Texturas vulcânicas e significado vulcanológico das rochas de

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Texturas vulcânicas e significado vulcanológico das rochas de
Aljustrel (Faixa Piritosa Ibérica, Portugal)
Volcanic textures and volcanological significance of the Aljustrel
rocks (Iberian Pyrite Belt, Portugal)
José C. Leitão
Departamento de Geologia, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
[email protected]
SUMÁRIO
Nas últimas quatro décadas os vulcanitos ácidos de Aljustrel sempre foram considerados tufos, rochas vulcânicas
explosivas. Todavia o estudo textural realizado em cerca de cinco centenas de lâminas delgadas, de amostras
representativas de todas as litologias e sectores de Aljustrel, revelou a presença de um vulcanismo lávico com
fácies coerentes e autoclásticas, rochas vulcaniclásticas ressedimentadas sin-eruptivas e rochas sedimentares
vulcanogénicas. Nunca foram encontradas quaisquer evidências texturais de rochas piroclásticas.
Palavras-chave: Faixa Piritosa Ibérica, Aljustrel, texturas vulcânicas, vulcanismo efusivo
SUMMARY
For the past four decades the Aljustrel acid volcanic rocks have been considered tuffs, rocks originated by an
explosive type of volcanism. However the textural study carried out in about five hundred thin sections, from
samples representing all the different lithologies and sectors in Aljustrel, showed the presence of an effusive
volcanism with coherent and autoclastic facies, resedimented syn-eruptive volcaniclastic rocks and sedimentary
volcanogenic rocks. No textural evidence for pyroclastic rocks was ever found.
Key-words: Iberian Pyrite Belt, Aljustrel, volcanic textures, effusive volcanism
interpretação dos vulcanitos de Aljustrel como
rochas piroclásticas.
Recentemente [6], foram revistas as relações
estratigráficas das duas unidades deste vulcanismo
ácido e destas com um vulcanismo básico que foi
descrito. O significado de algumas rochas até aí
vistas como piroclásticas foi questionado sendo
reinterpretadas como rochas vulcaniclásticas sinvulcânicas e rochas sedimentares epiclásticas,
resultantes de deposição por acção de movimentos
de massa. Desde então o trabalho de microscopia
realizado pelo autor, embora inicialmente dirigido
para a investigação de outro tipo de questões, não
deixou de ter em atenção e de dar relevância à
observação das texturas vulcânicas presentes e à
questão do seu significado vulcanológico. A
amostragem foi alargada sempre que necessário por
forma a cobrir de forma representativa as diferentes
litologias e extendido a todas as áreas de Aljustrel.
Introdução
Os vulcanitos de Aljustrel foram considerados como
rochas piroclásticas pela primeira vez em 1969 [1].
Mais tarde foi descrita a petrografia destas rochas e
estabelecida a sua estratigrafia [2] e [3]. No conjunto
destes trabalhos os vulcanitos de Aljustrel são
definidos como rochas de quimismo rio-dacítico e
divididas
em
duas
sequências
paralelas,
equivalendo-se lateralmente: a sequência Fácies
Felsítica/Tufo da Mina com fenocristais de albite e a
sequência Tufo com Megacristais/Tufo Verde com
fenocristais de albite e de quartzo.
No estudo do depósito de Feitais [4], é mantida a
interpretação dos vulcanitos como rochas
piroclásticas e feita uma revisão da estratigrafia
considerando o zonamento vertical descrito
anteriormente como uma característica secundária e
incluindo as diferentes unidades em apenas duas, o
Tufo com Olhos de Quartzo e o Tufo da Mina. As
rochas são consideradas riólitos, mais rico em ferro
o primeiro, mais silicioso o segundo. Também no
estudo do depósito do Gavião [5], é mantida a
Texturas vulcânicas
O estudo textural utilizou como referências básicas a
terminologia e os critérios definidos em [7] e [8].
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demonstrar que a pigmentação com manchas
vermelhas, jaspíticas corresponde à alteração
hidrotermal de radiolaritos pré-existentes.
As rochas antes designadas como tufíticas, incluídas
na Formação Siliciosa do Paraíso [1], [2] e [3], são
claramente de natureza sedimentar vulcanogénica.
Fotografias
As fotografias documentam as texturas referidas. As
designações litológicas tradicionais estão entre “ ”.
A graduação da régua de escala é centimétrica.
As fácies reconhecidas incluem lavas, coerentes e
autoclásticas, depósitos vulcaniclásticos e rochas
sedimentares vulcanogénicas. As lavas constituem a
maior parte da espessura nas duas unidades.
As lavas coerentes apresentam aspectos texturais
como: (*) Textura porfirítica ou microporfirítica,
normalmente com fenocristais euédricos de albite
e/ou quartzo distribuídos de forma uniforme; (*) A
matriz tem textura traquítica ou politaxítica; (*) Uma
foliação de fluxo está muitas vezes presente, outras
vezes a rocha é maciça; (*) Frequentemente a rocha
é vesicular/amigdalítica com preenchimento de
quartzo, calcite ou clorite; (*) Zonamento em função
da densidade e dimensão das vesículas que permite
inferir a presença de almofadas ou lobos em
escoadas; (*) Ocorrência de vidro vulcânico com
textura perlítica.
É possível estabelecer uma correspondência com a
terminologia anteriormente utilizada para descrever
estas rochas [2] e [3]. Assim, os felsitos maciços e
felsófiros no Tufo da Mina bem como as litologias
felsofíricas do Tufo com Olhos de Quartzo
correspondem a lavas coerentes.
As fácies autoclásticas incluem autobrechas e
hialoclastitos e caracterizam-se por: (*) Estritamente
monomíticos; (*) Clastos com textura porfirítica ou
microporfirítica com matiz traquítica ou pilotaxítica;
(*) Autobrechas incorporam clastos com foliação de
fluxo e têm tendência tabular com extremidades
denteadas muito recortadas; (*) Alguns hialoclastitos
têm fragmentos com margens em que se sobrepõem
os efeitos do arrefecimento rápido e das alterações
por reacção com a água do mar; (*) Por vezes os
fragmentos dos hialoclastitos ajustam-se como num
“puzzle”; (*) Matriz detrítica dos hialoclastitos
constituída por fragmentos com dimensão da areia.
Anteriormente estas brechas não eram distinguidas
dos felsitos maciços e felsófiros. Outros tufos
lapilli/brecha revelaram-se falsas brechas, o aspecto
bréchico resulta da diferença de estado de alteração
entre os pseudo-fragmentos e a matriz. É este o caso
do tufo-brecha a muro do depósito de Feitais [2].
Há transição desde os hialoclastitos até às rochas
vulcaniclásticas. Nestas as texturas detríticas são
características. Nas brechas há um largo predomínio
da matriz. As granulometrias correspondentes a
arenitos são muito mais frequentes e há indícios de
transporte por movimentos de massa que incluem a
estratificação gradativa. Todas estas rochas eram
anteriormente consideradas tufos brecha, tufos
porfiríticos e tufos granulares.
Ocorrem ainda rochas sedimentares vulcanogénicas
que incluem fragmentos de origem vulcânica, de
diferentes tipos e composições, e de origem nãovulcânica, anteriormente descritas como tufos lapilli.
Os diferentes episódios de actividade vulcânica
terminam com deposição de sedimentos siliciosos
que incluem jaspes e chertes. Nalguns casos, pelo
menos, foi possível demonstrar que estes chertes são
na realidade radiolaritos e noutros casos é possível
Fig.1: Gavião, sondagem SA4_311,55. “Felsito
maciço”, lava coerente com textura traquítica (N.C.).
Fig.2: Gavião, sondagem SA8_272,90. ”Tufo com
olhos de quartzo”, lava coerente com textura
politaxítica, fenocristal bipiramidado de quartzo e
fenocristais euédricos de plagioclase (N.C.).
Fig.3: Gavião, sondagem SA9_323,95. “Tufo
lapilli/brecha”, vidro vulcânico com textura perlítica
clássica (N.C.).
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Fig.4: Moinho, sondagem B119_13,77-13,89.
“Felsito maciço”, lava coerente muito vesiculada.
Fig.8: Moinho, piso 200 local 3AM200A. “Tufo
brecha”, hialoclastito, fragmento (centro inferior)
com textura traquítica fluidal acentuada (N.C.).
Fig.5: Gavião, sondagem SA24_409,50. “Felsito
maciço”, lava coerente, amígdalas de quartzo em
matriz traquítica (N.C.).
Fig.9: Moinho, piso 200 local 3AM200A. “Tufo
brecha”, hialoclastito, matriz com textura detrítica
(N.C.).
Fig.10: Feitais, sondagem FS6_190,82-190,93.
“Tufo brecha”, lava coerente, falsa brecha.
Fig.6: Moinho, superfície local 11C8C. “Tufo com
olhos de quartzo”, lava coerente com laminação
fluidal (N.C.).
Fig.11: Feitais, sondagem FS6_190,80. “Tufo
brecha”, lava coerente, falsa brecha, fragmentos e
matriz sem fronteira nítida, distinguidos por uma
alteração filitosa mais intensa na matriz (N.C.).
Fig.7: Moinho, piso 200 local 3AM200A. “Tufo
brecha”, hialoclastito ligeiramente transportado,
fragmentos com margem de arrefecimento (centro
superior) e com laminação fluidal (centro inferior).
181
Fig.12: Feitais, sondagem FI2_226,37-226,47. “Tufo
lapilli/brecha”, autobrecha, fragmentos denteados
com laminação fluidal.
Fig.16: Azinhal, sondagem A3_93,54-93,74. “Tufo
com olhos de quartzo”, rocha ressedimentada
vulcaniclástica com estratificação gradativa.
Conclusões
A evidência é de total clareza. Nunca foram
encontradas quaisquer evidências texturais de rochas
piroclásticas. Os vulcanitos de Aljustrel resultaram
de um tipo de vulcanismo efusivo.
É óbvio que as estimativas sobre a profundidade da
bacia deposicional devem ser reapreciadas. O
reconhecimento da natureza e distribuição dos
diferentes tipos de brechas e rochas sedimentares
intercaladas na sequência vulcânica permitirá
reconstituir a arquitectura do ambiente deposicional
em que o vulcanismo e a sedimentação ocorreram.
As implicações relacionadas com a evolução
geodinâmica da bacia deposicional e com a
metalogénese são previsíveis.
Agradecimentos
O autor agradece ao Laboratório do Departamento
de Geologia da U.T.A.D. a preparação de lâminas
delgadas e os muito úteis comentários e sugestões de
Robert W. Hodder, Professor Emérito da
Fig.13: Feitais, sondagem FI2_226,40. “Tufo
lapilli/brecha”, autobrecha, fragmentos mais finos
que a matriz, ambos microporfiríticos e com
laminação fluidal, fronteira nítida (N.C.).
University of Western Ontario.
Referências bibliográficas
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overthrusts at Aljustrel (South Portugal). Geol. Mag.
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Schermerhorn, L. J. G. S. (1976) III Reunião de Geologia
do Sudoeste do Maciço Hespérico da Península Ibérica,
Huelva-Beja, 1975. Livro-guia das excursões geológicas.
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[3] Schermerhorn, L. J. G. (1976) The Aljustrel Volcanics:
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Pyritite Deposits, South Portugal). Memórias e Notícias,
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[6] Leitão, J. C. R. (2004) Estratigrafia e Estrutura dos
Depósitos de Sulfuretos Maciços Vulcanogénicos de
Aljustrel. Tese P. A. P. C. C. , U.T.A.D.
[7] McPhie, J., Doyle, M. & Allen, R. (1993) Volcanic
Textures. A guide to the interpretation of textures in
volcanic rocks. CODES, University of Tasmania, 197p.
[8] Gifkins, C., Herrmann, W. & Large, R. (2005) Altered
Volcanic Rocks. A guide to description and interpretation.
CODES,
University
of
Tasmania,
275p.
Fig.14: Azinhal, sondagem LCSA1_104,05. Cherte
com fósseis de radiolários (N.P.).
Fig.15: Gavião, sondagem SA4_123,19-123,35.
“Tufo
lapilli/brecha”,
brecha
sedimentar
vulcanogénica (epiclástica), fragmentos variados de
origem vulcânica e fragmentos de xistos negros.
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