a Educação
do Campo, aponta que a educação deve ser estabelecida no campo, no local onde
o camponês reside, ao qual sua origem advém do campo, e que seja também do
campo, ou seja, o processo educacional deve se estruturar a partir da realidade social
daquele que vive no campo, valorizando a cultura e identidade do camponês, assim
também como as peculiaridades do espaço em que o indivíduo está inserido, pois
ao vincular a educação e suas práticas pedagógicas às especificidades.
Reflexões acerca da analise dos pnes para a política de educaçao do campo
E para que a Educação do Campo ganhe força, ela precisa de outras políticas
públicas, “mas construída com os próprios sujeitos dos direitos que as exigem.
(CALDART, 2002, p.27) a partir dessa breve passagem, que se pretende aqui analisar
os avanços e retrocessos para a política de Educação do Campo no PNE - Plano
Nacional da Educação. Já foram pontuados algumas políticas públicas, diretrizes que
são importantes para Educação do Campo, contudo o foco deste trabalho está no
PNE. Para tanto, foi necessário uma análise do PNE que vigorou entre 2001 a 2010
com o novo e atual PNE de 2014 a 2024.
Sabendo-se a priori que o primeiro PNE criado foi no ano de 1996. O PNE
é constituído de várias metas e estratégias, todas com um propósito em comum:
melhorar a educação do país. Entre os período de 2001 a 2010 não foi diferentes,
propuseram várias metas e estratégias embora algumas não foram cumpridas
ou ainda metas e estratégias que poderiam ter sido embutidas no PNE pela sua
importância, mas simplesmente foram excluídas, ou seja não contiveram no PNE.
A falta do cumprimento das metas e estratégias e até a composição de outras que
seriam importantes fazer parte do PNE de 2001 a 2010 ocorreu principalmente em
virtude do momento de crise econômica que se passava no Brasil e outros países
capitalistas.
238
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Assim cabe ressaltar que existe alguns trabalhos que vem trazer uma
perspectiva bastante crítica sobre o PNE do período 2001 a 2010, da lei no 10.172, de
9 de janeiro de 2001 respectivamente dentro da Educação do Campo. Era o Estado
despreocupado com a Educação do campo dando a vez novamente para o capital
ganhar força para adentrar se no campo.
De fato, a se tomar por referência esse PNE, por seu conteúdo e conceitos subjacentes
às diretrizes que o compõem e pelos resultados concretos que produziu, pode-se
dizer que o Estado brasileiro naquele período ensejava uma espécie de anti - política
de Educação do Campo. (MUNARIN, 2011, p. 53).
A Educação do Campo, portanto não recebia atenção, em outras palavras a
Educação do Campo não era de maneira alguma citada no PNE que vigorou entre
2001 a 2010. Assim não existia o campo com educação, dava lugar prioritário ao
mercado agroindustrial, até mesmo para superar o momento de crise no país. E
como aborda Munarim as consequências foram o
fechamento indiscriminado de escolas em comunidades rurais por ação dos governos estaduais e municipais. Mais nefasto porque, conforme esse entendimento, o
fechamento da escola na comunidade coaduna-se ou seria parte de uma estratégia
de imposição de um processo de desterritorialização das populações rurais tradicionais para dar lugar físico-geográfico e político a outro modelo de desenvolvimento
econômico do campo com base na agricultura industrial e de mercado. (2011, p. 53).
Embora o PNE 2001 a 2010 não tenha contribuído em nada para a Educação
do Campo, percebe que durante o período que o mesmo vigorou, a Educação do
Campo não se estagnou. Houve conquistas, inclusive do primeiro marco legal em
2002 com as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo
(Parecer n° 36/2001 e Resolução n1, 2002 do Conselho Nacional de Educação) que
abordam categorias e metas importantes para a Educação do Campo, também
houve pela primeira vez um documento normativo que aparecesse a denominação
“Educação do Campo” que foi a Resolução CNE/CEB nº 2, de 28 abril de 2008 e que
segundo Munarim (2011) esse documento também coloca sobre a necessidade de
refrear o uso abusivo de ônibus para transportar meninos do campo para a cidade
e do fechamento de escolas. É importante lembrar que nada dessa e de qualquer
outra resolução que estivessem entre o período de 2001 a 2010 foi incorporado ao
PNE. Na verdade o PNE continuou inalterado até o período em que vigorou.
E pesquisas comprovam que apesar do novo e atual PNE, até hoje as Escolas
do Campo são ameaçadas para seu fechamento, isso porque são consideradas
gastos para os governos estaduais e municipais e que poderiam então ser evitados.
O objetivo deste trabalho é também em satisfazer os anseios que Munarim
coloca em seu trabalho “Educação do Campo no cenário das políticas públicas na
primeira década do século 21” de analisar o novo e atual PNE, depois de tantas
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Análise reflexiva das marchas e contra marchas da relação do PNE com a educaçao do campo
Cássia Betânia Rodrigues dos Santos
239
conquistas normativas e documentais para Educação do Campo, durante o período
em que o PNE anterior estava em vigor. Como já foi abordado a Educação do Campo
não se estagnou, assim a luta fez com que as conquistas continuassem acontecendo.
Uma das últimas conquistas foi o Decreto nº 7.352/2010.
Logo, a pergunta que se faz é: será que o novo e atual PNE 2014 a 2024
absorveu essas conquistas normativas e documentais conquistadas para a Educação
do Campo? Afinal o novo PNE tem atendido a Educação do Campo?
O atual PNE, lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014 traz uma série de pontos
que diferenciam do PNE anteriormente em vigor. Neste, a preocupação com as
populações tradicionais é claramente percebida, especificamente as populações
camponesas. Várias metas são colocados, desde ao acesso à educação, o respeito a
diversidade cultural, as especificidades das Escolas do Campo. Uma dos pontos mais
importantes abordados no decorrer do documento e que favorece, apoia muito a
Educação do Campo e do “limitar a nucleação de escolas e o deslocamento de crianças,
de forma a atender às especificidades dessas comunidades, garantido consulta prévia
e informada; e a formação continuada de professores das escolas do campo” no anexo
da lei que rege o atual PNE, Meta 1, Estratégia 1.10.
Outros pontos importantes que consta no PNE, para a Educação do Campo
nas Escolas do campo são o acesso à energia elétrica, abastecimento de água tratada,
esgotamento sanitário e manejo dos resíduos sólidos, garantia ao acesso dos alunos
a espaços para a prática esportiva, a bens culturais e artísticos e a equipamentos
e laboratórios de ciências e, em cada edifício escolar, garantir a acessibilidade às
pessoas com deficiência. Todos esses pontos constam no PNE atual.
Também consta no PNE atual, Parágrafo 4º, Artigo 7º que as Escolas do Campo
devem ser “lugares de valorização das identidades e especificidades socioculturais
e linguísticas de cada comunidade envolvida” “e ainda na Meta 15, Estratégia 15.9,
“implementação de programas específicos para formação de profissionais da educação
para as escolas do campo e de comunidades indígenas e quilombolas e para a educação
especial”. Outros pontos são colocados no PNE que não deixam de ser importantes.
Também dispõe no PNE atual, algumas Metas e Estratégias que envolvem
a questão agraria, ou melhor pensando o território camponês numa abordagem
que está ligada a Educação do Campo. Coloca-se na Meta 7, Estratégia 7.26, que a
Educação do Campo deva propor tecnologias pedagógicas pensando no território do
sujeito, e “garantindo: o Desenvolvimento Sustentável”. Percebe se aqui a preocupação
em propor uma Educação do Campo que vincule tanto o social, econômico e
ambiental. São três esferas equilibradas, ou seja, nenhuma se sobressaindo a outra,
leva ao que Buarque (2002) denomina de Desenvolvimento Sustentável.
Além disso tem-se ainda na Meta 2, Estratégia 2.7, a “organização flexível
do trabalho pedagógico, incluindo adequação do calendário escolar de acordo com a
realidade local, a identidade cultural e as condições climáticas da região”. Neste ponto
percebe-se uma outra preocupação bastante relevante, que é o trabalho, o labor na
240
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
terra. Os povos do campo, especificamente o camponês tem a época de preparar a
terra, plantar e colher. São atividades que devem ser consideradas no plano escolar,
uma vez que é a partir do trabalho na terra que este sujeito garante sua sobrevivência.
Assim para não prejudicar-se na escola e nem no trabalho que realiza no campo, deve
haver a adequação do calendário escolar. É aí que falamos em TE – Tempo Escola e
TC – Tempo comunidade. Tanto o primeiro como o segundo são importantes e se
relacionam/conversam. O Tempo Escola sendo as atividades e momentos realizados
na própria escola. E o Tempo Comunidade, são também atividades e momentos
realizados na comunidade em que vive o sujeito, ambos são carregados de muito
conhecimento. Assim a escola precisa conhecer como é a realidade do sujeito, para
adequar não somente o calendário mas as práticas pedagógicas e suprir as reais
necessidades que surgem na vida camponesa.
Mas o que chamou minha atenção com o estudo realizado no PNE atual é o
que consta na Meta 2, Estratégia 2.10 de “estimular a oferta do ensino fundamental,
em especial dos anos iniciais, para as populações do campo, indígenas e quilombolas,
nas próprias comunidades”. Essa meta nos faz refletir que a prioridade dada ainda é
do ensino fundamental no campo, enquanto que o ensino médio e superior pode ser
cursado pela comunidade na cidade. Expandir o ensino médio e os programas lato e
strictu sensu é fundamental para o campo, e embora isso conste no documento, fica
claro que nem sempre esses dois níveis de educação serão priorizados e portanto
poderá está disponível as comunidades camponesas.
Consideraçoes finais
Os trabalhadores do campo brasileiro embora sempre tenham exercido
um papel muito importante que é o de cultivar a terra, nem sempre teve lugar na
sociedade principalmente politicamente. Alguns séculos atrás esse trabalhador do
campo, discorrendo explicitamente sobre o camponês, era simplesmente abolido
de seus direitos. Eram sujeitos excluídos, denominados de caipiras e considerados
fadado ao atraso. Muito dessa realidade mudou positivamente para estes, embora
ainda não seja de completo suficiente.
Um desses direitos que lhe foi negado é o acesso à educação. O preconceito
para com o trabalhador do campo especificamente o camponês, e de valorização
da identidade camponesa, criou a concepção de que esse sujeito não precisaria
de estudar para manusear a enxada. Mas a modernização do campo fez com que
isso começasse a mudar e então surge a Educação Rural, que nada tem a ver com
a Educação do Campo. A Educação Rural como uma forma de instrumentalizar os
sujeitos para saber lidar com os insumos industriais que estavam sendo criados na
época para o campo.
Mas a Educação do Campo surge, ela começa a aparecer ainda em 1984, com
a criação do MST, movimento social muito importante para a classe camponesa.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Análise reflexiva das marchas e contra marchas da relação do PNE com a educaçao do campo
Cássia Betânia Rodrigues dos Santos
241
Movimento que até então, tem ido a luta para mudar a aparência e construir uma
nova essência no campo brasileiro. Enfim, de passar de um rural concentrador e
explorador, para um campo mais justo e sustentável.
Foi com os primeiros passos que o MST deu naquela época, que a proposta
da Educação do Campo entra em debates de conferencias e seminários, e assim
conquista vários marcos legais que a solidificou como direito dos povos do campo.
Hoje a Educação do Campo é uma política pública e assim, ela depende de
políticas que a ajudam para seu fortalecimento e ampliação. A política de Educação
do Campo como as demais políticas que conversam com ela, são imbuídas de falhas
na execução como falhas nas metas e estratégias para a execução.
Neste trabalho fica claro como a Educação do Campo avançou como política
e como a Educação do Campo avançou nas outras políticas públicas que também
tratam de educação. Isso fica explicito quando debatemos o PNE que até 2010 não
favorecia, não atendia em nada a Educação do Campo. Mas que no PNE de 2014 a
2024, que é o atual, muita coisa mudou, na verdade é uma política que agora pensa
também na Educação do Campo. Embora este atual PNE conte com falhas nas metas
e estratégias para execução em prol da Educação do Campo, também representa
um avanço importante para esta, uma vez que algumas décadas atrás não se falava
em Educação do Campo, há quase um século não era considerado ser de direito dos
trabalhadores do campo o acesso ao conhecimento.
As dificuldades e falhas nas políticas públicas que tem por objetivo atender
o povo brasileiro de forma justa e também sustentável, não são por acaso, essas
dificuldades e falhas existem e acontecem porque o Brasil é um país extremamente
desigual, injusto, favorecendo somente a elite dominante.
Referencias
BUARQUE, Sergio C. Construindo o desenvolvimento local sustentável: metodologia de
planejamento. Editora Garamond, 2002 - 177 páginas
CALAZANS, M.J.C. Para compreender a educação do estado no meio rural. In. THERIER, J;
DAMASCENO, M.N (Cord). Educação e escola no campo. Campinas: Papirus. 1993.
CALDART, Roseli Salete. Educação do campo. In. Dicionário da Educação do Campo. Expressão
Popular. São Paulo, 2012.
.________. Por uma educação do campo: traços de uma identidade em construção.
In_____. Por uma educação do campo: identidade e políticas públicas. Brasília DF: articulação
nacional Por uma educação do campo, 2002. p. 18.
CAMACHO, Rodrigo Salomão. Paradigmas em disputa na educação do campo. Tese de
doutorado em geografia da FCT- UNESP de Presidente Prudente. 2013
DUARTE, Élio Garcia. Manifestações camponesas em Goiás. Perspectivas para uma pesquisa. História cultural. Revista Goiânia, vol. 6 jan./jun., 2001, p. 113-134.
242
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
FERNANDES, Bernardo Mançano. Educação do campo e território camponês no Brasil.
In: Educação do campo: campo – políticas públicas – educação. Brasília: Incra; MDA, 2008
HADDAD, Sérgio. Direito À Educação. In. Dicionário da Educação do Campo. Expressão
Popular. São Paulo, 2012.
MOLINA, Mônica Castagna; FREITAS, Helana Célia de Abreu. Avanços e desafios na construção
da Educação do Campo. Em Aberto, Brasília, v. 24, n. 85, p. 17-31, abr. 2011.
MUNARIM Antônio. Educação do Campo no cenário das políticas públicas na primeira
década do século 21. Em Aberto, Brasília, v. 24, n. 85, p. 51-63, abr. 2011
PAIVA, V.P. Educação popular e educação de adultos. 4º ed. São Paulo. Edições Loyola, 1987.
PINTO, José Marcelino de Rezende. Fundos Públicos. In. Dicionário da Educação do Campo.
Expressão Popular. São Paulo, 2012.
PNE. Política Nacional de Educação. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm. Acessado em:
20/05/2015
PNE. Política Nacional De Educação. Lei No 10.172, de 9 de Janeiro de 2001. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acessado em: 20/05/2015
RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do poder. In: Território e o poder. Serie Temas, Volume
29, Geografia e política, Editoria Ática, 1993.
RIBEIRO, Marlene. Educação Rural. In. Dicionário da Educação do Campo. Expressão Popular.
São Paulo, 2012.
SOUZA, Francilane Eulália de. As “geografias” das escolas no campo do município de Goiás:
instrumento para a valorização do território do camponês? Tese de Doutorado em Geografia. Presidente Prudente – SP. 2012
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Análise reflexiva das marchas e contra marchas da relação do PNE com a educaçao do campo
Cássia Betânia Rodrigues dos Santos
243
Desenvolvimento Territorial Rural
e Agroecologia no Assentamento
Contestado, Lapa – PR
RURAL TERRITORIAL DEVELOPMENT AND AGROECOLOGY
IN THE CONTESTADO SETTLEMENT, LAPA – PR
Celbo Antonio Ramos Fonseca Rosas
Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR
[email protected]
Resumo: O presente trabalho faz parte de uma pesquisa em andamento financiada pelo
CNPq, que tem por objetivo compreender e analisar os principais aspectos e características
do modelo de produção e organização, além das concepções ideológicas que envolvem a
agroecologia e a sua transição enquanto contraponto ao capital, no contexto do paradigma
da questão agrária, diante das políticas públicas direcionadas à agricultura familiar, visando
e possibilitando aos camponeses do assentamento Contestado, localizado no município
de Lapa - PR, um fortalecimento produtivo e organização com bases na produção familiar.
Palavras-chave: Desenvolvimento territorial rural; agroecologia; políticas públicas.
Abstract: This work is part of an ongoing research funded by the CNPq, which aims to
understand and analyse the main aspects and characteristics of production and organization
model, beyond the ideological concepts that involve the Agroecology and your transition as
counterpoint to the capital, in the context of the paradigm of the agrarian question in front
of public policies directed to family agriculture aiming and allowing the peasants of the
Contestado settlement, located in the municipality of Lapa-PR, a productive strengthening
and organization with bases in household production.
Key-words: Territorial rural development; Agroecology; public policies.
1 – Introdução
A pesquisa objeto desse texto faz parte do projeto financiado pelo CNPq em
2014, e conta com a participação do grupo de pesquisa Geografia Agrária e Território
(GEGATE) e Geografia e desenvolvimento (GEODES), da Universidade Estadual de
Ponta Grossa – PR, com alunos de graduação e pós-graduação da mesma instituição
do curso de Geografia, assim como discentes dos cursos de Agronomia e Engenharia
de Alimentos, além de docentes que participam diretamente do desenvolvimento
da pesquisa em questão, que terá a duração de três anos.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
Apesar da pesquisa se encontrar em fase inicial, alguns resultados podem
ser demonstrados de maneira preliminar, fruto dos debates oriundos dos encontros
para discutir teórica e empiricamente as temáticas propostas que, acredita-se ser um
desafio para os pesquisadores, pois relacionam três distintas, mas complementares
temáticas relacionadas à Geografia Agrária: o desenvolvimento territorial rural, as
políticas públicas direcionadas para a agricultura de base familiar, e a proposta da
agroecologia.
O Assentamento Contestado, localizado no município da Lapa – PR está
distante aproximadamente 70 km de Curitiba e 110 km de Ponta Grossa, e foi
constituído como assentamento a partir do Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra (MST), ocupando uma área de 3.228 ha em 1999, que seria desapropriada por
dívidas de seus proprietários. Cerca de 108 famílias conquistaram o direito à terra,
dividindo e se agrupando em grupos no interior do assentamento. Atualmente,
de acordo com Riepe e Moraes (2013), aproximadamente 80 famílias atuam na
produção agroecológica de hortaliças, estando vinculadas à comercialização direta
ao consumidor e as políticas públicas federais, direcionadas aos municípios de
Curitiba, Campo Largo e Lapa.
Discutir desenvolvimento territorial rural nos remete ao exercício de atribuir
significados ao conceito, em sua vertente aplicável ao real, em diversas interpretações.
No sentido de tentar aproximar o conceito à realidade, outras questões devem ser
mencionadas, como: qual o tipo de desenvolvimento estamos falando? Para quem?
Quais os parâmetros para se verificar o desenvolvimento? Para que serve, diante
dos parâmetros apontados? Em qual escala estamos analisando, aplicando ou
construindo? A sociedade local quer e necessita desse desenvolvimento?
O fato é que, em suas abordagens paradigmáticas, diversas divergências
foram construídas historicamente, tanto no contexto teórico-metodológico quanto
no político-ideológico. O fato é que ações estão sendo desenvolvidas no sentido de
proporcionar e criar o desenvolvimento rural em âmbito territorial, e a partir dessas
questões, cabe a indagação e análise da funcionalidade de tal abordagem e de sua
aplicabilidade real, no contexto das políticas públicas federais destinadas à agricultura
de base familiar no Brasil, e a relação destas com a necessidade de uma transição
agroecológica no contexto do paradigma da questão agrária (FERNANDES, 2008).
A pesquisa se encontra em fase de desenvolvimento inicial, e tem como
objetivo compreender a relação, no contexto da dinâmica territorial pautada no
desenvolvimento territorial rural, da transição agroecológica baseada no paradigma
da questão agrária, com as políticas públicas federais direcionadas à agricultura de
base familiar, com destaque para o PRONAF, PAA e PNAE, no assentamento rural de
Contestado, localizado no município da Lapa – PR.
Para se alcançar os objetivos específicos, far-se-á necessário as análises dos seguintes pontos: compreender a dinâmica da produção agroecológica no âmbito das
famílias assentadas; analisar a aplicabilidade das políticas sobre a agricultura de âm-
246
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
bito familiar no assentamento, destacando, quantificando e qualificando o PRONAF,
o PAA e o PNAE; verificar a inserção e os desafios dos assentados no mercado local e
regional no contexto do desenvolvimento territorial rural e da segurança alimentar;
relacionar a produção agroecológica com as políticas públicas federais direcionadas
à agricultura de âmbito familiar; caracterizar territorialmente e cartograficamente
o assentamento Contestado e; verificar e relacionar a produção agroecológica no
contexto da sustentabilidade ambiental do assentamento Contestado.
O recorte da pesquisa compreende o Assentamento rural Contestado,
localizado no município da Lapa – PR, e implicará na leitura de diferentes obras e
documentos já conhecidos e que ainda serão alvos de pesquisas nas bibliotecas
das Universidades públicas no estado, assim como instituições públicas e sites
científicos da internet, relacionados às temáticas: desenvolvimento territorial rural;
agroecologia; políticas públicas federais para a agricultura familiar; e o contexto
dos movimentos sociais, com destaque para o MST. Serão verificadas informações
secundárias no IPARDES, IBGE e EMATER para a formação de um banco de dados sobre
a dinâmica da produção agropecuária camponesa nesse município, contextualizando
a produção do assentamento.
Já os dados de fonte primária serão obtidos por meio de verificações de
campo, entrevistas e análise do discurso com as famílias envolvidas na agricultura de
manejo e perspectivas agroecológicas, além de líderes de grupos e coordenadores
do MST. Estão envolvidos nas entrevistas também os beneficiários dos produtos dos
assentados, como escolas, creches e hospitais que eventualmente estejam vinculados
à produção desenvolvida pelos assentados.
A análise do discurso reflete as ações estruturadas por meio de parâmetros
vinculados a identificação e aproximação da realidade, buscando a participação e
discussão dos resultados com as sociedades estudadas nesse contexto, objetivando
ações propositivas junto aos camponeses, principalmente aos assentados que
apresentarem mais demanda.
Serão elaborados ainda, através de instrumentos cartográficos de
softwares de GIS, cartas e mapas representativos das produções, caracterizando
o assentamento, para facilitar a visualização de ações vinculadas diretamente à
produção agroecológica.
2 – Desenvolvimento
O território como abordagem geográfica, em suas diversas tendências e
formas de análise, representa atualmente um conceito central nas divisões de
áreas estagnadas econômica e social, além de uma tendência nas conceituações de
políticas públicas direcionadas ao espaço rural (SCHNEIDER e TARTARUGA, 2005). A
aplicação dessas políticas resulta em diversas formas de resistência dos excluídos,
produzindo constantes conflitos pelo território, tanto no plano material quanto
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento Territorial Rural e Agroecologia no Assentamento Contestado, Lapa – PR
Celbo Antonio Ramos Fonseca Rosas
247
no imaterial (FERNANDES, 2008). A constante luta do homem pela terra e por sua
permanência, diante da inserção do capital no espaço rural, estabelece, segundo
Fernandes (2013), dois paradigmas distintos: o paradigma da questão agrária e o
paradigma do capitalismo agrário.
O desenvolvimento das forças produtivas do capital no espaço rural
modificou as relações de produção e sociais, principalmente no que tange às
famílias camponesas que vivem da produção nesse espaço. Longe de serem
empreendedoras, mesmo que por necessidade, tais famílias buscam alternativas às
constantes dificuldades de produção, sobrevivência e reprodução enquanto classe
social heterogênea, devido a diversos motivos de caráter interno e externo.
Alguns problemas externos são políticas públicas federais, estaduais ou
municipais direcionadas e segregadas, instáveis e insatisfatórias, gerando uma
discriminação da agricultura camponesa pelas políticas macroeconômicas, tanto
é que o montante de recursos destinados à agricultura de base familiar, embora
tenha aumentado de 24,1 bilhões do ano anterior (2014/15) para 28,9 bilhões de
reais em 2015/16, ainda é insignificante se comparado aos recursos destinados à
agroindústria, que passou de 156,1 bilhões para 187,7 bilhões de reais para o mesmo
período (MDA, 2015).
Os serviços extensionistas são, na maioria dos casos, insuficientes, normalmente
por falta de pessoal capacitado, e quando são alcançados os serviços, não conseguem
atender as expectativas das famílias agricultoras. A dificuldade de comercialização e
a concorrência desleal de produtores capitalizados é outro grave problema externo
que se apresenta, assim como a burocratização do crédito rural pelas famílias que
conseguem alcançar tais condições, dentre outros.
Tais problemas não estão diretamente no controle e alcance das famílias
que sobrevivem no/do espaço rural, e impedem e dificultam a sua manutenção e
desenvolvimento produtivo e social na economia local e regional, pois os interesses
e direcionamento são aplicados verticalmente por segundos ou terceiros, e
não representam diretamente as necessidades camponesas de sobrevivência e
reprodução no interior do sistema de produção capitalista.
Alguns dos problemas internos estão ligados à falta de preparação das
famílias para administrar e empreender suas produções, pois mesmo considerando
a subsistência, parte de seus produtos devem ser destinados ao mercado, e os
camponeses, sem articulações, sentem muitas dificuldades para alcançar tal objetivo.
A manutenção do tradicionalismo, sem abertura para novas práticas, devido
principalmente a elevada idade dos chefes de família, são fatores evidentes da
questão: como e qual o tipo de desenvolvimento essas famílias buscam ou precisam?
E se precisam? Qual(is) a(s) fronteira(s) que se estabelecem entre o desenvolvimento
territorial rural real e necessário? As políticas públicas são suficientes para atender as
demandas camponesas? Essas questões estão na base da compreensão relacional
que cria as articulações teóricas necessárias para se alcançar o olhar que direciona a
248
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
tentativa de desvendar as condições reais dos quais tais famílias criaram e, ao mesmo
tempo, são resultado desse sistema contraditório e dialético.
Vale ressaltar que os problemas citados não abrangem todo universo da
agricultura camponesa, mas representam uma parcela significativa das famílias deste
espaço. Tais problemas afetam diretamente a permanência do homem no campo,
assim como alavanca os conflitos no/pelo território, pois o objetivo desses grupos
é, além da luta pela terra, a sobrevivência e reprodução na terra, principalmente
depois de assentados.
Nesse contexto, a agroecologia, inserida no paradigma da questão agrária,
ao contrário do agronegócio, relacionado ao paradigma do capitalismo agrário, traz
uma perspectiva social, econômica, ambiental e cultural, que retoma uma ideologia
de produção e de vida vinculada ao passado sem agrotóxicos, insumos químicos e
trabalho escravo ou assalariado. Porém, de acordo com Altieri (1989), a agroecologia
não é de forma alguma um retrocesso, mas um avanço na produção e capacidade
ideológica de organização familiar e construção social através de práticas tradicionais.
Embora distintos, as conceituações de agroecologia tentam relacionar
o saber científico com o saber tradicional. Nesse sentido, para Altieri e Nichols
(2007) a agroecologia é capaz de orientar a transformação dos sistemas produtivos
tradicionais em sistemas diversificados e autossuficientes. Já para Sevilla-Guzmán
(2006), o sistema agroecológico proporciona acúmulo de conhecimentos para a
apropriação correta dos recursos naturais na obtenção de alimentos. Já para Caporal
e Costabeber (2004), a agroecologia proporciona um campo de conhecimentos
técnicos para apoiar o modelo de transição do modelo de agricultura tradicional
para o modelo de base ecológica sustentável.
Nesse sentido, temos três definições distintas de agroecologia que podem ser
distintas entre si pelos autores citados: a) como campo de conhecimento; b) formas
coletivas de manejo dos recursos naturais e; c) modo de vida.
O atual modelo de consumo e as tecnologias são a base para o capitalismo
contemporâneo (MÉSZÁROS, 2002), e nesse sentido as grandes corporações
multinacionais penetram no espaço rural brasileiro, monopolizando a produção
de sementes, além do uso de insumos e biotecnologias. Todo esse aparato tem
como articulador o Estado, com interesses vinculados historicamente ao capital
e a concentração fundiária, além de equívocos de planejamento direcionados ao
emprego através da indústria, auxiliam a expansão mundial dessas empresas e o
consequente monopólio.
A expansão da indústria, juntamente com o aumento da transgenia e a
proteção às patentes cultivares representam o domínio e o avanço do capitalismo
no campo. Isso reflete que até mesmo as produções em âmbito familiar estão, de
alguma forma, relacionadas ao domínio e diretrizes do capital. A agroecologia se
apresenta como uma perspectiva de ruptura e transição de produção, cultura,
consumo e identidade com a terra, no contexto do paradigma da questão agrária.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento Territorial Rural e Agroecologia no Assentamento Contestado, Lapa – PR
Celbo Antonio Ramos Fonseca Rosas
249
Em meados da década de1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso,
foi criado o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF),
uma importante política pública direcionada à agricultura de base familiar, buscando
atender as reivindicações e necessidades de produtores rurais. Evidentemente que
o programa teve diversas críticas e dificuldades de inserção e aceitação por parte
dos produtores mais necessitados, porém, não se pode negar que esse programa
foi um marco nas políticas públicas direcionadas à agricultura familiar no Brasil.
(SARON e HESPANHOL, 2012).
No contexto da agricultura de base familiar, o Estado criou e ainda mantém
o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em 2003, que objetiva a inserção
no mercado pelos produtores familiares, em seus diversos âmbitos de aplicação,
além do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), implementado nessa
mesma perspectiva inicialmente no governo Vargas, em 1955, e recriado em 2009,
relacionando a agricultura de base familiar ao repasse dos produtos às escolas da
rede pública de ensino do local.
De acordo com Wanderley (2009), grande parte da dinâmica e diversificação
econômica e da pluriatividade provém das famílias rurais, e tal processo não
estabelece de fato alguma forma de abandono da agricultura e do espaço rural. Esta
característica representa uma estratégia familiar para garantir a sua permanência
no espaço rural e a manutenção dos vínculos com o território e com o patrimônio
familiar, caracterizando sua identidade territorial, construída historicamente através
das lutas diversas, primeiramente pela terra, e depois para a sua permanência nesta.
A agricultura de base familiar camponesa geralmente apresenta traços
característicos de produção, estruturados por culturas temporárias (principalmente
arroz, milho, feijão, mandioca, cenoura, hortifruticultura em geral, e algumas frutas,
como morango e uva). A diversidade de espécies cultivadas torna-se um dos traços
marcantes desses agroecossistemas, combinando culturas vegetais temporárias e
permanentes, características de um ecossistema natural agroecológico.
Uma das principais dificuldades na implantação e aceitação das políticas
públicas governamentais junto à agricultura familiar está ligada aos parâmetros
paradigmáticos relacionados à produção. Os pacotes tecnológicos provenientes
da Revolução Verde tratam esse tema de modo reducionista nos aspectos da
produção animal e vegetal, como no aspecto da economia local e regional, quando
compreendem o homem e a natureza separadamente e aderindo, mesmo que de
forma fracionada, os interesses do capital.
O sistema de produção agroecológico é, portanto, muito mais do que um
sistema produtivo sem o uso de agrotóxicos, o que já é muito relevante. Um novo
paradigma de vida e de organização produtiva, de consolidação familiar como
identidade territorial, caracterizada num modo de vida sustentável alimentar e
ambientalmente, construídos socialmente. (Altieri, 1989; Gliessman, 2005).
250
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Considerações finais
Portanto, um desafio imenso coloca-se para a produção agroecológica no
Assentamento Contestado. Trata-se de promover uma dinamização econômica local
e regional que viabilize, estruture e eleve a renda e a qualidade social, ambiental e
alimentar dos assentados que as utilizam, juntamente com a manutenção cultural
e social de reprodução familiar e dos consumidores de seus produtos, distintos à
lógica do capital.
As dificuldades na realização da pesquisa se encontram na inter-relação
temática proposta entre três vertentes analíticas, considerando o desenvolvimento
territorial rural, atrelado de alguma forma às políticas públicas em âmbito federal
direcionada à agricultura de base familiar, na perspectiva de uma produção
agroecológica, considerando o contexto do paradigma da questão agrária.
As famílias que compõe o assentamento são oriundas de lutas pela terra,
e tais lutas transparecem a essência ideológica camponesa. Isso não significa que
tais famílias não tenham que lutar por seus direitos de representatividade, de
produção, comercialização e junto ao Estado, pois se entende que existe um potencial
extraordinário de atividade produtiva, mesmo considerando que as políticas públicas
fazem parte de um contexto implementado por interesses muitas vezes políticos e
ideológicos. É necessário, portanto, lutar pelos interesses dos camponeses nas esferas
estatais e locais, tendo a produção agroecológica como mais um mecanismo ideológico
e salutar na perspectiva produtiva contrária ao contexto produtivo do capital.
Referências
ALTIERI, Miguel A. et. al. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Edição
AS-PTA Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa. Rio de Janeiro, 1989,
Segunda edição.
ALTIERI, M.; NICHOLS, C. I. Conversión agroecológica de sistemas convencionales de producción: teoría, estratégias y evaluación. In: Ecosistemas – Revista Científica y Técnica de Ecologia
y Medio Ambiente, v. 16, n. 1, Enero, 2007. P. 3-12.
CAPORAL, F.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia: alguns conceitos e princípios. Brasília: MDA/
SAF/DATER/IIC A, 2004.
FERNANDES, B. M. Construindo um estilo de pensamento na Geografia Agrária: o debate
paradigmático e o conhecimento geográfico. Presidente Prudente: UNESP, 2013. V. 1. Tese
de Livre Docência.
______. Entrando nos territórios do território. In PAULINO. E. T.; FABRINI, J. E. Campesinato e
territórios em disputa. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
GLIESSMAN, S.R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre:
Editora da Universidade – UFRGS 3° ed. 2005.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento Territorial Rural e Agroecologia no Assentamento Contestado, Lapa – PR
Celbo Antonio Ramos Fonseca Rosas
251
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Disponível em: www.mda.gov.br. Acesso em
03/07/2015.
MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo: Boitempo; Campinas: UNICAMP, 2002.
RIEPE, A. J; MORAES, P. E. S. Produção agroecológica de hortaliças no assentamento contestado,
município da Lapa. In: Revista Qualidade Emergente. UFPR, Curitiba – PR, v. 4, n. 1, p. 17-30.
SARON, F. A.; HESPANHOL, A. N. O PRONAF e as políticas de desenvolvimento rural no Brasil:
o desafio da (re)construção das políticas públicas de apoio à agricultura familiar. In: Revista
GEO UERJ, Rio de Janeiro: UERJ, ano 14, n. 23, v. 2, 2012. P. 656-683.
SCHNEIDER, Sérgio; TARTARUGA, Iván G. Peyré. Do território geográfico à abordagem territorial
do desenvolvimento rural. In: Jornadas de Intercambio y Discusión: el desarrollo rural en
su perspectiva institucional y territorial, FLACSO, Buenos Aires, 2005.
SEVILLA-GUZMÁN, E. S. El marco teórico de la agroecología. In: GUZMÁN, E. S. Perspectivas
agroecológicas. Desde el pensamiento agrário. Córdoba: servicio de publicaciones – Universidade de Córdoba: Instituto de Sociologia y Estudos Campesinos, Universidade de Córdoba,
2006. P. 221-248.
WANDERLEY, M. N. B. O mundo rural como um espaço de vida: reflexões sobre a propriedade
da terra, agricultura familiar e ruralidade. Porto Alegre (RS): Editora da UFRGS, 2009.
252
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Desenvolvimento e políticas
públicas: a sustentabilidade
socioambiental no Zé AçuParintins/AM.
DESARROLLO Y POLÍTICAS PÚBLICAS : SOSTENIBILIDAD
SOCIAL Y AMBIENTAL EN ZÉ ACU- DE PARINTINS / AM
Charlene Maria Muniz da Silva
Universidade do Estado do Amazonas
[email protected]
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo geral levantar os elementos que compõe a
sustentabilidade socioambiental no território do Zé Açu, localizado a sudeste do município
de Parintins/AM. Como metodologia foi utilizada entrevistas (individuais e coletivas),
padronizadas, com roteiro semiestruturado e gravadas para facilitar a análise e aplicação de
formulários. Constataram-se grandes desafios à sustentabilidade, em suas várias vertentes,
para a área estudada. Identificou-se quais os setores que devem ser melhorados nas
comunidades, os investimentos por conta do poder público. Dentre os principais estão: a
coleta e destino adequado de resíduos sólidos (31%) e melhoria na infraestrutura de água
e energia (30%). Organizamos um quadro de possíveis caminhos para que o Zé Açu possa
alcançar a sustentabilidade tanto ambiental, como econômica, social e cultural. A cidade
de Parintins, exerce influência econômica, social e cultural no Zé Açu que já apresentam
implicações socioambientais que repercutem na (re)produção do habitus de seus moradores.
Palavras-Chave: Sustentabilidade, Politicas Publicas, Território.
Resumen: Este trabajo tiene como objetivo principal elevar los elementos que conforman la
sostenibilidad social y ambiental en el territorio de Zé Açu, situado al sureste del municipio
de Parintins / AM. La metodología se utilizó entrevistas (individuales y colectivos), estándar
con semi-estructurada y grabada para facilitar formas de análisis y aplicación. Encontraron a
los principales retos para la sostenibilidad en sus diversos aspectos, para el área de estudio.
¿Qué sectores deben mejorar en las comunidades, se identificó las inversiones en nombre de
las autoridades públicas. Entre los principales son: la recolección y disposición adecuada de los
residuos sólidos (31%) y la mejora de la infraestructura de agua y energía (30%), organizamos
un marco de posibles formas para el Zé Açu puede lograr su sostenibilidad ambiental tanto
como económico, social y cultural. La ciudad de Parintins, lleva influencia económica, social
y cultural en Ze Agu que ya tienen implicaciones ambientales que repercuten en la (re)
producción de habitus de sus residentes.
Palabras Clave: Sustentabilidad , Políticas Públicas , Territorio .
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo geral levantar os elementos que
compõe a sustentabilidade socioambiental no território do Zé Açu, a sudeste
do município de Parintins, cerca de 14 km da sede municipal, composta de sete
comunidades rurais, segundo dados da Secretaria Municipal de Produção de
Parintins (2013). Optamos por fazer um recorte geográfico e selecionamos três
destas comunidades: Bom Socorro (distante 14 Km da cidade de Parintins ) , Paraíso
e Boa Esperança (distante 2,3 e 3,2 quilômetros da comunidade Bom Socorro,
respectivamente) para compor o universo da pesquisa.
Como metodologia foi utilizada entrevistas (individuais e coletivas),
padronizadas, com roteiro semiestruturado e gravadas para facilitar a análise. As
entrevistas com os sujeitos da pesquisa consistiram em importante instrumento,
possibilitando a compreensão desses lugares a partir de inúmeras características,
ou seja, compreensão do mundo vivido onde foi possível verificar como os mesmos
apreendem as mudanças pelas quais esse território está passando, assim como suas
perspectivas em relação ao futuro.
Realizamos a técnica do grupo focal, que consiste em reuniões com as
lideranças das comunidades, na qual os ribeirinhos puderam expor suas opiniões
sobre as preocupações sociais coletivas do grupo. No grupo focal foram realizadas
reuniões com grupos de lideranças das comunidades. Os participantes tiveram a
oportunidade de expor sua opinião sobre as preocupações sociais coletivas. Mas,
primeiramente, foram elaborados roteiros de entrevista com a formulação de uma
pergunta central, acompanhada de alguns itens que durante a aplicação da técnica
ajudaram na condução do tema para a focalização. Também fizemos as entrevistas
individuais que foram gravadas e transcritas posteriormente.
No grupo focal trabalhamos com procedimentos semelhantes aos descritos no
Diagnóstico Rural Participativo (DRP), trata-se de um procedimento mais abrangente
de pesquisa que consiste em um conjunto de técnicas e ferramentas que permite
que as comunidades façam o seu próprio diagnóstico, podendo relatar sobre o
estado dos seus recursos naturais, sua situação econômica e social e outros aspectos
importantes para a comunidade (VERDEJO 2006).
Desenvolvimento e Sustentabilidade
O relatório Brundland, ao conceituar o DS como forma de garantir que ele
atenda às necessidades do presente sem comprometer as gerações futuras, deixa
exposta a difícil tendência de conciliá-lo a desigualdades sociais ao crescimento
econômico:
A humanidade é capaz de tornar o desenvolvimento sustentável – de garantir que ele
atenda às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações
254
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
futuras atenderem também as suas. O conceito de desenvolvimento sustentável tem,
é claro, limites – mas não limites absolutos, mas limitações impostas pelo estágio
atual da tecnologia e da organização social, no tocante aos recursos ambientais, e
pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos da atividade humana. Mas tanto
a tecnologia quanto a organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de
proporcionar uma nova era de crescimento econômico. Para a comissão a pobreza já
não é inevitável. A pobreza não é um mal em si mesma, mas para haver desenvolvimento sustentável é preciso atender as necessidades básicas de todos e dar a todos a
oportunidade de realizar suas aspirações de uma vida melhor. (CMMAD, 1988, p. 9-10).
Este trecho do relatório Brundland mostra-se contraditório a partir da análise
socioeconômica. Mesmo reconhecendo os problemas sociais como parte fundamental dos problemas ambientais. O discurso DS é fundamentado na concepção de um
desenvolvimento baseado no crescimento econômico.
Nessa conjuntura, Boff comenta que:
As causas reais da pobreza e a da degradação da natureza, vê se que resultam, não
exclusivamente, mas principalmente, do tipo de desenvolvimento industrialista/
capitalista praticado. Ele é que produz degradação, pois dilapidam a natureza em
seus recursos e explora a força de trabalho, pagando baixos salários e gerando assim
pobreza e exclusão social. (BOFF, 2012 p. 46).
É difícil pensarmos no crescimento econômico em sintonia com a conservação
do meio ambiente, visto que são dois pensamentos em busca de objetivos diferentes.
Entretanto, ao analisarmos o aspecto social, é notória a importância do equilíbrio
entre esses dois aspectos que representam a unificação de um modelo social de
desenvolvimento em busca da sonhada sustentabilidade.
Cavalcanti (1994) comenta que a noção de uma economia da sustentabilidade
diz respeito ao fato de que as funções ecossistêmicas são parâmetros que não podem
modificar impunemente, necessitando de estabilidade diante de perturbações
suscitadas pelas ações do homem.
Sustentabilidade e politicas públicas no território do Zé Açu.
Com base nos relatos dos moradores, na observação in loco constataram-se
grandes desafios à sustentabilidade, em suas várias vertentes, para a área estudada.
Tomando como referencial um dos principais teóricos sobre esse tema,
Ignacy Sachs (2009), que apresenta seis critérios que levariam à sustentabilidade
dos sistemas sociais e ecológicos. Identificamos primeiramente os problemas que
existem no Zé Açu, e que vão de encontro aos critérios de Sachs, e que precisam
ser observados, para que o Zé Açu alcance a sua sustentabilidade. Os problemas
identificados foram os seguintes (Quadro 1).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento e políticas públicas: a sustentabilidade socioambiental no Zé Açu-Parintins/AM.
Charlene Maria Muniz da Silva
255
Quadro 1- Problemas no Zé Açu.
OS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE IGNACY
SACHS ( 2009)
PROBLEMAS IDENTIFICADOS NO ZÉ AÇU
Social
Alcance de um patamar razoável de homogeneidade
social;
Distribuição de renda justa;
Emprego pleno e/ou autônomo com qualidade de vida
decente;
Igualdade de acesso aos recursos e serviços sociais.
Falta de políticas públicas direcionadas para melhorar a qualidade de
vida das populações rurais: ribeirinhas ou de terra-firme;
Êxodo rural devido às condições desfavoráveis das populações
que moram na zona rural: agricultores, pescadores, extrativistas e
pequenos criadores.
Aumento de casos de violência nas comunidades rurais (devido
consumo de bebidas alcoólicas e drogas) e a falta de efetivo policial
Oferta e melhoria dos serviços públicos básicos como saúde, educação,
segurança, lazer, transporte e renda.
Mais investimentos na educação, com incentivos para projetos de
educação ambiental.
Econômico
Desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado;
Segurança alimentar;
Capacidade de modernização contínua dos
instrumentos de produção;
Razoável nível de autonomia na pesquisa científica e
tecnológica
Baixa renda devido ao enfraquecimento da agricultura familiar e da
pesca.
Dependência de benefícios sociais (aposentadoria, pensão e bolsa
família) como fonte principal de renda da família;
Falta de incentivo à atividades econômicas que gerem renda para a
população local;
Não investimento, pelo poder público municipal, no setor primário
(agricultura, pesca, extrativismo).
Falta de investimentos em atividades que gerem renda a população
local, sem destruir seu ecossistema e nem seus sistemas socioculturais
tradicionais.
Insegurança alimentar
Artificialização, cada vez maior, da alimentação pelo troca do consumo
de produtos locais por produtos industrializados
Ecológica
Preservação do potencial do capital natural na sua
produção de recursos renováveis;
Limitar o uso de recursos não renováveis
Intensificação da produção de resíduos sólidos inorgânicos e disposição
inadequada dos mesmos
Supressão intensa da vegetação para construção de moradias e vias de
circulação;
Aumento da sensação térmica devido a impermeabilização do solo
(asfaltamento de ruas);
Doenças devido o consumo de água sem tratamento adequado, devido
o aumento pela demanda de água encanada nas casas.
Intensa atividade da pecuária extensiva, retirando a vegetação
primária para a plantação de pasto.
Surgimento de Voçorocas
Morte das nascentes
Degradação do solo devido a retirada da cobertura vegetal e constantes
chuvas na localidade.
Desaparecimento de espécies vegetais e animais do ecossistema local
Assoreamento do lago devido o acúmulo de sedimentos em seu leito.
256
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
OS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE IGNACY
SACHS ( 2009)
PROBLEMAS IDENTIFICADOS NO ZÉ AÇU
Cultural
Mudanças no interior da continuidade (equilíbrio entre
o respeito à tradição e inovação);
Capacidade de autonomia para a elaboração de um
projeto nacional integrado e endógeno (oposição às
cópias servis dos modelos alienígenas);
Autoconfiança combinada com abertura para o
mundo.
Mudanças de hábitos e costumes tradicionais por hábitos da
modernidade;
Mudanças nas festas populares;
Enfraquecimento da sociabilidade típica do campo; do sentimento de
solidariedade, compadrio e ajuda mútua entre vizinhos e amigos.
Conflitos intra-geracionais ( Os jovens não escutam e não respeitam os
mais velhos )
Territorial
Configurações urbanas e rurais
balanceadas(eliminação das inclinações urbanas nas
alocações do investimentos públicos);
Superação das disparidades inter-regionais;
Estratégias de desenvolvimento ambiental segura
para áreas ecologicamente frágeis (conservação da
biodiversidade pelo ecodesenvolvimento )
Mudança na organização espacial: ruas, loteamentos, valorização de
terrenos devido a sua localização (principalmente em Bom Socorro)
Adensamento populacional nas comunidades maiores
Carência na oferta de infraestrutura e serviços de saúde, educação,
lazer e segurança devido a grande demanda.
Desequilíbrio na relação rural e urbano: Com o favorecimento da área
urbana para investimentos na área de saúde, educação, emprego e
renda, segurança e lazer.
Falta de um Zoneamento Ambiental que possa identificar as áreas
propícias as atividades econômicas e como as mesmas devem ser
utilizadas de forma sustentável.
Ambiental
Respeitar e realçar a capacidade de autodepuração
dos ecossistemas naturais
Problemas de conflitos em torno de recursos naturais: água, florestas,
sobre explotação dos recursos pesqueiros, retirada de produtos
florestais, retirada das matas ciliares dos lagos,
Adensamento populacional, sem um necessário planejamento.
Aumento da pressão sobre os recursos naturais, tanto de ordem
populacional como econômica.
Distribuição, por parte do INCRA, dos lotes da Gleba de Vila Amazônia,
da qual o Zé Açu faz parte, sem critérios claros e justos, e não
fiscalização do mesmo sobre as atividades que estão em desacordo
com a finalidade de um assentamento agrário.
Incentivo, pela municipalidade e órgãos Federais como IBAMA, SEMA
INCRA e IPAAM, para atividades que depredam o ambiente, por meio
de concessão de lotes de terras e liberação de licenças ambientais sem
o devido acompanhamento.
Fonte: Trabalho de Campo, 2014.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento e políticas públicas: a sustentabilidade socioambiental no Zé Açu-Parintins/AM.
Charlene Maria Muniz da Silva
257
Esses problemas que implicam na (in)sustentabilidade foram confirmados
pelos resultados do grupo focal, onde utilizamos a técnica da árvore de problemas1
que é uma das ferramentas utilizadas pelo Diagnóstico Rural Participativo (DRP)
para saber quais os principais problemas que existem em localidades rurais, pois,
como afirma Lydia Kummer, “numa comunidade rural é importante mobilizar a
população para que ela mesma comece a diagnosticar e analisar sua situação”
(2007, p. 117). A partir daí, priorizar quais os assuntos devem ser resolvidos a curto,
médio e longo prazo.
Primeiramente ouvimos essas pessoas e coletamos as suas opiniões;
posteriormente organizamos para que fossem discutidos os resultados pelos próprios
a fim de elaborar as alternativas.
Essa ferramenta permitiu visualizar e ajudou a entender alguns problemas,
suas causas, efeitos e o que fazer para eliminá-los. O procedimento foi o seguinte:
Desenhamos o tronco de uma árvore em papel pardo e o afixamos em um painel
móvel; em seguida foi solicitado que os participantes escrevessem o problema
priorizado em uma tarjeta e a afixassem no tronco da árvore; foi perguntado quais
as causas que alimentam este problema e os seus efeitos negativos.
No tronco da árvore está visualizado o problema; as raízes simbolizam as
causas do problema e os galhos, com seus frutos podres, representam os efeitos
que determinado problema está gerando.
Depois de realizada a técnica, organizamos os resultados obtidos no grupo
focal. Para melhor visualização, transferimos para o computador o desenho da árvore
e dispusemos as respostas dos ribeirinhos do Zé Açu sobre os problemas ambientais,
suas causas e efeitos para seu ecossistema.
Com esses esquemas visualizamos as consequências dos principais problemas
ambientais identificados no Zé Açu, e como afetam a vida dos ribeirinhos que moram
nas margens do lago.
Buscamos identificar quais os setores que devem ser melhorados nas
comunidades, os investimentos por conta do poder público. Também identificamos
quais os principais investimentos que deveriam ser feitos nas comunidades e a
prioridade dada pelos moradores a cada investimento.
Dentre os principais estão: a coleta e destino adequado de resíduos sólidos
(31%) e melhoria na infraestrutura de água e energia (30%).
1 A ferramenta Árvore de Problemas usa um dos conceitos básicos do método ZOPP, um instrumento do
Planejamento Participativo Orientado por Objetivo, que foi desenvolvido e introduzido através da Agencia
Alemã de Cooperação Técnica (GTZ) nos anos 1980. [...]. As pessoas que nasceram e vivem no meio rural têm
uma vivência muito ligada com a natureza e seus símbolos como, por exemplo, uma árvore. A partir disso,
adaptou-se esta ferramenta (KUMMER, 2007, p. 123).
258
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Apesar das três comunidades pesquisadas terem energia elétrica por conta
da chegada do programa do governo federal “Luz para todos”, o mesmo não
apresenta qualidade satisfatória, segundo os moradores. É comum a interrupção
do fornecimento de energia nas comunidades, principalmente quando chove. E
quando a energia falta, leva vários dias para ser reestabelecida, causando transtornos
às pessoas, pois elas já se tornaram dependentes dessa energia, já possuem
eletrodomésticos como geladeira e freezer, ondem acondicionam a comida que
acaba estragando quando a energia custa a ser restabelecida.
Os moradores reclamam muito da precariedade desse serviço, afirmam que
mesmo quando não há a energia em sua casa, a conta da luz chega para pagarem,
e muitas vezes o valor a ser pago é elevado, teve um morador que informou que até
conta no valor de R$ 200,00 já chegou para ele pagar.
Sobre o fornecimento de água, ainda existem comunidades no Zé Açu que
não possuem o poço artesiano, dificultando a vida dessas pessoas, principalmente
na época da vazante. Há comunidades no Zé Açu que possuem o poço, mas a água
ainda é retirada de forma manual, ficando esse trabalho principalmente ao encargo
dos jovens e crianças.
Das comunidades que fizeram parte desta pesquisa, a maioria das casas
possui água encanada, porém os moradores reclamam da falta de tratamento para
o consumo, a água contaminada está entre as causas mais comuns de doenças no
Zé Açu.
Os moradores afirmam que é preciso ter esse investimento no tratamento
e distribuição de água nas casas, assim como no saneamento básico, visto
que a maioria das casas ainda não possui um modo adequado de tratamento
de seus dejetos. Grande parte das casas ainda utiliza as fossas negras2 o que
representa risco para a contaminação das águas superficiais que abastecem
essas comunidades.
O que chama mais a atenção nas respostas dos moradores é o grau de
importância que eles atribuem ao processo educativo. Eles falam que a escola deve
ser a instituição que precisa de investimentos do setor público, pois, é a base para
o futuro de seus filhos e netos (Figura 108).
Com base no que foi informado pelos moradores no grupo focal, entrevistas
individuais, formulários, pesquisa documental e observação direta, organizamos
um quadro de possíveis caminhos para que o Zé Açu possa alcançar a sua
sustentabilidade tanto ambiental, como econômica, social e cultural.
2 Cova feita no chão, geralmente com cobertura e cercada, usada como sanitário.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento e políticas públicas: a sustentabilidade socioambiental no Zé Açu-Parintins/AM.
Charlene Maria Muniz da Silva
259
Quadro 2- Possíveis caminhos para a sustentabilidade no Zé Açu.
OS CRITÉRIOS DE
SUSTENTABILIDADE
SEGUNDO IGNACY
SACHS ( 2009)
Alcance de um
patamar razoável de
homogeneidade social;
POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A SUSTENTABILIDADE NO ZÉ AÇU
Maior mobilização da população a fim de reivindicar, junto ao poder público,
melhorias nos serviços básicos;
Ampliação na oferta de atendimento médico, com mais recursos humanos
qualificados para atender nos postos de saúde nas comunidades.
Distribuição de renda
Implantação de postos de saúde em comunidades que ainda não possuem.
justa;
Mais agentes de saúde comunitário
Emprego pleno e/ou
autônomo com qualidade Contratação de médico que fique fixo na comunidade,
de vida decente;
Mas medicamentos nos postos de saúde para distribuição gratuita para os
moradores
Igualdade de acesso
Transporte rápido de pacientes em caso de emergências médicas ( Ambulancha)
aos recursos e serviços
sociais.
Ações na área da saúde preventiva, para orientação das famílias quanto a
prevenção de algumas doenças
Melhoria na qualidade da Educação, com contratação de professores com
qualificação ,
Mais estrutura para a escola, com ampliação da infraestrutura para atender mais
alunos.
Salas de informática com acesso a internet
Implantação da Escola Familiar Rural;
Melhorar a infraestrutura da casa dos professores, nas comunidades. E que
sejam bem remunerados para que os mesmos permaneçam na comunidade
Inclusão no orçamento municipal de recursos para investimento obrigatório em
projetos na área rural
Construção de um posto policial e manutenção de um efetivo da polícia
militar na comunidade; estender o programa Ronda no bairro para as maiores
comunidades na zona rural
Garantir a segurança alimentar das populações locais e que venham a respeitar
seus costumes e tradições
Construção de quadras de esporte e áreas de lazer para a recreação de jovens e
adultos.
Maior mobilização política das comunidades
Mais apoio dos comunitários as ações das diretorias das comunidades, assim
como a ajuda para ações coletivas que venham a beneficiar a mesma.
260
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
OS CRITÉRIOS DE
SUSTENTABILIDADE
SEGUNDO IGNACY
SACHS ( 2009)
Econômico
Desenvolvimento
econômico intersetorial
equilibrado;
Segurança alimentar;
Capacidade de
modernização contínua
dos instrumentos de
produção;
Razoável nível de
autonomia na pesquisa
científica e tecnológica
POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A SUSTENTABILIDADE NO ZÉ AÇU
Direcionamento de politicas públicas para a geração de emprego e renda nas
áreas rurais que estejam de acordo com as potencialidade locais
Fortalecimento da agricultura familiar por meio de incentivos financeiros,
capacitação técnica dos produtores,
Facilitar o transporte de mercadorias até a cidade, eliminando a figura do
atravessador/marreteiro para que o agricultor possa obter um preço justo por
seu produto.
Incentivo a outras atividades econômicas que possam explorar, de forma
sustentável, os recursos existentes na localidade como: ecoturismo ou turismo
rural, piscicultura, artesanato.
Orientar, capacitar, incentivar e fomentar os agricultores nas técnicas da
agroecologia para a produção de hortaliças, verduras, legumes, frutas e outros
produtos para que as próprias comunidades rurais de Parintins venham a suprir
a demanda da cidade, que hoje é abastecida em grande parte por produtores de
fora do Estado.
Cursos de formação (técnico agrícola, zootecnia e plantas medicinais) para os
filhos do Zé Açu, para que os mesmos possam permanecer em seu território e
contribuir para o desenvolvimento e melhor qualidade de vida.
Construção de um Banco Postal nas principais comunidades, para que os
aposentados, pensionistas e outras pessoas que precisam receber seus
benefícios sociais não precisem se deslocar até a cidade.
Melhorar a geração de energia elétrica, para que haja uma energia confiável e
de qualidade, com um preço justo.
Controlar o preço cobrado por produtos, pelos donos de comércios locais, que
muitas vezes são muito elevados.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento e políticas públicas: a sustentabilidade socioambiental no Zé Açu-Parintins/AM.
Charlene Maria Muniz da Silva
261
OS CRITÉRIOS DE
SUSTENTABILIDADE
SEGUNDO IGNACY
SACHS ( 2009)
Ecológica
POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A SUSTENTABILIDADE NO ZÉ AÇU
Implantação da coleta seletiva nas comunidades
Preservação do potencial Projetos de arborização das ruas nas comunidades maiores e manutenção da
do capital natural na sua vegetação nas comunidades menores
Melhorias no abastecimento de água com o tratamento adequado para
produção de recursos
consumo
renováveis;
Limitar o uso de recursos Melhoria nas condições de saneamento básico nas comunidades
Fiscalização dos órgãos ambientais quanto a atividades da pecuária e extração
não renováveis
mineral no Zé Açu
Recuperação de áreas degradadas com o devido reflorestamento das espécies
nativas
Monitoramento das voçorocas existentes na localidade
Preservação da mata ciliar
Alternativas sustentáveis de manejo do solo ( Plano de Recuperação de áreas já
degradadas)
Evitar a pesca predatória, punindo legalmente, aqueles pescadores profissionais
que utilizarem apetrechos proibidos por lei
Conservar os habitats naturais dos peixes, pássaros, quelônios e pequenos
mamíferos, para que os mesmos possam se reproduzir sem interferências
antrópicas.
Incentivo a manutenção dos costumes e tradições no Zé Açu
Cultural
Mudanças no interior da Revalorização do sentimento de pertencimento as suas raízes rurais;
continuidade (equilíbrio Valorização dos conhecimentos tradicionais oriundos da vivencia e do cotidiano
com o lugar
entre o respeito à
tradição e inovação);
Incentivo a continuação da tradição de realização das festas em honra aos santos
seguindo seus ritos
Capacidade de
Respeito as crenças religiosas e a pluralidade de credos
autonomia para a
elaboração de um projeto Retorno e Fortalecimento da união entre os moradores e das famílias
nacional integrado e
Incentivo a formação de grupos de jovens na igreja
endógeno (oposição às
cópias servis dos modelos Fortalecimentos do clube de mulheres para a prática de atividades que venham
beneficiar a comunidade
alienígenas);
Projetos na escola que venham a mostrar aos mais jovens a importância da
Autoconfiança
valorização do sentimento de pertencimento a comunidade, aos habitus e
combinada com abertura
costumes e as tradições da cultura local
para o mundo.
Intensificação de relações intra e inter comunidades que reforcem o sentimento
de pertencimento ao território do Zé Açu.
262
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
OS CRITÉRIOS DE
SUSTENTABILIDADE
SEGUNDO IGNACY
SACHS ( 2009)
Territorial
Configurações
urbanas e rurais
balanceadas(eliminação
das inclinações urbanas
nas alocações do
investimentos públicos)
Superação das
disparidades interregionais
Estratégias de
desenvolvimento
ambiental segura para
áreas ecologicamente
frágeis (conservação
da biodiversidade pelo
ecodesenvolvimento )
Ambiental
Respeitar e realçar
a capacidade de
autodepuração dos
ecossistemas naturais
POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A SUSTENTABILIDADE NO ZÉ AÇU
Ordenamento Territorial no Zé Açu , com a definição do uso e ocupação do solo,
que estejam de acordo com as características ambientais, econômicas e sociais
daquela localidade, levando em consideração as populações tradicionais ali
existentes
Respeito as territorialidades dos ribeirinhos do Zé Açu, garantido o seu acesso
e uso dos recursos naturais em acordo com seu ethos ambiental herdado,
construído, reproduzido. Mas que também foi ressignificado ao longo do tempo
pelos mesmos.
Melhorar o acesso entre as comunidades por via terrestre ( estrada) e fluvial (rio)
que possa facilitar o fluxo de pessoas e produtos.
Cumprimento da legislação ambiental
Proibição de desmatamento das áreas de proteção permanentes do lago do Zé
Açu.
Promoção de atividades de educação ambiental como palestras sobre as
temáticas: Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável ; Turismo e meio
ambiente; Paisagens Naturais e Culturais; Ecossistemas Lacustres ; a Importância
da àgua no Século XXI ; Legislação Ambiental, Degradação Ambiental, Coleta
seletiva, entre outros temas.
Capacitar os comunitários em monitoramento ambiental para que os mesmos
possam fiscalizar e denunciar as injustiças ambientais cometidas no Zé Açu.
Não distribuição de lotes, para assentados que não cumprirem o perfil
necessário para ocupar esses lotes
Mais fiscalização do INCRA sobre as atividades incoerentes com um projeto de
assentamento rural
Realização de oficinas para sensibilização e reaproveitamento de partes de
resíduos sólidos
Programas de incentivo a criação/manutenção de hortas nos quintais das casas
Incentivar a criação e manutenção de uma Horta comunitária
Incentivo a criação/manutenção das farmácias naturais nos quintais, pela
plantação e uso das ervas medicinais
Incentivo a criação/manutenção dos jardins, com suas plantas ornamentais na
frente e nos quintais da casa
Programas e projetos que venham a demostrar a importância dos quintais
agroflorestais para a alimentação e venda do excedente
Fonte: Trabalho de Campo, 2014.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento e políticas públicas: a sustentabilidade socioambiental no Zé Açu-Parintins/AM.
Charlene Maria Muniz da Silva
263
O Quadro 2 foi elaborado com as respostas, sugestões e aspirações dos
moradores do Zé Açu. Ele não está completo, acreditamos que mais alternativas
precisam ser inseridas. Também não significa que se fossem todas implementadas
trouxessem imediatamente a sustentabilidade para esse território.
Trata-se mais de uma tentativa de reflexão sobre as alternativas disponíveis
para a possível melhoria na qualidade de vida dessas pessoas que moram, trabalham
e vivem nessas áreas rurais e que merecem viver com tranquilidade e com o ambiente
saudável, para que se reproduzam socialmente, mantendo as suas tradições,
seus modos de vida, que não é melhor ou pior que de outras sociedades, mas é a
manifestação própria e seu ethos ambiental, que precisa ser respeitado e mantido.
Lembramos do conceito apresentado no início do capítulo, que alguns autores
chamam de “decrescimento”, que se trata da tentativa de pensar o crescimento
não da forma como o sistema econômico vigente pensa, ou seja, em termos
numéricos. É pensar que o desenvolvimento pode se dar de várias formas, que não
necessariamente pode ser em termos financeiros, ou de aumento na exploração
de recursos naturais. Por isso, nosso cuidado ao apresentar essas alternativas, e que
as mesmas devem ser bem avaliadas para saber até que ponto elas de fato trariam
bem-estar e qualidade de vida a essa população sem alterar de forma significativa
seu habitus e seu ethos ambiental.
Considerações Finais
A cidade de Parintins, exerce influência econômica, social e cultural no Zé Açu
que já apresentam implicações socioambientais que repercutem na (re)produção
do habitus de seus moradores. Dentre essas mudanças a questão ambiental é
preocupante, pois a problemática dos resíduos sólidos vem impactando diretamente
as comunidades, porque está aumentando a produção de resíduos sólidos não
orgânicos, e não havendo coleta de lixo pública e nem local apropriado para depositálo, as pessoas queimam e/ou jogam o lixo nos terrenos baldios e nos barrancos
próximos ao rio, colocando em perigo a saúde e segurança deles próprios.
Há também muitas fazendas que derrubam as áreas de vegetação primária
para fazer pastos e muitas vezes retiram toda a mata ciliar do lago do Zé Açu. Outro
problema ambiental é a retirada de areia da área das comunidades para a construção
civil na cidade de Parintins, ocasionando sérios problemas de erosão.
Por todos esses problemas inferidos, é necessária a elaboração e
implementação de políticas públicas voltadas para estas áreas no tocante às questões
socioambientais. O processo de governança ambiental pode ajudar no diálogo
entre os distintos atores sociais para que se possa resolver/mitigar esses problemas.
Quando múltiplos atores se utilizam dos mesmos recursos naturais as
implicações podem ser as mais diversas, desde o esgotamento desses recursos a
conflitos de gestão; logo, é necessário estabelecer acordos entre os mesmos para
264
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
elaboração de regras e práticas comuns, contribuindo para que haja coordenação
de ações que auxiliem na resolução de conflitos, assim como negociação das várias
compensações, o compartilhamento de informação e a construção de redes de
conhecimento sobre esse bem comum.
O panorama expresso nesses dois quadros elaborados com as respostas,
sugestões e aspirações dos próprios moradores do Zé Açu não significa que estejam
contempladas todas as necessidades, e que se fossem todos implantados traria
imediatamente a sustentabilidade para esse local. Trata-se mais de uma tentativa
de reflexão sobre as alternativas disponíveis para a melhoria na qualidade de vida
dessas pessoas que moram, trabalham e vivem nessas áreas rurais e que merecem
viver com tranquilidade e em um ambiente saudável. Para que se reproduzam social
e culturalmente, mantendo as suas tradições, seus modos de vida, que não é melhor
ou pior que de outros grupos sociais, mas é a manifestação própria de seu ethos
ambiental, e que precisa ser respeitado e mantido. Porém, é necessário refletir até
que ponto as alternativas apontadas pelos sujeitos da pesquisa realmente levariam
a um equilíbrio na relação destes com o ambiente. Se trariam um desenvolvimento
com sustentabilidade. Ou será que o melhor para essas áreas seria seguir as premissas
do “decrescimento” ora apontado neste trabalho. Estas são questões que merecem
maior profundidade em reflexões acadêmicas futuras.
Referências
BRUNDTLAND, Harlen G. Our Common Future (The Brundtland Report). Oxford: Oxford
University Press, 1987.
BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: O que é - O que não é. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
CAVALCANTI, Clóvis (orgs). DESENVOLVIMENTO E NATUREZA: Estudos para uma sociedade
sustentável. Recife, 1994.
KUMMER, Lydia. Metodologia participativa no meio rural: uma visão interdisciplinar.
Conceitos, ferramentas e vivências. Salvador: GTZ, 2007
MINAYO, Maria Cecília et al. Avaliação por triangulação de métodos: abordagens de programas sociais. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz,2005.
SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. 3. ed. Rio de Janeiro:
Garamond, 2009.
VERDEJO, Miguel Expósito. Diagnóstico Rural Participativo: Um guia prático. Brasília:
Secretaria da Agricultura Familiar – MDA. Gráfica da Ascar - Emater-RS, 2006.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento e políticas públicas: a sustentabilidade socioambiental no Zé Açu-Parintins/AM.
Charlene Maria Muniz da Silva
265
O associativismo no contexto da
produção agrícola moderna no
Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba:
o caso de Uberlândia-MG
THE ASSOCIATIONS IN THE CONTEXT OF
MODERN AGRICULTURAL PRODUCTION IN THE
TRIANGULO MINEIRO / ALTO PARANAÍBA: THE CASE OF
UBERLÂNDIA-MG
Daise Jesus de Moura
UFU
[email protected]
Laís Ribeiro
UFU
[email protected]
Resumo: Nas últimas décadas o agronegócio tem crescido substancialmente em Minas Gerais,
esse crescimento tem recebido respaldo do Estado por meio de políticas públicas e incentivos
fiscais. No estado de Minas Gerais o setor sucroenergético vêm recebendo esses incentivos e se
desenvolvendo em detrimento aos pequenos agricultores que são expropriados e necessitam
de novas formas para se manter no campo.
Palavras – chave: Agronegócio; Políticas Públicas; Agricultura Familiar
Abstract: In the last decades, the agribusiness has grown substantially in Minas Gerais, and
this growth has received support from the State through public policies and tax incentives.
In the state of Minas Gerais the sugarcane industry have been receiving these incentives and
developing to the detriment of small farmers, who are expropriated and need to find new
ways to stay on the field.
Key words: Agribusiness; Public Policies; Family Farming
Introdução
A partir da segunda metade do século XX os espaços agrícolas brasileiros
conheceram intensas mudanças motivadas pelo Estado, que buscava tornar a
agropecuária brasileira moderna e competitiva no mercado nacional e externo.
Estas mudanças, de caráter científico e técnico vieram sob a forma de investimentos
estatais que viabilizaram atividades de pesquisas e inserção de novas técnicas no
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
campo brasileiro. Esta mudança estrutural que se inicia nesse período traz uma nova
situação para a produção onde os fatores naturais como solo e clima passam a não
ser mais decisivos na definição do uso do território para práticas agrícolas, sendo
que agora o que conta são as demandas de produção, que nos mais das vezes, são
determinadas por lógicas e interesses que fogem ao controle dos lugares. Este novo
ordenamento de uso do território dá início a uma nova fase da expansão agrícola
que se direciona rumo ao interior do país, principalmente para áreas de Cerrado, e
a um novo cenário agrícola que se estabelece e induz também inúmeras mudanças
nestes espaços, uma vez que necessita de infraestrutura, mão de obra e serviços.
As ações políticas precisam ser lembradas como inerentes a este processo de
inovação técnico-científica na agricultura, uma vez que são estas que permitem a
efetivação do processo. Sendo assim, é de indiscutível importância para o Cerrado e
consequentemente para o Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, programas estatais de
planejamento tais como o Polocentro – Programa de Desenvolvimento dos Cerrados,
criado em 1975 e inserido no II Plano Nacional de Desenvolvimento. Algumas
destas políticas atingiram com mais intensidade a região do Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba como o PCI – Programa de Crédito Integrado e Incorporação dos Cerrados,
Padap – Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba, e o Prodecer –
Programa de Cooperação Nipo-Brasileira de Desenvolvimento Agrícola da Região
dos Cerrados (PESSOA, 2006). Neste contexto, uma série de infraestruturas começam
a se materializar buscando viabilizar estas mudanças que surgem, trazendo para o
Cerrado e consequentemente para o Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba investimentos
para reforço da malha rodoviária e infraestruturas de escoamento, armazenamento
e distribuição de energia. Todas estas transformações e adaptações que ocorrem na
região para servir a expansão da agropecuária moderna e competitiva já mostram
resultados a partir da década de 1970, quando são consolidados os cultivos de
commodities como a soja, o café e a cana-de-açúcar, e quando o Triângulo Mineiro/
Alto Paranaíba começa a se destacar no cenário estadual.
A produção de cana-de-açúcar está inserida neste grupo específico de
cultivos valorizados no mercado que ganham força à partir da década de 1970
com as mudanças e inserções de técnica, ciência e informação nos espaços
agrícolas brasileiros promovida pelo Estado brasileiro. A produção brasileira cresce
significantemente após a década de 1990 passando de 262 milhões de toneladas
em 1990 para 734 milhões de toneladas em 2010, com destaque também para a
produção do Triângulo Mineiro que em 2013 foi responsável por 69% da produção de
Minas Gerais (IBGE, 2015). O aumento da produção de cana de açúcar neste período
está relacionado a busca do país em se tornar um fornecedor global de commodities
derivadas da cana de açúcar, como açúcares e etanol (álcool) (DELGADO, 2012). Sendo
assim, o território se adapta as demandas desta produção, que necessita cada vez
mais de novas áreas e de novas unidades produtivas industriais (usinas), além de
aperfeiçoamento das infraestruturas de escoamento da produção (CAMELINI, 2011).
268
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Nas últimas décadas houve um aumento na participação de atores estrangeiros através de investimentos e aquisição de unidades produtivas e áreas de cultivo.
O ingresso de grandes grupos externos no setor significa uma perda razoável da
regulação do mercado e do uso do território por parte do Estado brasileiro, uma
vez que estes agentes praticam um uso corporativo do território com a produção
voltada para o mercado externo e sem compromisso com as demandas internas do
país. (SANTOS, SILVEIRA, 2001), (CAMELINI; CASTILLO, 2012).
Esta expansão do setor sucroalcooleiro no país atingiu de forma significativa o
Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, tornando-a a principal região produtora de açúcar
e álcool de Minas Gerais. O aumento do número de usinas impulsionado por estas
novas lógicas de mercado é considerável: 12 usinas são inauguradas após 2011,
totalizando mais de 30 unidades em funcionamento em 19 municípios da região,
além de 16 usinas já planejadas para instalação (PEREIRA, 2013; MAPA, 2014).
A ação do Estado (em suas distintas esferas) é essencial à realização da
produção agrícola moderna e, para o Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, as ações
públicas têm sido essenciais para a afirmação da especialização produtiva com vistas
ao reforço do setor sucroenergético.
No contexto nacional, devido às crises ocorridas no setor sucroenergético,
o Estado passou a incentivar a produção do etanol como combustível alternativo
em substituição ao petróleo, que se tornara uma opção cara no cenário mundial.
Já na década de 1970 e com o Primeiro choque do petróleo, em 1973, o governo
brasileiro passou a incentivar essa produção, com a criação do Programa Nacional do
Álcool – Proálcool, em 1974 (BRAY, 2000; DELGADO, 2012). O Proálcool tinha como
objetivo estimular a produção do álcool com a finalidade de atender as necessidades
do mercado interno e externo e a política de combustíveis automotivos. Frente às
crises do petróleo houve um incentivo à instalação e manutenção de destilarias e
novas usinas de cana-de-açúcar em todo país, principalmente no estado de São
Paulo, onde o município de Ribeirão Preto e seu entorno se destaca na produção
do álcool combustível (BRAY, 2000; CAMELINI;CASTILLO, 2012).
Os interesses conflitantes sobre o uso e a ocupação de um mesmo território
geram as disputas territoriais. Estas podem ser exemplificadas por diversas ações
e situações que são conflituosas: ocupação, reintegração de posse, usucapião,
regularização fundiária entre outras. Ações judiciais, envolvendo disputa de terras
e demarcação de áreas de populações tradicionais, são exemplos em todo o país
e marcadamente na região norte (madeireiras, mineradoras, grileiros, posseiros,
índios, ribeirinhos etc.).
Políticas Públicas e o campo Mineiro
O agronegócio desenvolvido no Brasil tem sido recentemente objeto de
maior atenção e interesses devido às possibilidades de que o país possa ser um
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O associativismo no contexto da produção agrícola moderna no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba:...
Daise Jesus de Moura | Laís Ribeiro
269
grande exportador de gêneros do agronegócio. Contudo, há aspectos negativos
na estrutura de produção, como por exemplo, a intensa mecanização inserida no
processo produtivo, danos ambientais, trabalho semi-escravo e a elevação dos
preços dos alimentos.
A transformação de áreas de pastagens em áreas de produção agrícola,
principalmente com a produção de grãos ou cana-de-açúcar tem gerado a
valorização das terras na região do Triângulo Mineiro. A valorização tem atingido
até três vezes mais do que a área originalmente ocupada com o pasto degradado.
A expansão da produção do agronegócio coloca em risco a soberania alimentar
e pode agravar profundamente o problema da fome no mundo. Alguns estudiosos
admitem que ocorram problemas ambientais e risco à produção de alimentos, mas
afirmam que precisamos escolher “o mal menor”. Neste caso, defendem até mesmo
a destruição de florestas com o objetivo de expandir seus lucros com essa crescente
produção. Na verdade, uma mudança na maneira de conduzir o desenvolvimento
do capital que buscasse realmente preservar a vida no planeta teria que significar
também uma profunda transformação nos padrões atuais de consumo, e a própria
organização de nossa sociedade.
Outro aspecto importante na se refere ao papel do Estado como o principal
articulador pelo desenvolvimento do agronegócio. Assim, a tentativa de compreender
as ações dos governos federal e estadual está sendo fundamental. Os investimentos no
agronegócio são essencialmente de capital estrangeiro, isso não anula a participação
do capital nacional desses investimentos, embora atualmente seja uma parcela pouco
significativa. O Estado precisa necessariamente organizar a infraestrutura desse
território como, a construção e manutenção de rodovias e hidrovias; a construção
de armazéns próximos as áreas produtoras; proximidade do mercado consumidor e
etc. Existem outras questões importantes, no entanto entendemos que essas são as
principais para que possa ter a garantia de viabilidade do agronegócio.
A compreensão dos conflitos implica em considerar também as implicações
e diferenciações espaciais geradas. De acordo com Fernandes (2008, p. 296), pensar
o território nesta conjuntura, deve-se considerar a conflitualidade existente entre o
campesinato e o agronegócio que disputam territórios. Esses compõem diferentes
modelos de desenvolvimento, portanto formam territórios divergentes, com
organizações espaciais diferentes, paisagens geográficas completamente distintas.
Nesta condição, temos três tipos de paisagens: a do território do agronegócio que
se distingue pela grande escala e homogeneidade da paisagem, caracterizado pela
desertificação populacional, pela monocultura e pelo produtivismo para a exportação;
o território camponês que se diferencia pela pequena escala e heterogeneidade da
paisagem geográfica, caracterizado pelo freqüente povoamento, pela policultura e
produção diversificada de alimento – principalmente – para o desenvolvimento local,
regional e nacional; o território camponês monopolizado pelo agronegócio, que se
distingue pela escala e homogeneidade da paisagem geográfica, e é caracterizado
270
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
pelo trabalho subalternizado e controle tecnológico das commodities que se utilizam
dos territórios camponeses.
Refletir sobre o papel do Estado implica, também, considerar as políticas
territoriais e compreender sua escalaridade e sua multidimensionalidade, como
destaca Fernandes (2008). Nesta perspectiva, “quando o território é concebido como
uno, ou seja, apenas como espaço de governança e se ignora os diferentes territórios
que existem no interior do espaço de governança, temos então uma concepção
reducionista de território” (FERNANDES, 2007, p. 82). Assim, o conceito serve mais
como instrumento de dominação por meio das políticas neoliberais.
Portanto, para compreender a organização do território, em específico,
de cada tipo de território, é preciso considerá-lo na sua totalidade e com sua
multidimensionalidade, organizado em diferentes escalas, a partir de seus diferentes
usos. Desse modo, conforme autor, as políticas públicas de desenvolvimento
contribuem para o fortalecimento das relações capitalistas em detrimento das relações
não capitalistas ou familiares e comunitárias. Intensificam-se, dessa forma, as políticas
de expropriação das comunidades rurais, que perdem seus territórios para o capital
que necessita se apropriar continuamente dos territórios camponeses para se expandir.
É importante considerar que essa ocupação ocorrida no cerrado mineiro,
somente ocorreu com o apoio do Estado, sendo de elevada importância as
contribuições de Sauer (2010), já sinalizando que estas mudanças foram realizadas
basicamente através de pesados investimentos governamentais no setor
industrial, buscando modernizar a economia nacional e destruindo sua antiga
base agrícola. O principal instrumento, utilizado pelo Estado para promover
esta transformação, foi o crédito agrícola subsidiado que capitalizou os grandes
proprietários, possibilitando a crescente incorporação de insumos industriais na
produção agropecuária. Os subsídios governamentais abriram a oportunidade
para investimentos pesados na agropecuária, promovendo seu avanço tecnológico
através do uso de tratores, máquinas, sementes selecionadas, fertilizantes químicos,
pesticidas etc. (SAUER, 2010).
Sabendo que a monocultura de grandes extensões – padrão predominante do
modelo de modernização – aumentou a produção agrícola do país, no entanto não
promoveu o bem-estar social da maioria da população rural, ao contrário, provocou
concentração da propriedade da terra, êxodo rural, fome e violência. A dominação do
capital industrial, ou agroindustrial, permitiu uma subversão do processo produtivo e
uma expropriação do saber dos agricultores familiares e camponeses. Este processo
provocou a dominação destes, imobilizando sua força de trabalho através, também,
do trabalho assalariado.
Nesse mesmo sentido teremos as contribuições de Graziano da Silva (2003)
dizendo que além dos grandes proprietários fundiários, os grandes beneficiários
dessa política de créditos – e, conseqüentemente, da modernização da agricultura –
foram os setores industriais localizados a montante e a jusante da atividade agrícola.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O associativismo no contexto da produção agrícola moderna no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba:...
Daise Jesus de Moura | Laís Ribeiro
271
Os primeiros, por terem assegurado um mercado quase cativo para seus produtos,
criado pelo crédito rural vinculado à aquisição de insumos e máquinas agrícolas; e
as agroindústrias processadoras, pelo estimulo permanente, inclusive via crédito e
incentivos para exportação, à transformação dos produtos primários.
Associações Rurais: uma possibilidade
Com o crescimento do agronegócio nas últimas décadas no Brasil e no estado
de Minas Gerais os grandes latifúndios tem expropriado os agricultores camponeses
de seus territórios, assim uma das maneiras que esse agricultor expropriado
encontra para retornar à terra é por meio dos assentamentos de reforma agrária.
Estes são frutos de propriedades que apresentam indicativos de descumprimento
da função social da terra, definida no artigo 186 da Constituição Federal de 1988. O
referido artigo dispõe que a função social é cumprida quando a propriedade rural
atende, simultaneamente, critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos
seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos
recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das
disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores. (GIRARDI, FERNANDES. 2008). Assim os
movimentos socioterritoriais se mobilizam para que a lei seja cumprida, ocupando
essas áreas e transformando-as em futuros assentamentos de reforma agrária.
No Brasil, desde 1979 até 2013 foram criados 9.195 assentamentos rurais com
mais de um milhão de famílias assentadas, destes 402 estão no estado de Minas
Gerais, com cerca de vinte e cinco mil famílias, segundo dados do Banco de Dados
da Luta pela Terra – DATALUTA e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária - INCRA.
De acordo com o último Censo Agropecuário do IBGE (2006), 38% do valor
bruto da produção do país foi realizado pela agricultura familiar, demonstrando
o importante papel cumprido pelos pequenos estabelecimentos rurais dentro da
economia do País. Neste mesmo censo foi publicado que Minas Gerais é o segundo
estado com maior número e maiores áreas de estabelecimentos familiares, perdendo
apenas para o estado da Bahia. Porém, conforme a metodologia adotada pelo censo,
a partir dos critérios da lei 11.326, de 24 de julho de 2006, são “agricultores familiares”
aqueles que possuem uma área que não ultrapasse a quatro módulos fiscais, a mão
de obra utilizada nas atividades econômicas desenvolvidas é essencialmente da
família, a renda familiar é predominantemente originada das atividades vinculadas
ao próprio estabelecimento e o estabelecimento ou empreendimento é dirigido
pela família. Assim, compreende-se que esse levantamento engloba mais produtores
além dos camponeses presentes dentro dos assentamentos de reforma agrária.
Conforme explica Wanderley (1996) agricultura familiar é uma categoria
genérica entendida “como aquela em que a família, ao mesmo tempo em que é
272
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo”
(p.2). Para a autora o campesinato tradicional se trata de uma forma social particular
da agricultura familiar, no que diz respeito à sua forma de inserção a sociedade global,
aos objetivos da atividade econômica e às experiências de sociabilidade.
Fernandes (2004) explica ainda que, “o camponês é compreendido por sua
base familiar, pelo trabalho da família na sua própria terra ou na terra alheia, por
meio do trabalho associativo, na organização cooperativa, no mutirão, no trabalho
coletivo, comunitário ou individual. A base familiar é uma das principais referências
para delimitar o conceito de campesinato”.
Essa categoria de trabalhadores muitas vezes encontra dificuldades para
se inserir no mercado agropecuário, visto que sua produção individual é pequena
frente aos grandes produtores agropecuaristas. Em 1996, o Estado no governo do expresidente Fernando Henrique Cardoso deu origem ao Programa de Fortalecimento da
Agricultura Familiar - PRONAF. Desse ano em diante, o programa tem se firmado como
a principal política pública do Governo Federal para apoiar os agricultores familiares/
camponeses. “Seu objetivo geral consiste em fortalecer a capacidade produtiva da
agricultura familiar; contribuir para a geração de emprego e renda nas áreas rurais
e melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares” (SCHNEIDER, MATTEI,
CAZELLA. 2004). Além do PRONAF, o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, que
garante a compra dos produtos da agricultura familiar e dos assentamentos rurais pelo
governo, com destinação ao abastecimento de hospitais e instituições beneficentes,
também está implantado na região. Percebe-se um esforço do Estado através dessas
políticas públicas de inserir esse camponês no mercado após a conquista da terra.
Conforme mostra a tabela 1, em 2012 foram feitos 303.624 contratos com
pequenos agricultores e cooperativas de agricultura e pecuária, financiando
16.256.753.817,90 de reais no estado através do PRONAF.
Tabela 1 – Financiamentos concedidos a produtores e cooperativas, 2012
ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO CRÉDITO RURAL - 2012
FINANCIAMENTOS CONCEDIDOS A PRODUTORES E COOPERATI
VAS
Valores em reais
5.1.7 - ESTADO E MUNICÍPIO - ATIVIDADE E FINALIDADE
FINALIDADE
CUSTEIO
ATIVIDADE
CONTRATO
VALOR
TOTAL
INVESTIMENTO
CONTRATO
VALOR
COMERCIALIZAÇÃO
CONTRATO
VALOR
CONTRATO
VALOR
MINAS GERAIS
TOTAL DO ESTADO
101.490 6.627.636.102,78
53.918 2.116.185.470,37
155.408 8.743.821.573,15
Agrícola
Pecuária
Total Geral
42.892 2.276.778.399,35
97.566 2.335.159.827,61
140.458 4.611.938.226,96
6.383 2.206.037.096,25
1.375
69
4.956.921,54
7.758
2.900.994.017,79
150.765 11.110.451.598,38
152.859 5.146.302.219,52
303.624 16.256.753.817,90
Fonte: MDA, 2013
Org.: MOURA, D, J.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O associativismo no contexto da produção agrícola moderna no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba:...
Daise Jesus de Moura | Laís Ribeiro
273
0
AL
BA
CE
AP
MA
PB
PA
RO
RR
ESTADOS
PI
Custeio
RN
TO
SE
O gráfico 1 mostra o investimento e o custeio realizado nas atividades
agrícolas na região sudeste, observamos que Minas teve os maiores investimentos
na região. GRÁFICO 28
MENTOS - REGIÃO SUL
PRONAF - FINANCIAMENTOS - REGIÃO SUDESTE
Gráfico 1 - PRONAF
– Financiamentos
Atividades Agrícolas, Região Sudeste
ATIVIDADE
AGRÍCOLA -em
FINALIDADE
A - FINALIDADE
600.000
VALORES (Em R$ mil)
500.000
400.000
300.000
200.000
100.000
Investimento
0
ES
Investimento
MG
RS
Custeio
TADOS
Custeio
RJ
ESTADOS
SC
SP
Fonte: MDA, 2013
Org.: MOURA, D, J.
MENTOS - REGIÃO CENTRO-OESTE
A - FINALIDADE
ADOS
PE
ESTADOS
Custeio
Através dos investimentos demonstrados na tabela 1 a agricultura familiar tem
crescido no país e também no estado, conforme publicado na cartilha do IBGE/MDA
“Agricultura Familiar no Brasil e o Censo Agropecuário 2006” a agricultura familiar
representa 38% na produção bruta do país, apesar de ocupar apenas 24,3% dos
estabelecimentos. As pequenas produções são responsáveis pela maior parte do
cultivo de alimentos básicos da alimentação da população como mandioca (87%),
feijão (70%), arroz (34%), milho (46%), café (38%) e trigo (21%).
Diante disto a estratégia utilizada pelos agricultores camponeses do município
de Uberlândia – MG para se inserir no mercado agropecuário local e as políticas
públicas tais como o PRONAF e o Programa Nacional de Alimentação Escolar PNAE, foi o associativismo. Em 2009 foi fundada a Associação dos Mandaleiros
de Uberlândia-AMU, projeto que tem como objetivo capacitar e promover os
agricultores familiares para a inserção no mercado de compra de insumos e da
venda de hortifrutigranjeiros, visando a geração de renda, a melhoria da produção,
a agregação de valor e a comercialização direta ao consumidor, eliminando o
intermediário, por meio da produção de mandalas agrícolas. São, atualmente, 45
famílias de agricultores, assentadas em assentamentos de reforma agrária no entorno
da cidade de Uberlândia.
No ano de2013 foi fundada a Associação Camponesa de Produção da
Reforma Agrária do Município de Uberlândia – ACAMPRA, agricultores de seis dos
Investimento
GO
MS
Custeio
MT
274
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
15 assentamentos do município estão associados. No ano de 2014, vinte e uma
famílias associadas de dois assentamentos (Canudos e Emiliano Zapata) forneceram
alimentos para quase 60 mil crianças da rede municipal de ensino através do PNAE.
Segundo o presidente da associação, a renda das famílias pode aumentar em até
70%, valor este que será utilizado em investimentos e melhorias nos assentamentos
e na qualidade de vida dos agricultores. Além da ACAMPRA os agricultores dos
assentamentos Canudos e Zapata contam com suas próprias associações dentro
do assentamento criadas em 1999 e 2005, respectivamente.
A agricultura familiar é uma categoria social do meio rural brasileiro que
sempre despertou o interesse de pesquisadores de diversas áreas do conhecimento.
Muitos estudos tem sido realizados acerca do tema para compreender suas
características, história, raízes culturais e formas de reprodução social que permitem
sua sobrevivência até os dias de hoje, visto que esses agricultores trazem consigo
um extenso histórico de conflitos.
O associativismo tem sido uma ferramenta importante para os agricultores
camponeses visto que sozinhos não conseguem concorrer com os produtores de
larga escala da região, assim esses produtores passam a se associar para que seus
produtos possam ter maior representatividade e de fato competir dentro do mercado
local. O associativismo rural pode se entendido, segundo Alencar apud Bezerra
(2003), “como um instrumento de luta dos pequenos produtores, proporcionando
a permanência na terra, uma elevação do nível de renda e de participação como
cidadãos”.
No meio rural, elas apresentam-se como uma possibilidade de representação
dos interesses da comunidade e de participação e envolvimento dos membros da
mesma nos processos internos e externos. Segundo Costa e Ribeiro,
As associações de pequenos produtores e trabalhadores rurais, assim como os
conselhos municipais de desenvolvimento rural mostram-se como novas formas de
agregação social que coexistem com outras categorias, como os grupos de interesse
e os sindicatos, com uma função de socialização e se constituem, hoje, como novos
canais de participação e de representação. Prevalece o entendimento de que se trata
de organizações voluntárias, embora induzidas pelo Estado, surgindo, portanto, da
vontade e da decisão de um grupo ou de um segmento de classe, com objetivos
pré-definidos e relacionados às necessidades sociais numa dada realidade (COSTA
e RIBEIRO, 2012).
Segundo Ricciardi e Lemos (2000), o associativismo rural é um instrumento
de luta dos pequenos produtores que promove a permanência na terra, elevação
do nível de renda e de participação como cidadãos. Em vista disso, o associativismo
possui um caráter social e é balizado em princípios de confiança e a participação dos
seus membros, sendo assim, a adesão é livre e as metas envolvem a aglutinação de
pessoas que detenham objetivos comuns e ou coletivos.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O associativismo no contexto da produção agrícola moderna no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba:...
Daise Jesus de Moura | Laís Ribeiro
275
No entanto, vale ressaltar que o estado de Minas Gerais e a mesorregião
do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, onde está localizado o município de estudo,
possui alta concentração de terras demostrando “uma racionalidade centrada no
lucro, na competência especializada e na competição legitimada como uma forma
quase única de realização do ‘progresso’, quebrando o que ainda resta de visões e
vivências tradicionais de tempo-espaço rural, e modo de vida a que se aferram ainda
os índios e os camponeses”. (BRANDÃO, 2009)
Diante de tais fatores, percebe-se um desenvolvimento econômico desigual,
que apresenta como principal resultado a manutenção da concentração de terras e
riquezas, conservando assim a estrutura fundiária, impedindo uma reforma agrária
efetiva e a inserção plena desses produtores no mercado.
Considerações Finais
As consequências para o território da expansão recente das atividades
agrícolas modernas, que por sua vez decorrem de esforços de modernização
realizados pelo Estado brasileiro, são pouco reconhecidos pelo poder público, que em
contrapartida, parece não realizar muitas ações para contrapesar estas implicações.
A questão da distribuição da terra, enraizada nas discussões sobre o campo no
Brasil, e a exclusão dos pequenos produtores do processo de reprodução capitalista
são alguns dos efeitos que se intensificam com expansão da agricultura moderna.
Atualmente os grandes produtores e empresas agroexportadoras têm grandes
incentivos por parte do governo, quando há também uma despreocupação em
relação às questões agrárias e principalmente com relação à Reforma Agrária. Falta
o apoio técnico público aos pequenos produtores, assentados e trabalhadores
rurais, para a garantia dos meios de produção e de trabalho que permitam sua
permanência na terra. Programas são criados, objetivos são traçados, mas insiste a
ineficácia na solução dos problemas do campo. Neste trabalho podemos observar
o exemplo de agricultores que desenvolvem novas formas de sociabilidade, como
as associações, afim de se manter no campo, ainda assim, é por meio de conflitos
territoriais que os próprios trabalhadores rurais e pequenos produtores reivindicam
a solução destes problemas.
Destacando a importância das ações do Estado em promover no território as
condições imperativas ao crescimento e materialização da agricultura moderna, é
preciso pensar em novas forma de intervenção estatal, que permita a coexistência
de diversas atividades e indíviduos no campo, estabelecendo novas configurações
de sociabilidade que possam ao mínimo, reparar dívidas sociais historicamente
construídas.
276
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Referências
BEZERRA, Maria Luiza Capanema. ASSOCIATIVISMO RURAL EM ORIZONA (GO): A Associação
dos Pequenos Agricultores da Mata Velha, Água Grande e Coqueiros – APAMAC. Dissertação
(Mestrado em Geografia). Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia. 2003
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. No Rancho Fundo: espaços e tempos no mundo rural. 1 ed.
Uberlândia: EDUFU, 2009.
BRASIL. Censo Agropecuário. Resultados preliminares. 2006. Disponível em: <http://www.
ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/brasil_2006/Brasil_censoagro2006.pdf>. Acesso em: 18 de setembro de 2014
BRAY, S. C.; FERREIRA, E. R.; RUAS, D. G. G. As políticas da agricultura canavieira e o Proálcool
no Brasil. Marília, SP: Unesp-Marília Publicações, 2000
CAMELINI, J. H. Regiões competitivas do etanol e vulnerabilidade territorial no Brasil:o
caso emblemático de Quirinópolis, GO. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Geociências,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2011.
CAMELINI, J. H.; CASTILLO, R. Etanol e uso corporativo do território. Mercator. Fortaleza, v. 11,
n.25, p. 7-18, 2012. Disponível em: <http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/article/
viewFile/722/414> Acesso em jul. 2014.
COSTA, Anita Aline A.; RIBEIRO, Tereza Cristina. A. O ASSOCIATIVISMO NO MEIO RURAL
BRASILEIRO: contradições e perspectivas. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/
ABAAAfgCwAB/associativismo-rural.> Acesso em: 06 de Outubro de 2014.
DATALUTA, Banco de Dados da Luta pela Terra. Relatório 2013 - Minas Gerais. LAGEA –
Laboratório de Geografia Agrária – IG/UFU. Coordenação: CLEPS JUNIOR, João. Uberlândia,
Minas Gerais. Dezembro de 2014. Disponível em:<http://www.lagea.ig.ufu.br/rededataluta/
relatorios/minas/dataluta_mg_2013.pdf> Acesso em: Março de 2015.
DATALUTA, Banco de Dados da Luta pela Terra. Relatório 2013 - Brasil. NERA - Núcleo de
Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – FCT/ UNESP Coordenação: GIRARDI. E.
P.; - Presidente Prudente, São Paulo. Dezembro de 2014. Disponível em: <http://www.lagea.
ig.ufu.br/rededataluta/relatorios/brasil/dataluta_brasil_2013.pdf> Acesso em: Maio de 2015
DELGADO, G. C. Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: UFRGS, 2012.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Delimitação conceitual de campesinato. São Paulo, 2004.
Disponível em:<http://www.coptec.org.br/biblioteca/Campesinato%20e%20Reforma%20
Agr%E1ria/Artigos/Delimita%E7%E3o%20conceitual%20de%20campesinato%20Bernardo%20Man%E7ano.doc> Acesso em 06 de Outubro de 2014.
GIRARDI, Eduardo Paulon. FERNANDES, Bernardo Mançano. A Luta Pela Terra e a Política de
Assentamentos Rurais no Brasil: A Reforma Agrária Conservadora. São Paulo: Agrária. N. 8,
p. 73-98, 2008.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
O associativismo no contexto da produção agrícola moderna no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba:...
Daise Jesus de Moura | Laís Ribeiro
277
GRAZIANO DA SILVA, J.Tecnologia e agricultura familiar. 2. ed. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2003.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção agrícola municipal (PAM).
(página na internet). Disponível em <http://www.ibge.gov.br> Acesso em jun. 2015.
PEREIRA, M. F. V. Território e economia na região do agronegócio em Minas Gerais: As
cidades e o campo moderno no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (Uberlândia, Uberaba e
Patrocínio). Relatório Final de Pesquisa. FAPEMIG – Instituto de Geografia, Universidade Federal
de Uberlândia. Uberlândia, 2013.
PESSOA, V. L. S. Meio técnico-científico-informacional e a modernização da agricultura:
uma reflexão sobre as transformações do cerrado mineiro. In: O meio técnico-científico-informacional e a (re)organização do espaço agrário nacional. XVII Encontro Nacional
de Geografia Agrária. Nov. 2006. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
RICCIARDI, L.; LEMOS, R. J. COOPERATIVA, A EMPRESA DO SÉCULO XXI: como os países em
desenvolvimento podem chegar a desenvolvidos. São Paulo: LTr, 2000.
SANTOS, M., SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de
Janeiro: BestBolso, 2011[2001]
SAUER, S. Terra e modernidade: a reinvenção do campo brasileiro. 1. Ed. São Paulo: Expressão
Popular. 2010.
SCHNEIDER, Sergio; MATTEI, Lauro; CAZELLA, Ademir Antônio. HISTÓRICO, CARACTERIZAÇÃO
E DINÂMICA RECENTE DO PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar. In: SCHNEIDER, Sergio; SILVA, Marcelo Kunrath; MARQUES, Paulo Eduardo Moruzzi
(Org.). Políticas Públicas e Participação Social no Brasil Rural. Porto Alegre, 2004, p. 21-50.
WANDERLEY, Maria de Nazareth B. Raízes históricas do campesinato brasileiro. In: XX
Encontro Anual da ANPOCS. GT 17. Processos Sociais Agrários. Caxambu, MG. Outubro, 1996.
278
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Produção e comercialização
agrícola nos perímetros irrigados
de Sergipe: o caso de Jacarecicai e
Ribeira (2010-2014)
PRODUCTION AND MARKETING AGRICULTURAL IN THE
IRRIGATED PERIMETERS OF SERGIPE: CASE JACARECICA I
AND RIBEIRA (2010-2014)
Diana Mendonça de Carvalho
Universidade Federal de Sergipe
[email protected]
Fernanda Viana de Alcantara
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
[email protected]
José Eloízio da Costa
Universidade Federal de Sergipe
[email protected]
Resumo: A agricultura é uma das atividades mais antigas desenvolvidas pelo homem.
Todavia, a produção de gêneros agrícolas depende de suprimentos de água, aspecto que
tem sido um impulsor, por exemplo, da instalação de perímetros irrigados nas áreas rurais do
Nordeste brasileiro. Por essa realidade, analisar-se-á a produção e comercialização agrícola
nos perímetros irrigados Jacarecica I e Ribeira, localizados no município de Itabaiana/SE. Isso
porque, essas áreas de irrigação se constituem como importantes produtoras e fornecedoras
de hortaliças para o mercado. Deste modo, entende-se que a agricultura irrigada é uma
atividade de base e gestão familiar, em que técnica e prática têm auxiliado na autossuficiência
alimentar e propiciado mudanças na lógica distributiva e comercial do município de Itabaiana.
Palavras-Chaves: Irrigação, Agricultura Familiar e Produção Agrícola.
Abstract: Agriculture is one of the activities oldest developed by man. However, the production
of farm products depends supplies on water, something that has been an impeller, for
example, the installation of irrigated perimeters in rural areas of the Brazilian Northeast. For
this reality, will be to analyze the agricultural production and marketing in irrigated areas
Jacarecica I and Ribeira, in the municipality of Itabaiana / SE. This is because these irrigation
areas constitute important as producers and suppliers of vegetables to the market. Thus, it
is understood that irrigated agriculture is a activity basic and administration family, in which
technique and practice have helped to food self-sufficiency and brought about changes in
the distributive logic and commercial city of Itabaiana.
Keys-Words: Irrigation, Family Agriculture and Agricultural Production.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
I Introdução
A agricultura é uma das atividades mais antigas desenvolvidas pelo homem.
Acredita-se que o desenvolvimento da mesma tenha iniciado no período da Idade
Polida, juntamente aos vales de rios. Disso verifica-se que o processo de produção
agrícola esteve sempre atrelado a necessidade de suprimentos de água. Aspecto
que tem sido um impulsor, por exemplo, da instalação de perímetros irrigados nas
áreas rurais do Nordeste brasileiro. Esses perímetros são instalados pelos Governos,
sobretudo Federal, visando a implementação de novos modelos produtivos, baseado
na modernização, irrigação e incentivo a atividades lucrativas, que tem determinado
e correspondido em algumas áreas, sobretudo no Sertão, as demandas do capital,
com o cultivo de commodities agrícolas para a exportação, por exemplo.
Ainda assim, muitas áreas de perímetros irrigados são constituídos por agricultura de gestão familiar. A agricultura familiar é hoje, a categoria determinante para
o reconhecimento do espaço rural, pois é dela que saem a maior parte dos produtos
que compõem o segmento de circulação, distribuição e comercialização de produtos
agrícolas no país. Mesmo sem pretender adentrar teoricamente discussões sobre essa
categoria, que é extremamente ampla hoje no país, se faz necessário demonstrar
sua inserção dentro da cadeia de produção e comercialização agrícola em Sergipe.
Nesse sentido, a pretensão é analisar a produção e comercialização agrícola
nos perímetros irrigados Jacarecica I e Ribeira, localizados no município de Itabaiana/
SE (Figura 01). Isso porque, essas áreas de irrigação se constituem como importantes
produtoras e fornecedoras de produtos para o mercado e para o segmento industrial
sergipano. Essa análise se justifica nas políticas públicas impostas pelo Estado,
na promoção de áreas irrigadas; no volume de produção e no número de atores
envolvidos na cadeia produtiva.
Para a fundamentação desse artigo foram realizados num primeiro momento,
levantamento bibliográfico e análise da temática: “O Estado e as Políticas Públicas
em prol da Agricultura Irrigada” e “Perímetros Irrigados em Itabaiana: Produção e
Comercialização Agrícolas”. Por estes foram observados a conjuntura de instalação
por parte do Estado das áreas de irrigação no país, assim como, fora considerada
a referida conjuntura em Sergipe. No segundo momento foram realizados estudos
específicos sobre as áreas de irrigação do município de Itabaiana, os quais foram
acompanhados de reconhecimento e trabalho de campo com os envolvidos na
produção e na comercialização, por meio de observações, registro fotográfico e
obtenção de dados quantitativos e qualitativos em torno da questão. Para tanto,
utilizou-se de entrevista aleatórias com os atores sociais, com representantes
da Companhia de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Irrigação de Sergipe
(COHIDRO) e Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (EMDAGRO).
Através desses foi possível dimensionar a evolução produtiva, conhecer a cadeia de
intermediação e os fluxos de comercialização.
280
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Figura 01 - Perímetros Irrigados no município de Itabaiana/SE.
Base Cartográfica SEPLANTEC (2004).
Elaboração: Diana Mendonça de Carvalho, 2009.
Com essas informações também foi possível delimitar a área de estudo
através da Base Cartográfica do Atlas Digital (2014). Todo esse viés metodológico
contribuiu para analisar a edificação das áreas irrigantes em Itabaiana-SE e para
observar como as mesmas contribuem para a consolidação da representatividade
comercial agrícola do munícipio.
Ii O estado e as políticas públicas em prol da agricultura irrigada
A agricultura irrigada ganha fôlego no Brasil no final da década de 1950,
vinculada aos estudos propostos por Celso Furtado, junto ao Grupo de Trabalho
para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN, 1958), que vinculado ao Governo
de Juscelino Kubistchek (1956-1961), previa a criação de possibilidades que
desvinculasse o agricultor nordestino dos regimes irregulares de chuvas. Entre as
possibilidades surgidas, definiu-se a implantação de açudes, que visava auxiliar o
agricultor nordestino a resistir as secas. A partir disso, o Estado passou a instalar no
Nordeste, Polos de Desenvolvimento baseados na Agricultura Irrigada, como um
novo padrão de modernização e solução para os dilemas enfrentados com a seca e
falta de alimentos na região.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Produção e comercialização agrícola nos perímetros irrigados de Sergipe: o caso de Jacarecicai e Ribeira (2010-2014)
Diana Mendonça de Carvalho | Fernanda Viana de Alcantara | José Eloízio da Costa
281
Neste sentido, vale ressaltar que o Estado é toda organização política de um
país, ou seja, a estrutura de poder instituída sobre um território ou população. Este
aparelho coloca-se ainda, como uma entidade necessária para o convívio social. Essa
entidade, através de seu poder político deve ser legitimada pelo direito e ordem
jurídica, que regulem o funcionamento das instituições e o cumprimento das leis
pelas quais se regem a coletividade. Logo, é por ser reflexo da personalidade social,
“[...] que o estado tem unidade e permanência no tempo, possui uma personalidade
que perdura, através de todas as modificações de estrutura e de forma” (AZAMBUJA,
2005, p.111).
Por esse parâmetro, o Estado vivenciado no governo de Juscelino Kubitschek
preconizava o desenvolvimento econômico através de política de investimento liberal
em relação ao capital estrangeiro. Essa concepção de Estado desenvolvimentista
surgiu na teoria do subdesenvolvimento, da Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe (CEPAL), que prescrevia um modelo de substituição de importações
para os países latino-americanos.
Por este viés desenvolvimentista foram implementadas políticas que
objetivaram desenvolver o meio rural brasileiro, através de estímulos ao processo
de modernização da agricultura. A mesma foi impulsionada na década de 1950
e intensificou-se nas décadas de 1960 e 1970, quando o país aderiu ao pacote
tecnológico norte-americano, denominado “Revolução Verde”. Esse processo definiu
mudanças na base produtiva do país, com a implementação de maquinaria, insumos,
fertilizantes e defensivos químicos.
A utilização de capital, tecnologia e informação nas atividades produtivas do
campo criou uma nova relação rural-urbana, que pode ser relacionada à abordagem
do continuum, onde “[...] o avanço do processo de urbanização é responsável por
mudanças significativas na sociedade em geral, atingindo também o espaço rural
e aproximando-o da realidade urbana” (MARQUES, 2002, p.100).
Neste processo de articulação dos espaços rurais-urbanos, o Estado participou
com investimentos e incentivos para a associação do capital privado nacional com
o internacional na implementação de infraestrutura, incentivos fiscais, programas e
pesquisas. Nesse momento é instituído o crédito rural, visando a modernização da
agricultura brasileira, pois financiava suprimentos necessários ao desenvolvimento
agrícola. Esse tipo de crédito foi instituído, segundo Gonçalves (2008), em escala
nacional, com a criação do Sistema Nacional do crédito Rural (SNCR), na metade
da década de 1960.
Na década de 1970, o estado brasileiro instituiu empresas de pesquisa visando
ampliar o dinamismo do segmento rural. Entre estas é criada a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e
Extensão Rural (EMBRATER), com intuito de promover o desenvolvimento tecnológico
do campo e orientar os agricultores a modernização da agropecuária.
282
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Por essa trajetória, a irrigação, importante técnica utilizada para a
produção agrícola, ganhou foco junto a medidas executadas pelo Programa de
Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste (POLONORDESTE) e Programa
de Apoio ao Desenvolvimento da Região Semiárida do Nordeste (Projeto Sertanejo);
além da correlação a instituições como a Superintendência de Desenvolvimento
do Nordeste (SUDENE), Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco
(CODEVASF) e Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Essas
entidades institucionais passaram a consolidar a modernização dos segmentos
agrícolas no Nordeste, correlacionando grupos de interesses fundiários, os
latifundiários, e de promoção da Revolução Verde, que se integram as agroindústrias
químicas e de equipamentos para a produção, como a Syngenta, Du Pont, Bayer e
Monsanto, que produzem sementes como a Cargill, Avanta, Novartis e Pioneer; e a
John Dhree, indústria de máquinas, que passaram a controlar a forma de produzir,
subordinando e precarizando as formas de trabalho no campo.
Diante dessa conjuntura, a agricultura irrigada representou uma seguridade
para o produtor rural, pois o manejo da água de forma correta conduz a resultados
favoráveis de produção e possibilita maior número de safras durante o ano. O
controle e a administração da quantidade de água disponibilizada para os cultivos
na irrigação contribuem para maiores índices de sustentabilidade em termos de
desgaste do solo e da poluição das águas com insumos e defensivos químicos, e
também para o aumento na produção e melhoramento da qualidade dos alimentos.
No território brasileiro, a prática de irrigação corresponde a 5% do total das
áreas de cultivo, sendo responsável pela produção de 16% do total de alimentos.
Segundo Albertini (2009), o país concentra cerca de 4,6 milhões de hectares irrigados
com um potencial 10 vezes maior. Apesar de o Brasil ser um dos países com maior
reserva de água doce do mundo, a distribuição da mesma é desigual entre as regiões,
já que cerca de 70% delas estão concentradas na região Amazônica. Essa situação
associada às diferenças socioeconômicas, as condições naturais e edafoclimáticas
acarretam a busca por meios técnico-científico-informacionais, que tornassem a
produção agrícola acessível economicamente.
No Nordeste, a agricultura irrigada vem sendo estimulada mediante
planejamento regional visando amenizar a problemática das secas, as desigualdades
regionais e promover uma modernização agrícola. Tais políticas, entretanto, se
mostraram conservadoras por não mexerem na estrutura sócio espacial vigente
na região, além de poderem ser analisadas como medidas para alavancar o
desenvolvimento capitalista da agricultura.
Ainda assim, a região tem se tornado uma boa opção para investimentos, pois
apresentam vantagens comparativas face à disponibilidade de recursos naturais, tais
quais: a luminosidade, a temperatura e a oferta de água que se tornaram alicerce
para o desenvolvimento do sertão Nordestino, a exemplo do que ocorre no Vale do
São Francisco, com as práticas de fruticultura.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Produção e comercialização agrícola nos perímetros irrigados de Sergipe: o caso de Jacarecicai e Ribeira (2010-2014)
Diana Mendonça de Carvalho | Fernanda Viana de Alcantara | José Eloízio da Costa
283
Os projetos de irrigação definidos nessa região têm contribuído, com apoio
do Estado e de agentes dos agronegócios, para a difusão de crescimento econômico
regional e assim, para a disseminação de seus produtos em vários mercados, inclusive
a nível internacional. Atualmente, segundo Ragotto (2014), existem 38 projetos
irrigados no país, com muitas problemáticas intrínsecas, sobretudo as ligadas a
consolidação produtiva juntamente ao agronegócio, os impactos ambientais e a
expropriação dos pequenos agricultores. E tal conjuntura, ganha novo fôlego, com
a aprovação da nova Política Nacional de Irrigação, através da Lei nº 12.787, que
prevê ampliação das áreas irrigadas, com aumento produtivo de modo sustentável.
No estado de Sergipe, entre os principais projetos de irrigação visando o
desenvolvimento agropecuário destacam-se: Colonização e Irrigação no Baixo
São Francisco (1975); Califórnia, em Canindé do São Francisco (1987); platô de
Neópolis (1993); Própria; Pindoba; Cotinguiba e Betume. Todos estes situados nas
proximidades do Rio São Francisco e voltados respectivamente para a produção de
quiabo, de frutas e de arroz. Além desses, são destacados os projetos Jabiberi, em
Tobias Barreto e Piauí, em Lagarto, voltados à produção de cultivos alimentícios; e
os perímetros irrigados de Itabaiana (Açude da Macela, Jacarecica e Ribeira) que
abastecem com hortifrutigranjeiros grande parte das feiras do estado e exporta
para os estados vizinhos (FRANÇA, 2007).
Os respectivos projetos somam uma área de 20.580 hectares, com 11.523
hectares irrigáveis, distribuídos entre 2.038 lotes, cuja área média dos lotes perfez
5,65hectares, beneficiando 13.540 pessoas. Tais lotes foram responsáveis pela
produção, já em abril de 2015, de 70.257 toneladas de alimentos, que geraram
um valor brutos de quase 67 milhões de reais (COHIDRO, 2015). Os mesmos são
administrados pela Companhia de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Irrigação
de Sergipe (COHIDRO) e Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco
e Parnaíba (CODEVASF).
No município de Itabaiana, ao contrário do avaliado em outras áreas irrigadas
do Nordeste, não há especificamente empresas de agronegócio. Contudo, a instalação
dos perímetros de Jacarecica I e Ribeira (1989) auxiliou no aparecimento de empresas
familiares, que além de promover a produção com base e gestão familiar, fazem a
comercialização de seus produtos de modo individual, juntamente a intermediários
e as redes de supermercado. Os produtos entregues aos intermediários contribuem
para o abastecimento do município, de municípios circunvizinhos e ainda, do estado
da Bahia.
III Perimetros irrigados em Itabaiana: produção e comercialização agrícolas
Os perímetros irrigados de Itabaiana exercem importante função em termos
de produção e de comercialização de hortaliças, folhagens (alface, coentro, cebolinha,
etc.) e raízes. Segundo Silva (2001), o município se fixa como um dos principais
284
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
responsáveis pela produção olerícola consumida em Sergipe. Para esse autor, os
perímetros contribuíram para a produção de alimentos pouco cultivados em Sergipe,
[...] como maxixe, pepino e vagem, sobretudo, no tocante a uma maior oferta desses
produtos ao mercado consumidor, contribuindo assim em mudanças de comportamento cultural da população (SILVA, 2001, p.26).
Todavia, esses projetos ainda necessitam de organização produtiva para
avaliarem o melhor momento de plantar determinada área, de colher e mesmo de
planejar a quantidade que vai ser produzida, a fim de se ter nos mercados preços mais
sustentáveis (Mota; Lopes, 1997). Em função disso devem ser realizados estudos de
preços e de mercados que por ventura absorverão os produtos olerícolas cultivados.
No caso do município de Itabaiana, os produtos cultivados nos perímetros
irrigados da Ribeira e Jacarecica I, são os mesmos e a colheita ocorre praticamente
no mesmo período, dificultando assim, a comercialização e a consequente obtenção
de melhores preços (MOTA; LOPES, 1997).
Ainda conforme Mota e Lopes (1997), a maior parte das transações comerciais
dos produtos agrícolas desses perímetros são,
[...] feitas dentro de Sergipe, e algumas vezes em Salvador, é o próprio agricultor
quem atua como vendedor da produção. Porém, ainda são os intermediários locais os
principais agentes de comercialização de hortaliças dos perímetros, detendo em suas
mãos o controle dessa atividade e influenciando tanto na determinação dos preços
como na seleção dos produtos a serem cultivados (Op. Cit. p.137).
Logo, esses perímetros associados à localização do município, no centro do
estado, consolidam a cidade de Itabaiana como centro de comercialização agrícola
no atacado e no varejo. Fato o qual é referenciado por Nascimento (2003, p.64),
Neste contexto, nota-se que Itabaiana passa da categoria economicamente endógena
para a exógena, pois o seu comércio ampliado pelas influências do capital, capitaneado pelo Estado, torna-se um dos “lócus” comerciais mais importantes de Sergipe.
a) O Perímetro de Jacarecica I
O perímetro de Jacarecica I, localizado na sub-bacia do rio de mesmo nome,
afluente da margem direita do Rio Sergipe, ocupa 398 hectares, subdivididos em
126 lotes de 2,0 hectares, beneficiando 630 pessoas de modo direto. Esses lotes
estão instalados nas proximidades da Barragem do Rio Jacarecica, que agrega 4,7
milhões de metros cúbicos de água. O solo típico dessa porção irrigável, sobretudo
por método de aspersão convencional, é o Planossolo Solódico Eutrófico, responsável
pela produção de batata-doce, coentro, milho verde, alface, amendoim e pepino
(COHIDRO, 2015).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Produção e comercialização agrícola nos perímetros irrigados de Sergipe: o caso de Jacarecicai e Ribeira (2010-2014)
Diana Mendonça de Carvalho | Fernanda Viana de Alcantara | José Eloízio da Costa
285
Entre 1991 e 2005, o segmento de produção desse perímetro cresceu
1.475,24%, segundo dados da COHIDRO, empresa que monitora o projeto (Tabela
01). De 2010 a 2013, observou-se que a área plantada fora ampliada em cerca de
25,5%, com aumento produtivo de quase 36% e ampliação do valor total da produção
em quase 150%. Esse aumento em longa e pequena escala de tempo se justifica,
na agregação de tecnologias agrícolas e maior presença de assistência técnica, e
mesmo de estímulos produtivos, especialmente do Programa de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF), que tem contribuído para com a produção agrícola
no município de Itabaiana.
Tabela 01- Produção de hortaliças no Perímetro irrigado de Jacarecica I (1991 - 2005).
Variação %
Itabaiana/SE
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
PerímeProdutos
tro
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
Amendoim
10,47
88,84
75,93
123,97
253,34
231,57
183,86
170,75
259,48
206,10
100,58
112,00
108.94
151,74
139,40
Batata
Doce
149,98 1.939,92 5.057,36 3.396,07 1.806,18 1.744,90 1.847,37 1.250,10 1.620,06 1.574,27 1.879,15 1.763,20 2.732,09 2.555,64 2.408,32 1.505,76
J
A
C
A
R
E
C
I
C
A
1.231,42
Maxixe
4,16
15,04
43,76
10,14
33,95
58,35
81,43
83,98
56,26
42,65
43,31
42,69
31,96
30,17
40,21
866,58
Pepino
13,52
89,01
110,48
356,85
423,97
269,88
388,98
311,86
119,48
143,96
152,52
108,10
87.71
103,89
71,26
427,07
Pimentão
12,73
111,81
154,27
89,94
140,83
142,72
125,11
158,26
77,27
55,59
79,30
76,69
88.25
73,99
35,97
182,56
Quiabo
17,19
96,18
110,06
98,22
106,57
207,73
288,14
412,87
389,30
365,58
419,20
386,90
453,75
372,76
291,11
1.593,48
Tomate
20,10
151,54
169,80
104,03
199,57
291,07
132,31
74,94
35,35
22,90
90,34
48,80
52,60
23,29
14,94
-25,67
Outras
Culturas
15,80
101,31
137,92
407,76
177,39
368,11
387,56
676,95
877,59
650,54
745,75
807,23
903,11
975,97
941,60
5.859,49
Total
243,95 2.593,65 5.859,58 4.856,98 3141,80 3.296,33 3.434,76 3139,71 3.434,79 3.061,49 3.510,15 3.345,61 4.458,41 4.287,45 3.842,81 1.475,24
Fonte: COHIDRO, 1991-2005. Organização: Diana Mendonça de Carvalho (2009).
Pela análise dos primeiros dados observou-se a variação de crescimento,
principalmente com relação ao quiabo em 1.593,48%, a batata-doce, em 1.505,76% e
ao amendoim em 1.231,42% (COHIDRO, 1991-2005). Na fase mais atual, os produtos
de maior aumento produtivo, são pimenta (121,23%), motivada pela demanda do
mercado agroindustrial de Sergipe, junto ao Grupo Maratá; tomate (81.81%), em
virtude da elevação de preços no mercado; quiabo (46,62%), pepino (33,33%),
coentro (24,88%) e cebolinha (15,94%), produções estimuladas pelas demandas de
mercados externos ao município, sobretudo a capital sergipana e Salvador (BA). Esses
crescimentos podem ser explicados ainda, pelo aumento da demanda de outros
mercados externos e pela comercialização indireta com redes de supermercados,
intermediada pela empresa agrícola “Hortaliça Vida Verde’.
Sendo assim, o crescimento desses produtos é justificado na demanda externa
e nas redes mercadológicas. Entretanto, deve-se considerar que esse crescimento
não é contínuo, tendo períodos de maior produção do que outros. Isso devido às
286
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
questões de mercado ou ainda, as condições edafoclimáticas, que juntamente
com pragas, podem ter causado a diminuição da produção. Diante desses dados
observou-se nos anos que se seguiram a consolidação do perímetro Jacarecica I,
a ocorrência do crescimento das áreas de produção, sendo diminuídas as áreas
de roçado, de pastagem e de mata. No ano de 2013, a área plantada e o volume
de produção, segundo dados da COHIDRO/Jacarecica I, foram de 388 hectares,
produzindo 5.939,50 toneladas, subdivididos pelos seguintes produtos, área e
produção (Tabela 02).
Tabela 02 - Produção de hortaliças no Perímetro irrigado de Jacarecica I (2013).
Área Plantada
(Ha.)
Quantidade
Ciclos/
Ano
Produção
(T.)
Valor da
Produção anual
(R$)
Alface
30
06
270
810.000,00
Amendoim
05
02
17,50
43.750,00
Batata doce
170
03
3.400
2.890.000,00
Cebolinha
24
08
192
576.000,00
Coentro
90
08
720
2.160.000,00
Feijão vagem
04
02
20
50.000,00
Milho verde
10
01
60
90.000,00
Pepino
06
02
120
120.000,00
Pimenta
25
01
500
2.250.000,00
Quiabo
20
02
400
360.000,00
Tomate
04
02
240
312.000,00
TOTAL
388
-
5.939,50
9.661.750,00
Produtos
Fonte: COHIDRO, 2013. Organização: Diana Mendonça de Carvalho (2015).
A cultura produtiva de hortaliças e raízes conta com assistência técnica da
COHIDRO e EMDAGRO. A produção desse perímetro visa atender principalmente
a demanda municipal, estadual e regional e seguramente a demanda nacional, a
exemplo do pimentão e do quiabo, exportados para o estado da Bahia e mesmo,
da batata-doce, vendida para mercados sulistas, principalmente para o estado do
Rio Grande do Sul.
b) O Perímetro da Ribeira
O perímetro da Ribeira, localizado na Bacia do rio Traíras, afluente da
margem esquerda do Rio Sergipe, ocupa área total de 1970 hectares, dos quais
1.100 são hectares irrigáveis, com 466 lotes de tamanhos inferiores a 5 hectares,
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Produção e comercialização agrícola nos perímetros irrigados de Sergipe: o caso de Jacarecicai e Ribeira (2010-2014)
Diana Mendonça de Carvalho | Fernanda Viana de Alcantara | José Eloízio da Costa
287
que beneficiam 11 povoados de Itabaiana e seis de Areia Branca, num total de
4.660 pessoas. Essa área irrigável é constituída por solos do tipo Podzólico – V.A. e
Planossolo Solódico Eutrófico, que favorecem o cultivo de coentro, batata-doce,
cebolinha, quiabo, pimentão, amendoim, alface, couve e tomate (COHIDRO, 2015).
Esse perímetro apresenta também, projetos de piscicultura, com a criação de peixe
da variedade tilápia.
Segundo a COHIDRO, entre 1991 e 2005, a produção desse perímetro cresceu
333,59% (Tabela 03). Na década seguinte, entre 2010 e 2014, o setor produtivo
cresceu 75,67%, com ampliação da área plantada em 68,35% e do valor da produção
anual em 43,28%. Crescimentos que também se justificam na melhorias das
condições técnicas de produção e a assistência financeira, além claro, do viés cultural
itabainense, que trabalha para concorrer no mercado.
Os dados da COHIDRO, entre 1991 e 2005, demonstram que o foco principal
dessa área foi à produção de hortaliças, principalmente dos folhosos, como
cebolinha e coentro, que juntos apresentam um considerável crescimento de
10.105,49%. No período mais recente, a produção de alface é a que apresentou
maior crescimento, superior a 4.000%, sendo produzido 11.280 toneladas por
hectare; a esse segue-se a produção de amendoim (189%), motivada pelo processo
de beneficiamento na região, que direciona amendoim cozido para o mercado
consumidor sergipano; quiabo (102,2%) e milho verde (83,3%). A batata-doce,
cultura de destaque na lavoura itabainense, no primeiro período teve sua produção
gradualmente ampliada, sendo que sua variação foi de 666,93%, em virtude da
demanda externa e dos preços no mercado (COHIDRO, 1991-2005). De 2010 a
2014, a produção dessa raíz tem decrescido em 34%, devido a valorização de novas
atividades econômicas, como a produção de milho verde e da expansão de área
para as hortaliças (Tabela 04).
O crescimento do setor hortícola nesse perímetro deve-se principalmente
a ampliação da demanda nos mercados do estado da Bahia. Segundo técnico
desse perímetro, nos períodos de safra, é possível visualizar a saída diária de 3 a 5
caminhões repletos de coentro em direção à Salvador. Além dessa cidade, a produção
de hortaliças tem atendido a outros municípios baianos como Ribeira do Pombal,
Euclides da Cunha, Entre Rios e Esplanada (BA). Em relação à batata-doce, o técnico
relata que essa raiz tem sido vendida principalmente no mês de março para o Rio
Grande do Sul e Argentina. Toda a produção dessa área, no entanto, visa atender
primeiro à demanda de Itabaiana e de outros municípios sergipanos, como Pinhão,
Macambira, Pedra Mole e de Aracaju.
288
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Tabela 03- Produção de hortaliças no Perímetro irrigado da Ribeira (1991-2005).
Itabaiana/SE
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Períme- Produtos
tros
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
(ton.)
Amendoim
26,46
114,27
101,50
137,57
245,71
94,49
146,88
241,6
304,54
316,78
178,51
132,27
127,97
108,36
48,90
Batata
Doce
159,33 1.096,29 2.528,35 3.999,59 4.211,05 4.267,73 3.403,72 3.447,81 4.178,52 4.217,67 5.365,68 3.377,93 4.457,63 3.623,39 1.221,95
R
I
B
E
I
R
A
166,53
167,10
255,68
266,98
198,63
214,98
266,48
366,74
274,93
Variação %
84,80
666,93
Cebolinha
0,39
31,30
87,74
297,84
309,37
39,24
9.961,53
Coentro
24,18
160,82
470,81 1.307,78 1.345,47 1.199,86 1.355,25 1.205,60 1.281,07 1.263,39 1.080,76 1.211,86 882,32
965,12
58,99
143,96
Pimentão
43,93
243,81
214,32
184,53
361,72
295,47
345,36
257,46
165,13
238,02
287,43
138.64
249,53
210,49
82,62
88,07
587,62
608,85
529,10
415,59
465,54
174,98
162,17
251,51
332,29
106,57
102,52
73,82
Tomate
71,74
442,68
21,83
-69,57
Outras
Culturas
90,50
992,90 1.724,37 1.419,99 1.544,05 1.681,67 2.140,91 1.650,48 1.224,92 1.612,06 1.656,91 1.196,80 1.606,45 1.223,65 332,53
267,43
Total
416,53 3.082,07 5.714,71 7.824,84 8.404,20 8.210,49 8.124,64 7.176,58 7.531,33 8.165,91 9.268,32 6.439,00 7.724,26 6.514,20 1.806,06
333,59
Fonte: COHIDRO, 1991-2005.
Organização: Diana Mendonça de Carvalho (2009).
Tabela 04 - Produção de hortaliças no Perímetro irrigado da Ribeira (2008).
Produtos
Área Plantada
(Ha.)
Quantidade
Ciclos/
Ano
Produção
(T.)
Valor da
Produção anual
(R$)
Alface
752
9
11.280
11.280.000,00
Amendoim
Batata doce
Cebolinha
Coentro
Couve folha
Milho verde (espiga)
Quiabo
TOTAL
65
198
154
660
51
55
65
2.000
2
3,5
7
10
1,8
1
2
-
260
3.564
693
3.960
918
440
910
22.025
390.000,00
3.207.600,00
693.000,00
11.880.000,00
1.836.000,00
440.000,00
910.000,00
30.636.600,00
Fonte: COHIDRO, 2014.
Organização: Diana Mendonça de Carvalho (2009).
A intervenção do Estado nessa área de irrigação é destacada com a inserção da
COHIDRO que presta assistência técnica, serviços operacionais e de manutenção dos
equipamentos, como também através de incentivos creditícios, tal qual o PRONAF.
Esse apoio contribuiu para a diversificação produtiva dos lotes do Perímetro da
Ribeira, que em 2014, ocupou uma área de 2.000hectares, com produção de 22.025
toneladas, destacando-se os seguintes produtos: abobrinha, alface, amendoim,
couve, feijão, hortelã, pepino, pimentão, quiabo, repolho, entre outros (Tabela 04).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Produção e comercialização agrícola nos perímetros irrigados de Sergipe: o caso de Jacarecicai e Ribeira (2010-2014)
Diana Mendonça de Carvalho | Fernanda Viana de Alcantara | José Eloízio da Costa
289
De 2005 a 2008 a produção da Ribeira cresceu aproximadamente 300%, cujos
produtos de maior destaque foram, o coentro (1.393,67%), cebolinha (658,91%) e
tomate (504,85%). Os demais produtos cresceram em uma escala menor, caso do
amendoim (161,75%), do pimentão (275,40) e da batata-doce (264,67%), além de
terem surgido novos tipos de cultura, a exemplo da hortelã e da pimenta, cultivos
impulsionados pela demanda do grupo Maratá. De 2008 a 2014, observa-se que
houve ainda mais incrementos produtivos no sentido das hortaliças, mas também
a introdução da produção do milho, ao tempo que foram excluídas a produção de
pimenta e hortelã.
Deste modo, a produção dos dois principais perímetros irrigados, localizados
no município de Itabaiana-SE, tem por preocupação central o atendimento
às demandas do mercado. Fato que torna o pequeno agricultor familiar um
empreendedor produtivo e comercial.
IV Considerações finais
As políticas públicas no sentido de instalação de áreas irrigadas no Brasil,
principalmente no Nordeste, motiva a produção e diversificação agrícolas, assim
como, estimula a agricultura familiar empreendedora. No município de Itabaiana,
as áreas de irrigação, especialmente os perímetros irrigados Jacarecica I e Ribeira,
contribuíram para que esse território se tornasse uma importante referência regional
no desenvolvimento da agricultura familiar. Essa questão agregada as características
histórico-econômicas e naturais incentivaram na transformação da cidade de
Itabaiana em entreposto comercial dessas hortaliças.
O incentivo às práticas irrigantes auxiliou juntamente a questão creditícia,
a ação de assistência técnica e utilização de insumos agrícolas, no aumento da
produção do município. Desse modo, o pequeno agricultor que conta com a família
e com a irrigação para a plantação de hortaliças, tem direcionado sua produção
para o que é demandado pelo mercado consumidor, tornando-se muitas vezes, ele
próprio, o comerciante de sua produção.
Por isso, pode-se considerar a cadeia de comercialização das hortaliças, como
restrita ou ampla a depender da atuação do produtor e de intermediários. Ela é
considerada restrita quando o produtor comercializa diretamente com o consumidor,
sendo ele responsável pelo transporte da produção até as feiras, ou ainda, quando
entrega diretamente ao intermediário. Enquanto a atuação do intermediário se
faz sentir na aquisição do produto junto ao agricultor e no repasse dos produtos
ao mercado varejista e atacadista, ou ainda, para outros intermediários com maior
poder de compra, que acaba adquirindo-os e consorciados a outros produtos que
remetem à comercialização em mercados mais longínquos.
Sendo assim, a agricultura irrigada é em Itabaiana, uma atividade de base e
gestão familiar. Nesse processo, técnica e prática têm auxiliado na autossuficiência do
290
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
município de Itabaiana em relação às folhagens e em sua transformação no mercado
de distribuição e comercialização regional, como também para a determinação de
uma relação campo-cidade complementar, pois ao mesmo tempo em que o campo
fornece alimentos, a cidade fornece insumos e bens de consumo.
V Referências bibliográficas
ALBERTINI, B. Agricultura Irrigada. 29/10/2009. Disponível em <http://blogdobraz.wordpress.
com/2009/10/29/agricultura-irrigada/>. Acesso na data de 13/11/2009.
AZAMBUJA, D. Introdução à Ciência Política. 17º Ed. São Paulo: Globo, 2005. P. 89-129.
COHIDRO. Histórico dos Perímetros. Características GeoFísicas e Demográficas. Aracaju.
Disponível em < http://www.dehidro.se.gov.br/modules/tinyd0/index.php?id=14 >. Acesso
na data de 18 de junho de 2009.
FRANÇA, V. L. A et al. Atlas escolar Sergipe: Espaço Geo-histórico e Cultural. João Pessoa,
PB: Editora GRAFSET Ltda, 2007.
GONÇALVES, J. S.; VICENTE, J. R.; SOUZA, S. A. M. Balança comercial dos agronegócios paulista e brasileiro no ano de 2007. São Paulo: IEA/APTA, jan. 2008. Disponível em:<www.iea.
sp.gov.br>. Acesso em 10 de agosto de 2009.
MARQUES, M. I. M. O conceito do espaço rural em questão. Terra Livre. SP. Ano 18, nº 19.
Jul/dez, 2002.
MARQUES, P. V.; AGUIAR, D. R. D. de. Comercialização de produtos agrícolas. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 1993.
MOTA, D. M. DA e LOPES, E. S. A. Comercialização Associativa nos Perímetros irrigados
de Sergipe: Idéia Boa, resultados ruins. Universidade e Sociedade (ANDES), São Paulo, v.
13, p. 133-145, 1997.
Disponível em <http://www.andes.org.br/frame_livro13.htm>. Acesso na data de 10 de
junho de 2009.
NASCIMENTO, A. F. Do. Integração entre a agricultura e o setor de supermercados: O caso
dos pequenos agricultores de Sergipe. Dissertação de Mestrado em Geografia. São Cristóvão:
Núcleo de Pós –Graduação em Geografia, NPGEO/UFS, 2003.
NETO, A. S. C. Significadops e representações da Irrigação no Nordeste Brasileiro. Revista
Espaço Acadêmico. Nº 56. Janeiro de 2006. Disponível em < http://www.espacoacademico.
com.br/056/56neto.htm >. Acesso na data de 04 de janeiro de 2010.
RAGOTTO, R. In: ANJOS, A., B., ET. AL. Perímetros irrigados: o espaço geopolítico do capital
no semiárido. Portal Fórum. 17 de maio de 2014. Disponível em < http://www.revistaforum.
com.br/blog/2014/05/perimetros-irrigados-o-espaco-geopolitico-capital-semiarido/>. Acesso
em 12 de abril de 2015.
SILVA, L. C. S. Olericultura e Trabalho Familiar em Itabaiana-Se. Dissertação de Mestrado
em Geografia. Núcleo de Pós –Graduação em Geografia (NPGEO/UFS). Aracaju,SE, 2001.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Produção e comercialização agrícola nos perímetros irrigados de Sergipe: o caso de Jacarecicai e Ribeira (2010-2014)
Diana Mendonça de Carvalho | Fernanda Viana de Alcantara | José Eloízio da Costa
291
Política pública e ordenamento
territorial da produção de flores
em Nova Friburgo - RJ
PUBLIC POLICY AND LAND USE PLANNING OF FLOWER
PRODUCTION PUBLIC IN NOVA FRIBURGO – RJ
Dimitri Andrey Scarinci1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
[email protected]
Nilton Abranches Junior2
[email protected]
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Renan Caldas Galhardo Azevedo3
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
[email protected]
Resumo: As políticas públicas rurais presentes no Brasil buscam o desenvolvimento agrário
do país, de forma a beneficiar seus produtores e dar-lhes suporte necessário para suas
produções. Com esta perspectiva, este trabalho busca fazer uma análise sobre as políticas
públicas rurais presentes no município de Nova Friburgo - RJ, na busca por entender quais
são as políticas locais e como elas contribuem para manter a cultura da produção de flores no
município analisado. A metodologia se constitui por elaboração de trabalhos empíricos, onde
foram coletados dados primários a partir de entrevistas com produtores e levantamento das
políticas públicas que interferiram na ordenação territorial, e também a construção de um
referencial teórico constituído por teorias referentes ao desenvolvimento territorial. Assim
foi possível definir o panorama presente neste tipo de produção na área estudada, a qual é
uma das referências na cultura produtiva de flores no Brasil, e também entender como estas
políticas realmente contribuem para uma melhor condição de produção no campo fluminense.
Palavras-Chave: Floricultura, Nova Friburgo, Políticas Públicas, Ordenamento territorial.
1 Graduando em Geografia. Bolsista voluntário do projeto: Rosas, cravos e Crisântemos: a estruturação do
espaço rural em Vargem Alta.
2 Professor Adjunto Doutor do Instituto de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenador do projeto: Rosas, cravos e Crisântemos: a estruturação do espaço rural em Vargem Alta.
3 Graduando em Geografia. Bolsista voluntário do projeto: Rosas, cravos e Crisântemos: a estruturação do
espaço rural em Vargem Alta.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
Summary: Rural public policies present in Brazil seek the agricultural development of the
country, to benefit its producers and give them necessary support for their productions. With
this perspective, this work aims to make an analysis of rural public policies present in Nova
Friburgo - RJ, in seeking to understand what local policies are and how they contribute to
maintain the culture of flower production in the municipality analyzed. The methodology
constitutes a development of empirical work, where primary data were collected from
interviews with producers and survey of public policies that interfere with the territorial
organization, and also the construction of a theoretical framework consists of theories relating
to territorial development. Thus it was possible to define the present landscape in this type
of production in the study area, which is one of the references in the productive culture of
flowers in Brazil, and also to understand how these policies actually contribute to better
production conditions in Rio de Janeiro field.
Keywords: Floriculture, Nova Friburgo, Public Policy, Plannig Territorial.
Considerações iniciais
Existem no Brasil diferentes concepções em torno das ações efetivas das
políticas públicas. Ao analisarmos os impactos gerados pelas implementação das
mesmas, percebe-se que há grande dificuldade em gerir leis que atuem de forma
integrada ao desenvolvimento das potencialidades regionais e/ou locais. Isto no
caso das políticas públicas de desenvolvimento territorial em que este estudo
está baseado. As políticas públicas vinculadas ao desenvolvimento territorial se
constituem em importante fator para o entendimento e análise da organização
territorial no campo fluminense, sobretudo na área da produção floricultora do
município de Nova Friburgo – RJ.
Através do uso de políticas públicas, o poder estatal procura suprir as
segregações sócio-espaciais dos territórios rurais onde é cada vez mais notável
um sufocamento da agricultura familiar pela agricultura comercial voltada para o
mercado externo. Por exemplo, desde a diferença gritante de recursos destinados
pelo governo federal até a divisão dos poderes em ministérios distintos, o da
Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, dentro da máquina pública federal.
Porém esta mudança de realidade carece de investimentos setorizados e integrados
para que cada vez mais se desenvolva as potencialidades locais e não propor que o
Brasil vire um extenso campo de plantação de soja, ou de outro produto de interesse
internacional, cujo o destino seja o mercado exterior. A produção de flores configurase como uma alternativa ao modelo agroexportador, se apresentando como uma
nova potencialidade para o campo fluminense.
A metodologia apresentada no desenvolvimento deste artigo remete-se ao
levantamento de dados primários e secundários. Os dados primários foram coletados
através de entrevista semiestruturadas com produtores de flores originários de
Nova Friburgo e outras localidades. Estes explicitaram suas realidades produtivas
294
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
e as carências por parte do poder público preso em suas regras e determinações
para a aplicação dessas políticas, em trabalhos de campo distintos. Foram realizadas
visitas ao principal entreposto de comercialização de flores na capital fluminense.
Os dados secundários foram coletados através de consultas realizadas aos Censos
Agropecuários e a dados disponíveis junto a Secretaria Estadual de Agricultura do
Estado do Rio de Janeiro. Foi feito também um levantamento bibliográfico referente
a temática em questão e as teorias do desenvolvimento territorial rural, pertinente
ao objeto de estudo desta pesquisa.
Referencial teórico e resultados
O uso das políticas públicas enquanto forma de desenvolvimento territorial
rural
Entende-se que uma busca por melhor aproveitamento dos potenciais
produtivos (HESPANHOL, 2007, p. 278), como mecanismo de desenvolvimento rural
se torna uma ferramenta eficaz para a erradicação das disparidades socioeconômicas
dos territórios rurais em nosso país, através da geração de renda e acesso universal
aos serviços básicos para a população residente nas zonas rurais. Porém, na realidade
da agricultura brasileira esta erradicação se torna problemática pela concentração da
propriedade, que acaba por procurar esmagar as pequenas propriedades familiares em
prol de maiores espaços para a agricultura tipo exportação, as chamadas commodities.
Através da necessidade de existir o espírito empreendedor, as unidades
familiares de produção agropecuária precisaram de meios para que possam
participar de mercados dinâmicos, competitivos e exigentes em inovação, conforme
explicita Abramovay (1998/1999, p. 13). Como resultado dessa busca para que
ocorresse essa inserção, foi alocado o artifício do uso das políticas públicas, que até
muito recentemente se limitavam ao apoio à produção agroindustrial e fornecimento
de matérias primas (HESPANHOL, 2007, p. 274), ao contrário da necessidade da
inserção das áreas rurais segregadas em novos arranjos econômicos com as zonas
urbanas que as cercam.
Procurou-se no desenvolvimento destas políticas não ficar atrelado somente
ao fato de ser uma expansão das atividades agropecuárias. Podemos citar por
exemplo, o aumento da produção com a introdução de maquinário agrícola,
otimizando o trabalho, mas sim buscar o enfoque territorial, desenvolvimento
sustentável e, valorização das ações não produtivas da agricultura familiar (BONNAL
E MALUF, 2009, P. 213) em meio ao processo fragmentário ao envolver diferentes
atores públicos e privados.
Tornou-se necessária uma mudança na concepção das referidas políticas
públicas desde a recessão econômica e a descentralização do poder estatal ao longo
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Política pública e ordenamento territorial da produção de flores em Nova Friburgo - RJ
Dimitri Andrey Scarinci | Nilton Abranches Junior | Renan Caldas Galhardo Azevedo
295
das décadas de 80 e 90 do século XX. Em um primeiro momento pelo abandono das
políticas segmentadas, dando lugar para as políticas integradas de desenvolvimento
e em um segundo momento, políticas descentralizadas, ou seja, combinação entre
sujeitos e instituições de diferentes esferas tanto públicos como privados.
É fato recorrente no Brasil que as políticas públicas acabam se tornando
propaganda de certos períodos temporais em que tal grupo político se encontrou
no Brasil, e no caso das políticas rurais, isso acaba não fugindo à risca. Peguemos o
Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) durante o período militar ou o conhecido
milagre econômico, que terminou por privilegiar médios e grandes produtores com
acesso aos investimentos e modernização das técnicas produtivas (HESPANHOL, 2007,
p. 274) em que segregou cada vez mais os espaços rurais, uma vez que foi recorrente o
duelo entre o pequeno produtor sem acesso aos investimentos e os médios e grandes
produtores com facilidade ao acesso do crédito financeiro subsidiado.
De acordo com as leituras referentes sobre o assunto, em meados dos anos 90,
houve uma mobilização por parte dos atores sociais em que se articulara em redes
para defender os valores da agricultura familiar e seu rearranjo sócio-territorial para
combater a segregação territorial rural existente, pois o desenvolvimento territorial
está atrelado às necessidades locais e resposta da sociedade que as compõem (PIRES,
2007, p. 79). Este rearranjo foi através de pilares como criação de linhas de crédito
diversificadas para as famílias rurais, integração territorial e políticas de combate à
pobreza, conforme afirma Bonnal e Maluf (2009, P. 223).
Entretanto com o movimento de minimizar a ação do Estado e transferir estas
para outros agentes, elencamos as ações federais que interferiram na agricultura
familiar através de políticas de desenvolvimento territorial. Porém seu sucesso e
acesso a elas esbarra na burocracia pública brasileira e nos principais interesses que
existem por atrás das mesmas. Estas políticas procuraram trabalhar rumos para um
desenvolvimento territorial efetivo. Elencamos esses rumos como:
“Dinamização das atividades econômicas; Implementação de infraestrutura
física; Gestão de recursos naturais; Construção e\ou promoção de identidades;
aperfeiçoamento da governança.” (BONNAL e MALUF, 2009, P. 230).
O PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
que atua diretamente na criação das linhas de crédito diferenciado, criação de
infraestrutura para oferecer condições de produção (BONNAL E MALUF, 2009, P. 232),
o PDSTR – Programa de Desenvolvimento Rural dos Territórios Rurais, para combinar
crescimento econômico com reequilíbrio socioeconômico no fortalecimento dos
territórios rurais além dos limites municipais através de uma zona de inserção
produtiva local (HESPANHOL, 2010, P.142), se constituem como políticas públicas
representantes destes rumos.
Sobre a descentralização do poder estatal federal, abordamos as políticas
específicas estaduais de desenvolvimento territorial em que é baseado o objeto de
296
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
estudo deste trabalho: Florescer e Rio Rural. O programa Florescer é destinado aos
investimentos e benefícios para os produtores de flores fluminenses e, com o Rio
Rural, seu principal objetivo é o incentivo à produção agropecuária local através de
práticas sustentáveis que adotem produções mais eficientes.
A Realidade de Nova Friburgo
Atualmente o Estado do Rio de Janeiro apresenta uma divisão políticoadministrativa constando 8 regiões definidas, agrupando municípios que possuem
características distintas em suas atividades produtivas econômicas. Constantemente
essa divisão sofre modificações no que se diz respeito à troca de municípios entre as
regiões, devido às mudanças em suas atividades e características econômicas. Dentre
uma das regiões do Estado, a Região Serrana é conhecida e se destaca por ter funções
exclusivamente diferenciadas. Nesta, o destaque fica por conta dos municípios de
Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, conhecidos por suas atividades turísticas,
industriais e do setor primário, sendo essenciais estas últimas para o abastecimento
de produtos para as demais regiões do Estado do Rio de Janeiro. Segundo o Ceperj:
“Essa Região é marcada por duas unidades espaciais diferenciadas. A primeira caracteriza-se por apresentar grande dinamismo, em função das atividades industriais e
turísticas, abrangendo os Municípios de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis. Nos
dois primeiros, também é importante a produção de hortifrutigranjeiros, nos vales
intermontanos. (...)” (CEPERJ 2015).
O município de Nova Friburgo, objeto de estudo deste presente trabalho se
destaca economicamente por suas atividades voltadas ao turismo/ecoturismo e,
principalmente, na produção de flores de corte:
“É visível à influência da função turística na economia de Nova Friburgo, que apresenta
rede de hotéis de bom padrão. Atualmente, a preocupação com o uso sustentável do
meio ambiente tem motivado o desenvolvimento do ecoturismo. O setor primário,
embora tenha pouca participação na produção total do Município, destaca-se pela
olericultura, despontando também a floricultura. A agricultura constitui uma atividade
estável e com algumas características empresariais.” (CEPERJ, 2015).
Torna-se necessária uma breve caracterização e reconhecimento do local de
estudo e seu histórico como área produtiva. O espaço que compreende o município
vem sendo ocupada por imigrantes desde o século XVII por portugueses e africanos
escravos para a produção de café. Já no século XVIII, é documentada a chegada
de imigrantes suíços e alemães em que se formaram em pequenos grupos de
agricultores. Esta realidade de pequenos grupos de produtores se torna presente
até os dias atuais, com a produção específica em cada área do município, no nosso
caso de estudo estudamos o distrito de Vargem Alta por ser a maior área produtora
voltada a floricultura no estado.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Política pública e ordenamento territorial da produção de flores em Nova Friburgo - RJ
Dimitri Andrey Scarinci | Nilton Abranches Junior | Renan Caldas Galhardo Azevedo
297
Seus aspectos físicos rementem a tipos de solos férteis nas baixadas e
empobrecidas nas encostas, boa capacidade pluviométrica, acima de 2000 mm por
ano sendo concentrada nos meses setembro a abril. Está localizado em uma altitude
acima de 800 m do nível do mar e temperatura média de 18ºC. (MENDES e GUEDES,
2010, P.6). Sua representação encontra-se na figura 1.
Figura 1 – Mapa de Nova Friburgo4
Atualmente, o governo do estado vem investindo em programas para a
produção agrícola da região. Um dos programas criados para reavivar a economia
do setor primário do estado é o Programa de Desenvolvimento Rural Sustentável em
Microbacias Hidrográficas do Estado do Rio de Janeiro – RIO RURAL. Com incentivo
financeiro do Banco Mundial (BIRD), o principal objetivo previsto pelo programa
é o incentivo à produção agropecuária local através de práticas sustentáveis que
adotem produções mais eficientes. Desta forma, o programa visa:
“(...) a melhoria da qualidade de vida no campo, conciliando o aumento da renda do
produtor rural com a conservação dos recursos naturais. Para atingir este objetivo,
desenvolveu uma estratégia de ação que utiliza a microbacia hidrográfica como
unidade de planejamento e intervenção, envolvendo diretamente as comunidades
residentes neste espaço geográfico.” (RIO RURAL, 2015).
4 Disponível em http://www.agenciario.com/municipios.asp?codMunic=48
298
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Outro programa é o Florescer. Este programa foi criado em 2003 pelo governo do Estado do Rio de Janeiro visando aplicar investimentos e benefícios para os
produtores de flores fluminenses. Essa iniciativa auxilia na economia local e, principalmente, a manter a atividade cultural que beneficia famílias nas regiões Serrana
e Metropolitana do estado. De 2009 para 2014 houve um incremento em 49% no
número de produtores de flores no estado, resultado dos benefícios concedidos
pelo governo em busca de dinamismo na economia. Nova Friburgo desponta como
o principal produtor fluminense flores, passando de 191 para 220 produtores até
2014 (Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2014).
A territorialização do programa se dá de forma que se dividam os investimentos através da divisão espacial feita entre microbacias hidrográficas locais:
“As ações dos programas de microbacias hidrográficas são dotadas de grande complexidade, pois envolvem várias instituições, agentes e interesses, além de requererem a
participação da comunidade beneficiária” (HESPANHOL, 2008. Página 168).
Pelos motivos descritos acima, os produtores participantes do programa
possuem certa autonomia. Em conjunto, trabalham buscando administrar suas
áreas de produção através do projeto de comissão de microbacias. Nesta comissão,
segundo o Rio Rural, são os produtores que administram suas próprias áreas de
interesse comum dentro de uma microbacia hidrográfica, buscando benefício mútuo
e práticas que gerem maiores produções com sustentabilidade (RIO RURAL, 2015).
Figura 2: Microbacias de Nova Friburgo 5
5 Disponível em http://www.microbacias.rj.gov.br/microbacia_consulta. jsp?p_idMicrobacia=148
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Política pública e ordenamento territorial da produção de flores em Nova Friburgo - RJ
Dimitri Andrey Scarinci | Nilton Abranches Junior | Renan Caldas Galhardo Azevedo
299
Programas de Desenvolvimento?
Apesar dos programas de desenvolvimento aparentarem ter a finalidade
de atuar como um facilitador para que comunidades avancem economicamente
e consigam se autossustentar através do resgate ou do apoio dado às atividades
já existentes, há que se questionar a sua real eficácia. Estes programas são sempre
alvo de desconfianças seja por parte daqueles que estão diretamente envolvidos
e participam dos programas, ou mesmo por parte do meio acadêmico, através do
questionamento de teorias que sustentem suas hipóteses. Sendo assim, se pode
pensar que:
“O discurso e a prática do desenvolvimento se apresentam como a tentativa planificada de racionalmente melhorar a qualidade de vida da população. Com esse axioma
como ponto de partida, o desenvolvimento se erige em empreendimento legítimo,
desejado e promovido desde todos os âmbitos da sociedade. Quem poderia estar
contra uma melhora na qualidade de vida da população? No entanto, apesar da auréola de prestígio que o circunda, o desenvolvimento proporciona realmente o que
promete?” (Gómez, Página 39).
A corrente pós-desenvolvimentista possui um grupo de teóricos que
compartilham uma crítica contundente ao desenvolvimento. Partem do pressuposto
que este desenvolvimento não atinge a todos ao mesmo tempo e, se atinge, não
soluciona os problemas que deveria estar solucionando. É como se cada fracasso
fosse à oportunidade de prorrogar a ideia cada vez mais, não gerando resultados
satisfatórios (Gómez, Página 42). Desta forma, “a política de desenvolvimento se toma,
assim, a forma de uma ideologia (...)” (PEET, página 22), criando todo um imaginário
as ações ditas de desenvolvimento.
Os programas de desenvolvimento rural através de bacias hidrográficas
possuem resultados variados. “No que concerne ao desenvolvimento rural e à
melhoria de qualidade de vida dos produtores rurais beneficiados, os seus resultados
são muito variados.” (HESPANHOL, 2008. Página 176). Por este e outros motivos os
programas de desenvolvimento não são bem vistos, pois prometem evoluções que
nem sempre são possíveis de serem cumpridas.
Também houve como contrapartida do governo municipal um registro dos
produtores rurais através do Cadastro Geral de Produtor Rural (CGPR) durante os
anos de 2002 e 2003, a fim de conhecer e traçar um perfil da capacidade produtiva
de Nova Friburgo e daí, apontar metas que fortaleçam a produção municipal. Porém
este cadastro encontrou entraves como a falta de documentação por parte dos
produtores para a regularização das terras produtivas. Isso se explica pelas diversas
relações servis de produção como meeiros, família provedora entre outras. (MENDES
E GUEDES, 2010, P.2).
300
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Realidades sobre a floricultura de Nova Friburgo
Com o intuito de procurar saber mais sobre a realidade dos produtores de
flores de Nova Friburgo, foram feitas entrevistas com seus produtores no Centro
de Abastecimento do Estado da Guanabara - CADEG, apesar do nome ser antigo,
presente na cidade do Rio de Janeiro até os dias atuais. Através de conversas informais
foi possível observar qual o ponto de vista dos produtores de Nova Friburgo sobre
suas produções e qual o papel do Estado com o Florescer.
Em sua maioria, os presentes no CADEG são produtores familiares de
pequenas propriedades vindos do distrito de Vargem Alta, no município de Nova
Friburgo. A pesquisa indicou que o desenvolvimento proposto pelo projeto Florescer
não atinge a todos os produtores rurais do município observado. Pode-se dizer
que surgiram dois grupos durante as entrevistas: o dos produtores rurais que não
participam do programa e os dos produtores que participam.
Entre os produtores que não participam do programa, as alegações para não
participar são: burocracia na hora de entrar no programa, sendo necessário ter todos
os documentos em dia para conseguir crédito e maquinário rural; muitos alegaram
que, ao mesmo tempo em que o programa do governo concede benefícios, de
alguma forma retiram algum benefício do produtor, até mesmo o lucro que deveria
ter, fazendo com que o mesmo não queira participar do programa; em alguns
casos, foi apontado que o programa só beneficiava aqueles que participavam de
cooperativas e era mais fácil de conseguir os benefícios do PRONAF (Gov. Federal)
sozinho do que o do Projeto Florescer.
Enquanto isso, os produtores rurais presentes no programa destacam que a
ajuda do governo através do projeto se dá essencialmente através do crédito rural
para a aquisição de maquinário; dizem que a cobrança é alta por parte do governo
na espera de pagamentos referentes aos empréstimos e que a burocracia atrapalha
a entrada de outros produtores no programa, já que é necessário ter todos os
documentos em dia e de acordo com as leis presentes no Estado. Além desses fatos,
constataram que o papel das cooperativas é essencial para conseguir os benefícios
do programa e que sem elas seria muito difícil conseguir tais aquisições.
Essa realidade demonstra que o desenvolvimento proposto pelo Projeto
Florescer não é de fato um desenvolvimento democrático e que atenda a todos
os produtores de Flores de Corte de Nova Friburgo. É um desenvolvimento que
beneficia mais aqueles que participam de cooperativas, mesmo que a ideia inicial
do programa não tenha sido essa.
Considerações finais
Propôs-se com esse estudo, analisar os impactos gerados com o uso do
artifício das políticas públicas voltadas para a agricultura familiar no contexto da
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Política pública e ordenamento territorial da produção de flores em Nova Friburgo - RJ
Dimitri Andrey Scarinci | Nilton Abranches Junior | Renan Caldas Galhardo Azevedo
301
produção de floricultura no município de Nova Friburgo, que se configura como o
maior produtor de flores do estado e o segundo maior do Brasil, perdendo apenas
para Holambra – SP. Porém, foi percebida e constatada a dificuldade da transposição
das leis da teoria para a prática, se esbarrando muitas vezes na burocracia da máquina
estatal brasileira e/ou na falta de documentação para a aquisição das facilidades
vindas pelas políticas como o crédito subsidiado para a compra de maquinário.
As etapas seguintes desta pesquisa indicam a necessidade de diálogo com o
poder público e outros atores sociais para caracterizar um possível arranjo produtivo
local para a produção de flores. Entretanto sendo o segundo maior polo produtivo
de flores do país, esta informação passa despercebida e cada vez caracteriza o
estado do Rio de Janeiro como espaço urbano em que a o espaço rural estadual
não é mais capaz sozinho de abastecer o mercado consumidor estadual. Surge a
necessidade de uma valorização da agricultura produtiva fluminense em meio às
novas potencialidades do rural que cada vez mais despontam, como o turismo rural,
por exemplo, e a implementação de novas políticas voltadas para as realidades
locais e não uma simples desfragmentarão das responsabilidades de cada esfera
do poder público.
Referências bibliográficas
ABRAMOVAY, Ricardo. Agricultura familiar e desenvolvimento territorial. In: Reforma
agrária – Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária. Volumes 28 (números 1,2 e 3)
e 29 (número 1). 1998/1999 (PP. 1 – 21).
BONNAL, Philippe. MALUF, Renato S. Políticas de desenvolvimento territorial e multifuncionalidade da agricultura familiar no Brasil. Política & Sociedade. Volume 8. 2009 (PP.
211 – 250).
GÓMEZ, Jorge Ramón Montenegro. Desenvolvimento em (des)construção: Provocações
e questões sobre desenvolvimento e geografia. In: FERNANDES, Bernardo Mançano.
MARQUES, Marta Inez Medeiros. SUZUKI, Julio Cesar. (ORGANIZADORES). Geografia Agrária:
Teoria e Poder. 1ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2007. (PP. 39 – 53)
HESPANHOL, Antônio Nivaldo. Os programas de microbacias hidrográficas no Brasil. In:
MARAFON, Gláucio José. PESSÔA, Vera Lúcia Salazar (ORGANIZADORES). Agricultura, desenvolvimento e transformações socioespaciais: reflexões interinstitucionais e constituição de grupos
de pesquisa no rural e no urbano. 1ª Edição. Uberlândia\MG: Assis Editora, 2008. (PP.157 – 178)
______. O desenvolvimento do campo no Brasil. In: FERNANDES, Bernardo Mançano.
MARQUES, Marta Inez Medeiros. SUZUKI, Julio Cesar. (ORGANIZADORES). Geografia Agrária:
Teoria e Poder. 1ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2007. (PP. 271- 287).
HESPANHOL, Rosângela Aparecida de Medeiros. A adoção da perspectiva territorial nas
políticas de desenvolvimento rural no Brasil. Campo – Território: Revista de Geografia
Agrária. Volume 5, número 10. 2010. (PP. 123 – 147);
302
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
MENDES, Francisco Coelho. GUEDES, Cezar Augusto Miranda. Agricultura familiar e desenvolvimento rural sustentável em Nova Friburgo-RJ. In: XI Seminário Internacional RII y al
IV Taller de Editores RIER, 2010, Mendoza_Ar. Red Iberoamericana de Investigadores sobre
Globalización y Territorio (RII) y al Red Iberoamericana de Editores de Revistas (RIER). Mendoza/
Argentina: 2010. (PP. 1 – 19).
PEET, Richard. Imaginários de desenvolvimento. In: FERNANDES, Bernardo Mançano. MARQUES, Marta Inez Medeiros. SUZUKI, Julio Cesar. (ORGANIZADORES). Geografia Agrária: Teoria
e Poder. 1ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2007. (PP. 19 – 37)
PIRES, Élson L. S. As lógicas espaciais e territoriais do desenvolvimento: delineamento
preliminar dos aspectos históricos, teóricos e metodológicos. In: FERNANDES, Bernardo
Mançano. MARQUES, Marta Inez Medeiros. SUZUKI, Julio Cesar. (ORGANIZADORES). Geografia
Agrária: Teoria e Poder. 1ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2007. (PP. 55 – 82).
CEPERJ - Centro de Estatísticas, Estudos e Pesquisas - Estado do Rio de Janeiro Regiões de
Governo. Disponível em: http://www.ceperj.rj.gov.br/ceep/info_territorio
s/divis_regional.html. Acesso em: 07 de Março de 2015. Governo do Estado do Rio de Janeiro
- Cresce 49% o Número de Produtores de Flores no Estado nos Últimos Cinco Anos - Atividade
Incentivada Pelo Programa Florescer Mostra Evolução e Interiorização das Áreas de Produção. Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/seapec /exibeconteudo?article-id=2104203. .
Acesso em: 18 de Março.
Jornal da Região - Estado do Rio deverá ter nova divisão administrativa. Matéria de 27 De
Novembro De 2012. Disponível em: http://www.jornaldaregiao.com/noticiasge ral/1907-estado-do-rio-devera-ter-nova-divisao-administrativa.html. Acesso em: 07 de Março de 2015.
Rio Rural - Desenvolvimento Rural Sustentável Em Microbacias Hidrográficas. Governo do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.micro bacias.rj.gov.br/programa_rio_rural.
jsp. Acesso em: 08 de Março de 2015.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Política pública e ordenamento territorial da produção de flores em Nova Friburgo - RJ
Dimitri Andrey Scarinci | Nilton Abranches Junior | Renan Caldas Galhardo Azevedo
303
Desenvolvimento rural
sustentável e a extensão rural:
o caso de Sananduva/RS
SUSTAINABLE RURAL DEVELOPMENT AND THE RURAL
EXTENSION : THE CASE OF Sananduva / RS
Dreisse Gabbi Fantineli
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
Cristiane Maria Tonetto Godoy
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
Resumo: As ações da extensão rural brasileira têm sido atualmente norteadas pelas diretrizes
do desenvolvimento sustentável. Neste sentido, a agricultura tem procurado novas alternativas
sustentáveis de produção contrapondo com as formas produtivas da agricultura convencional
baseada pelo uso intensivo de agrotóxicos e insumos. O presente trabalho visa refletir sobre
as diretrizes da extensão rural centradas na questão do desenvolvimento rural sustentável,
contextualizando com os projetos e as ações que o Centro de Tecnologias Alternativas
Populares/CETAP vem promovendo no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.
Palavras-chave: Extensão rural, Desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, meio
ambiente
Abstract: Shares of Brazilian agricultural extension have now been guided by the guidelines
of sustainable development. In this sense, agriculture has been seeking new alternatives
sustainable production contrasting with the productive forms of agriculture based on the
intensive use conventional pesticides and inputs. This paper aims to reflect on the guidelines
of the rural extension centered on the issue of sustainable rural development, contextualizing
with projects and actions that the Center for Alternative Technologies Popular / CETAP been
promoting in the state of Rio Grande do Sul, Brazil.
Key words: Extension, sustainable development, sustainability, environment
1. Introdução
A questão da promoção do desenvolvimento rural sempre esteve em pauta
nas discussões e nas metas de políticas públicas e ações governamentais. Assim,
os serviços da Extensão Rural e da Assistência Técnica ao longo de sua história têm
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
sido um dos instrumentos para que se alcance este objetivo, através do aumento
da produtividade, da melhoria das condições de vida dos agricultores familiares e
da difusão de tecnologias e conhecimentos. Entretanto, este modelo com objetivo
exclusivo produtivista vem mudando ao longo das décadas, acrescentando outros
fatores do que somente a produção, tais como melhoria da qualidade de vida dos
agricultores, segurança alimentar, participação e mobilização, questão ambiental,
acesso ao mercado e o próprio desenvolvimento rural.
A crise do modelo de desenvolvimento baseado neste caráter exclusivo de
crescimento econômico e as novas propostas da extensão vêm de encontro com
as várias propostas de modelos de desenvolvimento que vem contraponto ao
tradicional, sendo uma destas propostas o desenvolvimento sustentável.
O desenvolvimento econômico encontra-se baseado na utilização ilimitada
dos recursos naturais, voltada para produtos industrializados e pelo consumo
destes produtos. O consumo exagerado por estes produtos geram resíduos que
ao serem descartados se acumulam no meio ambiente. A economia baseada em
matérias-primas escassas tem sido uma das maiores preocupações da sociedade
contemporânea, pois pelas degradações e contaminações provenientes deste estilo
de vida e economia afetam a sobrevivência dos ecossistemas e do próprio homem.
Diante desta crise ambiental tem-se gerado muitos debates e políticas públicas
referentes à necessidade da preservação e da sustentabilidade do meio ambiente. É,
principalmente, a partir dos anos sessenta (século XX) que o tema tem sua emergência
nos debates sobre os riscos e degradações ambientais. E destas preocupações
ambientais surge o conceito de desenvolvimento sustentável, um novo paradigma a ser
adotado pela sociedade, e que deve ser compreendido como aquele desenvolvimento
com uma maior participação e mobilização da sociedade e governos na busca de um
novo conceito de desenvolvimento, o qual está baseado em indicadores qualitativos
e não mais quantitativos. Bem como, alternativas mais sustentáveis ao longo prazo,
promovendo assim um equilíbrio entre os diversos ecossistemas e biodiversidade
existentes, garantindo a qualidade de vida e a perpetuação principalmente do homem,
pois ele é um dos elementos integrados ao meio ambiente.
O desenvolvimento sustentável ainda deve ser visto como aquele desenvolvimento holístico e participativo, tendo como fatores equitativos os sociais, ambientais
e econômicos, não privilegiando apenas um dos fatores. E diante desta proposta
novos princípios e ações também são repensados pela Extensão Rural e Assistência
Técnica e para o meio rural.
2. Contextualização das diretrizes atuais da Extensão Rural e da Assistência
Técnica
Ao pensar sobre os primeiros momentos e ações da Extensão Rural e da Assistência Técnica na América Latina o texto produzido por Ardila (2010) denominado
306
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
“La extensión rural para el desarrollo de la agricultura y la seguridad alimentaria”,
com apoio do Instituto Interamericano de Cooperación para la Agricultura/IICA,
contribui neste sentido. O autor denomina o período de 1950-1970 como a fase
chamada “Esfuerzos de industrialización em América Latina” que seria aquele onde
houve uma massiva intenção de promover a industrialização do e no meio rural,
tendo como objetivo o desenvolvimento desta área considerada como atrasada. É
neste momento que se dá início aos primeiros estabelecimentos de investigação
e extensão, os chamados centros experimentais, que iriam se expandir por toda a
América Latina. Os estabelecimentos promoviam programas de capacitação de técnicos e agentes de extensão rural e de assistência técnica para promoverem a difusão
das novas tecnologias (pacotes de insumos, tecnologias e sementes modificadas)
que visavam exclusivamente o aumento da produtividade nas propriedades rurais.
Ainda, sobre o histórico da extensão rural o autor afirma que no primeiro
momento a extensão rural foi baseada no modelo tradicional/produtivista, entre
os anos sessenta até início dos anos oitenta, e tinha como características básicas
estar centrada prioritariamente na tecnologia e na técnica, para assim incrementar a
produtividade, ou seja, um modelo que visava apenas o aumento da produtividade
das propriedades através de pacotes tecnológicos.
O meio rural latino-americano foi considerado como um espaço homogêneo
em suas questões culturais e ambientais quanto o seu papel e importância, foram
vistos somente pela ótica econômica e para o aumento da produtividade, pois a ideia
estava vinculada que ao garantir o aumento na produção o desenvolvimento e o
bem-estar dos agricultores estariam garantidos. Cabe ressaltar que este aumento de
produtividade tinha como característica os monocultivos das chamadas commodities,
sendo a produção diversificada censurada. O público alvo encontrava-se vinculado
principalmente àquela parcela de agricultores que poderiam adquirir os pacotes
tecnológicos e assim se “modernizarem”. Ao pensar sobre este modelo, pode-se
afirmar que ele foi excludente, pois só interessava a parcela da agricultura que
tivesse a possibilidade de gerar excedentes econômicos, ficando os demais fora do
processo e até mesmo as questões ambientais e sociais.
As transformações ocorridas no meio rural pela modernização são várias,
entre as que podem ser citadas diz respeito aos meios de produção, as dinâmicas
das atividades rurais e no meio ambiente. As consequências deste modelo de
modernização são amplamente conhecidos e debatidos em vários estudos, dentre
os problemas: êxodo rural, exclusão social, degradação do meio ambiente, a falta
de atrativos para a permanência dos jovens no campo, entre outros. Cabe ressaltar
que o meio rural é pluriativo e multifuncional e não deve ser apenas visto pela ótica
da simples produção e econômica, pois é palco de relações sociais e ambientais,
um sistema muito mais complexo do que se pensava no início da modernização
do rural.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento rural sustentável e a extensão rural: o caso de Sananduva/RS
Dimitri Andrey Scarinci | Cristiane Maria Tonetto Godoy
307
E é neste contexto de crise e de ineficácia deste modelo produtivista em
melhorar e desenvolver o meio rural que os órgãos internacionais de extensão rural
e assistência técnica vêm repensando novas estratégias e ações que abarquem a
complexidade do meio rural de forma holística, e para isto vários núcleos e instituições vêm criando vários documentos que abordam as novas pretensões e relatos
de novas experiências existentes na América Latina.
Ardila (2010, p. 117) traz como questões a serem tratadas atualmente pela
extensão rural a questão da segurança alimentar, os serviços ambientais (inclusos a
transformação climática vividas atualmente) e o acesso aos mercados pela agricultura
familiar. Outro ponto o qual o autor considera como ideal para os novos rumos da
extensão rural é:
La necesidad de retomar la tecnología desde una perspectiva derivada de las condiciones propias de los sistemas de agricultura tradicional, respetando la lógica de
la multifuncionalidad de la producción, y la necesidad de mejorar la tecnología sin
alterar significativamente la estructura de los costos unitarios de producción,ni afectan
el medio ambiente.
Neste mesmo sentido aponta o texto produzido pelo Grupo Chorlaví (2011,
p. 01) sobre os principais desafios da extensão rural na América Latina, assim:
La extensión rural dice relación con los sistemas que deben facilitar el acceso al conocimiento, información y tecnologías a agricultores y sus familias, sus organizaciones y
otros actores del mercado; facilitar su interacción con contrapartes en investigación,
educación, agronegocios y otras instituciones relevantes; y asesorarlos para que desarrollen sus propias habilidades y destrezas técnicas, organizacionales y de gestión.
Un sistema de extensión moderno debe estar pensado para responder a las demandas
de los agricultores, en una interacción permanente del sistema productivo rural con
la investigación, el conocimiento, el acceso a la tecnología y al mercado.
No documento formulado pela FAO (2007, p. 05) intitulado Comunicación Y
Desarrollo Sostenible, o desenvolvimento sustentavel e o modelo de extensão rural
encontram-se baseados na participação, destaque:
[…] el modelo participativo incorpora los conceptos en el marco de la multiplicidad. Enfatiza la importancia de la identidad cultural local de las comunidades y la
democratización y participación en todos los niveles (internacional, nacional, local e
individual). Subraya una estrategia que no es simplemente global, sino que en gran
parte emana de los “receptores” tradicionales […]En los proyectos de desarrollo, la
participación en cualquier etapa del proceso de toma de decisiones es muy importante para poder compartir información y conocimientos, y para generar confianza
y compromisos.
Bessette (2007) no artigo “Facilitar el diálogo, el aprendizaje y la participación
para el manejo de los recursos naturales”, incluído no relatório da FAO “Comunicación
308
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Y Desarrollo Sostenible”, o autor apresenta conceitos e aportes metodológicos
relacionados com a comunicação participativa para o desenvolvimento rural
sustentável, implicando nestas, sistemáticas iniciativas para o manejo dos recursos
naturais. E é neste sentido que o documento vem propor que o fim da pobreza, a
segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental são questões interligadas e
representam os desafios que o desenvolvimento tem pela frente.
Ainda analisando os vários documentos produzidos e as diretrizes/tendências
para uma nova estratégia para a extensão rural e assistência técnica, não se pode
deixar de lado a questão da proposta sobre a questão da inserção do mercado para
os agricultores familiares e comunidades.
Neste sentido, Ramírez et al. (2007) contribuem com a questão da inserção
dos agricultores e população local aos mercados. Para os autores, a transformação
produtiva tem o propósito de articular de forma competitiva e sustentável a
economia dos mercados dos territórios ditos marginalizados. O território rural pobre
e marginalizado conceituado pelo documento são aqueles espaços geográficos
caracterizados pela fragilidade de contextos ambientais, sociais e econômicos, e
que, portanto é impedido de intensificar as práticas agrícolas e não-agrícolas pelas
limitações existentes de infra-estrutura nestas regiões e que assim dever superar os
fatores que impedem o acesso ao mercado.
O acesso ao mercado pode ser dado por diferentes níveis de inserção e para
que isto aconteça se deve ter um aporte de apoios externos para iniciar o processo
e para assegurar a sustentabilidade, além da necessidade de associações apara
que possam concorrer e enfrentar os problemas existentes do mercado. Os autores
exemplificam com experiências em alguns países da América Latina, os níveis de
inserção que podem ser observados são: a inserção através da venda de produtos
frescos e comercializados nos mercados locais; comercializados em mercados
distantes; ou a exploração dos recursos naturais que são vendidos na região. Ainda
ressalta-se a importância da assistência técnica no processo de inserção ao mercado,
desta forma:
Las experiencias muestran que mantener costos de producción bajos es una necesidad
para que los productores y sus organizaciones sean competitivos en los mercados.
Para que esta estructura de costos sea acotada, la asistencia técnica resulta vital. La
asistencia técnica puede ser visualizada como un articulador del conjunto de los otros
factores de acceso. En efecto, la asistencia técnica es un vínculo para el manejo de la
calidad y los costos. También es un vehículo y fuente de información tanto de mercados
como de nuevos procesos de producción. (RAMIREZ et al., 2007, p. 05)
Ainda, corroborando com esta nova dinâmica proposta para a extensão
rural e as diretrizes dos órgãos internacionais Berdegué et al. (2008, p. 04) sintetiza
a nova proposta:
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento rural sustentável e a extensão rural: o caso de Sananduva/RS
Dimitri Andrey Scarinci | Cristiane Maria Tonetto Godoy
309
Las políticas clave para este efecto incluyen: (a) fomentar un ambiente que permita la
inversión y el crecimiento con una base amplia, mediante servicios efectivos, inversiones e instituciones con características de bien público, incluyendo la protección fito
y zoo sanitaria, sistemas de innovación, carreteras y comunicaciones, riego, buenas
prácticas agrícolas y de manufactura, y estándares de calidad y certificación para los
mercados nacionales; (b) desarrollar y modernizar los mercados nacionales para hacer frente con mayor eficacia a los desafíos de las nuevas demandas del consumidor
y de las modernas cadenas de suministro y distribución de alimentos propulsadas
por el mercado minorista y (c) fortalecer las capacidades de la pequeña y mediana
agricultura para aprovechar los efectos de este ambiente más favorable, a través de
un mayor acceso a servicios financieros efectivos, capacitación, asistencia técnica y a
organizaciones de productores.
De forma resumida ao analisar os vários documentos produzidos atualmente
sobre os novos rumos conceituais e metodológicos que a extensão rural e a
assistência técnica devem priorizar e buscar, se percebe que a abordagem tradicional
sobre o meio rural homogeneizado em suas regiões e a concepção produtivista
tem sido abandonada. Atualmente se reconhece que ações padronizadas não terão
sucesso, pois o campo é composto por uma gama de diversidade cultural, infraestrutura e de ecossistemas. Entre outras prioridades que os documentos abordam
são em relação às questões do alívio da pobreza, a inserção das comunidades aos
mercados, a segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental, e para que se
alcancem estes objetivos é preciso estimular uma comunicação participativa entre
os atores para que os problemas locais encontrados possam ser identificados e
solucionados através de diálogos horizontais.
E é neste contexto que o desenvolvimento sustentável vem também
orientar atualmente as ações e estratégias da extensão rural e assistência técnica
da América Latina. Neste sentido, que a experiência do Centro de Tecnologias
Alternativas Populares/CETAP vem trabalhando com as famílias de agricultores
familiares e assentados no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, oportunizando a
valorização dos produtos locais e sua comercialização, além de proporcionar a
reflexão sobre a importância da agrobiodiversidade e da produção agreocológica/
ecológica existente na região fortalecendo as propriedades e soberania alimentar
das comunidades.
3. Refletindo sobre a experiência do Centro de Tecnologias Alternativas
Populares/CETAP
Para que o desenvolvimento rural sustentável/DRS seja viável são necessárias
estratégias e ações que permitam a população rural alcançar a sua reprodução
econômica e social, para isto torna-se necessário que estes participem efetivamente
nas escolhas dos projetos, além de atenderem a questão ambiental.
310
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
E assim a agricultura familiar1/assentados tem a importância reconhecida
como atores principais para o DRS, pois entre as várias atribuições que podem ser
citadas está a de garantir a segurança alimentar da sociedade, não apenas no que
diz respeito à produção dos alimentos, mas que estes sejam de qualidade e que
tenham sido produzidos respeitando os limites do meio ambiente. A sustentabilidade
e a segurança alimentar estão intimamente ligadas e representam um dos maiores
desafios para o desenvolvimento rural sustentável.
Costabeber e Caporal (2003, p. 03) ao definirem o que pode se entender sobre
o desenvolvimento rural sustentável escrevem:
[...] defendemos o DRS como um processo gradual de mudança que encerra em sua
construção e trajetória a consolidação de processos educativos e participativos que
envolvem as populações rurais, conformando uma estratégia impulsionadora de
dinâmicas sócio-econômicas mais ajustadas ao imperativo ambiental, aos objetivos
de eqüidade e aos pressupostos de solidariedade intra e intergeracional.
E neste processo gradual de mudança e da análise das diversas dimensões
(ambientais, sociais, éticas e econômicas) que servirão de guia para identificação
e monitoramento das aplicações da várias alternativas para o e desenvolvimento
rural sustentável que a Extensão rural e a Assistência técnica irão atuar, seja ela de
caráter público, privado ou organizações sem fins lucrativos (ong’s).
Ardila (2010) em seu artigo já mencionava que no Brasil existem iniciativas
de terceirização da extensão rural no que se refere a projetos de assistência técnica
para os assentamentos da reforma agrária, entre alguns citados pelo autor: LUMIAR,
Itaparica e PROCAT. Ainda de acordo com o artigo a reflexão sobre as formas de
terceirização da assistência pode-se aferir que a terceirização realizada pelas ONG’s
parece adequar-se mais àquelas situações que necessitam a criação do capital social
e humano, fortalecendo as organizações e os movimentos sociais.
E em consonância com estas diretrizes que Centro de Tecnologias Alternativas
Populares/CETAP vem atuando nas propriedades familiares e assentamentos do
Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. O CETAP é uma organização sem fins lucrativos
(ONG) criada em 1986, contando com a participação de sindicatos de trabalhadores
rurais, cooperativas, associações de agricultores familiares e movimentos sociais do
Rio Grande do Sul, Brasil.
A sua criação foi motivada pela percepção e necessidade de mudança
de uma realidade de crise sócio-ambiental originada pela Revolução Verde,
1 Neste trabalho não será questionado as conceituações e diferenciações acadêmicas sobre a agricultura
familiar e famílias assentadas, pois será utilizada a noção geral que ambos utilizam a mão-de-obra familiar
em pequenas e médias propriedades, no que tange o tamanho da área disponível para produção, e o seu
papel relevante para o meio rural.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento rural sustentável e a extensão rural: o caso de Sananduva/RS
Dimitri Andrey Scarinci | Cristiane Maria Tonetto Godoy
311
buscando assim, um espaço para a construção de outra proposta tecnológica, de
organização da produção e de desenvolvimento rural. Como missão a organização
pretende contribuir para a afirmação da agricultura familiar e suas organizações,
particularmente atuando na construção da agricultura sustentável com base em
princípios agroecológicos. Desta forma, orientando as ações através de uma visão
sistêmica nas unidades de produção que compõem a realidade rural, buscando que
os agricultores sejam sujeitos de seu próprio desenvolvimento.
Segundo Caporal e Costabeber (2000), a Agroecologia deve ser entendida
como aquele enfoque científico que irá apoiar a transição dos atuais modelos de
desenvolvimento e da própria agricultura convencional para outros estilos de
desenvolvimento rural e agriculturas mais sustentáveis.
Ainda de acordo com Caporal e Costabeber (2004) este período de transição
deve ser entendido como um processo multilinear de mudança, que ocorre através
do tempo sem ter um prazo determinado e não de forma súbita ou uma ruptura
brusca com o modelo de agricultura e de desenvolvimento, tempo este para que a
agricultura saia do modelo agroquímico e passe a estilos que incorporem no processo
produtivo os princípios e tecnologias com base ecológica. Ainda corroborado:
Entretanto, por se tratar de um processo social, isto é, por depender da intervenção
humana, a transição agroecológica implica não somente na busca de uma maior racionalização econômico-produtiva, com base nas especificidades biofísicas de cada
agroecossistema, mas também numa mudança nas atitudes e valores dos atores
sociais em relação ao manejo e conservação dos recursos naturais [...] Resumindo, a
Agroecologia se consolida como enfoque científico na medida em que este campo
de conhecimento se nutre de outras disciplinas científicas, assim como de saberes,
conhecimentos e experiências dos próprios agricultores, o que permite o estabelecimento de marcos conceituais, metodológicos e estratégicos com maior capacidade
para orientar não apenas o desenho e manejo deagroecossistemas sustentáveis, mas
também processos de desenvolvimento rural sustentável. (2004, p. 13)
O CETAP participa de diversas redes e fóruns, das quais podem ser
mencionadas: Rede Ecovida de Agroecologia, a Articulação Nacional de Agroecologia
(ANA), a Associação Brasileira de ONGs (ABONG), o Movimento Agroecológico Latino
Americano (MAELA) e a Rede Internacional Terra do Futuro. Tendo como articulação
e parceria vários setores da comunidade e região, desenvolvendo assim projetos
que tem apoio por fundos públicos e parcerias de cooperação internacional, além
de recursos próprios.
O CETAP tem como principais eixos de ação com as famílias: os princípios
agroecológicos e o desenvolvimento local; a sistematização e a socialização das
experiências realizadas; a educação sócio-ambiental e a capacitação técnica para
a sustentabilidade. E para efetivar estas ações a organização promove oficinas,
dias de campo e festas gastronômicas para a troca e socialização das experiências,
312
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
principalmente ao que se refere a utilização das frutas nativas, tais: a guabiroba,
pinhão, o butiá e o araçá, e desenvolvendo também práticas com produtos
ecológicos, entre eles: mandioca, tomate, cenoura, brócolis, batata doce, entre outros.
Estas oficinas e socializações de acordo com a FAO (2007) são importantes
para expor aos agricultores num processo de aprendizagem, pois estes podem
conhecer, aprender ou adaptar suas práticas e tecnologias para melhorar a sua
produção. Entretanto, cabe ressaltar que os agricultores não são beneficiários, eles
estão totalmente comprometidos com esta ferramenta de comunicação, pois estão
neste processo participando ativamente.
A ONG atua em quatro microrregiões do Estado do Rio Grande do Sul, que
são elas:
1. Microrregião do Planalto: que atende o município de Passo Fundo (sede da
ONG), e tem como característica o trabalho com a comunidade urbana, envolvendo as
questões sobre abastecimento local e comercialização de produtos ecológicos, tendo
como objetivos: fortalecer a questão da segurança alimentar e nutricional e ao realizar
a comercialização dos produtos ecológicos alia-se a questão do abastecimento do
mercado local e o fortalecimento da economia local;
2. Microrregião do Alto Uruguai: constituído por quatro municípios: Três
Arroios, Aratiba, Barra do Rio Azul e Itatiba do Sul, onde são abordados os temas dos
sistemas agroflorestais/SAF´s e a valorização dos produtos da biodiversidade nativa
e da circulação e melhoramento das sementes crioulas, além da comercialização e
circulação dos produtos ecológicos nos mercados locais;
3. Microrregião Altos da Serra: constituído por doze municípios: São João da
Urtiga, Sananduva, Santo Expedito do Sul, Ibiaça, Ibiraiaras, Guabiju, Davi Canabarro,
Capão Bonito do Sul, Pinhal da Serra, Esmeralda, Vacaria e Caxias do Sul, onde
são trabalhados o acompanhamento das famílias que desejam produzir, formar
agroindústrias e a comercialização dos produtos ecológicos, bem como assistência
técnica aos assentamentos da região;
4. Microrregião Encosta da Serra: constituído pelos municípios de Santo
Antônio do Palma e São Domingos do Sul, que no mesmo sistema das outras
microrregiões o CETAP vem trabalhando com a questão do aprimoramento dos
sistemas de produção e a agroindustrialização e comercialização dos produtos
ecológicos produzidos pelas famílias.
As ações da ONG encontram-se centradas na construção de um sistema
alimentar alternativo, na manutenção da biodiversidade, na segurança alimentar
e na qualidade de vida tanto para o meio rural quanto para o urbano, bem como
a comercialização dos produtos ecológicos produzidos nas propriedades, sejam
eles in natura ou agroindustrializados, nos mercados locais propiciando a dinâmica
destes mercados.
Para exemplificar algumas das ações promovidas pelo CETAP foram escolhidas
duas experiências para serem brevemente relatadas neste artigo: uma delas no
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento rural sustentável e a extensão rural: o caso de Sananduva/RS
Dimitri Andrey Scarinci | Cristiane Maria Tonetto Godoy
313
assentamento Três Pinheiros e a Feira Ecológica formada pela produção da agricultura
familiar da região, ambas no município de Sananduva/RS.
Nas propriedades do assentamento Três Pinheiros a estratégia que tem sido
usada pelos técnicos do Cetap é a implementação dos sistemas agroflorestais/SAF’s
visando atender três objetivos principais: a recuperação das Áreas de Proteção
Permanente (APP’s) dentro das propriedades; a segurança alimentar da família
através da diversidade plantada; e assim que for consolidado o sistema dos SAF´s
o excedente produzido seja comercializado como produto ecológico nas feiras e
mercados locais.
Na experiência citada acima a produção voltada à comercialização e ao
mercado local ainda encontra-se na fase de mobilização e implantação, tendo
como papel fundamental a revitalização da economia e na geração de renda para
o assentamento. Neste sentido, já tem sido realizadas reuniões entre o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária /NGRA, Cetap e os assentados, para
esclarecimentos de como pode ser aproveitado a produção dos SAF’s e das frutas
nativas para a comercialização no mercado consumidor, com algumas estratégias
encaminhadas, como por exemplo: a utilização do pinhão como farinha, além de
esclarecimentos sobre as diversas informações, a formação de cooperativa entre as
famílias interessadas, a assistência técnica para as estruturas e organização para as
feiras e sobre o processo de agroindustrialização dos produtos.
Corroborando neste sentido Ramirez et al. (2007) afirma que a disponibilidade
de recursos naturais para as populações rurais em territórios pobres e marginalizados
tem sido um elemento de acesso aos mercados econômicos.
A experiência citada acima se encontra na fase inicial de inserção dos produtos
e agricultores no mercado, entretanto, o Cetap já possui várias experiências que se
encontram consolidadas na produção de produtos ecológicos e na sua comercialização,
sejam in natura (Feiras Agroecológicas) ou na agroindustrialização destes.
Uma das experiências consolidadas e que possui a sustentabilidade aliada
à produção ecológica juntamente com a inserção dos agricultores ao mercado
consumidor e na formação de uma rede de cooperados, é a Feira Ecológica que ocorre
no município de Sananduva/RS, onde se comercializa hortifrutigranjeiros, além, da
existência de um espaço para a comercialização dos produtos agroindustrializados
pelas famílias.
A feira iniciou há 16 anos com o objetivo de comercializar o excedente da
produção das famílias, divulgando os alimentos produzidos de forma ecológica (sem
utilização de insumos e agrotóxicos), foi uma alternativa para os agricultores familiares
que haviam deixado à produção convencional para evitar contaminações provenientes
desta forma de produção. Atualmente a feira é constituída por 10 famílias de Sananduva
e municípios vizinhos que produzem produtos ecológicos e estão filiados a Cooperativa
De Produtores De Alimentos Orgânicos em Economia Solidária/Coopvida.
314
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Uma das estratégias para promover os produtos da feira e dos diversos
projetos realizados pelo Cetap é a realização do Jantar Ecológico no município, onde
o cardápio servido é oriundo da produção ecológica das famílias, demonstrando a
população local as vantagens dos alimentos mais saudáveis.
Desta forma, a feira realizada tem vários benefícios não somente para os
agricultores que ao deixarem a produção convencional estão promovendo o desuso
dos agrotóxicos, mas há a redução na degradação ambiental, o fortalecimento da
diversidade ambiental, bem como a segurança alimentar (que pode ser visto como
serviços ambientais prestados à sociedade), e a dinamização do mercado local.
Ao tentar fazer um breve resumo sobre o trabalho realizado pelo CETAP
podemos aferir que a ótica trabalhada pela instituição está em consonância com
o desenvolvimento rural sustentável, pois abrange os fatores ambientais, sociais e
econômicos, ao promover a produção ecológica, a consciência da questão ambiental
e da biodiversidade, bem como a agregação de renda às propriedades e o acesso ao
mercado, garantido assim a reprodução social e econômica da agricultura familiar.
4. Uma breve reflexão sobre o CETAP e a atual diretriz da Extensão Rural e
Assistência Técnica e do Desenvolvimento Sustentável
Ao longo deste artigo se intencionou expor quais foram os primeiros objetivos
da extensão rural e da assistência técnica contrapondo com as novas diretrizes
que atualmente vêm norteando a extensão e que se encontra em consonância
com as propostas de alternativas ao desenvolvimento tradicional, tais como o
desenvolvimento sustentável.
Pois, o rural não é mais somente agrícola, ele é palco de inúmeros processos
complexos, seja ambiental, social ou econômico, e não deve ser tratado de forma
homogêneo nos diversos ecossistemas e culturas, e é justamente o atual papel da
extensão rural (privada, pública ou ONG’s) compreender e atuar neste panorama.
Ao analisar os textos sobre as novas diretrizes da extensão rural produzida
pelos órgãos internacionais como FAO, IICA, CEPAL, entre outros, e a experiência
encontrada no CETAP pode-se aferir que o trabalho da ONG encontra-se de acordo
com o que atualmente têm-se buscado para a agricultura familiar e para o meio
rural, baseado na proposta mais ampla que é o desenvolvimento rural sustentável.
Assim, o CETAP cumpre com várias das diretrizes que se têm colocado para
a extensão rural e para o desenvolvimento sustentável, que são: a questão da
melhoria da qualidade e vida dos agricultores; a sustentabilidade da propriedade e
da família; a segurança alimentar, a inserção das comunidades ao mercado, todos
estes fatores inseridos num ambiente de participação e de mobilização (associação)
dos públicos alvos. No caso a associação principalmente no que se refere a questão
do cooperativismo das comunidades e famílias para enfrentar as dificuldades de
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento rural sustentável e a extensão rural: o caso de Sananduva/RS
Dimitri Andrey Scarinci | Cristiane Maria Tonetto Godoy
315
inserção aos mercados, ou até mesmo na questão da união das produções para a
venda em feiras e mercados locais, no que tange a quantidade para comercialização.
Corroborando com o tema Caporal (2009) em seu documento intitulado
Bases para uma Política Nacional de Formação de Extensionistas Rurais, aborda que
a extensão rural brasileira deve ter um referencial teórico e metodológico formado
através da participação e permeando as estratégias de desenvolvimento sustentável.
Em outro artigo Caporal e Ramos (2006) acrescentam que a Extensão rural
deve priorizar aquela relação entre os agricultores e os extensionistas e que também
resgata o conhecimento local e a participação consciente nas mudanças que a
sustentabilidade precisa. Ainda os autores, acrescentam como objetivo da extensão
rural propiciar que o processo produtivo no meio rural adote estratégias sustentáveis
e princípios agroecológicos, e é nesta perspectiva que o desenvolvimento
sustentável encontra-se ancorado. Ainda as diretrizes para a ação extensionista
devem estar baseadas: no uso de tecnologias e formas de manejo mais ecológicas;
no fortalecimento das relações sociais; na inclusão social; na garantia de geração de
renda e melhoria na qualidade de vida da população rural; na segurança alimentar
e o acesso aos mercados locais.
Apesar de haver uma concordância entre os textos internacionais, nacionais
e as ações de instituições de extensão rural e assistência técnica, neste caso o CETAP,
com as questões do desenvolvimento sustentável e suas diretrizes cabe fazer uma
ressalva que é justamente para que esta alternativa ao desenvolvimento tradicional
não caia na mesmice da ótica economicista.
O desenvolvimento sustentável e suas estratégias não deve ser pensado como
algo na moda ou como um produto que venda melhor (caso de produtos orgânicos
ou ecológicos), pois o conceito de sustentabilidade não deve estar no discurso de
mercantilização dos recursos naturais e a priorização do acesso ao mercado.
Ao contrário a sustentabilidade deve ser um novo paradigma a ser adotado
pela sociedade de forma holística e gradual, o que inclui o meio rural e a transformação
dos meios de produção da agricultura. Assim, cabe a extensão rural e a assistência
técnica o papel fundamental de ser um dos agentes que intermediarão este processo,
e é de imprescindível importância que a formação dos novos extensionistas esteja
calcada neste sentido, para que assim não somente as novas diretrizes para extensão
rural consigam ser atuantes, mas para que o próprio desenvolvimento sustentável
possa ser consolidado.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, J. A Agroecologia entre o movimento social e a domesticação pelo mercado. Ensaios
FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 2, p. 499-520, 2003.
Ardila, J. Extensión rural para el desarrollo de la agricultura y la seguridad alimentaria:
aspectos conceptuales, situación y una visión de futuro. San José, C.R.: IICA, 2010.
316
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
ASSIS, R. L. de. Globalização, desenvolvimento sustentável a ação local: o caso da agricultura
orgânica. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v. 20, n. 1, p. 79-96, jan./abr. 2003.
Assis. R. L de; Arezzo D. C. de. Propostas de difusão da agricultura orgânica. Cadernos de
Ciência & Tecnologia, Brasília, v.14, n.2, p.287-297, 1997.
ASSIS, R.L. de; AREZZO, D.C. de; DE-POLLI, H. Consumo de produtos da agricultura orgânica
no Estado do Rio de Janeiro. Revista de Administração, São Paulo, v.30, n.1, p.84-89, 1995.
ASSIS, R.L. de; AREZZO, D. C. de; ALMEIDA, D. L. de; DE-POLLI, H. Aspectos Sócio-Econômicos
da Agricultura Orgânica Fluminense. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro,
v.30, n.1, p.26-42, 1996.
Berdegué, J.A.; Schejtman, A.; Chiriboga, M.; Modrego, F.; Charnay, R.; Ortega, J. Agricultura
para el desarrollo: hacia una agenda regional para América Latina. Debates Y Temas
Rurales No. 12, Latin American Center for Rural Development, Santiago. 2008.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/MAPA. Disponível em: <
http://www.prefiraorganicos.com.br/agrorganica/oqueeagricultura.aspx >. Acesso em: 04
de ago. 2012.
Bessette, G. Facilitar el diálogo, el aprendizaje y la participación para el manejo de los recursos
naturales. In: FAO. Comunicación Y Desarrollo Sostenible. Food and Agriculture Organization
of the United Nations/FAO. Roma, 2007.
Campanhola, C.; Valarini, P. J. A agricultura orgânica e seu potencial para o pequeno agricultor.
Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v.18, n.3, p.69-101, set./dez. 2001.
Centro de Tecnologias Alternativas Populares/CETAP. Disponível em> http://cetap.org.
br/?page_id=282> Acesso em out. de 2011.
CAPORAL, F. R Bases para uma Política Nacional de Formação de Extensionistas Rurais.
Brasília: 2009. 55 p.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável: perspectivas para uma nova Extensão Rural. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável,
v.1, n.1, p.16-37, jan./mar. 2000.
COSTABEBER, J. A.; CAPORAL, F. R. Possibilidades e alternativas do desenvolvimento rural
sustentável”. In: VELA, H. (Org.). Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural Sustentável
no Mercosul. Santa Maria: Editora da UFSM/Pallotti, 2003. p.157-194.
COSTABEBER, J. A.; CAPORAL, F. R. Agroecologia: alguns conceitos e princípios. 24 p. Brasília:
MDA/SAF/DATER-IICA, 2004.
CAPORAL, F. R; RAMOS, L. de F. Da Extensão Rural Convencional à Extensão Rural para o
Desenvolvimento sustentável: Enfrentar desafios para romper a inércia. 2006. Disponível
em> http://www.agroeco.org/socla/archivospdf/Da%20Extenso%20Rural%20Convencional%20%20Extenso%20Rural%20para.pdf> Acesso em: 10 de novembro de 2012.
CEPAL. Perspectivas de la agricultura y del desarrollo rural en las Américas: una mirada
hacia América Latina y el Caribe / CEPAL, FAO, IICA – Santiago, Chile, FAO, 2010.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento rural sustentável e a extensão rural: o caso de Sananduva/RS
Dimitri Andrey Scarinci | Cristiane Maria Tonetto Godoy
317
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso Futuro Comum.
Rio de Janeiro: Ed. Da Fundação Getúlio Vargas, 1988.
DEL GROSSI, M. E.; GRAZIANO DA SILVA, J.; CAMPANHOLA, C. O fim do êxodo rural? In: Encontro
Nacional de Economia Política, 6., 2001, São Paulo. Anais... São Paulo: Sociedade Brasileira de
Economia Política, 2001.
DIEGUES, A. C. S. Desenvolvimento sustentável ou sociedades sustentáveis da critica dos
modelos aos novos paradigmas. São Paulo em Perspectiva, n. 6, p. 22-29, jan./jun., 1992.
FAO. Comunicación Y Desarrollo Sostenible. Food and Agriculture Organization of the
United Nations/FAO. Roma, 2007.
Grupo Chorlaví. Cuáles son los principales desafíos de la extensión rural en América Latina?
InterCambios. Ano 10, Número 118, Enero 2011. Disponível em>http://www.rimisp.org/
boletin_intercambios/index_boletin.php?id_boletin=163> Acesso em> 23 de out. 2012.
LAGO, A.; LENGLER, L.; CORONEL, D. A.; SILVA, T. N. Agricultura familiar de produtos orgânicos:
um olhar sob a ótica do marketing. Revista Extensão Rural, DEAER/CPGExR – CCR – UFSM,
Ano XIII, Jan – Dez de 2006.
Leff, E. Saber Ambiental, sustentabilidad, racionalidad, complejidad, poder. México, D.F.,
Siglo Ventiuno, 1998, 285 p.
_______. Epistemologia Ambiental. Tradução Sandra Valenzuela; revisão técnica Paulo Freire
Vieira. São Paulo: Cortez, 2001. 240 p.
LEFF, et al. La complejidad ambiental. México, D.F. Siglo Ventiuno, 2000.
JACOBI, P. Educação Ambiental, Cidadania e Sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, n.
118, mar. 2003.
JOLLIVET, M. e PAVÉ, A. (1992) – O Meio Ambiente: questões e perspectivas para a pesquisa.
In: Vieira, P. F.; Weber, J. (org). Gestão de Recursos Naturais Renováveis e Desenvolvimento
– Novos desafios para a pesquisa ambiental. São Paulo,Editora Cortez, 1997.
Poole, N. La población rural pobre ante los retos, dificultades y posibilidades que plantea
la innovación. FIDA, Roma. 2006.
Ramírez, E; Pino, R; Escobar, G; Quiroz, O; Ruiz, R; Sarmiento, L.D; Echeverría, J.A. Vinculación
a mercados dinámicos de territorios rurales pobres y Marginalizados. Fondo Mink’a de
Chorlaví y Grupo Chorlaví, Enero, 2007.
Roel, A. R. A agricultura orgânica ou ecológica e a sustentabilidade da agricultura. Revista
Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 4, p. 57-62, Mar. 2002.
SCHULTZ, G. Relações com o mercado e (re) construção das identidades socioprofissionais na agricultura orgânica. Porto Alegre: UFRGS, 2006. Tese (Doutorado), Programa de Pós
Graduação em Agronegócios, Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2006.
XavieR. S. F.; DOLORES, D. G. Desenvolvimento rural sustentável: uma perspectiva agroecológica. Agroecol. e Desenv. Rur. Sustent. Porto Alegre, v.2, n.2, abr./jun. 2001.
318
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Cerrado e agricultura: as
transformações ocasionadas pela
inserção da soja no município de
Capinópolis/MG
CERRADO AND AGRICULTURE: THE CHANGES
OCCASIONED BY INTEGRATION OF SOY IN CAPINÓPOLIS/
MG COUNTY.
Eduardo Marques Silveira
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
Meri Lourdes Bezzi
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
Roberto Barboza Castanho
Programa de Pós-Graduação em Geografia - PPGEP - FACIP - UFU
[email protected]
Resumo: O presente estudo tem como objetivo geral de analisar as principais transformações
causadas pela inserção do agronegócio da Soja no município de Capinópolis/MG.
Especificamente, buscou-se: a) compreender a influência da modernização da agricultura; b)
verificar as políticas públicas que atuaram na inserção deste cultivar; c) analisar as principais
problemáticas envoltas na produção da Soja. Assim, metodologicamente o trabalho esta
dividido em etapas sendo elas: 1) pesquisa bibliográfica; 2) coleta de dados; 3) trabalho de
campo; e 4) análise dos resultados. Com isto entende-se que a cultura da soja ocasionou
grandes transformações no meio rural do município de Capinópolis, mas destaca-se o quão
importante foi a modernização da agricultura e o incentivo do estado, para que ocorre-se a
inserção deste cultivar.
Palavras-chave: Modernização da agricultura; Capinópolis; Soja.
Abstract: The present study aims to examine the General main transformations caused by
the insertion of the soybean agribusiness in the municipality of Capinópolis/MG. Specifically,
sought: a) understanding the influence of modernization of agriculture; b) check public policy
who worked on insertion of this cultivar; c) analyze the main issues involved in the production
of soy. So, methodologically work this divided into stages which are: 1) bibliographical research;
2) data collection; 3) field work; and 4) analysis of the results. With this it is understood that the
soy culture caused major transformations in the rural area of the municipality of Capinópolis,
but we highlight how important was the modernization of agriculture and the encouragement
of the State, for it occurs-if the insertion of this cultivar.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
Keywords: Modernization of agriculture; Capinópolis; Soybeans.
Introdução
Ao longo de sua história o Brasil teve sua economia voltada no setor
agropecuário, isto se fez presente inicialmente através da cultura da cana de açúcar
e posteriormente com a criação de gado. Mais recentemente é possível se visualizar
que o mesmo ainda tem esta interface entre a bovinocultura e a agricultura.
Podendo-se visualizar cadeias produtivas como a da soja, a do milho, a do trigo, as
fruticulturas e dentre outras, e no que se refere os criatórios, a suinocultura faz-se
presente juntamente como a avicultura, a ovinocultura e dentre outros.
Desta forma, o presente ensaio busca tratar das principais especificidades
ocorridas no município de Capinópolis/MG através da entrada da cultura da soja.
Visto que esta não é uma cultura endêmica da região, faz-se necessário destacar a
importância da modernização do campo, principalmente para esta cultura. Assim
tem-se como objetivo de analisar as principais transformações causadas pela
inserção do agronegócio da Soja no município de Capinópolis/MG. Especificamente,
buscou-se: a) compreender a influência da modernização da agricultura; b) verificar
as políticas públicas que atuaram na inserção deste cultivar; c) analisar as principais
problemáticas envoltas na produção da Soja.
Justifica-se a realização desta investigação pelo fato da Soja ser um dos
principais cultivares no que tange à frente de expansão agrícola para o Cerrado que se
iniciou a partir da década de 1970, visto que neste mesmo período também teve-se
outros acontecimentos importantes no Brasil, como por exemplo, a Revolução Verde
que possibilitou a inserção da técnica no meio rural. Assim, estes e outros episódios
ocasionaram uma série de problemáticas, que serão analisadas ao longo deste
estudo. Ainda ressalta a ausência de análises voltados esta cultura e para o município
pesquisado, isto podendo ser explicado pela recente história de Capinópolis, onde
o mesmo foi emancipado apenas no ano de 1953.
Capinópolis está implantado na Microrregião Geográfica - MRG de Ituiutaba
(MRG - 017), a qual é composta por 6 municípios, que são: Ituiutaba, Capinópolis,
Santa Vitoria, Guarinhatã, Ipiaçu e Cachoeira Dourada (MAPA 1).
A unidade territorial foco desta pesquisa está situada na porção noroeste da
MRG - 017. Apresenta características naturais do bioma Cerrado com resquícios de
Mata Atlântica. No que diz respeito à população, apresenta um total de 16,038 mil
habitantes, distribuídos em uma área total é de 620,716Km², com uma densidade
demográfica de 24,63 hab./Km² (IBGE, 2015).
320
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Mapa 1: Localização do município de Capinópolis/MG
Fonte: Base digital do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010).
Org.: SILVEIRA, E. M. (2014).
No que se refere a metamorfose vinculada ao setor agropecuário do país, é
importante destacar o desenvolvimento de ações e políticas, vinculadas a iniciativa
pública e privada em nível nacional e internacional, as quais foram articuladas com
o intuito de apropriar regiões, até então, consideradas “vazias”. Neste panorama
inserem-se as unidades territoriais do bioma Cerrado.
Entre as políticas públicas, cuja finalidade era dinamizar o estado de
Minas Gerais, salienta-se o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o
Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER)1, o Programa de Desenvolvimento do
Cerrado (POLOCENTRO), a liberação de créditos entre outros.
Portanto, as medidas governamentais de incentivo organizadas para o
desenvolvimento em nível regional, estadual e municipal, resultaram na expansão
1 O PRODERCER, para Silva; Veloso, (2012 p.2) foi um marco das relações entre estas duas nações. De um
lado o Brasil com o espaço a ser apropriado, a mão de obra disponível, e a carência de recursos financeiros.
Do outro, o Japão com capital e interesse em criar 3 excedentes produtivos de grãos, diminuir sua dependência por recursos de países do mundo desenvolvido e aumentar sua presença nos países em vias de
desenvolvimento.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Cerrado e agricultura: as transformações ocasionadas pela inserção da soja no município de Capinópolis/MG
Eduardo Marques Silveira | Meri Lourdes Bezzi | Roberto Barboza Castanho
321
agrícola nacional. Nesta perspectiva, o estado de Minas Gerais se insere no cenário
bem como, o município de Capinópolis.
O trabalho esta estruturado, além da introdução e das considerações
finais, com alguns outros itens um referencial teórico que tratará das principais
questões envoltas na produção da agroindústria da soja, tais como, os impactos
que a mesma traz para o município onde se insere, as transformações ocasionadas
pelo desenvolvimento da mesma, e a estruturação desta cadeia produtiva. Além
destes capítulos, o manuscrito também contém os procedimentos metodológicos
empregados ao longo do desenvolvimento deste e os resultados alcançados no
desenvolvimento desta pesquisa.
No que se refere aos aportes metodológicos da pesquisa, os mesmos foram
divididos em etapas. Inicialmente realizou-se uma pesquisa bibliográfica2 visando
alicerçar os conceitos balizadores da investigação que estruturaram a fundamentação
teórica do trabalho. Neste sentido, os principais conceitos utilizados, nesta fase, vêm
ao encontro da proposta inicial, ou seja, modernização da agricultura, reorganização
espacial, desenvolvimento rural/regional dentre outros, os quais foram fundamentais
para o trabalho. Paralelamente, verificou-se a necessidade de se realizar uma análise
do desenvolvimento sócio espacial do município.
Na segunda etapa realizou-se uma coleta e dados censitários pertinentes ao
município em estudo. Assim, buscaram-se informações nos seguintes órgãos: Instituo
Brasileiro de Geografia e Estática (IBGE), na EMBRAPA e no Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento/BRASIL (PNUD). Estas informações permitiram
verificar a situação do setor agropecuário do município, bem como, a compreensão
do desenvolvimento econômico e a reorganização espacial da unidade territorial
em questão. No que se refere a coleta de dados, foram escolhidas três cultivares
sendo elas, a soja (em grãos e toneladas), a cana de açúcar (em toneladas) e o milho
(em toneladas).
Após se compreender a realidade atual e histórica do município, realizouse o trabalho de campo para se verificar a organização/reorganização espacial
procedente da dinâmica vinculada ao setor agropecuário, igualmente averiguando
se as informações obtidas através da pesquisa são condizentes com a real situação do
recorte espacial em estudo. Assim, nesta fase, realizou-se a observação das principais
cultivares e captura de fotografias da unidade territorial em análise. A última etapa
consistiu na compilação e análise dos dados obtidos, ao longo do desenvolvimento
2 Para Santos (2000, 29 p.) pesquisa bibliográfica é caracterizada por um “conjunto de materiais escritos/
gravados, mecânica ou eletronicamente, que contém informações já elaboradas e publicadas por outros
autores é uma bibliografia. São fontes bibliográficas os livros (de leitura ou de referência, tais como dicionários, enciclopédias, anuários etc.), as publicações periódicas (jornais, revistas, panfletos etc.), fitas gravadas de
áudio e vídeo, páginas de web sites, relatórios de simpósios/seminários, anais de congressos etc. a utilização
total ou parcial de quaisquer destas fontes é o que caracteriza uma pesquisa como bibliográfica”.
322
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
desta investigação, os quais subsidiaram as interpretações e o entendimento da
dinâmica do setor primário neste município.
Por fim, entende-se que a cultura da soja foi um dos principais fatores para
o avanço da fronteira agrícola para o bioma Cerrado e que esta trouxe inúmeras
transformações para os municípios em que a mesma se inseriu.
Desenvolvimento
A inserção da cultura da soja, ocasiona transformações significativas em
diversos momentos para o bioma cerrado, pois a mesmas é capaz de não somente
transformar o território, mas também as relações da população de uma localidade
de onde a mesma se insere. Com isto Haesbaert (1996, 370) destaca que
[...]enquanto no planalto a modernização regular, geométrica e uniforme das imensas
plantações rasga a “anágua casta do cerrado”, alisando suas rugas com a “operação
plástica” da soja, nos vales a densidade rarefeita da ocupação e a ação caprichosa da
erosão natural esculpem desenhos multiformes e complexos, um espécie de antítese da funcionalidade e do império da regularidade geométrica que caracteriza os
espaços modelados por essa modernização do capital global que, pela sua rapidez e
intensidade, denominamos aqui de arrasadora.
Tendo em vista isto, é necessário entender o que seria essa modernização do
campo, assim verifica-se que o espaço agrário da MRG tem sofrido diversas transformações, a partir da modernização ocorrida no campo. Cargnin (2009, p. 76) destaca que,
A organização do espaço produtivo agropecuário ocorre geralmente impulsionada por
um conjunto de elementos e de fatores históricos e socioeconômicos, os quais fazem
parte de um conjunto de atividades que contribuem para o desenvolvimento desse
segmento. Paralelamente, os fatores políticos e econômicos pautados pelo mercado
internacional, interferem direta ou indiretamente na estruturação da agropecuária
enquanto atividade econômica.
Salienta-se que esta reorganização ocorre, somente, por meio de uma
interface com a técnica e a tecnologia, e que estas transformações acarretam a
interação do meio urbano com o rural, ou seja, o processo social que fomenta a
criação e destruição da configuração espacial, no qual os atores sociais rurais e
urbanos encontram-se intrinsecamente conectados no movimento constante de
transformações socioeconômicas (ANTONELLO, 2009).
Tendo em vista que a reorganização espacial tende a se configurar de
acordo com uma série de fatores históricos e socioeconômicos, é de fundamental
importância salientar que a inserção da técnica também tem seu papel nesta
transformação, principalmente do espaço rural.
Desta forma, Cargnin (2009, p. 33), entende que a “inserção de novas técnicas
de produção no campo, a denominada modernização da agricultura, possibilitou
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Cerrado e agricultura: as transformações ocasionadas pela inserção da soja no município de Capinópolis/MG
Eduardo Marques Silveira | Meri Lourdes Bezzi | Roberto Barboza Castanho
323
mudanças significativas no espaço rural”. A técnica não foi a única responsável pelas
transformações ocorridas no campo, deve-se destacar que as relações de trabalho
e o incremento na produção também tiveram sua importância, e assim, passaram
a colaborar com o avanço do meio rural.
Com isto, Gastal (1997, p. 5), destaca que a mudança tecnológica ou
modernização pode ser traduzida da seguinte forma.
A mudança tecnológica é entendida aqui como a utilização de novas técnicas ou
novas tecnologias em qualquer processo produtivo, também, como uma forma de
modernização já que a modernidade, fruto do liberalismo econômico, é uma decorrência do mercado e está associada, na maioria das vezes, à maximização dos lucros.
Através disto é possível identificar, que no início ocorreu um processo lento
no que se refere o a modernização agrícola nacional, como salienta Paiva (1975, 118)
[...] constata-se que a modernização da agricultura, nesses países, se processa em ritmo
lento e de forma muito desigual. Alguns agricultores empregam somente técnicas
modernas, utilizando basicamente tratores, colheitadeiras, adubos, defensivos etc.;
outros empregam técnicas modernas ao lado das tradicionais, numa situação típica
de dualismo tecnológico; e outros ainda em geral em maior número, empregam
somente técnicas primitivas, ou seja, fazem “agricultura de enxada”
No que se refere a inserção da soja no bioma Cerrado deve-se levar em
consideração, que dois fatores foram de grande importância, dentre eles estão, a
modernização da agricultura e o papel do estado, com usas políticas públicas. Nesta
perspectiva, Pessôa (1998, p. 1) salienta que a metamorfose espacial no âmbito rural
inicia-se por meio das ações tanto externas, quanto internas, de origem pública e
privada, as quais tiveram como finalidade a expansão da modernização deste setor.
As transformações atuais constatadas no espaço rural brasileiro são o reflexo da política de modernização da agricultura aplicada pelos governos após a década de 50,
cuja tônica principal tem sido a adoção de medidas que procuram vincular, de forma
cada vez mais estreita, o setor agrícola ao setor urbano-industrial.
Com o rápido desenvolvimento do espaço agrário brasileiro, o Estado passa a
oferecer mais créditos para os agricultores e, também, proporciona suporte técnico
através de órgãos, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), a
Empresa Brasileira de Terceirização Ltda (EMBRATER), o Banco do Brasil, entre outros.
Mas, mesmo com estes auxílios para o desenvolvimento agrário teve-se um maior
desempenho através dos programas espaciais, sendo que através destes foi possível
um acumulo de capital para o campo (PESSÔA, 1998).
Neste cenário, faz-se fundamental ressaltar a expansão da utilização do solo
nas áreas de cerrado, o qual na década de 1970 passou por diversas transformações,
principalmente no que se refere organização de políticas públicas para a promoção
324
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
da ocupação desta área. Dentre as ações e programas articulados, destaca-se o
Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o desenvolvimento do Cerrado
(PRODECER), o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (POLOCENTRO), o Plano
de Desenvolvimento Nacional (PND), dentre outros. Desta maneira, Faria et al (2010,
p. 2) destacam que
Na década de 1970 ainda era predominante a visão de que o cerrado não oferecia
potencial para exploração produtiva. Entretanto, os avanços da modernização agrícola,
impulsionados pelas ações e políticas do governo, contribuíram substancialmente
para uma nova configuração da estrutura produtiva do Centro-Oeste, gerando assim
o seu desenvolvimento.
Ainda para Pessôa (1998, p.7) a modernização da agricultura trouxe grandes
benefícios para o país, pois através disto obteve-se maior exportação de produtos
agropecuários, e assim ocorreu um aumento na economia do Brasil.
A meta de tais programas é a expansão da fronteira agrícola para promover o desenvolvimento e a modernização das atividades agropecuárias. A busca desses objetivos tem
aumentado a produção de grãos para exportação, beneficiando as grandes empresas
agropecuárias e agroindustriais, como parte de um modelo de desenvolvimento
orientado pelo capital monopolista.
Com isto, o município de Capinópolis em questão ainda passa por transformações no que se refere o espaço rural, principalmente com as políticas públicas e
privadas e a inserção das novas tecnologias, isto proporcionou maior produtividade
e o desenvolvimento tanto do espaço rural, quanto do urbano. Neste contexto,
Cargnin (2009, p. 13) assinala que,
Os investimentos em tecnologias e capital, na agricultura juntamente com o seu direcionamento para as culturas voltadas para o mercado externo a tornaram bastante
viável e lucrativa. Na pecuária tradicional o processo de modernização através do
melhoramento do rebanho ocorre gradativamente.
Com isto entende-se que através, tanto do papel do estado quando da
modernização agrícola, ocorreram grandes transformações no meio rural e assim
foi possível a inserção de cultivares, como a soja.
A plantio da soja requer alguns cuidados, principalmente no que se refere o
clima é o solo em que a mesma é plantada, para tal entende-se a necessidade de uma
modernização da agricultura para que assim possa-se ter um maior desenvolvimento
em regiões como por exemplo a do cerrado.
Assim, a produção da soja no município de Capinópolis somente foi possível
pela inserção das tecnologias no campo, ou seja, a modernização do espaço agrário
brasileiro foi fundamental para uma maior produtividade desta oleaginosa. Deve-se
destacar que a modernização do campo é de grande importância pois, a soja, por
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Cerrado e agricultura: as transformações ocasionadas pela inserção da soja no município de Capinópolis/MG
Eduardo Marques Silveira | Meri Lourdes Bezzi | Roberto Barboza Castanho
325
exemplo, não é uma cultura endêmica da região do pontal do triangulo mineiro,
sendo que isto traria problemas no plantio da mesma.
Segundo a EMBRAPA (2000) a inserção do cultivar da soja se inseriu no bioma
Cerrado nos anos de 19980 e 1990 e sendo que houveram alguns fatores foram
cruciais para a inserção deste cultivar na área em questão, sendo eles:
construção de Brasília na região, determinando uma série de melhorias na infra-estrutura regional, principalmente vias de acesso, comunicações e urbanização;
incentivos fiscais disponibilizados para a abertura de novas áreas de produção agrícola, assim como para a aquisição de máquinas e construção de silos e armazéns;
estabelecimento de agro-indústrias na região, estimuladas pelos mesmos incentivos
fiscais disponibilizados para a ampliação da fronteira agrícola; baixo valor da terra na
região, comparado ao da Região Sul, nas décadas de 1960/70/80; desenvolvimento
de um bem sucedido pacote tecnológico para a produção de soja na região, com
destaque para as novas cultivares adaptadas à condição de baixa latitude da região;
topografia altamente favorável à mecanização, favorecendo o uso de máquinas e
equipamentos de grande porte, o que propicia economia de mão de obra e maior
rendimento nas operações de preparo do solo, tratos culturais e colheita; boas condições físicas dos solos da região, facilitando as operaçõesda maquinaria agrícola e
compensando, parcialmente, as desfavoráveis características químicas desses solos;
melhorias no sistema de transporte da produção regional, com o estabelecimento de
corredores de exportação, utilizando articuladamente rodovias, ferrovias e hidrovias;
bom nível econômico e tecnológico dos produtores de soja da região, oriundos, em
sua maioria, da Região Sul, onde cultivavam soja com sucesso previamente à sua
fixação na região tropical; e regime pluviométrico da região altamente favorável aos
cultivos de verão, em contraste com os frequentes veranicos ocorrentes na Região
Sul, destacadamente no RS.
Com isto é importante destacar o papel do estado na implantação da cultura
da soja no Cerrado, pois este contribuiu de forma significativa através de uma série
de subsídios que contribuíram com os produtores desta oleaginosa.
Como resultados entende-se que ocorreram diversas transformações no meio
rural de Capinópolis, um exemplo disto, seria a inserção dos maquinários. O trator
se tornou um importante instrumento de auxílio do produtor no campo e entendese que esta ferramenta simboliza o início da modernização do mesmo. Assim no
Quadro 1, é possível observar a quantidade de tratores no município de Capinópolis
Quadro 1: Quantidade de Tratores em Capinópolis em 1960, 1970 e 1980
Ano
Número de Tratores
1960
105
1970
173
1980
321
Fonte: Censo Agrícola de 1960 e Censo Agropecuário de 1970 e 1980
326
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Percebe-se que com a inserção da cultura da soja a quantidade deste
maquinário quase que dobrou de uma década para outra, isto deve ser levado com
um grande avanço para o município, pois da década de 1960 até 1970 somente tevese um aumento de 68 tratores. Salienta-se ainda que em 1960 havia a presença de
tração animal, com cerca de 57 unidades.
Desta maneira destaca-se a importância da inserção da técnica no meio rural,
pois foi através desta que se teve um maior desenvolvimento tecnológico do campo
e que também, teve-se uma maior produtividade de alguns cultivares.
No que se refere a produção agropecuária do município de Capinópolis podese destacar três culturas que se sobressaem em questão de quantidade produzida,
sendo elas a soja, o milho e a cana de açúcar.
Com o passar dos anos verifica-se no espaço agrário de Capinópolis mudanças,
que podem ser chamadas de ciclos agropecuários, pois quando se inicia a produção
de um cultivar o outro acaba perdendo alguns hectares que são produzidos, como
pode ser observado no Gráfico 1.
Gráfico 1: A produção agrícola do município de Capinópolis nos anos de 1990, 1995, 2000,
2010 e 2013.
30000
26500
25000
23250
20000
16771
16500
15000
15000
10000
7000
7500
7000
5000
0
8450
8500
6777
2050
20
0
1990
20
1995
Cana-de-açúcar
2000
Milho (em grão)
2010
2013
Soja (em grão)
.
Fonte: IBGE/SIDRA, 2015
Através do gráfico 1 é possível verificar a dualidade na produção agrícola
do município em análise. Inicialmente em 1990 tem-se uma maior quantidade de
hectares do cultivar do milho, mas a soja ainda se configura como um plantio com
futuro potencial, tendo em vista que a mesma se inseriu neste município nos anos
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Cerrado e agricultura: as transformações ocasionadas pela inserção da soja no município de Capinópolis/MG
Eduardo Marques Silveira | Meri Lourdes Bezzi | Roberto Barboza Castanho
327
de 1980. Já no ano de 2000 a produção da soja triplica seus hectares e supera o
plantio do milho, sendo que este diminui sua porção espacial.
Nos anos seguintes a soja aumenta a sua produção é consequentemente a sua
área plantada, e diferentemente dos outros municípios da Microrregião Geográfica
em que este município se insere, a soja tem uma maior representatividade, até
mesmo, maior que a da cana de açúcar.
Com isto entende-se que o cultivar da soja tem grande importância no município de Capinópolis e que o mesmo, com o auxílio do desenvolvimento tecnológico,
tende a crescer ainda mais a sua produção e os seus números de hectares.
Considerações finais
A inserção da cultura da soja no município de Capinópolis alterou de forma
significativa a sua estrutura fundiária, isto se levar em consideração questões como a
modernização da agricultura e o desenvolvimento da produção capitalista, envolto
neste tipo de cultivar. Assim, entende-se a necessidade da realização deste tipo
de estudo, pois somente assim, poder-se-á compreender as principais dinâmicas
envoltas em municípios como o em análise.
A modernização da agricultura tem um papel fundamental no que se refere
o desenvolvimento agrário brasileiro, principalmente a partir do momento em que
pretendesse efetuar a ocupação do bioma Cerrado, pois sabe-se que o mesmo tem
solos irregulares para este tipo de plantação, fazendo-se necessário algumas correções
e através da modernização da agricultura pode-se realizar tal feito. No município de
Capinópolis a inserção da técnica trouxe algumas transformações para o seu meio
rural, tais como a inclusão de maquinários agrícolas, insumos e dentre outros.
Pode-se destacar que o estado teve um papel de grande importância para a
plantação da soja no Cerrado como um todo, pois com programas, como PRODECER,
POLOCENTRO e com auxílio de instituições como a EMBRAPA, o produtor rural pode
ter um maior suporte técnico e assim produzir da forma mais adequada possível.
Salienta-se que na atualidade os principais programas são os fornecimentos de
créditos, para a compra de maquinas, ferramentas e insumos, e os mesmos em suma
contem juros de baixo custo.
Mas destaca-se que mesmo com todos os benefícios envoltos na produção desta
oleaginosa no município de Capinópolis, deve-se salientar algumas problemáticas,
como por exemplo, com a modernização do campo, os produtores rurais assalariados
em alguns estabelecimentos acabam perdendo seus empregos, também, é sabido que
o plantio de uma única espécie sem que ocorra o pousio do solo, prejudica o mesmo.
Assim, entende-se que a produção da soja no município do Cerrado tem
seus prós e contras, mas que devem ser levados em consideração quando for se
efetuar algum tipo de produção agrícola, não somente em Capinópolis, mas em
todo e qualquer localidade.
328
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Referências
ALVES, P. M. N. A. de; SOARES, B. R. Pequenas cidades da Microrregião de Ituiutaba (MG): algumas reflexões sobre os municípios de: Capinópolis, Gurinhatã e Cachoeira Dourada (MG).
In. Semana do Servidor e Semana Acadêmica, 4º e 5ª, 2008 Uberlândia. Anais... Uberlândia,
4ª Semana do Servidor e 5ª Semana Acadêmica, 2008.
ANTONELLO, I. T. Reestruturação Produtiva no espaço rural: forjando mutações nas relações
urbano – rurais. Temas & Matrizes, Cascavel, n. 16, p. 24-51, 2009. Disponivel em: < http://e-revista.unioeste.br/ index.php/ temasematizes/ article/view/3933>. Acesso em: 10 de jun.
2015.
BECKER, D. F.; WITTMANN. M. L. (Org.). Desenvolvimento Regional abordagens interdisciplinares. 1º Edição. Santa Cruz do Sul: Editora EDUNISC, 2003.
CARGNIN, M. A reorganização do espaço agrário de Júlio de Castilhos/RS: uma nova dinâmica através da lavoura empresarial da soja. 164 f. Dissertação (Mestrado em Geografia).
Programa de Pós-Graduação em Geografia e Geociências, Universidade Federal de Santa
Maria, Santa Maria, 2009.
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA – EMBRAPA. A Soja no Brasil. 2000.
Disponível em: < http:// www.cnpso.embrapa.br/ producaosoja/ SojanoBrasil. htm>. Acesso
em: 15 de maio. de 2015.
______. Cultivo da Soja no Cerrado de Roraima. Roraima, 2009. Disponível em: <http://
www.cnpms.embrapa.br/publicacoes/milho_6_ed/manejomilho.htm>. Acesso em: 15 de
jun. de 2015.
FARIA, G. et. al. Expansão da Fronteira Agrícola: impacto das políticas de desenvolvimento
regional no centro-oeste brasileiro. In: Congresso Sociedade Brasileira de Economia Administração e Sociologia Rural, 48º., 2010. Campo Grande-MS. Anais... Campo Grande: online,
2010, p. 1 – 12. Disponível em: < http://www.sober.org.br/palestra/15/216.pdf>. Acesso em:
10 de maio. 2015.
GASTAL, M. L. Mudança tecnológica, Modernização da Agricultura ou Desenvolvimento
Rural?. 1ª Edição. Planaltina: EMBRAPA-CPAC, 20 p.
HAESBAERT, Rogério. “Gaúchos” e Baianos no “Novo” Nordeste: entre a globalização econômica
e a reinvenção das identidades territoriais. In: CASTRO, I.E.;GOMES, P.C.da C.;CORREA, R.L.(Orgs.)
Brasil: Questões atuais da reorganização do território. Rio de Janeiro Ed. Bertarnd Brasil,
1996. p.367-415.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo Agrícola de Minas
Gerais. Rio de Janeiro, 1990.
______. Censo Agropecuário de Minas Gerais. Rio de Janeiro, 1996.
______. Censo Agropecuário de Minas Gerais. Rio de Janeiro, 2006.
______. Censo Agropecuário de Minas Gerais. Rio de Janeiro, 2010.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Cerrado e agricultura: as transformações ocasionadas pela inserção da soja no município de Capinópolis/MG
Eduardo Marques Silveira | Meri Lourdes Bezzi | Roberto Barboza Castanho
329
______. SIDRA. Efetivos/Rebanho. 2013. Disponível em: < http://www.sidra.ibge.gov.br/
bdaa/pecua/default.asp?t=2&z=t&o=24&u1=1&u2=1&u3=1&u4=1&u5=1&u6=1&u7=1 >.
Acesso em: 20 jun. 2015.
OLIVEIRA, B. S. de. Ituiutaba na rede urbana tijucana: (re) configurações sócio-espaciais de
1950 a 2003. 208 f. Dissertação (Mestrado em Geografia). Instituto de Geografia, Universidade
Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2003.
PAIVA, R. M. Modernização e dualismo tecnológico na agricultura: uma reformulação. Pesquisa Plano Econômico, Rio de Janeiro, n. 5 v. 1, p. 117 – 161, 1975. Disponível em: <http://
www.ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/656/598>. Acesso em: 10 de jun. 2015.
PESSÔA, V. S. Ação do Estado e as transformações Agrárias no Cerrado das zonas de
Paracatu e Alto Paranaíba/MG. 1998. 251 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituído de
Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista “Junior de Mesquita Filho”, Rio
Claro, 1998.
SANTOS, M. A Natureza do Espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. 2º Edição. São Paulo:
Editora da USP, 2006.
330
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
A pertinência da reforma agrária
como estratégia territorial
contra hegemônica em tempos
de levante do Brasilarcaico1
LA REFORMA AGRARIA COMO ESTRATEGIA TERRITORIAL
CONTRA HEGEMÓNICA FRENTE A LA INSURGENCIA
LATIFUNDISTA EN BRASIL
Eliane Tomiasi Paulino
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
Resumo: A estratégia de ordenamento territorial baseado em justiça fundiária é condição para
o exercício mínimo das potencialidades humanas em qualquer sociedade que se pretenda
democrática. Somente assim é possível atenuar o arbítrio privado sobre o único receptáculo
do bem comum, a terra, cuja interdição significa, em igual medida, alijamento a todos os
elementos vitais dos quais não se pode abdicar. O estatuto da propriedade privada, quando
regido por condições de monopólio, atua no sentido de obstruir a via da equanimidade
nas condições de produzir no campo, traduzindo-se em aviltamento do campesinato e na
dilapidação ambiental, dinâmicas observadas no Brasil. A análise de bibliografias associada
ao estudo de dados oficiais aqui reproduzidos nos leva a concluir que estamos diante de
uma inflexão civilizatória, em vista da blindagem do latifúndio e da renúncia às estratégias
de gestão territorial que favoreçam a desconcentração e o reconhecimento de direitos
territoriais inalienáveis.
Palavras-Chave: Pactos de classe, monopolização fundiária; campesinato; reforma agrária.
Resumen: La estrategia de planificación territorial basada en la justa distribución de la tierra
es la condición para el desarrollo del potencial humano en cualquier sociedad democrática.
Sólo así se puede atenuar el control privado de la tierra, el único receptáculo del bien común,
ó sea, todos los elementos vitales indispensables. En condiciones de monopolio, la propiedad
privada destroe la ecuanimidad en el campo, lo que resulta en la marginalización de los
campesinos y deterioro del medio ambiente, dinámica muy evidente en Brasil actual. El
estudio de las bibliografías y de los datos oficiales nos hace concluir que estamos frente a una
inflección de la civilización, con la protección incondicional de los latifundios y la renuncia de
las estrategias de gestión territorial que fomenten la descentralización y el reconocimiento
de los derechos territoriales inalienables.
Palabras Clave: Pactos de clase, monopolización de la tierra; campesinado; reforma agraria.
1 Parte do texto publicado originalmente em Paulino, 2015.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
Introdução
Refletir sobre os impasses colocados à política de assentamentos no Brasil e
que, na prática, se materializa como persistente projeto de contra reforma agrária,
requer o delineamento de alguns pressupostos, sob pena de o debate ser tomado
como se fosse extemporâneo, prática aliás recorrente dentre os que falam em nome
do pacto hegemônico. Nos círculos tecnocráticos, em que a política e a ciência
compartilham posições comuns, o assédio ideológico no sentido de minimizar a
importância e mesmo as implicações da propriedade privada da terra tem sido
suficiente para instaurar um senso comum raso e equivocado sobre a pertinência
do reordenamento fundiário, para não dizer da reforma agrária que, como se sabe,
é muito mais abrangente que este.
Como produto de duradouras colonialidades, para utilizar a expressão de
Porto Gonçalves (2012), que tem a ver mais com os antagonismos de classe do que
com a geopolítica segundo a concepção clássica, forjou-se o estigma que atribui o
progresso à cidade e o atraso ao campo, a ponto de muitos tomarem a urbanização
da sociedade mais como produto das escolhas individuais do que propriamente da
divisão territorial do trabalho, o que por si daria o tom do anacronismo que se quer
imputar às lutas por reforma agrária.
Nesse contexto, a depreciação do mundo rural está orientada para a caricaturização dos camponeses, sujeitos que ali vivem e se reproduzem a partir do trabalho
materializado em diferentes formas de intercâmbio com a natureza, socialmente
mediadas. Vistos como órfãos da suposta missão civilizatória formalmente (a)condicionada nos limites do espaço urbano, a tônica tem sido a da negação da lógica
de classe e do seu modo de vida, como se coubesse uma transmutação moral e
espacial como condição para o seu ingresso no circuito da cidadania.
Refletir sobre esse conceito de cidadania é um pressuposto inicial, pois
como bem lembrara Milton Santos (TENDLER; TENDLER, 2006), o cidadão brasileiro
está mais para consumidor do que para sujeito investido de direitos e deveres
fundamentais, restando-nos concluir que a tarefa de construção da cidadania é
deveras árdua e não se fará por meio dos consensos de classe.
Nesse sentido, o texto busca evidenciar formas e conteúdos da ofensiva
contra a reforma agrária, com particular ênfase na curva descendente de
assentamentos coincidindo com a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao
poder. A metodologia está pautada no debate teórico alicerçado na teoria da
recriação contraditória do campesinato, originalmente expressa na Geografia
brasileira por Ariovaldo Umbelino de Oliveira, cujos trabalhos (2001, 2003, 2010)
revelam delineamentos teórico-metodológicos coerentes com as referências aqui
evocadas. A dimensão empírica do trabalho está apoiada nas publicações oficiais
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mais precisamente da Pesquisa
Nacional de Amostra por domicílios e as relativas ao último censo agropecuário,
332
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
incluindo-se o banco de dados disponibilizado no Sistema IBGE de Recuperação
Automática (SIDRA), bem como os dados sobre a reforma agrária elaborados
pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e disponibilizados pelo
Relatório Dataluta (NERA, 2015).
Permanências e mudanças da questão agrária no Brasil
Considerando a centralidade da propriedade privada da terra nas macroestruturas que dão o tom do funcionamento da política e da economia, daí a acertada
conceituação de capitalismo rentista (MARTINS, 1994), entendemos que esse flanco
não poderá ser negligenciado caso queiramos de fato transgredir o atual darwinismo social regado a pão e circo e avançar em direção a um conceito de cidadania
identificado como faculdade que licencia para a construção autônoma do devir.
Como uma sentença que incita a seguir em frente, Shanin (2008) nos convida
a ver no conhecimento a arma que poderá fazê-lo, pois o desvelamento das
contradições da realidade é condição para a ação transformadora. Ademais, a própria
pertinência da reforma agrária vem sendo posta em questão em diversos trabalhos
acadêmicos, reafirmando-se que no método repousa as leituras divergentes sobre o
campo. Considera-se que o método remete ao lugar do pesquisador no campo das
relações de poder emanadas das contradições de classe, em si reveladoras do projeto
civilizatório que traz em seu bojo a disputa em torno do ordenamento territorial
capaz de determinar interdições e acessos ao bem comum.
Contrariamente ao bem comum se insurgem as aspirações privatistas,
traduzidas em estudos agrícolas que tomam as desigualdades no campo como
produto das (in)capacidades individuais de inserção competitiva no mercado, daí a
leitura de que se há pobreza, que se transformem os camponeses e não as estruturas
que os subjugam. No interior desse campo analítico, invoca-se a aquisição de
atributos empresariais como condição para a superação das vulnerabilidades que os
aprisionam, sendo esse o principal chamamento em termos prescritivos ao problema
da pobreza no campo, ao mesmo tempo em que se proclama a extemporaneidade
da reforma agrária como política de Estado.
Tais abordagens promovem a supressão do conceito de camponeses em
favor da nomenclatura agricultores familiares: enquanto o primeiro está identificado
por sua condição de classe, a nomenclatura substituta elege outro parâmetro, o do
homo economicus do capitalismo, que projeta a dimensão jurídica como suficiente
para classificar todos como iguais e livres. O mercado é obviamente o universo no
qual tal liberdade se realizaria, cabendo aos indivíduos acertar nas escolhas, já que
as oportunidades estariam dadas.
Longe de se tratar de preciosismo retórico, a preocupação com essa
desconceituação faz sentido se considerarmos o que atestam Racine, Raffestin e Ruffy
(1983), para os quais à toda ação subjaz uma representação. Neste caso, trata-se de
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A pertinência da reforma agrária como estratégia territorial contra hegemônica em tempos...
Eliane Tomiasi Paulino
333
identificar a improvável coincidência entre o perfil dos sujeitos assim representados
e as políticas públicas para a agricultura, em que outros igualmente identificáveis
com a condição de classe, os latifundiários, foram banidos do léxico institucional2.
A evasiva no que tange à ação coordenada contra o latifúndio é parte deste
contexto em que, na prática, dentre os produtores rurais (o termo mágico que faz
supor que propriedade da terra e utilização produtiva são indissociáveis), quem
não é agricultor familiar só poderia ser empresário rural. Como mediação para a
ação, essa representação é prenhe de um ideal indutor à segunda condição, que
é a do universo empresarial, mesmo guardadas as devidas escalas, o que pode ser
um detalhe secundário em tal esquema lógico, mas não tem como sê-lo no plano
da realidade, em que produção, renda e lucro são variáveis dependentes da área
controlada.
O desenlace metodológico da desconceituação em tela não poderia ser
mais fiel ao seu vazio teórico, havendo algumas evidências de insatisfação quanto
à sua operacionalidade, como se poderá observar em Navarro (2010), que afirmou
ser um equívoco empreender planos de desenvolvimento rural distinguindo-se
camponeses e capitalistas.
Sua crítica foi dirigida à decisão política do IBGE de desagregar os dados
do último censo agropecuário segundo a distinção entre agricultura capitalista e
camponesa, ou se quisermos ser fiel à nomenclatura oficial, à agricultura familiar e
agricultura não familiar, fato consumado na publicação do I Censo da Agricultura
Familiar (2009b).
A retórica convergente aos interesses do patronato rural sinaliza para a
oportuna advertência de Marés (2003, p. 118) de que ruralista é o nome gentil do
latifundiário, tendo sido forjado para ocultar sua condição parasita e usurpadora,
perpetuamente rechaçada pela civilização. Por mais discutíveis que sejam as
metodologias empregadas no levantamento censitário posto em questão, o fato
é que ele explicitou uma realidade capaz de desmontar a dualidade simplista de
eficiência/ineficiência que orienta a abordagem acadêmica hegemônica sobre o
campo brasileiro, ao trazer indicações mensuráveis: área disponível, valor monetário
da produção, número de pessoas empregadas, entre outros.
A simples enumeração de variáveis que evidenciam dinâmicas virtuosas no
interior da agricultura dantes tratada como ineficiente foi suficiente para os ruralistas,
academicamente representados, recorrerem ao argumento da ideologia para
desqualificar toda práxis que atenta contra os interesses de classe e isso acontece
quando a sua própria ineficiência se revela na desproporcional capacidade produtiva
dos camponeses.
2 Cf. Lei 8.629/1993.
334
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Perpetuar argumentações segundo as quais camponeses se limitam à produção para sub-existência e a atual apropriação capitalista da terra se dá fora dos marcos
rentistas-especulativos é um instrumento eficaz para o exercício das hegemonias,
as representações que nos falam Racine, Raffestin e Ruffy (1983). Qualquer leitura
lógica do Censo levaria a concluir pela prevalência do critério da proporcionalidade
na distribuição do fundo público3, e aqui se está invocando uma conta simples, do
tipo que correlaciona dinheiro investido e produção correspondente.
Ao clamar por uma nomenclatura que elimine no plano institucional a distinção entre a denominada agricultura familiar e a agricultura comercial, a cargo do
Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, respectivamente, Navarro (2010, p. 196) perscruta um conceito capaz
de exprimir unidade/convergência alheio à composição de classes no campo. Daí
a representação do que ele chama de clientela, supostos produtores indistintos e
solidários entre si contra inimigos comuns e externos ao universo da produção. Diríamos que assim opera a ideologia da qual o autor se declara imune, senão vejamos:
A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e
valores) e de normas e regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros
da sociedade o que devem pensar, o que devem valorizar, o que devem sentir e como
devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo,
normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida
em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais,
sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes a partir das
divisões na esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar
as diferenças como a de classes e fornecer aos membros da sociedade o sentimento
da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para
todos [...]. (Chauí, 1983, p. 113, 114)
Esse tipo de evasiva conceitual parece reafirmar aquilo que Harvey (1998)
identifica como o princípio do descarte próprio de um tempo em que tanto objetos
quanto ideias devem ser suficientemente adaptáveis ao imperativo mercantil
em frenesi. Contudo, entre a cadência das esteiras e a mobilidade dos papéis
que são desempenhados pelos sujeitos no plano da produção e da posição que
ocupam quando da apropriação da riqueza socialmente construída, não existem
coincidências dignas de nota.
Como o próprio Harvey (2005) mostra, tem havido um aperfeiçoamento dos
mecanismos de extração da riqueza social, nos quais os bens da natureza atrelados ao
solo jogam um papel cada vez mais decisivo no processo de acumulação ampliada.
3 O Plano Safra 2015/2016 destina 28,9 bilhões de reais (13,3%) para a denominada agricultura familiar e
187,7 bilhões de reais (86,7%) para a denominada agricultura empresarial (MDA,MAPA, 2015).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A pertinência da reforma agrária como estratégia territorial contra hegemônica em tempos...
Eliane Tomiasi Paulino
335
Como forma de dissimular tal lógica, naturaliza-se a economia agrícola e despolitizase a questão agrária.
No passado, Martins (1995) diria que a inclinação política conservadora,
selada no contexto da renúncia aos conceitos de camponeses e de latifundiários
o sancionaria. A atenção a novos aspectos do agrário em detrimento do crucial
problema da iniquidade fundiária é parte do novo consenso a ser digerido por
uma sociedade ameaçada pela preponderância do imediatismo econômico em
detrimento do bem comum.
Aí reside o sentido do negligenciamento ao cumprimento da função social
da terra. Mas segundo os termos constitucionais, é precisamente esse princípio que
a legitimaria, uma vez que não há qualquer trabalho humano na sua constituição
e, portanto, capaz de credenciá-la ao status de bem próprio. Ao contrário disso,
desde o direito clássico é a possibilidade de salvaguarda ao direito de aí realizar e
colher os frutos do trabalho que condiciona o controle ao uso produtivo, porém
sustentável (MANIGLIA, 2009), razão pela qual o princípio da função social da terra
é cláusula pétrea e sobrepõe-se ao direito de propriedade em todas as sociedades
democráticas contemporâneas. (MARÉS, 2003)
Trata-se de reafirmar, portanto, que nada sustenta o direito absoluto de
propriedade senão o poder que os proprietários tem em erguer cercas no aparelho de
Estado, nos meios de comunicação e mesmo no interior da ciência, onde se orquestra
a abordagem simplificadora em que as contradições de classe são ignoradas no
compasso da anuência à monopolização do solo e, com isso, ao controle privado
sobre um bem cujas condições intrínsecas são inalienáveis.
Não se equivocaram Mazoyer e Roudart (2010, p. 47), ao afirmarem
que a construção de um devir civilizacional passa pela ruptura com o modelo
agrícola concentrador, ao qual atribuem a fome e a pobreza rural e urbana da
contemporaneidade. Por si, isso já seria suficiente para não deixarmos arrefecer a
luta pela imposição de limites à dimensão das propriedades, desapropriar as terras
ociosas e punir os usos incompatíveis com a parcimônia ambiental e a justiça social,
e tudo isso funda a bandeira da reforma agrária, daí a sua atualidade e pertinência.
Como proclamam os autores, há que se engajar na construção de um projeto
para o futuro, o qual passaria necessariamente pela ressignificação da agricultura
e pela ruptura com a commoditização global: mercados regionais, proteção à
agricultura de pequena escala e reforma agrária. Isso sem abdicar de mecanismos
que culminem em regulações estatais e supra-estatais nos termos de intercâmbio
que, igualmente, corroem as capacidades e potencialidades da produção camponesa
(MAZOYER; ROUDART, 2010, p. 35).
Em face dos devastadores rebatimentos territoriais do monopólio fundiário
no Brasil, a orientação pela equanimidade nas rendas impõe mecanismos
adicionais para inibir a lógica destrutiva das assimetrias agrárias, a exemplo da
progressividade nas políticas tributárias segundo o privilegiamento que distintos
336
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
tamanhos de propriedade e suas respectivas características locacionais e intrínsecas
proporcionam. Vislumbra-se nisso uma dentre outras estratégias possíveis a serem
empregadas no tolhimento do poder de dispor de bens escassos segundo a lei dos
mais fortes, cuja perpetuação pede para que se mantenham imprecisas as fronteiras
entre direitos alienáveis e inalienáveis.
[...] é da natureza das relações de dominação, todo ser que é dominado não é respeitado em seu próprio ser, nas suas virtualidades e potencialidades, porquanto é considerado somente nas suas qualidades que podem servir ao dominador. Dominação
é, sempre, em algum grau, a negação do outro, o que é válido tanto para povos, para
etnias, para grupos e/ou classes sociais como para a natureza. (PORTO GONÇALVES,
2012, p. 21)
A nosso ver, reafirmar a importância da reforma agrária é questionar tudo isso,
mesmo porque o recurso ao silenciamento dos que estão lutando por terra é uma
mostra de que os signatários do latifúndio não reconhecem os princípios do pacto
civilizacional. Nesse momento em que o escasseamento dos bens se apresenta como
crise ambiental, o que do ponto de vista do capital deve ser entendido como uma
fase de oportunidades para o aumento da taxa de renda e de lucro aos que forem
vitoriosos na disputa pelo controle do que ainda resta (HARVEY, 2014), há que se
insistir na pertinência da democratização da terra, pois com isso pode-se barrar o
exercício do controle mencionado por Porto Gonçalves.
Partindo-se da clássica definição da renda de monopólio que, como sabemos,
impõe um ônus adicional que somente pode ser suportado pelos que tem maior
poder de compra, não há como fugir à inquietação. Aliás, cada vez menos o vinho
do Porto será um exemplo coerente com esse tempo em que o poder de classe do
latifúndio expresso, por exemplo, na atual mudança do Código Florestal, consegue
a licença legal para aumentar as taxas de abate dos escudos vivos da natureza,
a despeito de todo o seu papel na ciclagem hídrica, climática e gênica e, como
desdobramento dessa mesma licença em destruir, na imposição da cláusula de
a sociedade pagar pelos benefícios que a parte arbórea que ficar em pé pode
proporcionar, sob a forma de serviços ambientais (PAULINO, 2012).
Paradoxalmente, são mudanças ocorridas no momento em que a batuta
do Estado pela primeira vez passou ao controle de um governo supostamente
popular, o que torna ainda mais necessário o exercício da reflexão: dentre a renúncia
às mudanças estruturais que eram a tônica do projeto governamental aprovado
por sufrágio universal, a da reforma agrária não poderia ser mais representativa,
porque não há como avançar em termos de desenvolvimento com justiça social sem
implementá-la, por mais que se arbitre o contrário. A figura 1, a seguir, foi elaborada
com base nos dados sobre assentamentos durante os governos dos dois partidos
que se sucederam no poder desde, 1995, PSDB e PT.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A pertinência da reforma agrária como estratégia territorial contra hegemônica em tempos...
Eliane Tomiasi Paulino
337
Número de Famílias assentadas
Figura 1 – Famílias assentadas no Brasil.
140000
120000
100000
80000
60000
40000
20000
0
Período de 1995 a 2013
Fonte: NERA, 2014, p. 19.
Tomando-se o primeiro triênio representado na figura, correspondente
aos três primeiros anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, chega-se ao
número de 216.934 famílias assentadas em programas de reforma agrária, ao passo
que no último triênio, correspondente aos três primeiros anos do governo de Dilma
Rousseff, apenas 26.557 famílias foram alvo dessa política. O descaso para com essa
política, que já ficara expresso durante o Governo Lula, tornou-se a mais explícita
omissão ante o obstáculo que está na raiz do problema que ambos afirmaram querer
combater: a pobreza. No campo, ela é razão direta da privação à terra em quantidade
ou qualidade satisfatória para atender o que prevê a Lei 8.629/1993.
Não por acaso, de acordo com levantamentos sobre segurança alimentar
(IBGE, 2006, p. 29) é no campo que proporcionalmente se registra a maior incidência
de privações alimentares. Tendo como parâmetro a restrição moderada ou grave a
alimentos, estimou-se que 17% dos domicílios rurais encontravam-se em situação
de restrição moderada e 9% em situação de restrição grave, enquanto que na área
urbana os percentuais seriam de 11,4% e 6%.
Em números absolutos, seriam aproximadamente 9,5 milhões de residentes
rurais vivendo com restrição quantitativa de alimentos, dos quais cerca de 3,4
milhões de pessoas relataram ter passado fome em alguma ocasião nos 90 dias que
antecederam o levantamento. Na área urbana foram identificados 30 e 10 milhões
de pessoas em tais condições, respectivamente.
Embora o Programa de Erradicação da Miséria Extrema estivesse articulado
ao Bolsa Família, tendo como propósito ampliar no campo o acesso à assistência
338
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
técnica, água, energia, equipamentos e sementes, não passou de compensação
miúda à renúncia por mudanças estruturais: embora cerca de 15% da população
brasileira resida na área rural, 50% do público alvo do programa ali vive (BRASIL,
2012, p. 7), evidência inequívoca do fator indutor primaz da pobreza no campo: a
insuficiência de terras.
Afinal, como explicar o fato de que 52,8% dos que empreendem a atividade agrícola repartem entre si apenas 1,2% das terras agricultáveis no Brasil, considerando-se
as declaradas e as omitidas ao Censo Agropecuário (IBGE, 2009a, p. 100), mas que estão
sob controle privado? O fato de haver quase a mesma proporção de terras declaradas
e terras omitidas não pode passar desapercebido quando se trata de quantificar os
índices de concentração fundiária, de modo que computar ambas não é apenas um
detalhe metodológico na interpretação do Censo Agropecuário, mas uma maneira de
evidenciar com mais precisão a assimetria no campo brasileiro. Esclarecemos que para
melhor expressá-la, nesse cálculo incluiu-se os produtores sem área, pois mesmo não
tendo acesso regular à terra, conseguem produzir e gerar receita monetária.
Uma simples consulta ao SIDRA/IBGE mostra que 2,73 milhões de agricultores,
nada menos que 52,8% do universo dos produtores, embora detivessem uma
área média de 2,85 hectares em 2006, foram responsáveis por 13,3% da produção
agropecuária brasileira em valor, enquanto que os empreendedores que
individualmente possuíam estabelecimentos com área média declarada de 3.124
hectares, contribuíram com 28,3% do montante. Isso até poderia ser considerado
satisfatório, caso não atentássemos para o fato de que cada hectare nas mãos dos
primeiros rendeu R$ 2.793,20 enquanto que dentre os segundos apenas R$ 309,12,
ou nove vezes menos. Detalhe: apenas 6,9% do valor destinado a financiamentos foi
captado pelos primeiros, enquanto que os últimos obtiveram 44,1%. Considerandose apenas os recursos públicos, a distribuição foi de 9,3% e 31,9% respectivamente.
Esses dados mostram o quão falaciosa é a tese de que a eficiência produtiva
é atributo da grande propriedade, tese que aliás sustenta os argumentos deque a
reforma agrária perdeu o significado como estratégia para o desenvolvimento do
país. (BUAINAIM et al, 2013). Nessa linha, em que na melhor das hipóteses ela é
admitida como política social, justamente a variável mais sensível é falseada, e disso
podemos inferir que realidades forjadas no plano analítico determinam muitas das
escolhas subjacentes ao ordenamento territorial.
A proeminência das ações pontuais de combate à pobreza em detrimento da
política de reforma agrária empreendidas especialmente com a ascensão do Partido
dos Trabalhadores ao poder pode ser tomada como um indicativo do gradiente
das forças em disputa no interior dos dois projetos para a agricultura: primeiro, o
da agricultura sustentável, social e ambientalmente falando, porque centrada na
distribuição da terra, da renda, na parcimônia ambiental e nos mercados regionais.
Em torno dele constituiu-se a Via Campesina, expressão do projeto camponês para
além das fronteiras nacionais (DESMARAIS, 2007).
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A pertinência da reforma agrária como estratégia territorial contra hegemônica em tempos...
Eliane Tomiasi Paulino
339
O outro é aquele com o qual se identificam as oligarquias e as corporações,
projeto esse fundado na monopolização da terra da qual depende as duas formas
de especulação, a produtiva e a improdutiva. Ingredientes obrigatórios para a
manutenção da acumulação em escala ampliada, a renda é a única coisa que os
anima a colocar a terra para produzir: por definição, ao lado das monoculturas e do
mercado global que as mesmas requerem, encontrar-se-á o assalto ao fundo público
e o esbulho dos bens ambientais.
A terra concentrada é assim o instrumento da chantagem contra a sociedade,
refém de uma combinação perversa que a obriga a pagar para que terras sejam
produtivas segundo as regras do monopólio e, ao mesmo tempo, pagar para que
parte delas estejam a salvo da apropriação predatória ao ponto de impedir a ciclagem
genética, da água e do oxigênio. Note-se que sob as regras do monopólio fundiário
estão todos os bens imprescindíveis à vida: comida, água e ar. Nada disso poderia
ser negligenciado.
Considerações finais
No Brasil, a apropriação fundada no controle capitalista do solo vem corroendo
as formas consagradas de controle social, as quais estão sendo flexibilizadas no seio
da legislação ambiental, fundiária e tributária, que nada mais são do que expressões
do ordenamento territorial materializado em licenças para o saque do patrimônio
comum, parte do qual sob a salvaguarda dos povos indígenas e comunidades
camponesas4. Desse modo, a questão agrária deve ser pensada numa escala mais
ampla do que as simples fronteiras do campo, porque há um conjunto de fatores
favorecendo como nunca o esbulho dos bens da natureza.
O padrão de sociedade fundado na urbanização, ao invés de retirar de pauta a
necessidade da reforma agrária, como querem os conservadores de todas as matizes,
a reafirma como intervenção necessária caso se almeje avanços de qualquer ordem.
O retrocesso ao plano da barbárie é o horizonte com o qual nos brinda o capital,
como bem assinalou Chesnais (2012), dado que a reestruturação aos ciclos de crise
profunda, como o da atualidade, pressupõe aprimoramento das investidas às únicas
fontes de riqueza capazes de resguardar o ritmo da acumulação progressiva: os
bens da natureza aprisionados na terra, por meio do trabalho humano capaz de
convertê-los em recursos, logo em mercadorias.
Reforma Agrária na fiel acepção do termo supõe a remoção dos principais
mecanismos que investem poucos do direito de manter sob controle o patrimônio
comum brindado pela natureza. Portanto, para além da democratização da
propriedade, supõe controle social na exata medida da compatibilização entre o uso
4 Esse é o caso da PEC 215/2000, em trâmite na Congresso Nacional.
340
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
e a perpetuação, porque a terra não é um bem produzido e tampouco reprodutível,
logo a propriedade não pode ser invocada senão em nome da sua função social.
[...] La propiedad es una instituión jurídica que se ha formado para responder a uma
necesidad económica, como por otra parte todas las instituciones jurídicas, y que
evoluciona necesariamente con las necesidades econômicas mismas. Ahora bien,
en nuestras sociedades modernas la necesidad económica, a la qual ha venido a
responder la propiedad institución jurídica, se transforma profundamente; por consiguiente, la propiedad como institución jurídica deve transformar se también.[...]
Está también determinada por uma interdependência cada vez más estrecha de los
diferentes elementos sociales. De ahí que la propiedad, par decirlo así, se socialice.
Esto no significa que llegue a ser colectiva en el sentido de las doctrinas colectivistas;
pero significa dos cosas: primeramente, que la propiedad individual deja de ser un
derecho del individuo, para convertirse en uma función social; y en segundo lugar,
que los casos de afectación de riqueza a las colectividades, que juridicamente deben
ser protegidas, son cada dia más numerosos. (DUGUIT apud ANJOS FILHO, 2009, p. 5).
Portanto, é nesses termos que se impõe o encaminhamento do debate, o que
desde já instrumentaliza o leitor a posicionar-se ante as adjetivações provindas dos
arautos do establishment e dirigidas aos que apreendem a reforma agrária para além
das funcionalidades economicistas, essas que aliás os credencia a desqualificar o
conhecimento como instrumento da ação política, na desgastada fórmula de invocar
neutralidade e identificar ideologias somente naquilo que destoa das elaborações
discursivas indissociáveis do exercício da hegemonia.
Afiançamos aqui que reforma agrária significa necessariamente mudança
estrutural, e essa está por ser construída no país, embora não possamos ignorar a
importância das políticas de distribuição de terras até então implementadas, mesmo
porque elas já tem feito diferença. Em outras palavras, se não é possível enquadrar
a reforma agrária enquanto um projeto nacional, o mesmo não se aplica do ponto
de vista da ação político-territorial conduzida pelos sujeitos que, por meio das
lutas pela terra, a mantém viva como projeto amplo e a materializa em pequenas
dimensões, onde o uso produtivo se impõe sobre o controle divorciado da função
social. Reconhecer tais avanços é imperioso, porque eles interferem nas condições
de existência dos sujeitos que a conquistam e da sociedade que está no seu
entorno, visto que essa também tem colhido benefícios econômicos da conversão
do latifúndio em lugar de vida, por menos que se permita deixar isso transparecer
nos circuitos convencionais da contabilidade monetária-mercantil.
Referências
ANJOS FILHO, R.N. A função social da propriedade na Constituição Federal de 1988.
JusPodivm, 2001.Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/novo/ arquivos/artigos/
agrario/roberio-a_funcao_social.pdf>. Acesso em: 13set. 2011.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A pertinência da reforma agrária como estratégia territorial contra hegemônica em tempos...
Eliane Tomiasi Paulino
341
BRASIL. LEI n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Diário Oficial da União, 25 fev. 1993.
______. Plano Brasil sem miséria: um ano de resultados - 2012. Disponível em: <http://
www.brasilsemmiseria.gov.br/MDS/MDS2/brasilsemmiseria/brasilsemmiseria/arquivos/
RevistaBrasilSemMiseria_Web.pdf>. Acesso em: 26 out. 2012.
BUAINAIN, A.M et al. Sete Teses sobre o mundo rural brasileiro Revista de Política Agrícola,
v. 22, n 2 . p. 105-121, abr-jun. 2013.
CHESNAIS, F. As raízes da crise econômica mundial. O olho da História, n. 18, jul. 2012. Disponível em: <http://oolhodahistoria.org/n18/artigos/chesnais.pdf.>. Acessado em: 14 ago. 2012.
Chauí, M. O que é Ideologia? 13. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.
DESMARAIS, A.A. La Vía Campesina: globalization and the power of peasants. Fernwood
Publishing and Pluto Press: Halifax and London, 2007.
DUGUIT, L. Las transformaciones generales del derecho privado desde el Código de
Napoléon. 2. ed. Madrid: Francisco Beltran, 1912.
HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1998.
______. Diecisiete contradiciones y el fin del capitalismo. Equador: Editorial IAEN, 2014.
_____. O novo imperialismo. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema IBGE de Recuperação Automática. Disponível em: < http://www.sidra.ibge.gov.br >. Acesso em: 05 maio 2014.
IBGE. Censo Agropecuário 2006: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de
Janeiro: IBGE, 2009a.
IBGE. Censo da Agricultura Familiar 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2009b.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: Segurança Alimentar 2004. Rio de
Janeiro: IBGE, 2006.
MANIGLIA, E. As interfaces do direito agrário e dos direitos humanos e a segurança
alimentar. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009.
MAPA. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Plano agrícola e pecuário
2015/2016. Brasil: MAPA, 2015.
MARÉS, C.F. A função social da terra. Porto Alegre: Safe, 2003.
MARTINS, J.S. O poder do atraso. São Paulo: Hucitec, 1994.
______. Os camponeses e a política no Brasil. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.
MAZOYER, M.; ROUDART, L. História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise contemporânea. São Paulo: UNESP, 2010.
MDA. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Plano safra agricultura familiar. Brasília:
MDA, 205.
NAVARRO, Z. A agricultura familiar no Brasil: entre a política e as transformações da vida econômica. In: GASQUES, J.G.; VIEIRA FILHO, J.E.R.; NAVARRO, Z. (Orgs.) A agricultura brasileira:
desempenho, desafios e perspectivas. Brasília: Ipea, 2010. p. 185-209.
342
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
NERA. Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. DATALUTA: Banco de
dados da luta pela terra: relatório Brasil 2013. Presidente Prudente: UNESP, 2014.
OLIVEIRA, A.U. A longa marcha do campesinato no Brasil: movimentos sociais, conflitos e
reforma agrária. Estudos Avançados, São Paulo, v. 15, n. 43, p. 185-206, 2001.
______. Agricultura e indústria no Brasil. Campo-Território, Uberlândia, v. 5, n.10, p. 5-64,
ago. 2010.
______. Barbárie e Modernidade: as transformações no campo e o agronegócio no Brasil.
Terra Livre, São Paulo, 21, 113-156, jul./dez. 2003.
PAULINO, E.T. A mudança do Código Florestal Brasileiro: em jogo a função social da propriedade. Campo Território, v. 7, n. 13, p. 40–64, 2012.
______. Estratégias territoriais rentistas e contra reforma agrária no Brasil. In: HARACENKO,
A.A.S. et al. Geografia: temas e reflexões. Maringá: Eduem, 2015. p. 187-214.
PEC 215/2000. Proposta de Emenda Constitucional. Acrescenta o inciso XVIII ao art. 49;
modifica o § 4º e acrescenta o § 8º ambos no art. 231, da Constituição Federal. Inclui dentre
as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas;
estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por
lei. (Em tramitação).
PORTO GONÇALVES, C.W. A ecologia política na América Latina: reapropriação social da natureza e reinvenção dos territórios. INTERthesis, Florianópolis, v.9, n.1, p.16-50, Jan./Jul. 2012.
RACINE, J. B; RAFFESTIN, C;.RUFFY, V. Escala e ação: contribuições para uma interpretação do
mecanismo de escala na prática da Geografia. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro,
n. 44, p.123-135, jan./mar. 1983.
SHANIN, T. Questões camponesas. In: Paulino, E.T; Fabrini, J.E. Campesinato e territórios
em disputa. São Paulo: Expressão Popular, 2008. p. 27–47.
TENDLER, S.; TENDLER, A.R. Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado
de cá. Caliban Produções Cinematográficas, documentário, 89 minutos, 2006.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A pertinência da reforma agrária como estratégia territorial contra hegemônica em tempos...
Eliane Tomiasi Paulino
343
Desenvolvimento territorial:
conceitos e teorias
TERRITORIAL DEVELOPMENT: CONCEPTS AND THEORIES
Elienai Constantino Gonçalves
FCT/ Unesp
[email protected]
Resumo:Este trabalho tem como objetivo apresentar alguns resultados dos nossos esforços
para a definição dos conceitos de território, desenvolvimento e desenvolvimento territorial.
Esses conceitos nos servem como base conceitual, teórica e metodológica na construção do
zoneamento territorial para a cana-de-açúcar no Estado de São Paulo (ZTC). O conceito de
desenvolvimento territorial é dotado de uma complexidade que nos permite apreender sobre
os processos sócio espaciais do desenvolvimento capitalista. Os elementos constituintes do
conceito de território como a multidimensionalidade, multiterritorialidade, suas dimensões
materiais e imateriais, conflitualidade, sobretudo as relações de poder exercidas pelos
sujeitos territoriais, que definem e delimitam o espaço e o transforma em território com suas
respectivas territorialidades, são de suma importância para a elaboração de planejamentos que
visam o pleno desenvolvimento e não somente o crescimento econômico ou setorial. Por fim
entendemos que o desenvolvimento pode ser entendido e ser buscado por diversos vieses,
no entanto no atual estágio do desenvolvimento capitalista o viés territorial do planejamento
e do desenvolvimento é o que nos parece o mais adequado, pois leva em consideração as
especificidades locais, principalmente as relações de poder e demandas dos sujeitos territoriais.
Palavras-chaves: Território, Desenvolvimento, Desenvolvimento Territorial, Conflitualidade,
Disputa Territorial
Resumen: Este trabajo tiene como objetivo exponer algunos resultados de nuestros esfuerzos
para definir los conceptos de territorio, desarrollo y desarrollo territorial. Estos conceptos sirven
de base conceptual, teórico y metodológico en la construcción de “Zoneamento Territorial
para a cana-de-açúcar” no Estado de São Paulo (ZTC). El concepto de desarrollo territorial está
equipado con una complejidad que nos permite aprender sobre el procesos socio espacial del
desarrollo capitalista. Los detalles del concepto de territorio como la multidimensionalidad,
multiterritorialidade, su material y las dimensiones inmateriales, los conflictos, especialmente
las relaciones de poder ejercido por los sujetos territoriales que definen y delimitan el espacio
y lo convierte en el territorio con su territorialidad, son de suma importancia para el desarrollo
de los planes dirigidos al desarrollo integral y el crecimiento no sólo económica o sectorial.
Finalmente entendemos que el desarrollo puede ser entendido y ser buscado por diversos
sesgos, sin embargo en esta etapa del desarrollo capitalista sesgo planificación y desarrollo
territorial es lo que parece el más adecuado, ya que tiene en cuenta las especificidades locales,
especialmente las relaciones de poder y las demandas de los sujetos territoriales.
Palabras-clave: Territorio, Desarrollo, Desarrollo Territorial, Conflicto, Disputa Territorial
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
Desenvolvimento territorial: conceitos e teorias
O agravamento da degradação ambiental e o aumento das desigualdades
socioespaciais inerentes ao modo capitalista de produção têm impactado os mais
remotos locais do planeta. Esse atual estágio do desenvolvimento capitalista
vem suscitando cada vez mais discussões referentes ao desenvolvimento, suas
possibilidades, seus limites e a atuação dos sujeitos territoriais nesse processo.
Essa discussão é realizada por diversas categorias da sociedade em diferentes
escalas como, por exemplo, a comunidade científica, política, movimentos sociais
e movimentos ambientalistas que atuam desde a escala local à global.
Essas discussões têm utilizado com maior frequência um conceito bastante
importante para a geografia que é o: território. Acreditamos que o conceito de
território é dotado de elementos que nos permitem apreender a complexidade
do processo sócio espacial do desenvolvimento. Por essa razão que o conceito
de desenvolvimento territorial está sendo cada vez mais utilizado no âmbito da
geografia, de outras áreas das ciências humanas, bem como da iniciativa pública. A
sua conceituação é o objetivo deste trabalho.
Neste artigo apresentamos nosso entendimento sobre os conceitos de
desenvolvimento, território e por fim desenvolvimento territorial. Realizamos esse
trabalho com base em um levantamento bibliográfico e discussões realizadas no
Núcleo de Estudos Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – NERA; e no Instituto
Federal de São Paulo – IFSP, campus São Paulo.
O entendimento e delimitação desses conceitos e teorias nos são importantes,
pois nos serviram como base teórica, metodológica e instrumental na elaboração
do projeto do Zoneamento Territorial Para a Cana-de-Açúcar – ZTC que é um
zoneamento crítico, espécie de contra-zoneamento, aos zoneamentos oficiais
elaborados pelo governo federal e estadual (Zoneamento Agroecológico para a
Cana-de-Açúcar – ZAE e o Zoneamento Agroambiental para o Setor Sucroalcooleiro
– ZAA), diferentemente dos zoneamentos oficiais que se pautaram no conceito de
desenvolvimento sustentável, o ZTC está sendo construído tendo como estrutura
conceitual e teórica o desenvolvimento territorial.
O conceito de território
Para o entendimento do conceito de território partimos da definição cunhada
por Marcelo Lopes de Souza: O território é “[...] um espaço definido e delimitado por
e a partir de relações de poder [...]” (SOUZA, 1995, p. 78).
O território e o espaço são indissociáveis, pois o território é constituído a partir
do espaço e os territórios são condições fundamentais para a criação, recriação ou
até mesmo redefinição dos diferentes espaços. Como definido por Santos (2006) o
espaço é constituído pela relação entre os sistemas de ações e os sistemas de objetos,
346
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
o território também é constituído por esses elementos, no entanto destacam-se as
relações de poder na conceituação dos territórios.
O que define o espaço como território são as relações de poder executada
pelos sujeitos territoriais (GIRARDI, 2008). As relações de poder definem as
territorialidades e essas relações de poder podem ser percebidas por diversas formas:
nós, malhas e redes; como explicitado por Raffestin (1993). Para entendermos o
território têm que se considerar as relações de poder entre os sujeitos territoriais
bem entre esses com a natureza e os objetos territoriais.
A territorialidade é uma característica, mas também um processo de como
se dá a configuração do território e as relações de poder inerentes, que permitem
a existência do território em seu processo de territorialização. Com base em (SACK,
1986; SAQUET e SPOSITO 2008) endentemos a territorialidade como uma estratégia
para controlar o espaço, seus recursos, fenômenos, relações sociais, sobretudo no processo de produção e uso da terra, bem como os significados que se dão aos lugares.
A territorialidade é uma expressão do poder social, conforando o território. este é
entendido como uma área controlada e delimitada por alguma autoridade, resultado de estratégias de influencia social. Há controle social: algumas pessoas atuam
controlando outras. A territorialidade considerada como um componente de poder
significa uma forma de controle do espaço. Para Sack (1986), assim o território contém
demarcações, corresponde a uma área de controle e está diretamento relacionado ao
exercício do poder. (SAQUET; ESPOSITO, 2008. pp. 17)
A seguir destacamos outros elementos importantes para a compreensão do
conceito de território para sua operacionalização nas políticas públicas visando o desenvolvimento territorial sejam provenientes do Estado ou dos movimentos sociais.
O território é multidimensional, ou seja, é constituído pelas relações de
poder que acontecem nas múltiplas dimensões do espaço como, por exemplo, na
dimensão social, política, econômica, cultural, etc. essa característica é fundamental
para diferenciarmos o conceito de desenvolvimento territorial do conceito de
desenvolvimento econômico que só considera o desenvolvimento da dimensão
econômica.
As políticas baseadas no conceito de desenvolvimento local, desenvolvimento
regional ou até mesmo desenvolvimento sustentável também levam em consideração
a múltipla dimensionalidade do território, mas como podemos constatar: as múltiplas
dimensões e as relações de poder não são elementos centrais desses conceitos
como acontece com o conceito de território e com o conceito de desenvolvimento
ao utilizar o complemento territorial.
Outro elemento importante é a característica multiescalar do território. As
ações dos sujeitos territoriais, portanto as relações de poder ao definir ou alterar o
território em uma escala local também altera o território numa escala como regional,
nacional até mesmo mundial. O território contem as características multiescalar e de
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento territorial: conceitos e teorias
Elienai Constantino Gonçalves
347
totalidade do espaço, portanto todas as alterações no território numa escala local
reflete nas demais escalas e pela característica de totalidade cada território contém
elementos que definem o território numa escala global.
Os territórios contem sua dimensão material e imaterial. As duas dimensões
são indissociáveis, pois o território material define o território imaterial e o
território imaterial define e influencia a materialidade do território. (SAQUET, 2007;
FERNANDES, 2008)
A dimensão imaterial é constituída pelos pensamentos, teorias, conceitos,
métodos, metodologias e ideologias. Os territórios imateriais existem, pois as
relações de poder exercidas pelos sujeitos territoriais definem e delimitam esses
espaços imateriais.
São as estratégias utilizadas para a construção/destruição dos territórios.
Assim, o domínio sobre o processo de construção do conhecimento e suas
interpretações formam os territórios imateriais. Os territórios materiais e imateriais
são indissociáveis, assim “a produção material não se realiza por si, mas na relação
direta com a produção imaterial”. A conflitualidade tem que ser levado em
consideração nas análises territoriais, pois é um elemento que compõe as relações
de poder dos sujeitos territoriais, sobretudo entre as classes sociais. De acordo com
Fernandes (2005):
“A conflitualidade é o processo de enfretamento perene que explicita o paradoxo das
contradições e as desigualdades do sistema capitalista, evidenciando a necessidade
do debate permanente, nos planos teóricos e práticos, a respeito do controle político
e de modelos de desenvolvimento” (p. 5).
Sendo assim, podemos entender a conflitualidade como a disputa pela
definição e delimitação dos espaços e territórios (em sua dimensão material e/
ou imaterial, ou seja, a conflitualidade perpassa também pela disputa na criação e
aplicação dos conceitos). A conflitualidade evidencia as diferenças entre os sujeitos
territoriais e seus respectivos territórios. Como exemplo pode-se citar o modelo de
desenvolvimento proposto pelo agronegócio que é diferente do modelo proposto
pelo campesinato. Enquanto o agronegócio busca a expansão dos lucros e a oferta
de commodities, o campesinato se desenvolve através do trabalho familiar, sendo a
produção voltada primeiramente para a subsistência. Enquanto o capital entende o
território pelo viés econômico, o camponês o entende como espaço de reprodução
da sua vida.
Conhecer e entender a conflitualidade são passos essenciais para se pensar o
desenvolvimento territorial. Dessa forma o agronegócio não é visto como totalidade
no campo, considerando-se também a existência de outras formas de vida e
produção, como o campesinato, por exemplo. Leva-se em consideração a múltipla
territorialidade e a coexistência conflituosa de territórios distintos que entram em
disputa na dimensão material quanto imaterial do território. (HAESBAERT, 2006)
348
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Desenvolvimento e desenvolvimento territorial
O desenvolvimento não deve ser confundido como crescimento econômico.
Por muito tempo privilegiarem-se o aumento do Produto Interno Bruto incentivando
o aumento da produtividade e do consumo, tratando essas condições ou acesso a elas
como aumento da qualidade de vida das pessoas, ou seja, levou-se em consideração
apenas a dimensão econômica, e não o desenvolvimento de outras dimensões que
compõe a vida humana, como educação, saúde, lazer, etc.
Para usar a definição de desenvolvimento proposta por Furtado (1973)
lembramos que desenvolvimento das múltiplas dimensões do território perpassa
pelo crescimento econômico, mas somente o crescimento econômico não constitui
o desenvolvimento territorial. (FURTADO, 1973)
Pensar em desenvolvimento é, antes de qualquer coisa, pensar em distribuição
de renda, saúde, educação, meio ambiente, liberdade, lazer, dentre outras variáveis que
podem afetar a qualidade de vida da sociedade. Ou seja, desenvolvimento territorial
é conquista do desenvolvimento das diversas dimensões que constituem o território.
Amartya Sen (2010) conceitua o Desenvolvimento como processo de expansão
das liberdades reais que as pessoas possam usufruir. O autor destaca que condições
de privações em qualquer dimensão da vida das pessoas podem representar falta de
liberdade e a falta de liberdade não permite o estabelecimento do desenvolvimento,
ou seja a liberdade é o objetivo mas também o meio para alcançar o desenvolvimento.
Sen destaca que a carência nas dimensões culturais, sociais e, sobretudo políticas faz
com que o processo de desenvolvimento dos territórios não seja alcançado e quando
essas carências estiverem sanadas o desenvolvimento terá sido alcançado.
Outro viés para o desenvolvimento é o conceito de território. Como evidencia
Saquet; Esposito (2008):
Sucintamente, pensar, discutir e estabelecer ações de desenvolvimento territorial
significa, num primeiro momento, ter uma compreensão renovada e critica do território, da territorialidade e do desenvolvimento. Não basta substituir o conceito de
região pelo de território, como comumente ocorre no brasil. É necessário conhecer,
com clareza suas diferentes abordagens assim como as de territorialidade e desenvolvimento, como orientação inicial para a reunião das pessoas que desejam rearranjar
sua forma de vida. (p. 29)
O conceito de desenvolvimento territorial deve levar em consideração a
realidade de cada território, ou seja, as condições de cada dimensão dos diferentes
territórios: econômicas, políticas, culturais, ambientais, etc.
As políticas de desenvolvimento territorial devem levar em consideração
sobretudo as relações de poder exercidas pelos sujeitos territoriais, devem levar em
consideração as diferentes territorialidades para que seja alcançados os objetivos
do desenvolvimento territorial
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento territorial: conceitos e teorias
Elienai Constantino Gonçalves
349
Considerações preliminares
O conceito de território é dotado de elementos que nos permite explicar os
processos complexos e contraditórios do desenvolvimento capitalista. O conceito
de desenvolvimento e território vem sendo utilizado por diversas áreas da ciência
e iniciativa pública na construção de políticas públicas. No entanto percebe-se que
não há rigor na conceituação e instrumentalização do conceito.
O governo estadual e federal construíram os zoneamentos agroambiental
e agroecológico visando o desenvolvimento sustentável para o setor canavieiro.
Propomos o zoneamento territorial para a cana-de-açúcar (ZTC) no Estado de São
Paulo. Estamos construindo este zoneamento crítico aos zoneamentos oficiais tendo
como objetivo o desenvolvimento territorial.
Este trabalho é uma primeira impressão da ideia e esperamos que com o
debate possamos ampliar nossa leitura e apurar nossa conceituação de território e
desenvolvimento territorial.
Referencias bibliográficas
SOUZA, M. J. L. de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: CASTRO, I. E. de; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R. L. Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2003.
SAQUET, M. A. Abordagens e concepções de território. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
SAQUET, M. A; ESPOSITO, E. S. Território, Territorialidade e Desenvolvimento: Diferentes
Perspectivas no Nível Internacional e no Brasil. In: ALVES, A. D.; CARRIJO, B. R; CANDIOTTO, L.
Z. P. (org). Desenvolvimento Territorial e Agroecologia. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993 [1980].
HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
FERNANDES, B. M. Questão agrária: conflitualidade e desenvolvimento territorial. In: BUAINAIN,
A. M. (org.). Luta pela terra, reforma agrária e gestão de conflitos no Brasil. Campinas:
Unicamp, 2005. Disponivel em: http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/
Apoio_Valeria/Pdf/Bernardo_QA.pdf; acesso 10/06/2015.
FURTADO, C. O Mito do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Círculo do Livro, [19??].
GIRARDI, E. P. Proposição teórico-metodológica de uma Cartografia Geográfica Crítica
e sua aplicação no desenvolvimento do Atlas da Questão Agrária Brasileira. 2008. Tese
(Doutorado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2008a. Disponível em: www.fct.unesp.br/nera/atlas/downloads/
Tese_Eduardo_Girardi.zip; acesso 10/06/2015.
SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
350
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
A natureza enquanto mercadoria:
políticas públicas para
implantação de parques eólicos no
semiárido
NATURE AS MERCHANDISE: PUBLIC POLICY FOR
IMPLEMENTATION OF WIND PARKS IN SEMIARID
Erika Maria de Oliveira
Universidade Federal de Sergipe
[email protected]
Josefa de Lisboa Santos
Universidade Federal de Sergipe
[email protected]
Resumo: Nas últimas décadas os questionamentos sobre o futuro do planeta estão cada
vez mais evidentes. As preocupações com o meio ambiente têm levantado discussões
acerca do uso dos recursos naturais de forma sustentável. Dentro deste mesmo contexto o
desenvolvimento industrial e tecnológico exigiu um aumento da demanda da produção de
energia no mundo, fazendo com que o uso das fontes alternativas de energia para geração
de eletricidade ganhasse prestígio, fundamentalmente pelo discurso de serem consideradas
energias limpas e renováveis. É importante ressaltar que nas últimas décadas o discurso da
crise ambiental e da necessidade de promover o desenvolvimento de forma sustentável vem
se disseminando no mundo, porém, com propostas que analisam apenas a questão ambiental
fora das relações sociais, camuflando a lógica do modo capitalista de produção e a relação
de exploração e sobre-exploração que este estabelece na apropriação da natureza. Nesta
perspectiva, o presente artigo tem como objetivo trazer uma reflexão sobre a política de
implantação de parques eólicos no semiárido do estado da Bahia. Neste ínterim, procuramos
entender a relação sociedade e natureza, como esta última aparece como objeto de trabalho
e fonte de matéria prima para geração de mais valia.
Palavras chave: energia eólica, relação sociedade-natureza, desenvolvimento.
Resumo: In recent decades the questions about the future of the planet are increasingly
evident. Concerns about the environment have raised discussions about the use of natural
resources in a sustainable manner. Within this same context the industrial and technological
development required increased power generation demand in the world, making the use
of alternative energy sources for electricity generation gain prestige, primarily for speech to
be considered clean and renewable energy. It notes that in recent decades the discourse of
environmental crisis and the need to promote development in a sustainable way has spread
in the world, however, with proposals that only analyze the environmental issue out of social
relations, camouflaging the logic of the capitalist mode of production and the relationship
of exploitation and overexploitation that it establishes the appropriation of nature. In this
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
perspective, this article aims to bring a reflection on the policy of setting up wind farms in
the state of Bahia semi-arid. In the meantime, we try to understand the relationship between
society and nature, as the latter appears as a work object and source of raw material to
generate added value.
Keywords: Wind Power, relationship between society-nature, development.
Introdução
Nas últimas décadas os questionamentos sobre o futuro do planeta tornaramse cada vez mais evidentes. As preocupações com o meio ambiente têm levantado
discussões acerca do uso dos recursos naturais de forma sustentável. Dentro desse
contexto o desenvolvimento industrial e tecnológico exigiu um aumento da demanda
da produção de energia no mundo, fazendo com que o uso das fontes alternativas
de energia para geração de eletricidade ganhasse prestígio, fundamentalmente pelo
discurso de serem consideradas energias limpas e renováveis.
Para muitos pesquisadores, o debate da crise ambiental, analisa apenas a
questão fora das relações sociais, fundamentado na mudança do modo de vida das
pessoas, ou seja, a possibilidade de mudança passa a ser dirigida pelo viés de uma
educação ambiental. Debate que camufla a lógica do modo capitalista de produção
e a relação de exploração e sobre-exploração que se estabelece na apropriação da
natureza, estabelecendo-lhe um valor de troca e transformando-a em mercadoria
para geração de lucro.
O desenvolvimento industrial e tecnológico exigiu um aumento da demanda
da produção de energia no mundo. Segundo Rodrigues e Santos (2013) o avanço
técnico-científico a partir das revoluções industriais foi sem dúvida de grande
importância para a história da sociedade. Contudo, os grandes beneficiados desse
processo foram os capitalistas que tem na indústria uma rica fonte de extração da
mais-valia a partir da exploração da força de trabalho e por via da transformação
dos elementos presentes na natureza.
No território brasileiro, diversas políticas foram implantadas para atender
a demanda de energia. Investimentos em exploração do petróleo, construção de
hidroelétricas, e recentemente o uso de fontes energéticas renováveis, foram as
principais alternativas desenvolvidas pelo governo brasileiro para dar suporte as
suas atividades industriais.
Nos últimos anos, a região Nordeste vem aumentando sua participação na
produção de energia eólica. Em 2010, o governo da Bahia anunciou a construção de
parques de energia eólica no interior do estado, especificamente, nos municípios de
Casa Nova, Sento Sé e Sobradinho. Dessa forma, inserida no contexto destas novas
políticas energéticas, a Bahia irá despontar como o segundo maior estado a produzir
energia eólica no Brasil, ficando atrás apenas do Rio Grande do Norte.
352
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Apesar de ser reconhecida como uma energia limpa, o modo como este setor
se desenvolve tem intensificado rebatimentos sócioespaciais nas comunidades locais
onde estão se instalando. Nesses municípios, as populações passaram a conviver de
um dia para outro com um canteiro de obras por toda a cidade, muitos deles sendo
construídos nos quintais das casas, e não tendo certeza alguma dos benefícios que
esses empreendimentos os trarão.
Neste espaço, as territorialidades encontram-se em processo de construção
porque estão conjugadas pelo capitalismo que desterritorializa e cria novas relações,
gerando novas territorialidades.
Para Santos (1994) os novos arranjos territoriais se articulam com a escala
internacional e se organizam a partir de imposições de caráter ideológico e de
mercado, em virtude desta territorialização e monopolização que o capital impõe
aos espaços. O espaço, nesse cenário ganha novo valor.
Contudo, nos municípios sertanejos em questão, são inúmeros os movimentos
sociais que reclamam por terras, água, incentivos governamentais, condições dignas
de trabalho e mais garantia de políticas públicas sociais, fatos que desafiam o movimento paradoxal de desenvolvimento e fartura anunciada frequentemente nesse
que se configura, atualmente, como espaço-objeto dos comandos hegemônicos dos
grupos empresariais nacionais e transnacionais (Barros e Sá 2007).
O Estado deixa, quase que, evidente seu papel e interesse na implantação de
parques eólicos: o de favorecer empresas nacionais e multinacionais, fortalecendo
os grupos hegemônicos dentro da sociedade com o discurso de inclusão social
e da preservação ambiental. Este discurso evidencia o caráter estratégico por
parte daqueles que detêm o poder de controle sobre a economia desse território
favorecendo a consolidação de redes empresariais e gerando um grande debate a
favor dessa política.
Diante desse contexto, de novas configurações territoriais é importante
analisar a expansão da atividade energética brasileira, buscando entender as
transformações do espaço em face ao momento histórico da inserção de novas
fontes energéticas no contexto das novas relações de produção, trazendo uma
reflexão sobre a política de implantação de parques eólicos, para entender a relação
sociedade natureza, como esta última aparece como objeto de trabalho e fonte de
matéria prima para geração de mais valia.
Desenvolvimento
Os municípios de Casa Nova, Sento Sé e Sobradinho ficam localizados no
Nordeste brasileiro, ao norte do estado da Bahia, em uma região onde predomina o
clima semiárido, caracterizado pela baixa umidade do ar, pouco volume pluviométrico
e frequentes secas.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A natureza enquanto mercadoria: políticas públicas para implantação de parques eólicos no semiárido
Erika Maria de Oliveira | Josefa de Lisboa Santos
353
Os altos índices de pobreza e desigualdades sociais também são características
marcantes encontradas no Nordeste, que são frequentemente associados à paisagem
física do lugar. Essa narrativa discursiva penetrou revelando-se um paradigma.
Esse tratamento determinista acarretou para o Nordeste o fardo de região
problema se tornando ponto de partida para formulação de várias políticas públicas
para essa região. Políticas que trazem em suas pautas medidas paliativas e ações
emergenciais.
A natureza física dos municípios estudados tem sido a justificativa, ao longo
de muitas décadas, para inserção de políticas públicas. A apropriação do lugar para
implementação de empreendimentos faz dele território dando a ele novas leituras.
O processo de modernização da agricultura no semiárido e a criação da Região
Administrativa Integrada de Desenvolvimento do Polo Petrolina e Juazeiro (RIDE)1,
que compõe um conjunto de oito municípios, Petrolina, Lagoa Grande, Orocó e
Santa Maria, no estado de Pernambuco e Juazeiro, Curaçá, Sobradinho e Casa Nova
no estado da Bahia, todos localizados no curso médio do vale do rio São Francisco,
é uma das representações da territorialidade da ação estatal.
Formada em 2001, ela reúne o conjunto de ações voltadas para a fruticultura,
como expressão da expansão do capitalismo no campo, sob a égide do discurso da
modernização, em substituição ao atraso histórico do Nordeste brasileiro.
Com o “discurso que buscava legitimar a superposição do moderno sobre o
arcaico, não os considerando como unidade, e sim, pela necessidade de incorporação
do novo apropriando-se e modificando o velho da sua forma pré-existente,
sujeitando-o às suas determinações” (Lisboa, 2007. p. 88).
Como se fosse certo consenso, um tema comum para todas as obras e feitorias,
que se materializou nesse período, tinha o planejamento que se dirigir para áreas
tidas, como pobres, desérticas, vazias ou onde, supostamente, não houvesse processo
algum para interromper, vida alguma para se preocupar, narrativa alguma para
respeitar. Como se tudo começasse com a chegada do novo (GERMANI, 1993, p. 557).
Nesta perspectiva as discursões acerca das diferenças entre nações não
assumem as desigualdades econômicas e sociais como consequência das relações
de dominação estabelecidas historicamente pelo desenvolvimento do capitalismo,
ou seja, “a situação de pobreza das nações não pode ser interpretada como uma
1 Com o objetivo de articular e harmonizar as ações administrativas da União, dos Estados e dos Municípios
para a promoção de projetos que visem à dinamização econômica de territórios de baixo desenvolvimento
e assim, acabam conseguindo prioridade no recebimento de recursos públicos destinados à promoção de
iniciativas e investimentos que reduzam as desigualdades sociais e estejam de acordo com o interesse local
consensuado entre os entes participantes; esse consenso é fundamental, pois a criação de uma RIDE envolve
a negociação prévia entre os estados envolvidos sobre questões como os limites e municípios da região, os
instrumentos necessários, os objetivos e a adequação às necessidades específicas de gestão. Para o Ministério
da Integração Nacional os recursos públicos destinados as RIDEs visam promover o desenvolvimento global.
354
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
etapa a ser superada, mas como resultado das contradições inerentes ao modo de
acumulação” (LISBOA, 2007, p.57).
De acordo com as abordagens de Neil Smith (1988), o desenvolvimento
desigual é a marca registrada do capitalismo, ele é antes estrutural que estatístico.
Os padrões geográficos resultantes são completamente determinados e são, assim,
peculiares ao capitalismo. O desenvolvimento desigual é a expressão geográfica
sistemática das contradições inerentes à própria construção e estrutura do capital.
Nesse sentido, a lógica da modernização e do desenvolvimento tende a
se apropriar dos espaços. E as políticas de Estado que noticiam o avanço para o
desenvolvimento, devem ser consideradas como um conjunto de atuações que
modificam o espaço e demuda as relações sociais.
Atualmente, os municípios de Casa Nova, Sento Sé e Sobradinho, se veem
novamente em meio a uma política voltada para a produção de energia2, porém,
nesse caso, a energia eólica. Esses, que mal se adaptaram nas novas condições de
vida em localidades distantes de sua realidade se veem novamente impactados por
um novo projeto.
Nesse momento o debate sobre a busca de energias alternativas ganha
notoriedade e é produto do esgotamento das fontes energéticas tradicionais, como
resultado da Revolução Industrial.
Revolução tal que trouxe profundas mudanças na economia mundial, à
descoberta de novas tecnologias, que dinamizaram o processo produtivo, gerou a
necessidade de aumentar as fontes de matérias-primas, para aumentar a produção,
e assim, subsidiar a nova demanda do mercado. Para tanto, as empresas capitalistas,
na corrida do lucro, buscariam um custo de produção baixo.
O moderno sistema industrial capitalista depende então da maior oferta dos
recursos naturais numa dimensão desconhecida a qualquer outro sistema social na
história da humanidade. As emissões tóxicas nas águas, no ar, nos solos, e, portanto
na biosfera (ALTVATER, 1995). Passaram a denunciar esse quadro de dominação
lucrativa da natureza.
Nesse período, as discursões acerca das questões ambientais, ainda não tinham
ganhado tanta relevância. Isso vai acontecer a partir da década de 1960, com a crise
mundial do petróleo, principal fonte de produção de energia não renovável, em que o
abastecimento da matéria-prima para produção de energia nos países industrializados
2 A década de 1970 marcou profundamente esses municípios. As obras da hidrelétrica de Sobradinho, operacionadas pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), foram iniciadas em 1973 e concluídas em
1977, essa obra seria construída para regularização do fornecimento de água para a usina hidrelétrica de Paulo
Afonso. O lago que seria formado em consequência da barragem cobriria uma área de 4.214 Km², teria uma
largura de 40 Km, sua profundidade atingiria mais de 100 metros e seu cumprimento alcançaria 350 Km (GONÇALVES, 1997). As cidades de Sento Sé, Casa Nova, Pilão Arcado e Remanso foram inundadas. A construção
da barragem de Sobradinho formou o maior lago artificial do mundo, desalojando cerca de 70 mil pessoas.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A natureza enquanto mercadoria: políticas públicas para implantação de parques eólicos no semiárido
Erika Maria de Oliveira | Josefa de Lisboa Santos
355
ficou comprometido. A expansão do seu uso se deu, principalmente, devido os modos
de produção em série e de consumo, estabelecidos efetivamente durante a Revolução
Industrial. Apontando para o uso crescente de energias renováveis.
Assim, os anos recentes, pós-globalização neoliberal, quer dizer, as quatro
últimas décadas do século XX, diferem dos outros períodos que o antecederam
pela especificidade do desafio ambiental que lhe acompanha e que o constituem.
Afinal, até os anos de 1960, a dominação da natureza não era uma questão e sim
uma solução para o desenvolvimento (PORTO-GONÇALVES, 2013).
A partir desse período, a questão ambiental entra em evidência. Os países que
sempre se beneficiaram da divisão assimétrica da riqueza, passaram a se perguntar: de
que maneira é possível continuar com a exploração de matérias-primas e permanecer
produzindo mercadorias e a maximização do lucro? De outro lado, emergiram
movimentos ambientalistas que questionavam a forma de produção da riqueza.
Do esgotamento da natureza como recurso à mudança de orientação da
produção de energia
Para existir, os homens, necessariamente precisam transformar de forma
constante a natureza. Para Marx, essa é a base ineliminável do mundo dos homens. Sem
transformar a natureza a reprodução da sociedade não seria possível. Essa dependência
da sociedade para com a natureza, contudo, não significa que o mundo dos homens
esteja submetido às mesmas leis e processos do mundo natural (LESSA e TONET, 2011).
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza,
processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla
seu intercambio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de
suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo – braços e pernas,
cabeça e mãos -, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes
forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a,
ao mesmo tempo modifica sua própria natureza (MARX, 2013, p. 211).
O trabalho se configura como a diferença do mundo dos homens para com a
natureza. Por meio dele o ser humano torna-se um ser social, com leis completamente
distintas das que regem a natureza, suas leis desenvolvem-se historicamente.
De acordo com Marx,
Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir
sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura
na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do
trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material
o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do
seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade (MARX, 2013, p. 211).
356
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Dessa forma, o processo de transformação da natureza entre os homens se
difere em muito do processo de transformação natural. Isso porque as ações humanas
sempre serão cogitadas na sua consciência antes de serem postas em prática e
modificadas ao longo do tempo histórico, sendo elas fundamentais para o seu
desenvolvimento. Já a transformação da natureza realizada por “abelhas e aranhas”
acontece de forma inata, ou seja, são inerentes a esses insetos, não servindo de
fundamento para o desenvolvimento dos mesmos, e não modificando-se ao longo
do tempo, ocorrendo da mesma forma a séculos.
Neste caso, de acordo com Morrone e Machado (2010), a natureza é vista como
a essência da produção, que é modificada pelo ser humano para o seu beneficio, ou
seja, para manter e melhorar suas condições de vida. Porém, na medida em que os
humanos aumentam seu domínio sobre a natureza, ampliam seu distanciamento
em relação a ela.
Essa separação3 entre o homem e a natureza, ao longo da história, produziu
novas técnicas de produção de riqueza, e de utilização dos recursos da natureza. No
entanto, os produtos dessa riqueza foram apropriados por uma minoria de pessoas.
Para Porto-Gonçalves (2013, p. 289),
É na medida em que se firma essa base, em que homens e mulheres estejam separados
(expropriados) das condições naturais essenciais para sua reprodução, que tornará
cada qual vendedor de sua capacidade de trabalho e comprador de mercadorias. A
natureza, tornada propriedade, será objeto de compra e venda, e, assim, por todo
lado, temos mercantilização.
Tratada como um meio de produzir e obter lucros, a natureza tem sido
apropriada pelo capital de forma perversa e inconsequente. O modo de produção
do capitalismo, que perpetua o consumo em massa e a contínua produção industrial,
caminha a cada dia para um mundo insustentável.
Para Neil Smith (1988, p. 88), dentro do processo de acumulação, o sistema
capitalista como um modo produção deve se expandir ininterruptamente para se
manter vivo. Para tanto, ele deve buscar os recursos materiais, nesse propósito, a
natureza é tida como um meio universal de produção “de modo que ela não somente
provê o sujeito, o objeto e os instrumentos de produção, mas ela é em sua totalidade
um acessório para o processo de produção”.
No olhar de Denise Elias, a ciência, a tecnologia e a informação se constituíram
nas mais marcantes forças produtivas, o homem passa a ter o poder de induzir os
progressos imprimindo intensa velocidade de renovação, passando a ter grande
poder de interferência na natureza. Essas possibilidades modificaram radicalmente
a relação homem-natureza. Desse modo, o homem enquanto agente modificador
3 Refere-se ao momento em que o homem passa a não se sentir parte da natureza orgânica.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A natureza enquanto mercadoria: políticas públicas para implantação de parques eólicos no semiárido
Erika Maria de Oliveira | Josefa de Lisboa Santos
357
do espaço geográfico, “que já foi mero observador” (ELIAS, 2006) transforma-se em
um agente com grande capacidade de interferência na natureza.
O homem sempre interferiu na natureza, porém, após a Revolução Industrial
essa interferência adquiriu formas bem mais sofisticadas, o que permitiu uma melhor
e maior produtividade. Característica de um sistema econômico que começava a
adquirir sua forma moderna. Assim, subjugada, a natureza é dominada e explorada.
Foi na Inglaterra, na metade do século XVIII, que começou a Revolução
Industrial. A invenção da máquina a vapor trouxe para a produção uma nova
dinâmica, e nas relações do homem com a natureza terá início uma grande
mudança, inicia-se um processo contínuo de produção em massa, geração de lucro
e acumulação de capital.
Na análise de Porto-Gonçalves (2013), com a invenção da máquina a
vapor, a natureza das conquistas territoriais e a acumulação de capital ganharão
as características do processo de globalização e entrará em uma nova fase. “Uma
nova revolução nas relações do homem com a natureza terá início, com enormes
consequências para o devir da humanidade e do planeta” (2013, p. 26).
Nesse caminhar, as distâncias começavam a ser superadas e a “globalização
da natureza”, bem como, a globalização da sua exploração, ganha maior significado,
tornando-se essencial para a produção do lucro e para o processo de acumulação
de capital.
Com as tecnologias desenvolvidas durante a Revolução Industrial, a economia
mundial vivenciou grandes mudanças no século XIX e começo do século XX.
Para atender a demanda da produção e do consumo, se impõe no mundo uma
política de expansão territorial, econômica e cultural de uma nação sobre a outra;
o imperialismo. Nesse sentido, começam a se formar na Europa os grandes grupos
empresariais.
De acordo com a leitura de Porto-Gonçalves, “à medida que grandes grupos
empresariais começam a se formar na Europa, e depois nos Estados Unidos e no Japão,
e a oligopolizar os mercados, estão dadas as condições político-econômicas – de
poder econômico – para empreender a fase imperialista da globalização” (2013, p. 31).
Com o aumento crescente do comércio local e especialmente do comércio
internacional, a natureza é submetida a uma lógica mercantil, que busca
incessantemente o lucro e ganhos matérias em tudo àquilo que produz. Se formava,
assim, a sociedade da produção em massa e do consumo em massa.
A estratégia de criar as necessidades de uso de novos produtos e tornar o
comércio global se efetiva. Tudo em nome da ideologia do progresso. Para Willrich
(1978, p. 32), este foi o mais rápido e prolongado período de expansão econômica da
história, “os produtos do mundo inteiro se tornaram disponíveis aos consumidores,
nos países ricos, e muitos produtos novos foram desenvolvidos por causa do
potencial de lucros previstos no mercado global.
De acordo com as contribuições de Albuquerque,
358
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Durante o período do Imperialismo, a destruição ambiental foi muita intensificada,
devido à ampliação e à corrida por zonas de influência. O Imperialismo é um dos
exemplos mais claros da relação entre o capitalismo e a crise sócio-ambiental, uma vez
que os países imperialistas, buscando o domínio no cenário internacional, exploram
ao máximo os elementos naturais dos países os quais exerciam influência, destruindo
florestas, poluindo rios, levando espécies à extinção, etc. (2007, p. 54).
Nesse ritmo, tanto pelo lado da oferta, dos bens de consumo, como pelo
lado da demanda, dos recursos naturais, assim pela desigualdade de distribuição de
riqueza, o modelo do capitalismo imperialista não consegue mais se sustentar ética
e moralmente. A poluição e o esgotamento dos recursos naturais passam a serem
temas de interesse, inclusive, de grupos empresariais (PORTO-GONÇALVES, 1989).
Nesse sentido, a dinâmica da sociedade capitalista já mostrava sua
insustentabilidade ambiental e política.
Somente na segunda metade do século XX, o discurso de crise ambiental
e da necessidade de promover o desenvolvimento de forma sustentável vem se
disseminando no mundo. As décadas que seguem à Segunda Guerra Mundial
foram marcadas por discussões acerca do modelo de desenvolvimento econômico,
predominante desde a Revolução Industrial. Segundo Harvey (2004, p. 96) “o
rápido aumento populacional, a escalada da poluição e da geração de resíduos, a
degradação ambiental [...] criara, toda uma serie de preocupações globais”.
Com o avanço do capitalismo e o despertar da consciência para o esgotamento
dos recursos naturais, cria-se, então, a necessidade de conservação e preservação4
da natureza. Dessa forma, uma consciência ambiental passa a ser disseminada em
todo o mundo. Porém com discursos que analisam apenas a questão ambiental fora
das relações sociais.
Conceição (2004, p. 83), corrobora com este pensamento ao explicar que,
o direcionamento da responsabilidade da crise ecológica passa a ser orientado na ideia
da possibilidade de solução apenas a partir da educação ambiental. Desta forma é
afastada a leitura das condições entre a expansão do desenvolvimento econômico e os
limites dos recursos da natureza, permanecendo intocável a essência da dimensão da
estrutura socioeconômica do modo de produção capitalista, definida no intercâmbio
metabólico com a natureza, riqueza e propriedade.
4 Criada pelo engenheiro florestal, Gilfford Pinchot, e agindo dentro de um contexto de transformação da
natureza em mercadoria, a teoria do conservasionismo apregoava o uso racional e conservação dos recursos
da natureza. Para Pinchot, a conservação deveria se basear em três princípios: o uso dos recursos naturais
pela geração presente; a prevenção do desperdício; e o desenvolvimento dos recursos naturais para muitos
e não para poucos cidadãos. Já a corrente do preservacionismos, criado por John Muir, pode ser descrita
como a reverência à natureza no sentido da apreciação estética e espiritual da vida selvagem e pretendia
também proteger a natureza contra o desenvolvimento moderno, industrial e urbano. De acordo com Diegues (1994, p. 24-25), essas ideias foram precursoras do que hoje se chama de “desenvolvimento sustentável”.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A natureza enquanto mercadoria: políticas públicas para implantação de parques eólicos no semiárido
Erika Maria de Oliveira | Josefa de Lisboa Santos
359
Nesse sentido, o discurso de sustentabilidade é lançado fundamentado na
mudança do modo de vida das pessoas, camuflando a lógica do modo capitalista
de produção e a real relação que este estabelece na apropriação da natureza.
A concepção de Desenvolvimento Sustentável surge em 1987, quando a
ONU publica o Relatório Brundtland, intitulado, também de Nosso Futuro Comum,
em que chamava a atenção para os modos de desenvolvimento.
O relatório foi apresentado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente
e Desenvolvimento, sendo definido como aquele que atende às necessidades do
presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de atenderem
às suas próprias necessidades. Ainda segundo o relatório,
o Desenvolvimento Sustentável deve contribuir para retomar o crescimento como
condição necessária para: erradicar a pobreza; mudar a qualidade do crescimento
pra torna-lo mais justo, equitativo e menos intensivo no uso de matérias-primas e
de energia; atender as necessidades humanas essenciais de emprego, alimentação,
energia, água e saneamento; manter um nível populacional sustentável; conservar e
melhorar a base de recursos; reorientar a tecnologia e administrar os riscos; e incluir
o meio ambiente e a economia no processo decisório (FERNANDES, 2003, p. 3).
Esse novo modelo de desenvolvimento proposto no relatório, se distancia,
em essência de uma perspectiva crítica ao modelo de produção capitalista e de suas
formas de apropriação da natureza para um novo modelo econômico.
Marcionila Fernandes (2003), em crítica ao conceito de Desenvolvimento
Sustentável, chama a atenção ao afirmar que os aspectos teóricos do conceito
se distanciam de questionamentos dessa natureza, e o fazem não por erro
metodológico, ou fraqueza epistemológica, mas sim, por que as instituições que
dão forma ao movimento ecológico internacional (ONU, Banco Mundial5, FMI,
G-7), não abandonariam seus papéis de mantedoras da ordem social econômica
vigente.
É preciso salientar que, esse modelo de Desenvolvimento Sustentável proposto,
não considera as possibilidades de críticas às formas de apropriação e expropriação
na natureza, que está tácito no modo de produção capitalista. Pelo contrário, ele
evita a construção de críticas ao modelo capitalista e garante a sustentação dos
privilégios dos países ricos no uso demasiado dos recursos naturais. Nessa perspectiva,
“a questão ecológica invade a vida cotidiana produzindo uma nova necessidade na
base da sociedade de consumo. A formação e disseminação da consciência ecológica
induz um gosto e uma preferência de consumo” (SANTANA, 1999, p. 181). Assim,
5 De acordo com Porto-Gonçalves (2013), o Banco Mundial foi dos principais alvos da crítica ambientalista
durante os anos 1980 por seu fomento às condições gerais de produção para estimular o des-envolvimento
na África, América Latina e Ásia, particular, por seu estímulo à construção de hidrelétricas e construção de
estradas para a expansão das fronteiras do mercado nos anos 1970 e 1980.
360
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
categorias como ecoturismo, qualidade de vida, gerações futuras e os selos verdes,
surgem como um ramo econômico, um produto, que tem como anúncio promover
o desenvolvimento sustentável, ecológico, em favor do bem da natureza.
Identificadas como responsáveis pelos problemas ambientais, uma série de
medidas é tomada por parte dos grandes grupos empresariais, uma das principais
formas de amenizar as críticas sociais, foi à adesão aos princípios do desenvolvimento
sustentável. Os anos de 1990 foram o auge da adesão das empresas, que passaram
a utilizar o slogan da empresa verde.
Proteger o “meio ambiente deixou, então, de ser apenas assunto de
ecologistas e passou a ter influências nas estratégias empresariais. O objetivo é
explorar as oportunidades geradas pelo “ecobusiness”, agregando valor comercial
ao produto” (Dupas, 2006, p. 250).
Como observa Marcionila Fernandes (2003) o conceito e discurso do
Desenvolvimento Sustentável é uma das mais severas formas de dominação dos
povos, por meio da apropriação dos recursos naturais, sejam eles renováveis ou não.
E que a acumulação e reprodução do sistema capitalista em nada foi alterada com
a necessidade da crise ecológica.
As direções que assumem as discursões de desenvolvimento sustentável
impossibilita a percepção das contradições do desenvolvimento no/do capitalismo,
como bem explica Alexandrina Luz Conceição,
O centro da discussão passa a ser direcionado contra o modo de produção e de vida
dos homens, que são considerados como responsáveis indicando a necessidade de
encontrar a relação homem versus natureza, através de ações práticas articuladas ao
processo ecológico, tecnológico e cultural, conforme os estilos de vida, a partir das
potencialidades ecológicas locais pela crise do meio ambiente [...] O direcionamento
da responsabilidade da crise ecológica [...] é afastada da leitura das contradições entre
a expansão do desenvolvimento econômico e os limites dos recursos da natureza,
permanecendo intocável a essência da dimensão da estrutura sócio-econômica do
modo de produção capitalista, definida no intercambio metabólico com a natureza,
riqueza e propriedade (2004, p. 83).
A propaganda de “vender o verde”, no momento de “crise ambiental”, parece,
a primeira vista, ter privilegiado a natureza, no entanto, o que ocorre é o simulacro
das ações e informações. Nesse sentido, o econômico em detrimento do social,
continua dominando a sociedade (SANTANA 1999).
Nessa perspectiva, a crise ambiental, disseminada globalmente, tem seu
caráter duvidoso por que não é sentida igualmente por todos, tendo em vista que
determinados grupos sociais permanecem se apropriando e usufruindo da riqueza
extraída da exploração da natureza, enquanto concomitantemente, a outra metade
vive da pobreza. É inegável que o sistema capitalista se apropriou do discurso
ambiental para produzir mercadorias e reproduzir suas relações de mercado.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A natureza enquanto mercadoria: políticas públicas para implantação de parques eólicos no semiárido
Erika Maria de Oliveira | Josefa de Lisboa Santos
361
A necessidade da produção de energias renováveis
A necessidade da produção de energia renovável surge efetivamente a
partir dos anos de 1970, o uso demasiado das fontes energéticas, principalmente o
petróleo, fonte não renovável, revelou seus limites através de uma crise, que, além
de ambiental, era, sobretudo, econômica.
Nesse sentido, após a crise do petróleo e dentro da atual crise ambiental, o
tema da produção de novas energias ganha espaço. O assunto tem sido discutido
nas conferências ambientais e por muitas nações, o que vem suscitando propostas a
cerca da mudança da matriz energética de vários países. Assim, as fontes renováveis
ou as energias limpas ganham espaço, tais como, a energia eólica, a biomassa, a
energia solar, e as pequenas centrais de hidrelétricas (PCH).
Nesse contexto, as energias renováveis aparecem como alternativa para reduzir os
efeitos dessa crise. Entretanto, é extremamente difícil prever-se que essas fontes
possam ser capazes de substituir a energia fóssil em futuro próximo. A esse respeito,
as perspectivas estão longe de animadoras. As previsões para 2030 apontam para um
cenário tendencial em que o petróleo manterá uma participação de 35% da oferta
mundial (BERMANN, 2008, p. 20).
De acordo com Bermann (2008), cerca de oitenta porcento da a atual oferta
energética mundial, aferida em 11.435 milhões de toneladas equivalentes de
petróleo, é baseada em combustíveis fósseis, sendo que os problemas ambientais
decorrentes das emissões de gases poluentes apontam para uma crise ambiental
em escala planetária e sem precedentes.
O debate contínuo, “sobre os impactos causados pela dependência de
combustíveis fósseis, contribui decisivamente para o interesse mundial por soluções
sustentáveis por meio de geração de energia oriunda de fontes limpas e renováveis,
e ambientalmente corretas” (BERMANN, 2001, p. 25).
Durante a conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio 92, os chefes de Estados presentes definiram o conceito e os
princípios do desenvolvimento sustentável6.
Dentro do conceito de desenvolvimento sustentável forma estabelecidos
três pilares essências que são: promover o desenvolvimento econômico, a equidade
social e a proteção ambiental.
De acordo com os estudos realizados pelo Conselho de Altos Estudos e
Avaliação Tecnológica (2012), verifica-se que é a partir desses pilares, que se tem
6 No relatório “Nosso Futuro Comum” publicado em 1987 e aceito pela Assembleia Geral da ONU deu ao
termo o conceito do “desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.
362
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
a obtenção do desenvolvimento sustentável, tornando-se essencial a utilização de
fontes renováveis de energia, uma vez que as fontes fósseis não possuem os requisitos
necessários para se enquadrarem nessa definição.
As fontes renováveis podem contribuir para o desenvolvimento social e econômico,
acesso à energia, segurança energética, mitigação das mudanças climáticas e redução
de problemas ambientais e de saúde causados pela poluição do ar, alcançando, assim,
todas as dimensões do desenvolvimento sustentável (ibid. p. 23).
Além disso, “os índices e desenvolvimento humano estão diretamente
correlacionados ao consumo per capita de energia. O acesso a fontes energéticas de
qualidade e confiáveis é essencial para a redução da pobreza e elevação dos níveis
de bem-estar” (ONU, 2011. In. Ibid.).
No entanto, é preciso se atentar as formas de como tais propostas estão se
materializando nos espaços, e como estas promovem mudanças nas estruturas
econômicas, sociais e ambientais, e até que ponto essas energias são consideradas
limpas por reduzirem a emissão de gazes do efeito estufa na atmosfera.
Considerações finais
Mediante as observações realizadas até o presente, verificou-se que a
implantação de parques eólicos no semiárido nordestino deixa evidente seu papel
e interesse: o de favorecer empresas nacionais e multinacionais, fortalecendo os
grupos hegemônicos dentro da sociedade com o discurso de inclusão social, geração
de empregos e da preservação ambiental.
Este discurso evidencia o caráter estratégico por parte daqueles que detêm
o poder de controle sobre a economia desse território favorecendo a consolidação
de redes empresariais e gerando um grande debate a favor dessa política.
É sustentado nesta ideologia que o Estado consolida sua atual política energética com a implantação de parques eólicos no Nordeste, enfatizando ser ela uma
fonte energética renovável, limpa, de baixo custo, voltada para a comunidade local.
Apesar de ser reconhecida como uma energia limpa, o modo como este setor
se desenvolve tem intensificado as desigualdades sócioespaciais nas comunidades
locais onde estão se instalando, pois a melhoria na condição de vida das comunidades
locais só poderá ser alcançado se as suas necessidades e expectativas, externalizadas pelas representações desses atores sociais, como atores produtores do espaço,
forem consideradas no âmbito do projeto de desenvolvimento construído a partir
desses sujeitos e não sobre esses.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
A natureza enquanto mercadoria: políticas públicas para implantação de parques eólicos no semiárido
Erika Maria de Oliveira | Josefa de Lisboa Santos
363
Referências
ALBUQUERQUE, Bruno Pinto de. As relações entre o homem e a natureza e a crise sócio-ambiental. Rio de Janeiro, RJ. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), 2007.
ALTVATER, Elmar. O preço da riqueza. São Paulo, Editora Unesp, 1995.
BERMANN, Célio. Crise ambiental e as energias renováveis. Cienc. Cult. [onlline]. 2008. Disponível em <http://www.iee.usp.br/biblioteca/producao/2008> Acessa do em março de 2015.
CONCEIÇÃO, Alexandrina Luz. A Insustentabilidade do desenvolvimento sustentável. In:
Revista Eisforia Florianópolis, v.2, n.2, p.79-154, Jul./dez.2004.
DUPAS, Gilberto. O mito do progresso. São Paulo. Ed. UNESP, 2006.
ELIAS, Denise. Agronegócio e desigualdades socioespaciais. In: ELIAS, Denise; PEQUENO,
Renato. (org.). Difusão do agronegócio e novas dinâmicas socioespaciais. Banco do Nordeste
do Brasil, Fortaleza, 2006.
FERNANDES, Marcionila. Desenvolvimento Sustentável – antinomia as de uma conceito. XI Congresso Brasileiro de Sociologia. Unicamp, 2003. Disponível em < file:///C:/Users/%C3%89RIKA/
Downloads/sbs2003_gt18_marcionila_fernandes%20(1).pdf. Acessado em 2015.
GERMANI, Guiomar I. Cuestión Agraria y Assentamiento de Población ent el Área Rural: La
nueva cara de la lucha por la tierra. Bahia, Brasil (1964-1990). Tese de Doutorado em Geografia.
Barcelona: Universidad de Barcelona, 1993.
LESSA, Sergio; TONET, Ivo. Introdução à filosofia de Marx. São Paulo. Expressão Popular. 2.
ed. 2011.
LISBOA, Josefa Santos. A trajetória do discurso do desenvolvimento para o Nordeste:
políticas publicas na (dis)simulação da esperança. Tese doutorado. Aracaju, 2007.
Marx, Karl. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro. ed. 31. Civilização Brasília,
2013.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2013.
RODRIGUES, oliveira Jamile; SANTOS, de Lisboa Josefa. Reflexões sobre o programa nacional
de produção e uso do biodiesel no alto sertão sergipano. Disponível em<http://www4.
fct.unesp.br/ceget/ANAISXII/GT1/COMPLETOSGT1/15%20Jamile2Oliveira%20Rodrigues%20
e%20Josefa%20de%20Lisboa%20Santos.pdf. Acessado em outubro de 2013.
SANTANA, Paola Verri de. A mercadoria verde: a natureza. In. AMÉLIA, Damiani; Carlos, Ana
Fani Alessandri; SEABRA, Odette, Carvalho de Lima (Org.). O espaço no fim do século: a nova
raridade. São Paulo, Contexto, 1999.
SMITH, Neil. Desenvolvimento desigual: Natureza, Capital e a Produção de Espaço. Rio de
Janeiro, Bertrand Brasil, 1988.
WILLRICH, Marson. Energia e política mundial. Rio de Janeiro, Agir, 1978.
364
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Análise dos objetivos estratégicos
do INCRA em seus assentamentos de
reforma agrária em Mato Grosso
ANÁLISIS DE LOS OBJETIVOS ESTRATÉGICOS DE INCRA
EN SUS ASENTAMIENTOS DE LA REFORMA AGRARIA EN
MATO GROSSO
Eva Karoline Baroni
Universidade Federal de Mato Grosso
[email protected]
Onélia Carmem Rossetto
Universidade Federal de Mato Grosso
[email protected]
Resumo: A divisão do INCRA, Sede Brasília estabelece um padrão em sua estrutura para todas
as superintendências regionais. Em Mato Grosso as atribuições são as mesmas, este artigo
visa focar nos resultados obtidos pelo INCRA oriundos dos seus objetivos estratégicos. Não
apenas realizar descrição dos mesmos, bem como apresentar uma merecida análise sobre
esses objetivos que insistem andar na contra mão da realidade reproduzida pelos moradores
do campo em condição de famílias assentadas. O INCRA possui diversas atribuições quanto a
ações que foram e deveriam ser executadas anualmente, na busca de estabelecer um diálogo
com as informações representadas no Relatório de Gestão do Exercício de 2014, a instituição
evidencia seus (des)interesses e tendências, uma vez que, sua reprodução seja capitalista e
a favor de uma classe burguesa condensada neste órgão para continuar configurando as
corrosões sociais proporcionadas pelo Estado.
Palavras-Chave: Objetivos Estratégicos, Assentamento, INCRA, Estado.
Resumen: La división del INCRA, Sede Brasilia establece el estándar en su estructura para todas
las oficinas regionales. En las asignaciones de Mato Grosso son los mismos, este artículo tiene
como objetivo centrarse en los resultados obtenidos por el INCRA derivadas de sus objetivos
estratégicos. No sólo realizar descripción de los mismos, así como proporcionar un análisis
muy necesario de esos goles que insisten pie en la mano contra la realidad reproducida por
los residentes del campamento con la condición de familias asentadas. INCRA tiene varias
asignaciones como las acciones que han sido y deben ser realizadas anualmente, que buscan
establecer un diálogo con la información representada en el Informe 2014 del Año Fiscal de
Gestión, la institución demuestra sus (des) intereses y tendencias, ya que, Se reproduce en el
capitalismo y en favor de una clase burguesa condensada en este cuerpo para continuar la
creación de la corrosión social proporcionada por el Estado.
Palabras Clave: Objetivos Estratégicos, Asentamiento, INCRA, Estado.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
Introdução
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) do Mato
Grosso é representada por 3 diretorias e a 4ª seria de Planejamento e Gestão
Estratégica, conforme modelo estabelecido pelo INCRA em Brasília, uma vez que, no
respectivo órgão é representada apenas pelo Serviço de Planejamento e Controle.
Estas atribuições competem ao assegurador do setor responder pela gestão e pelo
controle das ações executadas, do controle orçamentário e a gestão do núcleo
de informática dentro da instituição, neste último o INCRA terceiriza o serviço. Na
estrutura da instituição não consta número de pessoas destinadas para este serviço,
mas a sede conta com apenas um funcionário. O planejamento refere-se o que
pode ser gasto, conforme a capacidade, de se fazer durante um ano, ou seja, de
acordo com a demanda quanto poderia ser atendido daquela demanda segundo
as informações pontuadas pelos chefes das divisões que indicam a quantidade de
ações que podem ser realizadas. Alguns setores já sabem da demanda que eles têm
para realizar as atividades, mesmo não tendo o orçamento liberado, mas continuam
mandando as solicitações para fazerem as ações.
Os resultados colocados no Relatório de Gestão do INCRA provem do
acompanhamento e monitoramento de um determinado setor, este denominado
de Serviço de Planejamento e Controle, possuindo um assegurar que irá desenvolver
as funções de registrar as informações de atuações da instituição, em divisões
específicas no órgão, com o seguinte instrumento de coleta, por planilhas eletrônicas,
sendo estas alimentadas em períodos curtos de tempo.
Para elaboração do Plano de Metas do INCRA é realizado uma revisão das metas
do ano passado, podendo ser alteradas, mas no ano de 2014 não houveram alterações
nas metas, onde ao término do ano foi avaliado segundo as ações executadas. Essas
informações são apresentadas no Relatório de Gestão e levado para o Tribunal de
Contas da União (TCU), sendo documento público disponível no site do mesmo
tribunal, contendo o plano das metas e o que foi realizado no ano em exercício avaliado.
Existe um relatório elaborado mensalmente, aberto todo início de cada mês,
se fechando ao término, para ser alimentado com as informações, sendo restrito
com acesso pelo INCRANET, no SIR sistema de monitoramento e avaliação, para
poder controlar as ações para quando o ano terminar irá ter informações que foram
acompanhadas para serem apresentadas no relatório final, caso o prazo termine e
não houve total inclusão de informações é solicitado reabertura do respectivo mês. A
demora em passar informações para o Setor de Planejamento e Controle é promovido
pela falta de um controle dos servidores quanto às atividades que desenvolvem
no mês, pois, quando a informação dos registros das ações é solicitada, e eles não
elaboraram, se torna demorado à inclusão de dados.
As informações são em números, não havendo local para indicar nomes
de assentamentos e nem muito menos especificando a quantidade de lotes por
366
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
assentamento, ou seja, são todos colocados juntos sem observar as especificidades
dos casos. Esses dados são lançados no sistema conforme a disponibilidade dos
dados advindos os chefes de divisões que passam para este setor incluir ao relatório,
ou um servidor que atua na determinada ação, indicado pelo chefe, para que realize
esta atividade, onde é enviado via e-mail, para esse responsável, uma planilha para
que o mesmo preencha e reenvie com os dados.
Este artigo possui como objetivos analisar os objetivos estratégicos do INCRA,
dos dados dos assentamentos de reforma agrária, com a finalidade de identificar se a
instituição consegue avaliar se esses objetivos são alcançados. Descrever a construção
do Relatório de Gestão do Exercício de 2014 segundo a pessoa responsável do INCRA,
identificar quais são os objetivos estratégicos, caracterizando-os e realizando análises
sobre as informações divulgadas pelo último relatório, apontar na pesquisa uma
tabela elaborada que faz demonstração, por índices, dos resultados dos indicadores
de desempenho da instituição quanto ao público da reforma agrária.
Em busca da produção do conhecimento, o procedimento metodológico
desta pesquisa se caracteriza quanto à procura de identificar e analisar os objetivos
estratégicos que o INCRA possui, segundo o Relatório de Gestão do exercício de
2014, sendo este avaliado na questão dos assentamentos de reforma agrária criado
pelo INCRA em Mato Grosso, realizando investigação da problemática identificada
com o intuito de promover análises e discussões.
Foram realizadas consultadas a bibliografias e documentos que contribuíram
para compreender conteúdos abordados na pesquisa, sendo utilizados alguns
documentos específicos do INCRA para desencadear dúvidas que surgiram na
pesquisa. Realizaram-se visitas ao INCRA, Sede Cuiabá, estabelecendo diálogo com
a pessoa responsável pela elaboração do Relatório de Gestão para buscar dados
e informações pertinentes a esta pesquisa, procurando adquirir fontes primárias
e secundárias. Vale lembrar que, não houve uma entrevista com instrumento de
pesquisa composto por questões estruturadas, portanto, houve diálogo com
perguntas abertas na medida em que houve diversas indagações sobre o tema e
todas elas foram sanadas, possibilitando realizar as análises.
O objeto de estudos deste artigo é Relatório de Gestão do Exercício de 2014
do INCRA, uma vez que, apresenta informações pertinentes ao planejamento e
aos resultados que foram alcançados neste período com as ações executadas. São
apresentados dados dos planos estratégicos da instituição, porém, quaisquer que sejam
os registros não são realizados um detalhamento dos números, ou seja, não é dada a
qualificação dos mesmos. Este relatório é preenchido conforme a estrutura customizada
pelo modelo orientado para todas as superintendências regionais do INCRA1.
1 Parte B, do Anexo II, da Decisão Normativa TCU nº. 134/2013, utilizando para a elaboração dos quadros a
portaria de que trata o inciso VI, do artigo 5º, da mesma norma.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Análise dos objetivos estratégicos do INCRA em seus assentamentos de reforma agrária em Mato Grosso
Eva Karoline Baroni | Onélia Carmem Rossetto
367
Desenvolvimento
Assentamentos de Reforma Agrária foram e continuam sendo um campo de
disputa política muito complexa. Existem diversos atores que buscam lutar pela terra
ou garantir a permanência nela, esses no âmbito da vinculação com o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e sindicatos. Em grande maioria esses locais de
luta e/ou permanências se tornam áreas de ocupação visando pressionar o Estado que,
em diferentes lugares e tempos privilegiou diferentes interesses envolvidos no processo
fraudulento de aquisição de terras, cabe destacar a importante obra de Moreno sobre
apontamentos do processo fraudulento de acesso á terra em Mato Grosso sem pensar
em distribuição, uma vez que, “[...], a abundância de terras devolutas no Estado não
significou necessariamente a democratização do acesso a terra.” (1999, p. 72).
Para realizar pesquisas sobre autarquias federais, neste caso o INCRA, é
necessário entender o pensamento de Poulantzas, quando diz que,
O Estado, condensação material de uma relação contraditória, não organiza a unidade
do bloco político desde o exterior, como que resolvesse pela simples existência, e a
distância, as contradições de classe. Bem ao contrário, é o jogo dessas contradições
na materialidade do Estado que torna possível, por mais paradoxal que possa parecer,
a função de organização do Estado. (2000, p. 136).
O que veremos a seguir não deve ser observado como a falta de alguma
atenção por parte de quem elaborou o relatório do INCRA sobre a sua gestão, e sim,
o Estado se organiza para que as contradições sejam cada vez mais intensificadas
para que ele se mantenha.
A elaboração do relatório é resultado do cumprimento do art. 3º, da Instrução
Normativa TCU nº. 63 de 1º de setembro de 2010, alterada pela Instrução Normativa
TCU nº. 72 de 15 de maio de 2013, e seguiu orientações complementares da Decisão
Normativa TCU nº. 134 de 04 de dezembro de 2013, Portaria TCU nº. 090/2014 e a
Portaria SecexAmbiental nº 08 de 16 de dezembro de 2014.
Para esta pesquisa serão resgatados, para análise, somente dados pertinentes
aos assentamentos de reforma agrária do INCRA, pois, perpassando por esses
registros será possível construir o pensamento a cerca do tema tratado neste artigo.
Objetivos Estratégicos do INCRA:
Objetivo Estratégico 01: Promover o desenvolvimento socioeconômico e ambiental
dos diferentes segmentos da agricultura familiar, contribuindo para a organização da
oferta de alimentos, produtos e serviços à sociedade;
Objetivo Estratégico 02: Efetivar uma política de governança fundiária, com articulação
interinstitucional e federativa, por meio de instrumentos de conhecimento e gestão da
estrutura fundiária, do regime de propriedade, do uso de terra e dos recursos naturais;
Objetivo Estratégico 03: Promover a democratização do acesso a terra, com ações
de reforma agrária e fundiária, observando as especificidades de cada território e
368
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
bioma e a função social da propriedade, contribuindo para o desenvolvimento rural
sustentável, a superação da pobreza e a paz no campo;
Objetivo Estratégico 04: Promover autonomia das mulheres no meio rural, com garantia de direitos à cidadania, terra, recursos naturais, produção e a participação social;
Objetivo Estratégico 05: Promover o acesso dos Povos e Comunidades tradicionais às
políticas produtivas, de garantia de direitos e à regularização fundiária dos territórios,
contribuindo para o seu etnodesenvolvimento;
Objetivo Estratégico 06: Promover autonomia e a emancipação da juventude rural,
contribuindo para sua permanência no campo e para a sucessão rural.
Neste artigo somente serão analisados os objetivos estratégicos 01, 03,
04 e 06, por ser pertinente a questão dos assentamentos de reforma agrária. O
primeiro objetivo estratégico, que o INCRA criou para atingir diversos resultados, se
ocupa em se tratar, por exemplo, do Número de famílias com crédito instalação ou
equivalente que tenha sido concedido, a meta foi de 476, porém, apenas 23 famílias
se beneficiaram, a problemática desse dado é não caracterizar quais créditos foram
concedidos e quais foram os assentamentos que moram essas famílias. Outro dado
que não consta descrição é o número de famílias atendidas com assistência técnica,
quais foram essas famílias atendidas? De quais assentamentos/ Pois, Omo meta era
atender 4.740 e foram realizadas 2.876 famílias, são muitos dados que se encontram
sem informações necessárias, até mesmo para os próprios assentados visualizarem
o que é do seu interesse.
Não houve metas e realizações quanto ao número de famílias atendidas com
projetos de agroindustrialização, comercialização e atividades pluriativas (Terra
Sol), número de profissionais com capacitação técnica e formação profissional de
Nível Médio e Superior para a Reforma Agrária e o número de trabalhadores rurais
atendidos pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), nas
ações de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Tudo isso faz indicativos de observar
como o INCRA se interessa em promover o desenvolvimento do assentamento,
quanto a esses apontamentos que não constam nenhuma informação, não deveria
ser um objetivo estratégico para alcançar essas esferas? Como o INCRA está se
mobilizando para atingir este primeiro objetivo?
Dando a devida continuidade a análise do primeiro objetivo estratégico, é
apresentado um pequeno avanço do que foi realizado (245) quanto ao número
de famílias beneficiadas com implantação e/ou recuperação de infraestrutura
básica em projetos de assentamento, tendo como meta 214 famílias, porém, será
apresentado contradições quanto ao número existente de famílias que aguardam
assistência quase chegando a 3 mil. Quanto ao número de créditos instalação
supervisionados (meta de 420 com realização de 1.582) não apontam quais créditos
foram supervisionados, de quais assentamentos são essas famílias, quantas famílias
foram. Não indicam quais assentamentos foram ou estão sendo monitorados com
ações de gestão ambiental, apenas indicam que a meta era de 7 e se realizou a vistoria
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Análise dos objetivos estratégicos do INCRA em seus assentamentos de reforma agrária em Mato Grosso
Eva Karoline Baroni | Onélia Carmem Rossetto
369
de apenas 3, quais assentamentos são esses? Quanto ao número de assentamentos
com regularização ambiental requerida pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR) não
houve nenhuma meta por parte do INCRA, mas apresentam que 18 assentamentos,
não apontando quais foram, conseguiram a regularização ambiental.
Com a ausência de metas, direciona ao entendimento dos responsáveis em
disponibilizar recursos, de que não existe ou é muito pouco o número de famílias que
precisam de algo específico, e para finalizar, perpassando pela grande quantidade de
assentamentos que Mato Grosso possui, como pode não ter metas para aumentar
o número de assentamentos com licença ambiental protocolada quando só há
uma realizada? Entende-se que pode haver um assentamento com licenciamento
ambiental por ano e não há metas para modificar este quadro. Como aponta Martins
“Para compreender a real natureza dos impasses atuais é preciso remontar à gênese
da luta pela reforma agrária e às peculiaridades de seus protagonistas.” (2004, p.
94), nos possibilitando compreender que, a luta pela terra e permanência nela são
constantes, devendo reconstruir a base das especificidades.
O terceiro objetivo estratégico do INCRA possui muitos dados com relação
à quantidade de área, em hectares, sendo elencados aqui apenas dados que se
relacionam com as questões dos assentamentos rurais implantados pela instituição.
Na área total dos imóveis vistoriados (135.092,8623 hec) extrapola a meta (62.400,000
hec), mas não se faz a descrição da quantidade de imóveis e quais seriam esses
imóveis ou onde estão localizados. O número de famílias assentadas foi de 2.989
com meta assentar 1.910, mas não possui informações do número de assentamentos
envolvidos nessa atividade ou até mesmo em quais assentamentos foram colocadas.
Para término de análise do terceiro objetivo, foram realizadas 1.615 vistorias
supervisionadas em parcelas ou unidades familiares, apresentando um avanço
quanto à meta estipulada de 691 parcelas. Mesmo apresentando um dado que
avançou não pode ser ignorado o fato de que essa quantidade também não está
qualificada, esses dados são disponibilizados em um site oficial de prestação de
recursos utilizados, mas não apresentam dados que indique toda essa quantidade
não demonstra quais assentamentos estavam envolvidos nessa atividade, e nem a
quantidade de assentamentos apontando sua localização.
O quarto objetivo estratégico não possui informação alguma, fazendo
apontamentos de como a instituição está pensando a pessoa, neste caso a mulher,
possuindo autonomia e garantias básicas e necessárias para sua vida. Não é
apresentando um número de mulheres que tiveram acesso ao Crédito Fomento
Mulher, uma das linhas de créditos do INCRA, e para piorar a situação desse objetivo
foram apontados que a meta de números de mulheres com acesso a assistência
técnica seria de 30%, mas, não foi informado o quanto dessa percentagem foi
realizado. Como pode ser uma estratégia da instituição se não possui dados que
avaliem se a estratégia foi realizada com sucesso?
370
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
No último objetivo estratégico o INCRA não apresenta muitas informações,
apenas aponta o número de jovens assentados, com até 29 anos de idade, ou seja,
a instituição não demonstrou interesses em investir neste objetivo estratégico, não
possui projetos e programas que desenvolvam a autonomia e emancipação dos
jovens, somando cerca de 37% de jovens no campo com relação ao valor total de
famílias assentadas em 2014, segundo dados do INCRA. O relatório aponta para este
objetivo nº 6 aproximadamente 1.117 número de famílias em geral, mas, não faz
especificações do que está se tratando do conteúdo dessa informação.
No relatório consta um item correspondente aos principais controles
instituídos para garantir o cumprimento dos objetivos, sendo eles Acompanhamento
mensal da execução física e orçamentária (SIR/Monitoramento), Sistema de
informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA), Sistema de Acompanhamento
das atividades de ATER (SIATER) e o sistema que possui informações atualizadas e
detalhadas das atividades monitoradas no sistema SIR/Monitoramento e Avaliação,
denominado de Wiki Incra, porém, todos esses controles são internos dentro da
instituição que é pública, vejamos dos dados da tabela a seguir.
Tabela 1– Demonstração por índices dos resultados dos indicadores de desempenho
Ano
2014
2014
2015
Situação
Previsto
Realizado
Meta
Acesso à água
0,00
23,59
7,86
Acesso à moradia
0,00
1,44
0,00
Acesso à créditos
0,00
0,00
0,00
Acesso à assistência técnica
96,75
932,62
0,00
Parcelas supervisionadas
0,69
1,65
0,00
Consolidação de assentamentos
17,60
17,57
17,58
Renda média das famílias (R$)
0,00
0,00
0,00
Fonte: Relatório de Gestão do Exercício de 2014 (Sistema de Informações Rurais (SIR) e Sistema de Informações de
Projetos de Reforma Agrária, 2014.) Elaborado por: BARONI, E. K.
Na tabela são apresentados os índices que indicaram os dados levantados e
o que foi executado pela instituição quanto aos assentamentos. No acesso à água
para consumo doméstico o INCRA busca algumas parcerias, porém, ainda é um
dos pontos mais críticos nos assentamentos, pois, surgem problemas oriundos de
diversas naturezas e não é proposto alguma alternativa que viabilize o consumo
das famílias. Quanto à quantidade de 23,59% se refere ao número de famílias que
tiveram acesso a água encanada, de poço ou até de cisterna, ou seja, esse resultado
é obtido pelo seguinte cálculo nº de famílias que tiveram acesso à água (705) / nº de
famílias assentadas no exercício na jurisdição da superintendência regional (2.989)
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Análise dos objetivos estratégicos do INCRA em seus assentamentos de reforma agrária em Mato Grosso
Eva Karoline Baroni | Onélia Carmem Rossetto
371
x 100. Essa média é resultante dos último 3 anos, ou seja, um índice muito baixo
considerado por pessoas que se encontram no campo e estão desprovidas deste
bem natural para se produzirem no campo. Cabe ressaltar que, ainda existem muitas
famílias que não possuem a água para consumo, mas, é observado que a meta para
2015 é de apenas 7,86%.
Quanto ao acesso à moradia, o INCRA apresenta no relatório que, 43 famílias
tiveram as obras de construção da moradia concluída e outras 38 tiveram a casas
reformadas, todas referentes ao antigo Crédito Instalação, pois, atualmente, o INCRA
aderiu ao Programa Nacional de Habitação Rural para a construção das moradias
no campo. Os 1,44% apontados se referem ao nº de famílias com obras de moradia
concluídas no exercício (43) / nº de famílias assentadas no exercício (2.989, mesma
quantidade de famílias solicitando acesso à água) x 100. A meta para 2015 não foi
apresentada, porém, é definido no relatório que haveria 1.910 famílias assentadas
aguardando a construção ou reforma de suas moradias, a ausência dessa informação
na tabela apresentada no relatório pode comprometer o plano de metas do próximo
exercício, uma vez que, não tenha sido elaborado com precisão e cuidado poderá
deixar de receber recurso para esta finalidade por não apresentar metas.
O índice de acesso a créditos não apresenta dados por apenas um único
motivo, o INCRA não possui um instrumento que viabilize dados para o setor
acompanhar o número de famílias que acessaram créditos e quais seriam os créditos
já acessados. Isso é uma problemática, pois, uma vez que, as famílias assentadas
não estão sendo acompanhadas apresenta uma falha da instituição que tem
por obrigação diversas atribuições quanto aos assentamentos por ele criados. A
única informação que eles apresentaram no relatório foi o número de Declarações
de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf ), sendo esta de 703 declarações, e como demonstra a tabela, não possuem
informações para as meta de 2015.
A assistência técnica destinada às famílias assentadas é oriunda de
contratações de empresas terceirizadas pelo INCRA para desenvolver esta atividade
da instituição. A informação que consta nessa tabela é um valor contraditório do
que foi apresentado no primeiro objetivo estratégico, porém, será analisado na
tentativa de explicar os dados mesmo não conhecendo onde ocorreu o verdadeiro
equívoco. A assistência realizada pelo órgão, segundo a tabela, foi de 96,75%, porém,
a o índice de famílias foi de 932,62%, cabe destacar que, este cálculo corresponde ao
nº de famílias com previsão de atendimento para prestação de assistência técnica
(27.876) / nº total de famílias assentadas no exercício (2.989) x 100. Para as famílias
assentadas em seus lotes esperar pela assistência técnica pode ser agonizante,
pois, a precariedade dos assentamentos, em especial os matogrossenses, estarem
desprovidos de qualquer assistência do órgão que criou o projeto de assentamento,
é mais uma forma de luta pela permanência na terra.
372
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Muitas terras são encontradas com diversas problemáticas e a família
assentada no local, com pouco ou nenhum recurso financeiro, não encontrando
mais forças para resistir no assentamento pode abandonar o lote que foi destinado
à família, entre outras situações que se encontram as famílias assentadas para
manobrar, em forma de luta, a ausência da assistência técnica do INCRA. Atualmente a
instituição realizou uma chamada pública para esta atividade, porém, não houveram
contratações até o término do relatório do exercício de 2014 e não apresentou-se
metas para 2015.
Os índices apresentados quanto às parcelas supervisionadas dos assentamentos
mostram uma previsão de 0,69%, porém, quanto à realização são apontados 1,65% e
para compreender esse dado é necessário observar o seguinte cálculo, nº de parcelas
supervisionadas nos termos do artigo 4º da IN 71/2012 com relatório entregue (1.615)
/ nº total de parcelas na jurisdição de MT (97.639) x 100. Neste caso o INCRA não
possui metas para 2015 devido a Lei 13.001/2014 em espera de regulamentação.
Cabe destacar que, a vistoria é realizada por um setor da instituição com o objetivo
de levantar as informações de quem está morando no lote, ou seja, se são as mesmas
famílias que foram assentadas no início da implantação do assentamento.
A problemática desta atividade é a alta demanda por vistorias, pois, muitos
assentados denunciam, aos órgãos de controle, Justiça Federal e Ministério Público
Federal, algumas pessoas por estarem ocupando irregularmente o lote que estava
abandonado ou por ter sido vendido por algum beneficiário da reforma agrária,
na comprovação da venda existem as devidas penalidades, no caso do ocupante
irregular o INCRA realiza o cadastro do mesmo e avalia no sistema de seleção
de candidatos da reforma agrária para observar se faz parte do perfil ou se não
apresenta pendências nos quesitos de eliminação. É importante destacar que,
algumas facilidades dadas pelo INCRA muitas vezes servem para desmobilizar os
movimentos sociais dentro dos assentamentos, cabendo as famílias se manterem
em um conjunto que preze pela permanência na terra.
Quanto ao índice de consolidação de assentamentos o que foi previsto chegou
ao entorno de 17,60%, sendo realizado cerca de 17,57%, havendo uma aproximação
dos índices. Este último se baseia no cálculo do nº de famílias assentadas em PA(s)
consolidados (11.674) / nº total de famílias existentes nos PA(s) criados pelo INCRA,
no nível de agregação (66.435) x 100. O relatório aponta que não houve, nos últimos
3 anos, ações do INCRA para consolidação dos PA(s), essa informação nos possibilita
entender que um assentamento em consolidação está diretamente relacionado com
a disponibilidade de estrutura básica e necessária as famílias assentadas, ou seja,
demarcação de moradia, acesso a água, energia, estradas, concessão de títulos de
propriedade, entre outros.
Em observância quanto à quantidade de famílias existentes nos assentamentos,
em processo de consolidação, é muito alta, e a meta para 2015 é pouco otimista, ou
seja, um pouco menos de 11.674 famílias vão ter disponibilidade a estrutura básica,
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Análise dos objetivos estratégicos do INCRA em seus assentamentos de reforma agrária em Mato Grosso
Eva Karoline Baroni | Onélia Carmem Rossetto
373
isso acarreta pensar que, as os assentamentos deveram se mobilizar para pressionar
o INCRA para aumentar este índice de consolidação de assentamento, uma vez que,
assim como os centros urbanos, os assentamentos rurais também necessitam de
estruturas básicas para sua sobrevivência e manutenção. Cabe lembrar que, quando
o assentamento é consolidado se trata da titulação, porém, o INCRA ainda não
ampliou esta porta de saída, apenas de entrada.
O último item da tabela e também muito importante, diz respeito à
renda média das famílias (por amostragem), porém, a instituição não possui
dados e informações concretas da reprodução da vida dos assentados em seus
assentamentos criados, ou seja, o INCRA implanta assentamentos, destina para
moradia diversas famílias, porém, não as acompanham para avaliarem se aquele
projeto atingiu as famílias para que conseguissem, tirar da terra, o seu sustento. Esta
ausência de informação é um dado alarmante, não somente porque não apontaram
amostragens de previsões, realizações e metas para 2015, e sim porque o INCRA
mostra que implanta assentamentos não os acompanham e não os conhece essa
situação está ligada com o descaso dos governos que perpetuaram ao longo do
processo histórico um desinteresse que cabe aos movimentos sociais buscar reverter
este atual momento, pois, como exemplo de um importante movimento social e
segundo o autor, “Presumir que o MST vai subitamente se desiludir com todo o
processo político é incorrer em um erro fundamental sobre as ilusões originalmente
sustentadas pela organização.” (MESZAROS, 2010, p. 459).
Considerações finais
O relatório de gestão impossibilita qualquer tipo de avaliação do público
externo, quanto às ações detalhadas que estão sendo desenvolvidas no órgão.
É importante destacar que, a indisponibilidade desses dados não permite que
sejam manifestados o interesse de qualquer individuo na sociedade, pois, eles não
qualificam as informações que são as disponibilizadas, via Relatório de Gestão, por
ter um modelo formatado para apresentar apenas quantidades e indicadores.
Cabe lembrar que, existe inconsistência de informações que mesmo assim
são apresentadas sem nenhum rigor de detalhamento das ações, impossibilitando
o órgão se avaliarem enquanto instituição púbica que recebe recursos para realizar
ações pertinentes ao desenvolvimento do meio rural.
O INCRA não possui um assentamento titulado por completo, a infraestrutura
não chega a todos. Com a resultante das pressões dos movimentos sociais, a
instituição criava um convênio com as prefeituras para realizarem essas obras.
Consideram que, este seja um dos motivos pelos quais os assentados, desistem
do lote por perceberem o abandono do órgão, principalmente, as famílias que
nunca tiveram articulação com movimentos sociais, sendo este o instrumento de
reivindicação dos direitos.
374
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Referências bibliográficas
CARTER, Miguel (org.). Combatendo a Desigualdade Social: o MST e a Reforma Agrária no Brasil.
In: MESZAROS, George. O MST e o Estado de Direito no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2010.
MARTINS, José de Souza. Reforma Agrária: O Impossível Diálogo. 1. ed. 1 reimpr. São Paulo:
Edusp, 2004.
MATO GROSSO. Relatório de Gestão do Exercício de 2014. Cuiabá: INCRA, 2015.
MORENO, Gislaene. O Processo Histórico de Acesso à Terra em Mato Grosso. Florianópolis:
Geosul, 1999. p. 67-90.
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o Poder, o Socialismo. Rio de Janeiro: Graal, (1978 [2000]).
p. 125-164.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Análise dos objetivos estratégicos do INCRA em seus assentamentos de reforma agrária em Mato Grosso
Eva Karoline Baroni | Onélia Carmem Rossetto
375
Desenvolvimento rural e
cooperativismo-associativismo
no Sudoeste de Goiás
DESARROLLO RURAL Y COOPERATIVAS ASOCIACIONES
EN EL SUDOESTE GOIÁS
Evandro César Clemente
Universidade Federal de Goiás/Regional Jataí
[email protected]
Rafael Fernando Gontijo Silva
Universidade Federal de Goiás/Regional Jataí
[email protected]
Tatiane Rodrigues de Souza
Universidade Federal de Goiás/Regional Jataí
[email protected]
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar as Cooperativas e Associações dos
pequenos proprietários rurais na Microrregião Geográfica do Sudoeste de Goiás e averiguar
como tais organizações têm contribuído para a promoção do desenvolvimento rural,
sobretudo, para viabilização da reprodução social, a manutenção no campo de agricultores
familiares e a melhoria das suas condições de vida neste espaço marcado pela forte presença
do agronegócio.
Palavras chave: desenvolvimento rural, cooperativismo, associativismo e Sudoeste de Goiás.
Resumen: Este estudio tiene como objetivo analizar las cooperativas y asociaciones de pequeños
agricultores en Goias sudoeste Geographic Microregión y averiguar cómo estas organizaciones
han contribuido a la promoción del desarrollo rural, especialmente para la viabilidad de la
reproducción social, el mantenimiento en el campo de la agricultura familiar y la mejora de
sus condiciones de vida en este espacio marcado por la fuerte presencia de la agroindustria.
Palabras Clave: desarrollo rural, las cooperativas, asociaciones y el sudoeste de Goiás.
Introdução
O campo brasileiro tem sido marcado pelo predomínio do denominado
agronegócio, que se caracteriza por ser um modelo baseado em grandes
propriedades rurais, uso intensivo de tecnologias e insumos químicos, mão de obra
assalariada, monocultura e tendo a sua produção como destino o mercado externo.
ISSN.
Online: 1980-4555
DVD-ROM: 1980-4563
A hegemonia deste padrão produtivo tem resultado em intensa concentração
fundiária, marginalização e expropriação dos pequenos proprietários rurais, como
também tem gerado degradação dos recursos naturais como solo e águas e
contaminação das águas, solos, ar, animais, vegetais e o próprio ser humano.
Por outro lado, tem-se outro padrão produtivo, que pode trazer maior
equidade sob o ponto de vista socioeconômico e menores índices de degradação
ambiental, que é a agricultura familiar. Porém, este tem sido marginalizado pelo
Estado em termos de políticas públicas, já que os maiores volumes de recursos e as
principais políticas são direcionadas às propriedades do agronegócio em detrimento
da agricultura familiar.
A partir da Constituição Federal de 1988 e das políticas baseadas no enfoque
territorial para o campo a partir dos anos 1990, o Estado passou a descentralizar
recursos e “incentivar” a participação dos atores locais, assim a organização
coletiva dos atores locais passou a ser muito relevante na busca de recursos e
representatividade. Deste modo, o Estado passou a atuar estimulando a formação
de associações e cooperativas entre os agricultores familiares por meio de políticas
públicas voltadas a este segmento.
A região do Sudoeste de Goiás é caracterizada pelo predomínio da agricultura
capitalista (agronegócio), formada a partir dos anos 1960 com base no pacote da
Revolução Verde e de políticas estatais centradas estritamente no crescimento
econômico, sem preocupações sociais, culturais e/ou ambientais.
Cumpre lembrar que a pesquisa encontra-se em andamento. Os procedimentos metodológicos utilizados para a consecução da pesquisa são o levantamento
bibliográfico acerca do assunto proposto, coleta de dados primários a partir de
entrevistas com os líderes (presidentes) das associações e/cooperativas, representante dos Poder Público, lideranças de movimentos sociais e técnicos vinculados à
produção agropecuária. Também foram levantados dados de fonte secundária no
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As transformações na agricultura e a formação das organizações coletivas
no Sudoeste de Goiás
A “modernização” da agricultura, iniciada em fins dos anos 1950 no Brasil, não
se expandiu de maneira homogênea pelo território nacional. Foi um processo que
apresentou um desenvolvimento desigual (KAGEYAMA, 1987) e seletivo (DELGADO,
1985). Restringiu-se aos Estados do Centro-Sul do país, aos grandes e médios
proprietários rurais, em detrimento dos pequenos agricultores familiares, bem como
às matérias-primas agrícolas voltadas para a exportação ou para o processamento
agroindustrial em grande escala, casos da soja, laranja e cana-de-açúcar, em prejuízo
dos produtos agrícolas tradicionais, que sempre fizeram parte da dieta alimentícia
dos brasileiros, como arroz, feijão, mandioca, entre outros (DELGADO,1985).
378
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
Na escala do estado de Goiás também houveram regiões que foram
“privilegiadas”, como as do Centro e do Sul Goiano e as Microrregiões Sudoeste de
Goiás, Vale do Rio dos Bois, Meia Ponte, Catalão e Pires do Rio. Por outro lado, as
regiões do Norte e Oeste do estado não passaram pelo mesmo processo (QUEIROZ,
2010).
A implantação da agricultura capitalista (agronegócio) redundou na
exacerbação de problemas de ordem socioeconômica, intensificação da concentração
fundiária, aumento das desigualdades sociais no campo, expropriação dos pequenos
proprietários, superexploração da mão de obra rural a partir da expansão do trabalho
assalariado temporário, em condições bastante precárias (bóias-frias), que também
resultou na geração de impactos ambientais, a começar pelo uso indiscriminado de
agrotóxicos, insumos químicos e do manejo inadequado dos solos. Como resultado
direto, houve o fortalecimento do denominado “agronegócio”, pautado na produção
monocultora com elevada tecnificação e, portanto, com alta competitividade no
mercado internacional. Porém, toda essa competitividade ocorre à custa de processos
espúrios de produção, como a superexploração da mão de obra e a forte degradação
dos recursos naturais, como os solos e as águas, como conseqüência do emprego de
sistemas produtivos agrícolas fortemente predatórios (CLEMENTE, 2011).
No caso da MRG do Sudoeste de Goiás, havia até os anos 1960 o predomínio
da pecuária extensiva e de uma agricultura mais voltada para o auto consumo. A
partir dos anos 1960, houve a implantação de um modelo produtivo agrícola em
grandes propriedades integradas às agroindústrias. Foi neste período que ocorreram
as principais transformações no espaço agrário regional. Essas mudanças foram
desencadeadas pela adoção do pacote da denominada revolução verde (aplicação
de insumos modernos e da mecanização) e da implementação de políticas
estatais consubstanciadas na Teoria dos Pólos de Desenvolvimento, resultando
no desenvolvimentismo, em que o crescimento econômico tornou-se o objetivo
primordial a ser alcançado. Isso resultou na implantação de uma agricultura de
caráter empresarial que utiliza insumos e técnicas bastante modernas e apresenta
altíssimos índices de produtividade. O Estado também criou as condições para
integrar agricultura e indústria, formando o Complexo Agroindustrial brasileiro.
Cumpre lembrar que foram determinantes para alavancar a expansão desse
modelo produtivo, a criação de políticas estatais com este propósito, como o
Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) (em escala nacional), do POLOCENTRO Programa para o desenvolvimento do Centro Oeste - e do PRODECER – Programa
de Cooperação Nipo Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados. A criação do
Sistema Nacional de Crédito Rural em 1965 foi fundamental na oferta de crédito
farto e barato aos grandes proprietários rurais de todo o país. Além disso, teve
papel decisivo a EMBRAPA e as tecnologias de adubação, calagem e mecanização
da produção agrícola, que possibilitaram a ocupação agrícola do Cerrado.
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento rural e cooperativismo-associativismo no Sudoeste de Goiás
Evandro César Clemente | Rafael Fernando Gontijo Silva | Tatiane Rodrigues de Souza
379
A criação do POLOCENTRO ocorreu em 1975 e teve como objetivo incentivar
e apoiar a ocupação racional do Cerrado a partir do uso de tecnologias em
grande escala, visando estabelecer e consolidar uma modelo produtivo agrícola
empresarial. Pelo programa o Estado brasileiro buscou “abrir a fronteira agrícola”
do país destinando crédito farto e barato (subsidiado) somente a indivíduos que
demonstravam capacidade de estabelecer uma exploração agrícola nos moldes
empresariais. Esta política favoreceu os grandes proprietários rurais em detrimento
direto dos pequenos proprietários, que passaram a enfrentar sérias dificuldades em
permanecer no campo (PEDROSO e SILVA, 2005).
Por sua vez, o PRODECER foi implantado a partir de 1980. Resultou de um
acordo do Governo brasileiro com o Governo japonês para a produção de grãos
visando à exportação, contribuindo para consolidar uma agricultura empresarial
no Cerrado para produção de soja e milho, culturas que não fazem parte da cultura
alimentar do brasileiro. Além disso, o programa teve papel decisivo na expropriação
de significativo número de pequenos produtores no Cerrado brasileiro (PESSOA;
INOCÊNCIO, 2014).
No que concerne às organizações coletivas e tendo em vista o modelo produtivo estabelecido para a produção agropecuária no Sudoeste de Goiás, teve origem
ali no município de Rio Verde a COMIGO (Cooperativa Mista dos Produtores Rurais
do Sudoeste Goiano Ltda). Esta cooperativa foi fundada em 1975 e atualmente
conta com 6.500 cooperados. Ela surgiu no âmago do processo de implantação da
agricultura altamente tecnificada no Sudoeste de Goiás. Gonçales (2008) assevera
que a fundação da COMIGO contribuiu direta e indiretamente para que, tanto o município de Rio Verde, quanto a região tenha essa configuração territorial hoje. Assim, a
fundação da COMIGO ocorreu em consonância com a implantação desta agricultura
empresarial, sendo ela própria um agente que contribuiu para a viabilização deste
processo, favorecendo a difusão de pacotes tecnológicos e de crédito agrícola.
Sobre o papel do cooperativismo no processo de tecnificação da agricultura
brasileira, Serra (2013) demonstra que:
Durante o período do “milagre brasileiro”, nos anos 1970, o Governo investiu pesado
na modernização da agricultura e ao mesmo tempo em que os agricultores eram
beneficiados com empréstimos altamente favorecidos para custear a transformação
de suas áreas de cultivo, as cooperativas também eram contempladas com linhas
especiais de crédito. Foi com essas linhas de crédito que elas conseguiram se equipar
com sistemas de armazenagem a granel para a estocagem da soja, do trigo e do milho,
principais produtos que passaram a serem cultivados nos Estados do Sul e do Sudeste,
os primeiros a aderir ao novo modelo agrícola. Da mesma forma, foi com recursos
subsidiados que as cooperativas se equiparam com as indústrias de transformação
que lhes garantiram lugar de destaque a jusante do Complexo Agroindustrial, como
beneficiadoras das matérias primas entregues pelos agricultores associados (SERRA,
2013, 19).
380
VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária
VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária
Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais
A COMIGO representa um bom exemplo do complexo agroindustrial, uma vez
que centraliza todas as etapas do processo produtivo e figura entre as 15 maiores
cooperativas do Brasil. Ela atua nos seguintes ramos e atividades: 1) fabricação
de adubos; 2) armazenagem e processamento de soja e produção de derivados,
como óleo e farelo; 3) geração de energia elétrica com utilização de madeira do
reflorestamento próprio e, 4) laticínios (BATISTA e MATTOS JÚNIOR, 2007).
Importante destacar que o cooperativismo teve origem no contexto de
consolidação do capitalismo e das conseqüências sociais e econômicas geradas por
este na Europa no século XVIII. Foi gestado a partir das iniciativas e propostas dos
denominados “socialistas utópicos”, como Saint Simon, Charles Fourier, Robert Owen,
dentre outros. Assim, constituiu-se numa proposta visando a resolução das mazelas
trazidas pelo capitalismo. Owen, por exemplo, baseava suas principais ações em
combater o lucro, a concorrência, por considerá-los os maiores responsáveis pelos
males e injustiças sociais e em combater a divisão social entre operários e patrões,
pois considerava que toda a produção devia ser dos trabalhadores. Fourier, por sua
vez, procurou harmonizar os interesses dos trabalhadores, dos capitalistas e dos
consumidores (SERRA, 2013).
Apesar de na origem o cooperativismo ter uma vinculação profunda com
o socialismo, contraditoriamente, no Brasil, sobretudo a partir dos anos 1930, o
cooperativismo se deu capitaneado pelo Estado brasileiro, de modo a fortalecer a
expansão do modo de produção capitalista.
Em 1932 foi lançado o Decreto 22.239, pelo qual o Estado passou a regular
a constituição de cooperativas e incentivar a sua expansão, concedendo isenção
de impostos para aquelas que já existiam e facilitando as que estavam em vias de
formação. Com isso, o movimento deixou de ser legítimo dos produtores (de baixo
para cima) para ser um instrumento de política a serviço dos interesses do Estado
(de cima para baixo). Assim, as cooperativas agrícolas se tornaram grandes empresas
agroindustriais, viabilizadas neste caso pela ajuda estatal e pela agregação de valores
possibilitada pela industrialização das matérias primas agrícolas (SERRA, 2013).
Apesar da COMIGO contar com pequenos, médios e grandes produtores
dentre seus cooperados, é preciso pontuar que ela possui uma atuação empresarial.
A atuação das grandes cooperativas agrícolas no Brasil, por estarem voltadas para
uma atuação empresarial, em consonância a um padrão produtivo que privilegia
os grandes proprietários, não tem proporcionado aos agricultores familiares os
benefícios que poderiam ser ofertados sob uma outra lógica do cooperativismo.
A criação do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
familiar) em 1996 constitui-se num marco do surgimento de políticas públicas
voltadas para os agricultores familiares no Brasil. Tais políticas passaram a fomentar a
organização dos agricultores familiares em associações e cooperativas. Mais uma vez,
porém num outro momento, o Estado tem sido o principal indutor deste processo,
Eixo de Trabalho: Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural
Desenvolvimento rural e cooperativismo-associativismo no Sudoeste de Goiás
Evandro César Clemente | Rafael Fernando Gontijo Silva | Tatiane Rodrigues de Souza
381
ao exigir destes a participação em alguma organização coletiva para ter acesso aos
benefícios das políticas públicas.
Condições da agricultura familiar na MRG Sudoeste de Goiás e sua relevância
no desenvolvimento rural
Mesmo tendo sido avassalador o processo de implantação da agricultura
capitalista no Sudoeste de Goiás, existe um conjunto de agricultores familiares
na Microrregião. Verifica-se que os estabelecimentos agropecuários com até 100
hectares perfazem 78,2 % do número total de estabelecimentos na MRG Sudoeste
de Goiás. Porém, ocupam apenas 4,4% da área total dos estabelecimentos. Isso
denota que a agricultura familiar, apesar de resistir, ficou bastante reduzida na região.
Os estabelecimentos de porte médio, situados entre 100 e 500 hectares perfazem
28,4% do número total e ocupam 17,2% da área regional. Por outro lado, os grandes
estabelecimentos com mais de 500 hectares representam 21,2% do número total
de estabelecimentos e ocupam 78,4% da área total.
Por estes dados se comprova facilmente o amplo predomínio de grandes
estabelecimentos agropecuários na MRG do Sudoeste de Goiás, ficando a agricultura
familiar, que mesmo presente, marginalizada.
Reconhece-se que o advento da agricultura moderna na MRG Sudoeste
de Goiás foi responsável pela criação de um sistema de produção agropecuário
com altos índices de produtividade, apesar também das conseqüências sociais e
ambientais que também trouxe, as quais foram apontadas anteriormente.
Ao mesmo tempo em que a agricultura na MRG do Sudoeste de Goiás é
pujante, “moderna”, apresenta altas taxas de produtividade, verifica-se que em alguns
municípios como Jataí e Rio Verde, os dois principais da Microrregião, precisam
buscar em outras regiões os produtos alimentícios de que sua população necessita.
É sabido que a produção de alimentos no Brasil é majoritariamente realizada pela
agricultura familiar. Isso demonstra claramente que há espaços no mercado local
a serem ocupados pela agricultura familiar. Essa situação é demonstrada por
Guimarães, Ribeiro e Echeverria (2011):
É importante salientar que muitos produtos de hortifrutigranjeiros comercializados
nessa feira vêm de outras cidades, inclusive da Central de Abastecimento/CEASA de
Goiânia, capital do estado, principalmente frutas, mas também hortaliças, o que indica
espaços a serem ocupados pelos produtores locais, diminuindo custos econômicos,
sociais e ambientais, relacionados aos custos de transporte e combustíveis, à ocupação de espaços produtivos, emprego de mão-de-obra, dentre outros. (GUIMARÃES,
RIBEIRO e ECHEVERRÍA, 2011, p. 07-08).
Download