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Livro Fundamentos de Pesquisa em enfermagem 7ª Ed (1)

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Avaliação de evidências para
a prática da enfermagem
7ª Edição
Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição:
Anna Maria Hecker Luz
Doutora em Educação.
Professora Titular do Curso de Enfermagem da UNISINOS.
Lisia Maria Fensterseifer
Livre Docente em Enfermagem.
Professora Titular do Curso de Enfermagem da UNISINOS.
Maria Henriqueta Luce Kruse
Doutora em Educação.
Professora Associada da Escola de Enfermagem da UFRGS.
P769f
Polit, Denise F.
Fundamentos de pesquisa em enfermagem [recurso
eletrônico] : avaliação de evidências para a prática de
enfermagem / Denise F. Polit, Cheryl Tatano Beck ; tradução:
Denise Regina de Sales ; [revisão técnica: Anna Maria Hecker
Luz, Lísia Maria Fensterseifer, Maria Henriqueta Luce Kruse]. –
7. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2011.
Editado também como livro impresso em 2011
ISBN 978-85-363-2653-5
1. Enfermagem. 2. Pesquisa científica em enfermagem. I.
Beck, Cheryl Tatano. II. Título.
CDU 616-083::001.891
Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052
FUNDAMENTOS
DE PESQUISA EM
ENFERMAGEM
Avaliação de evidências
para a prática da enfermagem
Sétima edição
DENISE F. POLIT, PHD
President, Humanalysis, Inc., Saratoga Springs, New York and
Adjunct Professor, Griffth University School of Nursing, Gold Coast, Australia
CHERYL TATANO BECK, DNSc,CNM,FAAN
Distinguished Professor, School of Nursing,
University of Connecticut, Storrs, Connecticut
Tradução:
Denise Regina de Sales
Versão impressa
desta obra: 2011
2011
Obra originalmente publicada sob o título Essentials of Nursing Research:
Appraising Evidence for Nursing Practice,7th Edition
ISBN 9780781781534
Copyright © 2010 Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins
Published by arrangement with Lippincott Williams & Wilkins/Wolters Kluwer Health Inc. USA
Indicações, reações colaterais e programação de dosagens estão precisas nesta obra mas
poderão sofrer mudanças com o tempo. Recomenda-se ao leitor sempre consultar a bula
da medicação antes de sua administração. Os autores e editoras não se responsabilizam por
erros ou omissões ou quaisquer consequências advindas da aplicação de informação contida
nesta obra.
Capa
Mário Röhnelt
Preparação do original
Cristiane Marques Machado
Leitura final
Alessandra B. Flach
Editora Sênior – Biociências
Cláudia Bittencourt
Editora Júnior – Biociências
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Projeto e editoração
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Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à
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Aos nossos estudantes no mundo todo.
Seus interesses, suas paixões e sua curiosidade estimularam
nossa dedicação à pesquisa e ao ensino de alta qualidade.
Colaboradores
Kathleen Barta, EdD, RN
Associate Professor
University of Arkansas
Fayetteville, Arkansas
Marilyn Handley, RN, PhD
Associate Professor
University of Alabama
Tuscaloosa, Alabama
Mary Bennett, RN, MS, DNSc, FNP
Assistant Dean; Associate Professor
Indiana State University
Terre Haute, Indiana
Grace E. Hardie, RN, PhD
Assistant Professor; Assistant Clinical Professor;
Collaborative Researcher
San Francisco State University;
University of San Francisco
San Francisco, California
Carolyn Blue, RN, PhD, CHES
Professor
University of North Carolina
Greensboro, North Carolina
Susan Hendricks, PhD
Indiana University
Kokomo, Indiana
Diane Breckenridge, PhD, RN
Associate Professor
La Salle University
Philadelphia, Pennsylvania
Elizabeth Hill
Duke University
Durham, North Carolina
Becky Christian, PhD, RN
Associate Professor; Division Chair
University of Utah
Salt Lake City, Utah
Ann Hilton, RN, PhD
Professor and Coordinator of MSN Program
University of British Columbia
Vancouver, British Columbia
Linda Cook, RN, BC
Associate Professor
Bloomsburg University of Pennsylvania
Bloomsburg, Pennsylvania
Barbara J. Hoerst, RN, PhD
Assistant Professor
La Salle University
Philadelphia, Pennsylvania
Bernadette Curry, PhD
Molloy College
Rockville Centre, New York
Karyn Holm, PhD, RN, FAAN
Professor
DePaul University
Chicago, Illinois
Barbara Davis, PhD, RN
Professor
University of Southern Indiana
Evansville, Indiana
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Indiana University
Kokomo, Indiana
Velma Edmonds, DNS, MSN, BSN, RN
Assistant Professor
University of Texas
El Paso, Texas
Ann Jacobson, PhD, RN
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Kent State University
Kent, Ohio
Kay Foland, PhD, APRN, BC, CNP
Associate Professor
South Dakota State University
Rapid City, South Dakota
Peggy Leapley, PhD, RN, FNP, CNS, APRN, BC
Professor and Chair of Nursing
California State University
Bakersfield, California
Sharon George, PhD
University of Alabama
Huntsville, Alabama
Gayle Lee, PhD, FNP­‑C, CCRN
Nursing Faculty
Brigham Young University, Idaho
Rexburg, Idaho
viii
Colaboradores
Margaret Louis, PhD
University of Nevada
Las Vegas, Nevada
Nelda Martinez, PhD, RN
Associate Professor; Senior Fellow
University of Texas, El Paso; Hispanic Health Disparities
Research Center
El Paso, Texas
Carrie McCoy, PhD, MSPH, RN, CEN
Professor; Director of ABSN Program
Northern Kentucky University
Highland Heights, Kentucky
Marylou K. McHugh, RN, EdD
Adjunct Faculty
Drexel University; Temple University
Philadelphia, Pennsylvania
Nancy Menzel, PhD, APRN­‑BC, COHN­‑S, CNE
Associate Professor
University of Nevada, Las Vegas
Las Vegas, Nevada
Ruby Morrison
University of Alabama
Tuscaloosa, Alabama
Donna Musser, PhD, RN
Assistant Professor
University of Central Arkansas
Conway, Arkansas
Sarah Newton, PhD, RN
Associate Professor
Oakland University
Rochester, Michigan
Priscilla C. O’Connor, PhD, APRN, BC
Lecturer
Temple University
Philadelphia, Pennsylvania
Nicole Ouellet, PhD, RN
Professor
Université du Québec à Rimouski
Rimouski, Quebec
Elizabeth Petit De Mange, RN, PhD
Assistant Professor
Drexel University
Philadelphia, Pennsylvania
Pammla Petrucka,RN, BSc, BScN, MN, PhD
Associate Professor
University of Saskatchewan
Regina, Saskatchewan
Janice Polizzi, MSN, RN
Associate Professor
Florida Hospital College
Orlando, Florida
Patsy Riley
Troy University
Troy, Alabama
Denise Robinson, PhD, RN, FNP
Interim Chair and Regents Professor
Northern Kentucky University
Highland Heights, Kentucky
Nancy Schlapman
Indiana University
Kokomo, Indiana
Joanne Serembus, EdD, RN, CCRN, CNE
Clinical Associate Professor
Drexel University
Philadelphia, Pennsylvania
Sandra L. Siedlecki, RN, CNS, PhD
Senior Nurse Researcher
Cleveland Clinic Foundation
Cleveland, Ohio
Matthew Sorenson, PhD, RN
Assistant Professor
DePaul University
Chicago, Illinois
Valmi Sousa, PhD
University of North Carolina
Charlotte, North Carolina
Amy Spurlock, PhD, RN
Associate Professor
Troy State University
Troy, Alabama
Thomas Stenvig, RN, PhD, MPH, CNAA
Associate Professor
South Dakota State University
Brookings, South Dakota
Marliyn Stoner, RN, PhD
Associate Professor
California State University
San Bernardino, California
Helene Sylvain, PhD
Université du Québec à Rimouski
Rimouski, Québec
Jane Tarnow
DePaul University
Chicago, Illinois
Colaboradores
Becky Thiel
Shawnee State University
Portsmouth, Ohio
Molly Walker, PhD, RN, CNS
Associate Professor
Angelo State University
San Angelo, Texas
Karen Ward, PhD
Middle Tennessee State University
Murfreesboro, Tennessee
Gail Washington, DNS, RN
Assistant Professor
California State University
Los Angeles, California
Joan Wasserman, PhD, MBA, RN
Assistant Professor
University of Texas, Houston
Houston, Texas
Latricia Weed, PhD
Troy State University
Troy, Alabama
ix
Katherine Willock, PhD, APRN, BC
Associate Professor and Director of Graduate Programs
Indiana University­‑Purdue University
Fort Wayne, Indiana
Evelyn Wills, BSN, MSN, PhD
Professor
University of Louisiana
Lafayette, Louisiana
Mary Woo, DNSc, RN
Professor
University of California
Los Angeles, California
Geri L. Wood, PhD, RN, FAAN
Associate Professor
University of Texas Health Science Center
Houston, Texas
Patti Rager Zuzelo, EdD, APRN, BC, CNS
Associate Professor & CNS Track Coordinator;
Associate Director of Nursing for Research
La Salle University; Albert Einstein Healthcare Network
Philadelphia, Pennsylvania
Prefácio
Pela sétima vez trabalhamos neste livro, que ensina a ler relatórios de pesquisa e a
criticar métodos usados em estudos de enfermagem. É difícil imaginar que redigir
a sétima edição de um manual sobre métodos de pesquisa seja algo divertido – mas
essa é a palavra certa para descrever a experiência de trabalhar nesta nova edição.
Fizemos muitas mudanças no conteúdo e na organização do livro, e as revisões
mantiveram nosso entusiasmo e nossa energia sempre em alta. Temos certeza de
que melhoramos muito o material e conseguimos, ao mesmo tempo, manter os
aspectos que fizeram desta obra um clássico em todo o mundo. Acreditamos que
esta edição vai facilitar e estimular ainda mais os enfermeiros* a trilhar um caminho profissional que incorpora a avaliação racional e equilibrada de informações
fornecidas por estudos científicos.
Novidades desta edição
Ênfase consistente e progressiva na
prática baseada em evidências
De modo ainda mais amplo, enfatizamos, nesta edição, que a pesquisa é um
em­preendimento crucial para a prática da enfermagem baseada em evidências.
Ao tópico da prática baseada em evidências (PBE) demos maior proeminência,
deslocando­‑o do último para o segundo capítulo e expandindo seu conteúdo.
Enfatizamos, ao longo deste livro, que evidências de alta qualidade são produto
da capacidade de decisão dos pesquisadores ao elaborar e realizar seus estudos.
Cada capítulo ­oferece orientação sobre o modo de avaliar resultados de pesquisas, tendo em vista sua utilidade como fonte de informação para decisões clínicas
de enfermagem. Também acrescentamos um capítulo novo, explicando como ler,
interpretar e criticar revisões sistemáticas, ponto considerado por muitos como a
pedra angular da PBE. O crescente foco na PBE levou­‑nos a mudar o título do livro
para enfatizar o importante elo entre pesquisa e evidências.
Novas metodologias na pesquisa médica
Os pesquisadores da área de enfermagem tendem a usar métodos e jargões originários das ciências sociais, mas o direcionamento da PBE para a medicina tem
levado a inovações metodológicas relevantes em toda pesquisa da área de saúde.
Além disso, a familiaridade com termos e abordagens da pesquisa médica pode
ser benéfica para os enfermeiros, facilitando a leitura de artigos sobre questões de
saúde em diversas revistas. Esta edição fornece uma apresentação mais equilibrada dos métodos e da nomenclatura das ciências sociais e médicas.
12
Denise F. Polit & Cheryl Tatano Beck
Conteúdo aperfeiçoado sobre métodos qualitativos
A cada nova edição, expandimos o conteúdo sobre os métodos da pesquisa quali­
tativa, e esta não foge à regra. Temos especial satisfação em incluir um novo capí­
tulo, o décim oitavo, sobre qualidade e confiabilidade na pesquisa qualitativa.
Acreditamos que o conteúdo e a amplitude desse importante capítulo não encon­
tram paralelo em qualquer outro livro geral sobre métodos de pesquisa para enfermeiros.
Maior assistência na interpretação
Muitos livros sobre métodos de pesquisa descrevem as técnicas usadas para gerar
dados, mas, geralmente, pouco ou nada ajudam na interpretação dos resultados.
Por isso, empreendemos esforços para sanar essa deficiência, oferecendo uma estrutura interpretativa para pesquisas tanto quantitativas (Cap. 16) quanto qualitativas (Cap. 18).
Apoio adicional para avaliação de pesquisas – ferramentas
Cada capítulo deste livro inclui questões que ajudam os estudantes a ler e avaliar
artigos científicos. Nesta edição, as orientações de crítica encontram­‑se também
disponíveis no link do livro e no site www.grupoaeditoras.com.br. Muitos professores comentaram que as orientações de crítica (cujo capítulo, nesta edição, foi
deslocado para o início do livro) são úteis como material avulso, sendo agora mais
fácil acessá­‑las.
ORGANIZAÇÃO DO TEXTO
O conteúdo desta edição está organizado em cinco partes principais.
ü
Parte 1 – Visão geral da pesquisa em enfermagem e do seu papel na prática
baseada em evidências
Apresenta conceitos fundamentais da pesquisa em enfermagem. O Capítulo
1 resume a história e o futuro dessa pesquisa, discute as bases filosóficas da
pesquisa qualitativa versus quantitativa e descreve os principais propósitos da
pesquisa em enfermagem. Por sua vez, o Capítulo 2 oferece orientação para o
uso de pesquisas na PBE. O Capítulo 3 apresenta aos leitores termos­‑chave e uma
visão geral das etapas do processo investigativo em estudos tanto qualitativos
quanto quantitativos. Já o Capítulo 4 foca relatórios de pesquisa, explicando
sua definição e o modo como devem ser lidos. O Capítulo 5 discute a ética em
pesquisas de enfermagem.
ü
Parte 2 – Etapas preliminares na avaliação de evidências
Cria condições para a compreensão do processo de pesquisa, considerando
aspectos da conceituação dos estudos. O Capítulo 6 foca o desenvolvimento de
questões de pesquisa e a formulação de hipóteses. O Capítulo 7 discute como
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
13
preparar e criticar revisões da literatura. O Capítulo 8 apresenta informações
sobre estruturas teóricas e conceituais.
ü
Parte 3 – Delineamento de pesquisa em enfermagem
Apresenta materiais sobre a elaboração de pesquisas qualitativas e quantitativas em enfermagem. O Capítulo 9 descreve alguns princípios fundamentais e
discute muitos aspectos específicos do delineamento de pesquisa quantitativa.
O Capítulo 10 trata das várias tradições de pesquisa que têm contribuído para
o crescimento da pesquisa naturalista e qualitativa. O Capítulo 11 introduz
alguns tipos específicos de pesquisa (p. ex., avaliações, questionários, enquete,
análises secundárias) e descreve estudos com métodos mistos, que integram
componentes qualitativos e quantitativos. Já o Capítulo 12 introduz modelos
de amostragem de participantes em pesquisa.
ü
Parte 4 – Coleta de dados
Refere­‑se ao conjunto de dados para responder a questões de pesquisa. O Capítulo 13 discute uma série de opções de coleta de dados para pesquisadores em
enfermagem, incluindo abordagens tanto qualitativas quanto quantitativas. O
Capítulo 14 descreve o conceito de mensuração e os critérios de avaliação da
qualidade dos dados em estudos quantitativos.
ü
Parte 5 – Análise e interpretação de dados
Discute métodos analíticos das pesquisas qualitativa e quantitativa. O Capítulo
15 revisa métodos de análise quantitativa, pressupondo que o leitor não tem
conhecimentos de estatística. Busca­‑se, principalmente, explicar por que a
estatística é necessária, quais testes podem ser apropriados em determinada
situação e qual o significado das informações estatísticas de um relatório de
pesquisa. O Capítulo 16 discute modos de avaliar o rigor de estudos quantitativos
e abordagens de interpretação de resultados estatísticos. O Capítulo 17, por sua
vez, apresenta uma discussão da análise qualitativa, com ênfase em etnografia,
estudos fenomenológicos e estudos de teoria fundamentada. O Capítulo 18
elabora critérios de avaliação da qualidade e da integridade dos estudos qualitativos. E, finalmente, o Capítulo 19 descreve revisões sistemáticas, incluindo
como entender e avaliar tanto a metanálise quanto a metassíntese.
ASPECTOS­‑CHAVE
Esta edição, assim como as anteriores, enfatiza a arte – e a ciência – dos críticos de
pesquisas. Oferece orientação a estudantes que estão aprendendo a avaliar relatórios de pesquisa e a usar descobertas científicas na prática. Dentre os princípios
básicos que ajudaram a elaborar esta edição e as precedentes estão:
1. o pressuposto de que a competência em fazer e avaliar pesquisas é crítica para
a profissão de enfermagem;
2. a convicção de que a investigação científica é gratificante para os enfermeiros,
tanto no campo intelectual quanto no profissional;
3. a absoluta certeza de que a tarefa de adquirir conhecimentos sobre métodos
de pesquisa não deve intimidar nem entediar ninguém. Consistentes com
esses princípios, tentamos apresentar fundamentos de pesquisa de um modo
acessível e capaz de despertar curiosidade e interesse.
14
Denise F. Polit & Cheryl Tatano Beck
Aspectos gerais
Das edições anteriores, conservamos muitos aspectos­‑chave que ajudaram consumidores de pesquisa em enfermagem:
ü
ü
ü
ü
ü
Estilo claro; fácil compreensão. Nosso texto é elaborado em um estilo simples,
que não intimida o leitor. Os conceitos são introduzidos de modo cuidadoso e
sistemático; as ideias difíceis, apresentadas com clareza. Pressupõe­‑se que os
leitores não têm familiaridade com termos técnicos.
Orientação para a elaboração de críticas. Todos os capítulos incluem orientações para a elaboração de críticas de vários aspectos dos relatórios de pesquisa.
As seções de orientação fornecem uma lista de questões­‑guia, que despertam
a atenção do aluno para aspectos do estudo passíveis de avaliação por consumidores de pesquisas. As versões eletrônicas dessas orientações encontram­‑se
disponíveis no site www.grupoaeditoras.com.br.
Exemplos de pesquisa. No final de cada capítulo, há um ou dois exemplos de
pesquisas recentes, destinados a esclarecer pontos essenciais e a aguçar o pensamento crítico do leitor. Além disso, muitos exemplos de pesquisa são usados
para ilustrar pontos­‑chave do texto e estimular a reflexão sobre possíveis áreas
de investigação. Escolhemos muitos exemplos internacionais, a fim de mostrar
aos alunos que a importância da pesquisa em enfermagem está crescendo no
mundo todo.
Dicas a consumidores. O texto contém orientações práticas e “dicas” para
aplicação das noções abstratas dos métodos de pesquisa em situações mais
concretas. Nessas dicas, dedicamos atenção especial ao modo de ler relatórios de
pesquisa, tarefa que, com frequência, assusta aqueles que não têm treinamento
especializado na área.
Projeto gráfico. O uso de cores, tabelas, gráficos e exemplos reforça o texto e
proporciona estímulo visual.
Recursos de aprendizagem
Foram usados muitos recursos que incrementam e reforçam o aprendizado e, espe­
cial­mente, facilitam o desenvolvimento de habilidades críticas. Dentre eles:
ü
ü
ü
ü
Objetivos do estudante. Os objetivos de aprendizado são identificados na
abertura do capítulo para focar a atenção do aluno no conteúdo crítico.
Termos­‑chave. Termos novos são definidos no contexto (destacados em negrito),
na primeira vez em que aparecem no texto. Depois, no final de cada capítulo,
compõem uma lista, que fizemos questão de reduzir, incluindo apenas os termos mais importantes. Um glossário, no final do livro, fornece apoio adicional
quando o leitor precisa entender o significado de algum termo metodológico.
Resumo dos pontos principais, em formato de lista. Uma breve relação dos
principais pontos, enfatizando o conteúdo mais significativo, foi incluída no
final de cada capítulo.
Artigos de pesquisa na íntegra. Nesta edição, incluímos, nos Apêndices, dois
estudos recentes, com todo o seu conteúdo. Eles podem ser lidos, analisados e
criticados pelos estudantes.
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ü
15
Suportes críticos. No final de cada capítulo, apresentamos “Atividades para
desenvolver o pensamento crítico” – exercícios que permitem a prática da crítica. Alguns deles baseiam­‑se em estudos incluídos, em sua forma integral, nos
apêndices; outros, em estudos resumidos no final dos capítulos.
Esperamos que o conteúdo, o estilo e a organização desta sétima edição de
Fundamentos de pesquisa em enfermagem sejam úteis aos estudantes que querem
aprender a ler estudos de enfermagem de modo racional e hábil e também àqueles
que pretendem aprimorar seu desempenho clínico com base em descobertas científicas. Temos, ainda, a expectativa de que este livro ajude a despertar o entusiasmo pelo tipo de descoberta e conhecimento que a pesquisa pode produzir.
Denise F. Polit, PhD
Cheryl Tatano Beck,
DNSc, CNM, FAAN
Agradecimentos
Esta sétima edição, assim como as seis anteriores, contou com a generosa contribuição de muitas pessoas. Muitos professores e alunos que usaram o texto fizeram
sugestões de valor incalculável para sua melhoria, e somos muito gratas a todos
eles. Essas sugestões nos foram feitas diretamente, em interações pessoais (principalmente na University of Connecticut e na Griffith University, na Austrália), e
por meio dessa maravilhosa ferramenta de comunicação que é o e­‑mail. Além de
todos aqueles que nos ajudaram nas últimas três décadas, em edições anteriores,
há alguns que merecem menção especial por seu trabalho.
Gostaríamos de citar os comentários de pessoas que leram a edição anterior
de Fundamentos e cujo feedback anônimo influenciou nossas revisões. Vários comentários geraram muitas mudanças importantes, e somos muito gratas àqueles
que os fizeram.
Além disso, houve contribuições específicas de muitas pessoas. Apesar de ser
impossível mencionar todas elas, destacamos os pesquisadores da área de enfermagem que compartilharam seus trabalhos conosco, contribuindo para a seção de
exemplos com pesquisas que, em alguns casos, ainda nem tinham sido publicadas.
16
Denise F. Polit & Cheryl Tatano Beck
Pela internet, trabalhamos com os autores dos relatórios que aparecem nos Apêndices. Compartilhamos com eles nossas críticas e “respostas” aos exercícios para o
desenvolvimento do pensamento crítico a fim de confirmar se tínhamos compreendido bem os relatórios apresentados, e eles tiveram a generosidade de dedicar
parte do seu tempo à revisão do nosso material. Agradecemos especialmente a
ajuda de Carol Howell, Marti Rice, Linda Walsh e Michael McGillion. Tivemos
ainda a extraordinária cooperação dos autores dos estudos resumidos no final de
cada capítulo; a todos eles, a nossa gratidão.
Estendemos calorosos agradecimentos aos que ajudaram a transformar os
manuscritos em um produto acabado. A equipe da Lippincott Williams & Wilkins
ajudou­‑nos enormemente ao longo dos anos. Estamos em débito com Hilarie Surrena, Helen Kogut, Mary Kinsella, Annette Ferran, Joan Wendt e com todos os
outros que, nos bastidores, ofereceram sua contribuição.
Finalmente, agradecemos às nossas famílias, aos nossos entes queridos e aos
nossos amigos, que nos deram apoio e nos encorajaram nessa jornada e que, com
tolerância, acompanharam nosso trabalho noite adentro, nos fins de semana e
feriados, no intuito de finalizar esta edição.
Sumário
Parte 1
Visão geral da pesquisa em enfermagem e do seu papel
na prática baseada em evidências............................................................................19
1Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências.......................................... 21
2
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos............................................. 53
3Etapas e conceitos­‑chave das pesquisas qualitativa e quantitativa........................................ 83
4Leitura e crítica de relatórios de pesquisa.......................................................................... 111
5
Ética em pesquisa............................................................................................................... 142
Parte 2
Etapas preliminares na avaliação de evidências.....................................................169
6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa.................................................................... 171
7Revisão da literatura: localização e análise de evidências................................................... 196
8Estruturas teóricas e conceituais........................................................................................ 221
Parte 3
Delineamento de pesquisa em enfermagem..........................................................247
9
Delineamento de pesquisas quantitativas........................................................................... 249
10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas..................................................... 288
11Tipos específicos de pesquisa............................................................................................. 316
12
Planos de amostragem....................................................................................................... 339
Parte 4
Coleta de dados.......................................................................................................369
13
Métodos de coleta de dados.............................................................................................. 371
14
Medições e qualidade dos dados........................................................................................ 406
18
Sumário
Parte 5
Análise e interpretação de dados...........................................................................427
15
Análise estatística de dados quantitativos........................................................................... 429
16Rigor e interpretação na pesquisa quantitativa................................................................... 480
17
Análise de dados qualitativos.............................................................................................. 504
18
Confiabilidade e integridade na pesquisa qualitativa.......................................................... 532
19Revisões sistemáticas: metanálise e metassíntese.............................................................. 559
Referências teóricas e metodológicas .................................................................................................... 588
Glossário.................................................................................................................................................. 594
Glossário de símbolos estatísticos selecionados...................................................................................... 621
Apêndices: relatórios de pesquisa..........................................................................623
A Relações entre ansiedade, raiva e pressão arterial em crianças..................................................... 625
B Aniversário do trauma de nascimento........................................................................................... 634
Índice....................................................................................................................................................... 647
P arte
1
Visão geral da pesquisa
em enfermagem e do
seu papel na prática
baseada em evidências
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
1
21
Introdução à pesquisa
em enfermagem
baseada em
evidências
PERSPECTIVAS DA
PESQUISA EM ENFERMAGEM
O que é pesquisa em enfermagem?
A importância da pesquisa na prática
da enfermagem baseada em
evidências
Papéis do enfermeiro na pesquisa
PESQUISA EM ENFERMAGEM:
PASSADO, PRESENTE E FUTURO
Primeiros anos: de Nightingale à década
de 1970
A pesquisa em enfermagem a partir de 1980
Rumos da pesquisa em enfermagem no
novo milênio
FONTES DE evidências pARA
A PRÁTICA DA ENFERMAGEM
Tradição e autoridade
Experiência clínica, tentativa e erro
e intuição
Raciocínio lógico
Banco de dados
Pesquisa científica
PARADIGMAS DA
PESQUISA EM ENFERMAGEM
Paradigma positivista
Paradigma naturalista
Paradigmas e métodos: pesquisas quantitativa
e qualitativa
Os diversos paradigmas e a pesquisa em
enfermagem
PROPÓSITOS DA
PESQUISA EM ENFERMAGEM
Diferentes níveis de explicação
Propósitos de pesquisa ligados
à PBE
ASSISTÊNCIA A CONSUMIDORES
DE PESQUISA EM ENFERMAGEM
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADES DE PENSAMENTO
CRÍTICO
REVISÃO DO CAPÍTULO
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 1
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
ü
Descrever por que a pesquisa é importante para a profissão de enfermagem
e discutir a necessidade da prática baseada em evidências.
ü
ü
ü
Descrever tendências históricas e rumos futuros da pesquisa em enfermagem.
Descrever fontes alternativas de dados para a prática de enfermagem.
Descrever as principais características dos paradigmas positivista e naturalista e discutir
semelhanças e diferenças entre o método científico tradicional (pesquisa quantitativa) e
os métodos naturalistas (pesquisa qualitativa).
üIdentificar vários propósitos das pesquisas qualitativa e quantitativa.
ü Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
22
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
PERSPECTIVAS da pesquisa em enfermagem
Ser enfermeiro é estimulante e desafiador. Hoje, ao assumir responsabilidades clínicas, os enfermeiros encontram com uma profissão e sistemas de saúde mais amplos, que lhes exigem um extraordinário leque de habilidades e talentos. Espera­‑se
que forneçam o atendimento com competência e alta qualidade, de modo apaixonado, mas também com um custo razoável. Para alcançar esses vários objetivos, os
enfermeiros precisam obter e avaliar informações continuamente, incorporando­
‑as à prática cotidiana, na tomada de decisões clínicas. Por isso, os enfermeiros de‑
vem ser eternos aprendizes, pessoas capazes de refletir, avaliar e modificar a própria
prática clínica com base em novos conhecimentos revelados pela pesquisa sistemática na área de saúde e enfermagem.
O que é pesquisa em enfermagem?
Pesquisa consiste em uma investigação sistemática, que usa métodos ordenados
para responder perguntas e solucionar problemas. Seu objetivo final é desenvolver, refinar e expandir um corpo de conhecimentos.
Os enfermeiros estão cada vez mais engajados em estudos disciplinados que
beneficiam a profissão e os pacientes. A pesquisa em enfermagem é uma investigação sistemática, destinada a obter dados confiáveis sobre temas importantes
para a profissão, incluindo prática, ensino, administração e informatização.
Neste livro, enfatizamos justamente a pesquisa em enfermagem clínica, ou
seja, destinada a orientar a prática profissional e a melhorar a saúde e a qualidade
de vida dos pacientes. A pesquisa clínica em enfermagem inicia­‑se tipicamente
com questões oriundas de problemas da prática, semelhantes aos que os enfermeiros costumam encontrar no cotidiano.
Exemplos de questões de pesquisa em enfermagem
üEntre os fumantes atuais, há mais fontes indiretas de exposição ao cigarro associadas com
ü
maior dependência de nicotina e menor intenção de parar de fumar? (Okoli, Browning,
Rayens e Hahn, 2008)
A longo prazo, quais são os efeitos do tratamento contra o câncer entre aqueles que há
muito tempo têm essa doença? Como eles conseguem apoio e informações que não são
dados no tratamento de acompanhamento? (Klemm, 2008)
A importância da pesquisa na prática da
enfermagem baseada em evidências
Em todas as partes do mundo, a enfermagem experimentou uma profunda mudança cultural ao longo das últimas décadas. Cada vez mais, espera­‑se que os enfermeiros compreendam e realizem pesquisas e baseiem sua prática profissional em
dados levantados por pesquisas científicas; espera­‑se ainda que eles adotem uma
prática baseada em evidências (PBE). Esta é definida, de modo amplo, como o
uso dos melhores dados clínicos na tomada de decisões relativas ao atendimento
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
23
ao paciente, e esses dados costumam vir de pesquisas realizadas por enfermeiros
e outros profissionais da área de saúde.
Os dados utilizados na PBE podem vir de várias fontes, mas, em geral,
acredita­‑se que as descobertas de estudos criteriosos fornecem informações consistentes que orientam as decisões e as ações dos enfermeiros. Os profissionais
estão reconhecendo a necessidade de basear suas ações e decisões em dados que
confirmam a adequação clínica, a eficácia em termos de custos e a capacidade de
gerar resultados positivos para os pacientes.
Nos Estados Unidos, a pesquisa passou a desempenhar papel importante no
credenciamento e na classificação de profissionais de enfermagem. O American
Nurses Credentialing Center – um segmento da American Nurses Association
– desenvolveu o Magnet Recognition Program® para identificar organizações da
área de saúde que fornecem serviços de enfermagem de alta qualidade e para
elevar os padrões e o conceito da profissão. Como observaram Turkel e colaboradores (2005), para obter a credencial do Magnet, é preciso que os líderes em
enfermagem criem, desenvolvam e sustentem um ambiente de prática profissional
baseado na PBE e em pesquisas da área.
Regularmente ocorrem mudanças na prática da enfermagem devido aos esforços da PBE. Com frequência, são iniciativas localizadas e, muitas vezes, não
publicadas. Porém, também tem havido mudanças clínicas mais amplas, com base
no acúmulo de resultados de pesquisas sobre inovações práticas benéficas.
Exemplo de prática baseada em evidências
Atualmente, nos Estados Unidos e em todo o mundo, o “método canguru”, ou seja, a téc‑
nica de deixar o bebê pré­‑termo, de fralda, junto ao peito dos pais, em um contato pele
a pele, tem sido amplamente praticado em unidades de tratamento intensivo (UTIs) ne‑
onatais. No entanto, essa é uma tendência nova. Na década de 1990, poucas eram
as UTIs neonatais que ofereciam a opção “canguru”. A adoção dessa prática refle‑
te o acúmulo de provas de que o contato pele a pele logo no início traz benefícios clíni‑
cos sem causar efeitos colaterais negativos aparentes (Dodd, 2005; Galligan, 2006).
Algumas dessas provas acumuladas surgiram em estudos criteriosos, realizados por
enfermeiros­‑pesquisadores nos Estados Unidos, na Austrália, no Canadá, em Taiwan,
na Coreia e em outros países (p. ex., Chwo et al., 2002; Ludington­‑Hoe et al., 2004, 2006;
Moore e Anderson, 2007).
Papéis do enfermeiro na pesquisa
Com a ênfase atual na PBE, torna­‑se responsabilidade de cada enfermeiro o engajamento em um ou mais papéis ao longo de um continuum, de participação em
pesquisas. Em um dos extremos desse continuum estão os usuários (consumidores)
da pesquisa em enfermagem — enfermeiros que leem relatórios de pesquisa com o
objetivo de desenvolver novas habilidades e manterem­‑se atualizados a respeito
de descobertas relevantes, que podem afetar sua prática. Atualmente, os enfermeiros esperam, no mínimo, manter esse nível de envolvimento com a pesquisa. A
PBE depende de consumidores de pesquisa bem­‑informados.
No outro extremo do continuum estão os produtores de pesquisa em enferma‑
gem — enfermeiros que participam ativamente da elaboração e da implementação
de estudos. Houve tempo em que a maioria dos pesquisadores em enfermagem era
composta de acadêmicos e professores de escolas de enfermagem; porém, cada
24
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
vez mais, a pesquisa tem sido conduzida por enfermeiros práticos, que desejam
descobrir o melhor para seus pacientes.
Entre os dois extremos do continuum consumidor­‑produtor encontra­‑se uma
rica variedade de atividades de pesquisa em que os enfermeiros podem se engajar. Mesmo aqueles que nunca realizaram um estudo podem realizar atividades
como:
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participar de um grupo de estudos no trabalho, com encontros para discutir e
criticar artigos científicos;
assistir a apresentações de pesquisas em conferências profissionais;
solucionar problemas clínicos e tomar decisões clínicas com base em pesquisas
criteriosas;
ajudar a desenvolver ideias para estudos clínicos;
revisar planos de pesquisa propostos e oferecer os próprios conhecimentos
clínicos para melhorar esses planos;
ajudar pesquisadores a recrutar potenciais participantes de estudos ou a coletar
informações para pesquisas (p. ex., distribuir questionários aos pacientes);
fornecer informações e conselhos aos pacientes sobre a participação em estudos;
discutir as implicações e a relevância de descobertas científicas com os pacientes.
Exemplo de pesquisa publicada nos meios de comunicação
Esta manchete sobre um estudo da área de saúde foi divulgada em jornais e nas principais redes
de televisão dos Estados Unidos e do Canadá em abril de 2007: “Estudo não confirma relação
entre aborto e câncer”. De acordo com o estudo, que envolveu mais de 100 mil enfermeiros,
acompanhados por mais de uma década, o fato de ter sofrido um aborto não aumenta o risco
de câncer de mama.
O que você diria a pacientes que fizessem perguntas sobre esse estudo? Você
seria capaz de comentar a credibilidade das descobertas, avaliando, por conta própria, o rigor com que o estudo foi conduzido? Este livro pode capacitá­‑lo a fazer
essa avaliação.
Em todas as possíveis atividades relacionadas com a pesquisa, enfermeiros
que possuem habilidades de pesquisa estão mais capacitados a contribuir para a
enfermagem e a PBE do que aqueles que não dispõem dessas habilidades. A compreensão da pesquisa em enfermagem pode ajudar a ampliar a profundidade e a
abrangência da prática profissional de todos os enfermeiros.
PESQUISA EM ENFERMAGEM: PASSADO, PRESENTE E FUTURO
Ainda que a pesquisa em enfermagem nem sempre tenha experimentado a proemi­
nência e a importância de que desfruta hoje, sua longa e interessante história
aponta­‑lhe um futuro notável. A Tabela 1.1 resume alguns dos eventos­‑chave na
evolução histórica da pesquisa em enfermagem.
CAPÍTULO 1
Tabela 1.1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
25
Marcos históricos
da pesquisa em enfermagem
ANOEVENTO
1859
Publicação de Notas sobre enfermagem, de Florence Nightingale
1900Lançamento da revista American Nursing Journal
1923
Primeiro programa de doutorado para enfermeiros (na Columbia University)
Publicação do Goldmark report, estudo realizado nos Estados Unidos pelo Committee
for the Study of Nursing Education, com conclusões a favor da formação acadêmica de
enfermeiros
Anos
Publicação de estudos de casos clínicos pela revista American Journal of Nursing
de 1930
1936
Primeira bolsa para pesquisa em enfermagem nos Estados Unidos (concedida pela so­
ciedade de enfermagem Sigma Theta Tau)
1948
Publicação de um relatório sobre a inadequação da formação de enfermeiros, por Esther
Lucille Brown
1952Lançamento da revista Nursing Research
1955
Financiamento de pesquisas em enfermagem pela American Nurses’ Foundation
1957
Fundação de um centro de pesquisas em enfermagem no Walter Reed Army Institute of
Research (Estados Unidos)
1963Lançamento da revista International Journal of Nursing Studies
1965
Patrocínio de conferências sobre pesquisas em enfermagem pela American Nurses’
Association (ANA)
1969Lançamento da revista Canadian Journal of Nursing Research
1971
Criação de uma Comissão para Pesquisas, pela ANA
1972
Criação de um Conselho de Pesquisadores em Enfermagem, pela ANA
1976
Publicação de orientações de avaliação de pesquisa para uso na prática, por Cheryl B.
Stetler e Gwen D. Marram
1978Lançamento das revistas Research in Nursing & Health e Advances in Nursing Science
1979Lançamento da revista Western Journal of Nursing Research
1982
Publicação do relatório do projeto Conduct and Utilization of Research in Nursing
(CURN)
1983Lançamento da revista Annual Review of Nursing Research
1985
Definição de prioridades de pesquisa, pelo departamento da ANA, para pesquisas em
enfermagem
1986
Criação do National Center for Nursing Research (NCNR) junto aos U.S. National
Institutes of Health
1988Lançamento da revista Applied Nursing Research
1989
Criação da U.S. Agency for Health Care Policy and Research (AHCPR)
Em 1999, esta passou a ser chamada de Agency for Healthcare Research and Quality ou
AHRQ
1993Transformação do NCNR em instituto – National Institute of Nursing Research (NINR)
1994Lançamento da revista Qualitative Health Research
1995
Criação do Joanna Briggs Institute, integrante da PBE internacional, na Austrália
1997
Criação da Canadian Health Services Research Foundation, com recursos federais
2000
Fundo anual do NINR ultrapassa a marca dos 100 milhões de dólares
Fundação do Canadian Institute of Health Research
2004Lançamento da revista Worldviews on Evidence­‑Based Nursing
2005
Publicação de prioridades de pesquisa pela sociedade de enfermagem Sigma Theta Tau
International
26
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Primeiros anos: de Nightingale à década de 1970
A maioria das pessoas admite que a pesquisa em enfermagem começou com Florence Nightingale. O marco de suas publicações, Notas sobre enfermagem (Notes
on Nursing, 1859), descreve um interesse precursor por fatores ambientais que
promovem o bem­‑estar físico e emocional – interesse que continua presente entre
os enfermeiros 150 anos depois. Com base em hábil análise dos fatores que afetaram a mortalidade e a morbidade entre soldados durante a guerra da Crimeia,
ela conseguiu introduzir algumas mudanças no atendimento de enfermagem e, de
modo mais geral, na saúde pública.
Após o trabalho de Nightingale, por muitos anos, a literatura de enfermagem incluiu pouca pesquisa. Os primeiros estudos foram publicados no começo
da década de 1900 e tratavam, basicamente, da formação dos enfermeiros. À medida que mais enfermeiros formavam­‑se no sistema universitário, estudos relativos a estudantes de enfermagem – suas características, problemas e satisfações
– tornaram­‑se o foco principal. Durante os anos de 1940, foi dada continuidade a estudos governamentais sobre a formação de enfermeiros, estimulados pela
demanda sem precedentes por profissionais de enfermagem durante a II Guerra
Mundial. Quando os padrões das equipes hospitalares mudaram, poucos estudantes ficaram ­disponíveis para o período de 24 horas. Em consequência disso, os
pesquisadores passaram a enfatizar as pesquisas não apenas na oferta e na procura
de enfermeiros, mas também no tempo necessário para realizar certas atividades
de enfer­magem.
Na década de 1950, nos Estados Unidos, várias forças combinaram­‑se para
determinar que a enfermagem seguisse rapidamente uma rota ascendente. O aumento do número de enfermeiros com nível de formação avançado e melhor treinamento em pesquisa, o aumento da disponibilidade de fundos do governo e de
instituições privadas e a fundação da revista Nursing Research foram forças propulsoras da pesquisa em enfermagem na metade do século XX.
Nos anos de 1960, começaram a surgir na literatura pesquisas sobre vários
tópicos clínicos orientadas para a prática, e a pesquisa em enfermagem avançou
no mundo inteiro: a revista International Journal of Nursing Studies começou a ser
publicada em 1963, e as revistas Journal of Nursing Scholarship e Canadian Jour‑
nal of Nursing Research tiveram sua primeira edição no final da década de 1960.
Exemplo de avanços notáveis na pesquisa em enfermagem na
década de 1960
Jeanne Quint Benoliel iniciou um programa de pesquisa com enorme impacto na medicina, na
sociologia médica e na enfermagem. Ela explorou as experiências subjetivas de pacientes após
um diagnóstico de doença com risco de morte (1967). É importante observar que os médicos,
no começo da década de 1960, geralmente não revelavam a doença às mulheres com câncer
de mama, nem mesmo após a mastectomia. O estudo inspirador feito por Quint (1963) sobre
as experiências pessoais de mulheres após uma mastectomia radical contribuiu para mudanças
na comunicação e no controle de informações por parte de médicos e enfermeiros.
Durante os anos de 1970, houve uma mudança evidente na ênfase da pesquisa em enfermagem, que passou de áreas como o ensino de enfermagem e a
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
27
caracterização de enfermeiros para melhorias no atendimento ao cliente. Os enfermeiros também começaram a dar atenção à aplicação de resultados de pesquisas
na prática da profissão. Um artigo inovador, escrito por Stetler e Marram (1976),
forneceu instruções de avaliação de pesquisas para utilização na prática profissional. Na década de 1970, o número crescente de enfermeiros que realizavam
estudos e discussões sobre temas teóricos e contextuais relativos à pesquisa em
enfermagem criou a necessidade de espaços de comunicação adicionais. Várias
revistas que enfatizam a pesquisa em enfermagem foram lançadas nos anos de
1970, incluindo Research in Nursing & Health, Journal of Advanced Nursing e Wes‑
tern Journal of Nursing Research.
Exemplo de avanços notáveis na pesquisa em enfermagem na
década de 1970
A pesquisa de Kathryn Barnard levou a avanços na área do desenvolvimento neonatal e infantil.
Seu programa científico focava a identificação e a avaliação de crianças que corriam risco de
ter problemas de saúde e desenvolvimento, como aquelas que sofrem abuso ou negligência,
ou não se desenvolviam como o esperado (Barnard, 1973; Barnard, Wenner, Weber, Gray e
Peterson, 1977). A pesquisa de Kathryn Barnard contribuiu para o estabelecimento de inter‑
venções precoces em crianças com incapacidades e também para o campo da psicologia do
desenvolvimento.
A pesquisa em enfermagem a partir de 1980
A década de 1980 levou a pesquisa em enfermagem a um novo nível de desenvolvimento. Vários eventos contribuíram para esse avanço. Em 1983, por exemplo, foi
publicado o primeiro volume da revista Annual Review of Nursing Research. Essas
revisões anuais incluem resumos de dados científicos atuais em áreas específicas
da prática de pesquisa e encorajam a utilização das respectivas descobertas. Nos
Estados Unidos, teve especial importância o estabelecimento, em 1986, do National Center for Nursing Research (NCNR) no National Institute of Health (NIH).
O propósito do NCNR era promover – e fornecer apoio financeiro a – projetos de
pesquisa e treinamento relativos ao cuidado do paciente. Financiamentos de pesquisa em enfermagem também tornaram­‑se disponíveis no Canadá, na década de
1980, através do National Health Research Development Program (NHRDP) e do
Medical Research Council of Canada.
Ainda nos anos de 1980, os enfermeiros começaram a realizar projetos formais, especificamente destinados a aumentar a utilização de pesquisas, como o
Conduct and Utilization of Research in Nursing (CURN). Outras revistas relacionadas com pesquisas foram fundadas nesse período, inclusive Applied Nursing Re‑
search e, na Austrália, Australian Journal of Nursing Research.
No final da década de 1980, várias forças fora da enfermagem ajudaram
a moldar a paisagem da pesquisa em enfermagem na atualidade. Um grupo da
McMaster Medical School, no Canadá, elaborou uma estratégia de aprendizado
clínico chamada de medicina baseada em evidências (MBE). A MBE, que promulgou a visão de que descobertas de pesquisas são muito superiores a opiniões de autoridades como base para decisões clínicas, representou uma profunda mudança
na prática e na formação de médicos e teve grande efeito sobre todas as profissões
da área de saúde.
28
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Em 1989, o governo dos Estados Unidos criou a Agency for Health Care Policy and Research (AHCPR), renomeada Agency for Healthcare Research and Quality, ou AHRQ, em 1999. Esse é o órgão federal responsável pelo apoio a pesquisas
especificamente destinadas a melhorar a qualidade da saúde pública, reduzir custos na área de saúde e aumentar a segurança do paciente. A AHRQ desempenha,
portanto, um papel crucial no apoio à PBE.
Exemplo de avanços notáveis na pesquisa em enfermagem na
década de 1980
Um grupo de pesquisadores, liderados por Dorothy Brooten, envolveu­‑se em estudos que
levaram ao desenvolvimento e ao teste de um modelo de atendimento de transição. Brooten
e colaboradores (1986, 1988), por exemplo, realizaram estudos sobre o serviços de acompa‑
nhamento do atendimento doméstico administrado por um especialista em enfermagem a be‑
bês com peso muito baixo e liberados do hospital precocemente. Os pesquisadores demons‑
traram que, desse modo, era possível uma economia significativa de custos – com comparáveis
resultados em termos de saúde. O atendimento de transição, desenvolvido antes das medidas
de redução de custo tomadas pelo governo dos Estados Unidos, tem sido usado como modelo
para pacientes cuja saúde está em risco por causa da liberação precoce do hospital, sendo
reconhecido por muitas disciplinas da área de saúde.
A pesquisa em enfermagem foi fortalecida e ganhou ainda maior visibilidade nos Estados Unidos quando o NCNR foi elevado a instituto, junto ao NIH. Em
1993, criou­‑se o National Institute of Nursing Research (NINR). A criação do
NINR ajudou a colocar a pesquisa em enfermagem no rumo das atividades científicas de outras disciplinas da área de saúde. As verbas para financiamento de pesquisas de enfermagem também cresceram. Em 1986, o NCNR tinha um orçamento
de 16 milhões de dólares; já no ano fiscal de 1999, a soma alcançava a cifra de 70
milhões de dólares. As ofertas de financiamento aumentaram também em outros
países. A Canadian Health Services Research Foundation (CHSRF), por exemplo,
foi criada em 1997, com fundos federais, sendo iniciados planos de fundação do
Canadian Institute for Health Research. A partir de 1999, a CHSRF destinou 25
milhões de dólares à pesquisa em enfermagem.
Além do crescimento das ofertas de financiamento, a década de 1990 testemunhou o início de várias outras revistas para pesquisadores em enfermagem,
incluindo Qualitative Health Research, Clinical Nursing Research e Clinical Effective‑
ness. Elas surgiram em resposta ao crescimento, entre os enfermeiros, de pesquisas
abrangentes e orientadas para a prática clínica e ao interesse pela PBE. Outra
contribuição crucial para a PBE surgiu em 1993: a Cochrane Collaboration, uma
rede internacional de instituições e indivíduos que mantêm e atualizam revisões
sistemáticas de centenas de intervenções clínicas para facilitar a PBE. A cooperação internacional em torno do tema da PBE em enfermagem também começou
a se desenvolver na década de 1990. A Sigma Theta Tau International, por exemplo, começou a dedicar atenção à utilização de pesquisas e patrocinou a primeira
conferência internacional de pesquisas, em colaboração com o corpo docente da
University of Toronto, em 1998.
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
29
Exemplo de avanços notáveis na pesquisa em enfermagem na
década de 1990
Muitos estudos que Donaldson (2000) identificou como avanços notáveis na pesquisa em en‑
fermagem foram realizados nos anos 1990. Isso reflete, em parte, o crescimento de progra‑
mas de pesquisa, em que grupos de pesquisadores engajam­‑se em uma série de pesquisas
relacionadas sobre tópicos importantes, em vez de realizarem estudos distintos e desconexos.
Para citar apenas um exemplo, muitos pesquisadores fizeram descobertas importantes du‑
rante a década de 1990 em psiconeuroimunologia, e elas foram adotadas como modelo das
interações mente­‑corpo. Swanson e Zeller, por exemplo, realizaram vários estudos relaciona‑
dos com a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e a função neuropsicológica
(Swanson, Cronin­‑Stubbs, Zeller, Kessler e Bielauskas, 1993; Swanson, Zeller e Spear, 1998),
que levaram a descobertas no campo do controle do ambiente para incrementar a condição
imunológica.
Rumos da pesquisa em enfermagem no novo milênio
A pesquisa em enfermagem continua a se desenvolver a passos rápidos e, sem
dúvida, vai florescer no século XXI. Os financiamentos continuam a crescer. Os recursos do NINR no ano fiscal de 2008, por exemplo, somaram quase 140 milhões
de dólares, duas vezes mais do que os valores de 1999. A prioridade da pesquisa
em enfermagem no futuro será a promoção da excelência. Com esse objetivo,
pesquisadores e profissionais da enfermagem vão aperfeiçoar suas habilidades de
pesquisa, usando­‑as para tratar questões emergentes importantes para a profissão
e os pacientes.
Certas tendências para o século XXI já estão evidentes nos avanços que tomam forma nesses primeiros anos do milênio:
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Maior ênfase na PBE. Esforços combinados para usar descobertas científicas na
prática com certeza terão continuidade, e os enfermeiros de todos os níveis serão
encorajados a envolver­‑se no atendimento fundamentado em descobertas científicas. Por conta disso, serão necessários avanços tanto na qualidade dos estudos
científicos quanto na habilidade dos enfermeiros de localizar, compreender,
criticar e usar resultados de estudos relevantes. De modo relacionado, há crescente interesse pela pesquisa translacional – aquela que busca descobrir como os
resultados de estudos podem ter melhor aplicação na prática de enfermagem.
Dados científicos mais sustentados, por meio de métodos rigorosos e múltiplas
estratégias confirmatórias. Na prática profissional, os enfermeiros raramente
adotam uma inovação com base em estudos isolados ou mal­‑elaborados. Projetos
de pesquisa vigorosos são essenciais, e, geralmente, é preciso confirmação por
meio de replicação deliberada (i.e., repetição) de estudos com clientes diferentes, em ambientes clínicos diferentes e em períodos distintos, para garantir a
solidez das descobertas. Outra estratégia de confirmação consiste em realizar
vários estudos em locais diferentes.
Maior ênfase em revisões sistemáticas. Revisões sistemáticas são a pedra angular
da PBE e, sem dúvida, serão cada vez mais importantes em todas as disciplinas
da área de saúde. Elas reúnem e integram informações científicas abrangentes
30
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
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sobre determinado tópico para, então, tirar conclusões a respeito do estado
desses dados.
Expansão da pesquisa em ambientes de saúde pública. Provavelmente, haverá aumento do número de pesquisas pequenas e localizadas, destinadas a solucionar
problemas imediatos. Nos Estados Unidos, essa tendência será reforçada, pois
cada vez mais hospitais candidatam­‑se (e são aprovados) ao Magnet Recognition Program®. É necessário criar mecanismos para garantir que os dados
desses pequenos projetos sejam divulgados a outras instituições que enfrentam
problemas similares.
Fortalecimento da colaboração interdisciplinar. A colaboração interdisciplinar
entre enfermeiros e pesquisadores de campos relacionados (assim como a
colaboração interdisciplinar entre enfermeiros­‑pesquisadores) provavelmente
continuará a se expandir no século XX à medida que os pesquisadores abordarem
problemas fundamentais da interface biocomportamental e psicobiológica.
Maior disseminação das descobertas de pesquisas. A internet e outros meios de
comunicação eletrônica causam grande impacto na disseminação de informações
de pesquisas, o que, por sua vez, ajuda a promover a PBE. Por meio de avanços
tecnológicos, como a busca e a gravação de artigos de pesquisa, publicações
on­‑line (p. ex., a revista On­‑line Journal of Knowledge Synthesis for Nursing), bem
como recursos on­‑line como o Lippincott’s NursingCenter.com, e­‑mail e listas
eletrônicas, informações sobre novas descobertas podem ser comunicadas de
forma muito mais ampla e rápida do que antes.
Aumento da visibilidade da pesquisa em enfermagem. Esforços para aumentar
a visibilidade da pesquisa em enfermagem provavelmente vão se expandir. A
maioria das pessoas desconhece que enfermeiros são acadêmicos e pesquisadores. Os enfermeiros­‑pesquisadores devem divulgar internacionalmente tanto
sua imagem quanto suas pesquisas, em organizações profissionais, órgãos de
consumidores, agências do governo e empresas, a fim de aumentar o apoio à
pesquisa.
Aumento da ênfase em questões culturais e disparidades na área de saúde. A questão
da disparidade na área de saúde tem surgido como uma preocupação central
da enfermagem e de outras disciplinas relacionadas, o que, por sua vez, tem
aumentado a consciência a respeito da validade ecológica e da sensibilidade
cultural nas intervenções de saúde. A validade ecológica refere­‑se ao grau de
relevância e significado dos projetos e descobertas científicos para uma série
de contextos. Há cada vez mais consciência de que a pesquisa deve ser sensível
às crenças relativas a saúde, comportamentos, epidemiologia e valores das populações, considerando as diversidades culturais e linguísticas de cada grupo.
As prioridades de pesquisa do futuro estão em discussão, tanto em organizações especializadas em enfermagem quanto em grupos e instituições mais amplos.
Em 2005, a Sigma Theta Tau International lançou uma declaração oficial sobre as
prioridades da pesquisa em enfermagem, incorporando as opiniões de organizações de enfermagem internacionais, inclusive do NINR. Essa síntese das prioridades globais de enfermagem identificou o seguinte:
1.
2.
3.
4.
5.
promoção da saúde e prevenção de doenças;
promoção da saúde de comunidades vulneráveis e marginalizadas;
segurança dos pacientes;
desenvolvimento da PBE e da pesquisa translacional;
promoção da saúde e do bem­‑estar de idosos;
CAPÍTULO 1
6.
7.
8.
9.
10.
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
31
atendimento centrado no paciente e coordenação entre os atendimentos;
atendimento paliativo e terminal;
implicações dos testes genéticos e da terapêutica no atendimento;
desenvolvimento da capacidade dos pesquisadores em enfermagem;
ambientes de trabalho dos enfermeiros (Sigma Theta Tau International,
2005).
Exemplo de marcos nos estudos de enfermagem do século XXI
Como parte das comemorações de seu vigésimo aniversário, o NINR publicou um relatório,
em 2006, sobre 10 estudos financiados pelo Instituto e que são pontos de referência na área
de enfermagem. Esses estudos abrangem uma série de pesquisas, inclusive um estudo sobre a
relação entre a equipe de enfermagem e o bem­‑estar do paciente, conduzido por Aiken e co‑
laboradores (2002), um teste de intervenção clínica para melhorar os resultados metabólicos
de adolescentes com diabete tipo I, realizado por Grey e colaboradores (2001), e a avaliação
de um projeto multidisciplinar para reduzir a pressão de homens hipertensos, moradores do
centro da cidade, elaborado por Hill e colaboradores (2003).
FONTES DE evidências PARA A PRÁTICA DA ENFERMAGEM
Na faculdade, o estudante de enfermagem adquire conhecimentos para exercer a
profissão, mas é importante admitir que o aprendizado de melhores práticas continuará por toda a carreira. Apenas um pouco, e não a maior parte, do que os alunos
aprendem hoje está fundamentado em pesquisas sistemáticas. Há pouco mais de uma
década, Millenson (1997) estimou que 85% da prática na área de saúde não tinham
legitimação científica. Ainda que a porcentagem de práticas legitimadas talvez tenha
aumentado desde 1997, há um amplo apoio à ideia de que a prática de enfermagem
deve se basear mais fortemente em dados de pesquisas. A confiabilidade e a validade
das fontes de informação para a prática clínica variam. Há cada vez mais discussões
sobre a hierarquia de dados científicos, e considera­‑se que certos tipos de dados são
superiores a outros. Uma breve análise de algumas fontes de dados alternativas é suficiente para mostrar o caráter diferenciado das informações baseadas em pesquisas.
Tradição e autoridade
Na cultura ocidental e na profissão de enfermagem, aceita­‑se a verdade de certas
crenças – e a eficácia de certas práticas – simplesmente com base em costumes. A
tradição, porém, pode minar a solução eficaz dos problemas. Às vezes, as tradições
encontram­‑se tão solidificadas que não se costuma questionar nem examinar sua
validade ou utilidade. Há uma preocupação crescente com o fato de que muitas
intervenções de enfermagem baseiam­‑se mais na tradição, nos costumes ou em
“uma cultura unificada” do que em dados bem fundamentados.
Outra fonte de referência comum é a autoridade – uma pessoa com conhecimentos especializados, reconhecida por sua experiência. Em certa medida, confiar em autoridades da área de enfermagem (p. ex., professores universitários)
é inevitável. No entanto, assim como no caso da tradição, na qualidade de fonte
32
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
de informação, as autoridades têm limitações. Não são infalíveis (particularmente quando seus conhecimentos baseiam­‑se, em especial, na própria experiência).
Apesar disso, suas opiniões costumam ser aceitas sem questionamentos.
Experiência clínica, tentativa e erro e intuição
A experiência clínica é uma fonte familiar e funcional de conhecimento. A habilidade de reconhecer regularidades e fazer previsões com base na observação é
marca registrada da mente humana. Entretanto, a experiência pessoal tem suas
limitações como fonte de informação para a prática. A experiência de cada enfermeiro, por ser restrita, não serve a generalizações úteis, e, com frequência, experiências pessoais são marcadas pela parcialidade.
O método de tentativa e erro está relacionado com a experiência clínica. Nessa abordagem, alternativas são tentadas sucessivamente até ser encontrada uma
solução para o problema. Em muitos casos, o método da tentativa e erro pode ser
prático, mas, com frequência, mostra­‑se falível e ineficaz. Ele tende a ser aleatório,
e as soluções encontradas podem se revelar idiossincráticas.
Finalmente, a intuição é um tipo de conhecimento que não pode ser explicado com base no pensamento racional ou no aprendizado prévio. Mesmo que, sem
dúvida, a intuição e a suposição tenham certo papel na prática da enfermagem,
assim como na realização de pesquisas, é difícil desenvolver políticas e práticas
para enfermeiros com base na intuição.
Raciocínio lógico
Soluções para muitos problemas são encontradas pelo raciocínio lógico, que combina experiência, capacidades intelectuais e sistemas formais de pensamento. O
raciocínio indutivo é o processo de desenvolvimento de generalizações a partir
de observações específicas. O enfermeiro pode observar, por exemplo, o comportamento ansioso de crianças hospitalizadas (específicas) e concluir que (em geral)
elas sofrem estresse quando se separam dos pais. O raciocínio dedutivo consiste
no processo de desenvolvimento de predições específicas a partir de princípios
gerais. Se, por exemplo, partirmos do pressuposto de que ocorre ansiedade de
separação em crianças hospitalizadas (em geral), então podemos prever que, em
determinado hospital, crianças (específicas) cujos pais estão ausentes vão manifestar sintomas de estresse.
Esses dois tipos de raciocínio são úteis como meio de compreender fenômenos, e ambos desempenham papel importante na pesquisa em enfermagem. No
entanto, por si só, o raciocínio tem suas limitações, pois sua validade depende da
precisão das informações (ou premissas) iniciais.
Banco de dados
Ao tomar decisões clínicas, os profissionais da área de saúde também confiam em
informações agrupadas com propósitos variados. Dados de benchmarking (processo por meio do qual uma empresa adota e/ou aperfeiçoa os melhores desempenhos de outras empresas em determinada atividade) locais, nacionais e internacio-
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
33
nais fornecem informações sobre temas como a frequência de uso de procedimentos (p. ex., proporção de cesarianas) ou a ocorrência de infecções (p. ex., taxa de
pneumonia nosocomial) e podem servir de guia na avaliação das práticas clínicas.
Informações sobre risco e melhoria da qualidade, como relatórios de erros de
medicação, podem ser usadas para avaliar práticas e determinar a necessidade
de mudanças. Essas fontes, embora forneçam dados passíveis de uso na prática,
não propiciam nenhum mecanismo para determinar se os melhores resultados dos
pacientes, de fato, resultaram desse uso.
Pesquisa científica
Pesquisas realizadas em um formato sistematizado são o método mais sofisticado
de aquisição de conhecimento já desenvolvido pela humanidade. A pesquisa em
enfermagem combina modos do raciocínio lógico com outros aspectos para criar
dados comprobatórios que, apesar de falíveis, tendem a ser mais confiáveis do que
outros métodos de aquisição de conhecimento. Descobertas cumulativas, oriundas
de pesquisas rigorosas, avaliadas sistematicamente, são o ponto alto da maioria
das hierarquias de dados. A ênfase atual no atendimento de saúde baseado em
dados científicos exige que os enfermeiros fundamentem suas práticas clínicas
– tanto quanto possível – em descobertas de pesquisas, mais do que na tradição,
na autoridade, na intuição ou na experiência pessoal, embora a enfermagem seja
sempre uma rica combinação entre arte e ciência.
PARADIGMAS DA PESQUISA EM ENFERMAGEM
Paradigma consiste em uma visão de mundo, uma perspectiva geral a respeito
das complexidades do mundo real. A investigação sistemática no campo da enfermagem tem sido realizada principalmente (embora não de modo exclusivo, como
descrito no Cap. 10) dentro dos limites de dois amplos paradigmas, ambos legítimos para esse fim. Esta seção descreve ambos e esboça, de modo geral, os métodos
de pesquisa associados a cada um deles.
Paradigma positivista
O paradigma que tem dominado a pesquisa em enfermagem por décadas é conhecido como positivismo (às vezes, chamado de positivismo lógico). Ele tem suas
raízes no pensamento do século XIX, orientado por filósofos como Comte, Newton
e Locke. O positivismo é reflexo de um fenômeno cultural mais amplo (o moder‑
nismo), que enfatiza o racional e o científico.
Conforme mostrado na Tabela 1.2, um pressuposto fundamental dos positivistas consiste em que há uma realidade aí fora, que pode ser estudada e conhecida. (Pressuposto é um princípio que se acredita ser verdadeiro sem a necessidade
de prova ou verificação.) Os partidários do positivismo pressupõem que a natureza
é, basicamente, ordenada e regular e que há uma realidade objetiva independente da observação humana. Em outras palavras, considera­‑se que o mundo não é
meramente uma criação da mente humana. Uma suposição relacionada, o deter‑
minismo, refere­‑se à crença dos positivistas de que os fenômenos (fatos e eventos
34
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Tabela 1.2
PRINCIPAIS PRESSUPOSTOS DOS
PARADIGMAS POSITIVISTA e NATURALISTA
TIPO DE PRESSUPOSTO
PARADIGMA POSITIVISTA
PARADIGMA NATURALISTA
Natureza da realidade
A realidade existe; há um
mundo real conduzido por
causas naturais reais
A realidade é múltipla e subjetiva,
construída mentalmente pelos
indivíduos
Relação entre o pesquisador
e o objeto de estudo
O investigador é independente
em relação ao que está sendo
pesquisado
O investigador interage com o
que está sendo pesquisado; as
descobertas são criações do
processo interativo
Papel dos valores na
investigação
Valores e inclinações devem
ser mantidos sob controle;
busca­‑se a objetividade
Subjetividade e valores são
inevitáveis e desejáveis
Melhores métodos para se
obterem dados científicos
ü Processos dedutivos
ü Ênfase em conceitos
distintos, específicos
ü Foco no objetivo e no
quantificável
ü Verificação de predições
de pesquisadores
ü Projeto fixo, prees­
tabelecido
ü Conhecimento de
quem está de fora – o
pesquisador como
elemento externo
ü Controle sobre o
contexto
ü Informações quantitativas
medidas; análise
estatística
ü Busca de generalizações
ü Foco no produto
ü Processos indutivos
ü Ênfase no todo
ü Foco no subjetivo e não no
quantificável
ü Conhecimento que surge a
partir das experiências dos
participantes
ü Projeto flexível, que surge
naturalmente
ü Conhecimento de quem está
dentro – o pesquisador como
elemento interno
ü Ligado ao contexto,
contextualizado
ü Informações narrativas; análise
quantitativa
ü Busca de uma compreensão
abrangente
ü Foco no produto e no
processo
observáveis) não são aleatórios nem acidentais, mas possuem causas. Se alguém
sofre um acidente cerebrovascular, o cientista de tradição positivista pressupõe
que há uma ou mais razões que podem ser potencialmente identificadas. No para‑
digma positivista, a maior parte da atividade de pesquisa direciona­‑se à compreensão das causas subjacentes aos fenômenos naturais.
Uma vez que acreditam em uma realidade objetiva, os positivistas buscam
ser objetivos. Sua abordagem envolve o uso de procedimentos sistemáticos, de
modo ordenado, com rigoroso controle da situação de pesquisa para testar palpites sobre a natureza dos fenômenos estudados e a relação entre eles.
O pensamento estritamente positivista tem sido questionado e atacado, e
poucos pesquisadores aderem aos princípios do positivismo puro. No paradigma
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
35
pós­‑positivista, ainda, há uma crença na realidade e o desejo de compreendê­‑la,
mas os pós­‑positivistas reconhecem a impossibilidade de uma objetividade total.
No entanto, consideram a objetividade como um objetivo e empenham­‑se em ser
o mais neutros possível. Os pós­‑positivistas também avaliam os impedimentos ao
conhecimento preciso da realidade e, por isso, buscam dados prováveis (ou seja,
querem saber qual é provavelmente o estado de um fenômeno com um grau elevado e averiguável de probabilidade). Essa posição positivista modificada permanece
como força dominante na pesquisa em enfermagem. Para simplificar, chamamos
essa tendência de positivismo.
Paradigma naturalista
O paradigma naturalista (às vezes chamado de construtivista) tem início com
um movimento contrário ao positivismo, liderado por escritores como Weber e
Kant. Tal paradigma representa o principal sistema alternativo de condução de
pesquisas sistemáticas em enfermagem. A Tabela 1.2 compara os quatro principais
pressupostos dos paradigmas positivista e naturalista.
Para o investigador naturalista, a realidade não é uma entidade fixa, mas
uma construção dos indivíduos que participam da pesquisa; a realidade existe
dentro de um contexto, e muitas construções são possíveis. Os naturalistas assumem a posição do relativismo: se existem sempre várias interpretações da realidade, então não há um processo pelo qual a derradeira verdade ou a falsidade das
construções possa ser determinada.
O paradigma naturalista pressupõe que o conhecimento é maximizado quando a distância entre o investigador e os participantes do estudo é minimizada. As
vozes e as interpretações daqueles que estão sendo estudados são cruciais para
a compreensão do fenômeno de interesse, e interações subjetivas consistem no
modo básico de acesso a elas. As descobertas da investigação naturalista são produto da interação entre o investigador e os participantes.
Paradigmas e métodos: pesquisas quantitativa e qualitativa
Métodos de pesquisa são técnicas usadas pelos pesquisadores para estruturar
seus estudos e reunir e analisar informações relevantes para a questão pesquisada.
Paradigmas alternativos têm fortes implicações nos métodos de pesquisa usados
para gerar dados. A distinção metodológica enfatiza, tipicamente, as diferenças
entre pesquisa quantitativa, mais alinhada com a tradição positivista, e pesquisa
qualitativa, associada com a investigação naturalista – embora os positivistas às
vezes façam estudos qualitativos e os naturalistas reúnam informações quantitativas. Esta seção fornece uma visão geral dos métodos ligados aos dois paradigmas
alternativos.
O método científico e a pesquisa quantitativa
O método científico positivista tradicional envolve um conjunto de procedimentos sistemáticos ordenados usados para adquirir informações. Os pesquisadores
quantitativos usam o raciocínio dedutivo para gerar predições, que são testadas
36
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
no mundo real. Tipicamente, movimentam­‑se de modo sistemático – partem da
definição do problema e da seleção dos conceitos que serão focados para chegar
à solução do problema. Com sistemático, queremos dizer que os investigadores
avançam logicamente, seguindo uma série de passos, de acordo com um plano
preestabelecido. Os pesquisadores quantitativos usam mecanismos destinados a
controlar a situação de pesquisa de modo a minimizar as parcialidades (vieses) e
maximizar a precisão e a validade.
Além disso, reúnem evidências empíricas – dados que têm suas raízes na
realidade objetiva e são agrupados direta ou indiretamente por meio dos sentidos
e não de crenças ou palpites pessoais. Os dados de estudo em um paradigma
positivista são reunidos de maneira sistemática, usando­‑se instrumentos formais
de coleta das informações necessárias. Comumente (mas nem sempre) as informações coletadas são quantitativas, ou seja, números que resultam de algum
tipo de medição formal analisados por procedimentos estatísticos. Os cientistas
empenham­‑se em ir além do específico da situação de pesquisa; a habilidade de
generalizar as descobertas da pesquisa a indivíduos que não participaram do estudo (procedimento chamado de generalização) é um objetivo importante.
O método científico tradicional conquistou considerável posição como método de investigação e tem sido usado de modo produtivo por pesquisadores da
área de enfermagem que estudam uma grande variedade de problemas. Isso não
significa dizer, no entanto, que essa abordagem pode resolver todos os problemas
da enfermagem. Uma limitação importante – comum tanto à pesquisa quantitativa
quanto à qualitativa – consiste em que os métodos não podem ser usados para responder questões morais ou éticas. Muitas questões persistentes e intrigantes sobre
a experiência humana recaem nessa área (p. ex., deve­‑se praticar a eutanásia?).
Dadas as muitas problemáticas morais ligadas à área da saúde, é inevitável que o
processo de enfermagem nunca se fundamente, de forma exclusiva, em informações científicas.
A abordagem de pesquisa tradicional também enfrenta problemas de men‑
suração. Para estudar um fenômeno, os cientistas tentam medi­‑lo, ou seja, anexar
valores numéricos que expressam quantidade. Por exemplo, se o fenômeno analisado for o ânimo do paciente, os pesquisadores podem decidir avaliar se o ânimo
está alto ou baixo ou se ele fica mais elevado sob certas condições. Ainda que
fenômenos fisiológicos, como a pressão sanguínea e a atividade cardíaca, possam
ser medidos com considerável precisão e exatidão, o mesmo não pode ser dito de
fenômenos psicológicos, como o ânimo ou a autoestima.
Outro aspecto é que a pesquisa em enfermagem tende a focar seres humanos, que são inerentemente complexos e diversos. O método científico tradicional
enfatiza, em geral, uma porção relativamente pequena da experiência humana
(p. ex., o ganho de peso, a depressão, a dependência química) em um único estudo. As complexidades tendem a ser controladas e, se possível, eliminadas, em
vez de estudadas diretamente. Esse foco restrito pode, às vezes, obscurecer os
insights (compreensão repentina, em geral intuitiva, de suas próprias atitudes e
comportamentos, de um problema, de uma situação). Por fim, relacionada com
isso, a pesquisa quantitativa, conduzida de acordo com o paradigma positivista,
tem sido acusada de uma visão estreita e inflexível, problema chamado de visão
sedimentada do mundo, que não consegue capturar completamente a realidade
das experiências.
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
37
Os métodos naturalistas e a pesquisa qualitativa
Os métodos naturalistas de investigação lidam com o tema da complexidade humana, explorando­‑o diretamente. Nas tradições naturalistas, os pesquisadores enfatizam a inerente profundidade dos seres humanos, suas habilidades de modelar
e criar as próprias experiências e a ideia de que a verdade é um conjunto de
realidades. Como consequência, as investigações naturalistas enfatizam a compreensão da experiência humana como é vivida, comumente por meio da coleta e da
análise cuidadosa de materiais qualitativos, que são narrativos e subjetivos.
Os pesquisadores que rejeitam o método científico tradicional acreditam que
uma importante limitação do modelo clássico é seu reducionismo, ou seja, ele reduz a experiência humana apenas aos poucos conceitos que estão sendo investigados, e tais conceitos são definidos de antemão pelo pesquisador, em vez de
surgirem das experiências dos sujeitos estudados. Os pesquisadores naturalistas
tendem a enfatizar os aspectos dinâmicos, holísticos e individuais dos fenômenos
e tentam captar esses aspectos em sua completude, dentro do contexto daqueles
que os experimentam.
Procedimentos flexíveis e dinâmicos são usados para aproveitar as desco­
bertas que emergem durante o estudo. Em geral, a investigação naturalista acontece no campo (i.e., em ambientes naturais), com frequência por um longo período.
A coleta de informações e sua análise tipicamente progridem lado a lado; à medida
que os pesquisadores filtram as informações, surgem novos insights, novas questões, e mais dados são buscados para ampliar ou confirmar os insights. Por meio do
método indutivo, os pesquisadores integram as informações e de­senvolvem uma
teoria ou descrição que ajuda a explicar os fenômenos obser­vados.
Os estudos naturalistas geram informações ricas e abrangentes, com potencial para esclarecer as várias dimensões dos fenômenos complicados (p. ex., o
processo de adaptação da mulher de meia­‑idade à menopausa). As descobertas de
pesquisas qualitativas abrangentes costumam ser fundamentadas em experiências
da vida real de pessoas com conhecimento de primeira mão sobre determinado
fenômeno. Entretanto, essa abordagem apresenta várias limitações. Os seres humanos, usados diretamente como instrumento de informações, são ferramentas
extremamente inteligentes e sensíveis, mas sujeitas a falhas. A subjetividade que
enriquece os insights analíticos de pesquisadores habilidosos podem gerar “descobertas” triviais nas mãos de outros, menos competentes.
Outra potencial limitação envolve a natureza subjetiva da investigação, que
pode levantar questões sobre a natureza idiossincrática (muito pessoais) das conclusões. Será que dois pesquisadores naturalistas, estudando um mesmo fenômeno em condições similares, chegariam a conclusões semelhantes? A situação
complica­‑se ainda mais pelo fato de que a maioria dos estudos naturalistas envolve um grupo de estudo relativamente pequeno. Portanto, o potencial de generalização das descobertas de investigações naturalistas às vezes é questionável.
DICA
Com frequência, nos relatórios, os pesquisadores não discutem o paradigma em que baseiam
seus estudos. Os pesquisadores qualitativos tendem a mencionar explicitamente o paradigma
naturalista (ou a dizer que realizaram uma investigação naturalista) com maior frequência do
que os quantitativos mencionam a abordagem positivista.
38
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Os diversos paradigmas e a pesquisa em enfermagem
Paradigmas são lentes que nos ajudam a focar melhor os fenômenos escolhidos;
não devem ser viseiras que limitam nossa curiosidade intelectual. O surgimento de
paradigmas alternativos para o estudo de problemas da enfermagem é, em nossa
opinião, uma tendência saudável e desejável na busca de novas evidências para
a prática. O conhecimento de enfermagem seria escasso sem a rica variedade de
métodos disponíveis graças aos dois paradigmas – métodos que, com frequência,
são complementares em termos de pontos fortes e fracos.
Enfatizamos as diferenças entre os dois paradigmas e seus respectivos métodos para torná­‑las mais compreensíveis. Porém, é igualmente importante observar
que ambos têm muitos aspectos em comum, como os que seguem:
ü
ü
ü
ü
ü
Objetivos finais. O objetivo final de uma pesquisa científica, seja qual for seu
paradigma, é ampliar o conhecimento. Tanto os pesquisadores quantitativos
quanto os qualitativos buscam captar a verdade relativa ao aspecto do mundo
no qual estão interessados, e ambos podem dar contribuições valiosas – e mutuamente benéficas – à prática da enfermagem.
Dados externos. Embora a palavra empirismo esteja ligada ao método científico clássico, pesquisadores das duas tradições reúnem e analisam evidências
empiricamente, ou seja, por meio dos sentidos. Nem os qualitativos nem os
quantitativos são analistas de gabinete, que geram dados científicos a partir
das próprias crenças.
Confiança na cooperação humana. Uma vez que os dados da pesquisa em enfermagem vêm, principalmente, de seres humanos, a cooperação humana é
essencial. Para compreender as características e as experiências das pessoas, os
pesquisadores necessitam persuadi­‑las a participar da investigação e a falar e
agir com sinceridade.
Limitações éticas. A pesquisa com humanos é orientada por princípios éticos que,
às vezes, interferem nos objetivos científicos. Por exemplo, se os pesquisadores
quisessem testar uma intervenção potencialmente benéfica, seria ético interromper o tratamento de alguns pacientes para ver o que acontece? Conforme
discutido no Capítulo 5, os pesquisadores com frequência defrontam­‑se com
dilemas éticos, sejam quais forem seus paradigmas ou métodos.
Falibilidade da pesquisa sistemática. Praticamente todos os estudos – em
qualquer dos paradigmas – têm limitações. Cada questão científica pode ser
tratada de muitos modos diferentes, e, inevitavelmente, há perdas e ganhos.
As restrições de financiamento costumam gerar problemas, mas também há
problemas em pesquisas com bons recursos financeiros. Isso não significa que
estudos simples e pequenos sejam inúteis. Significa que nenhum estudo pode
ter uma resposta definitiva para uma questão científica. Cada estudo concluído
acrescenta mais informações a um corpo de dados acumulado. A possibilidade
de falhas nos estudos faz com que seja importante compreender e criticar as
decisões metodológicas dos pesquisadores ao se avaliar a qualidade dos dados
fornecidos.
Portanto, apesar das diferenças filosóficas e metodológicas, os pesquisadores
que usam tanto o método científico tradicional quanto os naturalistas costumam
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
39
compartilhar metas gerais e enfrentar restrições e desafios similares. A escolha
do método apropriado depende da filosofia e da visão de mundo do pesquisador,
mas também está relacionada com a questão a ser pesquisada. Suponhamos que
a pergunta do pesquisador seja: “Quais os efeitos da crioterapia sobre a náusea e
a mucosidade nasal em pacientes que estão sendo submetidos à quimioterapia?”.
Nesse caso, ele realmente precisa expressar os efeitos por meio de uma cuidadosa
avaliação quantitativa dos pacientes. Por outro lado, se a pergunta for: “Qual o
processo que leva os pacientes a aprenderem a lidar com a morte de um filho?”, o
pesquisador dificilmente terá de quantificar esse processo. A visão de mundo do
próprio pesquisador ajuda a moldar essas questões.
Ao ler os paradigmas alternativos da pesquisa em enfermagem, é natural que
o estudante se sinta mais atraído por um deles – aquele que melhor corresponde
a sua visão de mundo e realidade. No entanto, é importante conhecer e respeitar
ambas as abordagens da investigação científica e reconhecer seus respectivos pontos fortes e fracos. Neste livro, descrevemos métodos associados a ambos os tipos
de pesquisa – qualitativa e quantitativa.
Dica de Como distinguir
Como é possível dizer se um estudo é qualitativo ou quantitativo? À medida que avançar na leitura
deste livro, o estudante será capaz de identificar a maioria dos estudos como qualitativo ou quanti‑
tativo simplesmente com base no título ou nos termos do resumo, apresentados no início do rela‑
tório. Nesse momento, porém, o modo mais fácil de fazer essa distinção é observar a quantidade
de números que aparecem no relatório, especialmente em tabelas. Os estudos qualitativos, às vezes,
não têm nem uma tabela com informações quantitativas ou incluem apenas uma tabela numérica
para descrever características dos participantes (p. ex., a porcentagem de homens e mulheres). Os
estudos quantitativos apresentam, tipicamente, várias tabelas com números e informações estatísti‑
cas. Por sua vez, os estudos qualitativos possuem “quadros com textos” ou diagramas e figuras que
ilustram processos inferidos a partir das informações narrativas coletadas.
PROPÓSITOS DA PESQUISA EM ENFERMAGEM
O propósito geral da pesquisa em enfermagem é responder questões e solucionar
problemas relevantes para a enfermagem. Às vezes, faz­‑se uma distinção entre
pesquisa básica e pesquisa aplicada. Na definição tradicional, a pesquisa básica
é realizada para ampliar a base de conhecimentos de uma disciplina. O pesquisador pode realizar, por exemplo, um estudo abrangente para compreender melhor
os processos normais de sofrimento, sem ter aplicações explícitas em mente. A
pesquisa aplicada enfatiza a descoberta de soluções de problemas existentes.
Um estudo aplicado pode, por exemplo, avaliar a eficácia de uma intervenção de
enfermagem na diminuição do sofrimento. A pesquisa básica é apropriada para a
revelação de princípios gerais do comportamento humano e dos processo biofisiológicos; a aplicada destina­‑se a indicar como esses princípios podem ser usados
para solucionar problemas na prática da enfermagem.
40
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Os propósitos específicos podem ser classificados de vários modos diferentes.
Apresentamos dois sistemas, com os quais, em princípio, podemos ilustrar a grande variedade de questões tratadas pelos pesquisadores de enfermagem.
Diferentes níveis de explicação
Um dos modos de classificar os propósitos das pesquisas leva em consideração
os níveis da explicação fornecida. Ainda que os objetivos de pesquisa específicos
possam variar ao longo de um continuum explicativo, uma distinção fundamental,
especialmente relevante na pesquisa quantitativa, distingue estudos cujo objetivo
principal é descrever fenômenos e o modo como estão inter­‑relacionados de outros
destinados à sondagem de causas, ou seja, a esclarecer as causas subjacentes aos
fenômenos. As hierarquias de dados, conforme discutido no Capítulo 2, tratam,
fundamentalmente, de dados sobre causas de resultados na área de saúde.
Com uma estrutura descritiva ou explicativa, os propósitos específicos da
pesquisa em enfermagem incluem identificação, descrição, exploração, predição
ou controle e explicação. Para cada propósito, são vários os tipos de questões que
podem ser tratadas pelos pesquisadores – algumas se encaixam melhor na investigação qualitativa do que na quantitativa, e vice­‑versa.
Identificação e descrição
Às vezes, os pesquisadores qualitativos estudam fenômenos a respeito dos quais
pouco se sabe. Em certos casos, os conhecimentos sobre o fenômeno são tão escassos que é preciso identificá­‑lo ou nomeá­‑lo claramente, ou então sua definição ou
conceituação ainda é inadequada. A natureza abrangente e experimental da pesquisa qualitativa combina bem com a tarefa de responder questões do tipo “Que
fenômeno é esse?” e “Qual o nome disso?” (Tab. 1.3). Por sua vez, na pesquisa
quantitativa, os pesquisadores consideram um fenômeno já previamente estudado
ou definido, às vezes, em um estudo qualitativo anterior. Portanto, na pesquisa
quantitativa, a identificação costuma preceder a investigação.
Exemplo qualitativo de identificação
Giske e Gjengedal (2007) realizaram um estudo abrangente sobre o modo como os pacientes
lidam com um diagnóstico gástrico enquanto esperam os resultados da análise desse diag‑
nóstico. Os pesquisadores identificaram um processo, que chamaram de espera preparatória,
descrevendo como os pacientes se autoencorajavam.
A descrição de fenômenos é um propósito de pesquisa importante. Em estudos descritivos, os pesquisadores observam, contam, esboçam, elucidam e classificam. Enfermeiros­‑pesquisadores têm descrito uma grande variedade de fenômenos. Exemplos incluem estresse dos pacientes, respostas de dor e crenças de
saúde. A descrição quantitativa enfatiza a prevalência, a incidência, o tamanho e
outros atributos mensuráveis dos fenômenos. Os pesquisadores qualitativos, por
outro lado, descrevem as dimensões, as variações e a importância dos fenômenos.
A Tabela 1.3 compara questões descritivas colocadas por pesquisadores quantitativos e qualitativos.
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
41
Exemplo quantitativo de descrição
Carls (2007) descreveu a prevalência da incontinência urinária por estresse em jovens atletas
do sexo feminino que participavam de esportes de alto impacto e investigou se elas tinham
comentado sobre o problema com alguém.
Tabela 1.3
PROPÓSITO
PROPÓSITOS E TIPOS DE
QUESTÕES DE PESQUISA
TIPOS DE QUESTÃO:
PESQUISA QUANTITATIVA
Identificação
TIPOS DE QUESTÃO:
PESQUISA QUALITATIVA
Que fenômeno é esse?
Qual o nome desse fenômeno?
Descrição
Qual a prevalência desse fenômeno?
Com que frequência esse fenômeno
ocorre?
Quais as características desse
fenômeno?
Quais as dimensões desse
fenômeno?
O que é importante a respeito
desse fenômeno?
Exploração
Quais fatores essão relacionados
com esse fenômeno?
Quais os antecedentes desse
fenômeno?
Qual a natureza desse
fenômeno?
O que realmente está acontecendo
aqui?
Qual o processo pelo qual esse
fenômeno se desenvolve ou é
experienciado?
Predição e controle
Quando ocorre o fenômeno X,
segue­‑se o fenômeno Y?
Como o fenômeno pode desencadear
ou alterar sua prevalência?
Esse fenômeno pode ser evitado ou
controlado?
Explicação
Qual a causa subjacente a esse
fenômeno ou o processo
causal pelo qual o fenômeno se
desenvolve?
Essa teoria explica o fenômeno?
Como esse fenômeno funciona?
Por que esse fenômeno existe?
O que esse fenômeno significa?
Como esse fenômeno ocorreu?
Exploração
Assim como a pesquisa descritiva, a exploratória começa com um fenômeno de interesse. No entanto, em vez de simplesmente observar e descrever esse fenômeno,
os pesquisadores exploratórios investigam sua natureza, o modo como se manifesta e outros fatores relacionados, inclusive fatores que talvez sejam sua causa. Um
estudo quantitativo descritivo sobre o estresse pré­‑operatório de um paciente, por
exemplo, pode buscar documentar o grau de estresse que pacientes experimentam
antes da cirurgia e a porcentagem de pacientes que passam por isso. Um estudo
exploratório poderia abordar: que fatores diminuem ou aumentam o estresse do
42
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
paciente? O estresse do paciente está relacionado com o comportamento da equipe de enfermagem? O estresse está relacionado com o background (a formação, as
experiências e os conhecimentos da pessoa)? Métodos qualitativos são úteis para
explorar integralmente a natureza de fenômenos pouco compreendidos. A pesquisa qualitativa exploratória destina­‑se a desvendar os vários modos pelos quais o
fenômeno se manifesta e seus processos subjacentes.
Exemplo qualitativo de exploração
Im e colaboradores (2008) exploraram a experiência da dor do câncer em pacientes afro­‑a­me­
ricanos durante um fórum on-line de seis meses.
Predição e controle
Muitos fenômenos desafiam a explicação e resistem aos esforços de compreensão
de suas causas. Ainda assim, com frequência, é possível fazer predições e controlar fenômenos com base em resultados de pesquisas, inclusive quando ainda
não há uma compreensão completa. Pesquisas têm mostrado, por exemplo, que
a incidência da síndrome de Down em bebês é diretamente proporcional à idade
da mãe. Portanto, é possível prever que uma mulher com 40 anos de idade corre
maior risco de gerar uma criança com síndrome de Down do que outra, com 25.
Também se pode controlar parcialmente o resultado, informando as mulheres sobre os riscos e oferecendo amniocentese àquelas com mais de 35 anos de idade.
Observe­‑se, no entanto, que a habilidade de prever e controlar, nesse exemplo,
não depende da resposta à questão: “O que faz com que mulheres mais velhas
corram maior risco de ter um filho anormal?”. Em muitos estudos de enfermagem
e de saúde em geral, tipicamente nos quantitativos, a predição e o controle são
objetivos­‑chave. Ainda que estudos explicativos sejam fortes no ambiente da PBE,
aqueles cujo propósito é prever e controlar também são críticos para ajudar os
clínicos na tomada de decisões.
Exemplo quantitativo de predição
Harton e colaboradores (2007) realizaram um estudo para identificar fatores de predição do
retorno ao volume medido na espirometria de incentivo pré­‑operatória após uma cirurgia
cardíaca.
Explicação
Os objetivos da pesquisa explicativa consistem em compreender os fundamentos
dos fenômenos naturais; com frequência, explicar suas causas. Em geral, essa pesquisa está ligada a teorias, que representam um método de organizar e integrar
ideias a respeito de fenômenos e suas interligações. Enquanto a pesquisa descritiva
gera novas informações e a exploratória fornece insights promissores, a explicativa
tenta compreender as causas subjacentes ou a natureza do fenômeno. Na pesquisa
quantitativa, as teorias ou as descobertas anteriores são usadas dedutivamente
para gerar hipóteses de explicação, que depois serão testadas empiricamente. Em
estudos qualitativos, os pesquisadores podem buscar explicações sobre o modo ou
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
43
o motivo da existência de um fenômeno ou o que o fenômeno significa como base
para o desenvolvimento de uma teoria fundamentada em dados de vivências ricas
e abrangentes.
Exemplo quantitativo de explicação
Blue (2007) testou um modelo teórico para explicar a atividade física e os padrões alimentares
de adultos em risco de diabete. O modelo destinava­‑se a explicar comportamentos de saúde
positivos com base em conceitos teoricamente relevantes, como normas subjetivas e controle
comportamental percebido.
Exemplo qualitativo de explicação
Coughlan e Ward (2007) realizaram um estudo para explicar o significado de “qualidade do
atendimento” para residentes recentemente transferidos de duas unidades de instalação hos‑
pitalar mais antiga para uma nova unidade de tratamento de longo prazo, no Canadá.
Propósitos de pesquisa ligados à PBE
A maioria dos estudos de enfermagem pode ser descrita em termos de um propósito na dimensão descritivo­‑explicativa que acabamos de descrever, mas outros
não se encaixam nesse sistema. Por exemplo, um estudo para desenvolver e testar
com rigor um novo instrumento para examinar mulheres em caso de suspeita de
violência doméstica não poderia ser facilmente classificado dentro dessa categorização.
Tanto na enfermagem quanto na medicina, vários livros têm sido escritos
para facilitar a PBE, e esses livros categorizam os es­tudos de acordo com o tipo de
informação necessária aos clínicos (p. ex., DiCenso et al., 2005; Guyatt e Rennie,
2002; Melnyk e Fineout­‑Overholt, 2005). Esses autores enfatizam vários tipos de
preocupações clínicas: tratamento, terapia ou intervenção; diagnóstico e avaliação; prognóstico; dano e etiologia; e significado. Muitos estudos de enfermagem
têm esses propósitos; seu potencial para a PBE é grande.
Tratamento, terapia ou intervenção
Cada vez mais, os pesquisadores de enfermagem estão realizando estudos destinados a ajudar enfermeiros a tomarem decisões de tratamento baseadas em
evidências científicas. Esses estudos variam desde avaliações de tratamento bem
específicas (p. ex., comparação entre dois tipos de cobertor resfriador para pacientes febris) até intervenções complexas com diversos componentes, destinadas
a realizar mudanças comportamentais (p. ex., intervenções para parar de fumar
orientadas por enfermeiros). Essas pesquisas de intervenção, que podem envolver intervenções tanto para tratamento quanto para prevenção de problemas de
saúde e resultados adversos, desempenham papel fundamental na PBE. Antes da
intervenção junto ao paciente, os enfermeiros têm a responsabilidade de determinar seus riscos e benefícios e também se o gasto de recursos é justificável.
44
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Exemplo de estudo de tratamento/terapia
Yeh e colaboradores (2008) testaram a eficácia de uma intervenção que incluiu acupressão e
multimídia interativa sobre acuidade visual para crianças em idade escolar e com problemas
de visão.
Diagnóstico e avaliação
Um número crescente de estudos de enfermagem trata de desenvolver e avaliar
com rigor instrumentos formais de exame, diagnóstico e avaliação de pacientes
e de medir resultados clínicos importantes. Instrumentos de alta qualidade, com
precisão documentada, são essenciais tanto para a prática clínica quanto para a
pesquisa.
Exemplo de estudo de diagnóstico/avaliação
Vanderwee e colaboradores (2007) analisaram dois métodos de avaliação da necessidade de
prevenção da úlcera de pressão em uma amostra de mais 1.600 pacientes hospitalizados.
Eles compararam a eficácia de iniciar medidas preventivas na presença de eritema que não
clareia e quando os valores de uma ferramenta de avaliação­‑padrão atingiam o nível de corte
recomendado.
Prognóstico
Estudos de prognóstico examinam resultados de uma doença ou problema de saúde, estimam a probabilidade de ocorrência de certos resultados, exploram fatores
que podem modificar o prognóstico e indicam quando (e para que tipo de pessoa)
os resultados são mais prováveis. Esses estudos facilitam o desenvolvimento de
planos de tratamento de longo prazo. Eles também fornecem informações valiosas, que podem orientar os pacientes na escolha de estilos de vida ou na identificação de sintomas­‑chave. Os estudos de prognósticos podem desempenhar papel
importante nas decisões de alocação de recursos.
Exemplo de estudo de prognóstico
Wakefield e Holman (2007) estudaram fatores associados a diferentes trajetórias funcionais e
ao declínio funcional de idosos hospitalizados.
Dano e etiologia
É difícil, e algumas vezes impossível, evitar danos ou tratar problemas de saúde
quando não se sabe suas causas. Não haveria, por exemplo, programas para parar de fumar se pesquisas não tivessem fornecido dados seguros de que o tabaco
causa uma série de problemas de saúde ou contribui para seu desenvolvimento.
Portanto, determinar os fatores e as exposições que afetam ou causam doenças,
mortalidade ou morbidade é um propósito importante de muitos estudos.
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
45
Exemplo de estudo de dano
Albers e colaboradores (2007) estudaram se o uso de anestesia epidural estava associado a
lacerações espontâneas do trato genital em partos vaginais normais.
Significado e processos
A elaboração de intervenções eficazes que motivam as pessoas a cumprir as indicações do tratamento e a engajar­‑se em atividades saudáveis e que fornecem bons
conselhos para os pacientes está entre as várias atividades de atendimento de saúde que podem se beneficiar muito da compreensão das perspectivas dos clientes.
Pesquisas que fornecem dados sobre o que a doença e a saúde significam para o
paciente, quais barreiras ele enfrenta na busca de práticas de saúde positivas e que
processos experimenta na transição de uma crise de saúde são importantes para a
prática de enfermagem baseada em evidências.
Exemplo de estudo de significado
Vellone e colaboradores (2008) estudaram o significado da qualidade de vida para cuidadores
de pacientes com doença de Alzheimer.
DICA
A maioria dos propósitos relacionados com a PBE (exceto diagnóstico e significado) requer, fun‑
damentalmente, pesquisas de causa/sondagem. A pesquisa de intervenções, por exemplo, veri‑
fica se determinada intervenção causa melhorias nos resultados­‑chave. A pesquisa de prognós‑
ticos questiona se uma doença ou condição de saúde causa resultados adversos subsequentes.
E a pesquisa etiológica busca explicações sobre causas subjacentes de problemas de saúde.
ASSISTÊNCIA A CONSUMIDORES DE PESQUISA EM ENFERMAGEM
Este livro destina­‑se a ajudar no desenvolvimento de habilidades de leitura, avaliação e uso de estudos de enfermagem (i.e., ajuda na formação de habilidosos
consumidores e usuários de pesquisas em enfermagem). Em todos os capítulos,
apresentamos informações sobre métodos usados por pesquisadores de enfermagem e fornecemos orientação específica de vários modos. Em primeiro lugar, ao
longo dos capítulos, fornecemos dicas (indicadas pelo símbolo ) do que se pode
encontrar em artigos de pesquisa contemporâneos relacionados com o conteúdo
do capítulo. Elas incluem uma seção especial, chamada “como distinguir” (indicada pelo símbolo ), que descreve conceitos discutidos nos relatórios de pesquisa
selecionados. Em segundo lugar, incluímos orientações para a elaboração de críticas sobre os aspectos dos estudos tratados no capítulo. Todos os conjuntos de
orientações de crítica encontram­‑se no link do livro, no site www.grupoaeditoras.
com.br, assim o estudante pode “preencher” respostas no computador ou adaptar questões conforme suas necessidades. As perguntas no Quadro 1.1 ajudam
46
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
a usar as informações deste capítulo na avaliação preliminar geral de relatórios
de pesquisa. E, finalmente, em terceiro lugar, oferecemos oportunidades de aplicação das habilidades recém­‑adquiridas. As atividades para desenvolvimento do
pensamento crítico, no final de cada capítulo, trazem orientações para avaliação
de exemplos reais de pesquisas (alguns deles com conteúdo integral apresentado
no Apêndice), tanto qualitativas quanto quantitativas. Essas atividades também
estimulam o leitor a pensar se as descobertas desses estudos podem ser usadas na
prática de enfermagem.
QUADRO 1.1
QUESTÕES PARA A VISÃO GERAL PRELIMINAR
DE UM RELATÓRIO DE PESQUISA
1. Qual a relevância do problema de pesquisa para a prática atual da enfermagem? O estudo enfatiza um
tópico considerado prioritário para a pesquisa em enfermagem?
2. A pesquisa é quantitativa ou qualitativa?
3. Qual o propósito (ou propósitos) subjacente(s) ao estudo – identificação, descrição, exploração,
predição/controle ou explicação? O propósito corresponde a algum foco da PBE – p. ex., tratamento,
diagnóstico, prognóstico, dano e etiologia ou significado?
4. Quais as implicações clínicas dessa pesquisa? Para que tipo de pessoa e ambiente a pesquisa é
mais relevante? Os resultados são precisos? Em caso positivo, como posso utilizá­‑los na prática da
enfermagem?
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADEs DE PENSAMENTO CRÍTICO
Cada capítulo deste livro apresenta breves descrições de estudos atuais, conduzidos por enfermeiros­
‑pesquisadores, com foco em termos e conceitos­‑chave discutidos nos capítulos. As descrições são
seguidas de algumas questões que orientam o pensamento crítico. A revisão de artigos inteiros
de periódicos científicos é útil para desenvolver o aprendizado dos métodos e dos resultados dos
estudos.
EXEMPLO 1 Pesquisa quantitativa
Estudo
Depressão e ansiedade em mulheres com câncer de mama e seus parceiros (Badger et al., 2007).
Propósito
O propósito do estudo era avaliar a eficácia de intervenções psicossociais fornecidas por telefone na
redução da depressão e da ansiedade em mulheres com câncer de mama e em seus parceiros.
Métodos
Um total de 96 mulheres com câncer de mama e seus parceiros participaram do estudo. Duas
intervenções diferentes, porém complementares, foram implementadas por meio de telefone.
Uma intervenção, durante seis semanas, combinou informações sobre câncer com aconselhamento
interpessoal, tendo como alvo o comportamento de apoio social tanto das sobreviventes de
câncer quanto de seus parceiros. A outra intervenção por telefone, também com duração de seis
semanas, enfatizou o exercício autoadministrado. Por sistema de sorteio, foram distribuídas as duas
intervenções aos participantes, sendo formado o grupo de controle por indivíduos com nenhuma das
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
47
duas abordagens, mas que receberam informações e breves contatos telefônicos semanais. Todos os
participantes, inclusive os parceiros, foram entrevistados antes do início do estudo e 6 e 10 semanas
depois. As entrevistas incluíram escalas de medição dos níveis de depressão e ansiedade.
Achados
A análise sugeriu que a ansiedade, tanto das mulheres quanto de seus companheiros, foi reduzida em
ambos os grupos de intervenção, mas não no de controle. Ao longo do tempo, a depressão diminuiu
em todos os três grupos.
Conclusões
Badger e colaboradores concluíram que ambas as intervenções por telefone foram eficazes para a
melhoria da qualidade de vida psicológica em comparação com o grupo sem intervenção.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às perguntas do Quadro 1.1, tendo em vista esse estudo.
2 Considere também as seguintes questões­‑alvo, que ajudam a avaliar os aspectos do mérito do
estudo:
a) Por que você acha que os pesquisadores resolveram incluir um terceiro grupo, sem
intervenção?
b)Em sua opinião, por que os participantes do grupo de controle receberam telefonemas
breves semanalmente?
c)Esse estudo pode ser considerado qualitativo? Por quê?
EXEMPLO 2
Pesquisa qualitativa
Estudo
Viver sob risco: filhos com anafilaxia induzida por alimentos (Gillespie et al., 2007).
Propósito
O propósito deste estudo era desenvolver uma descrição narrativa do significado subjacente da
experiência vivida por mães de crianças com anafilaxia induzida por alimentos.
Métodos
Seis mães de crianças com 6 a 12 anos de idade, consideradas sob risco de anafilaxia induzida por
alimentos, foram recrutadas para participar do estudo. A quantidade e o tipo das alergias a alimentos
variavam, mas a alergia a amendoim era a mais comum. Duas entrevistas abrangentes, cada uma com
duração de 1 hora e 30 minutos a 2 horas, foram realizadas com cada mãe em suas respectivas casas.
As entrevistas, gravadas e transcritas, focavam a experiência das mães de ter um filho com uma alergia
que implica risco de morte.
Achados
“Viver sob risco” foi identificado como a essência da experiência da mãe e foi confirmado por cinco
frases:
1 Viver com medo.
2 Preocupar­‑se com o bem­‑estar.
3 Buscar controle.
4 Confiar nos recursos.
5 É difícil, mas não é.
Cada tema foi corroborado por descrições detalhadas nas entrevistas.
(continua)
48
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADEs DE PENSAMENTO CRÍTICO (continuação)
Conclusões
Os pesquisadores concluíram que as frases que descreviam os medos e as preocupações das mães
poderiam ajudar os enfermeiros a orientar as famílias e a atender às necessidades relacionadas com
a anafilaxia.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às perguntas do Quadro 1.1, tendo em vista esse estudo.
2 Considere também as perguntas a seguir, que ajudam a avaliar o mérito do estudo:
a)Em sua opinião, por que os pesquisadores gravaram e transcreveram as entrevistas das
participantes do estudo?
b) Você acha que seria apropriada a realização desse estudo com métodos de pesquisa
quantitativos? Por quê?
EXEMPLO 3 Pesquisa quantitativa no Apêndice A
1Leia o resumo e a introdução do estudo de Howell e colaboradores (2007), intitulado “Relações
entre ansiedade, raiva e pressão arterial em crianças”, no Apêndice A deste livro e responda às
perguntas relevantes do Quadro 1.1.
2 Considere também as questões a seguir, que promovem ainda mais o pensamento crítico e
ajudam a avaliar o mérito do estudo:
a) Que lacuna científica esse estudo pretendia preencher?
b) Você descreveria tal estudo como aplicado ou básico, de acordo com as informações
fornecidas no resumo?
c)Esse estudo pode ser considerado qualitativo? Por quê?
d) Quem ajudou a financiar essa pesquisa? (Essa informação aparece no final do relatório.)
EXEMPLO 4 Pesquisa qualitativa no Apêndice B
1Leia o resumo e a introdução ao artigo de Beck (2006), “Aniversário do trauma de nascimento”,
no Apêndice B deste livro e responda às perguntas do Quadro 1.1.
2 Considere também as questões a seguir, que promovem ainda mais o pensamento crítico e
ajudam a avaliar o mérito do estudo:
a) Que lacuna científica esse estudo pretendia preencher?
b)O estudo de Beck foi realizado segundo o paradigma positivista ou naturalista? Que
raciocínio lógico justifica sua escolha.
Revisão do Capítulo
Nesta seção, são apresentados os novos termos­‑chave deste capítulo, além de um
resumo dos pontos principais.
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
49
Novos termos­‑chave
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Determinismo
Evidências empíricas
Generalização
Hierarquia de dados científicos
Método científico
Métodos de pesquisa
Paradigma
Paradigma naturalista
Paradigma positivista
Pesquisa de intervenção
Pesquisa de sondagem de causas
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Pesquisa em enfermagem
Pesquisa em enfermagem clínica
Pesquisa qualitativa
Pesquisa quantitativa
Prática baseada em evidências
Pressuposto
Programas de pesquisa
Raciocínio dedutivo
Raciocínio indutivo
Revisão sistemática
Tópicos resumidos
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A pesquisa em enfermagem é uma investigação sistemática que apresenta
dados sobre problemas importantes para os enfermeiros.
Em vários settings, os enfermeiros estão adotando a prática baseada em evidên‑
cias (PBE), que incorpora descobertas científicas a suas decisões e interações
com os pacientes.
O conhecimento fornecido por pesquisas em enfermagem incrementa a prática
profissional de todos os enfermeiros, incluindo consumidores de pesquisa (quem lê e
avalia os estudos) e produtores de pesquisa (quem elabora e realiza os estudos).
A pesquisa em enfermagem iniciou com Florence Nightingale, mas, no começo,
desenvolveu­‑se lentamente, até experimentar uma aceleração rápida na década
de 1950. Desde os anos de 1980, o foco tem sido a pesquisa em enfermagem
clínica, ou seja, problemas relacionados com a prática clínica.
O National Institute of Nursing Research (NINR), criado nos U.S. National
Institutes of Health (NIH), em 1993, atesta a importância da pesquisa em enfermagem nos Estados Unidos.
No futuro, provavelmente, a pesquisa em enfermagem vai enfatizar projetos de
PBE, replicações de pesquisas, integração de pesquisas por meio de revisões
sistemáticas, estudos interdisciplinares em múltiplos locais, expansão dos
esforços de disseminação de informações e aumento do foco nas disparidades
das condições de saúde.
A pesquisa sistemática contrasta com outras fontes de informações para a prática de enfermagem, como tradição, autoridade, experiência pessoal, tentativa
e erro, intuição e raciocínio lógico. A pesquisa rigorosa é o ponto máximo da
hierarquia de dados como base para a tomada de decisões clínicas.
Ainda que o raciocínio lógico seja, por si só, insuficiente como base de dados,
tanto o raciocínio dedutivo (processo de desenvolvimento de predições
específicas a partir de princípios gerais) quando o indutivo (processo de
50
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
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desenvolvimento de generalizações a partir de observações específicas) são
usados em pesquisas.
A investigação sistemática em enfermagem é conduzida, principalmente, com
base em dois paradigmas – visões de mundo – amplos, com suposições subjacentes sobre as complexidades da realidade: o positivista e o naturalista.
No paradigma positivista, pressupõe­‑se que há uma realidade objetiva e que
os fenômenos naturais são regulares e ordenados. O determinismo, suposição
relacionada, refere­‑se à crença de que os fenômenos resultam de causas antecedentes, não sendo aleatórios.
No paradigma naturalista, pressupõe­‑se que a realidade não é uma entidade
fixa, mas, sim, uma construção da mente humana; portanto, a “verdade” é um
conjunto de múltiplas construções da realidade.
O paradigma positivista está associado com a pesquisa quantitativa – coleta
e análise de informações numéricas. Tipicamente, tal pesquisa é realizada pelo
método científico tradicional, ou seja, um processo sistemático e controlado. Os
pesquisadores quantitativos baseiam suas descobertas em evidências empíricas
(coletadas por meio dos sentidos humanos) e buscam a generalização dessas
descobertas para pontos além de uma situação ou setting único.
No paradigma naturalista, os pesquisadores enfatizam a compreensão da experiência humana como é vivida, por meio da coleta e da análise de materiais
narrativos subjetivos, usando procedimentos flexíveis, que evoluem no campo.
Esse paradigma está associado com a pesquisa qualitativa.
A pesquisa básica destina­‑se a ampliar a base de informações em nome do
conhecimento. Já a pesquisa aplicada enfatiza a descoberta de soluções para
problemas imediatos.
Há uma distinção fundamental, especialmente relevante na pesquisa quantitativa,
entre estudos cuja intenção básica é descrever fenômenos e aqueles de sondagem
de causas (i.e., destinam­‑se a esclarecer aspectos promotores subjacentes aos
fenômenos). Propósitos específicos no continuum descrição/explicação incluem
identificação, descrição, exploração, predição/controle e explicação.
Muitos estudos de enfermagem também podem ser classificados em termos
de objetivos­‑chave da PBE: tratamento, terapia ou intervenção; diagnóstico e
avaliação; prognóstico; dano e etiologia; e significado e processo.
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 1*
Aiken, L., Clarke, S., Sloane, D., Sochalski, J., & Silber, J. (2002). Hospital nurse staffing
and patient mortality, nurse burnout, and job dissatisfaction. Journal of the American Medical
Association, 288, 1987–1993.
Albers, L., Migliaccio, L., Bedrick, E., Teaf, D., & Peralta, P. (2007). Does epidural analgesia
affect the rate of spontaneous obstetric lacerations in normal births? Journal of Midwifery
and Women’s Health, 52, 31–36.
Badger, T., Segrin, C., Dorros, S., Meek, P., & Lopez, A.M. (2007). Depression and anxiety in
women with breast cancer and their partners. Nursing Research, 56, 44–53.
*Esta lista contém apenas os estudos citados neste capítulo. As referências de trabalhos ­metodológicos,
teóricos ou não empíricos mencionados neste capítulo e nos seguintes encontram­‑se em uma seção
específica, no final do livro. Ver “Referências teóricas e metodológicas”, na página 588.
CAPÍTULO 1
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
51
Barnard, K. E. (1973). The effects of stimulation on the sleep behavior of the premature
infant. In M. Batey (Ed.), Communicating nursing research (Vol. 6, pp. 12–33). Boulder, CO:
WICHE.
Barnard, K. E., Wenner, W., Weber, B., Gray, C., & Peterson, A. (1977). Premature infant refocus. In P. Miller (Ed.), Research to practice in mental retardation: Vol. 3, Biomedical aspects.
Baltimore, MD: University Park Press.
Blue, C. L. (2007). Does the theory of planned behavior identify diabetes-related cognitions for intention to be physically active and eat a healthy diet? Public Health Nursing, 24,
141–150.
Brooten, D., Kumar, S., Brown, L. P., Butts, P., Finkler, S., Bakewell-Sachs, S. et al. (1986).
A randomized clinical trial of early hospital discharge and home follow-up of very low birthweight infants. New England Journal of Medicine, 315, 934–939.
Brooten, D., Brown, L. P., Munro, B. H., York, R., Cohen, S., Roncoli, M. et al. (1988). Early discharge and specialist transitional care. Image: Journal of Nursing Scholarship, 20, 64–68.
Carls, C. (2007). The prevalence of stress urinary incontinence in high school and college-age
female athletes in the Midwest. Urologic Nursing, 27, 21–24.
Chwo, M. J., Anderson, G. C., Good, M., Dowling, D. A., Shiau, S. H., & Chu, D. M. (2002). A
randomized controlled trial of early kangaroo care for preterm infants: Effects on temperature,
weight, behavior, and acuity. Journal of Nursing Research, 10, 129–142.
Coughlan, R., & Ward, L. (2007). Experiences of recently relocated residents of a long-term
care facility in Ontario. International Journal of Nursing Studies, 44, 47–57.
Dodd, V. L. (2005). Implications of kangaroo care for growth and development in preterm
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Galligan, M. (2006). Proposed guidelines for skin-to-skin treatment of neonatal hypothermia.
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Gillespie, C., Woodgate, R., Chalmers, K., & Watson, W. (2007). “Living with risk”: Mothering
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Giske, T., & Gjengedal, E. (2007). “Preparative waiting” and coping theory with patients
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Grey, M., Davidson, M., Boland, E., & Tamborlane, W. (2001). Clinical and psychosocial factors associated with achievement of treatment goals in adolescents with diabetes mellitus.
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Harton, S., Grap, M., Savage, L., & Elswick, R. (2007). Frequency and predictors of return
to incentive spirometry volume baseline after cardiac surgery. Progress in Cardiovascular
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Hill, M., Han, H., Dennison, C., Kim, M., Roary, M., Blumenthal, R. et al. (2003). Hypertension care and control in underserved urban African American men. American Journal of
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Im, E. O., Lim, H., Clark, M., & Chee, W. (2008). African American cancer patients’ pain
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Klemm, P. (2008). Late effects of treatment for long-term cancer survivors: Qualitative analysis
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Ludington-Hoe, S. M., Anderson, G. C., Swinth, J. Y., Thompson, C., & Hadeed, A. J. (2004).
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Ludington-Hoe, S., Johnson, M., Morgan, K., Lewis, T., Gutman, J., Wilson, P. et al. (2006).
Neurophysiologic assessment of neonatal sleep organization: Preliminary results of a randomized, controlled trial of skin contact with preterm infants. Pediatrics, 117, 909–923.
Moore, E., & Anderson, G. (2007). Randomized controlled trial of very early mother-infant
skin-to-skin contact and breastfeeding status. Journal of Midwifery & Women’s Health, 52,
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52
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Nightingale, F. (1859). Notes on nursing: What it is, and what it is not. Philadelphia: J. B.
Lippincott.
Okoli, C., Browning, S., Rayens, M., & Hahn, E. (2008). Secondhand tobacco smoke exposure,
nicotine dependence, and smoking cessation, Public Health Nursing, 25, 46–56.
Quint, J. C. (1963). The impact of mastectomy. American Journal of Nursing, 63, 88–91.
Quint, J. C. (1967). The nurse and the dying patient. New York: Macmillan.
Swanson, B., Cronin-Stubbs, D., Zeller, J. M., Kessler, H. A., & Bielauskas, L. A. (1993). Characterizing the neuropsychological functioning of persons with human immunodeficiency
virus infection. Archives of Psychiatric Nursing, 7, 82–90.
Swanson, B., Zeller, J. M., & Spear, G. (1998). Cortisol upregulates HIV p24 antigen in cultured human monocyte-derived macrophages. Journal of the Association of Nurses in AIDS
Care, 9, 78–83.
Vanderwee, K., Grypdonck, M., & DeFloor, M. (2007). Non-blanchable erythema as an indicator
for the need for pressure ulcer prevention. Journal of Clinical Nursing, 16, 325–335.
Vellone, E., Piras, G., Talucci, C., & Cohen, M. (2008). Quality of life for caregivers of people
with Alzheimer’s disease. Journal of Advanced Nursing, 61, 222–231.
Wakefield, B., & Holman, J. (2007). Functional trajectories associated with hospitalization
in older adults. Western Journal of Nursing Research, 29, 161–177.
Yeh, M., Chen, C., Chen, H., & Lin, K. (2008). An intervention of acupressure and interactive
multimedia to improve visual health among Taiwanese schoolchildren. Public Health Nursing,
25, 10–17.
2
Prática de
enfermagem baseada
em evidências:
fundamentos
HISTÓRIA DA PRÁTICA DE
ENFERMAGEM BASEADA EM
EVIDÊNCIAS
Utilização de pesquisas
Prática de enfermagem baseada em
evidências
RECURSOS DA PRÁTICA BASEADA
EM EVIDÊNCIAS
Revisões sistemáticas
Outras evidências pré­‑avaliadas
Modelos de processo da PBE
A PRÁTICA INDIVIDUAL DE
ENFERMAGEM BASEADA EM
EVIDÊNCIAS
Cenários clínicos e necessidade de evidências
Como formular questões clínicas
bem­‑elaboradas
Busca de evidências
Avaliação de evidências
Integração de evidências
Aplicação de evidências e avaliação de
resultados
A PRÁTICA BASEADA EM
EVIDÊNCIAS NO CONTEXTO
ORGANIZACIONAL
Seleção de problemas para um projeto
institucional de PBE
Busca e avaliação de evidências: protocolos
para a prática clínica
Ações baseadas em avaliações
de evidências
Aplicação e avaliação de inovações
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADES DE PENSAMENTO
CRÍTICO
REVISÃO DO CAPÍTULO
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 2
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
ü
Distinguir entre utilização de pesquisas (UP) e PBE e discutir a situação atual de ambas no campo
da enfermagem.
üIdentificar vários recursos disponíveis para facilitar a PBE na prática da enfermagem.
üIdentificar vários modelos relevantes para a UP e a PBE.
ü Discutir os cinco passos principais da PBE como iniciativa individual do enfermeiro.
üIdentificar os componentes de uma questão clínica bem­‑elaborada e conseguir estruturá­‑la.
ü Discutir estratégias para garantir um projeto organizacional da PBE.
ü Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
54
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
A prática baseada em evidências (PBE) é o uso dos melhores dados científicos na tomada de decisões clínicas para atendimento ao cliente (Sackett et
al., 2000). Um aspecto básico da PBE como estratégia de solução de problemas
clínicos consiste em que ela desestimula decisões baseadas no costume, na autoridade ou no ritual. A ênfase recai sobre a identificação dos melhores dados de
pesquisas disponíveis e sua integração com outros fatores. Os partidários da PBE
não minimizam a importância da perícia clínica. Em vez disso, argumentam que
a decisão baseada em conhecimentos científicos deve combinar os dados de pesquisas com a competência clínica, as preferências e as circunstâncias do cliente,
considerando o setting clínico e as restrições de recursos. A PBE envolve esforços
para personalizar os dados, adequando­‑os às necessidades do paciente e à situação
clínica específica.
Este livro ajuda a desenvolver as habilidades metodológicas necessárias à
avaliação de dados científicos para sua utilização na prática de enfermagem. Antes
de explicitar as técnicas metodológicas, discutimos aspectos­‑chave da PBE para
esclarecer o papel fundamental que a pesquisa desempenha na enfermagem atualmente.
HISTÓRIA DA PRÁTICA DE ENFERMAGEM
BASEADA EM EVIDÊNCIAS
Esta seção fornece um contexto para a compreensão da prática da enfermagem
baseada em evidências. Parte desse contexto envolve discutir a utilização de pesquisas.
Utilização de pesquisas
Os termos utilização de pesquisas e prática baseada em evidências às vezes são usados como sinônimos. No entanto, embora haja certa sobreposição, tais termos
são distintos. A utilização de pesquisas (UP) consiste no uso das descobertas de
pesquisas sistemáticas em uma aplicação prática não relacionada com a pesquisa
original. A ênfase da UP está em traduzir um conhecimento derivado de modo empírico para o mundo real; a gênese do processo é a inovação baseada em pesquisa
ou em nova evidência.
A PBE é mais ampla do que a UP, pois integra as descobertas científicas a
outros fatores, como já mencionado. Além disso, enquanto esta começa a partir da
própria pesquisa (Como posso aplicar essa inovação de modo útil na minha prática?), o ponto de partida daquela é um problema clínico (Segundo as evidências,
qual a melhor abordagem para resolver esse problema?).
A utilização de pesquisas era um conceito importante na enfermagem antes
do movimento da PBE tomar corpo. Esta seção fornece uma visão geral da UP na
enfermagem.
O continuum da utilização de pesquisas
O ponto de partida da utilização de pesquisas é o surgimento de novos conhecimentos e ideias. São realizadas pesquisas e, ao longo do tempo, acumulam­‑se
CAPÍTULO 2
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
55
dados sobre determinado tópico. Os dados, por sua vez, seguem seu curso em
variados graus e diferentes proporções de aplicação prática.
Os teóricos que estudam o fenômeno do desenvolvimento do conhecimento
e da difusão de ideias reconhecem, um continuum em termos de especificidade do
uso das descobertas de pesquisas. Em um dos extremos estão tentativas evidentes,
claramente identificáveis, de basear ações específicas em resultados de pesquisas
(p. ex., colocar os bebês para dormir na posição de supinação e não de pronação
para minimizar o risco da síndrome da morte súbita). Entretanto, resultados de
pesquisas podem ser usados de maneira mais difusa, refletindo consciência, compreensão ou esclarecimento cumulativos. Assim, um enfermeiro que reflete pode
ler, por exemplo, um relatório de pesquisa qualitativa, que descreve a coragem de
indivíduos com problemas de saúde de longo prazo como um processo dinâmico,
incluindo esforços para aceitar a realidade e desenvolver habilidades para a solução de problemas. Esse estudo pode fazer com que o profissional fique mais atento
e sensível ao atender pacientes com esse tipo de doença, mas não leva, necessariamente, a mudanças formais nas ações clínicas.
Estabrooks (1999) estudou a utilização de pesquisas, coletando informações
de 600 enfermeiros no Canadá. Ela encontrou justificativas para sustentar três
tipos distintos de UP:
1. utilização indireta de pesquisas (às vezes chamada de utilização conceitual),
envolvendo mudanças no modo de pensar dos enfermeiros;
2. utilização direta de pesquisas (às vezes chamada de utilização instrumental),
envolvendo o uso direto de descobertas no atendimento a determinado paciente; e
3. utilização persuasiva, envolvendo o uso de descobertas para persuadir outras
pessoas (tipicamente, aquelas envolvidas na tomada de decisões) a fazerem
mudanças em políticas ou práticas relevantes para o atendimento de enfermagem. Esses modos variados de pensar a UP sugerem que ela tem um papel
na pesquisa tanto qualitativa quanto na quantitativa.
História da utilização de pesquisas na prática da enfermagem
Na década de 1980, a expressão “utilização de pesquisas” tornou­‑se um modismo, e várias mudanças na formação de enfermeiros e nas próprias pesquisas
foram estimuladas pelo desejo de desenvolver uma base de conhecimentos para
a prática profissional. Na formação, as escolas de enfermagem começaram a incluir cada vez mais cursos sobre métodos de pesquisa, cujo objetivo era capacitar
os alunos a se tornarem habilidosos consumidores de pesquisa. No campo da
pesquisa, houve uma mudança de foco na direção dos problemas da enfermagem
clínica.
Essas alterações ajudaram a sensibilizar a comunidade de enfermagem,
mostrando que era desejável a utilização da pesquisa como base para a prática, mas havia também preocupações crescentes sobre o uso limitado das descobertas científicas na prática de enfermagem. Algumas dessas preocupações
baseavam­‑se em estudos indicativos de que os enfermeiros não tinham consciência de (ou ignoravam) importantes descobertas de pesquisas (p. ex., Ketefian,
1975). A necessidade de reduzir a distância entre a pesquisa e a prática levou
a tentativas de criar pontes formais de conhecimento. Dentre os vários projetos
iniciais de UP na área da enfermagem, o mais conhecido foi o Conduct and
56
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Utilization of Research in Nursing Project (CURN; Conduta e Utilização de
Pesquisa em ­Enfermagem), com duração de cinco anos, desenvolvido pela Michigan Nurses’ Association, por designação da Division of Nursing, na década
de 1970. O principal objetivo do CURN foi aumentar o uso dos conhecimentos
de pesquisas na prática diária dos enfermeiros, disseminando resultados científicos recentes, facilitando mudanças organizacionais necessárias à implantação
de inovações e encorajando a pesquisa clínica colaboradora. A equipe do projeto CURN considerava a UP como processo organizacional e julgava essencial
o comprometimento das organizações empregadoras (Horsley, Crane e Bingle,
1978). Ela concluiu que a UP por parte de enfermeiros era possível, mas apenas
se a pesquisa fosse relevante para a prática e se os resultados fossem amplamente disseminados.
Durante as décadas de 1980 e 1990, projetos de UP foram garantidos por um
número crescente de organizações, e descrições de projetos costumavam aparecer
regularmente em periódicos científicos de enfermagem. Em geral, eram tentativas
institucionais de implantar mudanças na prática da enfermagem com base em
descobertas de pesquisas e em avaliar os efeitos das inovações. Ainda que houvesse estudos que continuassem a documentar a existência de uma distância entre a
pesquisa e a prática, as descobertas sugeriam avanços na utilização de pesquisas
por enfermeiros (p. ex., Coyle e Sokop, 1990; Rutledge, Greene, Mooney, Nail e
Ropka, 1996). Durante os anos 1990, no entanto, a ênfase na utilização de pesquisas começou a ser desbancada pelo estímulo à PBE.
Prática de enfermagem baseada em evidências
O movimento da PBE tem gerado considerável debate entre partidários e críticos.
Seus defensores argumentam que é uma solução para melhorar a qualidade do
atendimento de saúde no atual ambiente de restrição de custos. Eles afirmam ser
necessária uma abordagem racional para fornecer o melhor atendimento possível
à maioria das pessoas, considerando o uso dos recursos de modo mais eficaz. Seus
partidários também observam que ela fornece uma estrutura importante para o
aprendizado autodirecionado por toda a vida, essencial em uma era de rápidos
avanços clínicos e explosão de informações. Em contrapartida, os críticos questionam se não há exagero na relação de vantagens da PBE e desconsideração dos
julgamentos clínicos individuais e dos inputs dos pacientes. Eles também estão
preocupados com a pouca atenção dedicada ao papel da pesquisa qualitativa. Mesmo sendo necessário um exame mais atento do modo como o rumo da PBE vai se
desenvolver, parece provável que esse seja o caminho seguido pelas profissões da
área de saúde nos próximos anos.
Visão geral do movimento da prática baseada em evidências
A base do movimento da PBE é a Cochrane Collaboration, fundada no Reino Unido,
apoiada no trabalho do epidemiologista Archie Cochrane. Ele publicou um livro
influente no início da década de 1970, chamando a atenção para a falta de dados
sólidos sobre os efeitos dos serviços de saúde. Cochrane pediu que fossem feitos
esforços para a elaboração de resumos de pesquisas sobre intervenções à disposi-
CAPÍTULO 2
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
57
ção de médicos e outros provedores de atendimento na área de saúde. Isso levou
ao desenvolvimento do Cochrane Center, em Oxford, em 1993, e da organização
internacional Cochrane Collaboration, que hoje possui centros em mais de 10 localidades no mundo todo. Seu objetivo é ajudar os profissionais da área de saúde a
tomar boas decisões a respeito dos tratamentos de saúde, preparando, mantendo e
disseminando revisões sistemáticas dos efeitos das intervenções nessa área.
Mais ou menos na mesma época do surgimento da Cochrane Collaboration,
um grupo da McMaster Medical School, no Canadá, desenvolveu uma estratégia de
aprendizado clínico chamada medicina baseada em evidências. Esse movimento, cujo
pioneiro foi o doutor David Sackett, ampliou o uso das melhores evidências científicas por todos os profissionais da área de saúde em equipes multidisciplinares.
A PBE tem sido considerada o principal paradigma de mudança no sistema
de formação educacional e na prática da área de saúde. No ambiente da PBE, um
clínico habilidoso não pode mais confiar em informações memorizadas; em vez
disso, precisa acessar, avaliar e sintetizar conhecimentos, usando os novos dados
das pesquisas científicas.
Tipos e hierarquia de dados
Não há consenso a respeito de que dados seriam utilizáveis pela PBE, mas há concordância de que as descobertas de pesquisas rigorosas são essenciais. No entanto,
existe certo debate sobre o que é uma pesquisa “rigorosa” e quais características
classificam dados científicos como os “melhores”.
Nas fases iniciais do movimento da PBE, havia clara inclinação a favor de
informações de um tipo de estudo chamado ensaio controlado randomizado (ou, às
vezes, ensaio clínico randomizado, ECR, do inglês randomized clinical trial). Essa
tendência originou­‑se, em parte, do fato de que a Cochrane Collaboration inicialmente focou dados sobre a eficácia das intervenções, e não sobre temas de saúde
gerais. Como explicamos no Capítulo 9, as estratégias usadas nos ECRs servem
para gerar conclusões sobre os efeitos de intervenções de saúde. A tendência de
classificar fontes de dados originalmente em termos de tratamentos eficazes ocasionou alguma resistência à PBE por parte de enfermeiros, que perceberam que
estudos qualitativos e clínicos não randomizados seriam ignorados.
Atualmente, as opiniões sobre a contribuição dos vários tipos de dados são
menos rígidas. Apesar disso, a maioria das hierarquias de evidências publicadas, que classificam fontes de dados de acordo com a solidez das informações
fornecidas, apresenta­‑se mais ou menos como o exemplo dado na Figura 2.1. Essa
pirâmide, adaptada a partir dos esquemas encontrados em várias referências da
PBE (DiCenso et al., 2005; Melnyk e Fineout­‑Overholt, 2005), mostra uma hierarquia de sete níveis, que coloca as revisões sistemáticas de ECRs no topo. Revisões
sistemáticas de ensaios clínicos não randomizados (Nível Ib) oferecem dados científicos menos vigorosos. O segundo degrau dos ensaios clínicos não randomizados
são os ECRs individuais, e assim por diante (os termos da figura são explicados
nos capítulos subsequentes deste livro. Na base dessa hierarquia estão as opiniões
de especialistas.
Obviamente, dentro de qualquer nível da hierarquia de evidências, a qualidade desses dados pode variar de modo considerável. Um ECR individual (Nível
IIa), por exemplo, pode ser bem­‑elaborado, gerando dados convincentes, ou pode
ser tão problemático que seus dados se mostram inúteis. Temos de enfatizar também que a hierarquia apresentada na Figura 2.1 não é universalmente apropria-
58
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Nível I
a. Revisão
sistemática de
ECRs
b. Revisão sistemática de
ensaios não randomizados
Nível II
a. ECR individual
b. Ensaio não randomizado
Nível III
Revisão sistemática de estudos
de correlação/observação
Nível IV
Estudo de correlação/observação
Nível V
Revisão sistemática de estudos descritivos/qualitativos/fisiológicos
Nível VI
Estudo descritivo/qualitativo/fisiológico individual
Nível VII
Opiniões de autoridades, comitês de especialistas
FIGURA 2.1
Hierarquia de evidências: nível dos dados considerando a eficácia da intervenção.
da – ponto esse que nem sempre é esclarecido. Essa hierarquia tem o mérito de
classificar dados científicos para certas questões clínicas, mas não para outras. Em
particular, ela é apropriada quando se trata de questões de sondagem de causas,
em especial aquelas sobre os efeitos de intervenções clínicas. Por exemplo, dados
sobre a eficácia da terapia de massagem para tratar a dor de pacientes com câncer
seriam classificados por essa escala, que, no entanto, não seria relevante para categorizar dados relacionados com questões do tipo: O que é a experiência da dor
para pacientes com câncer? Que porcentagem dos pacientes com câncer experimenta dor intensa e por quanto tempo essa dor persiste?
Portanto, na enfermagem, a expressão melhores evidências refere­‑se, em
geral, às descobertas de pesquisas metodologicamente apropriadas e rigorosas e
clinicamente relevantes para responder a questões urgentes, não apenas sobre
eficácia, segurança e custos das intervenções de enfermagem, mas também sobre
a confiabilidade de medidas de avaliação, determinantes da saúde e do bem­‑estar,
significado de saúde e doença e natureza das experiências dos pacientes. A confiança nos dados científicos aumenta quando os métodos de pesquisa são convincentes, quando há vários estudos de replicação confirmatórios e quando os dados
são avaliados e sistematizados.
CAPÍTULO 2
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
59
Barreiras à utilização de pesquisas e à prática baseada em evidências
Os enfermeiros têm feito muitos estudos sobre PBE e aplicação de pesquisas na prática, incluindo investigações sobre fatores que dificultam ou facilitam a PBE. Essa é
uma importante área de pesquisa, pois as descobertas indicam caminhos que promovem ou desestimulam os esforços de PBE e, portanto, sugerem temas que precisam ser tratados para estimular o avanço da enfermagem baseada em evidências.
Estudos que exploram barreiras ao uso de pesquisas têm gerado resultados muito
similares, em vários países, sobre restrições enfrentadas por enfermeiros. A maioria
das barreiras encaixa­‑se em uma dessas três categorias:
1. qualidade e natureza da pesquisa;
2. características do enfermeiro;
3. fatores organizacionais.
Em relação à pesquisa propriamente dita, o principal problema consiste em
que, para alguma áreas práticas, a disponibilidade de dados de pesquisas de alta
qualidade é limitada. Ainda é constante a necessidade de pesquisas que tratem de
problemas clínicos prementes, estudos metodologicamente vigorosos e generalizáveis e replicações de estudos em uma série de cenários. Outro tema importante:
os enfermeiros pesquisadores precisam melhorar a habilidade de divulgar as descobertas (e suas implicações clínicas) aos enfermeiros práticos.
As atitudes e a formação acadêmica dos enfermeiros têm surgido, constantemente, como potenciais barreiras à UP e à PBE. Estudos revelaram que alguns
enfermeiros não valorizam as pesquisas, nem acreditam em seus benefícios e outros simplesmente resistem a mudanças. Felizmente, há cada vez mais dados de
pesquisas internacionais sobre enfermeiros que valorizam a pesquisa e querem
se envolver em atividades a ela relacionadas. Dentre as barreiras adicionais, no
entanto, estão o fato de que muitos enfermeiros não sabem como ter acesso a
informações de pesquisas e não possuem ferramentas para avaliar criticamente
as descobertas científicas. Há ainda aqueles que não sabem como incorporar de
modo eficaz os dados científicos na tomada de decisões clínicas.
Por fim, muitos dos impedimentos ao uso de pesquisas na prática são organizacionais. A “cultura da instituição de saúde” tem sido considerada como um fator
primordial para o uso de pesquisas (Pepler, Edgar, Frisch, Rennick, Swidzinsky,
White et al., 2005), e barreiras organizacionais, como a administrativa, repetidas
vezes têm se mostrado importantes. Ainda que muitas organizações defendam
a ideia da PBE em teoria, nem sempre fornecem os suportes necessários para a
liberação de recursos e tempo da equipe. A PBE só se tornará parte das normas
organizacionais quando houver comprometimento por parte de gerentes e administradores. Uma forte liderança nas organizações da área de saúde é essencial
para que tal prática se desenvolva.
RECURSOS DA PRÁTICA BASEADA EM evidências
A transferência de dados de pesquisa para a prática da enfermagem é um desafio
constante que a profissão de enfermagem resolveu enfrentar. Nesta seção, descrevemos alguns dos recursos disponíveis para sustentar a prática da enfermagem
baseada em evidências.
60
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Revisões sistemáticas
A PBE fundamenta­‑se na meticulosa integração dos dados de pesquisas sobre determinado tópico. A ênfase nas melhores evidências implica que todos os dados­‑chave
a respeito de certo problema clínico sejam reunidos, avaliados e sintetizados, para
que conclusões sobre as práticas mais efetivas possam ser elaboradas. A revisão
sistemática não significa simplesmente revisar a literatura, como descrevemos no
Capítulo 7. Por si só, consiste em uma investigação acadêmica metódica, que segue
muitos dos mesmos passos dos estudos. O Capítulo 19 oferece orientações básicas
sobre leitura e crítica de revisões sistemáticas.
Tais revisões podem assumir várias formas. Até bem recentemente, o tipo
mais comum era a integração narrativa tradicional (qualitativa), que combina e
sintetiza descobertas, como se fosse uma revisão completa da literatura. As revisões narrativas de estudos quantitativos têm sido substituídas, cada vez mais, por
outro tipo, conhecido como metanálise.
A metanálise é uma técnica de integração estatística de resultados de pesquisas quantitativas. Em essência, trata os resultados de um estudo como uma
fração de informação. Os resultados de vários estudos sobre um mesmo tópico
são combinados; depois, todas as informações são analisadas estatisticamente, de
modo similar ao de um estudo usual. Portanto, como unidade de análise (entidade
básica focada na análise), a metanálise considera cada um dos estudos e não seus
participantes. Essa técnica fornece um método conveniente e objetivo de integração de um corpo de conhecimento e observação de padrões que talvez poderiam
passar despercebidos.
Exemplo de metanálise
Rawson e Newburn­‑Cook (2007) realizaram uma metanálise para analisar dados sobre a efi‑
cácia de baixas doses de varfarina na redução da incidência de trombose em pacientes com
câncer que usavam um cateter venoso central. Depois de integrarem resultados de quatro
estudos de intervenção, os pesquisadores concluíram que o uso profilático de baixas doses de
varfarina pode não evitar a formação de trombos.
Além disso, esforços têm sido feitos para desenvolver técnicas de metassíntese qualitativa. A metassíntese envolve integrar descobertas qualitativas em um
tópico específico, que, por sua vez, é uma síntese interpretativa de informações
narrativas. Distingue­‑se da metanálise quantitativa por se preocupar menos com o
resumo de informações e mais com sua amplificação e interpretação. Atualmente,
na Cochrane Collaboration, há um novo grupo (o Qualitative Research Methods
Group) responsável pela realização e pela disseminação de metassínteses.
Exemplo de metassíntese
Downe e colaboradores (2007) realizaram uma metassíntese para explorar as habilidades e
as práticas de profissionais não médicos relacionadas ao parto em maternidades. Essa me‑
tassíntese, que examinou estudos qualitativos publicados entre 1970 e 2006, identificou três
temas inter­‑relacionados em sete estudos relevantes: sabedoria, habilidade prática e vocação
aplicada.
CAPÍTULO 2
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
61
Felizmente, há cada vez mais revisões sistemáticas disponíveis sobre vários
tópicos clínicos. Essas revisões são publicadas em periódicos profissionais, acessados por procedimentos de busca­‑padrão (ver Cap. 7), e também em bancos de
dados dedicados a esse tipo de revisão. Em particular, o Cochrane Database of
Systematic Reviews (CDSR) contém milhares de revisões sistemáticas relacionadas com intervenções da área de saúde. Outro recurso para quem quer acessar revisões sistemáticas é a Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ). Essa
agência estabelece contratos para a criação de centros de PBE em instituições dos
Estados Unidos e do Canadá. Cada centro publica relatórios científicos, com base
em revisões sistemáticas rigorosas da literatura relevante.
Outras evidências pré­‑avaliadas
Evidências pré­‑avaliadas são aquelas selecionadas em estudos primários e avaliados de acordo com seu uso em situações clínicas. Recursos desse tipo são as revisões sistemáticas e também as orientações para a prática clínica (discutidas mais
adiante neste capítulo). Mencionamos alguns recursos adicionais que podem ser
úteis.
DiCenso e colaboradores (2005) descreveram uma hierarquia de evidências
pré­‑processadas, que estabelece as orientações para as melhores práticas clínicas,
como recurso especialmente útil. Logo a seguir, vêm as sinopses de revisões sistemáticas, seguidas pelas próprias revisões sistemáticas e por sinopses de estudos.
Sinopses de revisões sistemáticas e de estudos individuais encontram­‑se disponíveis em periódicos de resumos baseados em evidências. A revista Evidence­‑Based
Nursing, por exemplo, publicada trimestralmente, apresenta resumos críticos de
estudos e revisões sistemáticas de mais de 150 periódicos. Os resumos incluem
comentários sobre as implicações clínicas de cada estudo revisado. Essa revista,
juntamente com outras dedicadas a resumos (p. ex., a Evidence­‑Based Mental He‑
alth), pode ser encontrada em formato eletrônico em Evidence­‑Based Medicine Re‑
views. Outro recurso de acesso a periódicos é o “evidências condensadas” em cada
número da Worldviews on Evidence­‑Based Nursing.
Em algumas revistas e também em alguns cenários práticos, estão começando a surgir ferramentas chamadas tópicos avaliados criticamente (CATs, do
inglês criti­cally appraised topics). O CAT é um breve resumo de questões clínicas
e uma avaliação­ dos melhores dados científicos. Tipicamente, inicia­‑se com uma
recomendação clíni­ca básica, ou seja, qual a melhor diretriz prática. Sackett e
colaboradores (2000) defendem a criação e o uso de CATs como ferramenta de
ensino/aprendizado da PBE.
Modelos de processo da PBE
Uma série de diferentes modelos e teorias de PBE e UP tem sido desenvolvida e
constitui um recurso importante. Esses modelos oferecem estruturas para a compreensão do processo e da implantação de projetos de PBE em um cenário prático.
Alguns modelos defendem o uso de pesquisas a partir da perspectiva de cada
clínico (p. ex., o Stetler Model), enquanto outros tratam de esforços institucionais
de PBE (p. ex., o Iowa Model). Dentre os modelos que oferecem uma estrutura de
orientação para tentativas de implantação da PBE ou UP estão:
62
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ü
ü
ü
ü
ü
ü
ü
ü
Pesquisa Avançada e Prática Clínica por Meio de Estreita Colaboração – Advancing Research and Clinical Practice Through Close Collaboration (ARCC) Model
(Melnyk e Fineout­‑Overholt, 2005)
Teoria da Difusão de Inovações – Diffusion of Innovations Theory (Rogers, 1995)
Estrutura para Adoção de Inovações Baseadas em Evidências – Framework for
Adopting an Evidence­‑Based Innovation (DiCenso et al., 2005)
Modelo de Iowa de Pesquisas na Prática – Iowa Model of Research in Practice
(Titler et al., 2001)
Modelo de PBE de Enfermagem da Universidade Johns Hopkins – Johns Hopkins
Nursing EBP Model (Newhouse et al., 2005)
Modelo de Ottawa de Uso de Pesquisas – Ottawa Model of Research Use (Logan
e Graham, 1998)
Modelo de Promoção de Ações de Implantação de Pesquisas em Serviços de
Saúde – Promoting Action on Research Implementation in Health Services
(PARIHS) Model, (Rycroft ­‑Malone et al., 2002, 2007)
Modelo de Stetler de Utilização de Pesquisas – Stetler Model of Research Utilization (Stetler, 2001)
Ainda que cada modelo ofereça perspectivas diferentes sobre o modo de
transferir descobertas de pesquisas para a prática, vários dos passos e procedimentos são similares. Os mais importantes desses modelos têm sido o Diffusion of In‑
novations Theory (Teoria da Difusão de Inovações), o PARIHS Model, o Stetler
Model e o Iowa Model. Estes dois últimos, desenvolvidos por enfermeiros, foram
elaborados originalmente em um ambiente que enfatizava a UP, mas passaram por
uma atualização que incorporou processos da PBE. Quem deseja seguir um modelo de PBE formal deve consultar uma das referências citadas. Vários desses modelos também foram muito bem sintetizados por ­Melnyk e Fineout­‑Overholt (2005).
Fornecemos uma visão geral das atividades e dos processos­‑chave de esforços de
PBE, com base na avaliação de elementos comuns dos vários modelos, em uma
seção subsequente deste capítulo. Temos especial confiança no Iowa Model, do
qual apresentamos um diagrama na Figura 2.2.
A PRÁTICA INDIVIDUAL DE ENFERMAGEM
BASEADA EM Evidências
Nos próximos anos, provavelmente o enfermeiro vai se engajar em esforços institucionais e individuais para usar pesquisas como base das decisões clínicas. É quase
certo que esse será o caso de quem trabalha em hospitais dos Estados Unidos que
aspiram a obter o grau do Magnet Recognition Program®. Em qualquer atividade
de PBE, o enfermeiro terá melhores condições se puder localizar, compreender e
criticar pesquisas.
Esta seção e as seguintes, baseadas nos vários modelos de PBE, fornecem uma
visão geral do modo como as pesquisas podem ser usadas em cenários clínicos. Uma
orientação mais ampla encontra­‑se disponível em livros dedicados à enfermagem
baseada em evidências (p. ex., DiCenso et al., 2005; Melnyk e Fineout­‑Overholt,
2005). Primeiramente, discutimos estratégias e passos para cada clínico individualmente; depois, descrevemos atividades usadas por organizações ou equipes de
enfermeiros.
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
CAPÍTULO 2
Desencadeadores focados no problema
1. Dados para administração de riscos
2. Dados para melhoria de processos
3. Dados para indicador interno/externo
4. Dados financeiros
5.Identificação de um problema clínico
Considerar
outros
desenca­
deadores
63
Desencadeadores focados no conhecimento
1.Nova pesquisa ou outra literatura
2. Agências nacionais ou padrões e orientações
organizacionais
3. Filosofias de atendimento
4. Questões dos Comitês de Protocolos Institucionais
Esse tópico
é prioridade para
a organização?
Não
Sim
Montar uma equipe.
Reunir pesquisas relevantes e literatura relacionada.
Criticar e sintetizar pesquisas para uso na prática.
Sim
A base de
pesquisas é
suficiente?
Fazer a mudança na prática:
1.Selecionar os resultados a serem
alcançados
2. Coletar dados básicos
3.Elaborar orientações para a prática
baseada em evidências (PBE)
4.Implantar a PBE em unidades­‑piloto
5. Avaliar processos e resultados
6. Modificar as orientações da prática
Continuar a avaliar a
qualidade do cuidado
e dos novos conheci‑
mentos
Não
Basear a prática em outros
tipos de dados:
1.Relatórios de caso
2.Opinião de especialistas
3. Princípios científicos
4.Teoria
Não
Disseminar os
resultados.
É
apropriado
adotar essa
mudança na
prática?
Sim
Realizar
pesquisas.
Instituir a mudança na prática.
Monitorar e analisar a
estrutura, os processos e os
resultados:
ü do ambiente
ü da equipe
ü dos custos
ü do paciente e de sua família
FIGURA 2.2
Iowa Model de prática baseada em evidências, destinado a promover um atendimento de qualidade.
(Adaptada de Titler et al., 2001. The Iowa Model of Evidence­‑Based Practice to Promote Quality Care.
Critical Care Nursing Clinics of North America, 13, 497­‑509.)
64
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Cenários clínicos e necessidade de evidências
Individualmente, o enfermeiro toma muitas decisões e é chamado a fornecer
orientações de saúde. Desse modo, ele tem a oportunidade de colocar pesquisas
em prática. Seguem quatro cenários clínicos que fornecem exemplos desse tipo de
oportunidade:
ü
ü
ü
ü
Cenário clínico 1. Você trabalha em uma unidade de hemodiálise, e um de seus
pacientes, com diabete tipo 2, desenvolve uma ulceração grave no pé, que
evolui até levar à amputação de vários dedos. Você quer saber se há uma
ferramenta de avaliação confiável para detecção precoce de complicações nos
pés, a fim de reduzir o risco de amputação em pacientes com doença renal no
estágio final.
Cenário clínico 2. Você é enfermeiro especializado e trabalha em um hospital de
reabilitação. Uma de suas pacientes idosas, que colocou uma prótese total de
quadril, diz que está planejando uma longa viagem de avião para visitar a filha
após o final do tratamento de reabilitação. Você sabe que uma viagem longa
de avião vai aumentar o risco de trombose venosa profunda e fica pensando se
meias elásticas seriam realmente um tratamento eficaz durante uma viagem
aérea e se deveria recomendá­‑las. Você resolve procurar pelos melhores dados
científicos possíveis para responder à questão.
Cenário clínico 3. Você trabalha em uma clínica para tratamento de alergias
e observa a dificuldade de muitas crianças na hora dos exames. Isso o leva a
imaginar uma intervenção eficaz para aliviar o medo das crianças em relação
aos exames de pele.
Cenário clínico 4. Você cuida de um paciente hospitalizado que, uma semana
antes da hospitalização, havia recebido a prescrição de um inibidor seletivo da
recaptação de serotonina (ISRS). Ele confessa que tem vergonha de comprar o
medicamento porque se sente uma pessoa “sem coragem”. Você pondera se há
algum dado científico sobre os sentimentos manifestados por indivíduos que
iniciam o tratamento com tal medicamento, para poder entender melhor como
tratar as preocupações desse paciente.
Nessas e em outras situações clínicas, os dados de pesquisas podem ser
­ sados para melhorar a qualidade do cuidado de enfermagem. Algumas siu
tuações podem levar ao exame cuidadoso e amplo das práticas realizadas na
unidade ou instituição, mas, em outros casos, o enfermeiro, individualmente,
pode investigar os dados por conta própria, a fim de ajudar a tratar problemas
específicos.
Em esforços individuais de PBE, as principais etapas incluem:
1.
2.
3.
4.
Fazer perguntas clínicas que podem ser respondidas por dados científicos.
Buscar e coletar dados científicos relevantes.
Avaliar e sintetizar esses dados.
Integrar os dados à própria experiência clínica, às preferências do paciente e
ao contexto.
5. Avaliar a eficácia da decisão, da intervenção ou da orientação.
CAPÍTULO 2
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
65
Como formular questões clínicas bem­‑elaboradas
A literatura sobre PBE dedica considerável atenção ao primeiro passo desse processo, ou seja, fazer perguntas clínicas que podem ser respondidas. Os autores de
livros de PBE costumam fazer a distinção das questões em dois tipos: geral e específica. As questões gerais são perguntas básicas a respeito de um tema clínico,
por exemplo: “O que é caquexia por câncer (emaciação corporal progressiva) e
qual a sua fisiopatologia?”. As respostas geralmente são encontradas em livros. As
questões específicas, por sua vez, são aquelas que podem ser respondidas com
base nos dados de pesquisas recentes sobre diagnóstico, avaliação ou tratamento
de pacientes ou esclarecimento do significado, causa ou prognóstico de seus problemas de saúde. O enfermeiro pode se perguntar, por exemplo, se um suplemento
nutricional enriquecido com óleo de peixe é eficaz na estabilização do peso de
pacientes com câncer avançado. A resposta a esse tipo de pergunta pode fornecer
orientações sobre o melhor modo de tratar pacientes caquéticos, ou seja, a resposta mostra uma possibilidade de PBE.
DiCenso e colaboradores (2005) alertam que, para questões que pedem informações quantitativas (p. ex., a eficácia de um tratamento), três componentes
devem ser identificados:
1. A população (Quais as características dos pacientes ou clientes?)
2. A intervenção ou exposição (Que tratamentos ou intervenções serão avaliados?
ou Que exposições potencialmente nocivas preocupam?)
3. Os resultados (Que resultados ou consequências interessam?)
Aplicando esse esquema ao caso de caquexia, é possível dizer que nossa po‑
pulação são os pacientes com câncer avançado ou caquexia. A intervenção são os
suplementos nutricionais enriquecidos com óleo de peixe. O resultado é a estabilização do peso. Outro exemplo: no primeiro cenário clínico mencionado, sobre
complicações alimentares, a população são os pacientes diabéticos submetidos à
hemodiálise. A intervenção é a ferramenta de avaliação dos pés. O resultado é a
detecção de problemas nos pés.
Quando informações qualitativas são o melhor modo de solucionar a questão
(p. ex., questões sobre o significado de uma experiência ou problema de saúde),
DiCenso e colaboradores (2005) sugerem dois componentes:
1. A população (Quais as características dos pacientes ou clientes?)
2. A situação (Que condições, experiências ou circunstâncias se pretende compreender?)
Vamos supor, por exemplo, que a pergunta de pesquisa seja: “Como é ter
caquexia?”. Nesse caso, há necessidade de ricas informações qualitativas; a popu‑
lação são os pacientes com câncer em estado avançado, e a situação é a experiência
de ter caquexia.
Fineout­‑Overholt e Johnston (2005) sugerem um esquema de cinco componentes para formular questões de PBE e o uso de um acrônimo em inglês (PICOT)
como guia. Os cinco componentes são a população (P), a intervenção ou tema
66
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
(I), a comparação na qual estamos interessados (C), o resultado (O, do inglês
outcome) e o tempo (T). Esse esquema contrasta a intervenção com algum outro
elemento específico, como um tratamento alternativo. Podemos estar interessados, por exemplo, em saber se suplementos enriquecidos com óleo de peixe são
melhores do que a melatonina na estabilização do peso de pacientes com câncer.
Em alguns casos, é importante apontar uma comparação específica; em outros, às
vezes, estamos interessados em revelar informações sobre todas as alternativas da
intervenção investigada. Isso significa que, ao pesquisar dados sobre a eficácia de
suplementos de óleo de peixe, pode ser interessante avaliar estudos que comparam esses suplementos com melatonina, placebo, outros tratamentos ou nenhuma
intervenção. O componente final do esquema de Fineout­‑Overholt e Johnston é
um recorte temporal, ou seja, o período em que a questão ocorre. Assim como o
“C” de comparação, o “T” de tempo nem sempre é essencial.
A Tabela 2.1 fornece alguns modelos de perguntas para tratar questões clínicas estruturadas em circunstâncias específicas. A coluna da direita inclui comparações explícitas, ao contrário da coluna da esquerda.
DICA
A Tabela 2.1 está à disposição no link deste livro no site www.grupoaeditoras.com.br, no for‑
mato Word, podendo ser adaptada para melhor preenchimento.
Busca de evidências
A elaboração de questões clínicas nas formas sugeridas torna mais eficaz a pesquisa bibliográfica para obter as informações desejadas. Quando usados, por exemplo, os modelos da Tabela 2.1, as informações inseridas nos espaços em branco
constituem palavras­‑chave, que podem ser pesquisadas na busca eletrônica.
Para a PBE individual, o melhor é começar pela busca em revisões sistemáticas, orientações clínicas práticas ou outra fonte pré­‑processada, pois essa
abordagem leva a uma resposta mais rápida e, se as habilidades metodológicas
do pesquisador forem limitadas, possibilita uma resposta de qualidade superior.
Aqueles que preparam revisões e orientações clínicas costumam ser bem treinados
em métodos de pesquisa e, geralmente, usam padrões exemplares na avaliação de
dados. Além disso, dados pré­‑processados com frequência são preparados por uma
equipe, o que resulta em conclusões bem objetivas, verificadas mais de uma vez.
Portanto, quando há dados pré­‑processados relacionados à questão clínica pesquisada, às vezes eles são suficientes, a não ser que a revisão esteja desatualizada. Em
contrapartida, quando não é possível localizar dados pré­‑processados ou quando
estes são antigos, é preciso buscar dados melhores em estudos primários, usando
as estratégias descritas no Capítulo 7.
Avaliação de evidências
Após localizar as evidências científicas, é preciso avaliá­‑las antes de partir para
a ação clínica. A consideração crítica de dados científicos na PBE pode envolver
vários tipos de avaliação (Quadro 2.1). A abrangência dessa avaliação depende
CAPÍTULO 2
TABELA 2.1
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
67
MODELOS DE PERGUNTAS PARA
AVALIAÇÃO DE QUESTÕES CLÍNICAS GERAIS
TIPO DE
QUESTÃO
MODELO SEM COMPARAÇÃO
EXPLÍCITA
MODELO COM COMPARAÇÃO
EXPLÍCITA
Tratamento/
intervenção
Em __________ (população), qual o
efeito de __________ (intervenção) sobre
__________ (resultado)?
Em __________ (população), qual o
efeito de __________ (intervenção)
em comparação com __________
(intervenção comparativa/
alternativa) sobre __________
(resultado)?
Diagnóstico/
avaliação
Para __________ (população), __________
(ferramenta, procedimento) gera
informações precisas e apropriadas
sobre __________ (resultado)?
Para __________ (população),
__________ (ferramenta,
procedimento) gera informações
diagnósticas/avaliativas mais
precisas e mais apropriadas do
que __________ (ferramenta/
procedimento comparativo) sobre
__________ (resultado)?
Prognóstico
Para __________ (população), __________
(doença ou condição) aumenta o risco
de/ou influencia __________ (resultado)?
Para __________ (população),
__________ (doença ou condição),
em relação a __________ (doença ou
condição comparativa), aumenta
o risco de/ou influencia __________
(resultado)?
Etiologia/dano
_________ (exposição ou característica)
aumenta o risco de __________
(resultado) entre __________
(população)?
__________ (exposição ou
característica) aumenta o risco
de __________ (resultado), em
comparação com __________
(doença ou condição comparativa),
entre __________ (população)?
Significado/
processo
Como é para __________ (população) a
experiência de __________ (condição,
doença, circunstância)?
OU
Por qual processo __________
(população) lida com/adapta-se a/
convive com __________ (condição,
doença, circunstância)?
(Nesse tipo de questão, não são
comuns comparações explícitas.)
de vários fatores, sendo o mais importante deles a natureza da ação clínica envolvida. Algumas ações clínicas têm implicações na segurança do paciente, enquanto
outras afetam sua satisfação. Se, por um lado, o uso das melhores evidências para
orientar a prática da enfermagem é importante quando se trata de uma série de
resultados; por outro, os padrões de avaliação devem ser rigorosos no caso de
dados que podem afetar a segurança e a morbidade do paciente.
68
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
QUADRO 2.1
QUESTÕES PARA AVALIAÇÃO
DE EVIDÊNCIAS
Qual a qualidade das evidências (p. ex., qual seu grau de rigor e confiabilidade?)
Quais as evidências ? Qual a magnitude de seus efeitos?
Qual o grau de precisão da estimativa dos efeitos?
Há algum indício de efeitos ou benefícios colaterais?
Qual o custo financeiro da aplicação (e não aplicação) dessas evidências?
Essas evidências são relevantes para minha situação clínica particular?
Qualidade das evidências
O primeiro ponto a ser avaliado é o grau de validade dos dados. Ou seja: “Os
métodos do estudo foram suficientemente rigorosos a ponto de produzir dados
confiáveis?”. Em todos os capítulos deste livro, oferecemos orientação sobre crítica
de estudos e avaliação da consistência dos dados de pesquisas. Quando há vários
estudos primários, mas nenhuma revisão sistemática, é necessário tirar conclusões
sobre o corpo de dados científicos tomado como um todo. Obviamente, confere­‑se
maior valor aos estudos mais rigorosos.
Magnitude dos efeitos
Também pode ser preciso avaliar a natureza dos dados e a sua importância clínica.
O que esse critério considera não é em que medida os resultados são reais, mas, sim,
o que são e qual a consistência de seus resultados. Vamos considerar, por exemplo, o
cenário clínico 2, citado anteriormente, em que se sugere a seguinte questão clínica:
Para pacientes de alto risco, o uso de meias elásticas diminui o risco de trombose
venosa profunda relacionado a viagens aéreas? Na busca de evidências, descobrimos uma metanálise relevante de nove ECRs (Hsieh e Lee, 2005). A conclusão dessa
metanálise é que as meias elásticas são bastante eficazes, e existem fortes indícios
sugerindo que pode ser apropriado aconselhar aos pacientes o uso delas, a não ser
que haja outros fatores envolvidos.
É especialmente importante a determinação da magnitude do efeito de descobertas quantitativas quando a intervenção é onerosa ou quando há efeitos colaterais potencialmente negativos. Se, por exemplo, houver fortes indícios de que
uma intervenção tem grau de eficácia modesto na solução de determinado problema de saúde, então é importante considerar outros fatores (p. ex., dados a respeito
de efeitos sobre a qualidade de vida). Há vários modos de quantificar a magnitude
dos efeitos, e muitos estão descritos neste livro.
Precisão das estimativas
Quando os dados são quantitativos, outra consideração relevante é o grau de precisão da estimativa do efeito. Esse nível de avaliação requer certa sofisticação
estatística e, por isso, adiamos a discussão dos intervalos de confiança, que serão
tratados no Capítulo 15. Resultados de pesquisas fornecem apenas uma estimativa
dos efeitos, e pode ser útil compreender não apenas a estimativa exata, mas a faixa
de variação em que provavelmente se encontra o efeito.
CAPÍTULO 2
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
69
Efeitos periféricos
Se for julgado que os dados científicos são válidos e que a magnitude de seus
efeitos merece consideração, há situações em que informações suplementares são
necessárias para orientar as decisões. Um dos temas relacionados envolve os benefícios e os custos periféricos, que geralmente são revelados durante a busca
dos dados. Ao se estruturar a questão clínica, é comum que se identifiquem os
resultados­‑chave relevantes; por exemplo, estabilização ou ganho de peso no caso
da intervenção para tratar a caquexia por câncer. No entanto, a pesquisa desse tópico provavelmente vai considerar outros resultados que devem ser considerados,
como qualidade de vida, conforto, efeitos colaterais, satisfação.
Questões financeiras
Outro aspecto a ser observado está associado ao custo financeiro da aplicação das
evidências. Em alguns casos, os custos podem ser baixos ou praticamente inexistentes. No cenário clínico 4, por exemplo, em que se discutiu a questão da experiência de iniciar um tratamento com medicamentos que inibem a recaptação de
serotonina, é possível prever que a ação de enfermagem teria custo neutro, pois
os dados seriam usados principalmente para fornecer informações e transmitir
segurança ao paciente. Todavia, algumas intervenções e protocolos de avaliação
são onerosos. Nesses casos, a quantidade de tempo e de recursos necessários ao
uso dos melhores evidências na prática teriam de ser estimados e decompostos em
cada decisão. Se é preciso considerar o custo de uma decisão clínica, também é
igualmente importante avaliar o custo de não tomar essa decisão.
Relevância clínica
Por fim, é importante avaliar a relevância das evidências para a situação clínica
em questão, ou seja, para o paciente específico em seu cenário clínico. As melhores
evidências podem ser mais prontamente aplicadas a determinado paciente quando este é similar o bastante às pessoas que participaram do estudo ou de estudos
revisados. O paciente teria sido recrutado para tal estudo ou aspectos, como idade, gravidade da doença, condição mental ou comorbidade, teriam sido um fator
para sua exclusão? DiCenso e colaboradores (2005), que aconselharam os clínicos
a perguntarem se há alguma razão que os obrigue a concluir que os resultados
talvez não sejam aplicáveis à situação clínica analisada, deram dicas úteis sobre o
emprego de evidências a pacientes específicos.
Ações baseadas na avaliação de evidências
As avaliações de evidências podem levar a diferentes cursos de ação. Pode ser que
o enfermeiro chegue nesse ponto da PBE e conclua que a evidência não é sólida o
suficiente ou então que, provavelmente, o efeito é muito pequeno ou inexistente,
ou ainda que o custo da aplicação dos dados é tão elevado que nem merece consideração. A avaliação das informações pode sugerir que o “atendimento usual”
é a melhor estratégia ou, então, que há necessidade de uma nova investigação
baseada em evidências. No exemplo sobre a caquexia, é provável que o enfermeiro encontre dados indicadores de que os suplementos nutricionais de óleo de
70
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
peixe às vezes não são um tratamento eficaz (Jatoi, 2005). No entanto, durante
a pesquisa, ele também pode encontrar uma revisão de Cochrane cuja conclusão
é que o acetato de megestrol melhora o apetite e o ganho de peso em pacientes
com câncer (Berenstein e Ortiz, 2005). Isso pode levar a uma nova investigação e
a discussões com outros membros da equipe de saúde sobre o desenvolvimento de
um protocolo focado na nutrição para o cenário clínico. Se, no entanto, a avaliação inicial das evidências sugere uma ação clínica promissora, o enfermeiro pode
dar o próximo passo.
Integração de evidências
Como implícito na definição da PBE, os dados de pesquisas precisam ser integrados a outros tipos de informação, incluindo a própria experiência clínica do
profissional e o conhecimento do cenário clínico. Talvez o enfermeiro conheça
fatores que desaconselham a implantação de evidências, ainda que sejam muito
promissoras.
As preferências e os valores dos pacientes também são importantes. Uma conversa com o paciente pode revelar fortes atitudes negativas em relação a um curso
de ação potencialmente benéfico, contraindicações (p. ex., comorbidades antes insuspeitas) ou possíveis impedimentos (p. ex., ausência de plano de saúde). Além
disso, se os recursos necessários à aplicação das evidências não estiverem rotineiramente disponíveis, será necessário determinar a possibilidade de obtê­‑los.
Um tema final é a conveniência de integrar dados de pesquisas qualitativas.
Esse tipo de pesquisa pode fornecer boa compreensão sobre o modo como os pacientes experimentam um problema ou sobre barreiras que dificultam a adoção
das prescrições. Uma intervenção potencialmente benéfica pode não alcançar os
resultados desejados se for implantada sem a perspectiva do paciente. Como Morse (2005) observou, evidências do ECR podem dizer se um comprimido é eficaz,
mas a pesquisa qualitativa vai ajudar a entender por que, às vezes, os pacientes
não o utilizam.
Aplicação de evidências e avaliação de resultados
Depois dos quatro primeiros passos da PBE, pode­‑se usar a informação integrada
para tomar uma decisão ou fornecer conselhos com base em evidências. Ainda que
as etapas, como descritas aqui, possam parecer complicadas, na realidade, o processo é bem­‑eficiente – se houver evidências adequadas e, sobretudo, se elas forem
pré­‑processadas corretamente. A PBE é um desafio maior quando os achados das
pesquisas são contraditórios, inconclusivos ou inconsistentes, ou seja, quando são
necessárias evidências de melhor qualidade.
O último passo de um esforço individual de PBE refere­‑se à avaliação. Parte
do processo de avaliação envolve um acompanhamento para determinar se as
ações ou decisões alcançaram o resultado esperado. Outra parte, no entanto, está
relacionada com a avaliação do grau de excelência da execução da PBE. Sackett
e colaboradores (2000) apresentam questões de autoavaliação dos esforços do
enfermeiro. As questões tratam dos passos prévios da PBE e incluem formular
perguntas (Será que estou tratando realmente de alguma questão clínica? Minhas
questões foram bem formuladas?) e encontrar dados externos (Conheço as melho-
CAPÍTULO 2
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
71
res fontes de evidências atuais? Minha busca está ficando mais eficiente?). A autoavaliação pode levar à conclusão de que, pelo menos, algumas questões clínicas
de interesse podem ser mais bem tratadas como um esforço de grupo.
A prática baseada em evidências
no contexto organizacional
Em alguns cenários clínicos, os próprios enfermeiros, individualmente, são capazes de implantar estratégias baseadas em evidências (p. ex., dar conselhos sobre o
uso de meias elásticas em uma viagem de avião). No entanto, há muitas situações
em que as decisões devem ser tomadas no nível organizacional ou por enfermeiros
que trabalham juntos, para solucionar um problema clínico recorrente. Esta seção
descreve algumas considerações adicionais relevantes para esforços institucionais
de PBE, destinados a gerar alguma política ou protocolo que afete a prática de
muitos enfermeiros.
Muitos dos passos de projetos organizacionais de PBE são similares aos descritos na seção anterior. Por exemplo, reunir e avaliar evidências são atividades­‑chave
em ambos. No entanto, temas adicionais são relevantes no nível organizacional.
Seleção de problemas para
um projeto institucional de PBE
Alguns projetos de PBE são esforços de clínicos diretamente envolvidos na prática
– eles encontram um problema e propõem possíveis soluções a seus supervisores. Outros, no entanto, são passos dados por administradores para estimular o
pensamento crítico e o uso de dados de pesquisas entre os clínicos. Esta última
abordagem é cada vez mais comum em hospitais dos Estados Unidos como parte
do processo de obtenção da acreditação da organização.
Exemplo de PBE no processo de acreditação
Turkel e colaboradores (2005) descreveram um modelo usado no Northwest Community
Hospital, em Illinois, para incrementar a PBE como parte do esforço para obter acreditação.
Os cinco passos desse processo incluíram estabelecimento de uma fundação para a PBE, iden‑
tificação de áreas problemáticas, formação de especialistas internos, implantação da PBE e
contribuição para um estudo.
Vários modelos, como o Iowa Model, têm distinguido dois tipos de estímulos
(desencadeadores) em um esforço de PBE – (1) desencadeadores focados no pro‑
blema: identificação de um problema clínico prático que precisa de solução ou (2)
desencadeadores focados no conhecimento: leituras da literatura de pesquisas. Os
primeiros podem surgir no curso normal da prática clínica (como nos cenários clínicos descritos anteriormente) ou no contexto de esforços de avaliação e melhoria
de qualidade. Essa abordagem de identificação de problemas costuma ter o apoio
72
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
da equipe quando o problema escolhido já foi enfrentado por vários enfermeiros
e costuma ter relevância clínica, pois o que desperta o interesse inicial é uma situação clínica específica.
Gennaro e colaboradores (2001) aconselham o enfermeiro a começar a esclarecer o problema prático que precisa ser resolvido e a formulá­‑lo em uma questão ampla. O objetivo pode ser encontrar o melhor modo de prever um problema
(como diagnosticá­‑lo) ou de solucioná­‑lo (como intervir). As questões iniciais podem tomar a seguinte forma: “Qual o melhor modo de...?”. Por exemplo: “Qual
o melhor modo de estabilizar o peso de pacientes com câncer no estágio avançado?”. Essas questões iniciais teriam de ser modificadas para focar melhor questões
clínicas passíveis de solução por investigação (e avaliação) de evidências, como
previamente descrito.
Um segundo catalisador de projetos de PBE é a literatura científica (i.e., desencadeadores focados no conhecimento). Às vezes, esse catalisador toma a forma
de uma nova orientação clínica, ou o impulso pode vir de discussões em um grupo
de estudos. Quando os desencadeadores são focados no conhecimento, pode haver a necessidade de avaliar a aplicabilidade e a relevância clínica da pesquisa. O
tema central consiste em saber se um problema importante para os enfermeiros
daquele ambiente específico será solucionado por uma mudança ou pela introdução de uma inovação. Titler e Everett (2001) sugerem a escolha de intervenções­
‑teste, usando conceitos do Roger’s Diffusion of Innovations Model.
Com ambos os tipos de desencadeadores, deve haver um consenso a respeito
da importância do problema e da necessidade de melhorar a prática. No Iowa Model
(Fig. 2.2), a primeira decisão consiste em determinar se o tópico é prioritário para
a organização, considerando­‑se mudanças práticas. Titler e colaboradores (2001)
aconselham que se considerem os seguintes temas antes de se finalizar um tópico
de PBE: adequação do tópico ao plano de estratégias da organização; magnitude do
problema; número de pessoas envolvidas no problema; apoio dos líderes de enfermagem e de outras disciplinas; custos; e possíveis barreiras à mudança.
DICA
Nas etapas iniciais de um empreendimento de PBE, algumas questões práticas devem ser solu‑
cionadas. Um tema central consiste na organização da equipe. Um líder de equipe motivado e
motivador é essencial, e o recrutamento dos membros do grupo de PBE com frequência exige
uma perspectiva interdisciplinar. É necessário identificar as tarefas que devem ser realizadas,
estabelecer um cronograma e um orçamento realistas, atribuir tarefas a membros específicos
e agendar encontros para que o empreendimento avance.
Busca e avaliação de evidências: protocolos para a prática clínica
Os protocolos clínicos baseados em evidências representam um esforço para
construir um corpo de conhecimentos aplicável. Diferentemente das revisões
sistemáticas, os protocolos clínicos (com frequência baseados em revisões sistemáticas) fornecem recomendações específicas para a tomada de decisões a
partir de evidências. O desenvolvimento desses protocolos costuma envolver o
consenso de um grupo de pesquisadores, especialistas e clínicos. Nesta seção,
focamos essas orientações, porque, para um empreendimento de PBE, o melhor
cenário possível envolve identificar protocolos adequados, preparados com base
CAPÍTULO 2
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
73
em evidências de pesquisas rigorosas. Obviamente, em muitas áreas problemáticas, será necessário desenvolver protocolos clínicos, e não apenas implantá­‑los
ou adaptá­‑los.
Exemplo de protocolo clínico na prática da enfermagem
Em 2007, a Registered Nurses Association of Ontario publicou uma orientação prática (proto‑
colo), considerada a melhor (revisão da versão lançada em 2004) para tratar asma em adultos.
Desenvolvida por uma equipe interdisciplinar liderada por Lisa Cicutto, essa orientação tinha
o propósito de fornecer, a enfermeiros de diversos locais, um resumo de estratégias baseadas
em evidências para promover o controle da asma em adultos.
Busca de protocolos clínicos para a prática
Pode ser difícil encontrar conduta clínica para a prática, porque não existe uma diretriz específica. A busca­‑padrão em bancos de dados bibliográficos, como o MEDLINE
(ver Cap. 7), gera muitas referências, mas pode apresentar uma frustrante combinação de citações de orientações, comentários, estudos de implantação, etc.
DICA
Ao usar bancos de dados bibliográficos, o estudante pode especificar os seguintes termos:
protocolo clínico, conduta clínica prática, melhor conduta prática, orientações baseadas em
evidências, padrões e documentos oficiais (consensus declaration).
Outra abordagem recomendada consiste em pesquisar bancos de dados de
orientações ou organizações especializadas, que patrocinam a elaboração de protocolos. Seria impossível relacionar aqui todas as fontes possíveis, mas algumas
merecem menção especial. Nos Estados Unidos, orientações de enfermagem e de
outras áreas da saúde são mantidas pela National Guideline Clearinghouse (www.
guideline.gov). No Canadá, a Registered Nurse Association of Ontario (RNAO,
www.rnao.org/bestpractices) tem arquivos de informações sobre orientações clínicas práticas. No Reino Unido, duas fontes importantes são o banco de dados Translating Research Into Practice (TRIP) e o National Institute for Clinical Excellence.
Sociedades e organizações de profissionais da área da saúde também conservam
um conjunto de orientações relevantes para cada especialização. A Association
of Women’s Health, Obstetric and Neonatal Nursing (AWHONN), por exemplo,
desenvolveu uma série de diretrizes clínicas práticas.
Há muitos tópicos para os quais ainda não foram elaborados protocolos, mas
o problema oposto também ocorre: o aumento dramático do número de orientações
implica a existência, às vezes, de diretrizes variadas sobre um mesmo tópico, e os
clínicos precisam fazer uma escolha. Ainda pior que isso: por causa da variação no
grau de rigor da elaboração de orientações e interpretações científicas, há diretrizes
com recomendações diferentes ou, inclusive, conflitantes (Lewis, 2001). Portanto,
quem deseja adotar condutas clínicas deve, obrigatoriamente, avaliar seu conteúdo
de modo crítico, para identificar aquelas que se baseiam em melhores evidências,
que foram desenvolvidas de modo mais meticuloso e que são mais fáceis de usar e
apropriadas à adaptação e à aplicação local.
74
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Avaliação de condutas clínicas
Vários instrumentos encontram­‑se disponíveis para facilitar a avaliação de condutas clínicas. Parece que o mais amplamente usado é o Appraisal of Guidelines
Research and Evaluation – AGREE (AGREE Collaboration, 2001). Essa ferramenta
foi traduzida para uma dezena de idiomas e tem o aval da Organização Mundial
da Saúde.
O AGREE (www.agreecollaboration.org) consiste em classificações de qualidade em uma escala de quatro pontos (concordo plenamente, concordo, discordo
e discordo inteiramente) para 23 dimensões de qualidade, organizadas em seis
campos: abrangência e propósito; envolvimento das partes (interessados e potenciais usuários); rigor do desenvolvimento; clareza e apresentação; aplicação;
independência editorial. Por exemplo, esta possível dimensão do campo da abrangência e propósito: “Os pacientes aos quais o protocolo deve ser aplicado estão
descritos de modo específico?”. E esta, do campo do rigor do desenvolvimento:
“Antes da publicação, o protocolo foi revisado por especialistas externos?”. O instrumento AGREE deve ser aplicado ao protocolo revisados por uma equipe de 2 a
4 avaliadores.
O tópico final recai no fato de que os protocolos mudam mais lentamente
do que as evidências. Se a orientação não for recente, será preciso determinar se
dados de pesquisa mais atualizados poderiam alterar (ou incrementar) suas recomendações.
Ações baseadas em avaliações de evidências
No Iowa Model, a síntese e a avaliação de evidências fornecem a base para uma
segunda decisão importante. O aspecto crucial da decisão é o seguinte: “A base
da pesquisa justifica uma mudança do tipo PBE?”. Por exemplo, “A qualidade de
determinado protocolo clínico é suficiente para justificar seu uso ou sua adaptação
local?”. Ou “As evidências são suficientemente rigorosas a ponto de ser recomendável uma inovação na prática?”.
Tirar conclusões sobre a adequação das evidências pode levar a diferentes
caminhos de ação. Se os dados de pesquisas são fracos ou inconclusivos, a equipe
pode abandonar o projeto de PBE ou reunir outros tipos de dados (p. ex., consulta a especialistas, pesquisa de enquete) para determinar se é desejável ou não
uma mudança na prática. Outra possibilidade consiste em se ocupar de algum
estudo original para tratar determinada questão prática, reunindo novos dados e
contribuindo para o aumento do conhecimento. No entanto, esse caminho é impraticável para muitos e, obviamente, levaria anos até que se chegasse a alguma
conclusão. Todavia, se há uma base científica sólida ou uma orientação clínica de
alta qualidade, a equipe pode desenvolver planos para seguir adiante, implantando a inovação.
Avaliação do potencial de implantação
Em alguns modelos de PBE, o passo seguinte seria desenvolver e testar a inovação e, depois, avaliar a “adequação” organizacional. Outros modelos recomendam
passos para avaliar a adequação da inovação dentro do contexto organizacional
CAPÍTULO 2
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
75
específico antes de sua implantação. Em alguns casos, essa avaliação (ou aspectos
dela) pode ser feita antes do início dos esforços para reunir as melhores evidências.
Avaliar com antecedência o potencial de implantação (ou a prontidão ambiental)
de uma inovação clínica é sempre uma atitude sensata, embora haja situações em
que praticamente não é necessária uma avaliação formal.
Ao determinar o potencial de implantação de certa inovação em um cenário
específico, várias questões devem ser consideradas, em particular a possibilidade
de transferência, as possibilidades de implantação e a relação custo­‑benefício.
ü
ü
ü
Possibilidade de transferência. A questão aqui é decidir se faz sentido a implantação da inovação na prática. Se algum aspecto do cenário for incongruente
com a inovação – em termos de filosofia, tipo de cliente atendido ou estrutura
administrativa, pode não ser prudente sua adoção, ainda que tenha eficácia
clínica em outros contextos.
Possibilidades de implantação. Nessa questão, discutem­‑se aspectos práticos,
como a disponibilidade de pessoal e recursos e o clima da organização. É
importante saber se os enfermeiros terão controle total ou parcial sobre a
inovação. Se eles não tiverem controle total, a natureza interdependente do
projeto deve ser identificada logo no início para que a equipe de PBE seja
interdisci­plinar.
Relação custo­‑benefício. Uma parte crítica de qualquer decisão de implantar um
projeto de PBE é a avaliação cuidadosa dos custos e dos benefícios da mudança. Essa avaliação pode envolver os prováveis custos e benefícios para clientes,
equipes e organizações como um todo. Obviamente, se for alto o risco para os
pacientes, os potenciais benefícios devem ser maiores, e as evidências científicas,
bem sólidas. Do mesmo modo, é preciso considerar os custos e os benefícios
de não implantar a inovação. Às vezes, esquecemos que o status quo também
oferece riscos, e pode ser alto o custo de não fazer determinadas mudanças, em
especial quando elas baseiam­‑se em evidências sólidas.
Se a avaliação da implantação sugere que pode haver problemas no teste da
inovação no cenário específico, então a equipe pode identificar um novo problema
e recomeçar o processo ou considerar a possibilidade de adoção de um plano para
melhorar o potencial de implantação (p. ex., buscar recursos externos quando os
custos são proibitivos).
Como desenvolver protocolos baseados em evidências
Suponhamos que os critérios de implantação foram atendidos e que a base de
evidências é ­adequada. A equipe pode, então, preparar um plano de ação para
elaborar e dirigir a nova prática clínica. Na maioria dos casos, a atividade­‑chave
abrange desenvolver o protocolo ou orientação clínica baseada em evidências ou
adaptar algum já existente.
Se a conduta clínica já existente tiver qualidade e relevância suficiente, a
equipe de PBE precisará decidir se:
1. adota a conduta como um todo;
2. adota apenas certas recomendações, enquanto desconsidera outras (p. ex.,
aquelas cujas evidências básicas são menos sólidas); ou
76
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
3. adapta a conduta, fazendo as modificações consideradas necessárias, dadas
as circunstâncias locais.
Se não houver protocolo clínico (ou se o existente for inconsistente), a
equipe vai precisar desenvolver seu próprio protocolo, refletindo dados de pesquisas acumulados. Estratégias para desenvolver diretrizes clínicas são sugeridas
em DiCenso e colaboradores (2005) e Melnyk e Fineout­‑Overholt (2005). Seja
qual for a situação – um protocolo desenvolvido a partir “do nada” ou a adaptação de um já existente –, aconselha­‑se uma revisão abrangente e independente,
para garantir orientações claras, completas e congruentes com as melhores evidências presentes.
Aplicação e avaliação de inovações
Após o desenvolvimento do produto de PBE, o próximo passo consiste no teste­
‑piloto (fazer uma primeira tentativa de aplicação) em um ambiente clínico e na
avaliação do resultado. De acordo com o Iowa Model, essa fase do projeto provavelmente envolverá as seguintes atividades:
1. Desenvolver um plano de avaliação (p. ex., identificar os resultados a serem
alcançados, determinando quantos indivíduos devem ser incluídos e quando
e com que frequência os resultados serão medidos).
2. Medir os resultados dos clientes antes da implantação da inovação, para
estabelecer um ponto com o qual comparar os resultados da inovação.
3. Treinar a equipe envolvida no uso da nova orientação e, se necessário, “fazer
o marketing” da inovação junto aos usuários, a fim de que o teste seja satisfatório.
4. Aplicar a orientação em uma ou mais unidades ou com um grupo de indivíduos.
5. Avaliar o projeto­‑piloto em termos tanto de processo (p. ex., “Como a inovação
foi recebida?”; “Em que extensão as orientações foram seguidas?”; “Que problemas foram encontrados?”) como de resultados (p. ex., “Como os resultados
dos clientes foram afetados?”; “Quais foram os custos?”).
Uma série de estratégias e delineamentos de pesquisa pode ser usada para avaliar a inovação, como descrito em nossa discussão sobre tipos de pesquisa de avaliação, no Capítulo 11. Comumente, basta uma avaliação bem informal; por exemplo,
comparar os resultados antes e depois da inovação e reunir informações sobre a
satisfação dos clientes e da equipe. Informações qualitativas também podem contribuir de modo considerável, pois a perspectiva qualitativa pode revelar sutilezas do
processo de implantação e ajudar a explicar resultados de pesquisas.
CAPÍTULO 2
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
77
DICA
Todos os enfermeiros podem desempenhar algum papel no uso de dados de pesquisas. Aqui
estão algumas estratégias:
ü Ler de modo amplo e crítico. Enfermeiros comprometidos devem ser manter atualizados
sobre avanços importantes e ler periódicos relacionados com sua especialidade, incluindo
relatórios de pesquisa.
ü Participar de conferências. Muitas conferências de enfermagem incluem apresentações de
estudos com relevância clínica. Os participantes têm a oportunidade de encontrar pesqui‑
sadores e explorar implicações práticas.
ü Questionar a eficácia dos procedimentos. Sempre que têm contato com um procedimento­
‑padrão de enfermagem, enfermeiros ou estudantes de enfermagem podem fazer a se‑
guinte pergunta: “Por quê?”. Os enfermeiros devem esperar que as decisões tomadas por
eles na prática clínica sejam baseadas em raciocínios ponderados, feitos a partir de dados
científicos.
ü Participar de um grupo de estudos. Muitas organizações que empregam enfermeiros patro‑
cinam grupos de estudos para discutir artigos de pesquisas com possível relevância para
a prática. Em alguns cenários, o formato tradicional desses grupos (enfermeiros reunidos
em determinado local para discutir e criticar artigos) foi substituído por versões on-line,
que consideram restrições de tempo e impossibilidade de reunir enfermeiros que traba‑
lham em turnos diferentes.
ü Localizar projetos de UP e PBE e participar deles. Vários estudos têm mostrado que os
enfermeiros envolvidos em atividades relacionadas com a pesquisa (p. ex., um projeto
de utilização de pesquisas ou atividades de coleta de dados) desenvolvem atitudes mais
positivas e melhores habilidades em relação a pesquisas.
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADEs DE pensamento CRÍTICO
EXEMPLO 1 Projeto de transferência de pesquisas
Centenas de projetos de transferência de evidências para a prática de enfermagem encontram­‑se
em andamento no mundo todo, e muitos daqueles descritos na literatura da área oferecem boas
informações sobre planejamento e implantação. Nesta seção, resumimos um projeto desse tipo.
Estudo
Transferência das melhores práticas para controle da dor pós­‑operatória sem medicamentos (Tracy
et al., 2006).
(continua)
78
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADEs DE pensamento CRÍTICO (continuação)
História
Um grupo de pesquisadores e clínicos observou que, na maioria dos hospitais, métodos de alívio da
dor sem medicamentos, muitos validados empiricamente e considerados benéficos, não são usados
em todo o seu potencial como prática­‑padrão de controle da dor pós­‑operatória.
Propósito
O propósito do projeto era usar um modelo de UP – o Collaborative Research Utilization (CRU) –,
a fim de transferir a pesquisa para a prática, em um hospital de Rhode Island, usando protocolos de
controle não farmacológico da dor no pós­‑operatório de idosos.
Modelo
O modelo CRU, em seis etapas, é uma adaptação do projeto CURN, fundamentado na Diffusion of
Innovation Theory, de Roger (1995). Envolve estudantes de enfermagem e enfermeiros em todas as
etapas. A participação dos estudantes para avaliar a consistência das evidências científicas e ajudar a
gerar protocolos de melhores práticas é exclusividade desse modelo.
Método
A primeira etapa consistiu em identificar o problema clínico e avaliar a base de evidências. Usando
abordagens tanto qualitativas quanto quantitativas, a equipe verificou a conveniência de avaliar a
subutilização de tratamentos não farmacológicos no controle da dor no hospital do estudo. Foram
selecionadas intervenções (massagem, música e formação de imagens mentais) com base em
um resumo de evidências científicas da Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ), e
graduandos de enfermagem pesquisaram a literatura disponível sobre essas terapias. A segunda etapa
incluiu a avaliação da relevância da pesquisa para o problema, os valores envolvidos e os possíveis
custos e benefícios. Discussões gerais, realizadas nas unidades de cirurgia e reabilitação, resultaram
na geração de 22 recomendações específicas. Na Etapa 3, as recomendações foram transformadas
nos três melhores protocolos para uma intervenção de ensino personalizada, a ser realizada por uma
equipe de clínicos e pesquisadores. Um grupo de 12 pessoas, chamado de Comfort Therapy Service,
foi formado e recebeu treinamento sobre o uso dos protocolos. A Etapa 4, por sua vez, envolveu
a implantação e a avaliação dos protocolos, com análise de seu potencial de aplicação, utilidade
e eficácia. Tal etapa incluiu tanto um estudo­‑piloto, foco do relatório de 2006, como um estudo
mais amplo, ainda em andamento no momento da publicação do artigo. O estudo­‑piloto examinou
mudanças de conhecimento, atitudes e uso em três intervenções, da pré­‑admissão até o terceiro dia
do pós­‑operatório, em 46 pacientes cirúrgicos. Na quinta etapa do modelo, a equipe apresentou os
resultados do projeto­‑piloto à equipe de enfermagem e à administração para uma consideração final.
A etapa final consiste na disseminação dos resultados do projeto.
Achados
No estudo­‑piloto, houve ganhos, para os pacientes, de conhecimento, atitudes e uso nas três
intervenções não farmacológicas para controle da dor. No momento da redação do artigo, mais
de 300 pacientes tinham usado os serviços da terapia de conforto. Os enfermeiros relataram que a
implantação dos protocolos levava cerca de 15 minutos e não interferia em suas outras tarefas.
Conclusões
Mesmo que os administradores ainda não tenham tomado a decisão de continuar a usar os protocolos,
os voluntários do hospital onde o estudo foi realizado concordaram em auxiliar enfermeiros e
pacientes para que tenham todas as condições necessárias para prosseguir com os protocolos de
conforto. A equipe concluiu que os resultados preliminares foram encorajadores, mas observou
ser desejável a realização de outros estudos com intervenção em locais onde haja um grupo mais
heterogêneo de pacientes.
CAPÍTULO 2
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
79
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADEs DE pensamento CRÍTICO
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1 Dos propósitos focados na PBE descritos no Capítulo 1, qual se encontra neste projeto?
2 Faça uma comparação entre o modelo CRU desse projeto e o Iowa Model (Fig. 2.1).
3 Você diria que o estímulo desencadeador desse projeto é do tipo focado no conhecimento ou no
problema?
EXEMPLO 2 Pesquisa quantitativa no Apêndice A
1Leia o resumo e a introdução do estudo de Howell e colaboradores (“Relações entre ansiedade,
raiva e pressão arterial em crianças”, 2007) no Apêndice A deste livro. Identifique uma ou mais
questões clínicas específicas que, se colocadas, poderiam ser tratadas por esse estudo. Que
componentes do acrônimo PICOT essa questão envolve?
2Os dados desse estudo podem ser usados em um projeto de PBE (individual ou organizacional)?
Como?
EXEMPLO 3 Pesquisa qualitativa no Apêndice B
1Leia o resumo e a introdução do estudo de Beck (“Aniversário do trauma de nascimento”,
2006) no Apêndice B deste livro. Identifique uma ou mais questões clínicas específicas que, se
colocadas, poderiam ser tratadas por esse estudo. Que componentes do acrônimo PICOT essa
questão envolve?
2Os dados desse estudo poderiam ser usados em um projeto de PBE (individual ou
organizacional)? Como?
Revisão do capítulo
Nesta seção, são apresentados os termos­‑chave novos deste capítulo, além de um
resumo dos pontos principais.
Novos termos­‑chave
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Cochrane Collaboration
Diffusion of Innovations Theory
Hierarquia de evidências
Iowa Model
Metanálise
Metassíntese
Potencial de implantação
Prática baseada em evidências
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Protocolos clínicos
Questões específicas
Questões gerais
Revisão sistemática
Stetler Model
Teste­‑piloto
Tópicos avaliados criticamente
(CATs, critically appraised topics)
Tópicos resumidos
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A prática baseada em evidência (PBE) consiste no uso consciente dos melhores dados de pesquisas atuais na tomada de decisões clínicas a respeito do
80
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
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ü
atendimento a pacientes; trata­‑se de uma estratégia de solução de problemas
clínicos que desloca o foco da decisão tomada com base em costumes para a
integração entre dados científicos, perícia clínica e preferências dos pacientes.
Utilização de pesquisas (UP) e PBE são conceitos sobrepostos, que se referem
a esforços para usar pesquisas como base de decisões clínicas. A UP, porém,
começa por uma inovação científica, que passa por uma avaliação para possível
uso na prática.
A utilização de pesquisas existe em um continuum – a utilização direta de alguma
inovação específica encontra­‑se em um extremo; no outro, fica o uso difuso,
em que pessoas são influenciadas e passam a pensar sobre determinado tema
a partir das descobertas de pesquisas.
Os enfermeiros pesquisadores têm realizado vários projetos de UP importantes
(p. ex., o Conduct and Utilization of Research in Nursing, ou CURN Project).
Esses projetos demonstram que a UP pode ser incrementada, mas apontam
barreiras à utilização.
Dois pontos fundamentais do movimento da PBE são o Cochrane Collaboration
(fundamentado no trabalho do epidemiologista britânico Archie Cochrane) e
a estratégia de aprendizado clínico chamada medicina baseada em evidências,
desenvolvida na McMaster Medical School.
A PBE envolve tipicamente a avaliação de vários tipos de dados científicos na
tentativa de determinar quais são os melhores; com frequência, usa­‑se uma
hierarquia de evidências científicas para classificar descobertas de estudos e
outras informações, de acordo com a solidez dos dados fornecidos. As hierarquias de avaliação de evidências científicas sobre intervenções na área de saúde
costumam colocar os ensaios clínicos randomizados (ECRs) no topo e a opinião
de especialistas na base.
Pesquisadores descobriram que esforços de PBE/UP com frequência enfrentam
uma série de barreiras, incluindo a qualidade dos dados, as características dos
enfermeiros (treinamento limitado em pesquisa e PBE) e fatores organizacionais
(p. ex., falta de apoio da organização).
Os recursos para projetos de PBE têm crescido de modo fenomenal. Dentre
eles estão revisões sistemáticas (e bancos de dados eletrônicos, que facilitam
as buscas); orientação clínica prática baseada em dados de pesquisas e outras
ferramentas para a tomada de decisões; abundância de outras evidências cien‑
tíficas pré­‑avaliadas, o que torna possível a PBE com eficácia; e modelos de UP
e PBE, que fornecem uma estrutura para a concretização de novos projetos.
Revisões sistemáticas, a base da PBE, são integrações rigorosas de dados de
pesquisas originários de vários estudos sobre um mesmo tópico. As revisões
sistemáticas podem envolver abordagens tanto qualitativas, métodos narrativos
de integração (incluindo a metassíntese de estudos qualitativos), como quantitativas (metanálise), que integram as descobertas estatistica­mente.
Muitos modelos de UP e PBE têm sido desenvolvidos, inclusive alguns que
fornecem uma estrutura para clínicos que trabalham individualmente (p. ex.,
o Stetler Model) e outros destinados a organizações ou equipes de clínicos (p.
ex., o Iowa Model de PBE para promover um atendimento de qualidade). Outro
modelo amplamente usado nos esforços de UP/PBE é a Diffusion of Innovations
Theory, de Rogers.
Em esforços individuais, os enfermeiros regularmente têm a oportunidade de
colocar pesquisas em prática. Os cinco passos da EBP individual são:
CAPÍTULO 2
1.
2.
3.
4.
5.
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ü
Prática de enfermagem baseada em evidências: fundamentos
81
elaborar uma questão clínica;
pesquisar evidências científicas relevantes;
avaliar e sintetizar esses dados;
integrar os dados com outros fatores; e
avaliar a eficácia.
Um dos esquemas para responder a questões clínicas bem formuladas envolve
cinco componentes que, em inglês, correspondem ao acrônimo PICOT: população
(P), intervenção ou tema (I), comparação (C), resultado (O, do inglês outcome)
e tempo (T).
A avaliação de evidências envolve a consideração da validade dos achados dos
estudos; sua importância clínica; precisão da estimativa dos efeitos; custos e
riscos; e utilidade na situação clínica específica.
Em um contexto organizacional, a PBE envolve muitas etapas do projeto individual, mas tende a ser mais formalizada e considerar fatores organizacionais e
interpessoais. Os fatores que desencadeiam um projeto organizacional incluem
tanto problemas clínicos urgentes como o conhecimento existente.
Projetos de PBE organizacional ou em equipe tipicamente envolvem implantação,
desenvolvimento ou adaptação de orientações clínicas ou protocolos clínicos.
Os protocolos clínicos baseados em evidências combinam a síntese e a avaliação dos dados de pesquisas com recomendações específicas para a tomada
de decisões. Orientações clínicas práticas devem ser avaliadas com cuidado e
de modo sistemático, usando­‑se instrumentos como o Appraisal of Guidelines
Research and Evaluation (AGREE).
Antes de testar um protocolo ou orientação baseados em PBE, deve­‑se fazer
uma avaliação do potencial de implantação da inovação. Isso inclui avaliar
as dimensões da transferência dos achados, as possibilidades de uso deles no
contexto em questão e a relação custo­‑benefício da nova prática.
Depois de avaliar um protocolo ou orientação baseados em evidência e confirmar a validade de sua implantação, a equipe pode prosseguir, realizando um
teste­‑piloto da inovação e avaliando os resultados antes de promover sua
ampla adoção.
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 2
Berenstein, E. G., & Ortiz, Z. (2005). Megestrol acetate for the treatment of anorexia-cachexia
syndrome. Cochrane Database of Systematic Reviews, No. CD004310.
Coyle, L. A., & Sokop, A. G. (1990). Innovation adoption behavior among nurses. Nursing
Research, 39, 176–180.
Downe, S., Simpson, L., & Trafford, K. (2007). Expert intrapartum maternity care: A metasynthesis. Journal of Advanced Nursing, 57, 127–140.
Estabrooks, C. A. (1999). The conceptual structure of research utilization. Research in Nursing
& Health, 22, 203–216.
Hsieh, H. F., & Lee, F. P. (2005). Graduated compression stockings as prophylaxis for flightrelated venous thrombosis: Systematic literature review. Journal of Advanced Nursing, 51,
83–98.
82
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Jatoi, A. (2005). Fish oil, lean tissue, and cancer: Is there a role for eicosapentaenoic acid
in treating the cancer/anorexia/weight loss syndrome? Critical Review of Oncology & Hema‑
tology, 55, 37–43.
Ketefian, S. (1975). Application of selected nursing research findings into nursing practice.
Nursing Research, 24, 89–92.
Pepler, C. J., Edgar, L., Frisch, S., Rennick, J., Swidzinski, M., White, C. et al. (2005). Unit
culture and research-based nursing practice in acute care. Canadian Journal of Nursing
Research, 37, 66–85.
Rawson, K., & Newburn-Cook, C. (2007). The use of low-dose warfarin as prophylaxis for
central venous catheter thrombosis in patients with cancer: A meta-analysis. Oncology Nursing
Forum, 34, 1037–1043.
Rutledge, D. N., Greene, P., Mooney, K., Nail, L. M., & Ropka, M. (1996). Use of research-based
practices by oncology staff nurses. Oncology Nursing Forum, 23, 1235–1244.
Tracy, S., Dufault, M., Kogut, S., Martin, V., Rossi, S., & Willey-Temkin, C. (2006). Translating
best practices in nondrug postoperative pain management. Nursing Research, 55, S57–S67.
3
Etapas e conceitos­‑chave
das pesquisas qualitativa
e quantitativa
OS COMPONENTES DA PESQUISA
Aspectos e locais de pesquisa
Fenômenos, conceitos e construtos
Teorias e modelos conceituais
Variáveis
Definições conceituais e operacionais
Dados
Relações
PRINCIPAIS TIPOS DE PESQUISAS
QUANTITATIVA E QUALITATIVA
Pesquisa quantitativa: estudos experimentais
e não experimentais
Pesquisa qualitativa: tradições disciplinares
PRINCIPAIS ETAPAS DE UM ESTUDO
QUANTITATIVO
Fase 1: Conceituação
Fase 2: Delineamento e planejamento
Fase 3: Empirismo
Fase 4: Análise
Fase 5: Divulgação
ATIVIDADES EM UM
ESTUDO QUALITATIVO
Conceituação e planejamento do estudo
qualitativo
Realização do estudo qualitativo
QUESTÕES GERAIS SOBRE
REVISÃO DE ESTUDOS
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADEs DE pensamento
CRÍTICO
REVISÃO DO CAPÍTULO
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 3
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
ü Distinguir termos associados às pesquisas quantitativa e qualitativa.
ü Distinguir pesquisas experimentais e não experimentais.
üIdentificar as três principais tradições disciplinares da pesquisa qualitativa em enfermagem.
ü Descrever o fluxo e a sequência de atividades nas pesquisas quantitativa e qualitativa e discutir
por que eles são diferentes.
ü
Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
84
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
OS COMPONENTES DA PESQUISA
A pesquisa, como qualquer disciplina, tem uma linguagem própria – o jargão. Alguns termos são usados por pesquisadores tanto qualitativos quanto quantitativos,
mas outros, principalmente por apenas um desses grupos. Para complicar ainda
mais, a maior parte do jargão usado na pesquisa em enfermagem tem suas origens
nas ciências sociais. Às vezes, porém, surgem termos diferentes para um só conceito, originários da pesquisa médica; cobrimos ambos, mas reconhecemos que há
predominância do jargão científico social.
Aspectos e locais de pesquisa
Ao tratar um problema ou responder a uma questão por meio da pesquisa sistemática, seja qual for o paradigma subjacente, os pesquisadores estão fazendo um
estudo (ou um projeto de investigação ou pesquisa).
DICA: COMO DISTINGUIR
Como saber se o artigo de um periódico de enfermagem é um estudo? Em periódicos dedicados
apenas a pesquisas (p. ex., Nursing Research), a maior parte dos artigos são realmente relatórios
de pesquisa, mas, em outros, que tratam da enfermagem de modo geral, costuma haver artigos
variados. Algumas vezes, é possível distingui­‑los pelo título; outras, não. Fontenot (2007), por exem‑
plo, escreveu um artigo intitulado “Transition and adaptation to adoptive motherhood” (Transição
e adaptação na maternidade adotiva) na revista Journal of Obstetric, Gynecologic e Neonatal Nursing.
Este artigo discute resultados de pesquisas, mas não é um estudo. Para fazer a distinção, é preciso ler
os títulos e os subtítulos do artigo e verificar se algum deles tem as palavras “método” ou “projeto de
pesquisa” (seção que descreve o que o pesquisador fez) ou então “achados” ou “resultados” (seção
que descreve o que o pesquisador aprendeu). Se nenhuma delas estiver presente, provavelmente o
artigo não será um estudo.
Estudos com humanos envolvem dois grupos de pessoas: os que fazem pesquisa e os que fornecem informações. Em um estudo quantitativo, as pessoas estudadas são chamadas de sujeitos ou participantes do estudo, conforme mostrado
na Tabela 3.1. (Pessoas que respondem a perguntas para fornecer informações
– por exemplo, preenchem um questionário – são chamadas de respondentes.)
Em um estudo qualitativo, os indivíduos colaboradores desempenham um papel
mais ativo do que passivo e, portanto, são tratados como informantes ou participantes. Quem conduz a pesquisa é o pesquisador ou investigador. Com frequência,
os estudos são realizados por uma equipe de pesquisadores, e não por uma única
pessoa.
A pesquisa pode ser realizada em uma série de cenários (ambientes específicos onde são coletadas informações) e em um ou mais locais. Alguns estudos
acontecem em cenários naturais – no campo; no outro extremo, estão os estudos
realizados em cenários laboratoriais altamente controlados. Os pesquisadores qualitativos tendem a se engajar no trabalho de campo, em cenários naturais, pois
estão interessados no contexto das vidas e experiências das pessoas. Um local é o
espaço físico geral onde se realiza a pesquisa – pode ser uma comunidade inteira
CAPÍTULO 3
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
85
(p. ex., um bairro de Miami, Estados Unidos, onde moram haitianos) ou uma instituição (p. ex., uma clínica de Seatle, Estados Unidos). Às vezes, os pesquisadores
envolvem­‑se em estudos em vários locais, pois o uso de locais variados costuma
oferecer uma amostra de participantes mais ampla e diversificada.
Exemplo de estudo colaborativo em vários locais
Champion e uma equipe interdisciplinar de enfermeiros e médicos (2007) testaram uma inter‑
venção para aumentar a aderência mamográfica. As participantes do estudo incluíram 1.244
mulheres de dois locais: uma clínica médica geral e uma organização de manutenção da saúde
(Healt Maintenance Organization, HMO).
Fenômenos, conceitos e construtos
Pesquisas envolvem abstração. Os termos dor, espiritualidade e resiliência, por
exemplo, são abstrações de aspectos particulares de características e comportamentos humanos. Essas abstrações são chamadas de conceitos ou, em estudos
qualitativos, fenômenos.
Tabela 3.1
TERMOS­‑CHAVE USADOS EM PESQUISAS
QUANTITATIVAS E QUALITATIVAS
CONCEITO
TERMO QUANTITATIVO
TERMO QUALITATIVO
Pessoa que
contribui com
informações
Sujeito
Participante do estudo
Respondente
–
Participante do estudo
Informante, informante­‑chave
Pessoa que realiza
o estudo
Pesquisador
Investigador
Cientista
Pesquisador
Investigador
–
O que está sendo
investigado
–
Conceitos
Construtos
Variáveis
Fenômenos
Conceitos
–
–
Sistema de
organização dos
conceitos
Teoria, estrutura teórica
Estrutura conceitual, modelo conceitual
Teoria
Estrutura conceitual, estrutura
sensibilizante
Informações
coletadas
Dados (valores numéricos)
Dados (descrições narrativas)
Conexões entre
conceitos
Relações (causa e efeito, funcionais)
Padrões de associação
Processos de
raciocínio lógico
Raciocínio dedutivo
Raciocínio indutivo
86
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Às vezes, os pesquisadores também usam o termo construto. Assim como um
conceito, o construto refere­‑se a uma abstração ou representação mental inferida
a partir de situações ou comportamentos. Para distinguir conceitos de construtos,
Kerlinger e Lee (2000) observam que estes são abstrações inventadas de modo
deliberado e sistemático (ou construído) por pesquisadores para um propósito
específico. Por exemplo, no modelo de manutenção da saúde elaborado por Orem,
o autocuidado é um construto. Os termos construto e conceito às vezes são usados
como sinônimos, embora, por convenção, com frequência o primeiro se refira a
uma abstração um pouco mais complexa do que último.
Teorias e modelos conceituais
Teoria é uma explicação sistemática e abstrata de algum aspecto da realidade. Em
uma teoria, os conceitos estão entrelaçados, formando um sistema coerente para
descrever ou explicar algum aspecto do mundo. As teorias desempenham papel
importante na pesquisa tanto qualitativa quanto quantitativa.
Em um estudo quantitativo, com frequência, os pesquisadores partem de
uma teoria ou de um modelo conceitual (a diferença entre ambos é discutida
no Cap. 8) e, usando o raciocínio dedutivo, fazem predições sobre o modo como
os fenômenos ocorreriam no mundo real se a teoria fosse verdadeira. As predições
específicas são então testadas por meio de pesquisas, e os resultados são usados
para confirmar, negar ou modificar a teoria.
Na pesquisa qualitativa, as teorias podem ser usadas de vários modos. Às
vezes, estruturas sensibilizantes ou conceituais – derivadas de várias tradições da
pesquisa qualitativa, descritas mais adiante neste capítulo – oferecem uma visão
de mundo orientadora, com fundamentos conceituais claros. Em outros estudos
qualitativos, a teoria é produto da pesquisa: de modo indutivo, o pesquisador usa
informações obtidas dos participantes do estudo para desenvolver uma teoria firmemente enraizada nas experiências deles. O objetivo é desenvolver uma teoria
que explique os fenômenos como eles existem e não como foram previamente concebidos. As teorias geradas em estudos qualitativos às vezes são submetidas a testes controlados em estudos quantitativos.
Variáveis
Em estudos quantitativos, comumente os conceitos são chamados de variáveis.
Uma variável, como o nome indica, é algo que varia. Peso, ansiedade e temperatura corporal são variáveis – cada uma delas varia de acordo com a pessoa.
Na verdade, praticamente todos os aspectos dos seres humanos são variáveis. Se
todo mundo pesasse 68 kg, esse peso não seria uma variável, mas uma constan‑
te. Porém, é justamente porque as pessoas e as condições variam que se realiza a
maioria das pesquisas. A maior parte dos pesquisadores quantitativos busca compreender como ou por que as coisas variam e como mudanças em uma variável se
relacionam com mudanças em outra. Por exemplo, a pesquisa sobre o câncer de
pulmão analisa a variável desse câncer, que varia porque nem todas as pessoas têm
essa doença. Os pesquisadores têm estudado fatores que podem estar relacionados
com o câncer de pulmão, como o uso do tabaco. Fumar também é uma variável
porque nem todo mundo fuma. Portanto, variável é qualquer qualidade ou pessoa,
CAPÍTULO 3
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
87
grupo ou situação que varia ou adquire valores diferentes – comumente, valores
numéricos. As variáveis são os componentes centrais dos estudos quantitativos.
Com frequência, elas são características inerentes aos seres humanos, como
a idade, o tipo sanguíneo ou o peso. No entanto, algumas vezes, os pesquisadores
criam a variável. Por exemplo, se o pesquisador quiser testar a eficácia de uma
analgesia controlada pelo paciente, em comparação com a analgesia intramuscular, no alívio da dor pós­‑cirúrgica, alguns pacientes serão submetidos ao primeiro
tipo de analgesia, e outros, ao segundo. No contexto desse estudo, o método de
controle da dor é uma variável, pois pacientes diferentes são tratados por métodos
analgésicos diferentes.
Algumas variáveis assumem muitos valores, que podem ser representados
em um continuum (p. ex., idade ou peso). Outras abrangem poucos valores e podem fornecer informações quantitativas (p. ex., número de filhos) ou simplesmente envolver a classificação de pessoas em categorias (p. ex., do sexo masculino ou
feminino, tipo sanguíneo A, B, AB ou O).
DICA
Todos os estudos enfatizam um ou mais fenômenos, conceitos ou variáveis, mas esses termos,
per se, não são obrigatoriamente usados em relatórios de pesquisas. Em um relatório, pode
estar escrito, por exemplo: “O propósito deste estudo é examinar o efeito da enfermagem
primária na satisfação do paciente”. Mesmo que o pesquisador não tenha rotulado nenhum
conceito de modo explícito, os conceitos (variáveis) estudados são o tipo de enfermagem e
a satisfação do paciente. Variáveis ou conceitos­‑chave com frequência são indicados logo no
título do estudo.
Variáveis dependentes e independentes
Conforme observado no Capítulo 1, muitos estudos destinam­‑se a compreender as
causas de fenômenos. Será que determinada intervenção de enfermagem causa melhorias nos resultados dos pacientes? Fumar causa câncer de pulmão? A causa presumida é a variável independente, e o efeito presumido, a variável dependente.
Considera­‑se que mudanças na variável dependente (às vezes chamada de
variável de resultado) dependem de mudanças na variável independente. Os pesquisadores podem analisar, por exemplo, até que ponto o câncer de pulmão (variável dependente) depende do uso de tabaco (variável independente). Ou então
podem examinar até que ponto a dor do paciente (variável dependente) depende
de certas ações dos enfermeiros (variável independente). A variável dependente
é aquilo que os pesquisadores querem entender, explicar ou prever e corresponde
ao resultado no esquema do acrônimo PICOT, descrito no Capítulo 2. Já a independente corresponde à intervenção ou à exposição em questões focadas na prática
baseada em evidências (PBE).
Frequentemente, os termos variável independente e variável dependente são usados para indicar a direção da influência, mais do que a causa e o efeito. Suponhamos
que um pesquisador estudou a saúde mental de pessoas que cuidam de cônjuges com
doença de Alzheimer e descobriu que esposas tinham melhores resultados do que
esposos. Pode ser que ele não esteja muito inclinado a concluir que o sexo (feminino/
masculino) é a causa do estado de saúde mental dos cuidadores. No entanto, a direção
da influência segue claramente a rota sexo­‑saúde mental: não faria sentido sugerir que
88
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
a saúde mental dos cuidadores influenciou seu sexo! Embora, nesse exemplo, o pesquisador não esteja inferindo uma conexão causa­‑efeito, seria apropriado conceituar
saúde mental como a variável dependente e gênero como a independente.
DICA
Poucos relatos de pesquisa rotulam explicitamente as variáveis dependentes e independentes,
apesar da importância dessa distinção. Além disso, as variáveis (em especial as independentes) às
vezes não são expostas de todo. Por exemplo, a seguinte questão de pesquisa: “Qual o efeito do
exercício sobre a frequência cardíaca?”. A frequência cardíaca é a variável dependente. O exercí‑
cio, no entanto, por si só, não é uma variável. Na verdade, exercitar­‑se versus alguma outra coisa
(p. ex., não se exercitar) é a variável; “alguma outra coisa” está implícita na questão de pesquisa.
Se não for comparado com outra coisa, como ausência ou quantidades diferentes de exercício,
então exercício não será uma variável.
Muitas variáveis dependentes estudadas por enfermeiros pesquisadores têm
múltiplas causas ou antecedentes. Se estudamos fatores que influenciam o peso
das pessoas, por exemplo, pode­‑se considerar a altura, a atividade física e a dieta
como variáveis independentes. Duas ou mais variáveis dependentes (resultados)
também podem ser interessantes para os pesquisadores. Pode­‑se comparar, por
exemplo, a eficácia de dois métodos de atendimento de enfermagem a crianças
com fibrose cística. Muitas variáveis dependentes podem ser usadas para avaliar
a eficácia do tratamento, como a permanência no hospital, a recorrência de infecções respiratórias, a presença de tosse, etc. É comum elaborar estudos com múltiplas variáveis independentes e dependentes.
As variáveis não são inerentemente dependentes ou independentes. A variável dependente de um estudo pode ser a independente de outro. Por exemplo, um
estudo pode examinar o efeito de uma intervenção de exercício (variável independente), iniciada por um enfermeiro, sobre a osteoporose (variável dependente). Outro estudo pode investigar o efeito da osteoporose (variável independente) sobre a
incidência de fratura óssea (variável dependente). Em resumo, ser independente ou
dependente é função do papel que a variável desempenha no estudo em questão.
Exemplo de variáveis independentes e dependentes
Questão de pesquisa: “Qual o efeito do pó de chifre de alce* sobre a dor e o inchaço nas ar‑
ticulações de pessoas com artrite reumatoide após um tratamento­‑padrão?” (Allen, Oberle,
Grace, Russell e Aderwale, 2008).
Variável independente: utilização ou não do pó de chifre de alce
Variáveis dependentes: dor e inchaço em articulações
*N. de T.: O alce macho produz uma nova galhada a cada ano. Em seu período de crescimento,
quando ainda macios e cobertos por uma camada de penugem, partes desses chifres são transforma­
das em pó, popularmente considerado anestésico.
CAPÍTULO 3
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
89
Definições conceituais e operacionais
Em estudos, os conceitos precisam ser bem definidos e explicados; definições de
dicionário raramente são adequadas. Há dois tipos de definição relevantes – as
conceituais e as operacionais.
Os conceitos que interessam a pesquisadores são abstrações de fenômenos
observáveis, e a visão de mundo dos próprios pesquisadores dá forma à definição
desses conceitos. A definição conceitual apresenta o significado abstrato ou teórico dos conceitos estudados. Inclusive quando os termos parecem bem diretos, os
pesquisadores precisam defini­‑los conceitualmente. O exemplo clássico é o conceito de caring (cuidado, atendimento). Morse e colaboradores (1990) examinaram
minuciosamente os trabalhos de numerosos enfermeiros pesquisadores e teóricos
para determinar como tinha sido feita sua definição. Eles identificaram diferentes categorias de definições conceituais: traço do ser humano, imperativo moral,
afeto, relação interpessoal e intervenção terapêutica. Os pesquisadores que se dedicam a estudos sobre caring precisam explicar a definição conceitual adotada.
Em estudos qualitativos, a definição conceitual dos fenômenos­‑chave pode ser o
principal produto final, refletindo a intenção de obter o significado dos conceitos
a partir do que está sendo estudado.
Em estudos quantitativos, no entanto, os pesquisadores precisam definir os
conceitos logo no início, pois é necessário decidir como as variáveis serão observadas e medidas. A definição operacional de um conceito especifica as operações
que os pesquisadores devem fazer para coletar as informações necessárias. Ela
deve ser congruente com as definições conceituais.
Há diferenças no grau de facilidade com que as variáveis podem ser operacionalizadas. É fácil definir e medir a variável peso, por exemplo. Podemos
definir o peso de modo operacional como: quanto pesa um objeto em libras, com
arredondamento para a unidade imediatamente superior. Observe que essa definição designa que o peso será medido por determinado sistema (libras) e não
por outro (gramas). Seria possível especificar também que o sujeito será pesado
nu, após 10 horas de jejum, em uma balança que marca libras completas. Essa
definição operacional indica claramente o que o pesquisador quer dizer com a
variável peso.
Infelizmente, poucas variáveis são operacionalizadas tão facilmente quanto o peso. Existem vários métodos de medição de variáveis, e os pesquisadores
precisam escolher aquele que melhor atende às variáveis do modo como foram
conceituadas. Por exemplo, a ansiedade é um conceito que pode ser definido de
acordo com o funcionamento fisiológico ou psicológico. Para pesquisadores que
decidem enfatizar os aspectos fisiológicos da ansiedade, a definição operacional devem envolver uma medida como o Índice de Suor Palmar (Palmar Sweat
Index). No entanto, se os pesquisadores conceituam ansiedade principalmente
como um estado psicológico, então a definição operacional está associada a uma
medida como a Escala do Estado de Ansiedade (State Anxiety Scale). Às vezes,
os leitores de relatórios de pesquisas não concordam com o modo como os pesquisadores conceituaram e operacionalizaram as variáveis, mas a precisão da
definição tem a vantagem de comunicar exatamente o que significam os termos
no contexto do estudo.
90
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Exemplo de definições conceituais e operacionais
Schim, Doorenbos e Borse (2006) testaram uma intervenção destinada a expandir a compe‑
tência cultural de trabalhadores de um abrigo para necessitados. Essa competência compunha­
‑se de vários aspectos, como consciência cultural, conceitualmente definida como conhecimen‑
to adquirido por profissionais da área de saúde em áreas de expressão cultural, que podem
diferir de acordo com o grupo humano. Os pesquisadores desenvolveram um instrumento,
chamado Avaliação da Competência Cultural (Cultural Competence Assessment), para medir
os construtos. Operacionalmente, tal instrumento capta a consciência cultural do profissional
de saúde, que deve responder o quanto concorda com afirmações do tipo: “Sei que pessoas
de grupos culturais diferentes podem definir o conceito de ‘atendimento de saúde’ de modos
diferentes”.
Dados
Os dados de pesquisas são informações obtidas por meio de um estudo. Todos os
dados reunidos pelo pesquisador no respectivo estudo compõem o conjunto de
dados.
Em estudos quantitativos, os pesquisadores identificam as variáveis de interesse, desenvolvem definições conceituais e operacionais dessas variáveis e,
depois, coletam dados relevantes dos sujeitos. Os valores reais das variáveis do
estudo constituem os dados. Pesquisadores quantitativos coletam principalmente dados quantitativos – informações em formato numérico. Suponhamos, por
exemplo, um estudo quantitativo em que uma variável­‑chave é a depressão. Nesse
estudo, seria preciso medir o grau de depressão dos participantes. Pode­‑se perguntar: “Na semana passada, em uma escala de 0 a 10, sendo 0 igual a ‘nem um
pouco’ e 10 ‘o máximo possível’, qual era seu grau de depressão?”. O Quadro 3.1
apresenta dados quantitativos de três respondentes fictícios. Os sujeitos forneceram um número, na faixa de 0 a 10, correspondente ao seu estado de depressão
– 9 para o sujeito 1 (alto nível de depressão), 0 para o sujeito 2 (sem depressão)
e 4 para o sujeito 3 (depressão leve). Os valores numéricos dos indivíduos, como
um todo, compõem os dados sobre depressão.
Em estudos qualitativos, os pesquisadores coletam principalmente dados
qualitativos, ou seja, descrições narrativas. Os dados narrativos podem ser obtidos em conversas com os participantes, em observações sobre o modo como se
comportam em cenários naturais ou em registros narrativos, como diários. Suponhamos um estudo qualitativo sobre depressão. O Quadro 3.2 apresenta dados
QUADRO 3.1EXEMPLO DE DADOS QUANTITATIVOS
Questão:Na semana passada, em uma escala de 0 a 10, sendo 0 igual a “nem um pouco” e 10 “o máximo
possível”, qual era seu grau de depressão?
Dados:
9 (sujeito 1)
0 (sujeito 2)
4 (sujeito 3)
CAPÍTULO 3
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
91
QUADRO 3.2EXEMPLO DE DADOS QUALITATIVOS
Questão: “Conte como tem se sentido ultimamente – triste, deprimido ou, em geral, tem se sentido
bem?”
Dados:
ü “Bem, na verdade, para ser franco, nos últimos dias, tenho estado bem deprimido. Levanto de manhã
e não consigo pensar em nada que me dê esperança. Fico andando de um lado para o outro pela casa o
dia todo, em uma espécie de desespero. Simplesmente não consigo sair desse poço de tristeza e acho
que preciso procurar um psiquiatra.” (Participante 1)
ü “Não consigo me lembrar de nenhum momento em que tenha me sentido tão bem na vida. Acabei de
ser promovida, e isso me dá a sensação de que tenho futuro na empresa. Além disso, também acabei
de ficar noiva de um rapaz ótimo, muito especial.” (Participante 2)
ü “Na última semana, tive altos e baixos, mas, em geral, as coisas andam bastante calmas. Não tenho
muito do que reclamar.” (Participante 3)
qualitativos de três participantes que, durante uma conversa, responderam à pergunta: “Conte como tem se sentido ultimamente – triste, deprimido ou, em geral,
tem se sentido bem?”. Aqui os dados consistem em ricas descrições narrativas do
estado emocional dos participantes.
Relações
Comumente, os pesquisadores estudam algum fenômeno em relação a outros –
examinam relações entre fenômenos. Relação é uma ligação ou conexão entre
dois ou mais fenômenos. Por exemplo, repetidas vezes, pesquisadores descobriram
que há uma relação entre o tabagismo e o câncer de pulmão. Os dois tipos de estudos, qualitativos e quantitativos, examinam relações, mas de modos diferentes.
Em estudos quantitativos, os pesquisadores interessam­‑se, sobretudo, pela
relação entre variáveis independentes e dependentes. Supõe­‑se que mudanças na
variável dependente estejam sistematicamente relacionadas com mudanças na independente. Com frequência, as relações são expressas de modo explícito em termos quantitativos, como mais do que, menos do que, etc. Consideremos, por exemplo, como variável dependente o peso de uma pessoa. Que variáveis relacionam­‑se
(estão associadas) com o peso de uma pessoa? Algumas possibilidades incluem
altura, ingestão calórica e exercício. Para cada uma dessas variáveis independentes, pode­‑se prever uma relação com a dependente:
Peso: pessoas mais altas pesam mais do que as mais baixas.
Ingestão calórica: pessoas que ingerem maior quantidade de calorias são mais pesadas do que as que ingerem menor quantidade.
Exercício: quanto menor a quantidade de exercício, maior o peso.
Cada uma dessas afirmações expressa uma relação prevista entre o peso (variável dependente) e uma variável independente mensurável. A maior parte da
pesquisa quantitativa é realizada para determinar se existe ou não relação entre
variáveis e, com frequência, para quantificar o grau dessa relação.
92
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
DICA
As relações são expressas de duas formas básicas. A primeira inclui expressões do tipo: “Se
houver mais da variável X, haverá mais (ou menos) da variável Y”. Há uma relação, por exem‑
plo, entre a altura e o peso: Com mais altura, tende a haver mais peso (ou seja, uma pessoa
mais alta tende a pesar mais do que outra mais baixa). Eventualmente, a segunda forma con‑
funde um pouco os estudantes, porque não inclui uma declaração relacional explícita. Ela
envolve relações expressas como diferenças de grupos. Por exemplo, há uma relação entre o
sexo e a altura: os homens costumam ser mais altos do que as mulheres.
As variáveis também podem se relacionar umas com as outras de modos
diferentes. Um tipo é a relação de causa e efeito (causal). No paradigma positivista, há o pressuposto de que os fenômenos naturais não são aleatórios; eles
têm causas antecedentes que, presumivelmente, podem ser descobertas. Em nosso
exemplo do peso, poderíamos especular que há uma relação causal entre a ingesta
calórica e o peso: se tudo o mais for igual, ingerir mais calorias causa ganho de
peso. Conforme observado no Capítulo 1, muitos estudos quantitativos sondam
causas – buscam esclarecer as causas dos fenômenos.
Exemplo de estudo de relações causais
Lengacher e colaboradores (2008) estudaram se o uso do relaxamento e da formação orien‑
tada de imagens causava diminuição do estresse e melhor função imunológica em pacientes
submetidas a um tratamento de câncer de mama.
Nem todas as relações entre as variáveis podem ser interpretadas como de
causa e efeito. Há uma relação, por exemplo, entre a artéria pulmonar e as temperaturas timpanais de humanos. Pessoas com valores elevados de uma tendem a ter
índices altos da outra. No entanto, não se pode dizer que a temperatura arterial
pulmonar causou a temperatura timpanal, e nem o contrário – que a temperatura
timpanal causou a temperatura da artéria pulmonar –, embora exista uma relação
entre elas. Esse tipo de relação às vezes é chamado de funcional (ou associativo),
e não causal.
Exemplo de estudo de relações funcionais
Liu e colaboradores (2008) examinaram a relação entre a qualidade de vida associada à saúde,
de um lado, e o sexo e a idade, de outro, entre adultos receptores de transplante de rim.
Pesquisadores qualitativos não se preocupam em estabelecer relações quantificadoras, nem em testar ou confirmar relações causais. Em vez disso, costumam buscar padrões de associação como um modo de esclarecer o significado
subja­cente e as dimensões dos fenômenos em que estão interessados. Padrões de
temas e processos interconectados são identificados como meios de compreender
o todo.
CAPÍTULO 3
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
93
Exemplo de estudo qualitativo de padrões
Clark e Redman (2007) estudaram as expectativas de mães descendentes de mexicanos resi‑
dentes nos Estados Unidos em relação a serviços de saúde para os filhos. Foram observadas
diferenças e semelhanças nas expectativas e no acesso aos serviços de saúde entre mães com
diferentes níveis de aculturação e variados tempos de residência no país.
PRINCIPAIS TIPOS DE PESQUISAS QUANTITATIVA E QUALITATIVA
Em geral, os pesquisadores trabalham de acordo com um paradigma que combina
com a sua visão de mundo e é capaz de levantar questões que despertam sua curiosidade. Nesta seção, descrevemos brevemente as categorias amplas das pesquisas
quantitativa e qualitativa.
Pesquisa quantitativa: estudos experimentais e não experimentais
Em estudos quantitativos, uma distinção básica é a diferença entre pesquisa experimental e não experimental. Na pesquisa experimental, os investigadores
introduzem ativamente uma intervenção ou tratamento. Na pesquisa não expe‑
rimental, contudo, eles são espectadores – coletam dados sem introduzir tratamento nem fazer mudanças. Se um pesquisador, por exemplo, oferece cereais a
um grupo de sujeitos e suco de ameixa a outro para avaliar o método mais eficaz
na facilitação do funcionamento do intestino, o estudo é experimental, pois houve
intervenção no curso normal das coisas. Entretanto, não há intervenção quando
o pesquisador compara os padrões de funcionamento do intestino de dois grupos
com dieta regular diferente – por exemplo, alguns sujeitos normalmente ingerem
alimentos que estimulam o intestino e outros não. Esse seria um estudo não experimental. Na pesquisa médica e epidemiológica, o estudo experimental costuma
ser chamado de teste controlado ou teste clínico, e o não experimental, de pes‑
quisa observacional. (Conforme discutido no Capítulo 11, o ensaio controlado
randomizado [ECR] é um tipo específico de teste clínico.)
Os estudos experimentais destinam­‑se explicitamente a testar relações causais – testar se a intervenção causou mudanças na variável dependente. Às vezes,
os estudos não experimentais também buscam elucidar relações causais, mas fazer
isso é perigoso e, em geral, menos conclusivo, pois os estudos experimentais permitem maior controle sobre influências que podem confundir o pesquisador.
Exemplo de pesquisa experimental
Tseng e colaboradores (2007) testaram a eficácia de uma intervenção de exercício com am‑
plitude de movimento, destinada a melhorar a flexibilidade nas articulações, o funcionamento
ativo e a dor em sobreviventes de infarto. Alguns participantes do estudo receberam a inter‑
venção – quatro semanas de exercícios; outros não.
Nesse exemplo, houve interferência dos pesquisadores, que decidiram
submeter alguns pacientes à intervenção especial com exercícios, enquanto
94
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
outros não tiveram essa oportunidade. Em outras palavras, o pesquisador con‑
trolou a variável independente, que, nesse caso, era a intervenção com exercícios.
Exemplo de pesquisa não experimental
Sweeney, Glaser e Tedeschi (2007) estudaram a relação entre a atividade física e os hábitos
alimentares de adolescentes moradores do centro da cidade, de um lado, e as características
demográficas desses adolescentes (i.e., sexo, etnia, tipo de lar), de outro.
Nesse estudo não experimental, os pesquisadores não fizeram nenhum tipo
de intervenção. Como no exemplo anterior, eles estavam interessados no exercício,
mas sua intenção era descrever o status quo e explorar as relações existentes, e não
testar uma possível solução para um problema.
Pesquisa qualitativa: tradições disciplinares
Muitos estudos qualitativos têm suas raízes em tradições de pesquisa originárias
da antropologia, da sociologia e da psicologia. Três dessas tradições influenciam
fortemente a pesquisa qualitativa em enfermagem e são brevemente descritas
aqui, para que, no decorrer do livro, seja possível explicar suas semelhanças e
diferenças. O Capítulo 10 fornece uma discussão mais completa sobre as tradições
da pesquisa qualitativa e os métodos associados.
A tradição da teoria fundamentada busca descrever e compreender
processos­‑chave estruturais, psicológicos e sociais, ocorridos em um cenário social. Ela foi desenvolvida em 1960 por dois sociólogos, Glaser e Strauss (1967). A
maioria dos estudos de teoria fundamentada enfatiza uma experiência de desenvolvimento social – etapas e fases sociais e psicológicas que caracterizam determinado evento ou episódio. Um componente importante da teoria fundamentada é
a descoberta de uma variável nuclear, central para a explicação do que está acontecendo. Os pesquisadores esforçam­‑se para gerar explicações abrangentes sobre
fenômenos fundamentados na realidade.
Exemplo de estudo de teoria fundamentada
Lewis e colaboradores (2007) estudaram o processo de praticar a espiritualidade em relação
à promoção da saúde e ao controle de doenças entre afro­‑americanos.
A fenomenologia, originária de uma tradição filosófica desenvolvida por
Husserl e Heidegger, está relacionada com experiências vividas por humanos.
É uma abordagem usada para pensar como são as experiências de vida das
pessoas e o que elas significam. O pesquisador fenomenológico faz as seguintes
perguntas: Qual a essência desse fenômeno experimentado por essas pessoas?
Qual o significado do fenômeno para as pessoas que o experimentam?
CAPÍTULO 3
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
95
Exemplo de estudo fenomenológico
Hinck (2007) estudou a experiência de vida e o significado do tempo na idade mais avançada. O
estudo envolveu entrevistas aprofundadas com 19 idosos com mais de 85 anos de idade.
A etnografia, principal tradição de pesquisa da antropologia, fornece uma
estrutura para o estudo de padrões, estilos de vida e experiências de um grupo
cultural específico de modo holístico. Os etnógrafos costumam se engajar em extensivos trabalhos de campo, participando, com frequência e tanto quanto possível, da vida da cultura estudada. O objetivo dos pesquisadores é aprender com
os membros de um grupo cultural (mais do que estudar esse grupo) para, então,
compreender sua visão de mundo do modo como o percebem e vivem.
Exemplo de estudo etnográfico
Holmes, O’Byrne e Gastaldo (2007) realizaram um trabalho de campo etnográfico em três
saunas para homossexuais de duas áreas metropolitanas do Canadá a fim de explorar os pon‑
tos de intersecção entre o desejo sexual, o ambiente da sauna e os imperativos da saúde.
PRINCIPAIS ETAPAS DE UM ESTUDO QUANTITATIVO
Nos estudos quantitativos, os pesquisadores passam do ponto inicial (proposição
da questão) ao ponto final (obtenção de uma resposta) em uma sequência de etapas bem linear e bastante regular (Figura 3.1). Esta seção descreve esse fluxo; a
seção seguinte aborda como os estudos qualitativos diferem dos quantitativos.
Fase 1: Conceituação
Os primeiros passos de um projeto de pesquisa quantitativa tipicamente envolvem
atividades com forte elemento conceitual ou intelectual. Nessa fase, os pesquisadores precisam de habilidades como criatividade, raciocínio dedutivo e conhecimentos sobre os dados científicos já existentes a respeito do tópico em que estão
interessados.
Etapa 1: Formular e delimitar o problema
Os pesquisadores quantitativos iniciam seu trabalho pela identificação de um problema de pesquisa interessante e significativo e pela formulação de boas questões
de pesquisa. Ao elaborar essas questões, os enfermeiros pesquisadores precisam
dar bastante atenção à relevância (Considerando­‑se a base de dados, essa questão
é importante?); temas teóricos (Há um contexto conceitual para incrementar a
compreensão desse problema?); clínicos (As descobertas desse estudo podem ser
úteis para a prática clínica?); metodológicos (Como responder a essa questão de
modo a gerar dados científicos de alta qualidade?); e éticos (Essa questão pode ser
rigorosamente tratada de modo ético?).
96
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Etapa 2: Revisar a literatura relacionada
Tipicamente, a pesquisa quantitativa é realizada no contexto do conhecimento
prévio. Os pesquisadores quantitativos costumam se esforçar para compreender o
que já se sabe sobre o tópico escolhido; para isso, realizam uma ampla revisão da
literatura antes da coleta de dados.
Fase 1:
Conceituação
Fase 2:
Delineamento e
planejamento
Fase 3:
Empirismo
Fase 4:
Análise
Fase 5:
Divulgação
1. Formular e delimitar o problema.
2.Revisar a literatura relacionada.
3.Realizar o trabalho de campo clínico.
4. Definir a estrutura e desenvolver definições conceituais.
5. Formular hipóteses.
6.Escolher o delineamento da pesquisa.
7. Desenvolver protocolos de intervenção.
8.Identificar a população.
9.Estabelecer o plano de amostragem.
10.Especificar os métodos de mensuração das variáveis
da pesquisa.
11. Desenvolver métodos para proteger os direitos
humanos e dos animais.
12.Revisar e finalizar o plano de pesquisa.
13. Coletar os dados.
14. Preparar os dados para análise.
15. Analisar os dados.
16.Interpretar os resultados.
17. Comunicar os resultados.
18. Utilizar os achados na prática.
FIGURA 3.1
Fluxo das etapas de um estudo quantitativo.
CAPÍTULO 3
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
97
Etapa 3: Realizar o trabalho de campo clínico
No início de um estudo clínico, é recomendável que os pesquisadores passem algum tempo em ambientes clínicos, discutindo o tópico com médicos e administradores do serviço de saúde e observando as práticas comuns. Esse trabalho de campo pode fornecer perspectivas sobre tendências clínicas recentes, procedimentos
diagnósticos atuais e modelos de atendimento de saúde relevantes; isso também
pode ajudar os pesquisadores a entenderem melhor as perspectivas dos clientes e
os locais em que o atendimento é fornecido.
Etapa 4: Definir a estrutura e desenvolver definições conceituais
Quando se realiza a pesquisa quantitativa no contexto de uma estrutura conceitual, as descobertas podem ter utilidade e significado mais amplos. Até mesmo
quando a questão de pesquisa não está inserida em uma teoria, os pesquisadores
precisam ter um raciocínio conceitual e uma visão clara dos conceitos que serão
estudados.
Etapa 5: Formular hipóteses
As hipóteses encerram as expectativas dos pesquisadores a respeito das relações
entre as variáveis de estudo. Elas são predições dos resultados esperados e expõem as relações que os pesquisadores esperam observar nos dados do estudo. A
questão de pesquisa identifica os conceitos sob análise e discute como os conceitos
podem estar relacionados; a hipótese é uma previsão da resposta. A maioria dos
estudos quantitativos é elaborada para testar hipóteses por meio de uma análise
estatística.
Fase 2: Delineamento e planejamento
Na segunda principal fase de um estudo quantitativo, os pesquisadores tomam
decisões sobre o local do estudo e os métodos e procedimentos que serão usados
para tratar a questão de pesquisa. Em geral, os investigadores dispõem de considerável flexibilidade para elaborar o estudo e tomam muitas decisões metodológicas.
Essas decisões têm implicações cruciais na integridade e no potencial de generalização das descobertas do estudo.
Etapa 6: Escolher o delineamento da pesquisa
O delineamento da pesquisa é o plano geral de busca de respostas para as questões estudadas e de enfrentamento dos vários desafios envolvidos na integridade
dos dados científicos. Ao elaborar um estudo, os pesquisadores decidem o delinea­
mento a ser adotado e o que irão fazer para minimizar desvios e aumentar o potencial de interpretação dos resultados. Em estudos quantitativos, o plano tende a
98
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ser altamente estruturado e controlado. Nesse plano, o pesquisador também indica outros aspectos da pesquisa – por exemplo, com que frequência os dados serão
coletados, que tipos de comparação serão feitos e onde o estudo será realizado. O
delineamento da pesquisa é a estrutura arquitetônica do estudo.
Etapa 7: Desenvolver protocolos de intervenção
Na pesquisa experimental, os pesquisadores criam a variável independente, ou
seja, os participantes são expostos a diferentes tratamentos ou condições. É preciso desenvolver um protocolo de intervenção para o estudo, especificando exatamente o que a intervenção vai abranger (p. ex., quem vai aplicá­‑la, qual será
a frequência e o período de duração do tratamento, etc.) e qual será a condição
alternativa. O objetivo de protocolos bem articulados é fazer com que todos os
sujeitos de cada grupo sejam tratados do mesmo modo. Obviamente, na pesquisa
não experimental, essa etapa não é necessária.
Etapa 8: Identificar a população
Os pesquisadores quantitativos precisam conhecer as características dos participantes do estudo e esclarecer para que grupo os resultados poderão ser generalizados; ou seja, é preciso identificar a população a ser estudada. A população
são todos os indivíduos ou objetos com características definidoras comuns. Por
exemplo, a população estudada pode ser composta de pacientes adultos do sexo
masculino submetidos à quimioterapia em Dallas.
Etapa 9: Estabelecer o plano de amostragem
Tipicamente, os pesquisadores coletam dados de uma amostra, que é um subconjunto da população. Usar amostras é claramente mais prático e menos dispendioso
do que coletar dados da população inteira, mas há risco de que a amostra não reflita de modo adequado os traços de toda a população. Em um estudo quantitativo,
a adequação da amostra é avaliada pelo critério da representatividade (i.e., em
que grau a amostra da população é típica ou representativa?). O plano de amos‑
tragem especifica com antecedência como a amostra será selecionada e quantos
indivíduos serão incluídos nela.
Etapa 10: Especificar os métodos de mensuração das variáveis da pesquisa
Os pesquisadores quantitativos têm de desenvolver ou tomar emprestados os mais
precisos métodos de medição das variáveis de pesquisa. Com base nas definições
conceituais, eles selecionam ou elaboram métodos para operacionalizar as variá­
veis e coletar os dados. Há uma variedade de abordagens de coleta de dados
quantitativos; os principais métodos são autorrelatos (p. ex., fazer entrevistas),
observações (p. ex., observar o comportamento de crianças) e mensurações biofisio‑
lógicas. A tarefa de mensurar as variáveis de pesquisa e desenvolver um plano de
coleta de dados é um processo complexo e repleto de desafios.
CAPÍTULO 3
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
99
Etapa 11: Desenvolver métodos para proteger
os direitos humanos e dos animais
A maior parte das pesquisas em enfermagem envolve seres humanos, embora alguns estudos incluam animais. Em ambos os casos, devem ser desenvolvidos procedimentos para garantir a aplicação de princípios éticos. Cada aspecto do plano
de estudo precisa ser examinado, a fim de determinar se os direitos dos indivíduos
sejam adequadamente assegurados.
Etapa 12: Revisar e finalizar o plano de pesquisa
Antes de começar realmente a coletar os dados, com frequência, os pesquisadores
realizam uma série de “testes”, para garantir que os procedimentos vão funcionar
bem. Eles podem, por exemplo, avaliar a facilidade de leitura dos materiais escritos
para determinar se participantes com nível de escolaridade baixo serão capazes de
compreendê­‑los ou podem realizar um teste prévio dos instrumentos de mensuração para avaliar sua adequação.
Em geral, os pesquisadores submetem o plano de pesquisa a revisores para
obter feedback metodológico ou clínico substancial antes de implementá­‑lo. Os
pesquisadores buscam apoio financeiro, apresentando a proposta a uma fonte de
recursos, e os revisores costumam sugerir melhoramentos.
Fase 3: Empirismo
A porção empírica dos estudos quantitativos envolve a coleta de dados e sua preparação para análise. A fase empírica com frequência é a que consome mais tempo. Para a coleta de dados, podem ser necessários meses de trabalho.
Etapa 13: Coletar os dados
A coleta de dados em um estudo quantitativo muitas vezes ocorre de acordo com
um plano preestabelecido. Em geral, esse plano articula procedimentos de treinamento da equipe que vai coletar os dados, descrição do estudo aos participantes,
coleta propriamente dita (p. ex., onde e quando os dados serão coletados) e registro de informações.
Etapa 14: Preparar os dados para análise
Em estudos quantitativos, os dados coletados raramente se prestam a uma análise
direta. São necessárias etapas preliminares. Uma dessas etapas é a codificação,
ou seja, o processo de colocar dados verbais em forma numérica (p. ex., codificar
as informações sobre o sexo dos participantes, designando “1” para feminino e “2”
para masculino). Outra etapa preliminar envolve transferir os dados de documentos escritos para arquivos eletrônicos.
100
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Fase 4: Análise
Os dados quantitativos reunidos na fase empírica não são incluídos no relatório
como uma massa de números. Em primeiro lugar, são submetidos a uma análise e
a uma interpretação, que ocorrem na quarta fase principal do projeto.
Etapa 15: Analisar os dados
Para responder às questões da pesquisa e testar as hipóteses, os pesquisadores
precisam analisar os dados de modo ordenado e coerente. As informações quantitativas passam por uma análise estatística, que inclui alguns procedimentos
simples (p. ex., computação de uma média), assim como métodos complexos e
sofisticados.
Etapa 16: Interpretar os resultados
A interpretação é o processo de dar sentido aos resultados do estudo e examinar
suas implicações. Os pesquisadores tentam explicar as descobertas à luz dos dados científicos prévios, da teoria e de sua própria experiência clínica – e ainda da
adequação dos métodos usados no estudo. A interpretação envolve determinar o
melhor modo de empregar os achados na prática clínica ou a necessidade de outra
pesquisa antes de se recomendar a utilização.
Fase 5: Divulgação
Na fase analítica, os pesquisadores completam o círculo: as questões colocadas no
início são respondidas. Porém, o trabalho não termina aí – ainda é preciso divulgar
os resultados.
Etapa 17: Comunicar os resultados
Se os resultados não forem divulgados, o estudo não poderá contribuir com dados
científicos para a prática da enfermagem. Portanto, outra tarefa – com frequência
a final – de um projeto consiste em preparar o relatório de pesquisa, que será
compartilhado com outras pessoas. Os relatórios de pesquisa são discutidos no
próximo capítulo.
Etapa 18: Utilizar as evidências na prática
Idealmente, a etapa conclusiva de um estudo de alta qualidade é planejar seu uso
em cenários da prática. Mesmo que, às vezes, não tenham condições de implantar
o plano de utilização das evidências científicas, os próprios enfermeiros pesquisadores podem contribuir para o processo, desenvolvendo recomendações para
incorporação dos dados à prática, garantindo o fornecimento de informações adequadas a uma metanálise e aproveitando, com vigor, as oportunidades de divulgar
as descobertas entre enfermeiros práticos.
CAPÍTULO 3
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
101
ATIVIDADES EM UM ESTUDO QUALITATIVO
A pesquisa quantitativa envolve uma progressão bastante linear das tarefas – os
pesquisadores planejam as etapas com antecedência para maximizar a integridade do estudo e, depois, seguem essas etapas do modo mais rigoroso possível. Por
outro lado, em estudos qualitativos, a progressão é mais próxima de um círculo do
que de uma linha reta. Continuamente, os pesquisadores qualitativos examinam
e interpretam dados e tomam decisões sobre o modo como devem proceder, com
base no que já foi descoberto (Figura 3.2).
Uma vez que os pesquisadores qualitativos têm uma abordagem flexível na
coleta e na análise de dados, é impossível definir o fluxo de atividades com precisão – esse fluxo varia de acordo com o estudo, e os próprios pesquisadores não
sabem de antemão qual será o exato desenvolvimento da investigação. Tentamos
fornecer uma ideia geral do modo como os estudos qualitativos são conduzidos,
descrevendo algumas atividades principais e indicando como e quando podem ser
realizadas.
Conceituação e planejamento do estudo qualitativo
Identificar o problema de pesquisa
Comumente, os pesquisadores qualitativos começam com uma área temática ampla, muitas vezes focada em um aspecto ainda mal compreendido e sobre o qual
pouco se sabe. Por isso, pode ser que, no início, eles não estabeleçam questões de
pesquisa específicas. Com frequência, os pesquisadores qualitativos começam por
uma questão inicial ampla, que permite o ajuste do foco e seu delineamento com
maior clareza no decorrer do estudo.
Revisar a literatura
Não há consenso entre pesquisadores qualitativos sobre o valor da revisão prévia
da literatura. Alguns acreditam que não se deve consultar a literatura antes de coletar os dados. Nesse caso, existe a preocupação de que estudos anteriores possam
influenciar a conceituação do fenômeno estudado. De acordo com essa visão, os
fenômenos devem ser elucidados com base nos pontos de vista dos participantes e
não em informações prévias. Outros afirmam que os pesquisadores devem realizar,
pelo menos, uma breve revisão da literatura no início. De qualquer modo, tipicamente, os pesquisadores qualitativos encontram um corpo relativamente pequeno
de trabalhos prévios relevantes, por causa do tipo de questões que costumam problematizar.
Desenvolver uma abordagem geral
Os pesquisadores quantitativos não coletam dados antes de finalizar o projeto de
pesquisa. Os qualitativos, por sua vez, usam um projeto emergente – que surge
no decorrer da coleta de dados. Certos aspectos do projeto são orientados pela
102
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Planejamento do estudo
ü Identificar o problema de pesquisa.
ü Revisar a literatura.
ü Desenvolver uma abordagem geral.
ü Selecionar os locais de pesquisa e garantir acesso a eles.
ü Desenvolver métodos para proteger os participantes.
Divulgação dos achados
ü Comunicar as descobertas.
ü Utilizar as descobertas na prática
e em pesquisas futuras (ou fazer
recomendações a esse respeito).
Desenvolvimento de estratégias de coleta
de dados
ü Escolher o tipo de dado e o modo como
ele será coletado.
ü Escolher de quem será coletado o dado.
ü Decidir como incrementar a confiabilidade
dos dados.
Coleta e análise dos dados
ü Coletar os dados.
ü Organizar e analisar os dados.
ü Avaliar os dados: se necessário, modifi‑
car as estratégias de coleta.
ü Avaliar os dados: determinar se a
saturação foi alcançada.
FIGURA 3.2
Fluxo de atividades em um estudo qualitativo.
tradição qualitativa do estudo, mas raramente as pesquisas qualitativas possuem
estruturas rígidas que impeçam a implantação de mudanças durante o trabalho
de campo.
DICA
A obtenção de acesso geralmente está associada com o trabalho de campo em estudos qua‑
litativos, mas os pesquisadores quantitativos frequentemente também precisam obter autori‑
zação para coletar dados.
Selecionar os locais de pesquisa e garantir acesso a eles
Antes de ir a campo, os pesquisadores qualitativos precisam identificar um local
consistente com o tópico da pesquisa. Se o tópico for, por exemplo, crenças a respeito da saúde no meio urbano pobre, deve ser identificado um bairro do centro
da cidade com concentração de moradores de baixa renda. Em alguns casos, os
pesquisadores têm livre acesso ao local selecionado, mas, em outros, precisam
de autorização para entrar. Em geral, garantir o acesso envolve negociações
com pessoas com autoridade para permitir a entrada em determinado local.
CAPÍTULO 3
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
103
Tratar questões éticas
Os pesquisadores qualitativos, assim como os quantitativos, também precisam desenvolver planos para tratar questões éticas, e, realmente, existem preocupações
especiais em estudos qualitativos, por causa da natureza mais íntima da relação
que costuma se desenvolver entre pesquisadores e participantes do estudo.
Realização do estudo qualitativo
Em estudos qualitativos, as tarefas de amostragem, coleta, análise e interpretação de dados costumam ocorrer de modo iterativo. Os pesquisadores qualitativos
começam pela conversa com as (ou observação das) pessoas que têm uma experiência de primeira mão com o fenômeno estudado. As discussões e observações
são estruturadas tenuemente, permitindo que os participantes expressem ampla
variedade de crenças, sentimentos e comportamentos. A análise e a interpretação
são tarefas contínuas e concomitantes, que orientam as escolhas sobre o tipo da
próxima pessoa a ser entrevistada e o tipo de pergunta ou observação a ser feita.
O processo real de análise de dados envolve reunir os tipos de informações
narrativas em um esquema coerente. À medida que fazem a análise e a interpretação, os pesquisadores começam a identificar temas e categorias que serão usados
para construir uma rica descrição ou teoria do fenômeno. Os tipos de dados obtidos ficam cada vez mais específicos e propositados à medida que a teoria emerge.
O desenvolvimento e a verificação dos conceitos dão forma ao processo de amostragem – à medida que se desenvolve uma conceituação ou teoria, o pesquisador
busca participantes que possam confirmar e enriquecer as compreensões teóricas,
assim como participantes que tenham potencial para desafiá­‑las, levando a um
insight teórico futuro.
Os pesquisadores quantitativos decidem com antecedência o número de indivíduos que será incluído no estudo; por outro lado, as decisões dos pesquisadores qualitativos sobre a amostragem são orientadas pelos próprios dados. Muitos
pesquisadores qualitativos usam o princípio da saturação, que ocorre quando os
temas e as categorias dos dados tornam­‑se repetitivos e redundantes, de modo que
a coleta de maior quantidade de dados já não gera novas informações.
Os pesquisadores quantitativos buscam coletar dados de alta qualidade,
usando instrumentos de medição que se mostram precisos e válidos. Os qualitativos, por sua vez, são, eles próprios, o principal instrumento da coleta de dados e
precisam seguir etapas para demonstrar confiabilidade enquanto estão no trabalho
de campo. O aspecto central desses esforços é confirmar que as descobertas refletem com precisão as experiências e os pontos de vista dos participantes, e não as
percepções dos pesquisadores. Uma atividade confirmatória pode envolver, por
exemplo, procurar novamente os participantes e compartilhar com eles as interpretações preliminares, de modo que possam avaliar se a análise temática feita
pelo pesquisador é consistente com suas experiências.
Os enfermeiros pesquisadores do tipo qualitativo esforçam­‑se para compartilhar descobertas em conferências e artigos de periódicos. As descobertas qualitativas
com frequência servem de base para a formulação de hipóteses testadas por pesquisadores quantitativos, para o desenvolvimento de ferramentas de mensuração
para propósitos de pesquisa e prática clínica e para a elaboração de intervenções de
enfermagem efetivas. Os estudos qualitativos ajudam a formar as percepções dos
104
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
enfermeiros a respeito de um problema ou situação, conceituações de potenciais
soluções e compreensão das experiências e das preocupações dos pacientes.
QUESTÕES GERAIS SOBRE REVISÃO DE ESTUDOS
A maioria dos capítulos restantes deste livro contém orientações que ajudam a
avaliar criticamente diferentes aspectos de um relatório de pesquisa, enfatizando,
em especial, as decisões metodológicas do pesquisador. O Quadro 3.3 apresenta
outras questões envolvidas na formação da visão geral preliminar de um relatório
de pesquisa, com base nos conceitos estudados neste capítulo. Essas orientações
somam­‑se àquelas apresentadas no Quadro 1.1, do Capítulo 1.
QUESTÕES ADICIONAIS PARA A
QUADRO 3.3
REVISÃO PRELIMINAR DE UM ESTUDO
1. De que trata o estudo? Quais os principais fenômenos, conceitos ou construtos analisados?
2.Se o estudo for quantitativo, quais as variáveis independentes e dependentes (se aplicável)?
3.Os pesquisadores examinam relações ou padrões de associação entre variáveis ou conceitos? O
relatório indica a possibilidade de uma relação causal?
4.Os conceitos­‑chave estão claramente definidos em seus aspectos conceitual e operacional?
5. De que tipo é o estudo, considerando os tipos descritos neste capítulo (experimental ou não
experimental/observacional, teoria fundamentada, fenomenologia e etnografia)?
6.O relatório fornece alguma informação que possa sugerir quanto tempo foi necessário para a conclusão
do estudo?
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADEs DE PENSAMENTO CRÍTICO
Nesta seção, ilustramos a progressão das atividades e discutimos o cronograma de dois estudos (um
quantitativo e outro qualitativo), realizados por Chery Tatano Beck, segunda autora deste livro.
EXEMPLO 1
Cronograma de um estudo quantitativo
Estudo
Validação adicional da Escala de Avaliação da Depressão Pós­‑parto (Beck e Gable, 2001).
Propósito
Beck e Gable realizaram um estudo para examinar a Escala de Avaliação da Depressão Pós­‑parto
EADP, (Postpartum Depression Screening Scale), instrumento destinado a clínicos e pesquisadores
para exame da depressão pós­‑parto.
Métodos
Foram necessários três anos para completar o estudo. As decisões metodológicas e atividades­‑chave
incluíram:
Fase 1. Conceituação. Duração: 1 mês. Essa fase foi a mais curta, em grande parte porque
muito do trabalho conceitual tinha sido feito no primeiro estudo de Beck e Gable (2000), em que
foi realmente desenvolvida a escala de avaliação. A literatura já tinha sido revisada, de modo que era
CAPÍTULO 3
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
105
necessário apenas fazer sua atualização. Foram usadas as mesmas definições conceituais e a estrutura
do primeiro estudo.
Fase 2. Delineamento e planejamento. Duração: 6 meses. A segunda fase consumiu mais tempo.
Incluiu não apenas o aperfeiçoamento do projeto de pesquisa, mas também a autorização de acesso
ao hospital onde foram selecionados os sujeitos e a obtenção da aprovação do comitê de ética em
pesquisa com humanos do hospital. Nesse período, Beck encontrou­‑se várias vezes com consultores
estatísticos e com Gable, especialista em desenvolvimento de instrumentos, para finalizar o projeto.
Fase 3. Empirismo. Duração: 11 meses. A coleta de dados levou quase um ano. O projeto incluía a
aplicação da EADP a 150 mães seis semanas após o parto e a marcação de uma entrevista psiquiátrica
diagnóstica para determinar se sofriam de depressão pós­‑parto. As mulheres foram selecionadas
para o estudo durante aulas preparatórias para o parto. A seleção começou quatro semanas antes da
coleta de dados; depois, os pesquisadores tiveram de esperar seis semanas pelo parto para, então,
reunir os dados. O enfermeiro psicoterapeuta, que tinha sua própria clínica, podia ir ao hospital
apenas uma vez por semana para realizar as entrevistas diagnósticas; isso também afetou o tempo
necessário para alcançar uma amostra de tamanho desejável.
Fase 4. Análise. Duração: 3 meses. Foram realizados testes estatísticos para determinar um valor
de corte na EADP. Acima desse valor, as mulheres eram identificadas como positivas para depressão
pós­‑parto. Foi realizada a análise dos dados para determinar a precisão da EADP na predição da
depressão pós­‑parto diagnosticada. Nessa fase, Beck encontrou­‑se com Gable e com os estatísticos
para interpretar os resultados.
Fase 5. Divulgação. Duração: 18 meses. Os pesquisadores prepararam um relatório e submeteram­
‑no à revista Nursing Research para possível publicação. Quatro meses depois, o artigo foi aceito,
mas ficou 14 meses no prelo (em processo de edição). Nesse período, os autores apresentaram as
descobertas em conferências regionais e internacionais. Eles também prepararam um resumo do
relatório para submissão a uma agência de fomento de pesquisas.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 3.3 para este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que promovem o pensamento crítico e ajudam a
compreender o estudo:
a)Em sua opinião, qual a população desse estudo?
b) Como podemos descrever o método de coleta de dados – autorrelato ou observação?
c) Como você avalia o plano de Beck e Gable para divulgar o estudo?
d)Em sua opinião, foi adequada a quantidade de tempo destinada a cada fase e etapa do
projeto?
e)Teria sido apropriado tratar a questão dessa pesquisa por métodos qualitativos? Por quê?
3Se os resultados desse estudo são válidos e generalizáveis, quais serão alguns usos das
descobertas na prática clínica?
EXEMPLO 2
Cronograma de um estudo qualitativo
Estudo
Trauma de nascimento: aos olhos da mãe observadora (Beck, 2004).
(continua)
106
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADEs DE PENSAMENTO CRÍTICO (continuação)
Propósito
O propósito desse estudo era compreender a experiência do trauma de nascimento a partir da
perspectiva das próprias mães.
Métodos
Foram necessários aproximadamente três anos para a conclusão do estudo. As atividades­‑chave de
Beck incluíram:
Fase 1. Conceituação. Duração: 3 meses. Beck, famosa por seu programa de pesquisa da depressão
pós­‑parto, começou a se interessar pelo trauma de nascimento quando convidada a proferir a palestra
de abertura do encontro Australasian Marce Society Biennial Scientific Meeting, realizado na Nova
Zelândia, em setembro de 2001. Pediram­‑lhe que falasse sobre transtornos de ansiedade pré­‑natais. Ao
revisar a literatura para preparar a palestra, Beck encontrou apenas alguns poucos estudos publicados,
com descrições do trauma de nascimento e do resultante transtorno de estresse pós­‑traumático. Após
a palestra, uma mãe fez uma apresentação muito interessante sobre o próprio transtorno de estresse
pós­‑traumático devido a um nascimento traumático. Essa mãe, Sue Watson, foi uma das fundadoras
da Trauma and Birth Stress (TABS), uma organização filantrópica da Nova Zelândia. Antes do final da
apresentação de Sue Watson, Beck já tinha adotado o trauma de nascimento como tema de pesquisa.
Mais tarde, naquele mesmo dia, Watson e Beck discutiram como a pesquisadora poderia fazer um
estudo qualitativo com as mães que integravam a TABS. O acesso de Beck à organização foi facilitado
por Watson, que, junto com outras fundadoras da TABS, aprovou o estudo.
Fase 2. Delineamento e planejamento. Duração: 3 meses. Beck escolheu um modelo fe­no­
menológico para a pesquisa. Ela trocou correspondências por e­‑mail com Watson para desenvolver
uma abordagem de recrutamento das mães. Ficou combinado que Beck escreveria uma carta
introdutória, explicando o estudo, e que Watson escreveria uma carta de apoio. Ambas as cartas
foram enviadas às mães que faziam parte da TABS, com uma solicitação de cooperação. Após a
finalização do projeto básico, Beck conseguiu aprovação do comitê de ética em pesquisa com
humanos da universidade.
Fase 3. Empirismo/análise. Duração: 24 meses. Os dados do estudo foram coletados ao longo
de 18 meses. Nesse período, 40 mães enviaram a Beck suas histórias sobre traumas de nascimento
por e­‑mail. Por mais seis meses, Beck examinou as histórias das mães. Da análise dos dados, surgiram
quatro temas:
1 Cuidar de mim: isso é pedir muito?
2 Comunicar­‑se comigo: o que foi negligenciado?
3 Fornecer atendimento seguro: você traiu minha confiança e me senti impotente.
4O fim justifica os meios: às custas de quem? A que preço?
Fase 4. Divulgação. Duração: mais de 5 meses. Um manuscrito descrevendo esse estudo foi
submetido à revista Nursing Research em abril de 2003. Em junho, Beck recebeu uma carta do editor,
indicando que os avaliadores do manuscrito tinham sugerido uma revisão do artigo e seu reenvio.
Passados seis meses, Beck reenviou o manuscrito revisado, já com as recomendações dos revisores.
Em setembro de 2003, a pesquisadora recebeu a comunicação de que seu artigo tinha sido aceito
para publicação. O texto foi publicado no número de janeiro/fevereiro de 2004. Além disso, Beck
apresentou as descobertas em várias conferências de pesquisa nacionais e internacionais.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 3.3 para este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que promovem o pensamento crítico e ajudam a
compreender o estudo:
CAPÍTULO 3
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
107
a) Dado o propósito do estudo, a abordagem fenomenológica foi apropriada?
b)Em sua opinião, foi adequada a quantidade de tempo destinada a cada fase e etapa do
projeto?
c) Como você avalia o plano de divulgação de Beck?
d)Teria sido apropriado tratar a questão de pesquisa usando métodos quantitativos? Por quê?
EXEMPLO 3 Pesquisa quantitativa no Apêndice A
1Leia o resumo e a introdução ao estudo de Howel e colaboradores (“Relações entre ansiedade,
raiva e pressão arterial em crianças”, 2007) no Apêndice A deste livro. Depois, responda às
questões pertinentes do Quadro 3.3.
2 Considere também as seguintes questões, que promovem o pensamento crítico e ajudam a
compreender o estudo:
a) Alguma variável desse estudo pode ser considerada um construto?
b)Esse relatório apresenta algum dado real dos participantes do estudo?
c)Teria sido possível o uso de um modelo experimental para esse estudo?
EXEMPLO 4 Pesquisa qualitativa no Apêndice B
1Leia o resumo e a introdução ao estudo de Beck (“Aniversário do trauma de nascimento”, 2006)
no Apêndice B deste livro. Depois, responda às questões pertinentes do Quadro 3.3.
2 Considere também as seguintes questões, promovem o pensamento crítico e ajudam a
compreender o estudo:
a)Localize um exemplo de dado nesse estudo. (Você deve olhar a seção Resultados.)
b) Quanto tempo foi necessário para a coleta de dados do estudo? (Você vai encontrar essa
informação na seção Procedimento.)
c) Quando tempo se passou desde a aceitação e a publicação do artigo? (As informações
relevantes estão no final do artigo.)
REVISÃO DO CAPÍTULO
Nesta seção, são apresentados os termos­‑chave novos deste capítulo, além de um
resumo dos pontos principais.
Novos termos­‑chave
ü Amostra
ü Análise estatística
ü Autorização
ü Conceito
ü Construto
ü Dados
ü Dados qualitativos
ü Dados quantitativos
ü Definição conceitual
ü Definição operacional
ü Delineamento de pesquisa
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Etnografia
Fenomenologia
Hipótese
Participante do estudo
Pesquisa experimental
Pesquisa não experimental
Pesquisa observacional
Plano de amostragem
População
Projeto emergente
Protocolo de intervenção
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Fundamentos de pesquisa em enfermagem
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Relação
Relação de causa e efeito (causal)
Revisão da literatura
Saturação
Sujeito
Teoria fundamentada
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Teste clínico
Trabalho de campo
Variável
Variável de resultado
Variável dependente
Variável independente
Tópicos resumidos
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As pessoas que fornecem informações aos pesquisadores em um estudo são
chamadas de sujeitos, participantes do estudo ou respondentes na pesquisa
quantitativa e participantes do estudo ou informantes na pesquisa qualitativa;
em conjunto, essas pessoas compõem a amostra.
O local é o ambiente geral da pesquisa; às vezes, os pesquisadores engajam­‑se
em estudos em vários locais. Os cenários são locais mais específicos, onde os
dados são coletados. Os cenários da pesquisa em enfermagem podem variar de
ambientes totalmente naturais até laboratórios formais.
Os pesquisadores analisam conceitos e fenômenos (ou construtos), que são
abstrações ou representações mentais inferidas a partir de comportamentos ou
características.
Os conceitos são componentes das teorias, que, por sua vez, são explicações
sistemáticas a respeito de algum aspecto do mundo real.
Em estudos quantitativos, os conceitos são chamados de variáveis. A variável
é uma característica ou qualidade que assume diferentes valores (ou seja, varia
de acordo com a pessoa ou o objeto).
A variável dependente (ou resultado) é o comportamento, característica ou
resultado que o pesquisador está interessado em compreender, explicar, prever
ou influenciar. Já a variável independente é a possível causa ou antecedente
da variável dependente ou aquilo que a influencia.
A definição conceitual descreve o significado abstrato ou teórico dos conceitos
estudados. Por sua vez, a definição operacional especifica os procedimentos
necessários à mensuração da variável.
Os dados, informações coletadas no decorrer de um estudo, podem tomar a
forma de informações narrativas (dados qualitativos) ou numéricas (dados
quantitativos).
A relação é uma ligação ou conexão (ou padrão de associação) entre duas variáveis. Os pesquisadores quantitativos examinam a relação entre as variáveis
independentes e dependentes.
Quando a variável independente causa ou afeta a variável dependente, a relação é de causa e efeito (causal). Em uma relação funcional ou associativa, as
variáveis não estão relacionadas de modo causal.
Uma distinção básica em estudos quantitativos é feita entre a pesquisa expe‑
rimental, em que os pesquisadores interferem ativamente, e a pesquisa não
experimental (ou observacional), em que os pesquisadores observam o fenômeno existente sem interferir.
A pesquisa qualitativa muitas vezes se origina de tradições científicas de outras
disciplinas. Três dessas tradições são a teoria fundamentada, a fenomenologia
e a etnografia.
CAPÍTULO 3
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definir o problema a ser estudado;
fazer a revisão da literatura;
engajar­‑se no trabalho de campo clínico (em estudos clínicos);
desenvolver uma estrutura e definições conceituais; e
formular as hipóteses que serão testadas.
A fase de planejamento engloba:
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
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109
A teoria fundamentada busca descrever e compreender os processos psicológicos e estruturais­‑chave, ocorridos em um cenário social.
A fenomenologia enfatiza as experiência vividas por seres humanos e é uma
abordagem destinada a esclarecer como são as experiências de vida das pessoas
e o que significam.
A etnografia fornece uma estrutura para o estudo de significados, padrões e
estilos de vida de uma cultura, de modo holístico.
Em um estudo quantitativo, os pesquisadores comumente avançam de modo
linear, do momento em que levantam as questões até o ponto em que as solucionam. As principais fases de um estudo quantitativo são: conceituação,
planejamento, empirismo, análise e divulgação.
A fase de conceituação envolve:
1.
2.
3.
4.
5.
ü
Etapas e conceitos-chave das pesquisas qualitativa e quantitativa
selecionar um delineamento de pesquisa;
desenvolver protocolos de intervenção (em estudos experimentais);
especificar a população;
desenvolver um plano de amostragem;
especificar métodos para mensurar as variáveis da pesquisa;
desenvolver estratégias para proteger os direitos dos sujeitos; e
finalizar o plano de pesquisa (p. ex., conferir com colegas, fazer um pré­
‑teste dos instrumentos).
A fase empírica envolve:
13. coletar dados; e
14. preparar os dados para análise (p. ex., codificá­‑los).
ü
A fase de análise abrange:
15. analisar os dados por meio de uma análise estatística; e
16. interpretar os resultados.
ü
A fase de divulgação engloba:
17. comunicar as descobertas; e
18. realizar esforços para promover o uso das evidências do estudo na prática
de enfermagem.
ü
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O fluxo de atividades em um estudo qualitativo é mais flexível e menos linear.
Os estudos qualitativos, tipicamente, envolvem um modelo emergente, que
evolui durante o trabalho de campo.
Os pesquisadores qualitativos começam pela colocação de uma questão ampla,
relacionada com o fenômeno estudado, com frequência enfatizando um aspecto
pouco estudado. Na fase inicial, os pesquisadores selecionam um local e pedem
autorização de acesso, o que, em geral, envolve solicitar a cooperação de
pessoas com autoridade.
110
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ü
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Uma vez no campo, os pesquisadores escolhem informantes, coletam os dados
e, depois, os analisam e interpretam de modo interativo; as experiências no
campo ajudam a definir o modelo do estudo, em contínua elaboração.
Na pesquisa qualitativa, a análise inicial leva a aperfeiçoamentos da amostragem
e da coleta de dados, até o ponto de saturação (redundância da informação).
Tipicamente, a análise envolve uma pesquisa de temas críticos.
Tanto os pesquisadores qualitativos quanto os quantitativos divulgam suas
descobertas; muitas vezes, a maioria deles publica relatórios de pesquisa em
periódicos de sua área profissional.
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 3
Allen, M., Oberle, K., Grace, M., Russell, A., & Aderwale, A. (2008). A randomized clinical trial
of elk velvet antler in rheumatoid arthritis. Biological Research for Nursing, 9, 254–261.
Beck, C. T. (2004). Birth trauma: In the eye of the beholder. Nursing Research, 53(1),
28–35.
Beck, C. T., & Gable, R. K. (2000). Postpartum Depression Screening Scale: Development and
psychometric testing, Nursing Research, 49, 272–282.
Beck, C. T., & Gable, R. K. (2001). Further validation of the Postpartum Depression Screening
Scale. Nursing Research, 50, 155–164.
Champion, V., Skinner, C., Hui, S., Monahan, P., Juliar, B., Daggy, J., et al. (2007). The effect
of telephone versus print tailoring for mammography adherence. Patient Education and
Counseling, 65, 416–423.
Clark, L., & Redman, R. (2007). Mexican immigrant mothers’ expectations for children’s
health services. Western Journal of Nursing Research, 29, 670–690.
Fontenot, H. B. (2007). Transition and adaptation to adaptive motherhood. Journal of Obs‑
tetric, Gynecologic, and Neonatal Nursing, 36, 175–182.
Hinck, S. M. (2007). The meaning of time in oldest-old age. Holistic Nursing Practice, 21,
35–41.
Holmes, D., O’Byrne, P., & Gastaldo, D. (2007). Setting the space for sex: Architecture, desire
and health issues in gay bathhouses. International Journal of Nursing Studies, 44, 273–284.
Lengacher, C., Bennett, M., Gonzales, L., Gilvary, D., Cox, C., Cantor, A., et al. (2008). Immune responses to guided imagery during breast cancer treatment. Biological Research for
Nursing, 9, 205–214.
Lewis, L., Hankin, S., Reynolds, D., & Ogedegbe, G. (2007). African American spirituality: A
process of honoring God, others, and self. Journal of Holistic Nursing, 25, 16–23.
Liu, H., Feurer, I., Dwyer, K., Speroff, T., Shaffer, D., & Wright-Pinson, C. (2008). The effects
of gender and age on health-related quality of life following kidney transplantation. Journal
of Clinical Nursing, 17, 82–89.
Schim, S., Doorenbos, A., & Borse, N. (2006) Enhancing cultural competence among hospice
staff. The American Journal of Hospice & Palliative Care, 23, 404–411.
Sweeney, N., Glaser, D., & Tedeschi, C. (2007). The eating and physical activity habits of
inner-city adolescents. Journal of Pediatric Health Care, 21, 13–21.
Tseng, C., Chen, C., Wu, S., & Lin, L. (2007). Effects of a range-of-motion exercise program.
Journal of Advanced Nursing, 57, 181–191.
CAPÍTULO 1
4
Introdução à pesquisa em enfermagem baseada em evidências
111
Leitura e crítica de
relatórios de pesquisa
TIPOS DE RELATÓRIOS DE PESQUISA
Apresentações em conferências profissionais
Artigos de periódicos
CONTEÚDO DE ARTIGOS
DE PERIÓDICOS
Título e resumo
Introdução
Método
Resultados
Discussão
Referências
ESTILO DOS ARTIGOS
DE PERIÓDICOS
Por que é tão difícil ler artigos de periódicos?
Dicas para leitura de artigos de periódicos
CRÍTICA DE RELATÓRIOS
DE PESQUISA
O que é uma crítica de pesquisa?
Orientações para crítica encontradas neste
livro
Compreensão dos desafios­‑chave da pes‑
quisa
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADEs DE PENSAMENTO
CRÍTICO
REVISÃO DO CAPÍTULO
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 4
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
üNomear os principais tipos de relatórios de pesquisa.
üIdentificar e descrever as principais seções de artigos de pesquisa publicados em periódicos.
ü Caracterizar o estilo usado em relatórios de pesquisas quantitativa e qualitativa.
üLer um artigo de pesquisa e apreender os aspectos­‑chave do relatório.
ü Descrever aspectos de uma crítica de pesquisa.
ü Compreender os muitos desafios enfrentados por pesquisadores e identificar algumas ferramen‑
tas para vencer desafios metodológicos.
ü
Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
112
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Informações de estudos de enfermagem são comunicados por meio de relatórios
de pesquisa, que descrevem o que foi estudado, como foi estudado e o que foi descoberto. Esses relatórios, em especial os de estudos quantitativos, com frequência
assustam quem não possui treinamento científico. Este capítulo foi elaborado a
fim de ajudar a tornar os relatórios de pesquisa mais acessíveis logo no começo
do curso. Fornecemos também orientação preliminar para a realização de críticas
de relatórios de pesquisa e discutimos alguns dos principais desafios enfrentados
pelos pesquisadores na tentativa de gerar dados válidos e confiáveis.
TIPOS DE RELATÓRIOS DE PESQUISA
Os pesquisadores transmitem informações sobre seus estudos de vários modos. Os
tipos mais comuns de relatórios de pesquisa são teses e dissertações, livros, apresentações em conferências e artigos de periódicos. É mais provável que os enfermeiros
encontrem evidências científicas em conferências de sua área ou em periódicos.
Apresentações em conferências profissionais
As descobertas de pesquisas são apresentadas em conferências, comunicações
orais ou sessões de pôsteres.
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ü
As apresentações orais seguem um formato similar ao usado em artigos de
periódicos, que serão discutidos a seguir. O apresentador costuma ter 10 a 20
minutos para descrever os aspectos­‑chave do estudo.
Nas sessões de pôsteres, muitos pesquisadores apresentam simultaneamente
representações visuais, com o resumo de seus estudos, e os participantes da
conferência circulam pela sala, examinando os materiais.
As apresentações em conferências são um recurso importante de comunicação
de informações de pesquisas. Os resultados são disseminados mais rapidamente do
que na publicação em periódicos. As conferências também oferecem uma oportunidade de diálogo entre pesquisadores e ouvintes. Os ouvintes podem fazer perguntas
que vão ajudá­‑los a compreender como o estudo foi realizado e qual o significado
das descobertas; além disso, eles podem propor aos pesquisadores sugestões relacionadas com as implicações clínicas do estudo. Portanto, as conferências especializadas são um foro particularmente valioso para o público clínico.
Artigos de periódicos
Os artigos de pesquisa publicados em periódicos resumem estudos em veículos
especializados. Já que a disputa de espaço em periódicos é acirrada, o artigo típico
costuma ser breve; em geral, tem apenas 10 a 20 páginas em espaço duplo. Isso
significa que os pesquisadores precisam condensar uma grande quantidade de
informações sobre o estudo em um texto curto.
Os periódicos aceitam relatórios de pesquisa em um esquema competitivo.
Em geral, os manuscritos são revisados por dois ou mais revisores especialistas
(outros pesquisadores da área), que fazem recomendações sobre a aceitação ou a
rejeição do texto, sugerindo revisões e mudanças. Comumente eles são chamados
CAPÍTULO 4
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
113
de revisores “cegos” – os nomes dos pesquisadores não são revelados aos revisores, e os autores não sabem quem são estes últimos.
Nos periódicos mais importantes, a proporção de artigos aceitos é pequena –
às vezes, nem chega a 5% dos textos submetidos. Portanto, os leitores têm alguma
garantia de que os artigos já foram examinados minuciosamente em termos de
mérito por outros enfermeiros pesquisadores. Apesar disso, a publicação de um
artigo não significa que suas descobertas devam ser aceitas sem críticas. Os cursos
sobre métodos de pesquisas ajudam os enfermeiros a avaliarem a qualidade das
informações relatadas nesses artigos.
CONTEÚDO DE ARTIGOS DE PERIÓDICOS
Em geral, artigos quantitativos – e muitos dos qualitativos – publicados em periódicos possuem uma organização convencional que é conhecida por formato
IMRD. Esse formato, que segue um pouco as etapas dos estudos quantitativos,
envolve a organização do material em quatro seções principais – Introdução, Método, Resultados e Discussão. O texto do relatório costuma ser precedido de título
e resumo; no final, são incluídas referências.
Título e resumo
Os relatórios de pesquisa começam por um título, que indica sucintamente (em
geral, com 15 ou menos palavras) a natureza do estudo. Em estudos qualitativos,
o título costuma incluir o fenômeno e o grupo central sob investigação; em quantitativos, as variáveis independente e dependente e a população.
O resumo é uma breve descrição do estudo. Ele fica no início do artigo e
responde, em 100 a 150 palavras em média, às seguintes perguntas: Quais foram
as questões da pesquisa? Que métodos foram usados para tratar essas questões?
O que o pesquisador descobriu? Quais as implicações na prática de enfermagem?
Os leitores podem dar uma olhada no resumo para avaliar se vale a pena ler o
artigo inteiro. (Infelizmente, a restrição do número de palavras feita por alguns
periódicos dificulta a inclusão da quantidade de informação que os autores julgam
necessário incluir.)
Em lugar dos resumos tradicionais – compostos de um único parágrafo, em
que se concentram os principais aspectos do estudo, alguns periódicos já aceitam
resumos um pouco mais longos e estruturados e com subtítulos. Na revista Nursing
Research, por exemplo, desde de 1997, os resumos passaram a incluir os seguintes
subtítulos: Fundamentação, Objetivos, Método, Resultados e Conclusões. O estudo qualitativo de Beck (2006), apresentado no Apêndice B deste livro, exemplifica
esse estilo de resumo mais longo, enquanto, no Apêndice A, temos um exemplo
(Howell et al., 2007) do formato tradicional de um parágrafo.
Introdução
A introdução a um artigo de pesquisa familiariza o leitor com o problema estudado
e o seu contexto. Essa seção costuma descrever:
114
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
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ü
ü
ü
os fenômenos, os conceitos ou as variáveis centrais do estudo;
o propósito do estudo e as questões de pesquisa ou hipóteses que serão testadas;
uma revisão da literatura relacionada;
a estrutura teórica ou conceitual;
a importância e a necessidade do estudo.
Portanto, a introdução monta o palco para a descrição do que o pesquisador
fez e do que foi aprendido. A introdução corresponde, grosseiramente, à conceitua­
ção (Fase 1), conforme descrito no Capítulo 3.
Exemplo de parágrafo introdutório
A reciprocidade, ou um relacionamento positivo de cuidado, é um fator protetor importante
para os familiares que cuidam de um idoso frágil...; apesar disso, pouco se sabe sobre a reci‑
procidade entre idosos frágeis e o familiar que cuida dele, como ela muda ao longo do tempo
e como é afetada por mudanças na situação de atendimento. O propósito do estudo relatado
neste artigo examinar a reciprocidade na relação entre cuidador e idoso ao longo do tempo
e o impacto das mudanças na saúde sobre a qualidade da relação de cuidado (Lyons et al.,
2007).
Nesse parágrafo, os pesquisadores descrevem os conceitos­‑base (reciprocidade entre idosos frágeis e seus cuidadores), a necessidade (o fato de que pouco se
sabe sobre aspectos da reciprocidade) e o propósito do estudo.
DICA
A seção introdutória de muitos relatórios não é denominada especificamente de Introdução.
A introdução dos relatórios vem logo após o resumo.
Método
Esta seção descreve os métodos usados pelo pesquisador para responder às questões de pesquisa. Além disso, aborda as principais decisões metodológicas tomadas durante a elaboração e o planejamento do estudo (Fase 2) e pode oferecer os
princípios racionais que levaram a essas decisões. Em um estudo quantitativo, esta
seção comumente versa a respeito dos seguintes itens, que podem ser apresentados sob a forma de subseções:
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ü
ü
ü
ü
delineamento de pesquisa;
plano de amostragem e descrição dos participantes do estudo;
método de operacionalização das variáveis, coleta de dados e instrumentos
específicos;
procedimentos do estudo, incluindo aqueles usados para garantir os direitos
dos participantes;
métodos e procedimentos analíticos.
CAPÍTULO 4
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
115
Os pesquisadores qualitativos discutem muitos dos mesmos temas, mas com
ênfases diferentes. O estudo qualitativo com frequência fornece, por exemplo, mais
informações sobre o cenário da pesquisa e o contexto do estudo e menos sobre a
amostragem. Além disso, uma vez que não são usados instrumentos formais para
a coleta de dados, há pouca discussão sobre métodos específicos, mas pode haver
mais informações sobre os procedimentos de coleta de dados. Cada vez mais, os
relatórios qualitativos têm incluído descrições dos esforços dos pesquisadores para
aumentar o grau de integridade do estudo.
Em estudos quantitativos, a seção do método descreve decisões tomadas durante o delineamento e o planejamento do estudo e implementadas na fase empírica (ver Cap. 3). Em estudos qualitativos, as decisões metodológicas são tomadas
na fase de planejamento e também no decorrer do trabalho de campo.
DICA
Essa seção algumas vezes é chamada de Método; outras, de Métodos (plural). Ambas as for‑
mas são aceitáveis, embora o manual de estilo usado por muitos periódicos de enfermagem
(da American Psychological Association) indique Método.
Resultados
A seção dos resultados apresenta os achados obtidos a partir da análise dos
dados do estudo. O texto apresenta um resumo narrativo das descobertas­‑chave,
com frequência acompanhado de tabelas mais detalhadas. Praticamente todas
as seções de resultados contêm informações descritivas básicas, incluindo a descrição dos participantes (p. ex., idade média, porcentagem de homens ou mulheres). Em estudos quantitativos, o pesquisador fornece informações descritivas
básicas sobre as variáveis­‑chave, usando estatísticas simples. Por exemplo, em
um estudo a respeito do efeito da exposição a medicamentos no pré­‑natal sobre
as condições do nascimento dos bebês, a seção pode começar pela descrição do
peso médio dos bebês ao nascerem ou pela porcentagem daqueles com baixo
peso ao nascer (menos de 2,5 kg).
Em estudos quantitativos, a seção dos resultados também relata as seguintes
informações, relacionadas com todos os testes estatísticos realizados:
ü
O nome dos testes estatísticos usados. O teste estatístico é um procedimento
para testar as hipóteses dos pesquisadores e estimar a probabilidade de os
resultados estarem certos. Por exemplo, se a porcentagem de bebês com baixo
peso ao nascer na amostra de bebês expostos a medicamentos for computada,
qual será a probabilidade de exatidão dessa porcentagem? Se o pesquisador
descobrir que a média de peso de nascimento de bebês expostos a medicamentos na amostra é menor do que o peso de nascimento dos bebês não expostos a
medicamentos, qual será a probabilidade de que o mesmo seja verdadeiro para
outros bebês não incluídos na amostra? O teste estatístico ajuda a responder à
seguinte pergunta: “A relação entre a exposição a medicamentos no pré­‑natal e
o peso de nascimento do bebê é real e provavelmente seria observada em uma
nova amostra de bebês da mesma população?”. Os testes estatísticos baseiam­
‑se em princípios comuns; não é preciso saber o nome de todos esses testes (há
dezenas deles) para compreender os achados.
116
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ü
ü
ü
O valor da estatística calculada. Computadores são usados para calcular um valor
numérico para o teste estatístico usado. O valor permite que os pesquisadores
façam inferências sobre a precisão de suas hipóteses. O valor numérico real da
estatística, no entanto, não é inerentemente significativo, e o leitor não precisa
se preocupar com ele.
A significância. Parte crítica da informação consiste em saber se os resultados
dos testes estatísticos foram significativos (não confundir com importante
ou clinicamente relevante). Se um pesquisador relata que os resultados têm
­sig­nificância estatística, então isso quer dizer que as descobertas provavelmente
são verdadeiras e replicáveis em outra amostra. Os relatórios de pesquisa também
indicam o nível de significância, que consiste em um índice da probabilidade
(p) de que os achados sejam confiáveis. Por exemplo, se um relatório indica que
um achado teve um nível de significância de 0,05, isso significa que apenas
em cinco vezes de cada 100 (5 ÷ 100 = 0,05) o resultado obtido seria falso
ou aleatório. Em outras palavras, em 95 vezes de cada 100, seriam obtidos
re­sultados similares com outra amostra. Portanto, os leitores podem acreditar, com um alto – mas não total – grau de confiança que as descobertas são
acuradas.
A precisão e a magnitude dos efeitos. Há cada vez mais ênfase no relato não
­apenas das descobertas e da sua confiabilidade estatística, mas também no grau
de precisão que envolve efeitos estimados e no potencial de medição desses
efeitos. Esses dois aspectos, que correspondem à segunda e à terceira questões do Quadro 2.1 sobre a “Avaliação de evidências” na estrutura da prática
baseada em evidências (PBE), não têm sido tão enfatizados na literatura de
enfermagem quanto na literatura médica, mas essa situação está mudando.
Esses aspectos serão descritos brevemente no Capítulo 15, que trata da análise
estatística.
Exemplo de seção dos resultados de um estudo quantitativo
Efe e Ozer (2007) examinaram o efeito de alívio da dor exercido pela amamentação durante
injeções de imunização aplicadas em neonatos saudáveis. Metade dos bebês mamou no peito
antes, durante e depois da injeção; e a outra metade (grupo de controle) não. Esta é uma sen‑
tença adaptada a partir dos resultados do relatório: descobriu­‑se que a duração total do choro
era significativamente mais curta no grupo amamentado (média de 35,85 segundos) do que no
grupo de controle (média de 76,24 segundos); t = 3,64, p = 0,001.
Nesse exemplo, os pesquisadores declararam que o tempo de choro foi signi‑
ficativamente mais curto entre os bebês que tinham mamado no peito durante as
imunizações do que entre os que não tinham. A média da diferença do tempo de
choro – mais de 40 segundos – parece não indicar uma diferença aleatória e provavelmente seria replicada em outra amostra de bebês. Essa descoberta é altamente
confiável: apenas uma vez em cada mil (p = 0,001), uma diferença dessa magnitude seria uma casualidade. Observe­‑se que, para compreender essa descoberta,
o leitor não precisa saber o que significa a estatística t, nem precisa se preocupar
com o valor real da estatística, 3,64.
CAPÍTULO 4
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
117
DICA
Preste bastante atenção aos valores p (probabilidades) ao ler resultados estatísticos. Se o valor
p for maior do que 0,05 (p. ex., p = 0,08), será considerado que os resultados não são estatis‑
ticamente significativos de acordo com os padrões convencionais. Resultados não significativos
às vezes são abreviados como NS. Além disso, lembre­‑se de que, quanto menor o valor p,
mais confiáveis são os resultados. Por exemplo, há maior probabilidade de que os resultados
sejam precisos quando p = 0,01 (apenas uma chance em cada 100 de um resultado aleatório)
do que quando p = 0,05 (cinco chances em cada 100). Algumas vezes, os pesquisadores rela‑
tam uma estimativa de probabilidade exata (p. ex., p = 0,03); outras vezes, uma faixa conven‑
cional de probabilidade (p. ex., p < 0,05, i.e., menos de cinco em cada 100).
Em relatórios qualitativos, os pesquisadores costumam organizar as descobertas de acordo com temas, processos ou categorias identificados nos dados. A
seção dos resultados de relatórios qualitativos às vezes incluem várias subseções,
cujos títulos correspondem ao nome dado a esses temas pelo pesquisador. Trechos
de dados brutos (a reprodução exata das palavras dos participantes) são apresentados para sustentar e fornecer uma descrição rica da análise temática. A seção dos
resultados de estudos qualitativos também pode apresentar a teoria emergente do
pesquisador sobre o fenômeno estudado, embora isso possa aparecer na seção de
conclusão do relatório.
Exemplo de seção dos resultados de um estudo qualitativo
Polzer e Miles (2007) realizaram um estudo de teoria fundamentada para explicar como a
espiritualidade de afro­‑americanos afeta o autocontrole do diabete. Uma alusão bíblica feita
por vários participantes do estudo foi o corpo como Templo de Deus: “Alguns dos homens e
mulheres desse grupo declararam que o corpo é o Templo de Deus. A consequência de não
cuidar do corpo é incorrer em pecado. De acordo com Betty, batista, com 70 anos de idade,
‘é errado comer um pedaço de bolo. Deus sabe que se você sabe que é errado, então você
está cometendo um pecado. Isso é pecado porque você está estragando o corpo Dele... Você
estraga o corpo de Deus quando não cuida dele’” (p. 183).
Discussão
Na seção de discussão, o pesquisador tira conclusões sobre o significado e as implicações dos achados. Essa seção tenta expor o que significam os resultados, por
que as coisas aconteceram desse modo, como as descobertas se encaixam na base
de evidências científicas já existentes e como os resultados podem ser usados na
prática. A discussão, em relatórios tanto qualitativos quanto quantitativos, pode
incorporar os seguintes elementos:
ü
ü
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interpretação dos resultados;
implicações clínicas e científicas;
limitações e ramificações do estudo para a credibilidade dos resultados.
118
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
O pesquisador encontra­‑se na melhor posição para destacar deficiências
da amostra, problemas de elaboração do projeto, falhas na coleta de dados, etc.
Quando a seção de discussão apresenta a opinião do pesquisador sobre as limitações, isso demonstra aos leitores que o autor estava consciente de tais restrições e,
provavelmente, considerou-as na interpretação dos achados.
Referências
Os artigos de pesquisa são concluídos com uma lista de livros e artigos de periódicos citados no relatório. Se o leitor tiver interesse em leituras adicionais sobre o
tópico, a lista de referência de estudos recentes é um bom começo.
ESTILO DOS ARTIGOS DE PERIÓDICOS
Relatórios de pesquisa contam uma história. No entanto, o estilo em que muitos
artigos de periódicos são escritos – em especial relatórios de estudos quantitativos
– dificulta a leitura ou a transforma em uma tarefa tediosa.
Por que é tão difícil ler artigos de periódicos?
A públicos desacostumados, os relatórios de pesquisa podem parecer excessivamente formais e confusos. Quatro fatores contribuem para essa impressão:
1. Densidade. O espaço em periódicos é limitado, de modo que os autores incluem uma grande quantidade de informações em um texto curto. Aspectos
interessantes e personalizados da pesquisa não são relatados e, em estudos
qualitativos, apenas algumas poucas citações podem ser incluídas.
2. Jargão. Os autores de estudos tanto qualitativos como quantitativos usam
termos científicos que podem parecer enigmáticos.
3. Objetividade. Os pesquisadores quantitativos tendem a evitar qualquer impressão de subjetividade e, assim, contam a história de suas pesquisas de modo que
a tornam impessoal. Muitos relatórios de pesquisa quantitativa, por exemplo,
são escritos na voz passiva (i.e., evitam­‑se os pronomes pessoais). O uso da
voz passiva tende a tornar o relatório menos convidativo e vivo do que o uso
da voz ativa. (Em contrapartida, os relatórios qualitativos com frequência são
escritos em um estilo mais coloquial.)
4. Informações estatísticas. Em relatórios quantitativos, os números e os símbolos
estatísticos podem intimidar leitores que não possuem vigoroso interesse ou
treinamento em matemática.
Um dos objetivos deste livro é ajudar o leitor a compreender o conteúdo dos
relatórios de pesquisa e a superar ansiedades geradas pelo jargão e pelas informações estatísticas.
CAPÍTULO 4
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
119
DICA: COMO DISTINGUIR
Como distinguir a voz ativa da passiva? Na voz ativa, os pesquisadores dizem o que fizeram (p.
ex., “Usamos um esfigmomanômetro de mercúrio para medir a pressão arterial”). Na voz passiva,
indica­‑se que alguma coisa foi feita, sem dizer quem a fez, embora esteja implícito que os pesquisa‑
dores são os agentes (p. ex., “Foi usado um esfigmomanômetro de mercúrio para medir a pressão
arterial”).
Dicas para leitura de artigos de periódicos
À medida que avança na leitura deste livro, você adquire habilidades para avaliar
criticamente vários aspectos de relatórios de pesquisa, mas essas habilidades levam tempo para se desenvolver. O primeiro passo da tarefa de usar descobertas de
pesquisas na prática clínica é compreender os relatórios. Muitas vezes, as primeiras tentativas de ler um relatório de pesquisa são massacrantes, e surge a dúvida:
será que algum dia vou conseguir realmente entender e, ainda, criticar, um relatório de pesquisa? A seguir, damos algumas dicas preliminares para a assimilação
de relatórios de pesquisa.
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ü
ü
Leia esses relatórios com frequência, inclusive quando não entende todos os
pontos técnicos, a fim de se acostumar com o estilo.
Imprima o relatório ou faça uma cópia em que você possa destacar e sublinhar
trechos, anotar perguntas ou observações nas margens, etc.
Leia lentamente. Pode ser útil primeiro dar uma olhada geral no texto inteiro para
identificar os pontos principais e, depois, reler o artigo com mais cuidado.
Na segunda leitura, pratique a leitura ativa. Ler ativamente significa monitorar­
‑se de forma constante para determinar se compreendeu o que está sendo lido.
Se tiver alguma dificuldade, volte e releia as passagens difíceis ou anote a dúvida para, depois, pedir explicações a outra pessoa. Na maioria dos casos, essa
“outra pessoa” é seu orientador, mas também pode ser o próprio pesquisador.
Comumente, o e­‑mail e o endereço residencial do autor principal são fornecidos
no artigo, e os pesquisadores costumam ter interesse em discutir suas pesquisas
com outras pessoas.
Tenha este livro em mão durante a leitura de artigos, de modo que possa consultar seu glossário ou índice em busca de termos desconhecidos.
Tente não se sobrecarregar, nem se surpreender diante de informações estatísticas. Procure entender as partes mais importantes da história, sem se frustrar
com a complexidade de números e símbolos.
Antes de se acostumar com o estilo e o jargão dos artigos de pesquisa, você
pode “traduzi­‑los” mentalmente ou por escrito. Para fazer isso, resuma os parágrafos em poucas palavras, traduza o jargão em termos mais familiares, passe
o texto da voz passiva para a ativa e resuma as descobertas em palavras e não
em números. Como exemplo, o Quadro 4.1 apresenta o resumo de um estudo
fictício sobre as consequências psicológicas de fazer um aborto, escrito no
estilo normalmente encontrado em artigos de revistas especializadas. Os termos listados no glossário deste livro foram sublinhados, e as notas, em negrito,
120
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
QUADRO 4.1
RESUMO DE UM ESTUDO FICTÍCIO
Propósito
do estudo
As sequelas potencialmente negativas da realização de um
aborto sobre o equilíbrio psicológico de adolescentes ainda
não foram adequadamente estudadas. O presente estudo
foi elaborado para determinar se diferentes decisões sobre
a gravidez exercem efeitos diferentes a longo prazo sobre o
funcionamento psicológico de mulheres jovens.
Necessidade de
realização do
estudo
Projeto de
pesquisa
Três grupos de adolescentes grávidas com baixa renda atendidas
em uma clínica do centro da cidade foram os sujeitos desse
estudo: um grupo deu à luz e ficou com o bebê; outro deu à
luz e entregou o bebê para adoção; e o terceiro fez um aborto.
Cada grupo tinha 25 sujeitos.
População do
estudo
Instrumentos
de pesquisa
Os instrumentos do estudo incluíram um questionário Amostra do
autoaplicado e uma bateria de testes psicológicos para medir estudo
depressão, ansiedade e sintomas psicológicos. Os instrumentos
foram aplicados no início do estudo (quando os sujeitos foram à
clínica pela primeira vez) e um ano depois do final da gravidez.
Procedimento
de análise dos
dados
Os dados foram examinados por análise de variância Resultados
(ANOVA). A ANOVA indicou que os três grupos não diferiram
significativamente em termos de depressão, ansiedade e
sintomas psicológicos nos testes iniciais. Entretanto, no pós­
‑teste, o grupo do aborto apresentou valores muito mais altos
na escala de depressão, e essas adolescentes mostraram uma
probabilidade significativamente maior do que as meninas dos
outros dos grupos de relatar dor de cabeça tensional forte. Não
houve diferenças significativas nas variáveis dependentes
nos dois grupos que tiveram os bebês.
Implicações
Os resultados desse estudo sugerem que as mulheres Interpretação
jovens que escolhem fazer aborto podem experimentar uma
série de consequências negativas a longo prazo. Esforços
para acompanhar pacientes que abortaram parecem ser
apropriados para determinar a necessidade de um tratamento
específico.
nas margens, indicam o tipo de informação que o autor está apresentando. O
Quadro 4.2 apresenta uma “tradução” desse resumo, em que as informações
sobre a pesquisa foram reformuladas em uma linguagem mais acessível.
Quando se atinge um nível razoável de compreensão, o próximo passo consiste em escrever uma sinopse do artigo em 1 a 2 páginas. Esta resume o propósito
do estudo, as questões de pesquisa, os métodos, os achados, a interpretação das
descobertas e as implicações. Ao preparar a sinopse, o leitor toma mais consciência dos aspectos incompreendidos do estudo.
CAPÍTULO 4
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
121
CRÍTICA DE RELATÓRIOS DE PESQUISA
Ter uma boa compreensão dos relatórios de pesquisa lidos com certeza é importante, mas também é essencial fazer uma leitura crítica. Essa leitura envolve uma
avaliação cuidadosa das principais decisões conceituais e metodológicas do pesquisador. Nesse momento, ainda é difícil criticar essas decisões, mas, à medida que
avança neste livro, você vai fortalecendo suas habilidades críticas.
O que é uma crítica de pesquisa?
Crítica de uma pesquisa é diferente de um resumo ou uma sinopse. A crítica de
uma pesquisa consiste na avaliação cuidadosa e objetiva dos pontos fortes e das
limitações do estudo. Geralmente, no final do texto, o crítico apresenta um resumo
dos méritos do estudo, recomendações sobre o valor dos achados da pesquisa e
sugestões para melhorar o estudo ou o relatório.
Críticas de estudos específicos são preparadas por várias razões e diferem,
em termos de abrangência, de acordo com seu propósito. Quando um artigo é submetido a um periódico científico para publicação, solicita­‑se a opinião de revisores
especializados, a favor ou contra a publicação. Esses revisores costumam avaliar os
pontos fortes e fracos, considerando os seguintes aspectos do estudo:
QUADRO 4.2
VERSÃO SIMPLIFICADA
DO ESTUDO FICTÍCIO
Como pesquisadores, queríamos saber se mulheres jovens que abortavam tinham problemas emocionais
a longo prazo. Achávamos que não tinham sido feitas pesquisas suficientes para saber se o aborto resultava
em algum prejuízo psicológico.
Então decidimos estudar essa questão por conta própria, comparando as experiências de três tipos
de adolescentes que tinham engravidado – no primeiro grupo, estavam meninas que tiveram o filho e
ficaram com ele; no segundo, meninas que tiveram o filho, mas o entregaram para adoção; e no terceiro,
meninas que decidiram fazer aborto. Todas as adolescentes de nossa amostra eram pobres e estavam
sendo atendidas em uma clínica no centro da cidade. No total, estudamos 75 meninas – 25 de cada grupo.
Para avaliar o estado emocional de cada adolescente, pedimos que respondessem a um questionário e
fizessem vários testes psicológicos. Por meio desses testes, avaliamos aspectos como o grau de depressão
e de ansiedade das adolescentes e a existência de possíveis reclamações de natureza psicossomática.
Pedimos que elas preenchessem os formulários duas vezes: assim que procuraram a clínica e um ano
depois do aborto ou parto.
Descobrimos que os três grupos de adolescentes eram muito parecidos em termos de estado
emocional quando preencheram o formulário pela primeira vez. Mas, quando comparamos esses grupos
um ano depois, vimos que as adolescentes que tinham feito aborto estavam mais deprimidas e mais
propensas a dizer que apresentavam dores de cabeça tensionais fortes do que as dos outros dois grupos.
As meninas que ficaram com os filhos e as que entregaram os filhos para adoção estavam em um estado
bastante similar ao de um ano antes, na época do parto, pelo menos em termos de depressão, ansiedade
e reclamações psicossomáticas.
Portanto, parece que temos motivos para nos preocupar com os efeitos emocionais da realização
do aborto. Os enfermeiros devem saber desses efeitos emocionais a longo prazo, e, inclusive, seria
aconselhável a instituição de algum tipo de procedimento de acompanhamento para descobrir se essas
jovens precisam de ajuda adicional.
122
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
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ü
Substância – O problema estudado é significativo para a enfermagem? O estudo
pode oferecer uma contribuição importante?
Metodologia – Os métodos são rigorosos e apropriados?
Teoria – A fundamentação conceitual ou teórica é sólida?
Interpretação – O pesquisador interpretou os dados de modo adequado e fez
inferências defensáveis?
Ética – Os direitos dos participantes do estudo foram respeitados?
Estilo – O relatório foi escrito de modo claro, gramaticalmente correto e bem
organizado?
Em resumo, os revisores especialistas fazem uma revisão abrangente para
fornecer feedback aos pesquisadores e aos editores de periódicos sobre o mérito
do estudo e também do relatório e, tipicamente, para oferecer sugestões de melhoramentos.
Durante a metodologia de pesquisa, pode ser que peçam aos estudantes para
criticar estudos. Espera­‑se que essas críticas sejam abrangentes, incluindo as várias
dimensões descritas. O propósito de uma crítica ampla é desenvolver o raciocínio
crítico para induzir os estudantes a usarem as habilidades recém­‑adquiridas no
curso e prepará­‑los para uma carreira como profissional de enfermagem cujas tarefas certamente vão incluir avaliação de pesquisas. Escrever críticas de pesquisas
é um passo importante no caminho do desenvolvimento da prática baseada em
evidências.
DICA
A crítica destinada a fundamentar decisões sobre a prática da enfermagem raramente é abran‑
gente. Para a prática dos enfermeiros, não importa tanto, por exemplo, se o relatório de
pesquisa apresenta erros de gramática. A crítica sobre a utilidade clínica de um estudo analisa
se as descobertas são precisas, confiáveis e clinicamente significativas. Quando não se pode
confiar nas descobertas, não faz sentido incorporá­‑las à prática de enfermagem.
Orientações para crítica encontradas neste livro
Fornecemos orientações para críticas de estudos de vários modos. Em primeiro
lugar, sugestões detalhadas relativas ao conteúdo do capítulo são incluídas no
final da maioria deles. Em segundo lugar, oferecemos um resumo das principais
orientações para a crítica de estudos quantitativos e qualitativos neste capítulo,
nas Tabelas 4.1 e 4.2, respectivamente.
As orientações das Tabelas 4.1 e 4.2 estão organizadas no formato IMRD. A
segunda coluna lista algumas questões de crítica fundamentais, com ampla aplicabilidade a relatórios de pesquisa; e a terceira fornece referências de orientações
mais detalhadas, que podem ser encontradas nos capítulos deste livro. Sabemos
que, nesse momento, a maioria das questões de críticas ainda é muito difícil para
o leitor, mas suas habilidades metodológicas e de julgamento vão se desenvolver
no decorrer da leitura deste texto.
CAPÍTULO 4
Tabela 4.1
SEÇÃO DO
RELATÓRIO
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
123
GUIA PARA A CRÍTICA GERAL DE UM
RELATÓRIO DE PESQUISA QUANTITATIVO
QUESTÕES DE CRÍTICA
ORIENTAÇÕES
DETALHADAS
PARA CRÍTICA
Título
ü O título é bom? Sugere, de modo resumido, as
variáveis­‑chave e a população do estudo?
Resumo
ü O resumo sintetiza com clareza os principais
aspectos do relatório (problema, métodos,
resultados, conclusões)?
Introdução
Declaração
do problema
ü O problema foi colocado de modo exato e fácil de
ser identificado?
ü A colocação do problema construiu um argumento
significativo e persuasivo para a realização do
estudo?
ü O problema é significativo para a enfermagem?
ü O problema de pesquisa, os métodos e o
paradigma usados encaixam­‑se bem? A abordagem
quantitativa é apropriada?
Quadro 6.3, página 189
ü As questões de pesquisa e/ou hipóteses foram
declaradas de modo explícito? Se a resposta for
não, há algum motivo para isso?
ü As questões e as hipóteses foram colocadas de
modo apropriado, com clara especificação das
variáveis­‑chave e da população do estudo?
ü As questões/hipóteses são consistentes com a
revisão da literatura e a estrutura conceitual?
Quadro 6.3, página 189
ü A revisão da literatura está atualizada e baseia­‑se
principalmente em fontes primárias?
ü A revisão fornece uma síntese atualizada das
evidências sobre o problema de pesquisa?
ü A revisão da literatura fornece uma base sólida para
um novo estudo?
Quadro 7.1, página 215
Estrutura
conceitual/
teórica
ü Os conceitos­‑chave foram bem definidos
conceitualmente?
ü Há uma estrutura, um princípio ou um mapeamento
conceitual/teórico? Se a resposta for sim, isso se
mostra apropriado? Se for não, isso se justifica?
Quadro 8.1, página 237
Método
Proteção dos
direitos dos
participantes
ü Foram tomadas as providências apropriadas para
garantir os direitos dos participantes do estudo? O
estudo foi submetido a uma revisão externa por um
comitê de ética?
ü O estudo foi elaborado de modo a minimizar riscos
e maximizar benefícios aos participantes?
Quadro 5.2, página 161
Hipóteses ou
questões de
pesquisa
Revisão da
literatura
(continua)
124
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
TABELA 4.1
SEÇÃO DO
RELATÓRIO
GUIA PARA A CRÍTICA GERAL DE UM RELATÓRIO
DE PESQUISA QUANTITATIVO (continuação)
QUESTÕES DE CRÍTICA
ORIENTAÇÕES
DETALHADAS
PARA CRÍTICA
Delineamento
da pesquisa
 Foi usado o modelo de projeto mais rigoroso
possível, considerando-se o propósito da pesquisa?
 Foram feitas comparações apropriadas para
incrementar o potencial de interpretação das
descobertas?
 A quantidade de locais de coleta de dados foi
apropriada?
 O modelo do projeto minimiza desvios e ameaças
ao construto interno e à validade externa do estudo
(p. ex., foi usado um estudo cego, o desgaste foi
minimizado)?
Quadro 9.1, página 280
População e
amostra
 A população foi identificada e descrita? O
detalhamento da amostra foi suficiente?
 Foi usado o melhor modelo de amostragem para
incrementar sua representatividade? Possíveis
desvios da amostragem foram minimizados?
 O tamanho da amostra foi adequado? Foi usada
uma análise potente para estimar as necessidades
de tamanho da amostra?
Quadro 12.1, página 161
Coleta e
mensuração
de dados
 As definições conceitual e operacional são
congruentes?
 As variáveis-chave foram operacionalizadas com
o melhor método possível (p. ex., entrevistas,
observações, etc.) e com adequada justificativa?
 Os instrumentos específicos foram adequadamente
descritos? Em relação ao propósito e à população do
estudo, esses instrumentos foram bem escolhidos?
 O relatório fornece dados que demonstram que os
métodos de coleta de dados geraram dados de alta
confiabilidade e validade?
Quadro 13.3, página 398
Quadro14.1, página 421
Procedimentos
 Foi feita uma intervenção? Se sim, ela foi descrita
de modo adequado e devidamente implantada?
A maioria dos participantes incluídos no grupo da
intervenção realmente recebeu essa intervenção? Há
dados que comprovem a fidelidade da intervenção?
 Os dados foram coletados de modo a minimizar
desvios? A equipe que coletou os dados foi
adequadamente treinada?
Quadro 9.1, página 280
Resultados
Análise dos
dados
 As análises foram realizadas de modo a tratar cada
questão da pesquisa ou a testar cada hipótese?
Quadro 15.1, página 471
(continua)
CAPÍTULO 4
TABELA 4.1
SEÇÃO DO
RELATÓRIO
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
125
GUIA PARA A CRÍTICA GERAL DE UM RELATÓRIO
DE PESQUISA QUANTITATIVO (continuação)
QUESTÕES DE CRÍTICA
ORIENTAÇÕES
DETALHADAS
PARA CRÍTICA
 Foram usados métodos estatísticos apropriados,
considerando-se nível da mensuração das variáveis,
número de grupos comparados, etc.?
 Foi usado o método analítico mais potente (p. ex.,
a análise ajudou a controlar uma possível confusão
entre as variáveis)?
 Os erros dos tipos I e II foram minimizados?
Achados
 Foram apresentadas informações sobre a
significância estatística? Foram incluídas informações
sobre a dimensão do efeito e a precisão das
estimativas (intervalos de segurança)?
 Os achados foram bem resumidos, com uso
apropriado de tabelas e figuras?
 Os achados estão descritos de modo a facilitar a
metanálise e com informações suficientes para a PBE?
Discussão
Interpretação
dos dados
 Todos os achados importantes foram interpretados e Quadro 16.1, página 498
discutidos no contexto das pesquisas anteriores e/ou
da estrutura conceitual do estudo?
 Há inferências causais? Se sim, foram justificadas?
 As interpretações são consistentes com os
resultados e com as limitações do estudo?
 O relatório trata da potencial generalização
dos achados?
Implicações/
recomendações
 Os pesquisadores discutem as implicações do estudo Quadro 16.1, página 498
para a prática clínica ou para a pesquisa futura? Se
sim, essas implicações são razoáveis e completas?
Temas
globais
Apresentação
 O relatório está bem escrito, organizado e
suficientemente detalhado para a análise crítica?
 Em estudos de intervenção, foi fornecido um
fluxograma para mostrar o fluxo dos participantes
do estudo?
 O modo como o relatório foi escrito permite seu
acesso a enfermeiros práticos?
Credibilidade
do pesquisador
 A experiência e as qualificações clínicas, substantivas
ou metodológicas dos pesquisadores aumentam a
confiança nas descobertas e em sua interpretação?
Resumo da
avaliação
 Apesar de alguma limitação identificada, as
descobertas do estudo parecem válidas? Você confia
no valor verdadeiro dos resultados?
 O estudo contribui com algum dado significativo,
que pode ser usado na prática da enfermagem ou
que possa ser útil à disciplina da enfermagem?
Quadro 15.1, página 471
126
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Tabela 4.2
SEÇÃO DO
RELATÓRIO
GUIA PARA A CRÍTICA GERAL DE UM
RELATÓRIO DE PESQUISA QUALITATIVO
QUESTÕES DE CRÍTICA
ORIENTAÇÕES
DETALHADAS
PARA CRÍTICA
Título
ü O título é bom? Sugere o fenômeno­‑chave e a
comunidade estudada?
Resumo
ü O resumo sintetiza, com clareza e concisão, os
principais aspectos do relatório?
Introdução
Declaração
do problema
ü O problema foi colocado sem ambiguidade e de
modo fácil de ser identificado?
ü A colocação do problema construiu um argumento
significativo e persuasivo para a realização do estudo?
ü O problema é significativo para a enfermagem?
ü O problema de pesquisa, o paradigma, a tradição e
os métodos encaixam­‑se bem?
Quadro 6.3, página 189
Questões de
pesquisa
ü As questões de pesquisa foram declaradas de modo
explícito? Se a resposta for não, há algum motivo
para isso?
ü As questões são consistentes com a base filosófica
do estudo, a tradição subjacente, a estrutura
conceitual ou a orientações ideológica?
Quadro 6.3, página 189
Revisão da
literatura
ü O relatório resume adequadamente o corpo
de conhecimento existente relacionado com o
problema ou o fenômeno estudado?
ü A revisão da literatura fornece uma base sólida para
um novo estudo?
Quadro 7.1, página 215
Base
conceitual
ü Os conceitos­‑chave foram bem definidos
conceitualmente?
ü A base filosófica, a tradição subjacente, a estrutura
conceitual ou a orientação ideológica foi explícita?
Quadro 8.1, página 237
Método
Proteção dos
direitos dos
participantes
ü Foram tomadas as providências apropriadas para
garantir os direitos dos participantes do estudo? O
estudo foi submetido a uma revisão externa por um
comitê de ética?
ü O estudo foi elaborado de modo a minimizar riscos
e maximizar benefícios aos participantes?
Quadro 5.2, página 161
Delineamento
da pesquisa
ü A tradição de pesquisa identificada (se houver
alguma) é congruente com os métodos usados para
coletar e analisar os dados?
ü Foi dispensada uma quantidade de tempo adequada
no campo ou com os participantes do estudo?
Quadro 10.1, página 308
(continua)
CAPÍTULO 4
Tabela 4.2
SEÇÃO DO
RELATÓRIO
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
127
GUIA PARA A CRÍTICA GERAL DE UM RELATÓRIO
DE PESQUISA QUALITATIVO (continuação)
QUESTÕES DE CRÍTICA
ORIENTAÇÕES
DETALHADAS
PARA CRÍTICA
ü O delineamento foi desdobrado no campo, dando
oportunidade aos pesquisadores para obter
entendimento precoce?
ü Houve uma quantidade adequada de contatos com
os participantes do estudo?
Local e
amostra
ü O grupo ou população do estudo está bem
descrito? A descrição do local e da amostra foi bem
detalhada?
ü A abordagem usada para ter acesso ao local ou para
recrutar os participantes foi apropriada?
ü Foi usado o melhor método de amostragem
possível para aumentar a riqueza de informações e
tratar as necessidades do estudo?
ü O tamanho da amostra foi adequado? Foi alcançada
a saturação?
Quadro 12.2, página 362
Coleta de
dados
ü Os métodos de coleta de dados foram apropriados?
Os dados foram coletados por dois ou mais
métodos para garantir a triangulação?
ü O pesquisador fez as perguntas certas ou as
observações adequadas? Elas foram registradas de
modo apropriado?
ü Foi reunida uma quantidade suficiente de dados? Os
dados têm profundidade e riqueza suficientes?
Quadro 13.3, página 398
Procedi­
mentos
ü A coleta de dados e o registro dos procedimentos
foram bem­‑descritos? Eles parecem apropriados?
ü Os dados foram coletados de modo a minimizar
desvios ou distorções de comportamento? A equipe
que coletou os dados foi treinada adequadamente?
Quadro 13.3, página 398
Potencial de
confiabilidade
ü Os pesquisadores usaram estratégias para
incrementar a confiabilidade/integridade do
estudo? Há uma descrição adequada dessas
estratégias?
ü Os métodos usados para incrementar o potencial
de confiabilidade foram apropriados e suficientes?
ü O pesquisador documentou os procedimentos
de pesquisa e os processos de decisão com
adequação, de modo a tornar possível a auditoria e
a confirmação dos achados?
ü Há indícios de reflexividade do pesquisador?
Quadro 18.1, página 553
(continua)
128
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Tabela 4.2
SEÇÃO DO
RELATÓRIO
GUIA PARA A CRÍTICA GERAL DE UM RELATÓRIO
DE PESQUISA QUALITATIVO (continuação)
QUESTÕES DE CRÍTICA
ORIENTAÇÕES
DETALHADAS
PARA CRÍTICA
Resultados
Análise dos
dados
ü Os métodos de controle e análise de dados foram
Quadro 17.2, página 526
suficientemente descritos?
ü A estratégia de análise dos dados é compatível com
a tradição de pesquisa, a natureza e o tipo dos dados
coletados?
ü A análise gerou um “produto” adequado (p. ex.,
teoria, taxonomia, padrão temático, etc.)?
ü Os procedimentos analíticos sugerem a possibilidade
de algum desvio?
Achados
ü As descobertas foram bem resumidas, com bom uso Quadro 17.2, página 526
de citações e argumentos de sustentação?
ü Os temas captam adequadamente o significado
dos dados? Parece que o pesquisador conceituou
de modo satisfatório os temas ou os padrões dos
dados?
ü A análise gerou um quadro frutífero, estimulante,
autêntico e significativo do fenômeno analisado?
Integração
teórica
ü Os temas ou padrões estão logicamente conectados
entre si, formando um todo convincente e
integrado?
ü As figuras, os mapas ou os modelos são usados com
eficácia para resumir as conceituações?
ü O estudo foi guiado por uma estrutura conceitual
ou uma orientação ideológica? Se sim, os temas ou
padrões estão ligados a essa estrutura ou orientação
de modo significativo?
Discussão
Interpretação
dos achados
ü Os achados foram interpretados em um contexto
Quadro 18.1, página 553
social ou cultural apropriado?
ü Os principais achados foram interpretados e
discutidos no contexto dos estudos anteriores?
ü As interpretações são consistentes com as limitações
do estudo?
ü O relatório sustenta o potencial de transferência dos
achados?
Implicações/
recomenda‑
ções
ü Os pesquisadores discutem as implicações do estudo Quadro 18.1, página 553
para a prática clínica ou para a pesquisa futura? Se
sim, essas implicações são razoáveis e completas?
Temas
globais
Apresentação
ü O relatório está bem escrito, organizado e
suficientemente detalhado para a análise crítica?
ü A descrição dos métodos, dos achados e das
interpretações é suficientemente rica e viva?
Quadro 8.1, página 237
Quadro 17.2, página 526
(continua)
CAPÍTULO 4
Tabela 4.2
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
129
GUIA PARA A CRÍTICA GERAL DE UM RELATÓRIO
DE PESQUISA QUALITATIVO (continuação)
SEÇÃO DO
RELATÓRIO
QUESTÕES DE CRÍTICA
Credibilidade
do pesquisa‑
dor
ü A experiência e as qualificações clínicas, substantivas
ou metodológicas dos pesquisadores aumentam a
confiança nas descobertas e em sua interpretação?
Resumo da
avaliação
ü As descobertas do estudo parecem confiáveis – você
confia no valor verdadeiro dos resultados?
ü O estudo contribui com algum dado significativo,
que pode ser usado na prática da enfermagem ou
que possa ser útil à disciplina da enfermagem?
ORIENTAÇÕES
DETALHADAS
PARA CRÍTICA
Nas orientações, as questões foram formuladas de modo que as respostas
sejam um sim ou um não (embora, algumas vezes, a resposta possa ser “sim,
mas...”). Em todos os casos, a resposta sim conta pontos para o estudo, enquanto
o não indica alguma limitação. Portanto, quanto maior for o número de sim, maior
será a probabilidade de validade e solidez do estudo. De modo acumulativo, essas
orientações sugerem uma avaliação global: um relatório com 25 sim provavelmente tem qualidade superior a de um outro, com apenas 10. No entanto, é importante reconhecer também que os sim e os não têm pesos diferentes. Alguns elementos
são mais importantes do que outros na avaliação do rigor do estudo. Por exemplo,
a inadequação da revisão da literatura é muito menos prejudicial à validade dos
dados do estudo do que a má elaboração do projeto. Em geral, as questões que
tratam das decisões metodológicas dos pesquisadores (i.e., questões relacionadas
na seção Método) são especialmente importantes na avaliação da qualidade dos
dados de um estudo.
Mesmo sendo possível responder às questões apresentadas nas orientações
de críticas com um simples sim ou não, uma crítica abrangente obviamente precisa dizer mais do que apenas apontar o que estudo fez ou deixou de fazer. Cada
tema relevante deve ser discutido, e o comentário crítico, justificado. Vejamos, por
exemplo, a pergunta: “As hipóteses foram formuladas de modo adequado?”. Se a
resposta for não, então será necessário desenvolver esse ponto na crítica e talvez
sugerir melhoramentos.
Reconhecemos que nossas orientações de crítica simplificadas apresentam
algumas falhas. Em particular, são genéricas, apesar do fato de que, na crítica, não
pode ser usada uma lista de questões que sirva a todas as situações. As questões
de crítica relevantes para certos tipos de estudos (p. ex., experimentos) não se
enquadram no conjunto de questões gerais destinadas aos estudos quantitativos
como um todo. Além disso, perguntas suplementares seriam necessárias para avaliar inteiramente determinados tipos de pesquisa – por exemplo, os estudos de
teoria fundamentada. Portanto, o leitor terá de julgar por si só se as orientações
são abrangentes o suficiente para o tipo de estudo criticado.
Mais um aviso – desenvolvemos essas orientações com base em anos de experiência como pesquisadoras metodologistas. Elas não compõem um conjunto
130
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
formal e rigorosamente desenvolvido de questões a serem usadas para uma revisão sistemática. No entanto, podem facilitar tentativas iniciais de avaliar estudos
de enfermagem de modo crítico.
Observamos ainda que, nessas orientações, há perguntas para as quais não se
encontram respostas totalmente objetivas. Às vezes, até os especialistas discordam
a respeito das estratégias metodológicas. Você não deve ter medo de se arriscar a
expressar uma opinião avaliativa, mas seus comentários devem ter alguma base
nos princípios metodológicos discutidos neste livro.
Compreensão dos desafios­‑chave da pesquisa
Ao realizar a tarefa de criticar um estudo, é importante reconhecer os numerosos
desafios que os pesquisadores enfrentam ao realizar seus trabalhos. Há desafios
conceituais (p. ex., Como definir os conceitos­‑chave?); financeiros (p. ex., Como
o estudo será financiado?); éticos (p. ex., O estudo pode alcançar seus objetivos
sem infringir os direitos humanos?); práticos (Será que vou conseguir recrutar um
número suficiente de participantes?); e metodológicos (Os métodos adotados vão
gerar resultados confiáveis e aplicáveis a outros locais?). A maior parte deste livro
fornece orientações relativas à última questão, e esta seção esclarece os desafios
metodológicos como meio de introduzir termos e conceitos importantes e, posteriormente, ilustrar as diferenças­‑chave entre as pesquisas qualitativa e quantitativa. Ao ler esta seção, é importante lembrar que o valor dos dados de um estudo
para a PBE baseia­‑se no êxito que os pesquisadores tiveram ao lidar com esses
desafios e ao comunicar suas decisões.
Inferência
A inferência é parte integral do ato de fazer e criticar pesquisas. Inferência consiste na conclusão obtida a partir dos dados do estudo, com base nos métodos
usados para generalizar esses dados. Trata­‑se da tentativa de generalizar ou tirar
conclusões a partir de informações limitadas, pelo uso de processos do raciocínio
lógico.
A inferência é necessária porque os pesquisadores usam modelos destinados
a representar o que se deseja estudar. A amostra de participantes de um estudo é
o modelo de uma população inteira. O local de um estudo é um modelo de todos
os locais relevantes em que o fenômeno estudado pode ocorrer. A ferramenta de
medição gera informações­‑modelo sobre construtos que podem ser capturados
apenas por meio de aproximações falíveis. O grupo de controle que não recebe a
intervenção é um modelo do que aconteceria a pessoas semelhantes se elas fossem
submetidas e não fossem à intervenção simultaneamente.
Os pesquisadores enfrentam o desafio de usar métodos que geram dados bons
e persuasivos para sustentar as inferências que desejam fazer. Os leitores podem
fazer suas próprias inferências com base na crítica das decisões metodológicas.
Confiabilidade, validade e veracidade
Os pesquisadores querem que suas inferências correspondam à verdade. A pesquisa não poderá contribuir com evidências para orientar a prática clínica se as desco-
CAPÍTULO 4
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
131
bertas forem imprecisas, tendenciosas, mal­‑interpretadas ou se não representarem
as experiências do grupo­‑alvo.
Os pesquisadores quantitativos usam vários critérios para avaliar a qualidade
de um estudo, às vezes chamada de mérito científico. Dois critérios especialmente
importantes são a confiabilidade e a validade. Confiabilidade refere­‑se à precisão
e à consistência das informações obtidas no estudo. O termo é associado com mais
frequência aos métodos usados para medir as variáveis de pesquisa. Por exemplo,
se um termômetro usado para medir a temperatura de Alan marcou 36,7oC e, no
momento seguinte, 39,1oC, sua confiabilidade será altamente suspeita. O conceito
de confiabilidade também é importante na interpretação dos resultados de análises estatísticas. A confiabilidade estatística refere­‑se à probabilidade de que os mesmos resultados sejam obtidos com uma amostra de sujeitos completamente nova
– ou seja, que os resultados sejam um reflexo preciso de um grupo mais amplo do
que apenas as pessoas específicas que participaram do estudo.
A validade, por sua vez, é um conceito mais complexo, que se refere amplamente à solidez dos dados do estudo e ao grau de suporte de inferência gerado por
eles. Assim como acontece com a confiabilidade, a validade é um critério impor­tante
na avaliação dos métodos de mensuração de variáveis. Nesse contexto,­ a questão
da validade mede se há dados para sustentar a inferência de que os métodos estão medindo de fato os conceitos abstratos que supostamente deveriam medir. Um
instrumento de mensuração da depressão com base em um questionário (lápis e
papel) realmente está medindo a depressão? Ou será que está medindo outra condição, como a solidão ou o estresse? Os pesquisadores buscam definições conceituais
sólidas para as variáveis de pesquisa e métodos válidos para operacionalizá­‑las.
Outro aspecto da validade refere­‑se à qualidade dos dados do pesquisador
no que diz respeito à relação entre as variáveis independentes e dependentes. Foi
realmente a intervenção de enfermagem que melhorou os resultados do paciente
ou outros fatores foram responsáveis pelo progresso do paciente? Os pesquisadores tomam numerosas decisões metodológicas que podem influenciar esse tipo de
validade do estudo.
Os pesquisadores qualitativos usam critérios um pouco diferentes (e uma
terminologia diferente) para avaliar a qualidade do estudo. Em geral, discutem
métodos para incrementar a veracidade dos dados e das descobertas (Lincoln e
Guba, 1985). A veracidade engloba várias dimensões diferentes – credibilidade,
autenticidade e potenciais de transferência, confirmação e dependência. Esses e
outros critérios de avaliação de estudos qualitativos são descritos no Capítulo 18.
Já a credibilidade é um aspecto especialmente importante da veracidade.
Ela é alcançada à medida que os métodos de pesquisa geram confiança na verdade
dos dados e nas interpretações (e inferências) que os pesquisadores fazem a partir
desses dados. No estudo qualitativo, a credibilidade pode ser incrementada por
meio de várias abordagens, mas uma estratégia em particular merece ser discutida aqui, porque tem implicações na elaboração de projetos para qualquer tipo
de estudo, inclusive os quantitativos. A triangulação é o uso de várias fontes ou
diversos referentes para tirar conclusões sobre o que constitui a verdade. Em um
estudo quantitativo, isso pode significar ter várias definições operacionais de uma
variável dependente para determinar se os efeitos previstos são consistentes. Em
um estudo qualitativo, a triangulação pode envolver a tentativa de compreender
toda a complexidade de um fenômeno pouco entendido, usando vários recursos
de coleta de dados para chegar à verdade (p. ex., fazer discussões profundas com
os participantes do estudo, assim como observar seu comportamento em ambientes naturais). Ou então pode envolver a triangulação de ideias e interpretações de
132
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
vários pesquisadores que trabalham juntos como uma equipe. Os enfermeiros pesquisadores também estão começando a triangular paradigmas, ou seja, a integrar
dados tanto qualitativos quanto quantitativos em um único estudo para compensar insuficiências de cada abordagem e aumentar a validade das conclusões.
Exemplo de triangulação
Casey (2007) explorou como os enfermeiros encorajam práticas que promovem a saúde em
ambientes agudos. Além disso, triangulou informações obtidas durante a observação de inte‑
rações enfermeiro­‑paciente com os dados de entrevistas em profundidade, realizadas tanto
com os enfermeiros quanto com os pacientes observados.
Os enfermeiros pesquisadores precisam elaborar projetos de estudo de modo
a tentar minimizar ameaças à confiabilidade, à validade e à veracidade, e os usuá­
rios de pesquisas têm de avaliar se houve êxito nessa tentativa.
DICA
Ao ler e criticar relatórios de pesquisa, é apropriado assumir uma atitude do tipo “convença­
‑me”, ou seja, esperar que os pesquisadores montem e apresentem um caso sólido para o
mérito de suas inferências. Eles fazem isso quando mostram que os achados são confiáveis e
válidos ou têm veracidade.
Desvios
Em pesquisas, o desvio é uma das grandes preocupações, pois pode ameaçar a
validade e a veracidade do estudo. Em geral, desvio é uma influência que produz
um erro de estimativa ou de inferência. Ele pode afetar a qualidade dos dados em
estudos tanto qualitativos como quantitativos. Além disso, pode resultar de numerosos fatores, incluindo falta de espírito colaborativo dos participantes, preconceitos dos pesquisadores ou falhas nos métodos de coleta de dados.
Em certo grau, é impossível evitar totalmente o desvio, pois o potencial de
sua ocorrência é bastante difuso. Alguns desvios são aleatórios e afetam apenas
pequenos segmentos dos dados. Vejamos um exemplo de desvio aleatório: alguns
dos participantes do estudo não forneceram informações precisas porque estavam
cansados na hora da coleta de dados. Desvios sistemáticos acontecem devido a sua
consistência ou uniformidade. Por exemplo, se uma balança sempre marca 2 kg
a mais do que o peso verdadeiro, haverá um erro sistemático nos dados sobre o
peso. Métodos de pesquisa rigorosos destinam­‑se a eliminar ou minimizar desvios
ou, pelo menos, detectar sua presença, de modo que sejam considerados na interpretação dos achados.
Os pesquisadores adotam uma série de estratégias para tratar os desvios.
A triangulação é uma delas e consiste na ideia de que várias fontes de informa-
CAPÍTULO 4
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
133
ção ou pontos de vista ajudam a contrabalançar os desvios, oferecendo modos de
identificá­‑los. No estudo quantitativo, os métodos de combate aos desvios com
frequência envolvem controle da pesquisa.
Controle da pesquisa
Um dos aspectos centrais dos estudos quantitativos consiste em que costumam
envolver esforços para controlar rigorosamente vários aspectos da pesquisa. O
controle da pesquisa, mais tipicamente, envolve manter constantes os fatores
que afetam a variável dependente, de modo que seja compreendida a verdadeira
relação entre ela e a variável independente. Em outras palavras, o controle da
pesquisa tenta eliminar fatores de contaminação, que podem obscurecer a relação
entre as variáveis­‑alvo.
Os temas dos fatores de contaminação – chamados de variáveis que con­
fundem (ou estranhas ao estudo) – podem ser mais bem ilustrados com um
exemplo. Suponha que estamos interessados em estudar se a incontinência uri­
nária (IU) é fator de risco de depressão. Alguns dados preexistentes indicam que é
esse o caso, mas estudos prévios não conseguiram esclarecer se a IU, por si só, ou
outros fatores, contribuem para o risco de depressão. Portanto, a questão é: a IU,
por si só, (variável independente) contribui para níveis elevados de depressão ou
há outros fatores responsáveis pela relação entre a IU e a depressão? Precisamos
elaborar um estudo para controlar outros determinantes da variável dependente –
determinantes que também estão relacionados com a variável independente IU.
Nesse exemplo, uma variável que pode causar confusão é a idade. Os níveis
de depressão tendem a ser mais elevados em pessoas idosas; ao mesmo tempo,
pessoas com IU tendem a ser mais velhas do que quem não tem esse problema.
Em outras palavras, talvez a idade seja a verdadeira causa da maior depressão
entre pessoas com IU. Se a idade não for controlada, então qualquer relação
observada entre a IU e a depressão pode ter como causa a própria incontinência
ou a idade.
Três possíveis explicações podem ser representadas pelo seguinte esquema:
1. IU
2. Idade
3. Idade
IU
depressão
IU
depressão
depressão
Aqui as setas simbolizam um mecanismo causal ou uma influência. No modelo 1, a IU afeta diretamente a depressão, independentemente de outros fatores. No modelo 2, a IU é uma variável mediadora, ou seja, o efeito da idade
sobre a depressão é mediado pela IU. Nesse modelo, a idade afeta a depressão
por meio do seu efeito sobre a IU. No modelo 3, tanto a idade quanto a IU têm
efeitos sobre a depressão, mas a idade também aumenta o risco de IU. Algumas
pesquisas destinam­‑se especificamente a testar rotas de mediação e causas múltiplas, mas, nesse exemplo, a idade é um fator estranho à questão da pesquisa.
Nossa tarefa é elaborar um estudo para testar a primeira explicação. A idade
tem de ser controlada caso nosso objetivo seja conhecer a validade do modelo
134
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
1, segundo o qual, seja qual for a idade da pessoa, ter IU torna essa pessoa mais
vulnerável à depressão.
Como podemos exercer esse controle? Há uma série de caminhos, como
vamos discutir no Capítulo 9, mas o princípio geral subjacente a cada alternativa consiste em que variáveis que podem causar confusão devem permanecer
constantes. A variável que pode confundir o pesquisador deve ser controlada de
algum modo, a fim de que, no contexto do estudo, não se relacione com a variável
independente, nem com a dependente. Como exemplo, digamos que queremos
comparar valores médios de uma escada de depressão de pessoas com e sem IU.
Então teremos de elaborar um estudo de modo que as idades sejam comparáveis,
embora, em geral, os grupos com e sem IU não sejam comparáveis em termos de
idade.
Nesse exemplo, ao controlar a idade, estaríamos avançando na tentativa
de explicar a relação entre as variáveis. O mundo é complexo, e muitas variáveis estão inter­‑relacionadas de formas complicadas. Ao estudar um problema
específico sob o paradigma positivista, é difícil estudar essa complexidade diretamente; muitas vezes, os pesquisadores têm de analisar algumas relações de
uma vez e juntar as peças como em um quebra­‑cabeça. É por isso que inclusive
estudos modestos podem contribuir para o conhecimento. No entanto, em estudos quantitativos, a extensão da contribuição com frequência está diretamente
relacionada com o modo como os pesquisadores controlam as influências que
podem gerar confusão.
A pesquisa fundamentada no paradigma naturalista não impõe controles.
Com sua ênfase no holismo e na individualidade da experiência humana, pesquisadores qualitativos costumam aderir à visão de que impor controles ao ambiente
de pesquisa significa remover irrevogavelmente alguns dos significados da realidade.
Aleatoriedade
Para os pesquisadores quantitativos, uma ferramenta poderosa para eliminar desvios envolve o conceito de aleatoriedade – estabelecer certos aspectos do estudo
casualmente e não pelo modelo da pesquisa ou pela preferência do pesquisador.
Por exemplo, quando as pessoas são selecionadas de modo aleatório para participar
de um estudo, na entrevista inicial, todas têm a mesma chance de ser selecionadas. Isso, por sua vez, significa que não há desvios sistemáticos na composição do
grupo. Homens e mulheres, por exemplo, têm igual chance de ser selecionados.
De modo similar, se os participantes do estudo são alocados de modo aleatório a
grupos que serão comparados (p. ex., uma intervenção de um grupo “atendido
do modo usual”), não haverá desvio sistemático na composição desses grupos. A
aleatoriedade é um método convincente de controlar variáveis que podem causar
confusão e de reduzir desvios.
Os pesquisadores qualitativos não consideram a casualidade uma ferramenta
desejável para compreender fenômenos. Eles tendem a usar informações obtidas
logo no começo do estudo de modo propositado (não aleatório) para orientar sua
investigação e buscar fontes de informação ricas, que podem ajudá­‑los a expandir ou refinar suas conceituações. Os julgamentos feitos pelos pesquisadores são
considerados veículos indispensáveis para revelar as complexidades do fenômeno
estudado.
CAPÍTULO 4
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
135
Exemplo de aleatoriedade
Mok e colaboradores (2007) avaliaram a eficácia e a segurança de três soluções para man‑
ter bloqueios intravenosos periféricos em crianças. Um total de 123 crianças foi distribuído
aleatoriamente em três grupos para receber: solução salina normal; solução salina com uma
unidade de heparina por mL; ou com 10 unidades de heparina por mL.
Mascaramento ou estudo cego
Uma qualidade bastante atrativa (porém problemática) das pessoas é o fato de
que comumente querem que tudo corra bem. Os pesquisadores querem que suas
ideias funcionem e que suas hipóteses sejam confirmadas. Os participantes do
estudo querem cooperar e ajudar e se apresentar da melhor forma possível. Essas
tendências podem afetar o que os participantes fazem e dizem (e o que os pesquisadores perguntam e percebem) e levar a desvios.
Um procedimento chamado mascaramento é usado em muitos estudos
quantitativos para evitar desvios originários da consciência. Mascarar envolve não
fornecer certas informações a participantes, coletores de dados, profissionais da
área de saúde ou analistas de dados, com o objetivo de aumentar a objetividade.
Por exemplo, se os participantes do estudo não sabem se estão tomando um medicamento experimental ou uma fórmula farmacêutica sem efeito (placebo), então
seus resultados não podem ser influenciados pela expectativa de eficácia desses
agentes. Mascarar envolve dissimular ou reter informações sobre o estado dos participantes no estudo (p. ex., de que grupo eles são) ou as hipóteses do estudo.
O termo estudo cego é amplamente usado em lugar de mascaramento para
descrever estratégias de dissimulação. No entanto, tem sido rejeitado por suas
possíveis conotações pejorativas. Contudo, médicos pesquisadores parecem preferir estudo cego, a não ser quando as pessoas do estudo têm problemas de visão.
Quando o mascaramento se mostra inviável ou indesejável, o estudo às
vezes é chamado de aberto, em contraste com o estudo fechado, resultante do
mascaramento. Quando o mascaramento é usado apenas com algumas das pessoas envolvidas (p. ex., os participantes), com frequência o estudo é chamado de
simples­‑cego, mas, quando é possível ocultar informações de dois grupos (p. ex.,
de quem aplica a intervenção e dos indivíduos que a recebem), o nome é estudo
duplo­‑cego. O estudo previamente descrito, sobre crianças exposta a três soluções
diferentes (Mok et al., 2007) era duplo­‑cego: nem as crianças nem os enfermeiros
da equipe (que coletaram os dados dos resultados do estudo, como complicações
intravenosas) sabiam qual solução estava sendo usada.
Reflexividade
Os pesquisadores qualitativos não usam métodos como o controle da pesquisa, a
aleatoriedade ou o mascaramento. Apesar disso, estão tão interessados em descobrir a verdade da experiência humana quanto os quantitativos. Os pesquisadores
qualitativos com frequência confiam na reflexividade para protegê­‑los de desvios
pessoais na hora de fazer julgamentos. A reflexividade é o processo de refletir
criticamente sobre si próprio e de analisar e tomar nota de valores pessoais que
podem afetar a coleta de dados e a interpretação. Os pesquisadores qualitativos
136
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
são treinados para explorar esses temas, para ser reflexivo em relação a todas as
decisões feitas durante a pesquisa e para registrar seus pensamentos reflexivos em
diários e relatórios pessoais.
Exemplo de reflexividade
Hordern e Street (2007) realizaram um estudo profundo, focado em temas da intimidade
e da sexualidade diante de um diagnóstico de câncer. Eles foram reflexivos durante todo o
processo de coleta e análise de dados, fazendo “uso deliberado e sistemático” (p. E14) de suas
próprias respostas no decorrer da análise de dados.
DICA
A reflexividade pode ser uma ferramenta útil tanto na pesquisa quantitativa quanto na qualita‑
tiva – autoconsciência e introspecção podem melhorar a qualidade do estudo.
Potencial de generalização e de transferência
Os enfermeiros confiam cada vez mais nos dados de pesquisas sistemáticas como
guia em sua prática clínica. A PBE fundamenta­‑se na suposição de que as descobertas do estudo não se aplicam apenas a pessoas, locais ou circunstâncias específicos da pesquisa original.
Conforme observado no Capítulo 1, o potencial de generalização é o critério
usado em estudos quantitativos para avaliar até que ponto as descobertas podem ser
aplicadas a outros grupos e ambientes. Como os pesquisadores incrementam o potencial de generalização de um estudo? Primeiro, devem elaborar projetos de estudo
com alto grau de confiabilidade e validade. Faz pouco sentido pensar no potencial
de generalização do estudo quando este não é preciso nem válido. Ao selecionar os
participantes, os pesquisadores têm de refletir sobre o tipo de pessoa para quem os
resultados poderão ser generalizados e, então, selecionar sujeitos que componham
uma amostra representativa. Se o pesquisador quer que o estudo tenha implicações
para pacientes dos sexos feminino e masculino, então deve incluir participantes homens e mulheres. Se a proposta inclui usar a intervenção para beneficiar pacientes
pobres e ricos, talvez seja adequado um estudo em vários locais. O Capítulo 9 discute o potencial de generalização mais detalhadamente.
Os pesquisadores qualitativos não buscam especificamente a generalização
de seus achados. Apesar disso, com frequência procuram informações que possam
ser úteis em outras situações. Lincoln e Guba (1985), em seu famoso livro sobre
investigação naturalista, discutem o conceito do potencial de transferência, o
grau em que os achados qualitativos podem ser transferidos a outros ambientes,
como outro aspecto da veracidade do estudo. Um mecanismo importante para
promover o potencial de transferência é a quantidade de informação fornecida
pelos pesquisadores qualitativos sobre o contexto do estudo. Uma descrição den‑
sa, expressão amplamente usada por pesquisadores qualitativos, refere­‑se a um
relato rico e abrangente do ambiente da pesquisa e das transações e dos processos
observados. Os pesquisadores quantitativos, assim como os qualitativos, precisam
descrever os participantes do estudo e os ambientes da pesquisa em detalhes para
que seja possível avaliar a utilidade dos dados para outros cenários.
CAPÍTULO 4
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
137
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADEs DE PENSAMENTO CRÍTICO
A seguir, apresentamos resumos de estudos de enfermagem quantitativos e qualitativos, seguidos de
algumas questões para orientar o pensamento crítico. Seria útil revisar artigos de periódicos completos
para aprender mais sobre a organização do relatório e os métodos e os achados dos estudos.
EXEMPLO 1
Pesquisa quantitativa
Estudo
Prevalência e variação do uso de restrição física em ambientes de atendimento agudo nos Estados
Unidos (Minnick et al., 2007).
Resumo
Propósito: Descrever a proporção do uso da restrição física (RF) em hospitais dos Estados Unidos.
Delineamento: Esse estudo descritivo (2003­‑2005) foi realizado para medir a prevalência e os contextos
(censo, sexo, idade, condição de ventilação, tipo de RF e proporção) em 40 hospitais de atendimento
agudo, escolhidos aleatoriamente, em seis áreas metropolitanas dos Estados Unidos. Foram incluídas
todas as áreas, exceto psiquiatria, emergência, operação, obstetrícia e atendimento de longo prazo.
Métodos: Em 18 dias, escolhidos aleatoriamente, entre 5 h e 7 h, os coletadores de dados determi­
naram o uso da RF via observação e relatório de enfermagem.
Resultados: A prevalência da RF foi de 50 por 1.000 pacientes­‑dia (com base em 155.412 pacientes­
‑dia). Evitar a interrupção da terapia foi a principal razão citada. As taxas de RF variaram de acordo
com o tipo da unidade, sendo que as mais altas foram registradas na unidade de tratamento intensivo
para adultos. A variação intra e interinstitucional foi elevada – 10 vezes. O uso de ventilador estava
fortemente associado ao uso da RF. Houve um número muito grande de pacientes idosos entre
os fisicamente restritos em algumas unidades (p. ex., na médica), mas em muitos tipos de unidade
(incluindo a maioria das UTIs), o uso da RF foi consistente com a de outros adultos.
Conclusões: A ampla variação indica necessidade de examinar variáveis mediadas administrativamente
e a promoção de esforços de melhoria baseados nas unidades. Práticas de anestesia e de sedação têm
contribuído para a elevada variação nas taxas de RF em UTIs. A determinação dos tipos de unidade­
‑alvo, que devem melhorar o atendimento a idosos, exige estudos da proporção de sequelas da RF
por tipo de unidade.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1 “Traduza” o resumo em um texto breve, de leitura mais acessível. Sublinhe os termos técnicos e
veja seu significado no glossário.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a avaliar os aspectos do mérito do estudo:
a)O presente resumo é um exemplo do estilo tradicional?
b)Em que parte do artigo completo podem ser encontradas informações sobre o propósito do
estudo? E informações sobre o delineamento do projeto? Onde devem estar as conclusões
do pesquisador?
c)Nesse estudo, quais as variáveis independente e dependente?
d)Esse estudo é experimental ou não experimental?
e)Nesse estudo, foi usada a aleatoriedade? Como?
f ) Comente o potencial de generalização das descobertas do estudo?
3Se os resultados desse estudo forem válidos e generalizáveis, quais serão alguns usos dos
achados na prática clínica?
(continua)
138
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO (continuação)
EXEMPLO 2
Pesquisa qualitativa
Estudo
A globalização e a segurança cultural de uma comunidade de imigrantes maometanos (Baker,
2007).
Resumo
Objetivo: O presente artigo relata um estudo cujo objetivo era compreender melhor a segurança
cultural, focando a saúde social de uma pequena comunidade de imigrantes maometanos em uma
região relativamente homogênea do Canadá, após os ataques terroristas de 11 de setembro de
2001.
História: O período após o dia 11 de setembro afetou negativamente os maometanos que moram
em muitos centros da Europa Ocidental e da América do Norte. Pouco se sabe sobre a saúde social
dos maometanos em áreas menores, com pouca diversidade cultural. Desenvolvido por enfermeiros
maoris, o conceito de segurança cultural capta os efeitos negativos sobre a saúde exercidos por
iniquidades experimentadas por populações indígenas da Nova Zelândia. Tal conceito também foi
usado para analisar o atendimento de enfermagem a imigrantes em um centro metropolitano do
Canadá. As descobertas indicaram, no entanto, que a dicotomia entre grupos culturalmente seguros
e inseguros não estava clara.
Método: A metodologia usada foi qualitativa, baseada no paradigma construtivista. A amostra foi
entrevistada em 2002 e 2003, era formada propositadamente de 26 maometanos, com origens no
Oriente Médio, na Índia ou no Paquistão e residentes na província de New Brunswick, no Canadá.
Resultados: Os participantes experimentaram uma súbita transição, de um estado de segurança
cultural para outro de risco após o 11 de setembro. A experiência de segurança cultural incluía um
senso de integração social na comunidade e invisibilidade como uma minoria. O risco cultural surgiu
do fato de passarem a foco da tenção da mídia internacional e de se tornarem uma minoria visível.
Conclusão: Fundamentalmente, o risco cultural não tem raízes em eventos históricos e pode ser
gerado por forças externas e não por iniquidades de longa data nas relações entre grupos de uma
comunidade. Os enfermeiros precisam pensar a respeito da segurança cultural em suas práticas, ao
cuidar de membros de grupos culturais minoritários que se encontram em desvantagem social, pois
isso pode afetar os serviços de saúde fornecidos.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1 “Traduza” o resumo em um texto breve, de leitura mais acessível. Sublinhe os termos técnicos e
verifique seu significado no glossário.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a avaliar os aspectos do mérito do estudo:
a)O presente resumo é um exemplo do estilo tradicional?
b)Em que parte do artigo completo podem ser encontradas informações sobre o objetivo e a
história do estudo? Onde devem estar as conclusões do pesquisador?
c) O estudo baseou­‑se em alguma tradição da pesquisa qualitativa? Qual?
d)Esse estudo é experimental ou não experimental?
e) Nesse estudo, foi usada a aleatoriedade? Como?
f ) No resumo, existe alguma indicação de que foi usada triangulação? E reflexividade?
g) Comente o potencial de transferência dos achados do estudo.
3Se os resultados forem válidos e generalizáveis, quais serão alguns usos dos achados na prática
clínica?
(continua)
CAPÍTULO 4
EXEMPLO 3
Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
139
Pesquisa quantitativa no Apêndice A
1Leia o resumo do estudo de Howell e colaboradores (“Relações entre ansiedade, raiva e pressão
arterial em crianças”, 2007) no Apêndice A deste livro. “Traduza” o resumo em um texto breve,
de leitura mais acessível. Sublinhe os termos técnicos e verifique seu significado no glossário.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a avaliar os aspectos do mérito do estudo:
a)O presente resumo é um exemplo do estilo tradicional?
b)Nesse estudo, foi usada a aleatoriedade? Como?
c) Comente o potencial de transferência dos achados do estudo.
EXEMPLO 4 Pesquisa qualitativa no Apêndice B
1Leia o resumo do estudo de Beck (“Aniversário do trauma de nascimento”, 2006) no Apêndice
B deste livro. “Traduza” o resumo em um texto breve, de leitura mais acessível. Sublinhe os
termos técnicos e verifique seu significado no glossário.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a avaliar os aspectos do mérito do estudo:
a)O presente resumo é um exemplo do estilo tradicional?
b)Nesse estudo, foi usada a aleatoriedade? Como?
c)No resumo, existe alguma indicação de que foi usada triangulação? E reflexividade?
d) Comente o potencial de transferência das descobertas do estudo.
REVISÃO DO CAPÍTULO
Nesta seção, são apresentados os novos termos­‑chave deste capítulo, além de um
resumo dos pontos principais.
Novos termos­‑chave
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Achados
Aleatoriedade
Artigo de periódico
Confiabilidade
Controle da pesquisa
Credibilidade
Crítica
Descrição densa
Desvio
Estudo cego
Estudo duplo­‑cego
Estudo simples­‑cego
Formato IMRD
Inferência
Mascaramento
Mérito científico
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Nível de significância
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Placebo
Potencial de transferência
Reflexividade
Resumo
Revisão cega
Seção de pôsteres
Significância estatística
Teste estatístico
Triangulação
Validade
Variáveis que confundem
Variável estranha
Variável mediadora
Veracidade
140
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Tópicos resumidos
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Tanto os pesquisadores qualitativos quanto os quantitativos disseminam suas
descobertas; a maioria frequentemente publica relatórios da pesquisa em forma
de artigos de periódicos, que comunicam concisamente o que foi realizado e
descoberto.
Em geral, os artigos de periódicos consistem em um resumo (sinopse do estudo)
e quatro seções principais, que, tipicamente, seguem o formato IMRD: Introdução (explicação do problema do estudo e seu contexto); seção do Método
(estratégias usadas para tratar o problema); seção dos Resultados (descobertas
do estudo); e Discussão (interpretação das descobertas).
Com frequência, é difícil ler relatórios de pesquisas porque são densos, concisos e utilizam jargão. À primeira vista, os relatórios de pesquisas quantitativas
podem intimidar o leitor, porque, em comparação com os qualitativos, são mais
impessoais e relatam testes estatísticos.
Os testes estatísticos são usados para testar hipóteses de pesquisa e avaliar a
credibilidade das descobertas. Descobertas estatisticamente significativas são
aquelas que têm grande probabilidade de serem “reais”.
O derradeiro objetivo deste livro é ajudar os estudantes a prepararem uma crítica
de pesquisa, que consiste em uma avaliação cuidadosa e crítica dos pontos fortes
e das limitações de uma pesquisa, muitas vezes com o objetivo de considerar a
validade de seus dados para a prática da enfermagem.
Os pesquisadores enfrentam numerosos desafios conceituais, éticos e metodológicos, que devem ser considerados pela crítica. O modo como enfrentam esses
desafios afeta as inferências feitas.
Inferência é uma conclusão feita a partir dos dados do estudo, com base nos
métodos usados para gerar tais dados. Trata­‑se de uma tentativa de chegar a
conclusões com base em informações limitadas. Os pesquisadores querem que
suas inferências correspondam à verdade.
A confiabilidade (desafio­‑chave da pesquisa quantitativa) refere­‑se à precisão e
à consistência das informações obtidas no estudo. Já a validade é um conceito
mais complexo, que abrange, de modo amplo, a solidez dos dados do estudo, ou
seja, se as descobertas são concludentes, convincentes e bem­‑fundamentadas.
A veracidade, na pesquisa qualitativa, abrange várias dimensões, incluindo
credibilidade, potenciais de dependência, confirmação e transferência e autenticidade.
A credibilidade é alcançada conforme os métodos qualitativos engendram
confiança na verdade dos dados e das interpretações feitas a partir deles pelo
pesquisador. A triangulação, uso de várias fontes ou referentes para tirar
conclusões sobre o que constitui a verdade, consiste em uma abordagem para
estabelecer a credibilidade.
O desvio é uma influência que produz distorção nos resultados do estudo.
Acontece um desvio sistemático quando é consistente para todos os participantes
ou em todas as situações.
Em estudos quantitativos, o controle da pesquisa é usado para manter constan‑
tes as influências externas sobre a variável dependente, de modo que a relação
entre as variáveis independente e dependente seja mais bem compreendida.
Os pesquisadores buscam controlar as variáveis que confundem (ou variáveis
estranhas), ou seja, aquelas alheias ao propósito do estudo em questão.
CAPÍTULO 4
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Leitura e crítica de relatórios de pesquisa
141
Para pesquisadores quantitativos, a aleatoriedade – que consiste em estabelecer certos aspectos do estudo por acaso e não de acordo com o projeto ou a
preferência pessoal – é uma ferramenta poderosa para eliminar desvios.
O mascaramento (ou estudo cego) às vezes é empregado para evitar desvios
originários da consciência dos participantes ou dos agentes da pesquisa a respeito das hipóteses ou condição do estudo. Os estudos simples­‑cegos envolvem
“vendar” um grupo (p. ex., os participantes), e os duplos­‑cegos, dois grupos.
A reflexividade, processo de refletir criticamente e examinar valores pessoais
que possam afetar a coleta e a interpretação dos dados, é uma ferramenta importante na pesquisa qualitativa.
Em um estudo quantitativo, o potencial de generalização consiste no grau em
que as descobertas podem ser aplicadas a outros grupos e ambientes.
Um conceito similar em estudos qualitativos é o do potencial de transferência,­
grau em que as descobertas qualitativas podem ser transferidas a outros ambientes. Um mecanismo de promoção do potencial de transferência é a descrição
densa, um relato rico e abrangente do ambiente ou contexto da pesquisa para
que outras pessoas possam fazer inferências sobre similaridades circunstanciais.
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 4
Baker, C. (2007). Globalization and the cultural safety of an immigrant Muslim community.
Journal of Advanced Nursing, 57, 296–305.
Casey, D. (2007). Findings from non-participant observational data concerning health promoting nursing practice in the acute hospital setting focusing on generalist nurses. Journal
of Clinical Nursing, 16, 580–592.
Efe, E., & Özer, Z. (2007). The use of breastfeeding for pain relief during neonatal immunization injections. Applied Nursing Research, 20, 10–16.
Hordern, A., & Street, A. (2007). Issues of intimacy and sexuality in the face of cancer: The
patient perspective. Cancer Nursing, 30, E11–18.
Lyons, K., Sayer, A., Archbold, P., Hornbrook, M., & Stewart, B. (2007). The enduring and
contextual effects of physical health and depression on care-dyad mutuality. Research in
Nursing & Health, 30, 84–98.
Minnick, A., Mion, L., Johnson, M., Catrambone, C., & Leipzig, R. (2007). Prevalence and variation
of physical restraint use in acute care settings. Journal of Nursing Scholarship, 39, 30–37.
Mok, E., Kwong, T. K., & Chan, M. F. (2007). A randomized controlled trial for maintaining peripheral intravenous lock in children. International Journal of Nursing Practice, 13, 33–45.
Polzer, R., & Miles, M. (2007). Spirituality in African Americans with diabetes: Self-management
through a relationship with God. Qualitative Health Research, 17, 176–188.
5
Ética em pesquisa
ÉTICA E PESQUISA
História
Códigos de ética
Regulamentos governamentais para proteger
participantes de estudos
Dilemas éticos na realização de pesquisas
PRINCÍPIOS ÉTICOS PARA PROTEGER
PARTICIPANTES DE ESTUDOS
Beneficência
Respeito à dignidade humana
Justiça
PROCEDIMENTOS PARA PROTEGER
PARTICIPANTES DE ESTUDOS
Avaliação de riscos e benefícios
Consentimento informado
Procedimentos relativos a confidencialidade
Entrevistas e encaminhamentos
Tratamento de grupos vulneráveis
Revisões externas e proteção dos direitos
humanos
OUTRAS QUESTÕES ÉTICAS
Questões éticas no uso de animais em
pesquisas
Má conduta na realização de pesquisas
CRíTICA de ASPECTOS
ÉTICOS DO ESTUDO
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADEs DE PENSAMENTO
CRÍTICO
REVISÃO DO CAPÍTULO
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 5
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
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Discutir a história da criação de vários códigos de ética.
Compreender possíveis dilemas éticos surgidos a partir de conflitos entre a ética e a necessidade
de dados de pesquisa de alta qualidade.
üIdentificar os três principais princípios éticos articulados no Relatório de Belmont, bem como as
dimensões substanciais de cada um deles.
üIdentificar procedimentos de adesão a princípios éticos e de proteção aos participantes do es­
tudo.
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Munido de informações suficientes, avaliar a dimensão ética de um relatório de pesquisa.
Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
143
ÉTICA E PESQUISA
Em qualquer disciplina que envolve pesquisas com humanos ou animais, os pesquisadores precisam tratar de questões éticas. As preocupações éticas são especialmente proeminentes na pesquisa em enfermagem porque a linha de demarcação
entre o que constitui a prática esperada e a coleta de dados de pesquisa muitas
vezes é obscura. Além disso, a ética pode gerar desafios específicos, pois, algumas
vezes, as exigências da ética entram em conflito com a necessidade de produzir
dados de alta qualidade para a prática. Este capítulo discute as principais questões
éticas que devem ser consideradas na revisão de estudos.
História
Como pessoas modernas e civilizadas, gostaríamos de acreditar que violações sistemáticas dos princípios morais no contexto das pesquisas é coisa do passado e
não acontece na atualidade, mas esse não é o caso. Os experimentos médicos dos
nazistas nas décadas de 1930 e 1940 são os exemplos mais famosos de desconsideração da conduta ética em época recente. O programa de pesquisa nazista
envolvia o uso de prisioneiros de guerra e “inimigos” raciais em numerosos experimentos destinados a provar os limites da resistência e a reação humana a doenças
e medicamentos não testados. Esses estudos eram antiéticos não apenas porque
expunham pessoas a danos físicos e, inclusive à morte, mas também porque os
sujeitos não podiam se recusar a participar.
Há exemplos mais recentes nos Estados Unidos e em outros países ocidentais. Entre 1932 e 1972, por exemplo, um estudo conhecido como Tuskegee
Syphilis Study, patrocinado pelo U.S. Public Health Service, analisou os efeitos
da sífilis entre 400 homens de uma comunidade afro­‑americana pobre. Os sujeitos foram deliberadamente privados de tratamento médico para que se pesquisasse o curso da doença nessas condições. Eunice Rivers, enfermeira do serviço
de saúde pública, participou desse estudo e recrutou a maior parte dos participantes (Vessey e Gennaro, 1994). De modo similar, o doutor Herbert Green, do
National Women’s Hospital, em Auckland (Nova Zelândia), estudou mulheres
com câncer cervical na década de 1980; não foi dado tratamento a pacientes
com carcinoma in situ, para que os pesquisadores pudessem estudar a progressão natural da ­doença. Outro caso bem­‑conhecido de pesquisa antiética envolveu a injeção de células cancerosas vivas em idosos no Jewish Chronic Disease
Hospital, no Brooklyn, na década de 1960, sem o consentimento dos pacientes.
Quase ao mesmo tempo, o doutor Saul Krugman realizava, em Willowbrook,
uma instituição para pacientes com retardo mental, uma pesquisa em que crianças eram deliberadamente infectadas com o vírus da hepatite. Inclusive em anos
mais recentes, em 1993, foi revelado que órgãos federais dos Estados Unidos
tinham patrocinado experimentos com radiação na década de 1940, envolvendo
centenas de pessoas, entre elas muitos prisioneiros e idosos internados em hospitais. Muitos outros exemplos de estudos que implicaram transgressões éticas –
com frequência mais sutis do que aqueles mencionados aqui – têm vindo à tona,
fornecendo às questões éticas a repercussão que possuem hoje.
144
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Códigos de ética
Em resposta às violações dos direitos humanos, vários códigos de ética têm sido
desenvolvidos. Um dos primeiros esforços internacionais para estabelecer padrões
éticos foi o Código de Nuremberg, desenvolvido em 1949, depois que as atrocidades nazistas se tornaram públicas. Em seguida, vários outros padrões internacionais foram desenvolvidos, sendo o mais notável a Declaração de Helsinque,
adotada em 1964 pela Associação Médica Mundial e revisada mais recentemente,
em 2000, com esclarecimentos publicados em 2004.
A maioria das disciplinas tem estabelecido códigos de ética próprios. Orientações para psicólogos, por exemplo, foram publicadas pela American Psychological Association (2002) no documento Ethical Principles of Psychologist and Code
of Conduct. A American Medical Association atualiza regularmente seu Code of
Medical Ethics.
Os enfermeiros também estabelecem seus próprios códigos de ética. Nos
Estados Unidos, a American Nurses Association (ANA) lançou o Ethical Guide‑
lines in the Conduct, Dissemination, and Implementation of Nursing Research em
1995 (Silva, 1995). Em 2001, também publicou o Code of Ethics for Nurses with
Interpretive Statements revisado, documento que cobre principalmente questões
éticas envolvendo enfermeiros práticos, mas que também inclui princípios que se
aplicam a enfermeiros pesquisadores. No Canadá, a Canadian Nurses Association
publicou mais recentemente as normas Ethical Research Guidelines for Registered
Nurses, em 2002.
Alguns enfermeiros especialistas em ética defendem um código de ética internacional para a pesquisa em enfermagem, mas, na maioria dos países,
desenvolvem­‑se códigos profissionais próprios ou adotam­‑se códigos estabelecidos
pelos respectivos governos. No entanto, o Conselho Internacional de Enfermeiros
(International Council of Nurses – ICN) desenvolveu o ICN Code of Ethics for Nur‑
ses, atualizado em 2006.
Regulamentos governamentais para proteger participantes de estudos
Em todo o mundo, o governo financia pesquisas e estabelece regras de adesão
a princípios éticos. A instituição Health Canada, por exemplo, especifica o Tri­
‑Council Policy Statement: Ethical Conduct for Research Involving Humans como
orientação para proteger humanos em todos os tipos de pesquisa. Na Austrália, o
National Health and Medical Research Council publicou o National Statement on
Ethical Conduct in Research Involving Humans, em 1999, e também uma declaração
especial sobre pesquisas que envolvem aborígines, em 2003.
Nos Estados Unidos, um importante código de ética foi adotado pela National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research. Essa comissão lançou um relatório, em 1978, conhecido como Relatório de Belmont, que forneceu um modelo para muitas das orientações adotadas
por organizações normativas dos Estados Unidos. Esse relatório também serviu de
base para regulamentos que afetam as pesquisas financiadas pelo governo dos Estados Unidos, incluindo estudos apoiados pelo NINR (National Institute of Nursing
Research). O U.S. Department of Health and Human Services (DHHS) publicou re-
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
145
gulamentos éticos codificados no item 45, parte 46 do Code of Federal Regulations
(45CFR46). Essas normas, revisadas, em 2005, estão entre as orientações mais
amplamente usadas nos Estados Unidos para avaliar aspectos éticos de estudos
relacionados com a saúde.
Dilemas éticos na realização de pesquisas
A pesquisa que viola princípios éticos raramente é feita especificamente para ser
cruel; o mais comum é sua realização por convicção de que o conhecimento adquirido será importante e, potencialmente, salvará ou beneficiará pessoas a longo
prazo. Há problemas de pesquisa em que os direitos dos participantes e as demandas do estudo entram em conflito direto, trazendo, aos pesquisadores, dilemas
éticos. A seguir, estão alguns exemplos de problemas de pesquisa em que o desejo
de fazer um estudo rigoroso entra em conflito com considerações éticas:
1. Questão de pesquisa: Os enfermeiros mostram a mesma empatia ao tratar
de pacientes dos sexos feminino e masculino em UTIs? Dilema ético: A ética
requer que os participantes tenham consciência de seu papel no estudo. No
entanto, se o pesquisador informar ao enfermeiro participante do estudo que
será avaliado seu grau de empatia ao tratar pacientes dos sexos feminino e
masculino, seu comportamento será “normal”? Se o comportamento usual do
enfermeiro mudar por causa da presença de pesquisadores, então as descobertas não serão válidas.
2. Questão de pesquisa: Que mecanismos os pais de crianças com doenças terminais
usam para lidar com a situação? Dilema ético: Para responder a essa questão,
talvez o pesquisador precise analisar o estado psicológico dos pais em um
momento vulnerável; essa análise pode ser dolorosa ou, inclusive, traumática.
Apesar disso, saber quais os mecanismos usados pelos pais pode ajudar a desenvolver modos mais eficazes de lidar com a tristeza e o estresse.
3. Questão de pesquisa: Esse novo medicamento prolonga a vida de pacientes com
câncer? Dilema ético: O melhor meio de testar a eficácia de uma intervenção é
administrá­‑la a alguns participantes e não administrá­‑la a outros para verificar
se os grupos apresentam resultados diferentes. No entanto, se a intervenção
não foi testada (p. ex., é um medicamento novo), o grupo que a recebe pode
ficar exposto a efeitos colaterais nocivos. Todavia, ao grupo que não recebe o
medicamento é negado um tratamento possivelmente benéfico.
4. Questão de pesquisa: Qual é o processo dos filhos adultos para se adaptarem
aos estresses cotidianos de tomar conta de um pai com doença de Alzheimer?
Dilema ético: Em um estudo qualitativo, que seria o apropriado para essa
questão, o pesquisador pode se envolver tão intimamente com os participantes
a ponto de sentir vontade de compartilhar “segredos”. As entrevistas podem
se transformar em confissões – às vezes, de comportamentos impróprios e
até ilegais. Suponhamos, nesse exemplo, que uma mulher admita abusar
fisicamente da própria mãe – como o pesquisador pode relatar esse tipo de
informação às autoridades sem violar o compromisso da confidencialidade? E,
se o pesquisador divulgar a informação às autoridades competentes, como o
compromisso da confidencialidade será firmado com outros participantes?
146
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Como esses exemplos sugerem, os pesquisadores eventualmente se deparam
com situações difíceis. Seu objetivo é produzir dados da mais alta qualidade para
a prática, usando os melhores métodos disponíveis – mas, ao mesmo tempo, eles
devem aderir a normas de proteção dos direitos humanos. Outro tipo de dilema
pode surgir quando enfermeiros pesquisadores enfrentam situações de conflito de
interesses, em que o comportamento que se espera deles, como enfermeiros, entra
em conflito com o comportamento­‑padrão dos pesquisadores (p. ex., desviar­‑se de
um protocolo de pesquisa para dar assistência a um paciente). É precisamente por
causa desses conflitos e dilemas que têm sido desenvolvidos códigos de ética, a fim
de orientar os esforços dos pesquisadores.
PRINCÍPIOS ÉTICOS PARA PROTEGER PARTICIPANTES DE ESTUDOS
O Relatório de Belmont articulou três princípios éticos elementares que sustentam
uma conduta de pesquisa ética: beneficência, respeito à dignidade humana e justiça. Discutimos brevemente esses princípios e, depois, descrevemos procedimentos
adotados pelos pesquisadores para segui­‑los.
Beneficência
Um dos princípios éticos mais fundamentais da pesquisa é o da beneficência, que
impõe aos pesquisadores a obrigação de minimizar danos e maximizar benefícios.
A pesquisa com humanos deve ter a intenção de beneficiar os próprios participantes ou – situação mais comum – outros indivíduos ou a sociedade como um todo.
Esse princípio abrange inúmeras dimensões.
Direito a ficar livre de danos e desconforto
Os pesquisadores têm a obrigação de evitar, prevenir ou minimizar danos (não ma‑
leficência) em estudo com humanos. Os participantes não podem ser submetidos a
riscos de dano ou desconforto desnecessários, e sua participação na pesquisa tem
de ser essencial para o alcance de objetivos importantes para a ciência e a sociedade, que, de outro modo, não aconteceriam. Na pesquisa com humanos, o dano e o
desconforto podem assumir várias formas; podem ser físicos (p. ex., lesões), emocionais (p. ex., estresse), sociais (p. ex., perda de apoio social) ou financeiros (p.
ex., perda da renda). Pesquisadores éticos têm de usar estratégias para minimizar
todos os tipos de dano e desconforto, inclusive os temporários.
Expor os participantes do estudo a experiências que resultam em dano ­grave
ou permanente é inaceitável. Pesquisadores éticos devem estar preparados para
pôr um fim à pesquisa quando há alguma suspeita de que sua continuação pode
resultar em lesão, morte ou sofrimento indevido aos participantes. ­Proteger os
seres humanos de lesões físicas com frequência é fácil de avaliar, mas tratar as consequências psicológicas da participação em um estudo já não é tão simples, pois
estas podem ser sutis. Pode ser, por exemplo, que o pesquisador faça perguntas aos
participantes sobre seus pontos de vista, fraquezas ou medos. Essa pesquisa pode
levar o indivíduo a revelar informações pessoais delicadas. A questão aqui não é
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
147
impedir que os pesquisadores façam perguntas, mas sim frisar que precisam estar
conscientes do grau de intrusão na psique das pessoas.
A necessidade de sensibilidade é maior em estudos qualitativos que, com
frequência, envolvem exploração profunda de áreas altamente pessoais. A análise
profunda pode expor medos e ansiedades intimamente retidos, previamente reprimidos pelos participantes. Os pesquisadores qualitativos, seja qual for a tradição
de pesquisa subjacente a seus estudos, têm de estar bastante vigilantes para antecipar esse tipo de problema.
Direito a ser protegido contra exploração
O envolvimento em um estudo não deve colocar os participantes em situação de
desvantagem ou exposição para a qual não foram preparados. É preciso garantir­
‑lhes que sua participação ou que as informações fornecidas não serão usadas contra eles próprios de modo algum. Por exemplo, uma pessoa que expõe a própria
condição econômica a um pesquisador não pode ser exposta ao risco de perder
benefícios sociais; alguém que relata abuso de drogas não deve temer a exposição
a autoridades criminais.
Os participantes de estudos mantêm uma relação especial com os pesquisadores, e é crucial que essa relação não seja explorada. A exploração pode ser
evidente ou maliciosa (p. ex., sexual), mas também sutil (p. ex., fazer com que os
participantes forneçam informações adicionais em uma entrevista de acompanhamento de um ano, sem tê­‑los informado dessa possibilidade logo no início).
Uma vez que o enfermeiro pesquisador pode ter uma relação enfermeiro­
‑paciente (além da relação pesquisador­‑participante), é preciso ter um cuidado
especial para evitar a exploração dessa ligação. O consentimento do paciente em
participar de um estudo pode resultar da compreensão do papel do pesquisador
como enfermeiro e não como pesquisador.
Na pesquisa qualitativa, o risco de exploração pode tornar­‑se especialmente
intenso, porque a distância psicológica entre os pesquisadores e os participantes costuma diminuir à medida que o estudo avança. A emergência de uma relação pseudoterapêutica não é incomum e impõe responsabilidades adicionais aos
­pesquisadores – além dos riscos de que possa ocorrer uma exploração inadvertida.
Em contrapartida, os pesquisadores qualitativos, tipicamente, encontram­‑se em
melhor posição do que os quantitativos para fazer o bem, em vez de apenas evitar
o mal, devido às relações mais próximas que costumam desenvolver com os participantes.
Exemplo de experiências de pesquisa terapêutica
Os participantes dos estudos de Beck (2005) sobre trauma de nascimento e transtorno de
estresse pós­‑traumático (TEPT) expressaram uma série de benefícios recebidos por meio da
troca de e­‑mail com a pesquisadora. Uma das informantes comentou voluntariamente: “Você
me agradeceu por tudo na mensagem, mas sou eu quem quer LHE AGRADECER pela aten‑
ção. Para mim, foi muito importante saber que alguém se preocupa com essa questão e dedica
tempo e esforço à descoberta de mais coisas sobre o transtorno de estresse pós­‑traumático.
Saber que alguém reconhece essa condição já significa muito para quem sofre com esse pro‑
blema” (p. 417).
148
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Respeito à dignidade humana
O respeito à dignidade humana é o segundo princípio ético articulado no Relatório de Belmont. Esse princípio inclui o direito à autodeterminação e ao pleno
conhecimento.
Direito à autodeterminação
Os pesquisadores devem tratar os participantes como seres autônomos, capazes de
controlar as próprias atividades. O princípio da autodeterminação significa que os
futuros participantes têm o direito de decidir, voluntariamente, se vão participar
do estudo, sem risco de penalidades ou tratamentos prejudiciais. Isso também
significa que as pessoas têm o direito de fazer perguntas, de recusar­‑se a dar informações ou de interromper a participação no estudo.
O direito da pessoa à autodeterminação inclui ficar livre de qualquer tipo de
coerção. A coerção envolve ameaças explícitas ou implícitas de penalidades em caso
de não participação no estudo ou recompensas excessivas pela concordância em
participar. A obrigação de proteger as pessoas da coerção exige cuidadosa avaliação
quando os pesquisadores estão em posição de autoridade, controle ou influência
sobre os possíveis participantes, como acontece na relação enfermeiro­‑paciente. O
tema da coerção pode exigir exame atento também em outras situações. Um incentivo monetário generoso (ou remuneração aos participantes), por exemplo, oferecido para encorajar a participação de grupos em desvantagem econômica (p. ex., os
moradores de rua) pode ser considerado levemente coercivo, pois pode pressionar
futuros participantes.
Direito ao pleno conhecimento
O princípio do respeito pela dignidade humana abrange o direito da pessoa de
tomar decisões voluntárias, dispondo de todas as informações necessárias sobre a
participação no estudo. Isso exige pleno conhecimento, que significa que o pesquisador tem de descrever inteiramente a natureza do estudo, o direito da pessoa
de se recusar a participar, as responsabilidades do pesquisador e os prováveis riscos e benefícios. O direito à autodeterminação e o direito ao pleno conhecimento
são os dois elementos principais em que se baseia o consentimento informado –
discutido mais adiante neste capítulo.
Obedecer à regra do pleno conhecimento nem sempre é algo direto e claro. O
pleno conhecimento às vezes pode criar dois tipos de desvios: aqueles que afetam
a precisão dos dados e os que refletem problemas de recrutamento da amostra.
Suponha que estamos testando a hipótese de que estudantes do ensino médio que
apresentam baixa frequência às aulas são mais propensos a abusar de substâncias
do que aqueles com boa frequência. Se conversarmos com os possíveis participantes e explicarmos todo o propósito do estudo, alguns provavelmente vão se recusar
a participar, e essa não participação será seletiva (com desvio); pode ser que os
estudantes que abusam de substâncias (o principal grupo a ser estudado) fiquem
menos inclinados a participar. Além disso, conhecendo a questão de pesquisa, os
participantes podem dar respostas não sinceras. Nessa situação, o pleno conhecimento pode minar o estudo.
Uma técnica às vezes usada por pesquisadores nessa situação consiste na cole‑
ta de dados oculta, ou ocultação – obter dados sem o conhecimento dos participantes
e, portanto, sem o consentimento deles. Isso pode acontecer, por exemplo, quando o
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
149
pesquisador quer observar o comportamento das pessoas em um ambiente do mundo real e está preocupado com possíveis mudanças no comportamento estudado
caso a pesquisa seja feita de modo aberto. Eles podem decidir obter as informações
por métodos velados, como por filmagens com equipamento escondido ou observação disfarçada, enquanto se finge fazer outra coisa.
Outra técnica, essa mais controversa, é o uso de falsificação. Esta envolve deliberadamente reter informações sobre o estudo ou fornecer informações falsas aos
participantes. Por exemplo, em um estudo sobre o uso de drogas entre estudantes do
ensino médio, podemos descrever a pesquisa como um estudo das práticas de saúde
dos alunos, o que seria uma forma leve de falseamento da informação.
A falsificação e a ocultação são eticamente problemáticas, pois interferem no
direito do participante de tomar decisões tendo plenitude de informações sobre os
custos pessoais e os benefícios da participação. Algumas pessoas argumentam que
nunca se justifica uma falsificação. Outras, porém, acreditam que, se o estudo envolve um risco mínimo aos sujeitos, mas se antecipam benefícios para a sociedade,
então a falsificação pode ser justificada para incrementar a validade dos achados.
O pleno conhecimento surgiu como preocupação em relação à coleta de dados pela Internet (p. ex., analisar o conteúdo de mensagens postadas em salas de
bate­‑papo ou listservers). O tema envolve a seguinte questão: essas mensagens
podem ser usadas como dados sem o consentimento de seus autores? Alguns pesquisadores acreditam que algo postado eletronicamente é de domínio público e,
portanto, pode ser usado para pesquisa sem o consentimento formal. Outros, no
entanto, pensam que os mesmos padrões éticos se aplicam à pesquisa no ciberespaço e que os pesquisadores de informações eletrônicas devem proteger cuidadosamente os direitos dos indivíduos que participam de comunidades “virtuais”.
Várias estratégias de proteção têm sido propostas – antes de coletar os dados, os
pesquisadores podem, por exemplo, negociar a entrada em determinada comunidade eletrônica, como sala de bate­‑papo, com o proprietário da lista.
Justiça
O terceiro princípio amplo articulado no Relatório de Belmont refere­‑se à justiça,
que inclui o direito do participante a um tratamento justo e à privacidade.
Direito ao tratamento justo
Um aspecto do princípio da justiça relaciona­‑se com a distribuição equitativa dos
benefícios e das cargas da pesquisa. A seleção dos participantes do estudo deve
ser baseada nas exigências da pesquisa e não na vulnerabilidade ou no grau de
comprometimento da posição de certas pessoas. Historicamente, a seleção de sujeitos tem sido um problema ético central, que envolve a escolha de grupos cuja
situação social é considerada mais baixa (p. ex., pobres, prisioneiros, portadores
de retardado mental) como participantes de estudos. O princípio da justiça impõe
obrigações específicas em relação a indivíduos que são incapazes de proteger os
próprios interesses (p. ex., pacientes terminais), a fim de garantir que não serão
explorados em nome do avanço da ciência.
A justiça distributiva também impõe a obrigação de não negligenciar nem discriminar indivíduos e grupos que possam se beneficiar de avanços científicos. No
início da década de 1990, havia indícios de que as mulheres e as minorias estavam
sendo injustamente excluídas de muitos estudos clínicos nos Estados Unidos. Isso
150
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
levou à promulgação de normas (atualizadas em 2001) que exigiam dos pesquisadores que buscavam fundos de institutos estadunidenses de saúde (inclusive do
NINR) a inclusão de mulheres e minorias como participantes de estudos. As normas
também obrigavam os pesquisadores a examinar se as intervenções clínicas tinham
efeitos diferenciais (p. ex., benefícios diferentes para homens e mulheres).
O direito a um tratamento justo abrange outras obrigações. Os pesquisadores
têm de tratar sem preconceitos as pessoas que se negam a participar do estudo ou
que interrompem a participação; devem cumprir todos os compromissos assumidos com os participantes, incluindo o pagamento de todos os valores prometidos,
demonstrar sensibilidade (e respeito) em relação a crenças, hábitos e estilos de
vida de pessoas de diferentes origens ou culturas e dispensar aos participantes um
tratamento cortês e cauteloso em todos os momentos.
Direito à privacidade
Praticamente todas as pesquisas com humanos envolvem intrusão em suas vidas.
Os pesquisadores devem garantir que o estudo não seja mais intrusivo do que
o necessário e que a privacidade dos participantes seja mantida durante todo o
processo. Os participantes têm o direito de esperar que os dados fornecidos sejam
mantidos na mais estrita confidência.
Temas relacionados à privacidade têm se tornado mais proeminentes na área
do serviço de saúde nos Estados Unidos desde a aprovação da lei Health Insurance
Portability and Accountability Act (HIPAA), de 1996, que articula padrões federais
em defesa dos registros médicos e outras informações de saúde dos pacientes. Em
resposta a essa legislação, o U.S. Department of Health and Human Services lançou as normas Standards for Privacy of Individually Identifiable Health Information.
Para a maioria das entidades atingidas (fornecedores de serviços de saúde que
transmitem informações eletronicamente), o cumprimento dessas regras, conhecidas como Norma da Privacidade, é obrigatório desde 14 de abril de 2003.
DICA
Estes dois sites oferecem informações (em inglês) sobre implicações da lei HIPAA em pesqui‑
sas: http://privacyruleandresearch.nih.gov/ e www.hhs.gov/ocr/hipaa/guidelines/research.pdf
PROCEDIMENTOS PARA PROTEGER PARTICIPANTES DE ESTUDOS
Agora que já se familiarizou com os princípios éticos fundamentais na condução
de pesquisas, você precisa compreender os procedimentos dos pesquisadores para
segui­‑los. Trata­‑se dos procedimentos que devem ser avaliados ao criticar os aspectos éticos de um estudo.
DICA
Quando informações sobre considerações éticas estão presentes em relatórios de pesquisa,
quase sempre aparecem na seção do método, tipicamente na subseção dedicada aos procedi‑
mentos de coleta de dados.
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
151
Avaliação de riscos e benefícios
Uma estratégia usada pelos pesquisadores para proteger os participantes consiste
em realizar uma avaliação de riscos e benefícios. Essa avaliação destina­‑se a
determinar se os benefícios de participar em um estudo são coerentes com os
custos, sejam eles financeiros, físicos, emocionais ou sociais (i.e., se a proporção
risco­‑benefício é aceitável). O Quadro 5.1 resume os principais custos e benefícios
da participação em pesquisas.
A proporção risco­‑benefício também deve ser considerada nos seguintes termos: os riscos dos participantes são compatíveis com o benefício à sociedade e à
enfermagem em termos de qualidade dos dados produzidos? A orientação geral
consiste em que o grau de riscos que correm os participantes nunca deve exceder
os possíveis benefícios humanitários do conhecimento que será obtido. Portanto, a
escolha de um tópico significativo, que pode melhorar o atendimento ao paciente
é o primeiro passo para garantir uma pesquisa ética.
DICA
Ao avaliar a proporção risco­‑benefício durante a elaboração de um estudo, pode ser impor‑
tante considerar o grau de conforto que você sentiria se fosse participante do estudo.
Todas as pesquisas envolvem algum risco, mas, em muitos casos, este é mínimo. O risco mínimo é aquele que, pelas previsões, não ultrapassa o comumente
QUADRO 5.1
POSSÍVEIS BENEFÍCIOS E RISCOS DE
PESQUISAS AOS PARTICIPANTES
Principais benefícios potenciais aos participantes
ü Acesso a uma intervenção potencialmente benéfica, que, sem a pesquisa, não estaria disponível
ü Sensação de conforto por poder discutir sua situação ou problema com uma pessoa objetiva e
compreensiva
ü Aumento do conhecimento sobre si próprios ou suas condições pela oportunidade de introspecção e
autorreflexão ou pela interação direta com os pesquisadores
ü Possibilidade de escapar da rotina normal, entusiasmo de participar de um estudo
ü Satisfação por saber que a informação fornecida pode ajudar outras pessoas com problemas ou
condições similares
ü Ganho monetário ou material direto em caso de remuneração ou outros incentivos
Principais riscos potenciais aos participantes
ü Dano físico, incluindo efeitos colaterais imprevistos
ü Desconforto físico, fadiga ou tédio
ü Sofrimento psicológico ou emocional, resultante de autoexposição, introspecção, medo do desconhecido,
desconforto diante de estranhos, medo de eventuais repercussões, raiva ou constrangimento por causa
do tipo de pergunta feita
ü Riscos sociais, como o de um estigma, efeitos adversos nas relações pessoais, perda de status
ü Perda de privacidade
ü Perda de tempo
ü Custos monetários (p. ex., de transporte, pagamento de alguém para cuidar os filhos, falta ao trabalho)
152
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
encontrado na vida cotidiana ou em procedimentos e testes físicos ou psicológicos
de rotina. Quando os riscos não são mínimos, os pesquisadores devem proceder
com cautela, tomando todas as medidas possíveis para reduzir riscos e maximizar
benefícios.
Em estudos quantitativos, geralmente define­‑se a maior parte dos detalhes com antecedência e, portanto, é possível desenvolver uma avaliação bem
precisa da proporção custo­‑benefício. Por outro lado, os estudos qualitativos
evoluem à medida que os dados são coletados, e, por isso, pode ser mais difícil avaliar todos os riscos logo no início do estudo. Assim, os pesquisadores
qualitativos precisam permanecer sensíveis a possíveis riscos durante todo o
processo da pesquisa.
Exemplo de avaliação de risco­‑benefício no decorrer da pesquisa
Carlsson e colaboradores (2007) discutiram temas metodológicos e éticos relacionados com a
realização de entrevistas com pessoas que tinham danos cerebrais. Foi observada a necessida­de
de vigilância e atenção contínuas para identificar pistas de riscos e benefícios. Os pesquisa­
dores declararam que uma entrevista teve de ser interrompida porque o participante apre‑
sentava sinais de sofrimento. Após a entrevista, no entanto, esse participante dispensou
o aconse­lhamento e expressou gratidão por ter tido a oportunidade de discutir a própria
experiência.
Consentimento informado
Um procedimento particularmente importante para salvaguardar os participantes
e proteger seu direito à autodeterminação envolve a obtenção do consentimento
informado. Para dar um consentimento informado, o participante precisa receber informações adequadas sobre a pesquisa, compreender essas informações e ter
o poder de fazer uma escolha com liberdade, que lhe permita aceitar ou recusar,
voluntariamente, participar do estudo.
Em geral, os pesquisadores documentam o processo do consentimento informado, pedindo­‑lhes que assinem o termo de consentimento, do qual apresentamos um exemplo na Figura 5.1. Esse formulário inclui informações sobre
propósito do estudo, expectativas específicas relacionadas com a participação (p.
ex., quanto tempo será necessário), natureza voluntária da participação e possíveis custos e benefícios.
Exemplo de consentimento informado
Esperat e colaboradores (2007) estudaram os comportamentos de saúde de mulheres grá‑
vidas de baixa renda, no Texas. Foram preparados formulários de consentimento em inglês
e espanhol. Uma assistente de pesquisa bilíngue explicou a necessidade de preencher o for‑
mulário e determinou os níveis de escolaridade de cada participante. Ela também forneceu a
assistência necessária ao preenchimento.
Raramente os pesquisadores obtêm um consentimento informado escrito
quando os meios primários de coleta de dados são questionários preenchidos pelos
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
153
próprios participantes. Em geral, pressupõem um consentimento implícito (i.e.,
o fato de devolver o questionário preenchido refletiria a permissão voluntária dos
respondentes para participar). No entanto, algumas vezes, essa suposição não se
justifica (p. ex., quando o paciente sente que o tratamento será afetado caso se
recuse a cooperar).
Em alguns estudos qualitativos, especialmente naqueles que exigem um
contato repetido com os participantes, é difícil obter um consentimento informado significativo logo no início. Os pesquisadores qualitativos nem sempre sabem
com antecedência como o estudo vai evoluir. Uma vez que o projeto de pesquisa
desenvolve­‑se durante a coleta e a análise dos dados, às vezes os pesquisadores
não têm a noção exata da natureza das informações a serem obtidas, dos riscos
e dos benefícios envolvidos ou do tempo de envolvimento necessário. Portanto,
Estou ciente de que solicitam a minha participação em um estudo científico no Saint Francis Hospital
and Medical Center. Esse estudo avaliará: o que é ser mãe de gêmeos durante o primeiro ano de vida
das crianças. Se eu concordar em participar do estudo, serei entrevistada por cerca de 30 a 60 minu‑
tos a respeito da minha experiência como mãe de gêmeos. A entrevista será gravada e ocorrerá em
uma sala privativa, no St. Francis Hospital. Nenhum informação sobre a minha identidade será incluída
quando a entrevista for transcrita. Estou ciente de que receberei 25 dólares para participar do estudo.
Não há riscos conhecidos associados a esse estudo.
Entendo que não posso participar do estudo se tiver menos de 18 anos ou não puder falar inglês.
Compreendo que o conhecimento adquirido com esse estudo poderá ajudar a mim mesma ou a
outras mães de gêmeos no futuro.
Sei que minha participação nesse estudo é inteiramente voluntária e que posso interrompê­‑la a
qualquer momento, se assim o desejar. Se eu decidir interromper minha participação nesse estudo,
continuarei a ser tratada do modo usual e costumeiro.
Estou ciente de que todos os dados do estudo serão mantidos em regime confidencial. No entanto,
essas informações podem ser usadas em publicações ou apresentações.
Compreendo que, se eu sofrer algum dano devido a minha participação nesse projeto de pesquisa,
não serei indenizada automaticamente pelo Saint Francis Hospital and Medical Center.
Se for necessário, poderei entrar em contato com a doutora Cheryl Beck, da University of Connecticut,
School of Nursing, a qualquer momento, durante o estudo.
Declaro que recebi explicações sobre o estudo. Li e compreendi o conteúdo deste formulário de
consentimento, todas as minhas perguntas foram respondidas e concordo em participar. Estou ciente
de que receberei uma cópia deste formulário de consentimento assinado.
Assinatura do participante
Data
Assinatura da testemunha
Data
Assinatura do pesquisador
Data
FIGURA 5.1
Exemplo de formulário de consentimento informado.
154
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
em um estudo qualitativo, o consentimento pode ser visto como um processo de
negociação contínuo, chamado de consentimento contínuo. Nesse caso, eles negociam continuamente o consentimento, permitindo que os participantes desempenhem um papel de colaborador no processo de tomada de decisões relativas à
continuidade da própria participação.
Exemplo de consentimento contínuo
Treacy e colaboradores (2007) realizaram um estudo longitudinal de três partes a respeito de
perspectivas e experiências de tabagismo entre crianças. Os pais e os filhos concordaram com
a participação da criança. Em cada parte, foi reconfirmado o consentimento para continuar
participando.
Procedimentos relativos a confidencialidade
Os participantes do estudo têm o direito de esperar que todo e qualquer dado
fornecido seja mantido na mais restrita confidência. O direito dos participantes à
privacidade é protegido por vários procedimentos de confidencialidade.
Anonimato
O anonimato, o meio mais seguro para proteger a confidencialidade, ocorre quando nem mesmo o pesquisador é capaz de ligar os participantes aos dados. Por
exemplo, se questionários são distribuídos a um grupo de residentes de enfermagem e devolvidos sem informações de identificação do respondente, então as
respostas serão anônimas. Em outro exemplo, se o pesquisador revisar registros
do hospital dos quais foram retiradas todas as informações de identificação (p.
ex., nome, endereço, CPF, etc.), o anonimato, mais uma vez, protegerá o direito do
participante à privacidade.
Exemplo de anonimato
Houfek e colaboradores (2008) distribuíram um questionário anônimo para descobrir quais
eram as crenças e os conhecimentos das pessoas a respeito da relação entre a genética e o
hábito de fumar. Os participantes do estudo, funcionários e visitantes de uma instituição de
tratamento de saúde, depositaram formulários preenchidos em uma urna colocada na própria
instituição ou então enviaram o formulário pelo correio, com postagem pré­‑paga.
Confidencialidade na ausência de anonimato
Quando o anonimato é impossível, precisam ser implantados procedimentos de confidencialidade apropriados. A promessa de confidencialidade é uma garantia de
que nenhuma informação fornecida pelo participante será divulgada publicamente,
de modo que possa identificá­‑lo, nem será colocada à disposição de outras pessoas.
Em geral, os pesquisadores desenvolvem procedimentos de confidencialidade elaborados, que incluem termos de confidencialidade por parte de todos os envolvidos na coleta ou análise dos dados; manutenção da identificação em arquivos
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
155
bloqueados ao acesso de pessoas estranhas; substituição do nome do participante
por um número de identificação (NI) nos registros do estudo e arquivos de computador, para evitar qualquer quebra de confidencialidade acidental; e relato apenas
dos dados agregados de cada grupo de participantes ou medidas de ocultação da
identidade da pessoa no relatório de pesquisa.
Em estudo qualitativos, o anonimato raramente é possível, pois os pesquisadores qualitativos envolvem­‑se mais com os participantes. A confidencialidade
é especialmente importante nesses estudos, porque, devido à natureza profunda
da pesquisa, pode haver maior invasão de privacidade do que na pesquisa quantitativa. Os pesquisadores que passam algum tempo na casa dos participantes,
por exemplo, podem ter dificuldade em separar o comportamento público, que
os participantes desejam compartilhar, do comportamento privado, que se revela involuntariamente durante a coleta de dados. Um tema final enfrentado por
muitos pesquisadores qualitativos é a adequada ocultação dos participantes em
seus relatórios, para evitar a quebra da confidencialidade. Uma vez que o número de respondentes é pequeno e são apresentadas ricas informações descritivas,
os pesquisadores qualitativos precisam tomar precauções extras para salvaguardar a identidade dos participantes. Isso pode incluir muito mais do que simplesmente usar um nome fictício – pode envolver a retenção de informações sobre
características­‑chave dos informantes, como idade e profissão.
DICA
Para aumentar a privacidade individual e institucional, os relatórios de pesquisa com frequên‑
cia evitam fornecer informações explícitas sobre o local do estudo. No relatório, pode estar
escrito, por exemplo, que os dados foram coletados no leito 200 de uma instituição privada,
sem mencionar o nome e a localização da clínica.
Deve­‑se observar que há situações em que a confidencialidade pode criar tensão entre os pesquisadores e as autoridades, em especial se os participantes do estudo estiverem envolvidos em atividades criminosas (p. ex., abuso de substância).
Para evitar a possibilidade de revelação forçada e involuntária de informações de
pesquisa delicadas (p. ex., por ordem judicial), nos Estados Unidos, os pesquisadores podem solicitar um Certificado de Confidencialidade, emitido pelo National
Institute of Health (NIH). Esse certificado permite que os pesquisadores se recusem
a revelar informações sobre a identidade de participantes do estudo em ações civis,
criminais, administrativas ou legislativas, nos âmbitos federal, estadual ou local.
Exemplo de procedimentos relativos a CONFIDENCIALIDADE
Laughon (2007) realizou um estudo profundo sobre como mulheres afro­‑americanas pobres,
moradoras de áreas urbanas e com história de abuso físico, permanecem saudáveis. As 15
participantes assinaram um formulário de consentimento informado, em que os pesquisado‑
res lhes garantiam confidencialidade. Foi solicitado que as mulheres não usassem nomes reais
durante as entrevistas, que foram gravadas. Todos os nomes inadvertidamente incluídos foram
excluídos durante a transcrição. Para proteger ainda mais a confidencialidade, foi solicitado um
Certificado de Confidencialidade do NIH.
156
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Entrevistas e encaminhamentos
Os pesquisadores podem demonstrar respeito pelos participantes do estudo – e
minimizar riscos emocionais de modo proativo – ficando atentos à natureza das
interações mantidas com esses participantes. Por exemplo, eles devem ser sempre
gentis e polidos, formular as perguntas com tato e ser sensíveis à diversidade cultural e linguística.
Há também estratégias mais formais, que podem ser usadas para transmitir
respeito e preocupação em relação ao bem­‑estar dos participantes. Às vezes, é
aconselhável, por exemplo, oferecer sessões de apresentação oral após a coleta
de dados, para permitir que os participantes façam perguntas ou expressem reclamações. Essa sessão mostra­‑se especialmente importante quando a coleta de
dados é estressante ou as orientações éticas tiveram de ser “flexíveis” (p. ex., se
houve algum tipo de falsificação).
Exemplo de sessão de entrevista
Sandgren e colaboradores (2006) estudaram as estratégias que enfermeiros paliativos de pa‑
cientes com câncer usavam para evitar sobrecargas emocionais. Eles realizaram entrevistas
detalhadas com 46 enfermeiros e, após cada uma, “confirmamos se os participantes estavam
bem e avaliamos uma possível necessidade de apoio emocional” (p. 81).
Os pesquisadores também podem demonstrar interesse pela situação dos
participantes, oferecendo­‑se para compartilhar com eles as descobertas do estudo
assim que os dados são analisados (p. ex., enviando­‑lhes um resumo pelo correio).
Por fim, em algumas situações, pode ser que eles precisem ajudá­‑los, fazendo encaminhamentos a serviços sociais, psicológicos ou de saúde apropriados.
Exemplo de compartilhamento de informações e encaminhamento
Baumgartner (2007) realizou um estudo longitudinal sobre o modo como as pessoas, com o
passar do tempo, incorporam uma identidade HIV/AIDS. Os dados foram coletados em três
pontos durante quatro anos. Foi dito aos participantes que, caso experimentassem qualquer
desconforto psicológico, poderiam interromper a entrevista e seriam encaminhados a um
posto do serviço social. Após cada sessão de coleta de dados, eles recebiam cópias dos artigos
publicados com os resultados.
Tratamento de grupos vulneráveis
A adesão a padrões éticos com frequência é um tema bem compreendido. No
entanto, os direitos de grupos especiais vulneráveis eventualmente precisam ser
protegidos por procedimentos adicionais e maior sensibilidade. Há casos em que
os sujeitos vulneráveis (esse é o termo usado nas orientações federais dos Esta-
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
157
dos Unidos) não são capazes de dar um consentimento informado (p. ex., portadores de retardo mental) ou correm risco elevado de efeitos colaterais por causa
de condições específicas (p. ex., grávidas). É preciso prestar especial atenção às
dimensões éticas de estudos que envolvem pessoas vulneráveis. Dentre os grupos
que podem ser considerados vulneráveis estão:
ü
ü
ü
ü
ü
ü
Crianças. Do ponto de vista legal e ético, as crianças não têm competência para
dar um consentimento informado e, por isso, deve ser obtido o consentimento
dos pais ou tutores. No entanto, é apropriado, em especial quando a criança
tem, pelo menos, 7 anos de idade – obter sua concordância também. A con‑
cordância refere­‑se à aceitação em participar. Se a criança for suficientemente
madura para compreender os princípios do consentimento informado (p. ex.,
uma criança de 12 anos de idade), os pesquisadores também deverão obter
dela um consentimento por escrito, como prova de respeito por seu direito à
autodeterminação.
Pessoas incapazes mental ou emocionalmente. Indivíduos cuja incapacidade torna­
‑lhes impossível pesar os riscos e os benefícios da participação e tomar decisões
informadas (p. ex., portadores de déficits cognitivos, doença mental, pessoas
em coma, etc.) também não podem fornecer um consentimento informado legalmente aceito. Nesses casos, os pesquisadores devem obter o consentimento
escrito de seus tutores legais.
Pessoas gravemente doentes ou fisicamente incapacitadas. No caso de pacientes
muito doentes ou sob determinadas condições (p. ex., ven­tilação mecânica),
é necessário avaliar sua capacidade de tomar decisões razoáveis em relação à
participação no estudo. Outra questão envolve incapacidades especiais que, às
vezes, exigem procedimentos específicos de obtenção do ­consentimento. Por
exemplo, pessoas que não sabem ler ou escrever ou têm algum problema que
as impede de escrever podem seguir outros procedimentos de documentação
do consentimento informado (p. ex., gravação do consentimento).
Doentes e estágio terminal. Raramente se espera que doentes terminais sejam
beneficiados por pesquisas e, portanto, a proporção risco­‑benefício deve ser
avaliada com cuidado. Os pesquisadores precisam seguir alguns passos para que
o atendimento e o conforto de doentes terminais que realmente participam do
estudo não fiquem comprometidos.
Pessoas institucionalizadas. Os enfermeiros com frequência realizam estudos
com pessoas hospitalizadas ou internadas em alguma instituição. Essas pessoas
podem pensar que o tratamento recebido será prejudicado caso não participem
do estudo. Prisioneiros e internos de instituições correcionais, que perderam a
autonomia em muitas esferas da vida, também podem se sentir sem autonomia
para dar um consentimento autônomo. Os pesquisadores que estudam esses
grupos precisam enfatizar a natureza voluntária da participação.
Gestantes. O governo dos Estados Unidos instituiu exigências adicionais rigorosas para pesquisas governamentais com grávidas e fetos (Code of Federal
Regulations, 2005, Subpart B). Essas exigências refletem o desejo de salvaguardar tanto a grávida, que pode estar sob maior risco físico e psicológico,
quanto o feto, que não pode fornecer um consentimento informado. As normas
federais estipulam que grávidas não podem participar de estudos, a não ser
que o propósito da pesquisa seja atender às necessidades de saúde de gestantes
e os riscos à saúde da gestante e à do feto sejam mínimos.
158
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Exemplo de pesquisa com um grupo vulnerável
Capezuti e colaboradores (2007) avaliaram a eficácia de uma intervenção de aconselhamento da
prática de enfermagem avançada na redução do uso de barras laterais restritivas em asilos. Os pró‑
prios idosos residentes, quando adequadamente capazes, forneceram seu consentimento. Quando
eles não tinham capacidade para fazê­‑lo, foi solicitado o consentimento de um responsável.
Revisões externas e proteção dos direitos humanos
Às vezes, o pesquisador tem dificuldade em ser objetivo ao fazer avaliações de
risco­‑benefício ou desenvolver procedimentos para proteger os direitos dos participantes. Podem surgir desvios no resultado do comprometimento do pesquisador
com a área de conhecimento estudada e do seu desejo de realizar um estudo
válido. Devido ao risco de desvios na avaliação, as dimensões éticas dos estudos
comumente são submetidas a uma revisão externa.
A maioria dos hospitais, universidades e outras instituições onde se realizam
pesquisas determina comitês formais para revisão dos projetos de pesquisa. Esses
comitês eventualmente são chamados de Human Subjects Committees ou (no Canadá) Research Ethics Board. Nos Estados Unidos, o comitê com frequência é denominado Institutional Review Board (IRB, Comitê de Ética em Pesquisa).*
Nos Estados Unidos, os estudos financiados com fundos federais submetem­
‑se a orientações rígidas relativas ao tratamento dos participantes, e a obrigação do
Comitê de Ética é confirmar se os procedimentos propostos seguem essas orientações.
Antes de realizar o estudo, os pesquisadores precisam submeter os projetos de pesquisa ao Comitê de Ética e também passar por um treinamento formal desse órgão. O
Comitê de Ética pode aprovar os planos propostos, exigir modificações ou rejeitá­‑los.
Nem todas as pesquisas estão sujeitas a orientações federais, e nem todos os
estudos são revisados pelo Comitê de Ética em Pesquisa ou por outros órgãos formais. Apesar disso, os pesquisadores têm a responsabilidade de garantir que seus
projetos de pesquisa sejam eticamente adequados; e uma boa prática consiste em
solicitar opiniões externas, inclusive quando não há obrigação de fazê­‑lo.
Exemplo de aprovação do Comitê de ética em pesquisa
Taylor e McMullen (2008) exploraram o processo de doação de fígado em vida, como expe‑
rimentado por maridos de doadoras. Os procedimentos e os protocolos do estudo foram
aprovados por dois comitês de ética – da universidade onde os pesquisadores trabalhavam e
do hospital universitário onde os transplantes foram feitos.
OUTRAS QUESTÕES ÉTICAS
Na discussão das questões éticas relativas à realização de pesquisas em enfermagem, consideramos especialmente a proteção aos participantes humanos. Dois
*N. de R.T.: No Brasil, este órgão é denominado Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
(CEP).
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
159
outros temas éticos também merecem atenção: o tratamento de animais e a má
conduta dos pesquisadores.
Questões éticas no uso de animais em pesquisas
Alguns enfermeiros pesquisadores que trabalham com fenômenos biofisiológicos
usam animais, e não humanos, como sujeitos. Apesar de certa oposição à pesquisa
com animais, parece provável que os pesquisadores da área de saúde continuem a
usar animais para explorar mecanismos fisiológicos básicos e testar intervenções experimentais que podem apresentar riscos (e também gerar benefícios) para humanos.
As considerações éticas são claramente diferentes para animais e humanos; o
conceito de consentimento informado, por exemplo, não é relevante na pesquisa com
animais. Nos Estados Unidos, o Public Health Service publicou uma declaração oficial sobre o cuidado e o uso humanitário de animais, cuja atualização mais recente é
de 2002. As orientações apresentam nove princípios para o cuidado e o tratamento
adequado de animais usados em pesquisa. Esses princípios cobrem temas como o
transporte de animais para pesquisa, alternativas ao uso de animais, dor e sofrimento em sujeitos animais, qualificação do pesquisador, uso de anestesia apropriada e
prática da eutanásia de animais sob certas condições durante ou após o estudo.
Holtzclaw e Hanneman (2002), ao discutirem o uso de animais na pesquisa em
enfermagem, fizeram várias considerações importantes. Por exemplo, deve haver uma
razão muito forte para o uso de um modelo animal – não simplesmente a conveniência ou a novidade. Além disso, os procedimentos do estudo devem ser humanitários,
bem planejados e bem fundamentados. Eles observaram que estudos com animais não
são, necessariamente, menos onerosos do que aqueles com participantes humanos e
exigem séria consideração ética e científica que justifique seu uso.
Exemplo de pesquisa com animais
Briones e colaboradores (2005) estudaram os efeitos da reabilitação por treinamento compor‑
tamental em seguida à uma isquemia cerebral global na neurogênese do giro denteado usando
72 ratos adultos machos. Eles relataram que “foram feitos todos os esforços para minimizar o
sofrimento dos animais e reduzir o número de animais usados” (p. 169). Os protocolos expe‑
rimentais foram aprovados por um comitê institucional sobre cuidados dispensados a animais
e obedeciam às orientações federais sobre uso de animais em pesquisas.
Má conduta na realização de pesquisas
Milhões de espectadores assistiram ao filme O fugitivo, em que o doutor Richard
Kimble (Harrison Ford) revelava o esquema fraudulento de uma pesquisa médica.
O filme ressalta que a ética científica envolve não apenas a proteção dos direitos
dos sujeitos humanos e animais, mas também o compromisso de não ofender a
confiança pública.
O tema da má conduta em pesquisas (também chamada de má conduta
científica) tem recebido cada vez mais atenção nos últimos anos, à medida que
são revelados erros de interpretação e fraudes. Atualmente, o órgão federal responsável pela vigilância e pelo controle de esforços para melhorar a integridade
das pesquisas nos Estados Unidos e pela investigação de denúncias de má condu-
160
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ta é o Office of Research Integrity (ORI), do Department of Health and Human
Services.
A má conduta científica, como definida pela norma do U.S. Public Health
Service, revisada em 2005 (42 CFR Part 93, Subpart A), consiste em fabricação,
falsificação ou plágio na proposta, na realização ou na revisão de pesquisas ou no
relato de resultados. Esse conceito não inclui erros honestos. A fabricação envolve
maquiar dados ou resultados de estudos e divulgá­‑los. Por sua vez, a falsificação
abrange manipulação de materiais, equipamento ou processos de pesquisa; envolve
também mudança ou omissão de dados ou distorção de resultados, de modo que a
pesquisa não seja representada com exatidão nos relatórios. Já o plágio refere­‑se à
apropriação de ideias, resultados ou palavras de outra pessoa sem o devido crédito,
incluindo informações obtidas na revisão confidencial de propostas ou manuscritos
de pesquisas. Ainda que o foco da definição oficial esteja apenas nesses três tipos
de má conduta, existe um consenso de que ela cobre também muitos outros temas,
inclusive impropriedade de autoria, problemas no controle dos dados, conflitos de
interesse, acordos de financiamento inapropriados, não cumprimento dos regulamentos governamentais e uso não autorizado de informações confidenciais.
Exemplo de má conduta na realização de pesquisas
Em 1999, o órgão U.S. Office of Research Integrity concluiu que uma enfermeira, envolvida no
controle dos dados do projeto chamado National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project,
de um centro de tratamento de câncer ligado à Northwestern University, tinha se envolvido
em má conduta científica ao falsificar ou fabricar intencionalmente dados de acompanhamen‑
to de três pacientes registradas em testes clínicos sobre câncer de mama (ORI Newsletter,
março de 1999).
Mesmo não sendo comum a exposição clínica de má conduta de pesquisadores de enfermagem, a desonestidade e a fraude nessa área preocupam muito.
Jeffers (2005), por exemplo, busca identificar e descrever ambientes de pesquisa
que promovem a integridade. Em um estudo que focou questões éticas enfrentadas por editores de revistas de enfermagem, Freda e Kearney (2005) registraram
que 64% dos 88 editores participantes relataram algum tipo de dilema ético, como
duplicidade de publicação, plágio ou conflitos de interesse. E, desde 2001, o NINR
e outros institutos do NIH têm se juntado ao ORI para oferecer recursos a pesquisadores que querem realizar “Pesquisas sobre Integridade Científica”, ou seja,
estudar os fatores que afetam, tanto positiva quanto negativamente, a integridade
das pesquisas.
Exemplo de pesquisa sobre integridade científica
Em 2004, Sheila Santacroce, da Yale University, recebeu um financiamento de dois anos, pelo
NINR, no programa Pesquisa sobre Integridade Científica. Seu estudo explorou a fidelidade da
intervenção (o fornecimento consistente da intervenção de acordo com o projeto de pesquisa
e os padrões profissionais) em dois estudos de intervenção de enfermagem realizados com
recursos federais. A premissa consiste em que a falta de atenção à fidelidade pode levar a
declarações enganosas sobre a implantação e os efeitos da intervenção.
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
161
CRÍTICA DE ASPECTOS ÉTICOS DO ESTUDO
Orientações para a crítica de aspectos éticos de estudos são apresentadas no Quadro 5.2. Os integrantes de comitês de ética ou de pesquisa com humanos devem
ter informações suficientes para responder a todas essas questões. Os artigos de
pesquisa, no entanto, nem sempre incluem informações detalhadas sobre procedimentos éticos, por causa das restrições de espaço dos periódicos. Portanto, nem
sempre é possível criticar a adesão dos pesquisadores a orientações éticas. Apesar
disso, oferecemos algumas poucas sugestões para consideração de temas éticos
em pesquisas.
Muitos relatórios de pesquisa realmente informam que os procedimentos do
estudo foram revisados por um comitê de ética ou comitê de pesquisa com seres
humanos da instituição à qual os pesquisadores são filiados. Quando o relatório
menciona especificamente uma revisão externa formal, em geral, é seguro pressupor que um grupo de pessoas conscientes revisou em detalhes as questões éticas
levantadas pelo estudo.
O leitor também pode tirar conclusões com base na descrição dos métodos
do estudo. Talvez haja informação suficiente para julgar, por exemplo, se os participantes do estudo foram submetidos a algum dano ou desconforto físico ou
psicológico. Os relatórios nem sempre declaram especificamente se foi fornecido
um consentimento informado, mas o leitor pode ficar atento a situações em que os
dados provavelmente não seriam coletados como descritos se a participação fosse
puramente voluntária (p. ex., coleta de dados não observáveis).
Ao pensar sobre os aspectos éticos de um estudo, é preciso considerar também quais foram os participantes. Por exemplo, se o estudo envolve grupos vulneráveis, deve haver informações sobre procedimentos de proteção. Pode ser importante, ainda, ficar atento a quem não foi participante do estudo. Por exemplo, a
omissão de certos grupos (p. ex., minorias) na pesquisa clínica tem sido objeto de
considerável preocupação.
QUADRO 5.2
ORIENTAÇÕES PARA A CRÍTICA
DE ASPECTOS ÉTICOS EM PESQUISA
1. O estudo foi aprovado e monitorizado por um comitê de ética em pesquisa ou outro órgão similar de
revisão ética?
2. Os participantes do estudo foram submetidos a algum dano físico, desconforto ou estresse psicológico?
Os pesquisadores tomaram medidas adequadas para removê-los ou preveni-los?
3. Os benefícios aos participantes foram superiores a algum risco potencial ou desconforto real que
eles experimentaram? Os benefícios para a sociedade foram maiores do que o custo aos participantes?
4. Houve algum tipo de coerção ou influência danosa usada no recrutamento dos participantes?
Eles tiveram o direito de recusar sua participação ou se retirarem sem qualquer punição?
5. Os participantes foram enganados de algum modo? Eles foram totalmente esclarecidos sobre sua
participação e compreenderam a finalidade e a natureza do estudo?
6. Os procedimentos sobre termo de consentimento livre e esclarecido para todos os participantes foram
adequados?
7. Foram tomadas medidas adequadas para salvaguardar a privacidade dos participantes? Como os
dados mantiveram o anonimato ou a confidencialidade? Foram seguidas as regras de privacidade
(se aplicável)? Foi obtido o certificado de confidencialidade?
8. Os grupos vulneráveis foram incluídos na pesquisa? Se sim, foram tomadas precauções especiais devido
à vulnerabilidade deles?
9. Foram omitidos grupos na pesquisa sem uma justificativa racional (p. ex., mulheres, minorias)?
162
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADEs DE PENSAMENTO CRÍTICO
Apresentamos, a seguir, resumos de um estudo quantitativo e de outro qualitativo, seguidos de
algumas perguntas para orientar o pensamento crítico a respeito de aspectos éticos.
EXEMPLO 1
Pesquisa quantitativa
Estudo
O estado de saúde de uma população invisível: filhos de trabalhadores migrantes e de funcionários de
feiras ambulantes (Kilanowski e Ryan­‑Wenger, 2007).
Propósito
O propósito do estudo era examinar indicadores do estado de saúde de filhos de trabalhadores de
feiras ambulantes e de trabalhadores rurais migrantes nos Estados Unidos.
Métodos
Um total de 97 meninos e meninas com menos de 13 anos de idade foi recrutado para o estudo.
Os pais preencheram questionários sobre a saúde de seus filhos e o atendimento de saúde recebido
por eles. A maioria apresentou registros médicos, de onde foram retiradas informações sobre
imunizações. Todas as crianças foram pesadas, medidas e submetidas a um exame de saúde bucal.
Procedimentos relacionados com questões éticas
As famílias foram recrutadas com a ajuda de seguranças das fazendas e das comunidades de feiras
ambulantes em sete estados. Foi solicitado que os pais preenchessem formulários de consentimento,
disponíveis tanto em inglês quanto em espanhol. Além disso, perguntaram às crianças com mais de
9 anos de idade se gostariam de participar, e elas concordaram verbalmente. A confidencialidade era
uma preocupação tanto dos seguranças quanto dos pais, e os pesquisadores tiveram de garantir a
todas as partes envolvidas que os dados seriam confidenciais e não seriam usados contra as famílias ou
as instituições. Os dados foram reunidos em locais e épocas do ano sugeridos pelos administradores
das feiras e pelos proprietários das fazendas, de modo que os pais não precisaram perder horas
de trabalho para participar do estudo. Os trabalhadores rurais migrantes mostraram­‑se sempre
ansiosos por participar e, com frequência, ficaram na fila para assinar os termos de consentimento.
Na conclusão do encontro, os pesquisadores deram aos pais um relatório escrito sobre os
parâmetros de crescimento de seus filhos e recomendações para acompanhamento. Para valorizar
o tempo gasto pelos pais, eles receberam 10 dólares, e as crianças, um brinquedo apropriado para
a respectiva idade (no valor de aproximadamente 10 dólares) e escolhido pela própria criança. As
crianças ganharam também uma escova de dentes nova. O Comitê de Ética em Pesquisa da Ohio
State University aprovou o estudo.
Resultados
Foi maior o número de filhos dos trabalhadores das feiras ambulantes, comparados com os filhos
dos trabalhadores rurais migrantes, com exames regulares agendados e uma visita ao dentista no
ano anterior. No grupo de crianças de 6 a 11 anos de idade, os filhos itinerantes dos dois grupos
apresentaram maior probabilidade de excesso de peso do que crianças da mesma idade consideradas
nacionalmente.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 5.2 relevantes a este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a avaliar os aspectos éticos do estudo:
(continua)
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
163
a)Os dados desse estudo poderiam ter sido coletados de forma anônima?
b) Por que um Certificado de Confidencialidade é útil para esse estudo?
3Se os resultados desse estudo forem válidos e generalizáveis, quais serão alguns usos dos
achados na prática clínica?
EXEMPLO 2
Pesquisa qualitativa
Estudo
Avaliação da violência perinatal: o princípio do raciocínio usado por adolescentes do sexo feminino
para negar a violência quando questionadas (Renker, 2006).
Propósito
O propósito do estudo era descrever as experiências de adolescentes em avaliações de violência
promovidas por fornecedores de serviços sociais e de saúde e explorar os motivos que as levam a
não revelar a violência.
Métodos
Renker recrutou 20 adolescentes (18 e 19 aos de idade) que não estavam mais grávidas, mas tinham
experimentado abuso físico ou sexual no ano anterior à gravidez ou durante a gestação. Todas
as adolescentes foram entrevistadas pessoalmente e questionadas detalhadamente sobre suas
experiências em relação à violência.
Procedimentos relacionados com questões éticas
Renker recrutou as adolescentes principalmente em duas clínicas ginecológicas sem internação. As
adolescentes consideradas elegíveis para o estudo foram convidadas a agendar uma entrevista em
local de acordo com sua escolha. Todas, com exceção de uma, ofereceram­‑se voluntariamente para
fazer a entrevista em uma biblioteca pública ou sala de uma universidade, e não em suas casas. Elas
receberam 50 dólares como compensação parcial do tempo gasto na entrevista (30 a 90 minutos).
Antes do início da entrevista, foi discutida a questão do consentimento informado, incluindo a
responsabilidade do pesquisador de relatar abuso infantil e danos a terceiros. As participantes do
estudo foram informadas de que não seria feita nenhuma pergunta específica sobre essas questões,
mas que o pesquisador as ajudaria a relatar qualquer situação de abuso caso fosse esse seu desejo.
Para garantir a confidencialidade, Renker encorajou cada uma das adolescentes a inventar um nome
para si, para o perpetrador e para outros membros da família. Todas as entrevistas foram assinadas
com um número de identificação, e os arquivos de dados não incluem informações que possam
identificar as participantes, nem o local do recrutamento. As entrevistas foram realizadas em um
ambiente privado, sem a presença de parceiros, pais ou filhos (com idade de 2 anos ou mais) das
participantes. No final da entrevista, Renker forneceu às adolescentes informações destinadas a
promover sua segurança (p. ex., avaliações de risco, revisão de opções legais, lista de recursos de
serviços comunitários locais). Renker recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da sua
universidade e dos sistemas médicos das duas clínicas onde as participantes foram recrutadas.
Resultados
As adolescentes relataram uma série de experiências de violência perpetrada por parceiros atuais
ou prévios, pais e gangues. Os motivos dados para não revelar a violência a profissionais de serviços
de saúde encaixavam­‑se em quatro categorias contíguas correspondentes: poder/impotência,
medo/esperança, confiança/desconfiança e ação/inércia.
(continua)
164
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADEs DE PENSAMENTO CRÍTICO (continuação)
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 5.2 relevantes para este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a avaliar os aspectos éticos do estudo:
a)Renker pagou 50 dólares às participantes. Isso foi eticamente apropriado?
b) Que dilema Renker enfrentaria se as participantes lhe dissessem que tinham abusado dos
próprios filhos?
c) Que princípio(s) ético(s) Renker busca atender quando fornece às participantes informações
para promover sua segurança?
d)O fato de terem sido criados pseudônimos resultou em anonimato para as participantes?
e)Obter um Certificado de Confidencialidade para essa pesquisa seria benéfico?
f )Se uma amiga ou parente adolescente sua tivesse sofrido abuso durante a gravidez, como
você teria se sentido a respeito de sua participação nesse estudo?
3Se os resultados desse estudo forem confiáveis e transferíveis, quais serão os usos dos achados
na prática clínica?
EXEMPLO 3
Estudo quantitativo no Apêndice A
1Leia a seção do método do estudo de Howell e colaboradores (“Relações entre ansiedade, raiva
e pressão arterial em crianças”, 2007) no Apêndice A deste livro e, depois, responda às questões
relevantes do Quadro 5.2.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a avaliar os aspectos éticos do estudo:
a)Nesse relatório, onde estão localizadas as informações sobre as questões éticas?
b) Que informações adicionais relativas a aspectos éticos do estudo os pesquisadores poderiam
ter incluído no artigo?
c)Se você tivesse uma filha ou irmã em idade escolar, como se sentiria a respeito de sua
participação no estudo?
EXEMPLO 4
Estudo qualitativo no Apêndice B
1Leia a seção do método do estudo de Beck (“Aniversário do trauma de nascimento”, 2006) no
Apêndice B deste livro e, depois, responda às questões relevantes do Quadro 5.2.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a avaliar os aspectos éticos do estudo:
a) Nesse relatório, onde estão localizadas as informações sobre as questões éticas desse estudo?
b) Que informações adicionais relativas a aspectos éticos do estudo de Beck os pesquisadores
poderiam ter incluído no artigo?
REVISÃO DO CAPÍTULO
Nesta seção, são apresentados os novos termos­‑chave deste capítulo, além de um
resumo dos pontos principais .
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
165
Novos termos­‑chave
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Anonimato
Avaliação de riscos e benefícios
Beneficência
Certificado de Confidencialidade
Código de ética
Concordância
Confidencialidade
Consentimento contínuo
Consentimento implícito
Consentimento informado
Dilema ético
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Institutional Review Board (IRB,
Co­mitê de Ética em Pesquisa)
Má conduta em pesquisas
Pleno conhecimento
Relatório de Belmont
Remuneração aos participantes
Risco mínimo
Sessão de relatório oral
Sujeitos vulneráveis
Termo de consentimento
Tópicos resumidos
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Uma vez que a pesquisa nem sempre é conduzida eticamente e os pesquisadores enfrentam verdadeiros dilemas éticos ao elaborar estudos que devem ser
rigorosos quanto à ética e à metodologia, têm sido desenvolvidos códigos de
ética para orientar os pesquisadores.
Os três principai s princípios éticos do Relatório de Belmont estão incorporados na
maioria das orientações: beneficência, respeito à dignidade humana e justiça.
A beneficência envolve realizar algo bom e proteger os participantes de exploração e danos físicos e psicológicos (não maleficência).
O respeito à dignidade envolve o direito dos participantes à autodeterminação,
o que significa que eles têm liberdade para controlar as próprias atividades,
inclusive a participação voluntária no estudo.
O pleno conhecimento significa que os pesquisadores descrevem inteiramente
aos participantes os seus direitos e os custos e benefícios do estudo. Quando o
pleno conhecimento envolve o risco de desvio nos resultados, os pesquisadores
podem usar coleta de dados oculta, ou ocultação (coleta de informações sem o
conhecimento ou o consentimento dos participantes), ou falsificação (omissão
de informações aos participantes ou fornecimento de informações falsas).
A justiça inclui o direito a um tratamento igualitário e justo e à privacidade. Nos
Estado Unidos, a privacidade é um tema importante devido aos regulamentos
da Norma de Privacidade, resultante da lei Health Insurance Portability and
Accountability Act (HIPAA).
Vários procedimentos têm sido desenvolvidos para salvaguardar os direitos
dos participantes de um estudo, inclusive exame dos custos e dos benefícios,
implantação de procedimentos do consentimento informado e medidas para
garantir confidencialidade.
Na avaliação de riscos e benefícios, os possíveis benefícios do estudo a cada participante e à sociedade são ponderados em relação aos custos para os indivíduos.
Os procedimentos do consentimento informado, que garantem o fornecimento
aos participantes das informações necessárias a uma tomada de decisão razoável
a respeito da própria participação, em geral envolvem a assinatura de um termo
de consentimento para documentar a participação voluntária e informada.
166
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
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Em estudos qualitativos, pode ser preciso renegociar continuamente o consentimento dos participantes, à medida que a pesquisa avança, por meio do
consentimento contínuo.
A privacidade pode ser mantida pelo anonimato (em que nem os próprios pesquisadores conhecem a identidade dos participantes) ou por procedimentos de
confidencialidade formais, que salvaguardam as informações fornecidas pelos
participantes.
Em alguns estudos, pode ser necessário para os pesquisadores dos Estados Unidos obter um Certificado de Confidencialidade, que os protege da obrigação
compulsória de fornecer informações confidenciais sob ordem judicial ou algum
outro processo administrativo.
Os pesquisadores eventualmente oferecem sessões de entrevistas após a coleta
de dados, para fornecer aos participantes algumas informações ou uma oportunidade de expressar reclamações.
Os sujeitos vulneráveis precisam de proteção adicional. Essas pessoas podem ser
classificadas como vulneráveis por causa da incapacidade de tomar uma decisão
verdadeiramente informada sobre a participação no estudo (p. ex., crianças), diminuição da autonomia (p. ex., prisioneiros) ou outras circunstâncias que aumentam
o risco de dano físico ou psicológico (p. ex., grávidas, doentes terminais).
A revisão externa dos aspectos éticos de um estudo realizado por comitês de
ética em pesquisa com seres humanos, Research Ethics Board (REB) ou Ins‑
titutional Review Board (IRB), é altamente desejável e, com frequência, faz
parte das exigências de universidades e organizações onde os participantes são
recrutados.
A conduta ética em pesquisas envolve não apenas proteger os direitos dos
sujeitos humanos e animais, mas também fazer esforços para manter elevados
padrões de integridade e evitar formas de má conduta científica, como plágio,
fabricação de resultados ou falsificação de dados.
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 5
Baumgartner, L. M. (2007). The incorporation of the HIV/AIDS identity into the self over
time. Qualitative Health Research, 17, 919-931.
Beck, C. T. (2005). Benefits of participating in internet interviews: Women helping women.
Qualitative Health Research, 15, 411–422.
Briones, T. L., Suh, E., Hattar, H., & Wadowska, M. (2005). Dentate gyrus neurogenesis after
cerebral ischemia and behavioral training. Biological Research for Nursing, 6, 167–179.
Capezuti, E., Wagner, L., Brush, B., Boltz, M., Renz, S., Talerico, K. et al. (2007). Consequences
of an intervention to reduce restrictive siderail use in nursing homes. Journal of the American
Geriatrics Society, 55,334–341.
Carlsson, E., Paterson, B., Scott-Findley, S., Ehnfors, M., & Ehrenberg, A. (2007). Methodological issues in interviews involving people with communication impairments after acquired
brain damage. Qualitative Health Research, 17, 1361–1371.
Esperat, C., Feng, D., Zhang, Y., & Owen, D. (2007). Health behaviors of low-income pregnant
minority women. Western Journal of Nursing Research, 29, 284–300.
Freda, M. C., & Kearney, M. (2005). Ethical issues faced by nursing editors. Western Journal
of Nursing Research, 27, 487–499.
Houfek, J. F., Atwood, J., Wolfe, R., Agrawal, S., Reiser, G., Schaefer, G. B. et al. (2008).
Knowledge and beliefs about genetics and smoking among visitors and staff at a health care
facility. Public Health Nursing, 25, 77–87.
CAPÍTULO 5
Ética em pesquisa
167
Kilanowski, J., & Ryan-Wenger, N. (2007). Health status in an invisible population: Carnival
and migrant worker children. Western Journal of Nursing Research, 29, 100–120.
Laughon, K. (2007). Abused African American women’s processes of staying healthy. Western
Journal of Nursing Research, 29, 365–384.
Renker, P. R. (2006). Perinatal violence assessment: Teenagers’ rationale for denying violence
when asked. Journal of Obstetric, Gynecologic, & Neonatal Nursing, 35, 56–67.
Sandgren, A., Thulesius, H., Fridlund, B., & Petersson, K. (2006). Striving for emotional
survival in palliative cancer nursing. Qualitative Health Research, 16, 79–96.
Taylor, L. A., & McMullen, P. (2008). Living kidney organ donation: Experiences of spousal
support of donors. Journal of Clinical Nursing, 17, 232–241.
Treacy, M., Hyde, A., Boland, J., Whitaker, T., Abaunza, P. S., & Stewart-Knox, B. (2007).
Children talking: Emerging perspectives and experiences of cigarette smoking. Qualitative
Health Research, 17, 238–249.
P arte
2
etapas preliminares
na avaliação de
evidências
6
Problemas, questões e
hipóteses de pesquisa
VISÃO GERAL DOS
PROBLEMAS DE PESQUISA
Terminologia básica
Problemas e paradigmas de pesquisa
Fontes de problemas de pesquisa
Desenvolvimento e refinamento de
problemas de pesquisa
COMUNICAÇÃO DO PROBLEMA E
QUESTÕES DE PESQUISA
Declaração do problema
Declaração do propósito
Questões de pesquisa
HIPÓTESES DE PESQUISA
Função das hipóteses na pesquisa quantitativa
Características das hipóteses testáveis
Expressão escrita das hipóteses
Teste e comprovação de hipóteses
CRíTICA de PROBLEMAS, QUESTÕES
E HIPÓTESES DE PESQUISA
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADEs DE PENSAMENTO
CRÍTICO
REVISÃO DO CAPÍTULO
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 6
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
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Avaliar a compatibilidade entre um problema e um paradigma de pesquisa.
ü
Descrever a função e as características das hipóteses de pesquisa e distinguir os diferentes tipos
de hipóteses (p. ex., direcionada versus não direcionada, investigativa versus nula).
ü
Criticar declarações de propósito, questões de pesquisa e hipóteses de relatórios de pesquisa
em termos de colocação, clareza, escolha de palavras e significância.
ü
Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
Descrever o processo de desenvolvimento e refinamento de um problema de pesquisa.
Distinguir funções e formas das declarações de propósito e questões de pesquisa em estudos
quantitativos e qualitativos.
172
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
VISÃO GERAL DOS PROBLEMAS DE PESQUISA
Estudos para gerar novas evidências iniciam­‑se de modo bem semelhante ao de
um projeto de prática baseada em evidências (PBE) – como problemas que precisam ser selecionados ou perguntas que precisam ser respondidas. Este capítulo
discute a formulação e a avaliação de problemas de pesquisa. Começamos pelo
esclarecimento de alguns termos relevantes.
Terminologia básica
Em um nível mais geral, o pesquisador escolhe o tópico ou fenômeno que deseja
enfatizar. Exemplos de tópicos de pesquisa são: claustrofobia durante exames de
imagem por ressonância magnética (IRM) e controle da dor na anemia falciforme.
Nessas amplas áreas temáticas, há possíveis problemas de pesquisa. Esta seção
ilustra vários termos, usando o tópico efeitos colaterais da quimioterapia.
O problema de pesquisa é uma condição enigmática, perturbadora ou incômoda. Tanto pesquisadores qualitativos quanto quantitativos identificam o problema de pesquisa na área temática que os interessa. O propósito da pesquisa é
“solucionar” o problema – ou contribuir para sua solução – pela acumulação de
informações relevantes. A declaração do problema enuncia o problema a ser
tratado e indica a necessidade de um estudo por meio do desenvolvimento de
um argumento. A Tabela 6.1 apresenta uma declaração de problema simplificada
relacionada aos efeitos colaterais da quimioterapia.
Muitos relatórios incluem a declaração do propósito, ou seja, o resumo do
objetivo geral do pesquisador, o qual também pode identificar vários objetivos ou
fins – aquilo que espera especificamente alcançar com a realização do estudo. Os
objetivos incluem responder às questões de pesquisa ou testar as hipóteses, mas
também podem abranger fins mais amplos (p. ex., desenvolver recomendações
para mudar a prática de enfermagem com base nos resultados do estudo), conforme ilustrado na Tabela 6.1.
Questões de pesquisa são perguntas específicas que os pesquisadores querem responder para tratar o problema. Tais questões orientam o tipo de dado que
será coletado. Os pesquisadores que fazem predições específicas sobre as respostas
às questões de pesquisa formulam hipóteses, as quais serão testadas de forma
empírica.
Esses termos nem sempre estão definidos com consistência nos manuais de
métodos de pesquisas, e as diferenças entre eles com frequência são sutis. A Tabela
6.1 ilustra as inter­‑relações entre os termos definidos por nós.
Problemas e paradigmas de pesquisa
Alguns problemas de pesquisa são mais adequados ao método qualitativo; outros, ao quantitativo. Os estudos quantitativos costumam envolver conceitos bem
desenvolvidos, sobre os quais existe um bom corpus de literatura e para o qual
foram (ou podem ser) desenvolvidos métodos confiáveis de mensuração. Pode­‑se
realizar um estudo quantitativo, por exemplo, para determinar se pessoas com
doenças crônicas e que continuam a trabalhar após os 62 anos de idade são menos
(ou mais) deprimidas do que aquelas que se aposentam. Há modos relativamente
CAPÍTULO 6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa
173
precisos de medir a depressão, capazes de gerar dados quantitativos sobre o nível
dessa condição em uma amostra de idosos empregados e aposentados que apresentam doenças crônicas.
Os estudos qualitativos com frequência são realizados devido a um fenômeno ou a algum aspecto de um fenômeno ainda mal compreendido, e o pesquisador quer obter uma compreensão mais rica, abrangente e contextual a esse
respeito. Esses estudos podem ser usados para aumentar a consciência sobre
Tabela 6.1
EXEMPLOs DE TERMOS RELACIONADOS
A PROBLEMAS DE PESQUISA
TERMO
EXEMPLO
Tópico
Efeitos colaterais da quimioterapia
Problema de pesquisa
(declaração do problema)
Náusea e vômito são efeitos colaterais comuns entre pacientes que
fazem quimioterapia, e as intervenções feitas até hoje alcançaram
êxito apenas moderado em sua redução. É preciso identificar novas
intervenções que possam reduzir ou prevenir esses efeitos.
Declaração do propósito
O propósito do estudo é testar uma intervenção de redução dos
efeitos colaterais induzidos pela quimioterapia – de forma mais
específica, comparar a eficácia de uma terapia antiemética para
controle de náusea e vômito de pacientes que estão passando
por quimioterapia em suas versões controlada pelo paciente e
administrada pelo enfermeiro.
Fins/objetivos
Esse estudo tem os seguintes objetivos:
1. desenvolver e implantar dois procedimentos alternativos para
administrar a terapia antiemética para pacientes que estão
passando por quimioterapia emetogênica moderada (controlado
pelo paciente versus controlado pelo enfermeiro);
2. testar três hipóteses relacionadas com a eficácia relativa dos
procedimentos alternativos sobre o consumo de medicamentos e
controle dos efeitos colaterais; e
3. usar as descobertas para desenvolver recomendações de possíveis
mudanças nos procedimentos clínicos.
Questão de pesquisa
Qual a eficácia relativa de uma terapia antiemética controlada pelo
paciente versus uma terapia antiemética controlada pelo enfermeiro
em relação a:
1. consumo de medicamentos e
2. controle de náusea e vômito em pacientes que estão fazendo
quimioterapia?
Hipóteses
Os sujeitos que recebem terapia antiemética por uma bomba
controlada por eles próprios
1. têm menos náusea,
2. apresentam menos vômito e
3. consomem menos medicamentos do que os que recebem terapia
administrada por enfermeiros.
174
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
determinado fenômeno ou estimular um diálogo em relação a isso. Os métodos
qualitativos não seriam muito adequados para comparar níveis de depressão
entre idosos empregados e aposentados, mas seriam ideais para explorar, por
exemplo, o significado da depressão entre aposentados cronicamente doentes.
Na avaliação de um relatório de pesquisa, uma consideração importante consiste
em se perguntar se o problema de pesquisa é adequado ao paradigma escolhido
e a seus respectivos métodos.
Fontes de problemas de pesquisa
De onde surgem as ideias para problemas de pesquisa? No nível mais básico, os
tópicos de pesquisa originam­‑se dos interesses dos pesquisadores. Uma vez que
a pesquisa é uma tarefa que consome muito tempo, a curiosidade a respeito de
algum tópico ou o interesse por ele são essenciais para o sucesso do projeto.
Os relatórios de pesquisa raramente indicam a matriz de inspiração dos pesquisadores para um estudo, mas uma série de fontes explícitas pode alimentar sua
curiosidade. Por exemplo:
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Experiência clínica. A experiência cotidiana dos enfermeiros é uma rica fonte de
ideias para tópicos de pesquisa. Problemas imediatos, que precisam de solução
– análogos aos desencadeadores focados no problema, discutidos no Capítulo
2 – têm grande potencial de significado clínico. Fazer um trabalho de campo
clínico antes do estudo também pode ajudar a identificar problemas clínicos.
Literatura de enfermagem. Ideias para estudos com frequência surgem da leitura
de textos de enfermagem. Os relatórios de pesquisa podem sugerir áreas problemáticas de forma indireta, ao estimular a imaginação do leitor, e de forma
direta, ao declarar de modo explícito pesquisas adicionais necessárias.
Temas sociais. Às vezes, são sugeridos tópicos por temas sociais ou políticos
globais relevantes para o serviço de saúde à comunidade. Por exemplo, o movimento feminista levantou questões sobre tópicos como a igualdade entre os
sexos no sistema de saúde.
Teorias. As teorias de enfermagem e de outras disciplinas relacionadas são fonte
de problemas de pesquisa. Os pesquisadores perguntam­‑se: “Se essa teoria está
correta, o que posso prever sobre os comportamentos, os estados ou os sentimentos das pessoas?”. As possíveis predições são testadas posteriormente por
meio de uma pesquisa.
Ideias de fontes externas. Fontes externas e sugestões diretas podem fornecer o
estímulo que gera uma ideia de pesquisa. Por exemplo, questões para estudos
podem emergir durante a revisão das prioridades de financiamento de um
agência de fomento ou de discussões com outros enfermeiros.
Além disso, os pesquisadores que desenvolvem um programa de pesquisa sobre
determinado tópico podem receber inspiração para os “próximos passos” das próprias descobertas ou de conversas sobre essas descobertas com outras pessoas.
CAPÍTULO 6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa
175
Exemplo de fonte de problema de um estudo quantitativo
Beck (uma das autoras deste livro) desenvolveu um programa de pesquisa vigoroso sobre
depressão pós­‑parto. Em 2003, ela foi abordada pela dra. Carol Lanni Keefe, professora de
ciência da nutrição que pesquisava o efeito do DHA (ácido docosaexaenoico – um ácido graxo
encontrado em um peixe marinho de águas geladas) sobre o desenvolvimento cerebral do
feto. A literatura sugeria que o DHA podia desempenhar certo papel na redução da gravidade
da depressão pós­‑parto. Assim, ambas as pesquisadoras trabalharam juntas no desenvolvi‑
mento de uma proposta de testar rigorosamente a eficácia de suplementos dietéticos de DHA
sobre a incidência e a gravidade da depressão pós­‑parto. Atualmente, elas estão realizando o
teste clínico, com financiamento da Donahue Medical Research Foundation.
Desenvolvimento e refinamento de problemas de pesquisa
O desenvolvimento de problemas de pesquisa é um processo criativo. No início,
com frequência, os pesquisadores interessam­‑se por uma área temática ampla;
depois, começam a desenvolver problemas de pesquisa mais específicos. Vejamos
um exemplo. Um dos enfermeiros de uma unidade médica questiona­‑se por que
alguns pacientes reclamam de ter de esperar pelo medicamento analgésico durante o atendimento feito por certos colegas. O tópico geral é a discrepância nas
queixas dos pacientes a respeito do analgésico administrado por enfermeiros
diferentes. Pode ser que aquele primeiro enfermeiro se faça a seguinte questão:
“Qual o motivo dessa discrepância?”. Essa questão ampla pode levar a outras
perguntas, como: “Que diferença há entre os dois grupos de enfermeiros?” ou
“Que características os pacientes que reclamam têm em comum?”. Nesse ponto,
talvez o enfermeiro observe que o histórico étnico dos pacientes e dos enfer­meiros
seja um fator relevante. Isso pode orientá­‑lo a revisar a literatura em busca de estudos acerca de grupos étnicos e sua relação com o comportamento dos enfermeiros ou, então, pode estimular uma discussão dessas observações com os colegas.
Esses esforços podem resultar em muitas questões de pesquisa, como:
ü
ü
ü
ü
ü
ü
Qual a essência das reclamações de pacientes com diferentes históricos étnicos?
Como as reclamações de pacientes com diferentes históricos étnicos são expressas
por eles e percebidas pelos enfermeiros?
O histórico étnico dos enfermeiros está relacionado com a frequência com que
administram o analgésico?
O histórico étnico dos pacientes está relacionado com a frequência e a intensidade de suas reclamações sobre a espera pela medicação contra dor?
O número de reclamações dos pacientes aumenta quando eles e os enfermeiros
têm históricos étnicos diferentes? E quando esses históricos são similares?
O comportamento dos enfermeiros, ao administrar o medicamento, muda em
função da similaridade com o histórico étnico dos pacientes?
176
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Essas questões originam­‑se de um mesmo problema geral, embora cada uma
mereça um estudo separado, pois algumas sugerem uma abordagem qualitativa
e outras, uma quantitativa. Um pesquisador quantitativo ficaria curioso em saber
mais sobre os comportamentos dos enfermeiros ao administrar o medicamento
com base em alguns dados da literatura relativos a diferenças étnicas. Tanto a
etnia quanto esses comportamentos são variáveis que podem ser mensuradas de
modo confiável. Contudo, um pesquisador qualitativo que notasse as diferenças
nas queixas dos pacientes ficaria mais interessado em compreender a essência das
reclamações, a experiência de frustração dos pacientes, o processo pelo qual o problema é resolvido ou a natureza integral das interações enfermeiro­‑paciente em
relação à administração de medicamentos. É difícil medir esses aspectos do problema de pesquisa de modo quantitativo. Os pesquisadores escolhem o problema
de pesquisa com base em vários fatores, incluindo seu interesse pessoal e sua
adequação ao paradigma preferido.
COMUNICAÇÃO DO PROBLEMA E QUESTÕES DE PESQUISA
Todos os estudos precisam incluir a declaração do problema – a apresentação
daquilo que é problemático e que serviu de estímulo para se iniciar a pesquisa.
A maioria dos relatórios de pesquisa também apresenta declaração do propósito,
questões de pesquisa ou hipóteses. Muitas vezes, são incluídas combinações desses
três elementos.
Alguns estudantes não compreendem inteiramente as declarações do problema e, em certos casos, têm dificuldade em identificá­‑las no artigo – e mais
dificuldade ainda em desenvolvê­‑las. A declaração do problema é apresentada
logo no começo do relatório de pesquisa e, frequentemente, começa na primeira
sentença após o resumo. Questões específicas de pesquisa, propósitos ou hipóteses
aparecem mais adiante, na introdução.
Declaração do problema
A declaração do problema expressa o dilema ou a situação desconcertante que
necessita de investigação e incorpora um princípio de raciocínio para uma nova investigação. Quando feita de forma adequada, é uma formulação bem­‑estruturada
sobre a problemática, o que precisa ser “consertado” ou o que ainda não foi compreendido plenamente. Em especial nos estudos quantitativos, a declaração do
problema apresenta em geral os seguintes componentes:
1. Identificação do problema: o que está errado na situação atual?
2. Histórico: qual a natureza do problema ou o contexto da situação que os
leitores precisam compreender?
3. Abrangência do problema: qual a dimensão do problema e quantas pessoas
são afetadas?
4. Consequências do problema: qual o custo de não resolver o problema?
5. Lacunas de conhecimento: que informação falta sobre o problema?
6. Solução proposta: como esse novo estudo vai contribuir para a resolução do
problema?
CAPÍTULO 6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa
177
Suponhamos que o tópico seja o humor como terapia complementar de re­
dução do estresse de portadores de câncer hospitalizados. Uma questão de pes­
quisa (que discutiremos mais adiante nesta seção) pode ser: qual o efeito do uso do
humor pelo enfermeiro sobre o estresse e a atividade das células natural killer de
portadores de câncer hospitalizados? O Quadro 6.1 apresenta um esboço inicial da
declaração de problema de um estudo como esse. A declaração é um rascunho
razoável, com alguns dos seis componentes, mas que poderia ser aprimorada.
O Quadro 6.2 ilustra como a declaração do problema pode ser incrementada, com acréscimo de informações sobre sua abrangência (componente 3), consequências de longo prazo (componente 4) e possíveis soluções (componente 6).
Esse segundo rascunho constrói um argumento mais forte e convincente para uma
nova pesquisa: milhões de pessoas são afetadas pelo câncer, e a doença tem consequências adversas não apenas para os diagnosticados e suas famílias, mas também
para toda a sociedade. A declaração do problema revisada sugere, ainda, uma
base para o novo estudo, descrevendo uma possível solução, que pode servir de
fundamento para a investigação.
DICA: COMO DISTINGUIR
Como você pode localizar a declaração do problema? Essas declarações raramente são escritas de
forma explícita; portanto, devem ser decifradas. A primeira sentença do relatório de pesquisa com
frequência é o ponto inicial da declaração do problema. Como o exemplo sugere, em geral, a decla‑
ração do problema está vinculada às descobertas obtidas na literatura pesquisada (por conveniência,
omitimos as referências reais). Descobertas prévias fornecem dados de sustentação dos argumentos
da declaração do problema e sugerem lacunas no corpo de conhecimentos. Em muitos artigos de
pesquisa, é difícil identificar a declaração da revisão da literatura, a não ser que haja uma subseção
especificamente chamada “Revisão da literatura” ou algo similar.
As declarações do problema de estudos qualitativos, de modo semelhante,
expressam a natureza do problema, seu contexto e sua abrangência e as informações necessárias para sua investigação, como no exemplo a seguir.
ESBOÇO DA DECLARAÇÃO Do PROBLEMA
QUADRO 6.1
SOBRE O HUMOR E O ESTRESSE
O diagnóstico do câncer está associado a níveis elevados de estresse. Números consideráveis de
pacientes que recebem o diagnóstico de câncer descrevem sentimentos de incerteza, medo, raiva
e perda de controle. Descobriu­‑se que as relações interpessoais, o funcionamento psicológico e o
desempenho de papéis ficam prejudicados após o diagnóstico e o tratamento do câncer.
Uma série de terapias alternativas/complementares tem sido desenvolvida na tentativa de diminuir
os efeitos prejudiciais do estresse sobre o funcionamento psicológico e fisiológico. No entanto, muitas
dessas terapias ainda não foram cuidadosamente avaliadas em termos de eficácia, segurança ou custo­
‑benefício. O uso do humor, por exemplo, tem sido recomendado como dispositivo terapêutico para
melhorar a qualidade de vida, diminuir o estresse e, talvez, incrementar o funcionamento imunológico,
mas há pouquíssimos dados para justificar sua popularidade.
178
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
QUADRO 6.2
POSSÍVEIS APRIMORAMENTOS NA DECLARAÇÃO
DO PROBLEMA SOBRE O HUMOR E O ESTRESSE
A cada ano, mais de 1 milhão de pessoas recebem o diagnóstico de câncer, que continua a ser uma
das principais causas de morte entre homens e mulheres (citação de referências). Numerosos estudos
têm documentado que o diagnóstico do câncer está associado a elevados níveis de estresse. Um grande
número de pacientes que recebe esse diagnóstico descreve sentimentos de incerteza, medo, raiva e
perda de controle (citações). Descobriu­‑se que as relações interpessoais, o funcionamento psicológico
e o desempenho de papéis ficam prejudicados após o diagnóstico e o tratamento do câncer (citações).
Esses resultados de estresse podem, por sua vez, afetar adversamente a saúde, o prognóstico de longo
prazo e os custos médicos de sobreviventes com câncer (citações).
Uma série de terapias alternativas/complementares tem sido desenvolvida na tentativa de diminuir os
efeitos prejudiciais do estresse sobre o funcionamento psicológico e fisiológico, e recursos (financeiros e
de pessoal) têm sido destinados a essas terapias nos últimos anos (citações). No entanto, muitas dessas
terapias ainda não foram cuidadosamente avaliadas em termos de eficácia, segurança ou custo­‑benefício.
O uso do humor, por exemplo, tem sido recomendado como dispositivo terapêutico para melhorar a
qualidade de vida, diminuir o estresse e, talvez, incrementar o funcionamento imunológico (citações), mas
há pouquíssimos dados para justificar sua popularidade. Entretanto, descobertas preliminares de um estudo
endocrinológico recente de pequena escala, com uma amostra saudável exposta a uma intervenção de
humor (citação), aponta um futuro promissor para a investigação de populações imunocomprometidas.
Exemplo de declaração do problema de um estudo qualitativo
Chantler e colaboradores (2007) afirmaram o seguinte: “Pouco se sabe sobre os motivos
que levam os pais a concordarem em participar de estudos de pesquisa clínica envolvendo
seus filhos, embora essa participação seja essencial para a aprovação de vacinas e para a
política de saúde pública. No Reino Unido, a incidência da doença do grupo C meningo‑
cócico em crianças de 0 a 3 anos de idade e adolescentes caiu 81% em 18 meses, devido
à introdução de uma nova vacina conjugada (Miller et al., 2002). A aprovação dessa vacina
foi possível apenas após uma série de testes clínicos entre a população pediátrica, que for‑
neceu fundamentação para que a vacina fosse aprovada em toda a Europa e no Canadá.
Outros avanços vão depender do consentimento dos pais, autorizando a participação de
seus filhos na pesquisa de vacinas. No entanto, o recrutamento para esse tipo de pesquisa é
especificamente difícil, e muitos pais negam­‑se a participar. Uma melhor compreensão das
percepções dos pais em relação ao processo de testes pode ajudar a incrementar a conduta
e o recrutamento em testes de vacina pediátrica” (p. 311).
Os estudos qualitativos inseridos em alguma tradição de pesquisa específica
em geral incorporam termos e conceitos em suas declarações do problema que
sugerem a tradição da investigação. Por exemplo, a declaração do problema de
um estudo de teoria fundamentada pode se referir à necessidade de gerar uma
teoria relativa aos processos sociais. A declaração do problema de um estudo fenomenológico pode observar a necessidade de conhecer melhor as experiências das
pessoas ou os significados que elas atribuem a essas experiências. Um etnógrafo
pode indicar a intenção de descrever como as forças culturais afetam o comportamento das pessoas.
CAPÍTULO 6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa
179
Declaração do propósito
Muitos pesquisadores expressam os objetivos da pesquisa na forma de uma declaração do propósito. Essa declaração estabelece a direção geral da investigação
e captura, comumente em uma ou duas sentenças claras, a substância do estudo.
Em geral, é fácil identificar a declaração do propósito, pois a palavra propósito é
explicitamente declarada: “O propósito desse estudo é...” – embora, às vezes, seja
usado algum sinônimo, como objetivo, fim ou intenção, como em: “O objetivo
desse estudo é...”.
Em estudos quantitativos, a declaração do propósito identifica as variáveis­
‑chave e suas possíveis inter­‑relações, assim como a população estudada.
Exemplo de declaração dO propósito de um estudo quantitativo
O propósito desse estudo era examinar o impacto do preconceito percebido na administração
de serviços de saúde (em termos de etnia, raça, sexo e orientação sexual) sobre o comporta‑
mento de detecção precoce de câncer em mulheres e a decisão delas em buscar atendimento
quando apresentam sintomas da doença (Facione e Facione, 2007).
Essa declaração de propósito identifica a população estudada – as mulheres.
As variáveis­‑chave do estudo são as percepções das mulheres sobre preconceitos
no sistema de saúde (variável independente) e suas decisões sobre a busca de
tratamento e exames (variáveis dependentes).
Em estudos qualitativos, a declaração do propósito indica a natureza da investigação, o conceito ou o fenômeno­‑chave e o grupo, a comunidade ou o local
estudado.
Exemplo de declaração dO propósito de um estudo qualitativo
O propósito deste estudo era descrever as experiências satisfatórias e insatisfatórias do aten‑
dimento de enfermagem pós­‑parto, a partir da perspectiva de mães adolescentes (Peterson,
Sword, Charles e DiCenso, 2007).
Essa declaração indica que o fenômeno central estudado consiste na satisfação das pacientes com o atendimento pós­‑parto e que o grupo estudado é formado
de mães adolescentes.
A declaração de propósito comunica mais do que simplesmente a natureza
do problema. A escolha dos verbos usados sugere a maneira como o pesquisador
pensa solucionar o problema ou o estado dos conhecimentos sobre o tópico. Um
estudo cujo propósito é explorar ou descrever algum fenômeno, provavelmente, é
uma investigação sobre um tópico pouco pesquisado, com frequência envolvendo
uma abordagem qualitativa, como a fenomenológica ou a etnográfica. A declaração do propósito de um estudo qualitativo – em especial em estudos de teoria
fundamentada – também pode usar verbos como compreender, descobrir, desenvol‑
ver ou gerar. Em estudos qualitativos, essas declarações costumam “codificar” a
tradição de pesquisa não apenas pela escolha dos verbos, mas também pelo uso de
180
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
certos termos ou palavras tipicamente associadas a determinadas tradições, como
é o caso de:
ü
ü
ü
processos, estruturas sociais e interações sociais na teoria fundamentada;
experiência, experiência vivida, significado e essência nos estudos fenomenoló‑
gicos;
cultura, papéis, estilos de vida e comportamento cultural nos estudos etnográficos.
Os pesquisadores quantitativos também usam os verbos para comunicar a
natureza da investigação. Uma declaração indicativa de que o propósito do estudo
é testar ou avaliar algo (p. ex., uma intervenção) sugere um projeto experimental.
Um estudo cujo propósito é examinar a relação entre duas variáveis mais provavelmente envolve um modelo quantitativo não experimental. Em alguns casos, o
verbo é ambíguo: uma declaração do propósito indicativa de que a intenção do
pesquisador consiste em comparar algo pode se referir a um paralelo tanto de
tratamentos alternativos (usando um modo experimental) quanto de dois grupos preexistentes (empregando um modelo não experimental). Em qualquer caso,
verbos como testar, avaliar e comparar sugerem a existência de um conhecimento
básico, de variáveis quantificáveis e de um modelo com controles científicos.
Observe­‑se que a escolha dos verbos da declaração do propósito deve denotar objetividade. Uma declaração de propósito indicativa de que a intenção do
estudo era provar, demonstrar ou mostrar algo sugere um desvio.
Questões de pesquisa
As questões de pesquisa, em alguns casos, são reelaborações diretas das declarações de propósitos, reformuladas de modo interrogativo e não declarativo, como
no exemplo a seguir:
ü
ü
O propósito desse estudo é avaliar a relação entre o nível de dependência de
receptores de transplante renal e sua taxa de recuperação.
Qual a relação entre o nível de dependência de receptores de transplante renal
e sua taxa de recuperação?
Questões simples e diretas encorajam uma resposta e ajudam a focar a atenção no tipo de dado necessário ao fornecimento dessa resposta. Alguns relatos
de pesquisa, no entanto, omitem a declaração do propósito e colocam apenas as
questões de pesquisa. Outros pesquisadores usam um conjunto de questões de
pesquisa para esclarecer ou dar maior especificidade a uma declaração de propósito global.
Questões de pesquisa em estudos quantitativos
No Capítulo 2, discutimos a estruturação de questões clínicas iniciais específicas
para orientar investigações de PBE. Muitos dos enquadramentos de questões de
PBE da Tabela 2.1 também poderiam gerar tópicos para orientar um projeto de
pesquisa, mas os pesquisadores tendem a conceituar suas questões em termos de
variáveis. Vejamos, por exemplo, a primeira questão da Tabela 2.1 – “Em (popu-
CAPÍTULO 6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa
181
lação), qual o efeito de (intervenção) sobre (resultado)?”. O mais provável é que
um pesquisador pense nessa questão do seguinte modo: “Em (população), qual
o efeito de (variável independente) sobre (variável dependente)?”. A vantagem
de pensar em termos de variáveis está em que os pesquisadores precisam tomar
decisões conscientes a respeito do modo de operacionalização dessas variáveis e
elaborar uma estratégia de análise a partir delas. Portanto, é possível depreender
que, em estudos quantitativos, as questões de pesquisa identificam as variáveis­
‑chave do estudo, as relações entre elas e a população examinada. As variáveis são
todos os conceitos mensuráveis, e as questões sugerem quantificação.
A maioria das questões de pesquisa trata de relações entre variáveis e, portanto, muitas questões da pesquisa quantitativa podem ser expressas em um
enquadramento geral do tipo: “Em (população), qual a relação entre (variável
independente [VI]) e (variável dependente [VD])?”. Exemplos com pequenas variações incluem:
ü
ü
ü
Tratamento, intervenção: Em (população), qual o efeito de (VI: intervenção)
sobre (VD)?
Prognóstico: Em (população), (VI: doença, condição) afeta ou influencia
(VD)?
Etiologia/dano: Em (população), (VI: exposição, característica) causa ou aumenta
o risco de (VD)?
Portanto, às vezes, as questões são expressas em termos dos efeitos de uma
variável independente sobre a variável dependente – mas, ainda assim, há uma
relação entre as variáveis.
Existem distinções entre questões clínicas específicas de uma pesquisa de
dados focados na PBE, como descrito no Capítulo 2, e de uma questão de pesquisa
para um estudo original. Como mostrado na Tabela 2.1, algumas vezes, os clínicos fazem perguntas sobre comparações explícitas (p. ex., querem comparar as
intervenções A e B); outras vezes não (p. ex., querem saber quais são os efeitos da
intervenção A, comparada com qualquer outra intervenção que já tenha sido estudada ou com a ausência de uma intervenção). Na questão de pesquisa, há sempre
uma comparação planejada, pois a variável independente tem de ser definida de
modo operacional; essa definição expressa exatamente o que está sendo estudado.
Como discutido nos capítulo subsequentes, a natureza da comparação tem implicações no vigor do estudo e no potencial de interpretação dos achados.
Outra distinção entre as questões de PBE e de pesquisa é que essas últimas às
vezes são mais complexas do que as questões clínicas específicas. Suponhamos que
o nosso interesse inicial seja o uso do humor pelos enfermeiros no atendimento a
pacientes com câncer e os efeitos positivos que o humor tem sobre esses pacientes. Uma questão de pesquisa poderia ser: “Qual o efeito do uso do humor por
enfermeiros (VI; versus ausência do uso de humor) sobre o estresse (VD) de portadores de câncer hospitalizados (população)?”. Contudo, também poderíamos
estar interessados em compreender o trajeto causal, aspecto que implicaria uma
variável mediadora, como discutido no Capítulo 4. Perguntaríamos, por exemplo,
o seguinte: “O uso do humor por enfermeiros tem efeito direto sobre o estresse de
portadores de câncer hospitalizados ou esse efeito é mediado pelo efeito do humor
sobre a atividade celular?”. Em questões que envolvem mediadores, os pesquisadores podem estar tão interessados no mediador quanto na variável independente, porque os mediadores são fundamentais nos mecanismos explicativos.
182
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Nem todas as questões de pesquisa abordam relações – algumas são essencialmente descritivas. Como exemplo, apresentamos a seguir questões descritivas
que poderiam ser respondidas em um estudo quantitativo sobre o uso do humor
por enfermeiros:
ü
ü
ü
Com que frequência os enfermeiros usam o humor como terapia complementar
no atendimento de portadores de câncer hospitalizados?
Quais as características dos enfermeiros que usam o humor como terapia complementar no atendimento de portadores de câncer hospitalizados?
A escala de uso do humor escolhida é um medidor preciso e válido do emprego
do humor por enfermeiros no atendimento a pacientes portadores de câncer
hospitalizados­?
As respostas a essas perguntas, se tratadas por um estudo metodológico sólido, seriam úteis ao desenvolvimento de estratégias eficazes para reduzir o estresse
de pacientes com câncer.
Exemplo de questões de pesquisa de um estudo quantitativo
Taylor (2007) estudou os requisitos dos enfermeiros para um atendimento espiritual (ou seja,
o que o cliente requer dos enfermeiros antes de ficar receptivo a um atendimento espiritual).
As questões incluíam: “Que características um paciente busca no enfermeiro antes de aceitar
um atendimento espiritual?” e “Que características demográficas ou relacionadas à doença dos
pacientes estão associadas aos requisitos do enfermeiro para um atendimento espiritual?”.
Nesse exemplo, a primeira questão é descritiva. A segunda trata da relação
entre variáveis independentes (características dos clientes) e uma variável dependente (requisitos do enfermeiro para um atendimento espiritual).
Questões de pesquisa em estudos qualitativos
Em estudos qualitativos, as questões de pesquisa incluem o fenômeno e o grupo ou população estudada. Pesquisadores de várias tradições qualitativas diferem
na conceituação dos tipos de questões que são importantes. Os pesquisadores da
teoria fundamentada são propensos a fazer perguntas sobre o processo; os fenomenologistas, sobre o significado; os etnógrafos, sobre a descrição das culturas.
Os termos associados com as várias tradições, discutidos previamente no item da
declaração de propósito, em geral são incorporados às questões de pesquisa.
Exemplo de questão de pesquisa de um estudo fenomenológico
Qual a estrutura da experiência vivida no sentimento de incerteza? (Bunkers, 2007)
Nem todos os estudos qualitativos têm raízes em uma tradição de pesquisa
específica. Muitos pesquisadores usam métodos naturalistas para descrever ou explorar fenômenos, sem focar culturas, significados ou processos sociais.
CAPÍTULO 6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa
183
Exemplo de questão de pesquisa de um estudo qualitativo
descritivo
Oliffe e Thorne (2007) exploraram a comunicação médico­‑paciente no contexto das discus‑
sões sobre o câncer de próstata. Uma das questões de pesquisa era: “Como pacientes com
câncer de próstata preservam seu eu masculino ao falar com médicos do sexo masculino
sobre o câncer?”.
Em estudos qualitativos, as questões de pesquisa às vezes surgem ao longo
do estudo. No início, o foco dos pesquisadores define as fronteiras gerais da pesquisa, mas essas fronteiras não se encontram rigidamente delimitadas – “alterações podem ocorrer e, na investigação naturalista típica, com certeza ocorrerão”
(Lincoln e Guba, p. 228). Os naturalistas com frequência são flexíveis o suficiente
em relação a isso, pensam que a questão pode ser modificada à medida que novas
informações tornam essa mudança relevante.
DICA
Com mais frequência, os pesquisadores declaram seu propósito e as questões de pesquisa no
final da introdução ou logo depois da revisão da literatura. Às vezes, dedica­‑se uma seção se‑
parada do relatório de pesquisa – em geral localizada antes da seção do método – à declaração
do problema de pesquisa de modo formal; ela pode ser intitulada “Propósito”, “Declaração do
propósito”, “Questões de pesquisa” ou, em estudos quantitativos, “Hipóteses”.
HIPÓTESES DE PESQUISA
Alguns pesquisadores quantitativos declaram hipóteses explícitas em seus relatórios. A hipótese é uma predição e, quase sempre, envolve uma relação prevista
entre duas ou mais variáveis. Os qualitativos, por sua vez, não começam por hipóteses, em parte, porque, em geral, pouco se sabe a respeito do tópico que não
se justifica fazer conjeturas e, em parte, porque esses pesquisadores querem que a
investigação seja orientada pelos pontos de vista dos participantes e não por seus
próprios palpites. Portanto, aqui nossa discussão foca as hipóteses da pesquisa
quantitativa.
Função das hipóteses na pesquisa quantitativa
Muitas questões de pesquisa, como já referido, são investigações sobre relações entre variáveis. As hipóteses são previsões dos resultados das investigações. Vejamos
um exemplo. A questão de pesquisa é: “O abuso sexual na infância afeta o desenvolvimento da síndrome intestinal irritável em mulheres?”. O pesquisador pode
prever o seguinte: as mulheres que sofreram abuso sexual na infância têm maior
incidência de síndrome intestinal irritável do que aquelas que não sofreram.
Às vezes, as hipóteses surgem a partir da teoria. Os cientistas produzem hipóteses com base na teoria, as quais são testadas no mundo real. A validade de
184
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
uma teoria nunca é examinada diretamente, mas a solidez da teoria pode ser
avaliada pelo teste da hipótese. Por exemplo, a teoria do reforço defende que o
comportamento positivamente reforçado (recompensa) tende a ser aprendido (repetido). A teoria é muito abstrata para ser testada, mas predições feitas com base
nessa teoria podem ser testadas. A hipótese a seguir, por exemplo, foi derivada
da teoria do reforço: os pacientes pediátricos que recebem uma recompensa (p.
ex., um balão ou permissão para assistir à TV) quando cooperam durante procedimentos de enfermagem tendem a cooperar mais nessa situação do que os não
recompensados. Essa proposição pode ser testada no mundo real. A teoria ganha
sustentação quando as hipóteses são confirmadas.
Inclusive na ausência de uma teoria, hipóteses bem formuladas oferecem
direções e sugerem explicações. Suponhamos uma hipótese de que a incidência de
dessaturação e de bradicardia em bebês cujo peso era baixo no nascimento e que
passam por intubação e ventilação seria menor se fosse usado o sistema de sucção
traqueal fechada (CTSS, do inglês closed tracheal suction) em vez do método de
sucção endotraqueal parcialmente ventilada (PVETS, do inglês partially ventilated
endotracheal suction method). Nossa especulação poderia se basear em estudos
prévios ou observações clínicas. O desenvolvimento de predições, de um modo ou de
outro, força os pesquisadores a pensarem de modo lógico, a exercitarem o julgamento
crítico e a juntarem descobertas anteriores.
Agora vamos supor que a hipótese precedente não seja confirmada, isto é, descobrimos que as taxas de taquicardia e de dessaturação são similares aos dois métodos, o PVETS e o CTSS. Já que os dados não sustentaram a predição, os pesquisadores
são forçados a analisar a teoria ou a pesquisa prévia de modo crítico, para rever com
cuidado as limitações dos métodos de estudo e para explorar explicações alternativas
para as descobertas. O uso de hipóteses em estudos quantitativos tende a induzir o
pensamento crítico e a facilitar a compreensão e a interpretação dos dados.
Para ilustrar melhor a utilidade das hipóteses, consideremos a realização de
um estudo orientado apenas pela questão: “Há uma relação entre o método de
sucção e as taxas de dessaturação e bradicardia?”. Sem a hipótese, o pesquisador
está, em princípio, apto a aceitar qualquer resultado. O problema consiste em que,
quase sempre, é possível explicar algo de modo superficial após o fato, sejam quais
forem as descobertas. As hipóteses reduzem a chance de resultados ilegítimos mal
compreendidos.
DICA
Alguns relatórios de pesquisas quantitativas declaram de modo explícito as hipóteses que
orientaram o estudo, mas muitos não o fazem. A ausência de uma hipótese pode ser indicação
de que o pesquisador não considerou criticamente as implicações da base de conhecimento
existente ou não revelou seus palpites.
Características das hipóteses testáveis
As hipóteses de pesquisa testáveis declaram a relação esperada entre a VI (antecedente ou causa presumida) e a VD (resultado ou efeito presumido) em uma
população.
CAPÍTULO 6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa
185
Exemplo de hipótese de pesquisa
Gungor e Beji (2007) testaram o efeito da participação dos pais no parto em uma experiência
de nascimento na Turquia, onde a cultura prevalente não prevê um papel para os pais durante
o processo de nascimento. Os pesquisadores lançaram a hipótese de que as mulheres cujos
companheiros assistiram o parto precisariam de menor medicação para alívio da dor do aque‑
las que ficaram sozinhas.
Nesse exemplo, a população são as mulheres que dão à luz em hospitais
turcos; a VI é a necessidade das mães de analgésico. A hipótese prevê que essas
duas variáveis estão relacionadas dentro da população – espera­‑se que as mulheres cujos parceiros não se encontram presentes durante o parto precisem de mais
medicamento.
Às vezes, os pesquisadores apresentam hipóteses que não produzem uma declaração relacional, como no seguinte exemplo: as grávidas que recebem instrução
pré­‑natal por enfermeiros em relação às experiências pós­‑parto não ficam propensas a
experimentar depressão pós­‑parto. Essa declaração não expressa uma relação antecipada; na verdade, há apenas uma variável (a depressão pós­‑parto). Para estabelecer
uma relação, por definição, precisamos de, pelo menos, duas variáveis.
Sem a predição sobre uma relação antecipada, a hipótese não pode ser testada por procedimentos estatísticos usuais. Em nosso exemplo, como vamos saber
se a hipótese foi confirmada – que padrão vamos usar para decidir se aceitamos ou
rejeitamos a hipótese? A fim de ilustrar o problema de modo mais concreto, vamos
supor que fizemos a um grupo de mães de primeira viagem que recebeu instrução
pré­‑natal a seguinte pergunta: “Em geral, qual tem sido seu nível de depressão
desde o parto – (1) extremamente deprimida; (2) moderadamente deprimida; (3)
um pouco deprimida; (4) nem um pouco deprimida?”
Com base nas respostas a essa pergunta, como poderíamos comparar o resultado real com o previsto? Seria necessário que todas as mulheres respondessem
“nem um pouco deprimida”? A predição seria confirmada caso 51% das mulheres
dissessem que não ficaram “nem um pouco deprimida” ou “um pouco deprimida”?
É difícil testar a precisão da predição.
No entanto, um teste seria simples caso modificássemos a predição para:
as mulheres grávidas que recebem instrução pré­‑natal ficam menos propensas a
experimentar depressão pós­‑parto do que as que não recebem. Nesse caso, a VD é
a depressão das mulheres, e a VI é terem ou não recebido a instrução pré­‑natal. O
aspecto relacional da predição está inserido na expressão menos... do que. Quando
não inclui uma expressão do tipo mais do que, menos do que, maior do que, diferen‑
te de, relacionado com, associado com ou algo similar, a hipótese não é prontamente
testável. Para testar a hipótese revisada, poderíamos pedir a dois grupos de mulheres com experiências de instrução pré­‑natal diferentes que respondessem àquela
pergunta sobre depressão e, depois, compararíamos as respostas. O grau absoluto
de depressão de um grupo ou outro não seria o foco.
As hipóteses devem basear­‑se em raciocínios justificáveis. Com frequência,
elas são derivadas de achados prévios de pesquisas ou deduzidas a partir de uma
teoria. Quando uma área relativamente nova é pesquisada, os pesquisadores às
vezes precisam recorrer ao raciocínio lógico ou à experiência clínica para justificar
as predições.
186
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
DICA
Em geral, é muito fácil identificar as hipóteses, porque os pesquisadores fazem declarações do
tipo “O estudo testou a hipótese de que...” ou “Foi previsto que...”.
Expressão escrita das hipóteses
Há muitos modos de formular hipóteses, mas os verbos devem estar no tempo
presente. Os pesquisadores fazem a predição sobre determinada relação em uma
população – e não apenas sobre uma relação que se revelará em uma amostra
específica de participantes do estudo.
A hipótese pode prever a relação entre uma única VI e uma única VD (hipótese
simples) ou entre duas ou mais VI e duas ou mais VD (hipótese complexa).
Exemplo de hipótese complexa – múltiplas variáveis independentes
Schweitzer e colaboradores (2007) lançaram a hipótese de que, entre pacientes com insufi­
ciência cardíaca, a depressão (VI1), a ansiedade (VI2) e a autoeficácia (VI3) são fatores indepen‑
dentes de predição do cumprimento das recomendações do tratamento médico (VD).
Assim como o resultado pode ser afetado por mais de uma VI, uma única
VI pode afetar ou influenciar mais de um resultado. Uma série de estudos tem
revelado, por exemplo, que o tabagismo (VI) pode levar tanto ao câncer de pulmão (VD1) quanto a disfunções coronárias (VD2). Hipóteses complexas são mais
comuns em estudos que tentam avaliar o impacto de uma intervenção de enfermagem sobre vários resultados.
Exemplo de hipótese complexa – múltiplas variáveis dependentes
McLeod e colaboradores (2007) lançaram a hipótese de que pessoas com alucinações auditi‑
vas que tivessem participado de uma intervenção comportamental cognitiva (VI) experimen‑
tariam, em comparação com não participantes, menos alucinações (VD1), menos ansiedade
(VD2) e menos sintomas de sofrimento (VD3).
As hipóteses podem ser declaradas de vários modos, como nos seguintes
exemplos:
1. Pacientes mais velhos correm maior risco do que os mais novos de experimentar
uma queda.
2. Há uma relação entre a idade do paciente e o risco de queda.
3. Quanto mais velho for o paciente, maior será seu risco de cair.
4. Pacientes mais velhos diferem dos mais novos em relação ao risco de queda.
5. Pacientes mais novos tendem a correr menor risco de cair do que os mais
velhos.
6. O risco de queda aumenta à medida que aumenta a idade do paciente.
CAPÍTULO 6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa
187
Em todos esses exemplos, as hipóteses indicam a população (pacientes), a VI
(idade do paciente), a VD (o risco de queda) e uma relação prevista entre elas.
As hipóteses podem ser direcionadas ou não direcionadas. A hipótese di‑
recionada é aquela que especifica não apenas a existência de uma relação entre
as variáveis, mas também a direção esperada dessa relação. Nas seis versões de
hipóteses que acabamos de apresentar, as de número 1, 3, 5 e 6 são direcionadas,
porque apresentam uma predição explícita de que pacientes mais velhos correm
maior risco de queda do que os mais novos.
A hipótese não direcionada é aquela que não estipula a direção da relação,
como ilustrado nas versões 2 e 4. Essas hipóteses afirmam que a idade do paciente e o risco de queda estão relacionados, mas não especificam se o pesquisador
acredita que os pacientes mais velhos ou que os mais novos são o grupo que corre
maior risco.
Já as hipóteses baseadas em uma teoria quase sempre são direcionadas,
pois as teorias explicam os fenômenos e fornecem um princípio de raciocínio para
expectativas explícitas. Os estudos existentes também oferecem uma base para
hipóteses direcionadas. Quando não existe teoria nem pesquisa relacionada ou
quando os achados de estudos relacionados são contraditórios, hipóteses não direcionadas podem ser apropriadas. Algumas pessoas argumentam que, na verdade, é preferível usar tais hipóteses, pois sugerem imparcialidade. De acordo
com essa perspectiva, as hipóteses direcionadas implicam que os pesquisadores
estão intelectualmente comprometidos com certos resultados, o que pode levar
a desvios. Esse argumento, entretanto, não considera que os pesquisadores, de
fato, costumam dar palpites, sejam eles declarados ou não. Preferimos hipóteses
direcionadas – quando há uma base racional para usá­‑las –, pois esclarecem qual o
enquadramento do estudo e demonstram que os pesquisadores pensaram de modo
crítico sobre os conceitos estudados.
Outra distinção envolve a diferença entre as hipóteses investigativas e nulas. As hipóteses investigativas (também conhecidas como substantivas ou cien‑
tíficas) são declarações de relações esperadas entre variáveis. Todas as hipóteses
apresentadas até aqui são desse tipo e indicam expectativas reais.
A inferência estática opera de acordo com uma lógica que pode ser um pouco
confusa. Essa lógica exige que as hipóteses sejam expressas como uma ausência
de relação esperada. As hipóteses nulas (ou hipóteses estatísticas) declaram que
não há relação entre a VI e a VD. A forma nula da hipótese usada em nosso último
exemplo seria: “Os pacientes mais velhos são exatamente como os mais novos em
termos de queda”. A hipótese nula pode ser comparada à suposição de inocência
no sistema de justiça criminal inglês: Pressupõe­‑se que as variáveis são “inocentes”, ou seja, não têm relação entre si até que seja provado o contrário; isto é, que
são “culpadas” por procedimentos estatísticos. As hipóteses nulas representam a
declaração formal dessa suposição de inocência.
Em geral, os relatórios de pesquisa apresentam hipóteses investigativas em
vez de hipóteses nulas. Quando são realizados testes estatísticos, hipóteses nulas
subjacentes são pressupostas sem uma formulação explícita. Se a hipótese investigativa real do pesquisador indicar que não há relação entre as variáveis, não será
possível testá­‑la de modo adequado por procedimentos estatísticos tradicionais.
Esse tema é explicado no Capítulo 15.
188
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
DICA
Se o pesquisador usa algum teste estatístico (como acontece na maioria dos estudos quanti‑
tativos), isso significa que há hipóteses subjacentes, estejam elas declaradas explicitamente ou
não, pois esses testes destinam­‑se a testar hipóteses.
Teste e comprovação de hipóteses
As hipóteses são testadas formalmente por análise estatística. Os pesquisadores
buscam determinar, por meio da estatística, se as hipóteses formuladas têm alta
probabilidade de estarem corretas. A análise estatística não fornece provas, apenas
sustenta inferências de que a hipótese provavelmente é correta (ou não). Hipóteses
nunca são provadas; em vez disso, são aceitadas ou sustentadas. As descobertas
sempre são hipotéticas. Certamente, se houver repetição dos mesmos resultados
em numerosas pesquisas, o grau de confiabilidade das conclusões será maior. À
medida que se acumulam dados que sustentam as hipóteses, estas se tornam mais
confiáveis.
Para ilustrar o porquê disso, vamos formular a hipótese de que a altura e o
peso estão relacionados. Prevemos que, em média, as pessoas altas pesam mais
do que as baixas. Depois, fazemos medições da altura e do peso de uma amostra e
analisamos os dados. Suponhamos que, por acaso, selecionamos uma amostra que
consistia em pessoas baixas pesadas e pessoas altas magras. Os resultados indicariam a não existência de uma relação entre a altura e o peso das pessoas. Teríamos
fundamento para declarar que esse estudo provou ou demonstrou que a altura e o
peso não estão relacionados?
Outro exemplo. Segundo nossa hipótese, os enfermeiros altos são mais eficientes do que os baixos. Essa hipótese é usada aqui apenas para ilustrar uma
ideia, porque, na realidade, não esperamos que exista alguma relação entre a altura e o desempenho dos enfermeiros. Vamos imaginar, então, que, mais uma vez
por acaso, formamos uma amostra de enfermeiros em que os altos tiveram melhor
avaliação de desempenho do que os baixos. Poderíamos concluir, definitivamente,
que a altura está relacionada com o desempenho do enfermeiro? Esses dois exemplos ilustram a dificuldade de usar observações de uma amostra para generalizações sobre uma população. Outros temas, como a precisão das medições, os efeitos
de variáveis não controladas e a validade das suposições subjacentes, evitam que
os pesquisadores concluam categoricamente que as hipóteses foram provadas.
CRítica de PROBLEMAS, QUESTÕES E HIPÓTESES DE PESQUISA
Na crítica a relatórios de pesquisa, é preciso avaliar se os pesquisadores declararam o problema de pesquisa de modo adequado. O delineamento do problema, a
declaração do propósito, as questões de pesquisa e as hipóteses montam o palco
para a descrição do que foi feito e do que foi aprendido. De maneira ideal, o leitor
não precisaria procurar muito para decifrar qual o problema de pesquisa ou para
descobrir quais as questões.
Criticar o problema de pesquisa envolve várias dimensões. De modo substantivo, é preciso considerar se o problema têm importância para a enfermagem
CAPÍTULO 6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa
189
e potencial para produzir dados capazes de melhorar a prática de enfermagem.
Pesquisas baseadas no conhecimento existente encontram­‑se em bom estado para
fazer contribuições para a prática de enfermagem baseada em evidências. Os pesquisadores que desenvolvem um programa de pesquisa sistemático, levando em
consideração as próprias descobertas anteriores, têm grandes chances de contribuir de modo significativo. Por exemplo, a série de estudos de Beck relacionados
com a depressão pós­‑parto (p. ex., Beck, 1993, 1996, 2001; Beck e Gable, 2002,
2005) influenciou o atendimento de saúde à mulher no mundo todo. Além disso,
problemas de pesquisa surgidos a partir de prioridades de pesquisa estabelecidas
(ver Cap. 1) têm maior probabilidade de revelar dados novos importantes para os
enfermeiros, pois refletem a opinião de especialistas sobre áreas que precisam ser
pesquisadas.
Outra dimensão da crítica do problema de pesquisa está relacionada a temas metodológicos – em particular, se o problema é compatível com o paradigma
de pesquisa escolhido e seus respectivos métodos. É preciso avaliar, ainda, se a
declaração do propósito ou se as questões de pesquisa foram expressos de modo
apropriado e se podem ser submetidos a um estudo empírico.
Em estudos quantitativos, se o relatório de pesquisa não incluir hipóteses
explícitas, será necessário considerar se essa ausência se justifica. Se houver hipóteses, será preciso avaliar se estão logicamente conectadas com o problema de
pesquisa e se são consistentes com o conhecimento disponível ou a teoria relevante. A expressão da hipótese em palavras também deve ser examinada. A hipótese
é uma orientação válida para a investigação científica apenas se for testável. Para
ser testável, precisa conter uma predição sobre a relação entre duas ou mais variá­
veis mensuráveis.
Orientações específicas para crítica de problemas, questões e hipóteses de
pesquisa encontram­‑se no Quadro 6.3.
QUADRO 6.3
ORIENTAÇÕES PARA CRÍTICA DE PROBLEMAS,
QUESTÕES E HIPÓTESES DE PESQUISA
1. Qual o problema de pesquisa? É fácil localizar a declaração do problema? Ela foi comunicada claramente?
A declaração do problema dá ao novo estudo um argumento persuasivo e convincente?
2.O problema tem importância para a enfermagem? Como a pesquisa pode contribuir para a prática, a
administração, a educação ou a política de enfermagem?
3.O problema de pesquisa e o paradigma dentro do qual a pesquisa foi realizada encaixam­‑se bem? Há
boa inserção na tradição de pesquisa qualitativa (se aplicável)?
4.O relatório apresenta formalmente a declaração do propósito, a questão de pesquisa e/ou a hipótese?
Essa informação é comunicada com clareza e concisão e encontra­‑se em um local útil e lógico?
5. As declarações de propósito ou questões foram expressas em palavras apropriadas? (Os conceitos/
variáveis­‑chave e a população foram identificados? Os verbos são usados de modo adequado, sugerindo
a natureza da investigação e/ou a tradição da pesquisa?)
6.Se não houver hipóteses formais, sua ausência é justificada? São usados testes estatísticos na análise dos
dados, apesar da ausência de hipóteses declaradas?
7. As hipóteses (se houver) derivam de uma teoria ou de pesquisas prévias? Há uma base justificável para
as predições?
8. As hipóteses (se houver) são expressas em palavras adequadas – declaram a existência de uma relação
entre duas ou mais variáveis? São direcionadas ou não direcionadas? Há um princípio de raciocínio no
modo como são expressas? São apresentadas como hipóteses investigativas ou nulas?
190
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADEs DE PENSAMENTO CRÍTICO
Esta seção descreve como o problema e as questões de pesquisa foram comunicadas em dois estudos
de enfermagem, um quantitativo e outro qualitativo.
EXEMPLO 1
Pesquisa quantitativa
Estudo
O efeito de uma intervenção, com vários componentes, para parar de fumar entre mulheres afro­
‑americanas que moram em conjuntos residenciais do governo (Andrews et al., 2007).
Declaração do problema
“O uso do tabaco é a causa número um de morte evitável entre todos os indivíduos dos Estados
Unidos, e há abismos nas disparidades de saúde ocorridas entre minorias étnicas. [...] As mulheres
afro­‑americanas que residem em conjuntos urbanos subsidiados pelo governo relatam prevalência
de 40 a 60% em algumas comunidades, taxa no mínimo duas vezes mais alta do que a de mulheres
na população em geral. [...] As mulheres desses conjuntos indicam que o uso do tabaco fornece uma
fonte alternativa de prazer na falta de outros recursos disponíveis e que o cigarro é utilizado para
regular o humor e a depressão, controlar o estresse e lidar com as condições de vida. [...] Por causa
do pequeno número de pesquisas destinadas a investigar mulheres afro­‑americanas fumantes de
baixa condição socioeconômica, não há dados disponíveis sobre a eficácia de intervenções para parar
de fumar especificamente elaboradas de acordo com o sexo e a etnia/raça” (p. 45­‑46). (Omitimos as
citações em prol da fluência da apresentação.)
Declaração do propósito
O propósito desse estudo era testar a eficácia de uma intervenção com a parceria da comunidade
(Sister to Sister) para promover o fim do tabagismo entre mulheres afro­‑americanas moradoras de
conjuntos residenciais estatais.
Hipóteses
Cinco hipóteses foram testadas, incluindo as três seguintes:
1 As mulheres que vão receber a intervenção Sister to Sister terão mais abstinências contínuas de
seis meses em comparação com as que não vão receber.
2 As mulheres que vão receber a intervenção terão mais abstinências de sete dias nas semanas de
números 6, 12 e 24 em comparação com as que não vão receber.
3 As mulheres que vão receber a intervenção terão níveis mais elevados de apoio social,
autoeficácia na tentativa de parar de fumar e bem­‑estar espiritual nas semanas de números 6, 12
e 24 em comparação com as que não vão receber.
Intervenção
Foi usado um modelo colaborativo, envolvendo o pesquisador em enfermagem, o conselho social
e membros da comunidade, para planejar, desenvolver e implantar uma intervenção com vários
componentes e culturalmente específica. Os três principais componentes eram:
1 aconselhamento comportamental e de capacitação, com duração de várias semanas e
administrado pelo enfermeiro no formato de grupo;
2 terapia de reposição de nicotina;
3 contato pessoal com um profissional da área de saúde da comunidade para incrementar a
autoeficácia, o apoio social e o bem­‑estar espiritual.
(continua)
CAPÍTULO 6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa
191
Métodos
Dois dos 16 conjuntos residenciais do governo de um distrito do estado da Geórgia foram selecionados
por causa de sua similaridade em termos de tamanho, nível de pobreza e composição racial (99,5%
de afro­‑americanos). Por sorteio, uma comunidade foi selecionada para receber a intervenção; e
a outra, para servir de comparação. As participantes do estudo eram 103 mulheres fumantes que
queriam parar – 51 no grupo de intervenção, 52 no grupo de comparação. Os dados foram coletados
no início do estudo e nas semanas de números 6, 12 e 24. As mulheres do grupo de comparação
receberam materiais impressos de autoajuda para parar de fumar.
Achados
Foi registrada uma taxa de abstinência contínua de seis meses de 27,5% no grupo de intervenção,
comparada com 5,7% no outro grupo, o que sustenta a hipótese 1. A hipótese 2 também foi ratificada.
Por exemplo, na sexta semana, a taxa de prevalência de sete dias era de 49% para quem recebia a
intervenção e de 7,6% para quem não recebia. A hipótese 3 teve sustentação parcial: houve melhora
significativa no grupo da intervenção em 2 dos 3 resultados psicossociais (mensurações do apoio
social e da autoeficácia), mas não em todos os três períodos de acompanhamento.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 6.3 relevantes para esse estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e
compreender o estudo:
a)No relatório de pesquisa, onde os pesquisadores deviam apresentar as hipóteses? E os
resultados do teste das hipóteses?
b)No resumo, quais as dicas de que esse estudo é quantitativo?
c)O relatório não declarou as questões de pesquisa. Quais seriam algumas delas?
d) Teria sido possível declarar as três hipóteses em uma só? Se sim, como ficaria?
e) Desenvolva uma questão de pesquisa para um estudo fenomenológico e/ou de teoria
fundamentada relacionado à área temática geral desse estudo.
3 Se os resultados desse estudo forem válidos e generalizáveis, quais serão alguns usos das
descobertas na prática clínica?
EXEMPLO 2
Pesquisa qualitativa
Estudo
Fotografias de família: expressões dos pais que criam filhos com incapacidades (Lassetter, Mandleco,
e Roper, 2007).
Declaração do problema
“A prevalência de incapacidades em crianças é surpreendentemente alta. Em 2003, 6,9% dos filhos
com 18 anos de idade ou menos nos Estados Unidos tinham condições crônicas que limitavam suas
atividades. [...] Essas incapacidades influenciam não apenas a vida dos filhos, mas também a dos outros
membros da família de várias formas. [...] Criar um filho com incapacidade pode ser uma fonte de
estresse para os pais. [...] Fontes específicas de estresse incluem aprender a lidar com o evento
imprevisto de ter um filho com incapacidade, a variação das demandas físicas e psicológicas dos
cuidados de que o filho precisa, a probabilidade de dependência a vida toda, desafios de comunicação
e um diagnóstico incerto. [...] A maior parte das informações relativas a experiências de pais que criam
filhos com incapacidades tem sido obtida por métodos quantitativos. [...] Ainda que os achados com
(continua)
192
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADEs DE PENSAMENTO CRÍTICO (continuação)
métodos quantitativos sejam informativos, a riqueza das experiências dos pais pode ser mais bem
compreendida por meio da pesquisa qualitativa. [...] Na verdade, vários pesquisadores têm usado
métodos qualitativos para compreender melhor a vida de pais que têm filhos com incapacidades.
[...] No entanto, ainda há muito a aprender, e uma abordagem qualitativa diferente pode ajudar os
pesquisadores a descobrirem alguns significados profundos e desconhecidos do fenômeno estudado”
(p. 456). (Omitimos as citações em prol da fluência da apresentação.)
Declaração do propósito
O propósito desse estudo descritivo era usar a fotografia para capturar as percepções da vida cotidiana
de pais que criam filhos com incapacidades.
Questões de pesquisa
Duas questões de pesquisa foram articuladas no relatório:
1 Como os pais que criam filhos com incapacidades percebem as próprias vidas cotidianas?
2 Informações e significados podem ser revelados pelo uso da fotografia como ferramenta de
pesquisa de pais que criam filhos com incapacidades?
Método
Os participantes do estudo eram 15 duplas de pais que criavam um filho com síndrome de Down,
incapacidades de desenvolvimento, prejuízos visuais ou transtornos da linguagem. Os pais receberam
uma câmera descartável. Solicitou­‑se a eles que, durante duas semanas, tirassem as fotos de suas vidas
que julgassem importantes. Depois os pesquisadores entrevistaram os pais, usando as fotografias
como ponto focal de entrevistas detalhadas.
Achados
Quatro temas emergiram da análise das fotos (p. ex., atividades ativas, atividades quietas). Seis temas
surgiram em uma discussão com os pais sobre fotografias que gostariam de ter tirado, mas não tiraram
(p. ex., normalidade, momentos de prazer, brigas). Os pesquisadores concluíram que a fotografia era
útil como método para obter informações dos pais.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1 Responda às questões do Quadro 6.3 relevantes para esse estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
compreender esse estudo:
a)No relatório de pesquisa, onde os pesquisadores deviam apresentar a declaração do
propósito e as questões de pesquisa?
b) Parece que esse estudo foi realizado de acordo com alguma das três principais tradições
qualitativas? Se sim, qual?
c) Qual a diferença fundamental entre as duas questões de pesquisa desse estudo?
d)No resumo, quais as dicas de que esse estudo é qualitativo?
3 Se os resultados desse estudo forem confiáveis, quais serão alguns usos dos achados na prática
clínica?
EXEMPLO 3 Pesquisa quantitativa no Apêndice A
1 Leia o resumo e a introdução do estudo de Howell e colaboradores (“Relações entre ansiedade,
raiva e pressão arterial em crianças”, 2007) no Apêndice A deste livro e, depois, responda às
questões relevantes do Quadro 6.3.
(continua)
CAPÍTULO 6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa
193
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
avaliar os aspectos do mérito do estudo:
a) Com base na revisão da literatura, seria possível formular várias hipóteses de pesquisa.
Formule uma ou duas.
b)Se você formulou uma hipótese direcionada no exercício 2a, reescreva­‑a como não
direcionada (ou vice­‑versa). Faça também uma formulação dela como nula.
EXEMPLO 4
Pesquisa qualitativa no Apêndice B
1 Leia o resumo e a introdução do estudo de Beck (“Aniversário do trauma de nascimento”, 2006)
no Apêndice B deste livro e, depois, responda às questões relevantes do Quadro 6.3.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
avaliar os aspectos do mérito do estudo:
a) Beck forneceu argumentos suficientes para justificar a importância de seu problema de
pesquisa?
b) Beck precisa incluir questões de pesquisa no relatório ou a declaração do propósito está
bastante clara e, sozinha, é suficiente?
REVISÃO DO CAPÍTULO
Nesta seção, são apresentados os novos termos­‑chave deste capítulo, além de um
resumo dos pontos principais.
Novos termos­‑chave
ü
ü
ü
ü
ü
Declaração do problema
Declaração do propósito
Hipótese
Hipótese direcionada
Hipótese investigativa
ü
ü
ü
ü
Hipótese não direcionada
Hipótese nula
Problema de pesquisa
Questão de pesquisa
Tópicos resumidos
ü
ü
ü
ü
O problema de pesquisa é uma situação inquietante ou problemática que o
pesquisador deseja abordar por meio de um estudo sistemático.
Em geral, os pesquisadores identificam um tópico amplo, restringem a abrangência do problema e, depois, identificam questões consistentes com o paradigma
escolhido.
As fontes mais comuns de ideias para problemas de pesquisa na área de enfermagem são a experiência clínica, a literatura relevante, os temas sociais, a
teoria e as sugestões externas.
Os pesquisadores comunicam seus objetivos em relatórios de pesquisa sob a
forma de declarações do problema, declarações do propósito, questões de pesquisa ou hipóteses.
194
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ü
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ü
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ü
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ü
A declaração do problema expressa a natureza, o contexto e a importância
do problema estudado. Tipicamente, envolve a inclusão de vários componentes
para desenvolver o argumento: identificação do problema; histórico; abrangência do problema; consequências do problema; lacunas conhecidas; e possíveis
soluções.
A declaração do propósito, que resume o objetivo geral do estudo, identifica
os conceitos­‑chave (variáveis) e o grupo ou população do estudo. As declarações
do propósito costumam comunicar, pelo uso de verbos e outros termos­‑chave,
a tradição de pesquisa subjacente em estudos qualitativos ou o tipo de estudo
– experimental ou não experimental – nos quantitativos.
A questão de pesquisa é a investigação específica que se pretende fazer ao tratar o problema de pesquisa. Nos estudos quantitativos, as questões de pesquisa
costumam abordar a existência, a natureza, a força e a direção das relações.
A hipótese é uma declaração das relações previstas entre duas ou mais variáveis.
Em estudos quantitativos, uma hipótese testável declara a suposta associação
entre uma ou mais variáveis independentes e uma ou mais variáveis depen­
dentes.
As hipóteses direcionadas pressupõem a direção da relação; já as hipóteses
não direcionadas pressupõem a existência de relações, mas não sua direção.
As hipóteses investigativas predizem a existência de relações; por sua vez, as
hipóteses nulas expressam a ausência de uma relação.
As hipóteses nunca são provadas ou não provadas, no sentido estrito – são
aceitas ou rejeitadas, sustentadas ou não sustentadas pelos dados.
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 6
Andrews, J., Felton, G., Wewers, M. E., Waller, J., & Tingen, M. (2007). The effect of a multicomponent smoking cessation intervention in African American women residing in public
housing. Research in Nursing & Health, 30, 45–60.
Beck, C. T. (1993). “Teetering on the edge”: A substantive theory of postpartum depression.
Nursing Research, 42, 42–48.
Beck, C. T. (1996). Postpartum depressed mothers’ experiences interacting with their children.
Nursing Research, 45, 98–104.
Beck, C. T. (2001). Predictors of postpartum depression: An update. Nursing Research, 50,
275–285.
Beck, C. T., & Gable, R. K. (2002). Postpartum depression screening scale manual. Los Angeles:
Western Psychological Services.
Beck, C. Y., & Gable, R. K. (2005). Screening performance of the Postpartum Depression
Screening Scale-Spanish Version. Journal of Transcultural Nursing, 16, 331–338.
Bunkers, S. (2007). The experience of feeling unsure for women at end-of-life. Nursing
Science Quarterly, 20, 56–63.
Chantler, T., Lees, A., Moxon, E. R., Mant, D., Pollard, A., & Fitzpatrick, R. (2007). The role
familiarity with science and medicine plays in parents’ decision making about enrolling a
child in vaccine research. Qualitative Health Research, 17, 311–322.
Facione, N., & Facione, P. (2007). Perceived prejudice in healthcare and women’s health
protective behavior. Nursing Research, 56, 175–184.
Gungor, I., & Beji, N. K. (2007). Effects of fathers’ attendance to labor and delivery on the
experience of childbirth in Turkey. Western Journal of Nursing Research, 29, 213–231.
CAPÍTULO 6
Problemas, questões e hipóteses de pesquisa
195
Lasseter, J., Mandleco, B., & Roper, S. (2007). Family photographs: Expressions of parents
raising children with disabilities. Qualitative Health Research, 17, 456–467.
McLeod, T., Morris, M., Birchwood, M., & Dovey, A. (2007). Cognitive behavioural therapy
group work with voice hearers. British Journal of Nursing, 16, 248–252.
Oliffe, J., & Thorne, S. (2007). Men, masculinities, and prostrate cancer: Australian and
Canadian patient perspectives of communication with male physicians. Qualitative Health
Research, 17, 149–161.
Peterson, W., Sword, W., Charles, C., & DiCenso, A. (2007). Adolescents’ perceptions of inpatient post-partum nursing care. Qualitative Health Research, 17, 201–212.
Schweitzer, R., Head, K., & Dwyer, J. (2007). Psychological factors and treatment adherence behavior in patients with chronic heart failure. Journal of Cardiovascular Nursing, 22,
76–83.
Taylor, E. J. (2007). Client perspectives about nurse requisites for spiritual caregiving. Applied
Nursing Research, 20, 44–46.
7
Revisão da literatura:
localização e análise
de evidências
TEMAS BÁSICOS RELACIONADOS
À REVISÃO DA LITERATURA
Propósitos da revisão da literatura científica
Tipos de informação necessários à revisão da
literatura
Principais etapas e estratégias da revisão da
literatura
LOCALIZAÇÃO DA LITERATURA RE‑
LEVANTE À REVISÃO DE PESQUISAS
Como formular uma estratégia de pesquisa
Como fazer buscas em bancos de dados
bibliográficos
Como avaliar e reunir referências
Como documentar o armazenamento de
informações
Como resumir e registrar informações
AVALIAÇÃO E ANÁLISE
DE evidências
Avaliação de estudos para revisão
Análise e síntese de informações
REDAÇÃO DA REVISÃO
DA LITERATURA
Organização da revisão da literatura
Redação da revisão da literatura
CRíTICA de REVISÕES
DA LITERATURA
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADEs DE PENSAMENTO
CRÍTICO
REVISÃO DO CAPÍTULO
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 7
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
ü Compreender as etapas da redação de uma revisão da literatura.
üIdentificar as informações que devem ser incluídas na revisão da literatura científica.
üIdentificar recursos bibliográficos que ajudam a recuperar relatórios de pesquisas em enferma‑
gem e localizar referências de um tópico de pesquisa.
ü
ü
ü
Compreender o processo de avaliação, abstração, crítica e organização de dados de pesquisa.
Avaliar o estilo, o conteúdo e a organização de revisões da literatura.
Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
CAPÍTULO 7
Revisão da literatura: localização e análise de evidências
197
A revisão da literatura pode servir a uma série de propósitos importantes no
processo de pesquisa – além de desempenhar papel fundamental na tentativa dos
enfermeiros de desenvolver uma prática baseada em evidências (PBE). Por isso,
este capítulo descreve várias atividades associadas com a realização de revisões da
literatura, assim como com a crítica de revisões preparadas por outros. Muitas das
atividades da revisão da literatura sobrepõem­‑se a etapas iniciais do projeto de
PBE, como descritas no Capítulo 2.
TEMAS BÁSICOS RELACIONADOS À REVISÃO DA LITERATURA
Antes de discutir as atividades envolvidas na realização de uma revisão da literatura científica, discutimos brevemente alguns temas gerais. O primeiro está relacionado com o que nos leva a fazer revisões da literatura.
Propósitos da revisão da literatura científica
Revisões da literatura podem inspirar novas ideias de pesquisa e ajudar a lançar a base de outros estudos. Elas são uma tarefa inicial importantíssima para
a maioria dos pesquisadores quantitativos. Por exemplo, em um estudo quantitativo, tal ­revisão pode ajudar a formular as questões de pesquisa, contribuir
para o argumen­to a favor da necessidade de um novo estudo, sugerir métodos
apropriados e apontar uma estrutura conceitual ou teórica. Ao fazer uma revisão
abrangente, os pesquisa­dores podem determinar como é possível contribuir para
melhorar a base de dados científicos já existente – por exemplo, se há lacunas no
corpo de pesquisas ou se a replicação de um estudo com uma nova população é
um passo necessário. Além disso, ela também ajuda os pesquisadores a interpretar
as próprias descobertas.
Como previamente observado, os pesquisadores qualitativos têm opiniões
diversas sobre revisões da literatura. Alguns evitam deliberadamente buscas minuciosas na literatura antes de fazer o trabalho de campo. Nos estudos de teoria
fundamentada, os pesquisadores costumam iniciar a coleta dos dados antes de
examinar a literatura. À medida que os dados são analisados e a teoria fundamentada toma forma, eles se voltam à busca de achados anteriores relacionados com
a teoria. Os fenomenologistas, por sua vez, costumam realizar uma pesquisa em
busca de materiais relevantes logo no começo do estudo. Os etnógrafos, embora
com frequência não façam uma revisão exaustiva, em geral se familiarizam com
a literatura para ajudar na escolha de um problema cultural antes do trabalho de
campo.
Comumente, os pesquisadores resumem a literatura relevante na introdução
de seus relatórios, seja qual for o momento em que é feita a revisão. Esta fornece
aos leitores um histórico para a compreensão do conhecimento atual sobre determinado tópico e esclarece o significado do novo estudo. As revisões da literatura
com frequência estão entrelaçadas com o argumento em defesa do estudo, que é
parte da declaração do problema.
As revisões feitas por pesquisadores não são preparadas unicamente no contexto da realização de um estudo. Estudantes de enfermagem e professores universitários, enfermeiros clínicos e enfermeiros que desempenham outros papéis também precisam revisar e sintetizar evidências sobre tópicos específicos. Conforme
198
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
observado nos capítulos anteriores, revisões sistemáticas consistem em integrações
de um corpo de pesquisa cuidadosamente elaboradas e executadas e costumam
levar a metanálises e metassínteses. Portanto, as revisões da literatura são realizadas por muitos motivos diferentes. Tanto os consumidores quanto os produtores
de pesquisas de enfermagem precisam desenvolver habilidades para preparar e
criticar resumos do conhecimento a respeito de determinado problema.
Tipos de informação necessários à revisão da literatura
Os materiais escritos variam em termos de qualidade, público­‑alvo e tipo de informação fornecida. Ao fazer a revisão da literatura científica, é preciso escolher o
que ler e o que incluir na revisão.
Resultados de estudos anteriores são o tipo mais importante de informação
para uma revisão de pesquisa. Ao redigir uma revisão da literatura para um novo
estudo ou ao preparar uma revisão como trabalho de faculdade, deve­‑se confiar
principalmente em fontes primárias – relatórios de pesquisas escritos pelos pesquisadores que realizaram essas pesquisas. Os documentos científicos de fontes secun‑
dárias são descrições de estudos preparadas por um terceiro e não pelo pesquisador
original. Portanto, revisões de literatura são fontes secundárias. As revisões existentes, quando recentes, costumam ser um bom ponto de partida, pois fornecem uma
breve revisão da literatura e uma bibliografia valiosa. No entanto, descrições secundárias de estudos não devem ser consideradas substitutos de fontes primárias para
uma nova revisão. Em geral, as fontes secundárias não fornecem muitos detalhes a
respeito dos estudos, raras vezes são totalmente objetivas.
DICA
Em projetos de PBE, uma revisão recente de elevada qualidade pode ser suficiente para for‑
necer as informações necessárias sobre a base de dados científicos, embora geralmente seja
aconselhável buscar estudos recentes, publicados após a revisão.
Exemplos de fontes primárias e secundárias
ü
ü
Fonte secundária – Revisão da literatura sobre treinamento da bexiga e programas de
esvaziamento da bexiga para o manejo da incontinência urinária: Roe, B., Osaszkiewicz, J.
Milne e Wallace, S. (2007). Systematic Review of Bladder Training and Voiding Programmes
in Adults (Revisão sistemática de treinamento da bexiga e programas de esvaziamento de
micção em adultos). Journal of Advanced Nursing, 57, 15­‑31.
Fonte primária – Estudo experimental sobre os efeitos de uma intervenção iniciada pelo
enfermeiro para incontinência urinária: Zhang, A., Strauss, G. e Siminoff, L. (2007). Effects
of combined pelvic muscle exercise and a support group on urinary incontinence and
quality of life of postprostatectomy patients (Efeitos da combinação de exercício dos mús‑
culos pélvicos com um grupo de apoio de incontinência urinária e a qualidade de vida de
pacientes pós­‑prostatectomia). Oncology Nursing Forum, 34, 47­‑53.
Além das referências empíricas, a revisão da literatura pode revelar várias referências de pesquisa, incluindo artigos de opinião, relatos de caso e casos clínicos.
CAPÍTULO 7
Revisão da literatura: localização e análise de evidências
199
Esses materiais podem servir para ampliar a compreensão do problema de pesquisa,
ilustrar pontos, demonstrar a necessidade de pesquisas ou descrever ­aspectos da
prática clínica. No entanto, tais textos têm utilidade limitada na redação de revisões
de literatura, pois são subjetivos e não tratam a questão central das revisões: qual o
estado atual das evidências sobre esse problema de pesquisa?
Principais etapas e estratégias da revisão da literatura
Fazer uma revisão da literatura é mais ou menos como fazer um estudo completo,
pois o revisor precisa partir de uma questão (uma questão de PBE, como discutido no Cap. 2, ou uma questão para um novo estudo, como descrito no Cap. 6),
formular e implantar um plano para reunir informações e analisar e interpretar as
informações. Depois, os “achados” são geralmente resumidos em um texto. A Figu‑
ra 7.1 esboça o processo de revisão da literatura. Como a figura sugere, há vários
potenciais circuitos de feedback, com oportunidades para voltar a passos anteriores
em busca de mais informações.
Realizar uma revisão de literatura de alta qualidade não é um exercício mecânico – trata­‑se de uma arte e uma ciência. Vários aspectos caracterizam uma revisão de alta qualidade. Em primeiro lugar, ela tem de ser abrangente e completa,
incorporando referências atualizadas. Em segundo lugar, precisa ser sistemática.
As regras decisórias devem ser claras, e os critérios de inclusão ou exclusão de
estudos, explícitos. Isso se deve, em parte, à terceira característica de uma boa
revisão – seu potencial de reprodução. Significa dizer que outro revisor cuidadoso
poderia aplicar as mesmas regras decisórias e chegar a conclusões similares sobre
o estado das evidências a respeito daquele tópico. Outros atributos desejáveis são
o equilíbrio e a ausência de vieses.
DICA
Localizar todas as informações relevantes sobre uma questão de pesquisa é como fazer o papel
de detetive. As várias ferramentas de armazenamento da literatura discutidas neste capítulo são
bastante úteis, mas, inevitavelmente, é preciso buscar (e também aprimorar e selecionar) pistas
de evidências sobre o tópico em questão. Prepare­‑se para trabalhar como um detetive!
Para fazer uma revisão da literatura, um ponto de vista que recomendamos é
pensar nessa tarefa como um estudo qualitativo. Isso significa adotar uma abordagem flexível na “coleta de dados” e pensar criativamente sobre oportunidades de
novas fontes de informação. Significa, também, que a análise dos “dados” envolve,
tipicamente, localizar os temas importantes.
LOCALIZAÇÃO DA LITERATURA RELEVANTE À REVISÃO DE PESQUISAS
Conforme mostrado na Figura 7.1, um passo inicial no processo de revisão da literatura consiste em elaborar uma estratégia de localização dos estudos relevantes.
A habilidade de encontrar documentos sobre determinado tópico de pesquisa é
importante e requer capacidade de adaptação. Mudanças tecnológicas rápidas,
200
Formular
e refinar
questões
primárias
e secundá‑
rias
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Elaborar uma
estratégia de
pesquisa (p.
ex., selecio‑
nar bancos
de dados,
identificar
palavras­
‑chave)
Pesquisar,
identificar e
armazenar
potenciais
materiais
de fontes
primárias
Documentar
as decisões e
as ações de
busca
Descartar
referências
irrelevantes
ou impró‑
prias
Examinar a
adequação e
a relevância
das fontes
Ler
mate‑
riais das
fontes
Resumir
e codi‑
ficar as
informa‑
ções dos
estudos
Cri‑
ticar/
avaliar
os es‑
tudos
Analisar
e integrar
infor‑
mações,
buscar
temas
Pre‑
parar
síntese/
resumo
crítico
Identificar
novas
referências e
orientações
FIGURA 7.1
Fluxo de tarefas na revisão da literatura.
como o desenvolvimento da internet, estão tornando obsoletos os métodos de
busca manual de informações em materiais impressos, e novos métodos de pesquisa da literatura são introduzidos a todo momento. Aconselhamos a consulta de
livrarias e professores de sua universidade em busca de sugestões atualizadas.
Como formular uma estratégia de pesquisa
Há muitos modos de pesquisar dados científicos, sendo razoável começar a busca
já com algumas estratégias em mente. Cooper (1998) identificou várias abordagens. À primeira delas dedicamos considerável atenção neste capítulo: buscar referências em bancos de dados bibliográficos. A segunda, chamada de abordagem
dos antecedentes (ou “caça a notas de rodapé”), consiste em usar as citações de
estudos relevantes para localizar pesquisas iniciais, sobre as quais outros estudos
se basearam (“antecessores”). Um terceiro método, conhecido como abordagem
dos descendentes, consiste em encontrar um estudo anterior essencial e fazer outras
pesquisas em índices de citações em busca de estudos mais recentes (“descendentes”) citados no estudo­‑chave. Para muitos enfermeiros, essas estratégias são suficientes, mas os pesquisadores talvez precisem usar outras estratégias para rastrear
a literatura encoberta – estudos com distribuição mais limitada, como artigos de
conferências ou relatórios não publicados.
DICA
Você pode ficar tentado a começar a pesquisa da literatura em ferramentas de busca da internet,
como o Google ou o Yahoo. Essa busca, provavelmente, vai gerar uma porção de “dicas” sobre o
tópico, incluindo informações sobre grupos de apoio, organizações de defesa, produtos comer‑
ciais e similares. No entanto, é improvável que forneça informações bibliográficas abrangentes
sobre a literatura científica do tópico estudado – e você pode ficar frustrado ao abrir o vasto
número de sites disponíveis. As buscas na internet devem ser consideradas um complemento da
pesquisa em bancos de dados bibliográficos, e não uma solução alternativa.
Outra parte do plano de busca está relacionada a decisões sobre a delimitação da pesquisa. Por exemplo, muitos revisores precisam restringir a busca a
relatórios escritos em sua própria língua. Às vezes, há interesse em limitar a busca
CAPÍTULO 7
Revisão da literatura: localização e análise de evidências
201
a estudos realizados em determinado período (p. ex., nos últimos 15 anos) ou a
certas definições operacionais das variáveis­‑chave.
Como fazer buscas em bancos de dados bibliográficos
Recursos bibliográficos de base impressa, cuja pesquisa é feita manualmente, estão saindo de moda. Com frequência, os revisores começam a busca em bancos de
dados bibliográficos que podem ser acessados por computador. Várias empresas
comerciais (p. ex., Ovid, EbscoHost, ProQuest) oferecem serviços de armazenamento de informações para bancos de dados bibliográficos. Seus programas são
fáceis de usar e incluem sistemas orientados por menus, com ajuda na própria tela,
de modo que a coleta de informações pode ser feita com poucas explicações. Alguns provedores oferecem desconto a estudantes e proporcionam testes gratuitos
antes do cadastramento formal como assinantes. Na maioria dos casos, no entanto, a universidade ou a biblioteca já são cadastradas.
Primeiro contato com uma busca eletrônica
Antes de iniciar a busca eletrônica em um banco de dados, é preciso se familiarizar
com os recursos do software usado para acessar tais dados. Cada software apresenta opções de restrição ou expansão da pesquisa, combinação de resultados de duas
buscas, armazenamento dos dados pesquisados, entre outras opções. A maioria
dos programas tem instruções com informações úteis para melhorar a eficiência e
eficácia das buscas.
Na busca eletrônica, uma tarefa inicial consiste em identificar as palavras­‑chave
que serão usadas. A palavra­‑chave (ou descritor) é um verbete ou expressão que
inclui os conceitos­‑chave da questão. Em estudos quantitativos, as palavras­‑chave iniciais costumam ser as variáveis independente ou dependente e, às vezes, a população.
Em estudos qualitativos, podem ser o fenômeno central estudado e a população. Se
forem usados os modelos de questões clínicas incluídos no Quadro 2.1, os termos que
preenchem os espaços em branco provavelmente serão boas palavras­‑chave.
DICA
Para identificar todos os principais relatórios de pesquisa sobre um tópico, é preciso ser fle‑
xível e pensar abertamente sobre as possíveis palavras­‑chave relacionadas. Se o tema de in‑
teresse for, por exemplo, a anorexia nervosa, algumas opções de busca podem ser anorexia,
transtornos da alimentação e perda de peso, assim como apetite, comportamento alimentar, há‑
bitos alimentares, bulimia e mudanças de peso corporal.
Para a maioria das buscas em bancos de dados bibliográficos, há vários tipos de abordagens. Todas as citações incluídas no banco de dados precisam ser
indexadas para sua fácil identificação. Os bancos de dados e os programas usam
sistemas próprios de categorização de entradas. Os sistemas de indexação têm
subtítulos de assunto específicos (códigos de assunto) e uma estrutura de organização hierárquica, que permite vários subtítulos mais específicos.
Para realizar uma busca por assunto, basta inscrever o título do assunto no
campo especificado. Não é preciso ter familiaridade com os códigos de assunto específicos usados pelo programa. A maioria dos softwares usados dispõe do
202
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
mapeamento, um recurso que permite pesquisar tópicos usando palavras­‑chave
próprias, sem precisar digitar o termo exatamente como aparece nos subtítulos de
tópicos do banco de dados. O software faz a ligação (“mapeia”) entre as palavras­
‑chave digitadas e o subtítulo mais plausível. Em seguida, fornece todas as citações
codificadas com esse subtítulo.
Inclusive nos casos em que o banco de dados têm recursos de mapeamento, é
preciso saber quais são seus títulos de tópicos relevantes, pois as buscas por palavra­
‑chave e tema geram resultados sobrepostos, mas não idênticos. Os títulos de tópicos
dos bancos de dados podem ser acessados no tesauro ou em outras ferramentas de
referência. Além disso, quando se sabe mais sobre a estrutura e os títulos de tópicos
do banco de dados, fica mais fácil obter outras sugestões de modos de pesquisa.
Quando se insere a palavra­‑chave no campo apropriado, o mais provável é que
o programa realize uma busca por tema, como acabamos de descrever, e por palavra
no texto. A busca de palavras no texto fornece palavras específicas encontradas nos
campos de texto dos registros do banco de dados (p. ex., título ou resumo). Portanto,
se você procurar por câncer de pulmão no banco de dados MEDLINE (descrito mais
adiante), o programa vai fornecer citações codificadas como neoplasia de pulmão
(esse é o título de assunto do MEDLINE usado para codificar as citações) e também
qualquer outra citação em que esteja presente a expressão câncer de pulmão, mesmo
que não esteja codificada no título neoplasia de pulmão.
Além das buscas por tema e palavras encontradas nos textos, é possível pesquisar citações de uma autor específico. A busca por autor pode ser produtiva, por exemplo, quando se sabe o nome dos principais pesquisadores de determinada área.
Mesmo não sendo objetivo deste livro ensinar em detalhes como se faz uma
busca bibliográfica eletrônica, oferecemos algumas sugestões para aprimorar os
resultados da pesquisa. Uma ferramenta disponível na maioria dos bancos de dados é o caractere curinga. Ele é um símbolo – como “$” ou “*”, dependendo do
banco de dados e do programa de busca – que pode ser usado para procurar várias
palavras com uma mesma raiz. Se digitarmos, por exemplo, enferm* no campo de
busca do MEDLINE, o computador vai procurar todas as palavras que começam
com “enferm”, como enfermeiro, enfermeira e enfermagem. Esse recurso às vezes
é eficiente, mas o uso do caractere curinga pode desativar o mapeamento e resultar exclusivamente na busca da palavra nos textos.
Outro modo de forçar uma busca de palavras nos textos é usar a expressão
entre aspas, o que vai gerar citações em que aparece apenas a expressão exata.
Em outras palavras, câncer de pulmão e “câncer de pulmão” vão gerar resultados
diferentes. Uma estratégia de busca abrangente consiste em fazer a pesquisa com
e sem caractere curinga e com e sem aspas.
Operadores booleanos são outra ferramenta útil, que pode ser usada para
expandir ou restringir a busca. Se houver interesse em citações relativas a câncer
de pulmão e tabagismo, por exemplo, pode­‑se digitar o seguinte: câncer de pulmão
AND tabagismo. O operador booleano “AND” vai informar ao computador que ele
precisa restringir a busca a citações que incluam tanto câncer de pulmão quanto
tabagismo como palavras­‑chave ou título de assunto. O operador booleano “OR”
expande a pesquisa – se for digitado câncer de pulmão OR tabagismo; o resultado
trará todas as citações que contenham a primeira ou a segunda expressão.
Dois bancos de dados eletrônicos são especialmente úteis para os enfermeiros – o CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature) e o
MEDLINE (Medical Literature On­‑Line), que serão apresentados detalhadamente
nas próximas seções deste capítulo. Outros bancos de dados bibliográficos que
podem ser úteis para enfermeiros incluem o Cochrane Database of Systematic
CAPÍTULO 7
Revisão da literatura: localização e análise de evidências
203
Reviews, o Institute for Scientific Information (ISI)’s Web of Knowledge e o EMBASE (Excerpta Medica database). O Web of Knowledge é particularmente eficaz
na abordagem dos descendentes como estratégia de busca, pois possui índices de
citações consistentes.*
Banco de dados CINAHL
O banco de dados CINAHL é um recurso extremamente importante para enfermeiros. Ele reúne referências de praticamente todos os periódicos de enfermagem
e das áreas de saúde relacionadas de língua inglesa, assim como livros, capítulos
de livros, dissertações e anais de conferência selecionados.
O CINAHL inclui materiais com data de 1982 até hoje e contém mais de 1,3
milhões de registros. Ele fornece informações bibliográficas para localização de
referências (i.e., autor, título, periódico, ano de publicação, volume e número de
páginas), assim como resumos da maioria das citações. Informações suplementares, como nomes de instrumentos de coleta de dados, estão disponíveis para muitos recursos do banco de dados. Em geral, os documentos de interesse podem ser
solicitados por meio eletrônico. O acesso ao CINAHL é feito on-line, diretamente
pelo site www.cinahl.com ou por revendedores. Exemplificamos alguns dos recursos do CINAHL com o software Ovid, mas lembramos que parte deles às vezes não
estão disponíveis ou apresentam outra denominação dependendo do software de
acesso usado.
No início, pode­‑se começar por uma “pesquisa básica”, com palavras­‑chave
ou frases relevantes para a questão principal. Há vários tipos de restrição da pesquisa, como, por exemplo, a limitação dos registros relativos a certo tipo de documento (p. ex., apenas relatórios de pesquisa), a certo tipo de recurso (p. ex.,
apenas textos com resumos), a dados de publicação específicos (p. ex., apenas
textos publicados após 1999), a determinado idioma (p. ex., escritos em inglês).
Para escolher a restrição, basta clicar algumas vezes no campo “Limits”; o campo
“More Limits” oferece mais opções.
Para ilustrar como as pesquisas podem ser delimitadas, suponhamos que
o nosso interesse são pesquisas de enfermagem recentes sobre dor em crianças.
Segue­‑se um exemplo do número de resultados obtidos em restrições sucessivas
da pesquisa, usando uma das muitas estratégias de busca por palavra­‑chave possíveis no banco de dados CINAHL, em abril de 2008.
TÓPICO DA BUSCA/RESTRIÇÃORESULTADOS
Pain [dor]
Pain AND child$ [dor AND infan*]
Restrição: apenas relatórios de pesquisa
Restrição: apenas em inglês
Restrição: apenas com resumos
Restrição: apenas periódicos de enfermagem
Restrição: apenas publicados de 2003 a 2008
63.372
6.014
2.873
2.751
2.334
595
251
*N. de R.T.: No Brasil, utilizam­‑se também a LILACS (Literatura Latino­‑americana e do Caribe
de Informação em Ciências da Saúde), a BDENF (base de dados em enfermagem) e a SCIEZO
(Scientific ElectronicLibrary On-line).
204
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Essa restrição da pesquisa – de 63 mil referências iniciais sobre a dor para
251 restritas a artigos de pesquisas publicados entre 2003 e 2008 em periódicos de
enfermagem sobre o tema da dor em crianças – foi feita em um minuto. Observe­‑se
que usamos o operador booleano “AND” para pesquisar apenas registros em que
havia as duas palavras­‑chave inseridas. Além disso, usamos um caractere curinga,
que, no Ovid, é o “$”. Com essas instruções, o computador buscou qualquer palavra iniciada por “chid”, como “children” e “childhood”.
As 251 referências da pesquisa aparecem na tela do monitor, e quem faz a
consulta pode imprimir informações completas das mais promissoras. Na Figura
7.2, apresentamos o resumo de um exemplo de entrada do CINAHL referente a um
relatório identificado pela busca sobre dor em crianças. Cada entrada apresen­ta
um número de acesso identificador específico para cada registro do banco de dados,
assim como outros números de identificação. Depois, estão dispostos o nome dos
autores e o título, seguidos de informações sobre a fonte, que indica o seguinte:
ü
ü
ü
ü
ü
ü
Nome do periódico (Pain Management Nursing)
Ano e mês da publicação (2007 Dec)
Volume (8)
Número (4)
Número de páginas (156­‑165)
Número de referências citadas (33).
A Figura 7.2 também mostra os títulos de assunto do CINAHL codificados
para esse estudo específico. Qualquer um desses títulos podia ter sido usado na
busca para resultar nessa referência. Os títulos de assunto incluem expressões
substantivas/temáticas, como Conforto e Dor, e também títulos metodológicos (p.
ex., Questionários, Diários), bem como características da amostra (p. ex., Crian‑
ças). Em seguida, quando instrumentos formais são usados no estudo, os nomes
aparecem com o título Instrumentação. O resumo do estudo vem a seguir. Informações adicionais que não são mostradas aqui incluem as fontes de financiamento
e uma lista completa das citações.
Com base no resumo, é possível decidir se a referência é pertinente à nossa
investigação. Os documentos referenciados no banco de dados comumente podem
ser solicitados ou baixados diretamente do site, de modo que dispensa a ida à biblioteca para assinar o periódico.
Banco de dados MEDLINE
O MEDLINE foi desenvolvido pela U.S. National Library of Medicine (NLM) e é
amplamente reconhecido como fonte primária de bibliografia da literatura biomédica. Ele cobre cerca de 5 mil periódicos de medicina, enfermagem e saúde publicados, em cerca de 70 países, e contém mais de 16 milhões de registros com data
de meados de 1960 até hoje. Os resumos das revisões do Cochrane Collaboration
também estão disponíveis no MEDLINE.
O banco de dados MEDLINE pode ser acessado on-line por um provedor
pago ou gratuitamente na internet pelo PubMed (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/
PubMed). Isso significa que qualquer um com acesso à internet, em qualquer lugar
do mundo, pode pesquisar os artigos de periódicos, e, portanto, o PubMed é um
recurso para a vida toda, não importa a filiação institucional da pessoa. E também
é um excelente tutorial.
CAPÍTULO 7
Revisão da literatura: localização e análise de evidências
205
NÚMERO DE ACESSO
2009743835 NLM Unique Identifier: 18036503.
AUTOR
Wiggins SA, Foster RL
INSTITUIÇÃO
University of Nebraska Medical Center College of Nursing, Lincoln, Nebraska.
TÍTULO
Dor após amidalectomia e adenoidectomia: “Ai, está doendo muito”.
FONTE
Pain Management Nursing. 2007 Dec; 8(4): 156­‑65. (33 ref)
ABREVIATURA DA FONTE
PAIN MANAGE NURS. 2007 Dec; 8(4): 156­‑65. (33 ref)
TÍTULOS DE ASSUNTO DO CINAHL
*Adenoidectomia
Adolescência
Fatores etários
Analgésicos/ad (administração,
dosagem)
Análise de variância
Arte
Registro de áudio
Teste Qui­‑quadrado
Criança
Conforto
Método Comparativo Constante
Análise de conteúdo
Amostra de conveniência
Pesquisa descritiva
Estatística descritiva
Diários
Feminino
Teste de Friedman
Hospitais
Entrevistas
Masculino
Registros médicos
Centro­‑oeste dos Estados Unidos
Náusea e vômito
*Mensuração da dor
Atitudes dos pacientes/av
(avaliação)
*Dor
pós­‑operatória
Amostra proposital
Questionários
Revisão de registros
Mensurações repetidas
Análise temática
*Amidalectomia
INSTRUMENTAÇÃO
Diário da dor. Esboço corporal
de crianças com idade entre 4
e 7 anos (Van Cleve e Savedra).
Poker Chip Tool (PCT) (Hester).
RESUMO
Experiências de dor aguda em crianças no domicílio após uma amidalectomia e adenoidectomia (A & A)
têm sido descritas há mais de uma década. As crianças e os pais são responsáveis pelo controle da dor e
dos sintomas durante a recuperação pós­‑operatória em casa. O propósito dessa pesquisa era explorar, de
modo mais completo, a experiência da dor e as práticas de controle doméstico a partir da perspectiva dos
filhos. Foram usados diários para 34 crianças (de 4 a 18 anos de idade), a fim de documentar a dor e outros
sintomas. Também foram exploradas entrevistas em casa, trabalhos de arte e anotações pessoais para obter
a experiência de modo integral. Desde a noite da cirurgia até o segundo dia pós­‑operatório, as crianças
relataram dores de intensidade média de 3,1 a 3,3 em uma escala cujo máximo era 4. A dor acordou 64,7%
das crianças durante a noite, e 52,9% relataram vômito associado com náusea. As crianças receberam
uma média de apenas 50% das doses de analgésicos prescritas. Ao longo dos três dias pós­‑operatórios
estudados, a dor permaneceu aguda, e as intervenções proporcionaram um alívio mínimo. Nem as crianças
mais velhas (x2 = 1,357; n = 13; df = 2; p = 0,259) nem as mais novas (x2 = 1,357; n = 12; df = 2; p =
0,507) relataram diferenças significativas na intensidade média da dor no decorrer dos três primeiros dias.
Os resultados sustentam a preocupação com a inadequação das práticas de controle da dor em casa entre
a população pediátrica após amidalectomia e adenoidectomia.
FIGURA 7.2
Exemplo de um resultado de busca no CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature).
*N.
de R.T.: Todos os dados a seguir aparecem em inglês na busca citada.
206
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
O MEDLINE/PubMed usa um vocabulário controlado, chamado MeSH (Medical Subject Headings) para indexar artigos. A terminologia do MeSH fornece um
modo consistente de obter informações, usando uma terminologia diferente para
os mesmos conceitos. Para começar a busca no teclado, o usuário clica em “Display”, no canto direito superior da tela e vê como o termo inserido é mapeado no
MeSH, o que pode levar a outros controles. Também é possível pesquisar referências usando o banco de dados MeSH diretamente, clicando em “MeSH database”
no painel azul à esquerda, na página da PubMed, listado em PubMed Services.
Observe­‑se que os títulos de assunto do MeSH podem se sobrepor aos títulos de
assunto usados no CINAHL, mas não são idênticos a eles.
Se fizermos uma pesquisa no PubMed do MEDLINE similar à que descrevemos antes no CINAHL, o resultado será o seguinte.
TÓPICO DA BUSCA/RESTRIÇÃORESULTADOS
Pain [dor]
Pain AND child* [dor AND infan*]
Restrição: apenas relatórios de pesquisa
Restrição: apenas em inglês
Restrição: apenas com resumos
Restrição: apenas periódicos de enfermagem
Restrição: apenas publicados de 2003 a 2008
369.331
36.424
(NA)
29.353
24.588
1.103
390
Essa busca gerou mais referências do que a pesquisa feita no CINAHL, mas
não conseguimos restringi­‑la a relatórios de pesquisa, porque os tipos de publicação desse banco de dados estão classificados de outro modo. Por exemplo, no PubMed, podemos limitar a pesquisa a certos tipos de pesquisa (p. ex., testes clínicos),
mas pode ser muito arriscado usar esse critério de restrição. No PubMed, o código
curinga usado para estender palavras truncadas é o * e não o $.
A Figura 7.3 mostra a citação completa da referência localizada anteriormente no banco de dados CINAHL (Fig. 7.2). Para obter a citação completa, é
preciso usar o menu próximo do topo da tela, que oferece a alternativa Displays
– nesse caso, teria de ser designado “Citation”. O mostrador de citações apresenta
todos os termos do MeSH usados para essa referência e, como se pode ver, esses
termos são diferentes daqueles dos títulos de assunto do CINAHL.
DICA
Muitos programas de busca em bancos de dados têm um recurso extremamente útil que per‑
mite localizar referências a outros estudos similares. Ou seja, assim que encontra um estudo
que é um exemplo ideal daquilo que está sendo procurado, pode­‑se buscar estudos semelhan‑
tes. No PubMed, por exemplo, depois de identificar um estudo­‑chave, você pode clicar em
“Related Articles”, à direita da tela, para pesquisar estudos similares. No CINAHL via Ovid,
deve­‑se clicar em “Find Similar”.
Como avaliar e reunir referências
As referências identificadas na busca da literatura precisam ser avaliadas. Uma
das avaliações é inteiramente prática – essa referência encontra­‑se acessível? Dis-
CAPÍTULO 7
Revisão da literatura: localização e análise de evidências
207
sertações completas, por exemplo, podem ser difíceis de armazenar. A segunda
avaliação trata a relevância da referência que, com frequência (mas nem sempre),
pode ser examinada pela leitura do resumo. Um terceiro critério pode incluir a
qualidade metodológica do estudo, ou seja, a qualidade dos dados gerados, tópico
discutido mais adiante.
Aconselhamos a obtenção de cópias completas dos estudos relevantes, em
­lugar de simples anotações a respeito deles. Muitas vezes, é necessário reler um
relatório ou obter outros detalhes sobre algum aspecto do estudo, o que pode
ser feito facilmente quando se tem uma cópia do artigo. Todos os artigos reunidos ­devem ser armazenados de modo que permita o fácil acesso. Alguns autores
defendem o armazenamento cronológico (p. ex., por data de publicação), mas
acreditamos que a ordem alfabética (pelo último sobrenome do primeiro autor) é
mais simples.
Pain Manag Nurs. 2007 Dec; 8(4):156­‑65.
Dor após amidalectomia e adenoidectomia: “Ai, está doendo muito”.
Wiggins SA, Foster RL.
University of Nebraska Medical Center College of Nursing, Lincoln, Nebraska, USA. [email protected]
Experiências de dor aguda em crianças no domicílio após amidalectomia e adenoidectomia (A & A) têm sido
descritas há mais de uma década. As crianças e os pais são responsáveis pelo controle da dor e dos sintomas
durante a recuperação pós­‑operatória em casa. O propósito dessa pesquisa era explorar, de modo mais
completo, a experiência da dor e as práticas de controle doméstico a partir da perspectiva das crianças.
Foram usados diários para 34 das crianças (de 4 a 18 anos de idade), a fim de documentar a dor e outros
sintomas. Também foram exploradas entrevistas em casa, trabalhos de arte e anotações pessoais para obter
a experiência de modo integral. Desde a noite da cirurgia até o segundo dia pós­‑operatório, as crianças re‑
lataram dores de intensidade média de 3,1 a 3,3 em uma escala cujo máximo era 4. A dor despertou 64,7%
das crianças durante a noite, e 52,9% relataram vômito associado com náusea. As crianças receberam
uma média de apenas 50% das doses de analgésicos prescritas. Ao longo dos três dias pós­‑operatórios
estudados, a dor permaneceu aguda e as intervenções proporcionaram alívio mínimo. Nem as crianças
mais velhas (x2 = 1,357; n = 13; df = 2; p = 0,259) nem as mais novas (x2 = 1,357; n = 12; df = 2; p =
0,507) relataram diferenças significativas na intensidade média da dor no decorrer dos três primeiros dias.
Os resultados sustentam a preocupação com a inadequação das práticas de controle da dor no domicílio
entre a população pediátrica após amidalectomia e adenoidectomia.
• Termos do MeSH:
• Adenoidectomia*
• Adolescente
• Psicologia do adolescente
• Filhos
• Psicologia da criança
• Criança pré­‑escolar
• Feminino
• Humanos
• Masculino
• Dor, medição/enfermagem
• Dor, pós­‑operatório/enfermagem*
• Dor, pós­‑operatório/psicologia*
• Enfermagem psiquiátrica*
• Amidalectomia*
PMID: 18036503 [PubMed – indexado pelo MEDLINE]
FIGURA 7.3
Exemplo de resultado da busca no PubMed.
*N.
de R.T.: Todos os dados a seguir aparecem em inglês na busca citada.
208
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Como documentar o armazenamento de informações
Se o objetivo for uma revisão abrangente, será necessário o uso de uma série de
bancos de dados, palavras­‑chave e estratégias. Enquanto perambula pelo labirinto
do complexo mundo das informações de pesquisa, você corre o risco de perder o
rasto de seus esforços caso não documente as próprias ações.
O mais prudente é manter um caderno de notas (ou um arquivo de computador) para registrar estratégias e resultados de busca. Pode­‑se tomar nota de várias
informações, como nome dos bancos de dados pesquisados; limites estabelecidos
para a pesquisa; palavras­‑chave, títulos de assunto e autores usados para orientar
a pesquisa; sites visitados; e qualquer outra informação que ajude a rastrear o que
foi feito. Parte da estratégia pode ser documentada pela impressão do histórico das
buscas feitas em bancos de dados eletrônicos.
Ao documentar suas ações, você será capaz de realizar uma pesquisa mais
eficiente, ou seja, não correrá o risco de duplicar, inadvertidamente, uma estratégia já utilizada. A documentação também ajuda a avaliar o que mais precisa ser
feito – que direção dar à busca.
Como resumir e registrar informações
Rastrear pesquisas relevantes sobre um tópico é apenas o começo da revisão da
literatura. Depois de acumular um conjunto de artigos úteis, é preciso desenvolver uma estratégia para dar sentido à massa de informações neles contida.
Quando estamos diante de uma revisão da literatura bastante simples, às vezes
basta rascunhar notas sobre aspectos­‑chave dos estudos revisados e usar essas
notas como base para sua incorporação. No entanto, as revisões de literatura
costumam ser mais elaboradas – por exemplo, alguma vezes, há vários estudos
na revisão ou os estudos variam no modo de operacionalização dos construtos­
‑chave. Nessas situações, é útil usar um sistema formal de registro de informações de cada estudo. Um mecanismo desse tipo consiste em montar um protocolo formal de revisão da literatura. Outro – que recomendamos para revisões
complexas, envolvendo vários estudos primários – é o uso de um esquema de
codificação e de um conjunto de matrizes, sistema descrito em detalhes em outro
texto nosso (Polit e Beck, 2008).
Os protocolos são meios de registrar de modo sistemático vários aspectos de um estudo, incluindo citação completa, fundamentos teóricos, aspectos
metodológicos, achados e conclusões. As informações avaliativas (p. ex., como
você avalia os pontos fortes e fracos do estudo) também podem ser registradas.
Não há um formato fixo para esse tipo de protocolo. Você decide os elementos
mais importantes que devem ser registrados de forma consistente para todos os
estudos, a fim de ajudar a organizar e analisar as informações. Na Figura 7.4,
apresentamos um exemplo que pode ser adaptado de acordo com a necessidade.
Ainda que, nesse momento, muitos dos termos desse protocolo provavelmente não sejam familiares,­ eles serão explicados nos capítulos subsequentes. Esse
protocolo está disponível, no formato Word, no link deste livro no site www.
grupoaeditoras.com.br.
Depois de desenvolver um protocolo, você deve fazer um teste­‑piloto com
vários estudos para confirmar se ele está suficientemente compreensível e bem
estruturado.
Revisão da literatura: localização e análise de evidências
CAPÍTULO 7
209
AVALIAÇÃO E ANÁLISE DE evidências
Ao tirar conclusões sobre uma pesquisa, os revisores devem fazer julgamentos sobre
o valor dos dados científicos. Em um contexto de PBE, isso corresponde à primeira
questão do Quadro 2.1 – “Qual o grau de rigor e confiabilidade das evidências dessa
pesquisa?”. Portanto, parte importante da revisão da literatura consiste em avaliar o
conjunto dos estudos e integrar as evidências obtidas dele.
Citação:
Autores:
Título:
Periódico:
Ano:
Tipo de estudo:
Volume:Número:
Quantitativo
Qualitativo
Páginas:
Método misto
Local/cenário:
Conceitos/
Conceitos:
variáveis­‑chave:Intervenção/variável independente:
Variável dependente:
Variáveis controladas:
Estrutura/teoria:
Experimental
Quase experimental
Delineamento:
Projeto específico:
Cego? Não
Simples­‑cego
Descrição da intervenção:
Não experimental
Duplo­‑cego
Grupo(s) de comparação:
Cruzado
Longitudinal/prospectivoNúmero de dados dos pontos de coleta:
Tradição qualitativa:
Teoria fundamentada
Fenomenologia
EtnografiaOutra:
Amostra:Tamanho:
Método de amostragem:
Características da amostra:
Autorrelato
Fontes de dados:Tipo:
Descrição das mensurações:
Observacional
Biofisiológica
Outras
Qualidade dos dados:
Testes estatísticos:
Bivariado:
Multivariado:
Teste T
ANOVA
Regressão múltipla
Descobertas/efeitos
colaterais/temas
Recomendações:
Pontos fortes:
Pontos fracos:
FIGURA 7.4
Exemplo de um protocolo de revisão da literatura.
Qui­‑quadrado
r de Pearson
MANOVA
Regressão logística
Outro:
Outro:
210
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Avaliação de estudos para revisão
Na revisão da literatura, tipicamente, faz­‑se uma crítica abrangente de cada estudo, conforme discutido no Capítulo 4. Entretanto, é preciso avaliar a qualidade de
cada um deles, para então tirar conclusões sobre o corpo geral de dados e possíveis
lacunas na base de dados. As críticas para revisão da literatura tendem a focar os
aspectos metodológicos.
Em revisões da literatura realizadas por estudantes e por enfermeiros, os
aspectos metodológicos dos estudos revisados devem ser avaliados com base na
seguinte questão: “Em que grau as descobertas, tomadas como um todo, refletem
a verdade (o verdadeiro estado da arte) ou, inversamente, em que grau os desvios
e as falhas minam a credibilidade das evidências?”. É mais provável que a “verdade” seja descoberta quando os pesquisadores usam delineamentos consistentes,
bons planos de amostragem, instrumentos potentes e procedimentos de coleta de
dados e análises apropriadas.
Em revisões sistemáticas independentes, a qualidade metodológica com
frequência desempenha um papel importante logo no começo, pois os estudos
julgados de baixa qualidade podem ser desconsiderados. No entanto, usar a qualidade metodológica como critério de avaliação é um tanto controverso. As revisões
sistemáticas também costumam envolver o uso de um instrumento de avaliação
formal que fornece classificações quantitativas para diferentes aspectos do estudo, de modo que as avaliações de estudos diferentes (“pontuação”) podem ser
comparadas e resumidas. Os temas da avaliação metodológica e dos instrumentos
formais de pontuação são descritos no Capítulo 19.
DICA
É preciso lembrar a importância de assumir uma postura cética ao criticar relatórios de pes‑
quisa. Assim como um clínico cuidadoso busca evidências em descobertas de pesquisas para
avaliar a eficácia de certas práticas, o revisor da literatura deve buscar, nos relatórios, evidên‑
cias que comprovem a solidez das decisões metodológicas dos pesquisadores.
Análise e síntese de informações
Depois de acessar, ler, resumir e criticar os estudos relevantes, é preciso analisar
e sintetizar as informações. Conforme observado previamente, julgamos útil fazer
uma analogia entre a revisão da literatura e a realização de um estudo qualitativo, e isso vale em especial para a análise dos “dados” (i.e., das informações dos
estudos acessados). Em ambos, na revisão e no estudo, o foco está voltado para a
identificação de temas importantes.
A análise temática envolve, essencialmente, a detecção de padrões e regularidades – assim como de inconsistências. Uma série de tipos de temas pode ser
identificada na análise da revisão da literatura, incluindo:
ü
Temas substantivos: qual o padrão das evidências? Qual a quantidade de evidências existente? Qual o grau de consistência do conjunto de dados? Qual a
potência dos efeitos observados? Qual o grau de persuasão das evidências? Há
lacunas no corpo de dados?
CAPÍTULO 7
ü
ü
ü
ü
Revisão da literatura: localização e análise de evidências
211
Temas metodológicos: que delineamentos e métodos foram usados para tratar a
questão? Que estratégias metodológica não foram usadas? Quais as principais
deficiências e os pontos fortes em termos metodológicos? As descobertas variam
em relação a diferenças nas abordagens metodológicas?
Questões sobre o potencial de generalização/transferência: a que tipo de pessoa
ou cenários as descobertas se aplicam? As descobertas variam para diferentes
tipos de pessoas (p. ex., homens versus mulheres) ou cenários (p. ex., urbano
versus rural)?
Questões sobre o histórico: tem havido tendências substantivas, teóricas ou metodológicas ao longo do tempo? A qualidade das evidências tem melhorado?
Quando foi realizada a maior parte das pesquisas?
Questões sobre o “pesquisador”: quem tem se dedicado a essa pesquisa – em termos
de disciplina, área de especialização, nacionalidade, proeminência, etc.? O estudo
tem se desenvolvido dentro de um programa sistemático de pesquisa?
Obviamente, não é possível – nem mesmo em revisões independentes prolongadas – analisar todas as questões que identificamos. Os revisores precisam
tomar decisões sobre os padrões a serem seguidos. Ao preparar uma revisão, às
vezes é preciso determinar se o padrão é, de fato, o mais relevante para o propósito estabelecido.
REDAÇÃO DA REVISÃO DA LITERATURA
A redação da revisão da literatura pode ser um desafio, em especial quando informações volumosas e análises temáticas precisam ser condensadas em um pequeno
número de páginas. Oferecemos algumas sugestões, mas reconhecemos prontamente que as habilidades de redação de revisões de literatura desenvolvem­‑se
com o tempo.
Organização da revisão da literatura
A organização é crucial ao preparar uma revisão por escrito. Quando a literatura
sobre o tópico é muito extensiva, pode ser útil fazer um resumo das informações
em uma tabela. A tabela pode incluir colunas com títulos como Autor, Características da Amostra, Delineamento, Abordagem da Coleta de Dados e Descobertas­
‑chave. Tabelas desse tipo fornecem uma visão geral rápida, que dá sentido à
massa de informações recolhida.
A maioria dos autores considera útil trabalhar a partir de um esboço – escrito, se a revisão for longa ou complexa; mental, se for mais simples. O importante é
fazer um planejamento antes de começar a escrever, de modo que a revisão tenha
um fluxo significativo e compreensível. A falta de organização é um ponto fraco
comum nas primeiras tentativas de escrever uma revisão da literatura científica.
Ainda que as especificidades da organização possam variar de acordo com o tópico, o objetivo geral é estruturar a revisão de modo a produzir uma apresentação
lógica, demonstrar uma integração temática significativa e levar a conclusões sobre o estado das evidências sobre o tópico.
Depois de escolher uma estrutura organizacional, deve­‑se revisar as próprias
notas e protocolos. Isso ajuda a refrescar a memória sobre o material lido anterior-
212
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
mente e lança as bases para decisões futuras sobre o lugar de determinada referência no esboço. Se alguma referência parece não se encaixar em nenhum lugar,
talvez tenha de ser descartada. Lembre­‑se de que o número de referências é menos
importante do que a sua relevância e a organização geral da revisão.
Redação da revisão da literatura
Mesmo não sendo objetivo deste livro oferecer orientações detalhadas sobre a
redação de revisões de pesquisa, fazemos alguns comentários sobre seu conteúdo
e estilo. É fornecida ajuda em livros como os de Fink (2005), Galvan (2003) e
Garrard (2004).
Conteúdo da revisão da literatura por escrito
Uma revisão da literatura por escrito deve fornecer aos leitores uma síntese objetiva e bem­‑organizada do estado atual dos dados científicos sobre determinado
tópico. A revisão da literatura não deve ser nem uma série de citações nem uma
série de resumos. As tarefas centrais são resumir e avaliar criticamente os dados
científicos gerais, de modo a revelar o estado atual do conhecimento sobre o tópico, considerando os temas julgados importantes – e não simplesmente descrever o
que os pesquisadores têm feito.
Apesar de ser possível a descrição dos estudos­‑chave em detalhes, não é necessário fornecer dados específicos de todas as referências. Estudos com achados
comparáveis com frequência podem ser resumidos juntos.
Exemplo de estudos agrupados
Bonner e colaboradores (2008, p. 91) resumiram vários estudos do seguinte modo: “A fadiga
é prevalente na maioria das doenças crônicas (Glaken et al., 2003; Jenkin et al., 2006) [...]
Apesar de avanços nas terapias de reposição renal, a fadiga permanece como um dos sintomas
mais problemáticos para pessoas com doença renal em estágio final (ESRD, do inglês end­‑stage
renal disease); a fadiga física é um dos sintomas experimentados com mais frequência; > 90%
dos pacientes relatam falta de energia e sensação de cansaço (Thomas­‑Hawkins, 2000; Braun
Curtin et al., 2002)”.
A literatura deve ser resumida nas palavras do revisor. Este tem de demonstrar que considerou o valor cumulativo do conjunto das pesquisas. Enfileirar citações de vários documentos não mostra que a pesquisa anterior foi assimilada e
compreendida.
A revisão deve ser objetiva na medida do possível. Estudos com descobertas
conflitantes, com valores ou palpites pessoais, não podem ser omitidos. A revisão
também não deve ignorar estudos porque seus achados contradizem outros. Resultados inconsistentes devem ser analisados, e dados científicos que os sustentam
precisam passar por uma análise objetiva.
Tipicamente, a revisão da literatura é finalizada com um resumo dos dados
científicos atuais sobre o tópico. Esse resumo deve recapitular descobertas­‑chave,
indicar seu grau de credibilidade e anotar lacunas no corpo de evidências. Quando
CAPÍTULO 7
Revisão da literatura: localização e análise de evidências
213
a revisão da literatura é conduzida como parte de um novo estudo, o resumo crítico deve demonstrar a necessidade da pesquisa proposta e esclarecer o contexto
em que todas as hipóteses foram desenvolvidas.
À medida que avança na leitura deste livro, você se torna mais proficiente na
avaliação crítica da literatura científica. Esperamos que compreenda os mecanismos da realização de uma revisão da literatura assim que completar este capítulo,
mas isso não significa, obrigatoriamente, ser capaz de escrever uma revisão excelente antes de adquirir outros conhecimentos sobre métodos de pesquisa.
Estilo da revisão da literatura
Estudantes que preparam revisões científicas com frequência têm dificuldades ao
tentar conceber o estilo aceitável. Em particular, os alunos às vezes aceitam os resultados das pesquisas sem adotar uma posição crítica ou cética. É preciso ter em mente
que as hipóteses não podem ser provadas ou desaprovadas por testes empíricos, e
nenhuma questão de pesquisa pode ser respondida de modo definitivo por um único
estudo. No mínimo, todos os estudos têm limitações metodológicas. O fato de que
as hipóteses não podem ser provadas ou desaprovadas em definitivo não significa,
obviamente, que tenhamos de desconsiderar as evidências científicas – em especial
quando esses resultados foram replicados. Em parte, o problema é semântico: as
hipóteses não são provadas, elas são sustentadas por achados de pesquisas.
DICA
Ao descrever descobertas de estudos, em geral, deve­‑se usar frases que indiquem o caráter
hipotético dos resultados, como:
ü Vários estudos têm mostrado...
ü As descobertas feitas até agora sugerem...
ü Os resultados são consistentes com a conclusão de que...
ü Os resultados de um estudo tomado como referência implicam...
ü Parece haver fortes indícios de que...
Um problema estilístico relacionado está associado com a expressão de opiniões na revisão. Esta deve incluir opiniões esparsas apenas se necessário e explicitar a fonte. As opiniões dos próprios revisores não são pertinentes a revisões, com
exceção das avaliações da qualidade do estudo.
A coluna da esquerda na Tabela 7.1 apresenta vários exemplos de falhas
estilísticas. A coluna da direita faz recomendações para a reelaboração das sentenças, a fim de produzir um formato mais aceitável para a revisão da literatura de
pesquisa. Muitas alternativas são possíveis.
Extensão da revisão da literatura
Não há fórmulas para determinar o tamanho da revisão. Sua extensão depende
de vários fatores, inclusive da complexidade da questão, da extensão da pesquisa
anterior e do propósito da preparação da revisão.
Considerando as limitações de espaço em artigos de revistas, as revisões da
literatura incluídas em relatórios de pesquisa são concisas. Revisões da literatura
na introdução de relatórios de pesquisa demonstram a necessidade de um novo
214
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Tabela 7.1
Exemplos de
dificuldades estilísticas
ESTILO OU VOCABULÁRIO
PROBLEMÁTICO
MELHORIAS DE ESTILO OU DE
VOCABULÁRIO
As mulheres que não frequentam aulas de
preparação para o nascimento do bebê
manifestam um grau elevado de ansiedade
durante o parto.
Estudos têm mostrado que as mulheres
que frequentam aulas de preparação para o
nascimento do bebê tendem a manifestar menos
ansiedade do que aquelas que não frequentam
(Body, 2008; McTygue, 2008; Yepsen, 2009).
Estudos têm provado que médicos e
enfermeiros não compreendem inteiramente
a dinâmica psicobiológica da recuperação após
um infarto do miocárdio.
Estudos realizados por Fortune (2009) e
Crampton (2008) sugerem que muitos médicos
e enfermeiros não compreendem inteiramente
a dinâmica psicobiológica da recuperação após
um infarto do miocárdio.
Atitudes não podem ser mudadas rapidamente.
Tem sido mostrado que as atitudes são
atributos relativamente estáveis e duradouros,
que não mudam rapidamente (Nicolet, 2007;
Carroll, 2008).
É sabido que a incerteza gera estresse.
De acordo com o doutor Cassard (2008),
especialista em estresse e ansiedade, a
incerteza é um fator estressante.
estudo e fornecem um contexto para as questões de pesquisa. No entanto, revisões de pesquisa independentes, publicadas em revistas de enfermagem, são mais
extensivas do que essas incluídas na introdução dos artigos. Provavelmente, se
for solicitada a preparação de uma revisão abrangente como tarefa acadêmica, o
professor vai sugerir um número de páginas.
CRíTICA DE REVISÕES DA LITERATURA
Alguns enfermeiros nunca preparam revisões da literatura por escrito, e talvez
você nunca tenham de fazê­‑lo. No entanto, a maioria deles lê revisões de pesquisa
(inclusive seções de revisão da literatura contidas em relatórios de pesquisa) e
deve estar preparada para avaliá­‑las de modo crítico.
Às vezes, é difícil criticar uma revisão de pesquisa porque o leitor, provavelmente, não está muito familiarizado com o tópico quanto o autor. Justamente
por isso, o leitor pode não ser capaz de julgar se o autor incluiu toda a literatura
relevante e se resumiu o conhecimento sobre o tópico de modo adequado. Muitos
aspectos da revisão da literatura, no entanto, são passíveis de avaliação por leitores não especializados na área. Algumas sugestões para criticar revisões de pesquisa escritas são apresentadas no Quadro 7.1.
Além disso, quando publicada
na forma de um artigo independente, a revisão costuma incluir informações que
ajudam o leitor a avaliar sua abrangência, conforme discutido no capítulo sobre
revisões sistemáticas (Cap. 19).
CAPÍTULO 7
Revisão da literatura: localização e análise de evidências
215
ORIENTAÇÕES PARA CRITICAR
QUADRO 7.1
REVISÕES DA LITERATURA
1. A revisão parece abrangente – inclui todos ou a maior parte dos estudos importantes sobre o tópico
estudado? Ela inclui pesquisas recentes? Estudos de disciplinas relacionadas, se apropriado, foram
incluídos?
2. A revisão baseia­‑se em materiais apropriados (p. ex., principalmente em relatórios de pesquisa, usando
fontes primárias)?
3. A revisão é um simples resumo do trabalho existente ou faz uma avaliação crítica e compara os estudos­
‑chave? A revisão identifica lacunas importantes na literatura?
4. A revisão está bem organizada? O desenvolvimento das ideias está claro?
5. A revisão usa uma linguagem apropriada, sugerindo o caráter hipotético, a priori, das descobertas? A
revisão é objetiva? O autor usa paráfrases ou exagera na citação das fontes originais?
6.Se faz parte do relatório de pesquisa para um novo estudo, a revisão sustenta a necessidade desse
estudo?
7.Se foi feita com o objetivo de resumir evidências para a prática clínica, a revisão tira conclusões
apropriadas sobre as implicações práticas?
Na avaliação de revisões da literatura, a questão dominante consiste em saber se a revisão resume o estado atual das evidências de pesquisa. Se a revisão foi
escrita como parte de um relatório de pesquisa específico, então outra pergunta
igualmente importante é se ela estabelece uma base sólida para um novo estudo.
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO
O melhor modo de saber mais sobre estilo, conteúdo e organização de uma revisão de literatura de
pesquisa é ler as revisões publicadas na literatura de enfermagem. Aqui apresentamos alguns trechos
de duas revisões e aconselhamos a leitura de outras sobre tópicos de seu interesse.
EXEMPLO 1
Revisão da literatura de um estudo quantitativo
Estudo
Terapia complementar e mulheres rurais idosas: quem usa e quem não usa? (Shreffler­‑ Grant, Hill,
Weinert, Nichols e Ide, 2007).
Declaração do propósito
O propósito deste estudo era identificar fatores que pudessem prever o uso da terapia complementar
entre mulheres rurais idosas.
Revisão da literatura (trecho)
“A terapia complementar ou alternativa tem se tornado um componente importante no sistema de
saúde dos Estados Unidos à medida que os consumidores dos serviços de saúde buscam cada vez
mais essas terapias e práticas para complementar ou substituir o atendimento convencional (Astin,
1998; Eisenberg et al., 1998; McFarland et al., 2002). Em 2004, 62% dos adultos dos Estados Unidos
usavam algum tipo de atendimento complementar quando rezar pela saúde foi incluído na definição
de atendimento complementar; 36%, quando a expressão “rezar pela saúde” foi excluída da definição
(Barnes et al., 2004) [...].
(continua)
216
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO (continuação)
O atendimento complementar ou alternativo foi definido pelo National Center for Complementary
and Alternative Medicine (NCCAM) como um grupo de sistemas, práticas e produtos dos serviços
de saúde não considerado atualmente como parte do atendimento convencional. [...] A terapia
complementar implica um atendimento que complementa ou é usado junto com o alopático, enquanto
terapia alternativa significa que o atendimento substitui o alopático. [...] Para facilitar, usaremos ACA*
(CAM, do inglês complementary and alternative medicine or healthcare) no restante deste artigo.
Ainda que os dados norte­‑americanos relativos a fatores associados com o uso de ACA sejam
um tanto inconsistentes, uma descoberta comum consiste em que as mulheres são significativamente
mais propensas a usar essas terapias do que os homens (Barnes et al., 2004; Wolsko et al., 2000).
[...] Em uma publicação recente, baseada em dados da pesquisa National Health Interview Survey,
de 1999, foi registrado que 22,5% das mulheres dos Estados Unidos tinham usado o ACA nos 12
meses anteriores (Upchurch e Chyu, 2005). Descobriu­‑se que as mulheres mais velhas, com maior
grau de escolaridade, piores condições de saúde e residentes das regiões Oeste ou Centro­‑oeste do
país eram mais propensas a usar o ACA, e as terapias mais utilizadas consistiam em cura espiritual ou
orações e medicina fitoterápica. [...]
A maioria dos estudos sobre o uso do ACA ou não relata o local de residência (rural ou urbana) dos
participantes ou foca apenas as amostras urbanas (Astin, 1998; Eisenberg et al., 1993, 1998), apesar de
um quarto da população dos Estados Unidos residir em áreas rurais (Eberhardt et al., 2001). Um estudo
nacional incluiu comparações limitadas de indivíduos rurais versus urbanos, e as descobertas indicaram que
menor número de adultos rurais usou o ACA (Barnes et al., 2004). Estudos que focam especificamente
tal uso por habitantes da área rural obtiveram resultados conflitantes: registrou­‑se uma utilização mais
prevalente nas áreas rurais do que nas urbanas (Harron e Glasser, 2003), menos prevalente nas áreas
rurais (Vallerand et al., 2003) e igualmente prevalente em ambas as áreas (Shreffler­‑Grant et al., 2005).
Muitos estudos sobre o uso do ACA por habitantes de áreas rurais são caracterizados por limitações da
amostragem, com amostras retiradas de práticas médicas, áreas geográficas pequenas, subgrupos rurais
ou uma combinação desses fatores (Harron e Glasser, 2003; Trotter, 1981; Vallerand et al., 2003). [...]
Com poucas exceções, a maioria das pesquisas com amostras rurais tem focado a estimativa
da proporção da população que usa o ACA e a extensão desse uso, em vez de identificar fatores
demográficos ou de saúde associados a tal prática. [...] Para tratar essas lacunas na literatura, foi realizado
um estudo sobre a utilização do ACA entre idosos que vivem em comunidades rurais pouco povoadas,
em Montana e Dakota do Norte. [...] O propósito dessa apresentação é relatar parte de um estudo
maior, que buscou responder à seguinte questão de pesquisa: ‘Que fatores predizem o uso da terapia
complementar entre mulheres idosas da área rural?’. Os fatores de predição foram selecionados a partir
da literatura e de observações clínica e incluíram educação, idade, ruralidade, estado civil, espiritualidade,
número de doenças crônicas e estado de saúde” (p. 28­‑29).
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 7.1 relevantes para esse estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
compreender o estudo:
a) Quais eram as variáveis independentes do estudo? A revisão da literatura abrangeu resultados
de estudos anteriores sobre essas variáveis?
b) Quais eram as variáveis dependentes do estudo? A revisão da literatura abrangeu resultados de
estudos anteriores sobre essas variáveis?
(continua)
*
N. de T.: Atendimento de medicina alternativa e complementar de cuidado de saúde.
CAPÍTULO 7
Revisão da literatura: localização e análise de evidências
217
c) Ao fazer a revisão da literatura, que palavras­‑chave os pesquisadores devem ter usado para
pesquisar estudos prévios?
d) Usando essas palavras­‑chave, faça uma busca computadorizada para ver se encontra um
estudo recente relevante passível de ser incluído na revisão.
EXEMPLO 2
Revisão da literatura de um estudo qualitativo
Estudo
As experiências e os desafios de mulheres grávidas que lidam com a trombofilia (Martens e Emed, 2007).
Declaração do propósito
Esse estudo explorou as experiências e os desafios de mulheres grávidas diagnosticadas com
trombofilia e usuárias de injeções diárias de heparina e as estratégias usadas por elas para lidar com
o problema.
Revisão da literatura (trecho)
“A trombofilia é um distúrbio de hipercoagulação sério, que contribui para a mortalidade materna,
e tem sido associado a complicações significativas na gravidez, incluindo restrição do crescimento
intrauterino, pré­‑eclampsia e perda fetal recorrente. A incidência de trombofilia é de aproximadamente
15% na população em geral (Greer, 2003), e a perda fetal recorrente ocorre em uma porcentagem
grande (65%) das grávidas com essa condição (Kovalesky et al., 2004; Kujovich, 2004; Rey et al.,
2003). Até agora não há protocolos de avaliação adequados, e, com frequência, a trombofilia só é
diagnosticada depois de várias complicações na gravidez (Kujovich, 2004; Walker et al., 2001). Isso
pode levar a um considerável sofrimento emocional e psicológico, que tem um impacto enorme
sobre a experiência das mulheres com trombofilia que desejam ser mães. [...]
Restrição do crescimento intrauterino, natimortalidade, pré­‑eclampsia e perda fetal recorrente
têm sido associadas a distúrbios trombofílicos (Alfirevic et al., 2001; Kujovich, 2004). [...] O tratamento
preferencial para mulheres com trombofilia conhecida, episódios trombofílicos, perdas fetais prévias
[...] ou interrupções bruscas inexplicadas e que estão grávidas ou desejam engravidar é a heparina não
fracionada profilática (UFH, unfractioned heparin) ou a heparina de baixo peso molecular (LMWH, low­
‑molecular­‑weight heparin) (Bates et al., 2004; Gris et al., 2004). A UFH e a LMWH são administradas
na forma de injeções subcutâneas que podem ser prescritas a pacientes não hospitalizados. [...] A
ansiedade e o medo relacionados com as autoinjeções diárias podem ser um fator adicional causador
de impacto sobre a experiência da gravidez (Mohr et al., 2002).
Permanece uma lacuna significativa na literatura que explora as necessidades e experiências
específicas das mulheres grávidas diagnosticadas com trombofilia e as estratégias usadas por elas
para lidar com o problema. Os estudos que exploraram preocupações de mulheres grávidas com
incapacidades, distúrbios hereditários e complicações na gravidez identificaram tópicos como perda
de controle, necessidade de apoio de profissionais da área de saúde, sentimentos de desespero,
incerteza dominante e aumento do estresse (Bachman e Lind, 1997; Berg e Dahlberg, 1998; Briscoe
et al., 2002; Thomas, 1999, 2004). [...] A pesquisa médica e de enfermagem destaca a gravidade
da trombofilia durante a gravidez e sugere que as mulheres grávidas que lidam com a trombofilia
enfrentam muitos desafios difíceis” (p. 55­‑56).
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 7.1 relevantes para esse estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
compreender o estudo:
(continua)
218
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES De PENSAMENTO CRÍTICO (continuação)
a) Qual era o fenômeno central focado pelos pesquisadores nesse estudo? O fenômeno foi
adequadamente coberto na revisão da literatura?
b) Ao fazer a revisão da literatura, que palavras­‑chave os pesquisadores devem ter usado para
pesquisar estudos prévios?
c) Usando essas palavras­‑chave, faça uma busca computadorizada para ver se encontra um
estudo recente relevante passível de ser incluído na revisão.
EXEMPLO 3 Pesquisa quantitativa no Apêndice A
1Leia o resumo e a introdução do estudo de Howell e colaboradores (“Relações entre ansiedade,
raiva e pressão arterial em crianças”, 2007) no Apêndice A deste livro e, depois, responda às
questões relevantes do Quadro 7.1.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
avaliar os aspectos do mérito do estudo:
a) Qual era a variável independente desse estudo? A revisão da literatura abrangeu resultados
de estudos anteriores sobre tal variável?
b) Quais eram as variáveis dependentes desse estudo? A revisão da literatura abrangeu
resultados de estudos anteriores sobre essa variável e sua relação com a variável
dependente?
c) Ao fazer a revisão da literatura, que palavras­‑chave os pesquisadores devem ter usado para
pesquisar estudos prévios?
EXEMPLO 4 Pesquisa qualitativa no Apêndice B
1Leia o resumo e a introdução do estudo de Beck (“Aniversário do trauma de nascimento”, 2006)
no Apêndice B deste livro e, depois, responda às questões relevantes do Quadro 7.1.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
avaliar os aspectos do mérito do estudo:
a) Qual era o fenômeno central focado por Beck nesse estudo? O fenômeno foi
adequadamente coberto na revisão da literatura?
b)Em que seções do relatório Beck discutiu a pesquisa anterior?
c) Ao fazer a revisão da literatura, que palavras­‑chave Beck deve ter usado para pesquisar
estudos prévios?
REVISÃO DO CAPÍTULO
Nesta seção, são apresentados os novos termos­‑chave deste capítulo, além de um
resumo dos pontos principais.
Novos termos­‑chave
ü
ü
ü
ü
ü
Banco de dados bibliográficos
Banco de dados CINAHL
Banco de dados MEDLINE
Fonte primária
Fonte secundária
ü
ü
ü
ü
Palavra­‑chave
PubMed
Revisão da literatura
Subtítulo de assunto
CAPÍTULO 7
Revisão da literatura: localização e análise de evidências
219
Tópicos resumidos
ü
ü
ü
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ü
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ü
ü
ü
A revisão da literatura de pesquisa é um resumo por escrito do estado dos
dados científicos sobre determinado problema de pesquisa. Um tipo importante
de revisão para a PBE é o sistemático, tipicamente uma metanálise ou metassíntese.
As principais etapas da preparação de uma revisão da literatura por escrito
incluem formular a questão, definir uma estratégia de pesquisa, realizar uma
busca, armazenar fontes relevantes, resumir e codificar informações, criticar os
estudos, analisar as informações e preparar a síntese por escrito.
Para a revisão de evidências, as descobertas dos estudos (comumente publicadas
em artigos de periódicos) são essenciais. As informações em referências que não
são de pesquisas – incluindo artigos de opinião, relatórios de caso e descrição
de casos clínicos não científicos – podem ser para ampliar a compreensão do
problema, mas, em geral, têm utilidade limitada para a redação de revisões de
pesquisa.
A fonte primária da revisão de pesquisas é a descrição original do estudo, preparada pelo pesquisador que o realizou; a fonte secundária é uma descrição
do estudo feita por uma pessoa sem ligação com ele. As revisões da literatura
devem se basear no material da fonte primária.
Estratégias para localizar estudos sobre determinado tópico incluem o uso de ferramentas bibliográficas e também a abordagem dos antecedentes (rastrear estudos
anteriores, citados na lista de referências do relatório) e a abordagem dos descendentes
(usar um estudo­‑base para pesquisar estudos subsequentes citados nele).
Um importante avanço na localização de referências para revisões de pesquisas é
a ampla disponibilidade de vários bancos de dados bibliográficos, que podem
ser acessados eletronicamente. Para enfermeiros, o CINAHL e o MEDLINE são
especialmente úteis.
Ao pesquisar em um banco de dados bibliográficos, os usuários podem fazer
a busca por palavra­‑chave, que procura termos especificados pelo usuário nos
campos de texto de um registro (ou que mapeia palavras­‑chave a códigos de
assunto do banco de dados) ou usar os próprios códigos de título de assunto.
Buscas por autor também estão disponíveis.
As referências armazenadas devem ser examinadas em termos de relevância.
Depois, as informações pertinentes são resumidas e codificadas para análise subsequente. Protocolos formais de revisão facilitam o processo de codificação.
Também é preciso criticar os estudos, avaliando a consistência das evidências.
As críticas de revisões de pesquisa tendem a focar aspectos metodológicos de
um grupo de estudos.
A análise das informações obtidas em pesquisas da literatura envolve, essencialmente, a identificação de temas importantes – regularidades e padrões das
informações.
Ao preparar uma revisão escrita, é importante organizar os materiais de forma lógica e coerente. Recomenda­‑se a preparação de um esboço. O papel dos
revisores é indicar o que tem sido estudado, se os estudos são adequados e
fidedignos, se há lacunas no corpo de pesquisas e (no contexto de um estudo
novo) que contribuição um estudo novo poderia trazer.
220
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 7
Bonner, A., Wellard, S., Caltabiano, M. (2008). Levels of fatigue in people with ESRD living
in far North Queensland. Journal of Clinical Nursing, 17, 90–98.
Martens, T., & Emed, J. (2007). The experiences and challenges of pregnant women coping
with thrombophilia. Journal of Obstetric, Gynecologic, & Neonatal Nursing, 36, 55–62.
Roe, B., Ostaszkiewicz, J., Milne, J., & Wallace, S. (2007). Systematic review of bladder
training and voiding programmes in adults. Journal of Advanced Nursing, 57, 15–31.
Shreffler-Grant, J., Hill, W., Weinert, C., Nichols, E., & Ide, B. (2007). Complementary therapy
and older rural women: Who uses it and who does not? Nursing Research, 56, 28–33.
Zhang, A., Strauss, G., & Siminoff, L. (2007). Effects of combined pelvic muscle exercise and
a support group on urinary incontinence and quality of life of postprostatectomy patients.
Oncology Nursing Forum, 34, 47–53.
8
Estruturas teóricas
e conceituais
TEORIAS, MODELOS E ESTRUTURAS
USO DE TEORIAS OU
ESTRUTURAS NA PESQUISA
Teorias
Modelos
Estruturas
A natureza das teorias e dos modelos
conceituais
CRÍTICA DE ESTRUTURAS EM
RELATÓRIOS DE PESQUISA
TEORIAS E MODELOS CONCEITUAIS
USADOS POR ENFERMEIROS
PESQUISADORES
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADEs DE PENSAMENTO
CRÍTICO
Modelos conceituais de enfermagem
Teorias de médio alcance e outros modelos
desenvolvidos por enfermeiros
Outros modelos usados por enfermeiros
pesquisadores
Teorias na pesquisa qualitativa
Teorias na pesquisa quantitativa
REVISÃO DO CAPÍTULO
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 8
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
üIdentificar as principais características de teorias, modelos conceituais e estruturas.
üIdentificar vários modelos conceituais de enfermagem e outros frequentemente usados por en‑
fermeiros pesquisadores.
ü
ü
ü
Descrever como a teoria e a pesquisa estão relacionadas em estudos quantitativos e qualitativos.
Criticar a adequação de uma estrutura teórica – ou da ausência de uma – no estudo.
Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
222
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Tipicamente, estudos de alta qualidade alcançam um elevado nível de integração
conceitual. Isso significa, por exemplo, que as questões de pesquisa são apropriadas aos métodos escolhidos e consistentes com os dados existentes e que há um
princípio conceitual plausível para os resultados esperados – incluindo um princípio racional para todas as hipóteses a serem testadas ou para a elaboração da
intervenção de um modo específico. Suponhamos, por exemplo, que um pesquisador formulou a hipótese de que uma intervenção para parar de fumar conduzida
pelo enfermeiro reduz as taxas de tabagismo entre pacientes com doença cardiovascular. Por que ele faria essa predição? Que “teoria” declara que uma intervenção pode mudar o comportamento das pessoas? Está previsto que a intervenção
vai mudar o conhecimento dos pacientes? Suas atitudes? Motivações? Propósitos
sociais? Senso de controle sobre as próprias decisões? A visão do pesquisador a
respeito do modo como a intervenção pode “funcionar” deve orientar a elaboração
da intervenção e do estudo.
As decisões sobre o delineamento do projeto e as estratégias de coleta de dados não podem ser tomadas no vazio – tem de haver uma conceituação subjacente
dos comportamentos e das características das pessoas e do modo como esses fatores afetam as forças interpessoais e ambientais. Em alguns estudos, a conceituação
subjacente é confusa ou não está declarada, mas, em pesquisas de boa qualidade,
o pesquisador explicita uma conceituação clara e defensável. Este capítulo discute
os contextos teórico e conceitual dos problemas de pesquisa em enfermagem.
TEORIAS, MODELOS E ESTRUTURAS
Muitos termos têm sido usados em conexão com os contextos conceituais de
pesquisa, incluindo teorias, modelos, estruturas, esquemas e mapas. Há alguma
sobreposição no modo como esses termos são usados, em parte porque são empregados de forma diferente por diferentes autores, em parte porque estão inter­
‑relacionados. Orientamos a distinção desses termos, mas observe­‑se que nossas
definições não são universais.
Teorias
Professores e alunos de enfermagem com frequência usam o termo teoria para se
referir a um conteúdo tratado em salas de aulas, em oposição à prática real da
enfermagem. Tanto na linguagem científica quanto na leiga, teoria conota uma
abstração.
Classicamente, o termo teoria é definido nos círculos de pesquisa como uma
generalização abstrata que explica, de modo sistemático, como os fenômenos estão
inter­‑relacionados. A definição tradicional requer que a teoria abarque pelo menos
dois conceitos relacionados, sendo seu propósito explicar de que maneira se dá
essa relação. Na definição clássica, as teorias consistem em conceitos e em um
conjunto de proposições que formam um sistema logicamente inter­‑relacionado,
fornecendo um mecanismo para dedução lógica de novas declarações a partir das
proposições originais. Para ilustrar, considere­‑se a teoria do reforço, segundo a qual
o comportamento reforçado (i.e., recompensado) tende a ser repetido e aprendido. Essa teoria consiste em conceitos (reforço e aprendizado) e em uma proposição sobre a relação entre ambos. A proposição presta­‑se à geração de hipóteses.
CAPÍTULO 8
Estruturas teóricas e conceituais
223
Por exemplo, se a teoria do reforço for válida, podemos deduzir que crianças hiperativas elogiadas ou recompensadas quando estão engajadas em brincadeiras
tranquilas vão exibir menos comportamentos agitados do que crianças similares
que não são elogiadas. Essa predição, assim como muitas outras baseadas na teoria do reforço, podem ser testadas em um estudo.
Outros pesquisadores usam o termo teoria de modo menos restrito, para se
referir à caracterização geral de um fenômeno. Alguns autores referem­‑se especificamente a esse tipo de teoria como teoria descritiva – aquela responsável por descrever com abrangência um fenômeno específico. As teorias descritivas são abstrações
indutivas, orientadas empiricamente e “descrevem ou classificam dimensões ou características específicas de indivíduos, grupos, situações ou eventos, resumindo aspectos comuns encontrados em observações distintas” (Fawcett, 1999, p. 15). Essas
teorias desempenham um papel especialmente importante em estudos qualitativos.
Tanto as teorias clássicas quanto a descritiva ajudam a tornar os resultados
das pesquisas significativos e interpretáveis. Elas permitem que os pesquisadores
façam ligações entre observações dentro de um sistema ordenado. Além disso, servem para explicar resultados de pesquisas: a teoria pode orientar a compreensão
do pesquisador não apenas sobre o “o que” do fenômeno natural, mas também
sobre o “porquê” da sua ocorrência. Por fim, as teorias ajudam a estimular a pesquisa e a ampliação do conhecimento, fornecendo tanto uma direção quanto um
estímulo.
Às vezes, as teorias são classificadas em termos do nível de generalização.
Teorias de grande alcance (também chamadas macroteorias) propõem­‑se a explicar
amplos segmentos da experiência humana. Alguns sociólogos, como Talcott Parsons,
desenvolveram vários sistemas teóricos para tratar de amplas classes do comportamento e do funcionamento social. Na enfermagem, as teorias são mais restritas em
seu alvo, focando uma faixa estreita de fenômenos. As teorias que explicam parte
da experiência humana às vezes são chamadas de teorias de médio alcance. Por
exemplo, há teorias de médio alcance para explicar fenômenos como a tomada de
decisões, o afeto infantil e o estresse. Smith e Liehr (2003) descreveram oito teorias
específicas de médio alcance especialmente relevantes para a enfermagem.
Modelos
O modelo conceitual lida com abstrações (conceitos) reunidas por causa da sua
relevância para um tema comum. Os modelos conceituais fornecem uma perspectiva conceitual relativa a fenômenos inter­‑relacionados, mas se encontram mais
frouxamente estruturados do que as teorias, e não ligam os conceitos, formando
um sistema dedutivo logicamente derivado. O modelo conceitual garante amplamente uma compreensão do fenômeno estudado e reflete as suposições e visões
filosóficas de quem o elaborou. Há muitos modelos conceituais de enfermagem
que oferecem explicações amplas sobre o processo de enfermagem. Assim como as
teorias, os modelos conceituais podem servir de plataforma para gerar hipóteses.
Alguns autores usam o termo modelo para designar um mecanismo de representação de fenômenos com uso mínimo de palavras. As palavras que definem um conceito podem implicar significados diferentes para pessoas diferentes;
portanto, a representação visual ou simbólica de um fenômeno às vezes ajuda a
expressar ideias abstratas de modo mais compreensível e preciso. Dois tipos de
modelo usados em contextos de pesquisa são o esquemático e o estatístico. Os
modelos estatísticos, que não serão detalhados aqui, são equações matemáticas que
224
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
expressam a natureza e a magnitude das relações entre um conjunto de variáveis.
Esses modelos são testados por métodos estatísticos sofisticados.
Os modelos esquemáticos (também chamados de mapas conceituais) são
representações visuais das relações entre os fenômenos, usadas tanto na pesquisa
qualitativa quanto na quantitativa. Representam­‑se os conceitos e as ligações entre
eles por gráficos com quadros, setas ou outros símbolos. Apresentamos um exemplo de modelo esquemático na Figura 8.1. Esse modelo, conhecido como Modelo
de Promoção da Saúde de Pender, destina­‑se a explicar e prever o componentes
de promoção da saúde no estilo de vida (Pender, Murdaugh e Parsons, 2006).
Modelos esquemáticos desse tipo podem ser úteis para esclarecer e comunicar
ligações entre conceitos de modo sucinto.
Estruturas
A estrutura consiste nas bases conceituais do estudo. Nem todo estudo baseia­‑se
em uma teoria ou modelo conceitual, mas todos têm uma estrutura. Quando o
estudo fundamenta­‑se em uma teoria, tem­‑se uma estrutura teórica; quando ele
tem suas raízes em um modelo conceitual específico, com frequência, refere­‑se à
estrutura conceitual. (No entanto, os termos estrutura conceitual, modelo concei‑
tual e estrutura teórica tendem a ser usados como sinônimos.)
Comumente, a estrutura do estudo fica implícita (i.e., não é formalmente
reconhecida nem descrita). As visões de mundo (e as visões sobre a enfermagem)
dão forma ao modo como os conceitos são definidos e operacionalizados, mas,
com frequência, os pesquisadores não esclarecem quais são as bases conceituais
de suas variáveis. Conforme citado no Capítulo 3, ao realizar um estudo, é preciso
deixar clara a definição conceitual das variáveis­‑chave e, desse modo, fornecer
informações sobre a estrutura.
Em geral, os pesquisadores quantitativos é que deixam de identificar suas
estruturas, mais do que os qualitativos. Na maioria dos estudos qualitativos, as
estruturas fazem parte da tradição de pesquisa em que o estudo está inserido. Os
etnógrafos, por exemplo, começam o trabalho pela teoria da cultura. Os pesquisadores da teoria fundamentada assimilam princípios sociológicos à estrutura e
ao modo de perceber os fenômenos. As questões colocadas pela maioria dos pesquisadores qualitativos e os métodos usados para tratar essas questões refletem,
inerentemente, certas formulações teóricas.
Recentemente, a análise conceitual tem se tornado um empreendimento importante entre estudantes e professores de enfermagem (Chinn e Kramer, 2003; Walker
e Avant, 2004). Espera­‑se que esses esforços de análise de conceitos relevantes para a
prática de enfermagem levem a uma maior clareza conceitual entre os pesquisadores
da área que desejam contribuir para a prática baseada em evidências.
Exemplo de análise conceitual
Buck (2006) fez uma análise conceitual e desenvolveu um modelo de espiritualidade usando
o método de Chinn e Kramer. O conceito foi definido do seguinte modo: espiritualidade é “a
mais humana das experiências que buscam transcender o eu e encontrar significado e propó‑
sito mediante a conexão com outras pessoas, com a natureza e/ou com um Ser Supremo, e
pode ou não envolver tradição ou estruturas religiosas” (p. 288).
CAPÍTULO 8
CARACTERÍSTICAS
E EXPERIÊNCIAS
INDIVIDUAIS
Estruturas teóricas e conceituais
COGNIÇÕES
E AFETOS
ESPECÍFICOS DO
COMPORTAMENTO
225
RESULTADO
COMPORTAMENTAL
BENEFÍCIOS
PERCEBIDOS
DA AÇÃO
COMPORTA‑
MENTO RE‑
LACIONADO
ANTERIOR‑
MENTE
BARREIRAS
PERCEBIDAS
À AÇÃO
DEMANDAS
COMPETITIVAS
IMEDIATAS (controle
baixo) E PREFERÊNCIAS
(controle alto)
AUTOEFICÁCIA
PERCEBIDA
AFETO
RELACIONADO
À ATIVIDADE
FATORES
PESSOAIS
Biológicos
Psicológicos
Socioculturais
INFLUÊNCIAS
INTERPESSOAIS
(família, colegas,
provedores);
normas: apoio;
modelos
COMPROMISSO
COM UM PLANO
DE AÇÃO
COMPORTA‑
MENTO DE
PROMOÇÃO
DA SAÚDE
INFLUÊNCIAS
SITUACIONAIS
(opções, características
da demanda, estética)
FIGURA 8.1
Modelo de Promoção da Saúde. (Disponível em: www.nursing.umich.edu/faculty/pender/chart.gif. Aces‑
so em 13 de janeiro de 2006.)
A natureza das teorias e dos modelos conceituais
Teorias, estruturas conceituais e modelos não são descobertos; são criados e inventados. A construção de uma teoria depende não apenas de fatos e dados observáveis, mas também do engenho de teóricos capazes de juntar fatos e dar­‑lhes
sentido. Portanto, a construção da teoria é um empreendimento criativo, no qual
pode se engajar qualquer pessoa com capacidade criativa, uma base consistente
226
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
de evidências e habilidade para interligá­‑las, formando um padrão inteligível.
Uma vez que não se encontram “por aí”, esperando que alguém apareça para
descobri­‑las, as teorias são experimentais. Não se pode provar uma teoria – ela
simplesmente representa os melhores esforços do teórico na tentativa de descrever
e explicar fenômenos. Por meio de pesquisas, teorias desenvolvem­‑se e, às vezes,
são descartadas. Isso pode acontecer quando novas evidências científicas ou observações minam uma teoria previamente aceita. Ou então uma nova teoria pode
fazer a integração entre novas observações e uma teoria já existente, gerando uma
explicação mais precisa ou objetiva para o fenômeno.
A relação entre a teoria e a pesquisa é recíproca. Teorias e modelos são construídos mediante a indução, a partir de observações, e uma excelente fonte de
observações é a pesquisa prévia, inclusive estudos qualitativos detalhados. Os conceitos e as relações validados empiricamente pela pesquisa tornam­‑se a base do
desenvolvimento da teoria. Esta, por sua vez, tem de ser testada – as deduções feitas a partir dela (hipóteses) devem ser submetidas a outras investigações sistemáticas. Portanto, a pesquisa desempenha um papel duplo e contínuo na construção
e no teste de teorias. A teoria orienta e gera ideias para a pesquisa; esta examina
a validade daquela e fornece uma base para novas teorias.
Exemplo de desenvolvimento de uma teoria
Jean Johnson (1999) desenvolveu uma teoria de médio alcance chamada Teoria da Au­
torregulação, que explica as relações entre as experiências do tratamento de saúde, o modo
de lidar com o problema e os resultados de saúde. Ela descreveu o desenvolvimento da teoria
do seguinte modo: “A teoria foi desenvolvida em um processo cíclico. A pesquisa foi reali‑
zada, usando­‑se a teoria da autorregulação no tratamento de doenças. As proposições sus‑
tentadas pelos dados foram mantidas; as outras, quando não sustentadas, foram alteradas.
E novas proposições teóricas foram acrescentadas quando a teoria produzia descobertas
inesperadas. Esse ciclo repetiu­‑se muitas vezes ao longo de três décadas, levando à etapa
atual de de­senvolvimento da teoria” (p. 435­‑436). Como exemplo de pesquisa relacionada,
Allard (2007) desenvolveu e testou uma intervenção baseada na Teoria da Autorregulação para
incrementar o bem­‑estar físico e emocional de mulheres submetidas a cirurgias de câncer de
mama.
TEORIAS E MODELOS CONCEITUAIS USADOS
POR ENFERMEIROS PESQUISADORES
Os enfermeiros pesquisadores têm usado estruturas tanto da enfermagem quanto
de outras áreas para fornecer contextos conceituais a seus estudos. Esta seção discute brevemente várias estruturas consideradas úteis por esses pesquisadores.
Modelos conceituais de enfermagem
Nas últimas décadas, vários enfermeiros formularam modelos conceituais para
a prática da enfermagem. Esses modelos constituem explicações formais sobre
o que é a disciplina de enfermagem e o que o processo de enfermagem envolve,
de acordo com o ponto de vista do criador do modelo. Como Fawcett (2005) observou, quatro conceitos são centrais para os modelos de enfermagem: humanos,
CAPÍTULO 8
Estruturas teóricas e conceituais
227
ambiente, saúde e enfermagem. Os vários modelos conceituais, no entanto, definem
esses conceitos diferentemente, ligando­‑os de diversos modos e dando diferente
ênfase às relações entre eles. Além disso, modelos diferentes enfatizam processos
distintos como o ponto central da enfermagem. O Modelo da Adaptação de Calista Roy identifica a adaptação dos pacientes como um fenômeno crítico (Roy e
Andrews, 1999). Martha Rogers (1986), por sua vez, enfatizou a centralidade do
indivíduo como um todo unificado, e seu modelo considera a enfermagem como
um processo em que os clientes recebem ajuda para alcançar o máximo bem­‑estar,
de acordo com o próprio potencial.
Os modelos conceituais não foram desenvolvidos inicialmente como base
da pesquisa em enfermagem. Na verdade, muitos modelos tiveram mais impacto sobre a formação acadêmica de enfermeiros e sobre a prática clínica do que
a respeito da pesquisa em enfermagem. Entretanto, enfermeiros pesquisadores
têm usado essas estruturas conceituais como inspiração para a formulação de
questões e hipóteses de pesquisa. A Tabela 8.1 lista 10 modelos conceituais proeminentes em enfermagem usados por pesquisadores. Essa tabela descreve brevemente o aspecto­‑chave do modelo e identifica um estudo em que foi usado
como estrutura.
Consideramos agora um modelo conceitual de enfermagem que recebeu
considerável atenção por parte dos enfermeiros pesquisadores, o Modelo da
Adaptação de Roy. Nesse modelo, os seres humanos são vistos como sistemas
biopsicossociais adaptativos, que lidam com mudanças ambientais pelo processo
da adaptação (Roy e Andrews, 1999). No sistema humano, há quatro subsistemas:
fisiológico/físico, identidade autoconceitual/grupal, desempenho do papel e interdependência. Esses sistemas constituem modos adaptativos que fornecem mecanismos para lidar com estímulos ambientais e mudanças. A saúde é vista como
um estado e como o processo de estar e ficar integrado com um todo que reflete
a mutualidade entre pessoas e o ambiente. O objetivo da enfermagem, segundo
esse modelo, é promover a adaptação do cliente; a enfermagem também regula
os estímulos que afetam a adaptação. As intervenções de enfermagem costumam
ocorrer (p. ex., aumento, diminuição, modificação, remoção ou manutenção de
estímulos internos e externos que afetam a adaptação).
Exemplo de uso do Modelo da adaptação de Roy
Flood e Scharer (2006) testaram uma intervenção para incrementar a criatividade, destinada
a promover o êxito da adaptação ao envelhecimento no contexto do Modelo da Adaptação
de Roy.
Teorias de médio alcance e outros modelos desenvolvidos por enfermeiros
Além dos modelos conceituais destinados a descrever e caracterizar todo o processo de enfermagem, os enfermeiros desenvolvem outras teorias de médio alcance
e modelos que focam fenômenos mais específicos relevantes para a enfermagem.
Exemplos de teorias de médio alcance desenvolvidas por enfermeiros e usadas
na pesquisa incluem a Teoria dos Sintomas Desagradáveis (Lenz et al., 1997), a
Teoria do Conforto de Kolcaba (2003), a Teoria da Autotranscendência de Reed
(1991), a Teoria das Transições (Meleis et al., 2000), o Modelo da Administração
dos Sintomas (Dodd et al., 2001), o Modelo de Promoção da Saúde de Pender e a
Cada pessoa é um sistema completo; o
objetivo do enfermeiro é ajudar a manter a
estabilidade do sistema do cliente.
A saúde é considerada uma expansão da
consciência, e o continuum par saúde­‑doença
como parte de um todo; a saúde é vista
dentro de um padrão evolutivo do todo em
termos de tempo, espaço e movimento.
As atividades de autocuidado são feitas por
conta própria para manter a saúde e o bem­
‑estar; o objetivo da enfermagem é ajudar
as pessoas a atender as próprias demandas
terapêuticas de autocuidado.
Modelo dos Sistemas
de Atendimento de
Saúde
Saúde como expansão
da consciência
Teoria de Enfermagem
do Déficit no
Autocuidado
Betty Neuman,
2001
Margaret
Newman, 1994
Dorothea Orem,
2003
A conservação da integridade, da parte dos
enfermeiros, contribui para a manutenção
da pessoa como um todo.
Modelo da
Conservação
Myra Levine,
1973
O cuidado é um fenômeno universal, mas
sua manifestação e seus processos variam
transculturalmente.
Teoria da Universalida‑
de e Diversidade do
Cuidado Cultural
Madeline
Leininger, 2006
(continua)
Tsai (2007) estudou estratégias de autocuidado para
lidar com sintomas depressivos entre idosos residentes
de clínicas estaduais em Taiwan, usando conceitos da
teoria de Orem.
Rosa (2006) usou a teoria de Newman para estudar
padrões de cura e transformação pessoal em
portadores de feridas crônicas.
Jones­‑Cannon e Davis (2005) usaram o modelo
de Neuman como estrutura de seu estudo sobre
estratégias de filhas afro­‑americanas que atuavam
como cuidadoras.
Gagner­‑Tjellesen e colaboradores (2001) usaram conceitos
do modelo de Levine no estudo do uso clínico da musico­
terapia em pacientes graves internados em hospitais.
Orientado pela teoria do Leininger, Polyakova e
Pacquiao (2006) examinaram o contexto cultural da
doença mental entre imigrantes idosos da Rússia.
Modelo de Enfermagem A enfermagem é a ciência das interações
Cassette e colaboradores (2002) usaram o Modelo
de McGill
que promovem a saúde. Seu objetivo é
de McGill em seu estudo para documentar as
promover ativamente as forças do paciente
abordagens de enfermagem associadas a reduções
e de sua família e o alcance de objetivos
no sofrimento psicológico entre pacientes após infarto
de vida.
do miocárdio.
EXEMPLO DE PESQUISA
F. Moyra Allen,
2002
TESE­‑CHAVE DO MODELO
NOME DO
MODELO/TEORIA
MODELOS CONCEITUAIS DE ENFERMAGEM
USADOS POR ENFERMEIROS PESQUISADORES
TEÓRICO E
REFERÊNCIA
Tabela 8.1
228
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Os seres humanos são sistemas adaptativos, Buckner e colaboradores (2007) descreveram a
que lidam com mudanças por meio
adaptação (nos quatro modos adaptativos do modelo
de Roy) entre adolescentes que participaram de um
da adaptação; a enfermagem ajuda a
acampamento para jovens.
promover a adaptação dos clientes durante
a saúde e a doença.
O cuidado é um ideal moral e envolve um
engajamento mente­‑corpo­‑alma com o
outro.
Ciência dos Seres
Humanos Unitários
Modelo da Adaptação
Teoria do Cuidado
Martha Rogers,
1986
Callista Roy, 1999
Jean Watson,
2005
O indivíduo é um todo unificado em
constante interação com o ambiente; a
enfermagem o ajuda a alcançar o bem­
‑estar máximo, de acordo com o seu
potencial.
O modelo conceitual de Watson de cuidado­‑cura ser­viu
de base para o estudo da cultura do cuidado de en­fer­
magem em uma unidade médica segundo a percep­ção
da equipe e dos pacientes (Carter et al., 2008).
Shearer e colaboradores (2007) testaram o efeito de
uma intervenção de capacitação feita por telefone.
O estudo foi orientado pela teoria de Roger e incluiu
pacientes diagnosticados com insuficiência cardíaca.
Saúde e significado são cocriados em um
Kagan (2008) estudou a experiência de vida universal
conjunto indivisível de humanos e seu meio
de se sentir ouvido, usando os métodos e a teoria de
ambiente; a enfermagem ajuda os clientes a Parse.
compartilharem visões sobre significados.
Teoria do Tornar­‑se
Humano
EXEMPLO DE PESQUISA
Rosemarie Rizzo
Parse, 1999
TESE­‑CHAVE DO MODELO
NOME DO
MODELO/TEORIA
MODELOS CONCEITUAIS DE ENFERMAGEM
USADOS POR ENFERMEIROS PESQUISADORES (continuação)
TEÓRICO E
REFERÊNCIA
Tabela 8.1
CAPÍTULO 8
Estruturas teóricas e conceituais
229
230
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Teoria da Incerteza na Doença de Mishel (1990). As duas últimas são brevemente
descritas aqui.
O Modelo de Promoção da Saúde (MPS), elaborado por Nola Pender (2006),
aborda a explicação dos comportamentos que estimulam a saúde usando a orientação para o bem­‑estar. De acordo com o modelo recentemente revisado (Fig.
8.1), a promoção da saúde abrange atividades direcionadas para o desenvolvimento de recursos que mantêm ou incrementam o bem­‑estar do indivíduo. O modelo
inclui uma série de proposições que podem ser usadas para desenvolver e testar
intervenções e compreender comportamentos de saúde. Uma das proposições do
MPS afirma que as pessoas empenham­‑se em ter comportamentos dos quais pressupõem a derivação de benefícios válidos; outra proposição defende que a competência percebida ou a autoeficácia relacionada a determinado comportamento
aumenta a propensão da pessoa a empenhar­‑se na ação e no desempenho desse
comportamento.
Exemplo de uso do MPS
Ronis e colaboradores (2006) testaram o MPS revisado para explicar as decisões de 703 tra‑
balhadores da construção civil de usar dispositivos de proteção auditiva. Os resultados sus‑
tentaram o modelo revisado e sugeriram que o novo modelo teve mais êxito na predição da
proteção auditiva do que o MPS original.
A Teoria da Incerteza na Doença, elaborada por Mishel (1990), trata do
conceito de incerteza – a incapacidade de determinar o significado dos eventos
relacionados à doença. De acordo com essa teoria, as pessoas desenvolvem avaliações subjetivas que as ajudam a interpretar a experiência da doença e do tratamento. A incerteza ocorre quando elas não conseguem reconhecer e categorizar
os estímulos, resultando na impossibilidade de obter uma concepção clara das
circunstâncias, mas a situação avaliada como incerta mobiliza os indivíduos a usarem seus recursos de adaptação à nova situação. A conceituação da incerteza,
desenvolvida por Mishel (e a sua Escala da Incerteza na Doença), tem sido usada
em muitos estudos de enfermagem.
Exemplo de uso da Teoria da Incerteza na Doença
Clayton e colaboradores (2006) testaram um modelo de sintomas, comunicação com prove‑
dores e incerteza como fatores que afetam o bem­‑estar de idosas sobreviventes ao câncer de
mama. Nesse modelo, a comunicação foi conceituada como um fator que influencia a incerte‑
za, que, por sua vez, é vista como fator que influencia o bem­‑estar emocional e cognitivo.
Outros modelos usados por enfermeiros pesquisadores
Muitos conceitos que interessam aos enfermeiros pesquisadores não são únicos
da enfermagem e, portanto, seus estudos às vezes estão ligados a estruturas que
não são modelos da profissão de enfermagem. Vários desses modelos alternativos
têm alcançado especial proeminência no desenvolvimento de intervenções de enfermagem multifacetadas, destinadas a promover comportamentos e escolhas de
CAPÍTULO 8
Estruturas teóricas e conceituais
231
vida que incrementam a saúde. Cinco modelos ou teorias que não são de enfermagem frequentemente são usados nos estudos dessa área: a Teoria Sociocognitiva,
de Bandura; o Modelo Transteórico (Etapas da Mudança), de Prochaska; o Modelo
das Crenças de Saúde, de Becker, a Teoria do Comportamento Planejado, de Ajzen;
e a Teoria do Estresse e do Modo de Enfrentamento, de Lazarus e Folkman.
ü
Teoria Sociocognitiva (Bandura, 1985). Oferece uma explicação para o comportamento humano usando os conceitos da autoeficácia, expectativas de resultados
e incentivos. As expectativas de autoeficácia focam a confiança das pessoas em
sua própria capacidade de manter comportamentos específicos (p. ex., parar
de fumar). As expectativas sobre a autoeficácia determinam comportamentos
que a pessoa escolhe ter, seu grau de perseverança e qualidade do desempenho.
O papel da autoeficácia tem sido estudado em relação a numerosos comportamentos de saúde. Chang e colaboradores (2007), por exemplo, testaram uma
intervenção baseada em teoria, o Programa de Desenvolvimento do Autocuidado
e da Autoeficácia, para melhorar a capacidade de autocuidar­‑se de idosos de
um asilo chinês.
DICA
O construto de autoeficácia, de Bandura, é uma variável­‑chave mediadora em vários modelos
e teorias discutidos neste capítulo. Tem sido revelado, diversas vezes, que a autoeficácia expli‑
ca um grau significativo da variação do comportamento das pessoas e está sujeita a mudanças;
portanto, com frequência, desenvolver a autoeficácia é um dos objetivos das intervenções
destinadas a mudar as pessoas em termos de comportamentos e ações relacionadas à saúde.
ü
ü
Modelo Transteórico (Prochaska et al., 2002). Tem sido usado em numerosas
intervenções para mudar o comportamento das pessoas. O construto central são
as etapas da mudança, que constituem um continuum de disposição motivacional
para mudar o comportamento problemático. As cinco etapas da mudança são
pré­‑contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção. Os estudos
têm mostrado que pessoas que usam a automudança com êxito adotam diferentes processos em cada etapa, e isso sugere ser desejável fazer intervenções
individualizadas, de acordo com a etapa de prontidão para a mudança em que
a pessoa se encontra. Ham (2007), por exemplo, identificou as etapas e os
processos da mudança de largar o cigarro entre estudantes do ensino médio na
Coreia.
Modelo das Crenças de Saúde (MCS), de Becker. Estrutura usada para explicar o comportamento das pessoas em relação à saúde, como o cuidado com a
saúde e o cumprimento das prescrições médicas. De acordo com esse modelo,
o comportamento relacionado com a saúde é influenciado pela percepção que
cada um tem da ameaça representada pelo problema de saúde, assim como pelo
valor associado a ações cujo objetivo é reduzir essa ameaça (Becker, 1976). O
MCS revisado (MCSR) incorporou o conceito de autoeficácia (Rosenstock et al.,
1988). Os enfermeiros pesquisadores têm usado o MCS extensivamente. Ueland e
colaboradores (2006), por exemplo, desenvolveram e testaram uma intervenção
educacional baseada no MCS para promover a consciência da necessidade de
prevenir o câncer colorretal e fazer os exames relacionados.
232
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ü
ü
Teoria do Comportamento Planejado (TCP, Ajzen, 2005). Extensão de uma
teoria anterior, chamada Teoria da Ação Razoável, fornece uma estrutura para
compreender o comportamento das pessoas e seus determinantes psicológicos.
De acordo com essa teoria, o comportamento volitivo é determinado pela intenção da pessoa de ter aquele comportamento. As intenções, por sua vez, são
afetadas pelas atitudes em relação ao comportamento, por normas subjetivas
(i.e., pressão social percebida para ter ou não o comportamento em questão) e
pelo controle comportamental percebido (i.e., a suposta facilidade ou dificuldade de se engajar no comportamento). Sauls (2007), por exemplo, examinou
a utilidade da TCP na explicação das intenções de enfermeiros intraparto de
fornecer suporte profissional a parturientes.
Teoria do Estresse e do Modo de Enfrentamento, de Lazarus e Folkman
(1984). Oferece uma explicação para os métodos usados para lidar com o
estresse (i.e., demandas ambientais e internas que sobrecarregam ou excedem os recursos da pessoa e ameaçam seu bem­‑estar). A teoria afirma que
as estratégias para lidar com isso são aprendidas, consistem em respostas
deliberadas aos estressores e são usadas para a adaptação da pessoa ou para
mudança dos estressores. De acordo com esse modelo, a percepção de cada um
sobre a saúde mental e física está relacionada com os modos como a pessoa
avalia esses estressores da vida e lida com eles. Côté­‑Arsenault (2007), por
exemplo, estudou o estresse e as estratégias para enfrentá­‑los em grávidas
que experimentaram perda perinatal.
O uso de teorias e modelos conceituais de outras disciplinas, como a psicologia (teorias emprestadas), tem gerado controvérsias; alguns defendem o desenvolvimento de teorias específicas da enfermagem. No entanto, a pesquisa em enfermagem provavelmente continuará nessa mesma trilha de condução dos estudos,
dentro de uma perspectiva multidisciplinar e multiteórica. Além disso, quando é
testada e considerada empiricamente adequada a situações relevantes para a saúde e para a enfermagem, a teoria emprestada torna­‑se compartilhada.
DICA
Há sites dedicados a muitas das teorias e modelos mencionados neste capítulo. Um excelente
recurso da internet sobre teorias de enfermagem foi desenvolvido pela Hahn School of Nur‑
sing and Health Science da University of San Diego: www.sandiego.edu/nursing/theory. Além
disso, há bons sites sobre dezenas de teorias relacionadas com mudança de comportamento
(um construto­‑chave em estudos de intervenção de enfermagem), mantidos pela Communi‑
cation Initiative: http://www.comminit.com/changetheories.html, e pela University of South
Florida: http://hsc.usf.edu/~kmbrown/hlth_beh_models.htm.
USO DE TEORIAS OU ESTRUTURAS NA PESQUISA
O modo como teorias e estruturas conceituais são usadas por pesquisadores qualitativos e quantitativos está disposto nesta seção. Na discussão, o termo teoria é
usado em seu sentido mais amplo, incluindo modelos conceituais, teorias formais
e estruturas.
CAPÍTULO 8
Estruturas teóricas e conceituais
233
Teorias na pesquisa qualitativa
Quase sempre teorias estão presentes em estudos inseridos em determinada tradição qualitativa, como a etnografia ou a fenomenologia. Essas tradições de pesquisa, inerentemente, fornecem a estrutura dominante que dá fundamento teórico
aos estudos qualitativos. No entanto, tradições diferentes envolvem a teoria de
modos diferentes.
Sandelowski (1993) estabeleceu uma distinção útil entre teoria substantiva
(conceituação do fenômeno­‑alvo do estudo) e teoria que reflete uma conceituação
da investigação humana. Alguns pesquisadores qualitativos insistem em uma posição ateórica vis­‑à­‑vis do fenômeno estudado, com o objetivo de afastar, a priori,
conceituações (teorias substantivas) que possam gerar desvios na investigação. Os
fenomenologistas, por exemplo, em geral se comprometem com a pureza teórica
e tentam, explicitamente, conter visões preconcebidas sobre o fenômeno estudado. Apesar disso, orientam­‑se por uma estrutura ou filosofia que coloca o foco da
análise em certos aspectos da vida da pessoa. Essa estrutura baseia­‑se na premissa
de que a experiência humana é inerentemente parte da própria experiência, e não
algo construído por um observador externo.
Tipicamente, os etnógrafos trazem em seus estudos uma forte perspectiva
cultural, que dá forma ao campo de trabalho inicial. Fetterman (1997) observou
que a maioria dos etnógrafos adota teorias culturais de um desses dois grupos: as
de ideação, que sugerem que as condições culturais e a adaptação originam­‑se da
atividade mental e das ideias; e as materialistas, que consideram as condições materiais (p. ex., recursos, dinheiro, produção) como a fonte dos desenvolvimentos
culturais.
A teoria fundamentada é um método indutivo geral, que não está ligado
a uma perspectiva teórica particular (Glaser, 2005). Os teóricos fundamentados
podem usar qualquer perspectiva teórica adequada a seus dados, como a teoria
dos sistemas ou a teoria da organização social. Uma base teórica popular da teoria
fundamentada usada por enfermeiros pesquisadores é a interação simbólica (ou
interacionismo), que possui três premissas subjacentes (Blumer, 1986). A primeira
estabelece que os seres humanos agem em direção às coisas com base nos significados que essas coisas têm para eles. A segunda, que o significado das coisas é
derivado (ou surge a partir) da interações que eles estabelecem com outros seres
humanos. E a terceira, que os significados são administrados e modificados por
meio de um processo interpretativo.
Exemplo de estudo de teoria fundamentada
St. John e colaboradores (2005) realizaram um estudo de teoria fundamentada com base em
uma estrutura interacionista simbólica para explorar a realidade social e os significados sim‑
bólicos que palavras, gestos, atividades e experiências possuem para novos pais durante as
primeiras semanas pós­‑nascimento do filho, à medida que interagem com seus parceiros, o
bebê, a família, os amigos e outras pessoas.
Apesar dessa perspectiva teórica, os pesquisadores da teoria fundamentada,
como é o caso dos fenomenologistas, tentam manter em estado de suspensão as
teorias substantivas já existentes sobre o fenômeno específico até que uma teoria substantiva própria comece a emergir. Os métodos da teoria fundamentada
234
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
destinam­‑se a facilitar a geração de uma teoria conceitualmente densa, ou seja, com
muitos padrões e relações conceituais. O objetivo é desenvolver a conceituação de
um fenômeno fundamentada em observações reais – ou seja, expor uma conceituação com base em uma análise empírica que integre e dê sentido ao processo ou
fenômeno. O objetivo é usar os dados, fundamentados na realidade, para fornecer
uma descrição ou explicação dos eventos como ocorrem na realidade – e não como
foram conceituados em teorias preexistentes. No entanto, assim que começa a
surgir uma teoria fundamentada sobre o fenômeno estudado, esses teóricos usam
a literatura prévia para fazer comparações com categorias da teoria que estão
emergindo e se desenvolvendo.
Recentemente, um número crescente de enfermeiros pesquisadores qualitativos tem adotado uma perspectiva chamada de teoria crítica como estrutura
para a pesquisa. A teoria crítica é um paradigma que envolve uma crítica da
sociedade e dos processos e estruturas sociais, como discutido em mais detalhes
no Capítulo 10.
Às vezes, os pesquisadores qualitativos usam modelos conceituais de enfermagem ou outras teorias formais como estruturas interpretativas. Por exemplo,
uma série de enfermeiros pesquisadores qualitativos reconhece que as raízes filosóficas dos seus estudos originam­‑se de modelos conceituais de enfermagem como
aqueles desenvolvidos por Newman, Parse e Rogers.
Exemplo de uso de uma teoria de
enfermagem em um estudo qualitativo
Brown e colaboradores (2007) realizaram um estudo qualitativo do processo de busca de
ajuda de maridos idosos que cuidam de esposas com demência. Os pesquisadores usaram
conceitos relevantes da Teoria da Saúde como Expansão da Consciência, elaborada por Mar‑
garet Newman, para interpretar os dados.
Por fim, uma revisão sistemática de estudos qualitativos sobre um tópico
específico é outra estratégia que leva ao desenvolvimento de uma teoria. Nessas
metassínteses, combinam­‑se estudos qualitativos, como o objetivo de identificar
seus elementos essenciais. Descobertas de diferentes fontes são então usadas para
a construção da teoria. Paterson (2001), por exemplo, empregou os resultados
de 292 estudos qualitativos que descreviam experiências de adultos com doenças crônicas para desenvolver o modelo das perspectivas de mudança de doenças
crônicas. Esse modelo descreve viver com uma doença crônica como um processo
contínuo, constantemente em mudança, no qual as perspectivas dos indivíduos
sofrem alterações em relação à posição que a doença ocupa em suas vidas – uma
posição de primeiro ou de segundo plano.
Teorias na pesquisa quantitativa
Os pesquisadores quantitativos também relacionam a pesquisa a teorias ou modelos de vários modos. A abordagem clássica consiste em testar hipóteses deduzidas
a partir de uma teoria proposta previamente. Por exemplo, pode ser que o enfermeiro leia sobre o Modelo de Promoção da Saúde, elaborado por Pender (Fig. 8.1),
e fique pensando o seguinte: “Se o MPS for válido, então será razoável esperar que
CAPÍTULO 8
Estruturas teóricas e conceituais
235
pacientes com osteoporose que compreendem o benefício de uma dieta enriquecida com cálcio fiquem mais propensos a alterar os próprios padrões alimentares do
que aqueles que não enxergam nisso qualquer benefício”. Essa conjetura, derivada
de uma teoria ou estrutura conceitual, pode servir de ponto de partida para testar
a adequação da teoria.
Ao testar a teoria, os pesquisadores quantitativos deduzem implicações
(como no exemplo anterior) e formulam hipóteses, que são previsões sobre o
modo como as variáveis relacionam­‑se considerando­‑se a correção da teoria. As
variáveis­‑chave da teoria precisam ser medidas, os dados tem de ser coletados por
meio de uma amostra apropriada, e, depois, as hipóteses devem ser testadas por
análise estatística. O foco do processo de teste envolve uma comparação entre os
resultados observados e as predições feitas nas hipóteses.
DICA
Quando um estudo quantitativo baseia­‑se em uma teoria ou modelo conceitual, o relatório de
pesquisa em geral declara esse fato claramente logo no começo – com frequência no primeiro
parágrafo ou, inclusive, no título. Muitos estudos também têm uma subseção da introdução
chamada “Estrutura conceitual” ou “Estrutura teórica”. O relatório tende a incluir uma visão
geral da teoria, de modo que inclusive leitores sem base teórica possam compreender o con‑
texto conceitual do estudo.
Os testes de teorias estão tomando, cada vez mais, a forma de intervenções
baseadas na teoria. Se é correta, a teoria tem implicações nas estratégias para
influenciar as atitudes ou os comportamentos relacionados à saúde e, portanto,
também os resultados na saúde. E, quando é desenvolvida com base em uma conceituação explícita do comportamento e do pensamento humanos, a intervenção
tem muito mais chances de se tornar eficaz do que quando desenvolvida a partir
de um vazio conceitual. As intervenções raramente afetam os resultados de modo
direto – fatores mediadores desempenham certo papel no trajeto causal entre a
intervenção e os resultados. Por exemplo, intervenções baseadas na Teoria Sociocognitiva afirmam que melhorias na autoeficácia da pessoa resultam em mudanças positivas no comportamento de saúde. O estímulo para uma intervenção de
enfermagem pode ser uma teoria prévia, como as que descrevemos neste capítulo,
ou uma teoria desenvolvida no contexto de estudos qualitativos.
Exemplo de teste da teoria em um estudo de intervenção
Chung­‑Park (2008) desenvolveu o Modelo de Mudança de Comportamento Contraceptivo
(MCC) com a estrutura do Modelo Transteórico de Mudanças. Com base em conceitos do
MCC, foi criado um programa de prevenção de gravidez para mulheres alistadas na Marinha
dos Estados Unidos. Os efeitos do programa sobre conhecimento, atitudes, autoeficácia, com‑
portamento contraceptivo e gravidez dessas mulheres foram rigorosamente avaliados.
É preciso observar que muitos pesquisadores que citam uma teoria ou modelo como a sua estrutura não vão testar a teoria diretamente. Silva (1986), em
sua análise de 63 estudos que apresentavam ter suas raízes em cinco modelos
236
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
de enfermeiros, descobriu que apenas nove consistiam em testes diretos e explícitos dos modelos citados pelos pesquisadores. A pesquisadora descobriu que
os modelos de enfermagem eram mais comumente usados para fornecer uma
estrutura organizacional aos estudos. Nessa abordagem, os pesquisadores começam com uma ampla conceituação da enfermagem (ou de estresse, crenças
de saúde, etc.), consistente com aquela feita pelos idealizadores do modelo.
Os pesquisadores presumem que os modelos empregados são válidos e então
usam construtos do modelo ou esquemas propostos por ele para fornecer um
contexto organizacional ou interpretativo amplo. Alguns usam instrumentos de
coleta de dados alinhados com o modelo. Silva apontou que o uso de modelos
dessa maneira pode servir ao propósito valioso de organização, mas observou
que esses estudos oferecem poucos dados sobre a validade da teoria em si. Até
onde sabemos, o estudo de Silva não foi replicado com uma amostra mais recente, embora Taylor e colaboradores (2000) também tenham constatado que a
maioria dos estudos da Teoria do Déficit de Autocuidado, elaborada por Orem,
era principalmente de descrição, e não de testes da teoria. Suspeitamos que,
inclusive hoje, uma elevada porcentagem dos estudos quantitativos que citam
teorias como estruturas conceituais empregou tais proposições principalmente
como ferramentas organizacionais ou interpretativas.
Exemplo de uso de um modelo como estrutura organizacional
Shin e colaboradores (2006) estudaram a relação entre a sensibilidade materna, de um lado, e
a identidade materna, o suporte social e os laços mãe­‑feto, de outro. Nesse estudo, foi usado
o Modelo da Adaptação de Roy como estrutura organizacional, mas o modelo em si não foi
formalmente testado.
CRÍTICA DE ESTRUTURAS EM RELATÓRIOS DE PESQUISA
Em alguns estudos disponíveis, são encontradas referências a teorias e estruturas
conceituais. Com frequência, é um desafio criticar o contexto teórico de um relatório de pesquisa publicado ou a ausência desse contexto, mas oferecemos algumas
sugestões.
Em um estudo qualitativo em que se desenvolve e se apresenta uma teoria
fundamentada, provavelmente não haverá informações para refutar a teoria descritiva proposta, pois serão apresentados apenas dados que sustentam a teoria.
No entanto, é possível determinar se a teoria parece lógica, se a conceituação é
verdadeiramente esclarecedora e se as evidências são sólidas e convincentes. Em
um estudo fenomenológico, deve­‑se procurar saber se o pesquisador trata das bases filosóficas da pesquisa. O pesquisador deve discutir brevemente a filosofia ou
a fenomenologia em que se fundamenta o estudo.
Criticar a estrutura teórica de um estudo quantitativo também é difícil, em
especial porque, provavelmente, o leitor não está familiarizado com a ampla faixa
de teorias e modelos que podem ser relevantes. Algumas sugestões para avaliar a
base conceitual de estudos quantitativos são apresentadas na discussão a seguir e
no Quadro 8.1.
A primeira tarefa é determinar se o estudo, de fato, tem uma estrutura conceitual. Caso não se mencione a teoria, o modelo ou a estrutura, pode­‑se considerar
se o mérito do estudo fica reduzido devido à ausência de um contexto conceitual
CAPÍTULO 8
Estruturas teóricas e conceituais
237
ORIENTAÇÕES PARA A CRÍTICA DE
QUADRO 8.1
ESTRUTURAS TEÓRICAS E CONCEITUAIS
1.O relatório descreve uma estrutura teórica ou conceitual para o estudo? Em caso negativo, a ausência
de uma estrutura reduz a importância da pesquisa ou sua integração conceitual?
2.O relatório descreve adequadamente os principais aspectos da teoria ou do modelo, de modo que
permite aos leitores compreender a base conceitual do estudo?
3. A teoria ou modelo é apropriado ao problema de pesquisa? Uma estrutura diferente seria mais
adequada? A suposta ligação entre o problema e a estrutura parece inventada?
4.Há uma intervenção? Em caso positivo, existe uma base teórica concludente ou um princípio racional
para a intervenção?
5. A teoria ou o modelo usado como base para a geração de hipóteses foi testado ou empregado como
uma estrutura organizacional ou interpretativa? Esse procedimento foi apropriado?
6. As hipóteses (se houver) fluem naturalmente a partir da estrutura? As deduções feitas a partir da teoria
são lógicas?
7.Os conceitos encontram­‑se adequadamente definidos, de modo consistente com a teoria? Há uma
intervenção? Em caso positivo, seus componentes são consistentes com a teoria?
8. A estrutura baseia­‑se em um modelo conceitual de enfermagem ou em um modelo desenvolvido
pelos enfermeiros? Se emprestada de outra disciplina, há justificativa adequada para seu uso?
9. A estrutura orientou os métodos do estudo? Por exemplo, se o estudo for qualitativo, foi usada
uma tradição de pesquisa apropriada? Se quantitativo, as definições operacionais correspondem às
definições conceituais? As hipóteses foram testadas estatisticamente?
10.No final do relatório, o pesquisador estabelece uma ligação entre os resultados e a estrutura? Como
os resultados sustentam ou minam a estrutura? As descobertas são interpretadas no contexto da
estrutura?
explícito. A pesquisa em enfermagem tem sido criticada por produzir descobertas
isoladas difíceis de serem integradas, pela ausência de um fundamento teórico.
Em alguns casos, porém, o estudo pode ser tão pragmático que não precisa de
uma teoria para incrementar sua utilidade. Por exemplo, uma pesquisa destinada
a determinar a frequência adequada para mudança de decúbito do paciente tem
um objetivo utilitário; pode ser que uma teoria não aumente o valor das descobertas. Entretanto, quando o estudo envolve o teste de hipóteses ou intervenções
complexas, a ausência de uma estrutura formalmente declarada sugere confusão
e, talvez, problemas metodológicos subsequentes.
DICA
Na maioria dos estudos quantitativos, o problema de pesquisa não está relacionado com uma
teoria ou modelo conceitual específico. Às vezes, o leitor só encontra um estudo com uma
base teórica explícita depois de examinar vários.
Quando o estudo realmente envolve uma estrutura explícita, o leitor pode
questionar se essa estrutura específica é apropriada. Às vezes, ele não tem condições de criticar o modo como o pesquisador usou determinada teoria ou modelo,
nem de recomendar uma alternativa, mas pode avaliar a lógica do uso da estrutura e examinar se a ligação entre o problema e a teoria é genuína. O pesquisador
apresenta um princípio racional convincente para a estrutura usada? As hipóteses
fluem a partir da teoria? As descobertas irão contribuir para a validação da teoria?
238
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
O pesquisador interpreta os resultados no contexto da estrutura? Se a resposta a
essas perguntas for negativa, há motivos substanciais para se criticar a estrutura
do estudo, ainda que o leitor não seja capaz de articular como a base conceitual
poderia ser melhorada.
DICA
Alguns estudos apresentam ligações teóricas injustificadas. Isso ocorre, mais provavelmente,
quando os pesquisadores primeiro formulam o problema de pesquisa e, depois, escolhem um
contexto teórico onde encaixá­‑lo. Essa ligação da teoria com o problema de pesquisa após o fato
costuma ser problemática porque o pesquisador teria de considerar as nuanças da teoria ainda
na elaboração do projeto de estudo. Quando o problema de pesquisa está realmente relacio‑
nado com a estrutura conceitual, então o delineamento do estudo, a medição dos construtos­
‑chave e a análise e interpretação dos dados derivam, naturalmente, dessa conceituação.
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO
Esta seção apresenta dois exemplos detalhados de estudos com forte conexão teórica. Leia os
resumos e, depois, responda às questões de pensamento crítico, consultando o relatório de pesquisa
integral, se for necessário.
EXEMPLO 1
Modelo das Crenças de Saúde em um estudo quantitativo
Estudo
Modelo estrutural para comportamentos de prevenção da osteoporose em mulheres pós­‑menopausa
(Estok, Sedlak, Doheny e Hall, 2007).
Declaração do propósito
O propósito desse estudo era avaliar os efeitos de uma intervenção envolvendo acesso ao
conhecimento pessoal sobre a condição da osteoporose por meio da densitometria óssea (DO) por
raio X, sobre a ingestão de cálcio e exercícios de levantamento de peso em mulheres pós­‑menopausa
e examinar as relações entre variáveis teoricamente relevantes.
Estrutura teórica
O estudo baseou­‑se no Modelo das Crenças de Saúde Revisado (MCSR), que incorporou um
construto bastante assimilado em muitas teorias da área de saúde, chamado de autoeficácia. O MCSR
é apropriado quando o objetivo consiste em compreender e prever por que e em que condições os
indivíduos tomam medidas preventivas relacionadas à saúde. De acordo com os elementos do MCSR,
os pesquisadores deduziram que as mulheres ficam mais propensas a se engajar em comportamentos
preventivos da osteoporose quando:
1 se sentem mais suscetíveis à osteoporose;
2 acreditam que essa condição realmente é uma ameaça;
3 acreditam que podem modificar os riscos;
4 percebem menor número de aspectos negativos associados aos comportamentos preventivos; e
5 têm uma preocupação com a própria saúde em geral e se interessam em preservá­‑la.
(continua)
CAPÍTULO 8
Estruturas teóricas e conceituais
239
Os pesquisadores formularam a hipótese de que as mulheres ficam mais propensas a tentar
adquirir conhecimentos sobre a osteoporose, fazer mudanças nas próprias crenças de saúde e adotar
comportamentos para prevenir a perda lenta da densidade óssea quando sabem qual é a própria
densidade óssea. O estudo testou se o conhecimento pessoal, por meio de exames de DO, incrementa
os efeitos das crenças de saúde e do conhecimento geral sobre a osteoporose e, possivelmente, os
influencia e se ele desempenha papel importante na alteração dos comportamentos preventivos. O
modelo teórico usado pelos pesquisadores é mostrado na Figura 8.2.
Conhecimento da própria
osteoporose por meio do
exame de DO
(Manipulação experimental,
dois grupos: com DO
e sem DO)
Conhecimento sobre a
osteo­porose e
comportamentos preventivos
Mudança nos
comportamentos de
prevenção da osteoporose
(efeitos diretos pré­‑DO;
mediador pessoal do
conhecimento da
osteoporose pós­‑DO)
Aumento da ingestão de
cálcio
Aumento dos exercícios
Variáveis das crenças de
saúde revisadas
Motivação de saúde
Autoeficácia
Benefícios
Barreiras
Suscetibilidade
Gravidade
(efeitos diretos pré­
‑DO; mediador pessoal
do conhecimento da
osteoporose pós­‑DO)
FIGURA 8.2
Modelo teórico dos efeitos do tratamento experimental (densitometria óssea, DO), das crenças de
saúde e do conhecimento em relação à osteoporose sobre mudanças nos comportamentos preventivos.
(De Estok, P., Sedlak, C., Doheny, M., e Hall, R. [2007]. Structural model for osteoporosis preventing
behavior in postmenopausal women. Nursing Research, 56, 148­‑158, com permissão.)
(continua)
240
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO (continuação)
Método
Uma amostra com 203 mulheres de 50 a 65 anos e residentes na comunidade foi aleatoriamente
distribuída em dois grupos – um que recebia feedback do exame de DO e outro que não recebia.
Os dados dos participantes foram coletados em três pontos temporais: dados da linha de base antes
do exame de DO e 6 e 12 meses depois do exame. Todas as mulheres do grupo da intervenção
foram submetidas gratuitamente à DO e depois receberam uma carta que incluía a descrição e
a interpretação da densidade óssea normal ou da osteoporose e esclarecia quais tinham sido os
resultados específicos da participante. Quando os resultados estavam abaixo do normal, pedia­‑se às
mulheres que fizessem uma consulta de acompanhamento com seu médico. Ofereceram às mulheres
do grupo de controle uma DO gratuita 12 meses após a coleta dos dados.
Achados
Os resultados da DO tiveram um efeito positivo direto sobre a ingestão de cálcio no sexto mês
após o exame, em especial para as mulheres que tinham recebido informações sobre osteoporose
ou osteopenia. O fornecimento dos resultados da DO não afetou a prática de exercícios por parte
das mulheres. Descobriu­‑se que a ingestão inicial de cálcio e os níveis de exercício das participantes
estava correlacionados com suas crenças de saúde, o que se mostrou consistente com o MCSR.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 8.1 relevantes para este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover pensamento crítico e a
compreender o estudo:
a) De acordo com o modelo mostrado na Figura 8.2, que “quadro” corresponde à intervenção?
E, de acordo com esse modelo, na visão dos pesquisadores, o que a intervenção afetaria?
b) Algum outro modelo ou teoria descritos neste capítulo poderiam ter sido usados para estudar
o efeito dessa intervenção sobre a ingestão de cálcio ou a prática de exercícios das mulheres?
3Se os resultados desse estudo forem válidos e generalizáveis, quais os possíveis usos dos achados
na prática clínica?
EXEMPLO 2
Estudo de teoria fundamentada
Estudo
Fadiga que persiste após o parto (Runquist, 2007).
Declaração do propósito
O propósito do estudo era construir uma teoria substantiva sobre a fadiga pós­‑parto (FPP) na vida
diária das mulheres após o nascimento do filho.
Método
Foram usados os métodos da teoria fundamentada. Os dados foram coletados por entrevistas
individuais com 13 mulheres entre a segunda e a quinta semana pós­‑parto e com contextos étnicos,
etários, obstetrícios, financeiros e de parto diversos. Quase todas, com exceção de uma, foram
entrevistadas em suas próprias casas. Dentre as perguntas feitas durante as entrevistas, estavam:
“Como é ter fadiga com um recém­‑nascido?” e “Como o estar fatigada mudou você?”. Todas as
entrevistas foram gravadas e transcritas para análise. O pesquisador também fez observações
informais registradas em notas de campo, durante as visitas às residências.
(continua)
Estruturas teóricas e conceituais
CAPÍTULO 8
241
Estrutura teórica
Foi escolhido um método da teoria fundamentada “porque essa metodologia oferecia o benefício
de uma abordagem metodológica orientada pelo processo e que podia acomodar e registrar as
complexidades cotidianas dos fenômenos” (p. 29). Runquist também observou que a literatura tinha
identificado a FPP como um fenômeno orientado pelo processo e que o objetivo do estudo era usar
os métodos da teoria fundamentada para desenvolver uma teoria substantiva sobre tal condição.
Achados
Com base nas entrevistas detalhadas, Runquist identificou um processo básico, que ela denominou de
fadiga que persiste após o parto. O processo de persistir foi explicado por relações entre vários fatores
influentes – técnicas para lidar com o problema, autotranscendência e acompanhamento. A FPP foi
caracterizada em quatro esferas: mental, física, de estresse­‑preocupação e de frustração, cada uma
delas com manifestações dependentes do contexto. Um esquema a respeito da teoria substantiva é
apresentado na Figura 8.3.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 8.1 relevantes para este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover pensamento crítico e a compreender
o estudo:
a) De que modo o uso da teoria nesse estudo de Runquist diferiu daquele do estudo prévio, de
Estok e colaboradores?
b) Comente a utilidade do modelo esquemático mostrado na Figura 8.3.
Persistência
Conflito no
padrão de sono
mãe­‑filho
Características
do bebê
Físico
Fatores que
limitam a fadiga
nd
sce
Acompanhamento
ran
tot
Au
Acompanhamento
T
enf écnic
ren as
tam de
ent
o
ênc
ia
Fatores influentes
Mental
Fadiga pós­‑parto
Estresse­‑preocupação
Frustração
Persistência
FIGURA 8.3
Modelo para uma teoria fundamentada, fadiga que persiste após o parto. (De Runquist, J. [2007].
Persevering through postpartum fatigue. Journal of Obstetric, Gynecologic, & Neonatal Nursing, 36,
28­‑37, reproduzida com permissão.)
(continua)
242
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO (continuação)
3Se os resultados do estudo forem confiáveis, quais serão os usos dos achados na prática?
EXEMPLO 3 Pesquisa quantitativa no Apêndice A
1Leia o resumo e a introdução do estudo de Howell e colaboradores (“Relações entre ansiedade,
raiva e pressão arterial em crianças”, 2007) no Apêndice A deste livro e, depois, responda às
questões relevantes do Quadro 8.1.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
compreender o estudo:
a) Desenvolva um modelo esquemático simples, que capte as supostas relações implicadas no
estudo.
b) Algum modelo ou teoria descritas neste capítulo poderiam ter fornecido um contexto
conceitual apropriado a esse estudo?
EXEMPLO 4 Pesquisa qualitativa no Apêndice B
1Leia o resumo e a introdução do estudo de Beck (“Aniversário do trauma de nascimento”, 2006)
no Apêndice B deste livro e, depois, responda às questões relevantes do Quadro 8.1.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
avaliar os aspectos do mérito do estudo:
a) Você considera que um modelo esquemático auxiliaria na síntese dos achados descritos
nesse relatório?
b) Beck apresentou evidências convincentes para sustentar o uso da filosofia da fenomenologia?
REVISÃO DO CAPÍTULO
Nesta seção, são apresentados os novos termos­‑chave deste capítulo, além de um
resumo dos pontos principais.
Novos termos­‑chave
ü
ü
ü
ü
ü
ü
Estrutura
Estrutura conceitual
Estrutura teórica
Mapa conceitual
Modelo
Modelo conceitual
ü
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ü
ü
ü
ü
Modelo esquemático
Teoria
Teoria compartilhada
Teoria de médio alcance
Teoria descritiva
Teoria substantiva
Tópicos resumidos
ü
A pesquisa de alta qualidade requer uma integração conceitual, cujos aspectos
incluem ter um princípio racional teórico defensável para a condução do estudo
de determinado modo ou para testar hipóteses específicas. Os pesquisadores
demonstram clareza conceitual por meio do delineamento de uma teoria, modelo
ou estrutura como base do estudo.
CAPÍTULO 8
ü
ü
ü
ü
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ü
ü
ü
ü
Estruturas teóricas e conceituais
243
A teoria é uma ampla caracterização abstrata dos fenômenos. Segundo a
definição clássica, teoria é uma generalização abstrata que explica, de modo
sistemático, as relações entre os fenômenos. A teoria descritiva descreve o
fenômeno de modo amplo.
Os componentes básicos da teoria são os conceitos; definidas classicamente, as
teorias consistem em um conjunto de proposições sobre as inter­‑relações entre
conceitos, organizadas em um sistema logicamente interligado, que permite
deduzir novas declarações a partir delas.
As teorias de longo alcance (ou macroteorias) tentam descrever amplos segmentos da experiência humana. As teorias de médio alcance são mais específicas,
abordando certos fenômenos.
Os conceitos também são os elementos básicos dos modelos conceituais, mas,
nesse caso, não se encontram interligados em um sistema dedutivo logicamente
ordenado. Modelos conceituais, assim como as teorias, fornecem um contexto
para os estudos de enfermagem.
Na pesquisa, o objetivo geral das teorias e dos modelos é fazer descobertas significativas, resumir o conhecimento existente em sistemas coerentes, estimular
novas pesquisas e explicar os fenômenos e as relações entre eles.
Modelos esquemáticos (ou mapas conceituais) são representações gráficas dos
fenômenos e suas inter­‑relações, usando símbolos ou diagramas e um mínimo
de palavras.
A estrutura é a base conceitual do estudo, incluindo um princípio de raciocínio
geral e definições de conceitos­‑chave. Em estudos qualitativos, usualmente a
estrutura surge a partir de tradições de pesquisa distintas.
Vários modelos conceituais de enfermagem têm sido usados na pesquisa nessa
área. Os conceitos centrais para os modelos de enfermagem são de seres humanos,
ambiente, saúde e enfermagem. Um exemplo de modelo de enfermagem usado
por pesquisadores da área é o Modelo da Adaptação, elaborado por Roy.
Modelos que não são da enfermagem, mas usados pelos pesquisadores dessa
área (p. ex., a Teoria Sociocognitiva de Bandura), são chamados de teorias
emprestadas; quando se confirma que a teoria emprestada é apropriada para a
investigação de enfermagem, torna­‑se uma teoria compartilhada.
Em algumas tradições da pesquisa qualitativa (p. ex., na fenomenologia), o
pesquisador esforça­‑se para afastar teorias substantivas previamente desenvolvidas sobre o fenômeno estudado, mas, apesar disso, há uma rica base teórica
associada com a tradição em si.
Alguns pesquisadores qualitativos buscam especificamente desenvolver teorias
fundamentadas – explicações orientadas por evidências científicas para tratar
fenômenos estudados por meio de processos indutivos.
No uso clássico da teoria, os pesquisadores quantitativos testam hipóteses deduzidas a partir de uma teoria prévia. Uma tendência emergente consiste em
testar intervenções baseadas na teoria.
Tanto em estudos qualitativos quanto em quantitativos, os pesquisadores às
vezes usam uma teoria ou modelo como estrutura organizacional ou ferramenta
interpretativa.
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 8
Allard, N. C. (2007). Day surgery for breast cancer: Effects of a psychoeducational telephone intervention on functional status and emotional distress. Oncology Nursing Forum, 34, 133–141.
244
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
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CAPÍTULO 8
Estruturas teóricas e conceituais
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P arte
3
delineamento
de pesquisa
em enfermagem
9
Delineamento de
pesquisas quantitativas
VISÃO GERAL DE TEMAS
RELACIONADOS À
ELABORAÇÃO DE PROJETOS
Aspectos­‑chave da elaboração de projetos
de pesquisa
Causalidade
delineamentos EXPERIMENTAIS,
QUASE EXPERIMENTAIS E
NÃO EXPERIMENTAIS
Modelos experimentais
Quase experimentos
Estudos não experimentais
Delineamentos quantitativos e evidências
científicas
DIMENSÃO TEMPORAL
NO delineamento DE PESQUISA
Delineamentos de pesquisa transversais
Delineamentos de pesquisa longitudinais
TÉCNICAS DE CONTROLE
DA PESQUISA
Controle do contexto do estudo
Controle dos fatores intrínsecos
CARACTERÍSTICAS DE UM
BOM delineamento DE PESQUISA
Validade da conclusão estatística
Validade interna
Validade externa
Validade do construto
CRÍTICA DE delineamentos DE
PESQUISA QUANTITATIVOS
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADEs DE pensamento
CRÍTICO
REVISÃO DO CAPÍTULO
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 9
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
ü
ü
Discutir decisões específicas em delineamentos de pesquisa de estudos quantitativos.
Discutir os conceitos de causalidade e contrafatos, bem como identificar critérios para as
relações causais.
ü Descrever e avaliar modelos experimentais, quase experimentais e não experimentais.
ü Distinguir e avaliar modelos transversais e longitudinais.
üIdentificar e avaliar métodos alternativos de controle de variáveis que podem causar confusão.
ü Compreender várias ameaças à validade de estudos quantitativos.
ü Avaliar estudos quantitativos em termos do delineamento de pesquisa e dos métodos de contro‑
le das variáveis que podem causar confusão.
ü
Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
250
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Conforme observado no Capítulo 2, as melhores evidências científicas para a prática
de enfermagem originam­‑se de descobertas de pesquisa rigorosas e metodologicamente apropriadas para a questão proposta. Em estudos quantitativos, nenhum
outro aspecto dos métodos do estudo tem maior impacto sobre a validade e a
precisão dos resultados do que o modelo do projeto de pesquisa – em particular
quando a investigação é do tipo sondagem de causas. Portanto, as informações
contidas neste capítulo são muito importantes na tarefa de fazer inferências apropriadas a partir dos resultados do estudo e tirar conclusões sobre a validade dos
dados científicos de estudos quantitativos.
VISÃO GERAL DE TEMAS RELACIONADOS
À ELABORAÇÃO DE PROJETOS
O projeto de pesquisa de um estudo expressa as estratégias básicas adotadas pelos
pesquisadores para responder às questões propostas e testar as hipóteses formuladas. Esta seção descreve alguns aspectos básicos do projeto e também discute o
conceito de causalidade.
Aspectos­‑chave da elaboração de projetos de pesquisa
A Tabela 9.1 descreve sete aspectos­‑chave que, tipicamente, precisam ser tratados na
elaboração do projeto de um estudo quantitativo. Muitos desses aspectos também
são pertinentes em estudos qualitativos, como será discutido no próximo capítulo.
As decisões sobre o projeto tomadas pelos pesquisadores incluem o seguinte:
ü
ü
ü
ü
Haverá uma intervenção? O tema básico refere­‑se à posição do pesquisador – ele
vai introduzir uma intervenção ativamente e examinar seus efeitos ou vai, de
modo mais passivo, observar os fenômenos como existem. Como mencionado no
Capítulo 3, essa é a distinção entre pesquisa experimental e não experimental,
e há muitos modelos de delineamento específicos para ambos os tipos.
Que tipos de comparação serão feitos? Na maioria dos estudos, especialmente nos
quantitativos, os pesquisadores incorporam comparações a seus projetos, a fim
de fornecer um contexto para a interpretação dos resultados. Algumas vezes,
as mesmas pessoas são comparadas sob condições diferentes ou em pontos temporais distintos (p. ex., pré­‑operatório versus pós­‑operatório); esse é chamado
de modelo intrassujeito. Outras vezes, comparam­‑se pessoas diferentes (p. ex.,
quem recebe e quem não recebe uma intervenção); esse é chamado de modelo
intersujeitos.
Como as variáveis que podem causar confusão serão controladas? A complexidade
das relações entre variáveis dificulta o teste das hipóteses sem ambiguidades, a
não ser que sejam feitos esforços para controlar os fatores estranhos à questão
de pesquisa (i.e., as variáveis que podem causar confusão). Este capítulo discute
técnicas para conseguir fazer esse controle.
Será usado o mascaramento? Os pesquisadores têm de decidir se devem (ou
podem) não fornecer as informações sobre o estudo – como as hipóteses ou a
alocação de intervenções – a coletadores de dados, participantes do estudo, analistas ou outros, com o intuito de minimizar o risco de desvios de expectativa
(i.e., o risco de que esse conhecimento influencie os resultados do estudo).
CAPÍTULO 9
Tabela 9.1
Delineamento de pesquisas quantitativas
251
ASPECTOS­‑CHAVE DO PROJETO
OPÇÕES DO MODELO DE
delineamento
ASPECTO
QUESTÕES­‑CHAVE
Intervenção
Haverá uma intervenção?
Que modelo específico será usado?
Modelo experimental (ECR)*, quase
experimental (teste controlado), não
experimental (observador)
Comparações
Que tipo de comparação será feita
para esclarecer os processos ou
as relações­‑chave?
Modelo intrassujeito, modelo intersujeitos
Controle das
variáveis que
podem causar
confusão
Como as variáveis serão
controladas? Que variáveis
estranhas serão controladas?
Controle randomizado, cruzado,
homogêneo, comparativo
e estatístico
Mascaramento
Para quem as informações não
serão divulgadas, a fim de evitar
desvios?
Estudo aberto versus fechado; estudo
cego, duplo­‑cego
Tempo e prazos
Com que frequência os dados serão Modelo transversal, longitudinal
coletados?
Quando, em relação a outros
eventos, os dados serão
coletados?
Tempo relativo
Quando as informações sobre
as variáveis dependentes ou
independentes serão coletadas
– recuperando o passado ou
visando ao futuro?
Modelo retrospectivo, prospectivo
Localização
Onde o estudo será realizado?
Em um único local versus em vários locais;
no campo versus em um ambiente
controlado
* ECR
= ensaio clínico randomizado.
ü
ü
ü
Com que frequência os dados serão coletados? Em alguns estudos, coletam­‑se os
dados dos participantes em um único ponto temporal (transversal), mas outros
envolvem vários pontos de coleta de dados (longitudinal), por exemplo, para
determinar de que forma as mudanças ocorrem ao longo do tempo. O projeto
de pesquisa estabelece a frequência e o momento da coleta de dados.
Quando os “efeitos” serão medidos em relação a suas potenciais causas? Alguns
estudos coletam informações sobre os resultados e depois, retrospectivamente,
voltam a atenção para potenciais causas ou antecedentes. Outros, no entanto,
começam com uma causa ou antecedente potencial, de modo prospectivo.
Onde será feito o estudo? Os dados de estudos quantitativos às vezes são coletados em ambientes do mundo real, como em clínicas ou residências. Outros
estudos são conduzidos em ambientes altamente controlados, estabelecidos para
252
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
propósitos de pesquisa (p. ex., laboratórios). Uma decisão importante refere­‑se
ao modo como muitos locais diferentes estarão envolvidos no estudo – essa
decisão pode afetar o potencial de generalização dos resultados.
Não há uma única tipologia para projetos de pesquisa, pois estes podem
variar ao longo das diversas dimensões identificadas na Tabela 9.1. Muitas dessas
dimensões são independentes das outras. Por exemplo, um projeto experimental
pode ser intrassujeito ou intersujeitos; experimentos também podem ser transversais ou longitudinais, etc. Este capítulo descreve as principais dimensões e as
implicações das decisões do projeto sobre o rigor do estudo.
DICA
Os relatórios de pesquisa, tipicamente, apresentam informações sobre o delineamento de
pesquisa logo no começo da seção sobre método. No entanto, nem sempre são fornecidas
informações completas sobre o delineamento, e alguns pesquisadores usam uma terminologia
diferente da que empregamos neste livro. (Em alguns casos, os pesquisadores até identificam
erroneamente o delineamento.)
Causalidade
Conforme observamos nos capítulos iniciais deste livro, muitas questões de pesquisa e de prática baseada em evidências (PBE) tratam de causas e efeitos:
ü
ü
ü
Uma intervenção de terapia por telefone para pacientes com câncer de próstata
causa melhorias em seu sofrimento psicológico e em sua habilidade de lidar com
o problema? (questão de intervenção)
Pesos inferiores a 1,5 kg no nascimento causam atrasos no desenvolvimento da
criança? (questão de prognóstico)
O cigarro causa câncer de pulmão? (questão de etiologia/dano)
Ainda que a causalidade seja um tema filosófico calorosamente discutido,
todos compreendemos o conceito geral de uma causa. Entendemos, por exemplo,
que não dormir causa fadiga e que uma alta ingestão calórica causa ganho de
peso. A maioria dos fenômenos é determinada por múltiplos fatores. O ganho de
peso, por exemplo, pode refletir uma elevada ingestão calórica, mas outros fatores
também estão envolvidos. Além disso, muitas causas não são deterministas, apenas
aumentam a probabilidade de ocorrência de certo efeito. Por exemplo, fumar é
uma das causas do câncer de pulmão, mas nem todo mundo que fuma desenvolve
câncer de pulmão, e nem todas as pessoas que têm câncer de pulmão são ou foram
fumantes.
Mesmo sendo fácil entender o que os pesquisadores querem dizer quando
falam em uma causa, o que é exatamente um efeito? Um bom modo de apreender
o significado de um efeito é conceituar um contrafato (Shadish et al., 2002). Con‑
trafato é o que teria acontecido às pessoas expostas a um fator causal se, simultanea‑
mente, não tivessem sido expostas a esse fator. O efeito representa a diferença entre
o que realmente aconteceu com a exposição e o que poderia ter acontecido sem
ela. O modelo do contrafato nunca será concretizado, mas é um bom modelo para
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
253
que se tenha em mente a necessidade de pensar sobre o modelo do delineamento
de pesquisa e de criticá­‑lo.
Vários autores têm proposto critérios para estabelecer relações de causa
e efeito; três desses critérios são atribuídos a John Stuart Mill. O primeiro é o
temporal: a causa tem de preceder o efeito no tempo. Se testarmos a hipótese
de que o aspartame causa anormalidades fetais, vamos ter de demonstrar que as
anormalidades desenvolveram­‑se depois da exposição das mães ao aspartame. O
segundo indica que tem de haver uma relação empírica entre a causa presumida
e o efeito presumido. Em nosso exemplo, teríamos de demonstrar uma associação entre o consumo do aspartame e as anormalidades fetais – ou seja, que
uma maior porcentagem de usuárias de aspartame, em comparação com não
usuárias, teve bebês com anormalidades fetais. O terceiro critério para inferir
uma relação causal consiste em que a relação não pode ser explicada como sendo
causada por uma terceira variável. Suponhamos que as usuárias do aspartame
tivessem uma tendência a beber mais café do que as não usuárias. Nesse caso,
haveria a possibilidade de que a relação entre o uso do aspartame pelas mães e
as anormalidades fetais refletissem uma conexão causal subjacente entre o consumo de café e as anormalidades.
Critérios adicionais foram propostos por Bradford­‑Hill (1971) como parte da
discussão sobre a conexão causal entre o cigarro e o câncer de pulmão – por causa
disso, eles às vezes são chamados de critérios do cirurgião geral. Dois dos critérios de
Bradford­‑Hill prenunciam a importância da metanálise. O critério da coerência envolve ter níveis similares da relação estatística em vários estudos. Outro critério importante na pesquisa da área de saúde é a plausibilidade biológica, ou seja, a existência de
indícios, em estudos fisiológicos básicos, de que é possível um trajeto causal.
Os pesquisadores que investigam relações causais têm de fornecer dados
científicos persuasivos em relação a esses critérios em seu projeto de pesquisa.
Alguns projetos revelam melhor as relações de causa e efeito do que outros, como
sugerido pela hierarquia de dados científicos mostrada na Figura 2.1, no Capítulo
2. A maior parte da próxima seção é dedicada a projetos usados para esclarecer
relações causais.
Delineamentos EXPERIMENTAIS, QUASE
EXPERIMENTAIS E NÃO EXPERIMENTAIS
Esta seção descreve modelos de pesquisa que diferem em relação à existência de
uma intervenção experimental.
Modelos experimentais
Os primeiros cientistas físicos aprenderam que as complexidades ocorridas na natureza, com frequência, dificultam a compreensão de relações importantes apenas
pela pura observação. Para tratar esse problema, os fenômenos foram isolados em
um laboratório e controlaram­‑se as condições em que ocorriam. Esses procedimentos foram adotados com êxito por biólogos do século XIX, resultando em muitos
avanços na fisiologia e na medicina. O século XX testemunhou o uso de métodos
experimentais por pesquisadores interessados no comportamento humano.
254
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Características dos verdadeiros experimentos
Um delineamento verdadeiramente experimental, ou um ensaio clínico randomizado (ECR), caracteriza­‑se pelas seguintes propriedades:
ü
ü
ü
Manipulação – o pesquisador realmente faz alguma coisa a alguns sujeitos, ou
seja, há algum tipo de intervenção.
Controle – o pesquisador introduz controles no estudo, incluindo o delineamento
de uma boa estimativa de um contrafato – comumente um grupo de controle
que não recebe a intervenção.
Randomização – o pesquisador distribui os sujeitos nos grupos de controle ou
experimenta de modo aleatório.
Ao usar a manipulação, os pesquisadores mudam a variável independente
(VI) e, depois, observam o efeito disso sobre a variável dependente (VD). A VI
é manipulada, administrando­‑se um tratamento experimental (ou intervenção) a
alguns sujeitos e não o administrando a outros. Para ilustrar, suponhamos que estivéssemos investigando o efeito do esforço físico sobre o humor em adultos jovens
saudáveis. Um modelo de pesquisa experimental para esse problema seria o pré­
‑teste e o pós­‑teste (ou antes e depois). Esse modelo envolve a observação da VD
(humor) em dois pontos temporais: antes e depois do tratamento. Os participantes
do grupo experimental são submetidos a uma rotina de exercícios físicos intensos,
enquanto o grupo de controle tem uma rotina sedentária. Esse modelo permite
examinar as mudanças de humor causadas pelo esforço, pois algumas pessoas são
submetidas a ele, fornecendo uma comparação importante. Nesse exemplo, atendemos ao primeiro critério do verdadeiro experimento, manipulando o esforço
físico, ou seja, a VI.
Esse exemplo também atende ao segundo critério dos experimentos, o uso
de um grupo de controle. As inferências sobre a causalidade requerem uma comparação, mas nem todas as comparações fornecem dados científicos igualmente
persuasivos. Por exemplo, se suplementássemos a dieta de neonatos prematuros
com nutrientes especiais por duas semanas, o peso dos bebês no final da segunda
semana não nos diria nada sobre a eficácia do tratamento. No mínimo, precisaríamos comparar o peso pós­‑tratamento com aquele pré­‑tratamento para determinar se, pelo menos, os pesos aumentaram. Entretanto, considere que tenha sido
des­coberto um ganho de peso médio de 226 gramas. Será que essa descoberta
sustenta a inferência de que há uma relação causal entre a intervenção nutricional (VI) e o ganho de peso (VD)? Não, não sustenta. Os bebês ganham peso
normalmente à medida que crescem. Sem um grupo de controle – com participantes que não recebem os suplementos – fica impossível separar os efeitos da
maturação natural dos bebês daqueles do tratamento. O termo grupo de controle
descreve um conjunto de participantes cujo desempenho em relação a uma VD é
usado para avaliar a performance do grupo experimental (aquele que recebe a
intervenção) em relação a essa mesma variável. A condição do grupo de controle
empregada como base de comparação representa uma procuração para o contrafato ideal, como previamente descrito.
Os modelos experimentais também envolvem distribuir os sujeitos em
grupos de forma aleatória. Por randomização (atribuição randômica), cada par-
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
255
ticipante tem chances iguais de ser incluído nos grupos. Quando as pessoas são
distribuídas de modo randomizado, não há um desvio sistemático nos grupos
relativo a atributos que podem afetar a VD. Espera­‑se que grupos formados ran‑
domicamente sejam comparáveis, em média, em termos de uma série de traços bio‑
lógicos, psicológicos e sociais logo no início do estudo. As diferenças de resultado
dos grupos, observadas após a atribuição randômica, podem ser atribuídas ao
tratamento.
A atribuição randômica pode ser feita por sorteio (cara ou coroa ou nomes
escritos em pedaços de papel). Tipicamente, os pesquisadores usam computadores para fazer a atribuição randômica ou uma tabela de números randômicos, que
apresenta centenas de dígitos em ordem aleatória.
DICA
Há considerável confusão entre atribuição randômica versus amostra randômica. A atribuição
randômica é marca registrada do modelo experimental. Quando não há alocação randômica
dos sujeitos em relação às condições do tratamento, então o projeto não é um verdadeiro
experimento. A amostragem randômica, por sua vez, refere­‑se a um método de seleção de su‑
jeitos para o estudo, como discutido no Capítulo 12. Essa amostragem não é marca registrada
de modelos experimentais. Na verdade, a maioria dos experimentos ou dos ECRs não envolve
amostragem randômica.
Modelos de pesquisa experimentais
Modelos básicos
O mais básico dos modelos de delineamento de pesquisa experimental envolve
a atribuição randomizada dos sujeitos nos grupos e, depois, a mensuração da
VD. Esse modelo às vezes é chamado de apenas pós­‑teste (ou apenas depois).
Um modelo mais amplamente usado, já discutido, é o pré­‑teste e pós­‑teste, que
envolve a coleta de dados pré­‑teste (também chamados de dados de linha de
base) sobre a VD antes da intervenção e, depois dela, dados pós­‑teste (resultado).
Exemplo de um modelo pré­‑teste e pós­‑teste
Beckham (2007) avaliou a eficácia de uma entrevista motivacional sobre os perigos da bebida
para uma amostra de pessoas da área rural que corriam risco de dependência alcoólica. Foram
coletados dados sobre o uso do álcool (medido por autorrelato e teste da função hepática)
tanto antes quanto depois da intervenção entre membros do grupo experimental e do grupo
de controle.
256
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
DICA
Os modelos de pesquisa experimentais podem ser descritos graficamente por símbolos que
representam os aspectos do modelo. Nesses diagramas, é usada a seguinte convenção: R sig‑
nifica randomização dos grupos de tratamento; X aponta quem recebe a intervenção; e O é
a mensuração dos resultados. Portanto, um modelo pré­‑teste e pós­‑teste, por exemplo, seria
descrito assim:
R O1 × O2
R O1O
2
Por questões de espaço, não vamos apresentar aqui diagramas para todos os modelos de
pesquisa.
Modelo de pesquisa fatorial
Os pesquisadores, eventualmente, manipulam duas ou mais variáveis independentes ao mesmo tempo. Consideremos que estamos interessados em comparar
duas estratégias terapêuticas para bebês prematuros: estimulação tátil versus estimulação auditiva. Também estamos buscando descobrir se a quantidade diária de
estimulação afeta o desenvolvimento dos bebês. A Figura 9.1 ilustra a estrutura
desse experimento. Esse modelo fatorial permite tratar três questões:
1. A estimulação auditiva causa efeitos diferentes sobre o desenvolvimento do
bebê, em comparação com a estimulação tátil?
2. A quantidade de estimulação (seja qual for a modalidade) afeta o desenvolvimento do bebê?
3. A estimulação auditiva é mais eficaz quando vinculada a alguma dosagem
específica, e a estimulação tátil é mais efetiva quando relacionada a alguma
outra dosagem?
A terceira questão demonstra um ponto forte importante dos modelos fatoriais: eles permitem avaliar não apenas os efeitos principais (ações resultantes
das variáveis manipuladas, como exemplificado nas questões 1 e 2), mas também
TIPO DE ESTIMULAÇÃO
Auditiva
Tátil
A1
A2
15 min B1
A1 B1
A2 B1
EXPOSIÇÃO
30 min B2
DIÁRIA
A1 B2
A2 B2
45 min B3
A1 B3
A2 B3
FIGURA 9.1
Exemplo de um modelo de pesquisa fatorial tipo dois por três.
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
257
efeitos de interação (ações resultantes da combinação dos tratamentos). Os resultados podem indicar, por exemplo, que 15 minutos de estimulação tátil e 45
minutos de estimulação auditiva compõem os tratamentos mais benéficos. Não
teríamos descoberto isso caso tivéssemos feito dois experimentos separados, com
manipulação de uma variável independente de cada vez.
Em experimentos fatoriais, os sujeitos são distribuídos de modo aleatório aos
grupos de tratamento. Em nosso exemplo, os bebês prematuros seriam distribuídos randomicamente a uma das seis células. O termo célula refere­‑se à condição de
tratamento, sendo representado no diagrama na forma de um retângulo da tabela.
Nesse modelo fatorial, o tipo de estimulação é o fator A, e a quantidade de exposição é o fator B. Cada fator tem de ter dois ou mais níveis. O nível 1 do fator A é o
auditivo; o 2, o tátil. O modelo de pesquisa apresentado na Figura 9.1 poderia ser
descrito como fatorial 2 x 3: dois níveis do fator A vezes três níveis do fator B.
Exemplo de um modelo de pesquisa fatorial
Forsyth (2007) usou um modelo fatorial 2 x 2 x 2 para estudar os efeitos de dois diagnósticos
de saúde mental diferentes (transtorno da personalidade borderline e transtorno depressivo
maior) e as razões que levavam os pacientes a não cumprir as tarefas da terapia (controlável
versus não controlável e também estável versus instável) sobre as reações dos trabalhadores
relacionadas à saúde mental. Os participantes do estudo, que aleatoriamente foram solicitados
a ler um dos oito relatórios de caso, classificaram o próprio nível de raiva e empatia.
Modelo de pesquisa cruzado
Até aqui descrevemos experimentos em que os sujeitos distribuídos aleatoriamente nos grupos de tratamento são pessoas diferentes. Por exemplo, os bebês que
receberam 15 minutos de estimulação auditiva no experimento fatorial não eram
os mesmos que foram expostos a outras condições de tratamento. Essa classe ampla de modelos é chamada intersujeitos, pois são feitas comparações entre pessoas
diferentes. Quando a comparação recai em um mesmos sujeito, o modelo é denominado intrassujeito.
O modelo cruzado envolve expor os participantes a mais de um tratamento.
Esses estudos são verdadeiros experimentos apenas quando se distribuem os participantes randomicamente a diferentes orientações de tratamento. Por exemplo, se
fosse usado o modelo cruzado para comparar os efeitos das estimulação auditiva e
tátil em bebês, alguns, determinados de forma aleatória, receberiam a estimulação
auditiva primeiro, seguida da tátil, e outros receberiam primeiro a tátil. Em um estudo desse tipo, as três condições do experimento seriam atendidas: há manipulação, randomização e controle – os próprios sujeitos agem como grupo de controle.
O modelo cruzado tem a vantagem de garantir a mais elevada equivalência
possível entre os sujeitos expostos a diferentes condições. No entanto, é inapropriado para certas questões de pesquisa, devido a possíveis efeitos acumu‑
lados. Quando expostos a dois tratamentos diferentes, os sujeitos podem ser
influenciados pela experiência do primeiro na segunda condição. No entanto,
se for implausível a ocorrência de efeitos acumulados, como acontece quando
os efeitos do tratamento são imediatos e de curta duração, o modelo cruzado é
extremamente potente.
258
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Exemplo de modelo de pesquisa cruzado
Voergaard e colaboradores (2007) compararam os aspectos do desempenho e da segurança
de uma nova bolsa de ostomia fechada e de outra já estabelecida. Os pacientes com colosto‑
mia testaram cada uma delas por uma semana em um estudo cruzado randomizado.
DICA
Nem sempre os relatórios de pesquisa identificam e nomeiam o modelo experimental especí‑
fico usado; este pode ser inferido a partir de informações sobre o plano de coleta de dados (no
caso de modelos apenas pós­‑teste e de pré­‑teste e pós­‑teste) ou de declarações como: “Os
próprios sujeitos foram usados como controle (no caso de um modelo cruzado)”.
Condições experimentais e de controle
Ao elaborar o projeto do experimento, os pesquisadores tomam muitas decisões
sobre as condições experimentais e de controle. Tais decisões podem afetar os
resultados.
Para fornecer uma intervenção experimental em um teste equitativo, os pesquisadores precisam elaborar com cuidado uma intervenção apropriada ao problema e com intensidade e duração suficientes para que se possam esperar, racionalmente, efeitos sobre a variável dependente. Os pesquisadores delineiam a
natureza integral da intervenção em protocolos formais que estipulam exatamente
o tratamento para os participantes do grupo experimental.
A condição do grupo de controle (o contrafato) também precisa ser conceituada com cuidado. Os pesquisadores precisam escolher o que vão usar como contrafato, e essa decisão tem implicações sobre a interpretação das descobertas. Dentre as
possibilidades de contrafato estão:
ü
ü
ü
ü
ü
ü
ü
Sem intervenção – o grupo de controle não recebe tratamento.
Tratamento alternativo (p. ex., estimulação auditiva versus tátil).
Placebo ou pseudointervenção que se presume não ter valor terapêutico.
“Tratamento usual” – procedimentos­‑padrão ou normais usados para tratar
pacientes.
Condição de controle de atenção – o grupo de controle tem a atenção dos pesquisadores, mas não os ingredientes ativos da intervenção.
Dose mais baixa ou menor intensidade do tratamento ou apenas de partes do
tratamento.
Tratamento adiado (i.e., os membros do grupo de controle são colocados em lista
de espera e expostos ao tratamento experimental em algum momento futuro).
Exemplo de grupo de controle com lista de espera
Mastel­‑Smith e colaboradores (2007) avaliaram a eficácia de um grupo que envolvia histórias
de vida, associado a revisão da vida, reflexão e relato da história da pessoa para aliviar sinto‑
mas depressivos entre idosos que viviam em uma comunidade. Aqueles que receberam as 10
semanas da intervenção foram comparados a controles de uma lista de espera em termos de
valores em uma escala de depressão.
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
259
Metodologicamente, o melhor teste possível acontece entre duas condições
cuja diferença é a maior possível, como é o caso de um grupo experimental submetido a um tratamento pesado e um grupo de controle que não recebe tratamento.
No entanto, do ponto de vista ético, o contrafato mais atraente é a abordagem do
“tratamento adiado”, difícil de ser executada de modo pragmático. Testar duas
intervenções alternativas também tem seu apelo ético, mas há o risco de que os resultados não sejam conclusivos, pois pode ser difícil detectar efeitos diferenciais.
Ao elaborar a estratégia do grupo de controle, os pesquisadores também
precisam considerar as possibilidades de mascaramento. Muitas intervenções de
enfermagem não se enquadram bem na categoria de mascaramento. Se, por exemplo, a intervenção é um programa para parar de fumar, os sujeitos vão saber que
estão recebendo a intervenção, e o interventor também vai ter consciência de
quem são os participantes. Entretanto, certas estratégias podem ocultar parcialmente a condição de tratamento do grupo, como no caso de doses baixas versus
doses altas e de controles com lista de espera. Com frequência, é possível, e desejável, mascarar pelo menos a condição de tratamento dos sujeitos, ocultando­‑a das
pessoas que vão coletar os dados dos resultados.
Exemplo de um experimento cego
Scott e colaboradores (2005) compararam a eficácia de duas dietas antes de uma solução de
limpeza do intestino na preparação para a colonoscopia. A dieta líquida usual foi comparada
com um regime alimentar mais liberal, que incluía um café da manhã completo e um almoço
com baixo teor de resíduos no dia anterior à colonoscopia. Os pacientes sabiam em que grupo
estavam, mas os colonoscopistas, que avaliaram a eficácia da limpeza geral, não.
Vantagens e desvantagens dos experimentos
Os experimentos são os modelos de pesquisa mais potentes para testar hipóteses
de relações de causa e efeito. Os modelos experimentais são considerados o “padrão ouro” para estudos de intervenção, pois geram dados da mais alta qualidade,
considerando­‑se os efeitos da abordagem terapêutica. Pela randomização e pelo
uso de um grupo de controle, os experimentadores chegam o mais perto possível
do contrafato “ideal”. Os experimentos oferecem maior corroboração do que qualquer outra abordagem de pesquisa de que, se a VI (p. ex., dieta, dosagem do medicamento, abordagem de ensino) for manipulada, então certas consequências sobre
a VD (p. ex., perda de peso, recuperação da saúde, aprendizado) devem ocorrer.
Portanto, o ponto mais forte dos experimentos está na segurança com que as
relações causais podem ser inferidas. Por meio dos controles impostos por manipulação, comparação e, especialmente, randomização, explicações alternativas para
uma interpretação causal com frequência podem ser excluídas ou descartadas. Isso é
especialmente provável quando a intervenção se desenvolve com base em um princípio teórico sólido. É por causa desses pontos fortes que a metanálise de ECRs, que
integra evidências de vários estudos que usaram um modelo experimental, é o pináculo das hierarquias de dados para questões relativas a causas (Fig. 2.1 do Cap. 2).
Apesar de suas vantagens, os experimentos também têm limitações. Em primeiro lugar, um número substancial de variáveis de interesse simplesmente não é
passível de manipulação. Muitas características humanas, como doenças ou hábitos de saúde, não podem ser aleatoriamente atribuídas às pessoas.
260
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Em segundo lugar, há muitas variáveis manipuláveis tecnicamente, mas não
do ponto de vista ético. Por exemplo, até hoje, não houve experimentos para estudar o efeito do cigarro sobre o câncer de pulmão. Um experimento desse tipo
exigiria a atribuição aleatória de pessoas a um grupo fumante (pessoas forçadas a
fumar) e a um grupo não fumante (pessoas proibidas de fumar). A experimentação com humanos sempre estará sujeita a essas restrições éticas.
Em muitos ambientes de assistência à saúde, a experimentação pode não ser
praticável. Por exemplo, pode não ser possível conseguir a colaboração necessária por
parte dos administradores e das pessoas­‑chave para a condução do experimento.
Outro problema potencial é o efeito de Hawthorne, termo derivado de uma
séria de experimentos realizados na fábrica de Hawthorne, da Western Electric
Corporation, nos quais várias condições ambientais (p. ex., luz, horas de trabalho)
foram alteradas para se determinar seu efeito sobre a produtividade do trabalhador. Em todas as condições (i.e., com luzes mais fracas ou mais fortes), a produtividade aumentou. Portanto, quando sabem que estão participando de um estudo,
às vezes as pessoas mudam seu comportamento, obscurecendo, assim, o efeito das
variáveis de pesquisa.
Em resumo, os modelos experimentais têm algumas limitações que podem
tornar difícil sua aplicação a problemas do mundo real. Apesar disso, os experimentos têm clara superioridade para testar hipóteses causais.
DICA: COMO DISTINGUIR
Como descobrir se um estudo é experimental? Comumente, os pesquisadores indicam na seção
do método, no relatório, que usaram um modelo experimental, mas também pode constar que
empregaram um modelo randomizado ou um ECR. Se não houver esses termos, o leitor pode
concluir que o estudo é experimental quando o propósito declarado consiste em testar, avaliar ou
examinar a eficácia de uma intervenção, tratamento ou inovação e quando os participantes foram
distribuídos em grupos (ou expostos a diferentes condições) randomicamente.
Quase experimentos
Os quase experimentos (chamados, na literatura médica, ensaios clínicos ou testes
controlados sem randomização) também envolvem uma intervenção. No entanto,
esses modelos não incluem a randomização, marca registrada do verdadeiro experimento. Em alguns quase experimentos, não há nem mesmo grupo de controle. A
marca registrada do modelo dos quase experimentos, portanto, é uma intervenção
sem randomização.
Modelos de quase experimentos
Há vários modelos de quase experimentos, mas apenas os mais comumente usados
pelos enfermeiros pesquisadores são discutidos aqui.
Modelo de grupo de controle não equivalente
O modelo quase experimental usado com mais frequência é o antes­‑depois com
grupo de controle não equivalente, que envolve dois ou mais grupos de sujeitos
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
261
observados antes e depois da implementação de uma intervenção. Como exemplo,
suponhamos que estamos estudando o efeito da introdução de um novo modelo
de atendimento amplo para hospitais que envolve um facilitador do atendimento
ao paciente (FAP) como pessoa de referência primária para todos os pacientes durante a hospitalização. Nosso principal resultado é a satisfação do paciente. Uma
vez que o novo sistema está sendo implantado em todo o hospital, não é possível
a randomização do FAP versus “tratamento usual”. Por isso, decidimos coletar dados em outro hospital similar, onde não está sendo instituído o sistema. Os dados
sobre a satisfação dos pacientes são coletados em ambos os hospitais antes da
mudança (como linha de base) e novamente após a implantação.
Esse modelo quase experimental é idêntico ao antes­‑depois experimental dis­
cutido na seção anterior, exceto pelo fato de que os sujeitos não foram distribuídos
randomicamente nos grupos. O modelo quase experimental é menos potente, pois,
sem a randomização, não é possível pressupor que os grupos experimental e compara‑
tivo são equivalentes no começo. As comparações quase experimentais ficam muito
mais distantes do contrafato ideal do que as experimentais. O modelo de pesquisa,
entretanto, é potente porque a coleta de dados pré­‑teste permite determinar se os
pacientes nos dois hospitais têm satisfação similar antes de a mudança ser feita.
Se a comparação e os grupos experimentais são similares na linha de base, então
pode­‑se ter relativa segurança ao inferir que qualquer diferença pós­‑teste no nível
de satisfação é resultado do novo modelo de atendimento. No entanto, se, inicialmente, a satisfação dos pacientes for diferente, será difícil interpretar qualquer
diferença pós­‑tese. Observe­‑se que, em quase experimentos, a expressão grupo de
comparação às vezes é usada em lugar de grupo de controle para descrever o grupo
em relação ao qual são avaliados os resultados do grupo de tratamento.
Agora suponha que não tenhamos conseguido coletar os dados da linha de
base. Esse modelo (apenas depois com grupo de controle não equivalente) então passa
a ter uma falha difícil de ser remediada. Não temos mais informações sobre a equivalência inicial entre os dois hospitais. Se descobrirmos, no pós­‑teste, que a satisfação dos pacientes no hospital experimental é maior do que no hospital de controle,
poderemos concluir que o novo método de atendimento causou a melhoria na satisfação? Na verdade, haveria explicações alternativas para as diferenças pós­‑teste. Em
particular, o fato de que a satisfação dos pacientes nos dois hospitais diferia já no
início. Ainda que falte aos quase experimentos algumas das propriedades de controle dos experimentos, a característica principal de quase experimentos potentes está
no esforço de introduzir alguns controles, como as mensurações da linha de base.
Exemplo de modelo com grupo de controle não equivalente
Jones e colaboradores (2007) usaram um modelo antes­‑depois com grupo de controle não
equivalente para testar a eficácia da intervenção cardíaca saudável para surdos no aumento
da autoeficácia de comportamentos de saúde cardíaca de adultos surdos. Os participantes de
Tucson, que receberam a intervenção, foram comparados com adultos similares de Phoenix,
que não receberam a intervenção.
Modelo de séries temporais
Nos modelos que acabamos de descrever, foi usado um grupo de controle, mas não
havia randomização. Em alguns quase experimentos, não há os dois. Suponhamos
262
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
que um hospital está adotando um novo procedimento – todos os enfermeiros devem passar por certo número de unidades de educação continuada antes de serem
candidatos a uma promoção ou aumento. Os enfermeiros administradores querem
avaliar as consequências dessa obrigatoriedade sobre a proporção de rotatividade
de pessoal, as ausências e as promoções concedidas. Vamos pressupor que não
há outro hospital que sirva de comparação razoável; portanto, o único tipo de
comparação que pode ser feito é o contraste antes­‑depois. Se a obrigatoriedade
teve início em janeiro, então poderíamos comparar a proporção de rotatividade,
por exemplo, no período de três meses antes da nova regra e nos três meses subsequentes à mudança.
Esse modelo antes­‑depois com um grupo parece lógico, mas traz problemas. E se um dos períodos de três meses for atípico, independentemente da nova
regra? E o efeito de alguma outra regra instituída durante o mesmo período? E
os efeitos de fatores externos, como mudanças na economia local? O modelo em
questão não oferece meios de controle desses fatores.
A impossibilidade de obter um grupo de controle significativo, no entanto,
não elimina a possibilidade de realização da pesquisa com integridade. O modelo
prévio podia ser modificado de modo que pelo menos algumas das explicações
alternativas para a rotatividade de enfermeiros fossem eliminadas. Um modelo
desse tipo é o das séries temporais, que envolve a coleta de dados ao longo de um
período de tempo estendido e a introdução do tratamento durante esse período.
No exemplo dado, poderíamos elaborar o modelo do estudo com quatro observações antes da regra da educação continuada e quatro observações depois dela. A
primeira observação seria, por exemplo, o número de pedidos de demissão entre
janeiro e março no ano anterior ao da nova regra. A segunda, o número de pedidos
de demissão entre abril e junho, e assim por diante. Após a implantação da regra,
os dados sobre a rotatividade seriam coletados de modo similar por quatro trimestres consecutivos, gerando as observações de 5 a 8.
Mesmo que o modelo das séries temporais não elimine todos os problemas
da interpretação das mudanças na taxa de rotatividade, a perspectiva do tempo
estendido fortalece a possibilidade de atribuir as mudanças à intervenção. Isso
acontece porque o modelo das séries temporais elimina a possibilidade de que as
alterações na taxa de rotatividade representem flutuação randômica da rotatividade medida em apenas dois pontos.
Exemplo de um modelo de séries temporais
Mastel­‑Smith e colaboradores (2006) usaram o modelo de séries temporais para avaliar a efi‑
cácia de uma intervenção – revisão de vida terapêutica – de redução da depressão entre idosas
que residiam na própria casa. Os valores da depressão das participantes foram obtidos por 10
semanas antes da intervenção e durante o período de seis semanas da intervenção.
Vantagens e desvantagens dos quase experimentos
Um ponto forte dos quase experimentos é que são práticos – nem sempre é possível a realização dos verdadeiros experimentos. Com frequência, a pesquisa de enfermagem ocorre em ambientes naturais, onde fica difícil fornecer um tratamento
inovador randomicamente a algumas pessoas e não a outras. Modelos quase ex-
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
263
perimentais potentes introduzem algum controle de pesquisa quando não se pode
manter o rigor experimental total.
Outra questão consiste em que as pessoas nem sempre estão dispostas a participar de ECR. Os modelos quase experimentais, por não envolverem a atribuição
randômica, tendem a ser mais aceitos por um grupo de pessoas mais amplo. Isso,
por sua vez, tem implicações no potencial de generalização dos resultados – mas o
problema é que os resultados costumam ser menos conclusivos.
A principal desvantagem dos quase experimentos está em que não se pode
fazer inferências causais tão facilmente quanto nos experimentos. Nos quase experimentos, há explicações alternativas para os resultados observados. Tomemos
um exemplo em que vamos destinar uma dieta específica a um grupo de residentes fragilizados em uma clínica de repouso para avaliar se o tratamento resulta
em ganho de peso. Se não usarmos um grupo de comparação nem um grupo de
controle não equivalente e, depois, observamos algum ganho de peso, teríamos de
questionar: É plausível que algum outro fator tenha causado o ganho? É plausível
que as diferenças pré­‑tratamento entre o grupo experimental e o grupo comparativo resultassem no diferencial de ganho? É plausível que os idosos tenham ganhado
peso, em média, simplesmente porque o mais fragilizado morreu ou foi transferido
de clínica? Se a resposta para alguma dessas hipóteses concorrentes for sim,
então as inferências que podem ser feitas sobre o efeito causal da intervenção
ficarão enfraquecidas. Em quase experimentos, é comum haver pelo menos uma
explicação concorrente plausível.
DICA: COMO DISTINGUIR
Como saber se um estudo é quase experimental? Os pesquisadores nem sempre identificam os es‑
tudos como quase experimentais. Quando o estudo envolve uma intervenção e o relatório não men‑
ciona explicitamente uma atribuição randômica, provavelmente é seguro concluir que o modelo se
revela como quase experimental. É estranho notar que alguns pesquisadores confundem­‑se e iden‑
tificam modelos experimentais como quase experimentais. Se sujeitos individuais foram distribuí­dos
nos grupos ou condições randomicamente, então o estudo não é quase experimental.
Estudos não experimentais
Muitas questões de pesquisa – inclusive aquelas de sondagem de causas – não podem ser tratadas nem com o modelo experimental nem com o quase experimental.
Por exemplo, anteriormente, colocamos a seguinte questão de prognóstico: “Pesos
inferiores a 1,5 kg no momento do nascimento causam atrasos no desenvolvimento de crianças?”. É claro que não podemos manipular o peso de nascimento, ou
seja, a variável independente. Os pesos dos bebês não são nem aleatórios nem
sujeitos a controles científicos. Quando os pesquisadores não interferem por manipulação na variável independente, o estudo é não experimental ou, na literatura
médica, observacional.
Há várias razões para se fazer um estudo não experimental, incluindo situações em que a variável independente, inerentemente, não pode ser manipulada
ou em que seria antiética essa manipulação. Existem também questões de pesquisa para as quais o modelo experimental não é apropriado, como os estudos com
propósito descritivo.
264
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Tipos de estudos não experimentais
Quando estudam o efeito de uma causa potencial que não pode ser manipulada, os
pesquisadores usam modelos que examinam as relações entre as variáveis – com
frequência chamados de modelos correlacionais. Correlação é uma inter­‑relação
ou associação entre duas variáveis, ou seja, uma tendência de oscilação em uma
das variáveis está relacionada com uma variação na outra (p. ex., o peso e a altura
das pessoas). As correlações podem ser detectadas por análises estatísticas.
Conforme observado anteriormente, um dos critérios de causalidade consiste
em que é preciso existir uma relação empírica entre as variáveis. No entanto, é
arriscado inferir relações causais na pesquisa correlacional, não apenas por causa
da falta de controle do pesquisador sobre a VI, mas também por causa da ausência
de um contrafato exemplar. Em experimentos, os investigadores fazem a predição
de que a variação deliberada de X, VI, resultará em uma variação de Y, VD. Na
pesquisa correlacional, por sua vez, os investigadores não controlam a VI, que,
com frequência, já ocorreu. Um famoso ditado científico é relevante: a correlação
não prova uma relação de causa. Ou seja, a mera existência de uma relação entre as
variáveis não se mostra suficiente para a conclusão de que uma variável é causada
pela outra, nem mesmo quando a relação é forte.
Ainda que estudos correlacionais sejam inerentemente mais fracos do que os
experimentais para elucidar relações causais, modelos diferentes oferecem graus
variados de dados para sustentação. Estudos correlacionais com modelo retros‑
pectivo são aqueles em que um fenômeno observado no presente é relacionado
a fenômenos ocorridos no passado. Por exemplo, na pesquisa retrospectiva sobre
câncer de pulmão, os pesquisadores começam com algumas pessoas que têm câncer
de pulmão e outras que não têm; depois, buscam diferenças em comportamentos
ou condições antecedentes, como hábito de fumar. Esse modelo retrospectivo às
vezes é chamado de modelo de caso­‑controle, ou seja, casos com certa condição,
como câncer de pulmão, são comparados com controles, sem ela. Ao elaborar um
projeto de estudo de caso­‑controle, os pesquisadores tentam identificar controles
sem a doença o mais similares possíveis aos casos em termos de variáveis­‑chave
que possam causar confusão (p. ex., idade, sexo). O grau com que conseguem
demonstrar o potencial de comparação entre os casos e controles em relação aos
traços estranhos está associado com a força das inferências causais. Entretanto, a
dificuldade está em que os dois grupos quase nunca são comparáveis em relação a
todos os fatores que potencialmente influenciam a variável dos resultados.
Exemplo de modelo de caso­‑controle
Menihan e colaboradores (2006) compararam bebês que vieram a óbito devido à síndrome da
morte súbita (casos) com bebês­‑controle sem essa condição. Os dois grupos eram correspon‑
dentes em termos de data de nascimento. Os pesquisadores examinaram as diferenças entre
os grupos em uma série de fatores antecedentes, inclusive peso de nascimento, características
das mães, variabilidade da frequência cardíaca fetal e ciclos sono­‑vigília antes do nascimento.
Os estudos correlacionais com modelo prospectivo (chamados de modelo de
coorte por médicos pesquisadores) começam com uma causa presumida e, depois,
seguem em direção a um efeito presumido. Por exemplo, nos estudos prospectivos
sobre câncer de pulmão, os pesquisadores iniciam por reunir amostras de fuman-
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
265
tes e não fumantes; depois, comparam os dois grupos em termos de incidência da
condição. Os estudos prospectivos são mais onerosos, porém muito mais potentes,
do que os retrospectivos. O motivo: na pesquisa prospectiva, toda ambiguidade
sobre a sequência temporal fica resolvida (i.e., sabe­‑se que fumar precede o câncer
de pulmão). Além disso, há maior probabilidade de que as amostras sejam representativas de fumantes e não fumantes, e os pesquisadores têm maiores chances
de impor controles para eliminar explicações concorrentes a respeito dos efeitos
observados.
Exemplo de modelo prospectivo
Parsons e colaboradores (2006) usaram um modelo prospectivo para estudar o efeito do
comportamento alimentar natural de grávidas durante a fase latente do parto sobre os resul‑
tados no parto ativo. Mulheres que se alimentaram voluntariamente foram comparadas com
outras, que consumiram apenas fluidos limpos, em termos de duração do parto, necessidade
de intervenção médica, vômito e resultados adversos sobre o nascimento.
DICA
Todos os estudos experimentais são inerentemente prospectivos, pois o pesquisador institui a
intervenção (manipula a VI) e, na sequência, determina seu efeito. Portanto, não é necessário
descrever um ECR como prospectivo.
Uma segunda classe ampla de estudos não experimentais é a pesquisa des‑
critiva. O propósito dos estudos descritivos consiste em observar, descrever e documentar aspectos de uma situação. Pode ser, por exemplo, que o pesquisador
deseje determinar a porcentagem de adolescentes que se engajam em comportamentos de risco (p. ex., uso de drogas, sexo inseguro), ou seja, a prevalência desses
comportamentos. Ou, às vezes, o modelo do estudo é correlacional descritivo,
o que significa que os pesquisadores buscam descrever relações entre variáveis,
sem tentar inferir conexões causais. Pode ser que eles estejam interessados, por
exemplo, em descrever as relações entre a fadiga e o sofrimento psicológico em
pacientes com HIV. Uma vez que, nessas situações, a intenção não é explicar nem
compreender as causas subjacentes das variáveis de interesse, o projeto experimental não descritivo se mostra apropriado.
Exemplo de estudo correlacional descritivo
Fox e colaboradores (2007) estudaram relações entre sintomas coocorrentes (depressão, fa‑
diga, dor, transtornos do sono e déficit cognitivo) e o estado funcional de pacientes com glioma
em grau elevado.
Vantagens e desvantagens da pesquisa não experimental
A principal desvantagem da pesquisa não experimental consiste na impossibilidade de esclarecer relações causais com precisão. Ainda que isso não seja um
266
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
problema quando o objetivo é puramente descritivo, os estudos correlacionais com
frequência são realizados com a intenção subjacente de descobrir causas. Além
disso, esses estudos são suscetíveis a interpretações errôneas, pois os pesquisadores trabalham com grupos preexistentes, formados por autosseleção (também
chamado de desvio de seleção). Em um estudo correlacional, em oposição ao estudo experimental, o pesquisador não pode pressupor que os grupos comparados
eram similares antes da ocorrência da variável independente – a suposta causa.
Portanto, diferenças preexistentes podem ser uma explicação alternativa plausível
para qualquer diferença nos resultados entre os grupos.
Como exemplo desses problemas de interpretação, tomemos um estudo sobre as diferenças em níveis de depressão de pacientes com câncer de dois grupos:
um que tem suporte social adequado (i.e., sustentação emocional por meio de
uma rede social) e outro que não tem. A VI é o suporte social; a VD, a depressão.
Suponhamos a descoberta de uma correlação – ou seja, descobrimos que os pacientes sem suporte social estavam mais deprimidos do que aqueles com suporte
social adequado. Poderíamos interpretar que o estado emocional das pessoas é influenciado pela adequação do seu suporte social, como apresentado em forma de
diagrama na Figura 9.2A. No entanto, há explica­ções alternativas para as descobertas. Talvez uma terceira variável influencie ambos, suporte social e depressão,
assim como a estrutura familiar dos pacientes (p. ex., ser casados). É provável que
a disponibilidade de um “outro significativo” afete o modo como os pacientes de
câncer deprimidos se sentem e a qualidade de seu suporte social. Essas relações
estão representadas na Figura 9.2B. Uma terceira possibilidade seria o inverso da
primeira causalidade, como mostrado na Figura 9.2C. Os pacientes de câncer deprimidos podem considerar mais difícil obter suporte social do que os portadores
de câncer mais otimistas. Nessa interpretação, é o esta­do emocional da pessoa que
determina a quantidade de suporte social recebido, e não o contrário. O ponto
aqui consiste em que os resultados correlacionais devem ser interpretados com
cautela, em especial quando a pesquisa não tem base teórica.
A
X
Y
Suporte social
Depressão
Depressão
B
Configuração familiar
Suporte social
C
Depressão
Suporte social
FIGURA 9.2
Explicações alternativas para a correlação entre a depressão e o suporte social entre portadores de câncer.
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
267
DICA
O leitor tem de estar preparado para pensar criticamente quando o pesquisador afirma que
estudou “os efeitos” de uma variável sobre outra em um estudo não experimental. Se o título
do relatório é, por exemplo, “Os efeitos da dieta sobre a depressão”, então, provavelmente,
o estudo é não experimental (i.e., os sujeitos não foram distribuídos randomicamente nos
grupos com e sem a dieta). Nessa situação, o leitor pode se perguntar: “A dieta teve um efeito
sobre a depressão ou a depressão teve um efeito sobre a dieta? Ou será que uma terceira
variável (p. ex., estar acima do peso) teve efeito sobre as duas primeiras?”.
Apesar dos problemas de interpretação, os estudos correlacionais desempenham papel crucial na enfermagem, pois muitos problemas interessantes não são
passíveis de experimentação. A pesquisa correlacional com frequência é um meio
eficaz e eficiente de coletar grande quantidade de dados sobre um problema. É
possível, por exemplo, coletar informações abrangentes sobre problemas de saúde e hábitos alimentares. Os pesquisadores podem examinar quais problemas de
saúde estão correlacionados a padrões nutricionais específicos. Com esse procedimento, muitas relações podem ser descobertas em pouco tempo. Já o pesquisador
experimental observa apenas poucas variáveis de uma única vez. Em um experimento, manipulam­‑se alimentos com alto nível de colesterol; em outro, proteínas,
por exemplo. Com frequência, é necessário um trabalho não experimental antes
da tentativa de justificar intervenções.
Delineamentos quantitativos e evidências científicas
As evidências científicas para a prática da enfermagem dependem de pesquisas
descritivas, correlacionais ou experimentais. Costuma haver uma progressão lógica de expansão do conhecimento – primeiro é feita uma rica descrição, incluindo
a referência a pesquisas qualitativas. Pode ser incalculável o valor de estudos descritivos que documentam a prevalência, a natureza e a intensidade de condições e
comportamentos relacionados com a saúde.
Os estudos correlacionais tendem a ocorrer na fase seguinte do desenvolvimento das evidências. Estudos exploratórios retrospectivos ou de caso­‑controle
podem embasar o caminho para estudos prospectivos mais rigorosos. À medida
que se constrói a base de dados, podem ser desenvolvidos modelos conceituais,
que serão testados por meio de estratégias não experimentais de teste de teorias.
Esses estudos são capazes de fornecer dicas sobre como estruturar intervenções,
quem pode se beneficiar e quando é melhor instituir isso. Portanto, a fase seguinte
consiste em desenvolver intervenções para melhorar os resultados de saúde. As
evidências científicas relativas à eficácia das intervenções e estratégias de saúde
são mais potentes quando se originam de ECRs.
Entretanto, muitas questões de pesquisa importantes nunca serão respondidas a partir de informações de estudos do nível I (metanálise de ECR) ou do
nível II (ECRs) da hierarquia de dados mostrada na Figura 2.1 (ver Cap. 2). Um
exemplo relevante é a questão: fumar causa câncer de pulmão? Apesar da ausência de ECRs com humanos, poucas pessoas duvidam de que existe essa conexão causal. Considerando os critérios de causalidade discutidos antes, há indícios
consideráveis de uma correlação entre fumar e desenvolver câncer de pulmão, e,
em estudos prospectivos, indicativos de que fumar precede o câncer de pulmão.
268
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Por meio de repetidas replicações, pesquisadores têm sido capazes de controlar, e
assim eliminar, outras possíveis “causas” do câncer de pulmão. Há grande dose de
consistência e coerência nas descobertas. E o critério de plausibilidade biológica
tem sido atendido pela pesquisa fisiológica básica.
Portanto, é apropriado pensar em hierarquias de dados alternativas. Para
questões sobre os efeitos de uma intervenção, modelos experimentais são o “padrão ouro”, e a metanálise de vários ECRs, o pináculo da hierarquia. Quando as
questões envolvem prognósticos ou etiologia/dano, no entanto, estudos prospectivos fortes (de coorte) costumam ser o melhor modelo disponível para estudar
relações causais. Revisões sistemáticas de vários estudos prospectivos, juntamente
com a sustentação dada por teorias ou estudos biofisiológicos, fornecem evidências científicas mais potentes para esse tipo de questão.
DIMENSÃO TEMPORAL NO delineamento DE PESQUISA
O modelo de pesquisa incorpora decisões sobre o momento e a frequência da coleta de dados do estudo. Em muitos estudos de enfermagem, os dados são coletados
apenas uma vez, mas outros envolvem coleta de dados em várias ocasiões. De
fato, já discutimos modelos que envolvem mais de um ponto de coleta de dados,
como os experimentos pré­‑teste e pós­‑teste, os modelos de séries temporais e os
prospectivos.
Com frequência, os estudos são classificados de acordo com o modo como
lidam com o tempo. A principal distinção é feita entre modelos transversais e
longitudinais.
Delineamentos de pesquisa transversais
Os modelos transversais envolvem a coleta de dados em determinado ponto temporal (ou em vários pontos de um período de tempo curto, como 2 e 4 horas após
uma operação). Todos os fenômenos estudados são contemplados durante um
período de coleta de dados. Esses modelos mostram­‑se especialmente apropriados
para descrever o estado de fenômenos ou relações entre fenômenos em um ponto
fixo. O pesquisador pode estudar, por exemplo, se os sintomas psicológicos em
mulheres na menopausa estão correlacionados no tempo com os sintomas fisiológicos. Estudos retrospectivos costumam ser transversais: os dados sobre a VI e a
VD são coletados ao mesmo tempo (p. ex., o estado do câncer de pulmão dos respondentes e seus hábitos em relação ao cigarro), mas a VI, em geral, capta eventos
ou comportamentos ocorridos no passado.
Às vezes, os modelos transversais são usados para estudar fenômenos relacionados com o tempo, mas, nesses casos, são menos persuasivos do que os longitudinais. Suponhamos, por exemplo, um estudo sobre mudanças nas atividades
de promoção de saúde de crianças com 7 e 10 anos de idade. Um modo de fazer
essa investigação seria entrevistar as crianças aos 7 anos de idade e, três anos depois, aos 10 – esse é um modelo longitudinal. Outra opção seria usar um modelo
transversal, entrevistando crianças com 7 e 10 anos em um único ponto temporal
e, depois, comparando as respostas. Se o grupo de 10 anos estivesse mais engajado em atividades de promoção de saúde do que o de 7, poderíamos inferir que
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
269
as crianças tornam­‑se mais conscientes das opções relacionadas com a boa saúde
à medida que crescem. Para fazer essa inferência, teríamos de pressupor que as
crianças mais velhas, se tivessem sido entrevistadas três anos antes, teriam dado
respostas iguais às mais novas ou, inversamente, que aquelas de 7 anos de idade
relatariam as mesmas atividades de promoção de saúde se fossem questionadas
de novo três anos depois.
As principais vantagens dos modelos transversais são a economia e a facilidade de controle. Há, no entanto, problemas quando inferimos mudanças e tendências ao longo do tempo, usando modelos transversais. O nível de alteração social
e tecnológica que caracteriza nossa sociedade torna questionável a suposição de
que diferenças de comportamento, atitude ou características em grupos com idades distintas são resultado da passagem do tempo e não de disparidades de coorte
ou geração. No exemplo anterior, pode ser que as crianças de 7 e 10 anos tenham
apresentado diferentes atitudes em relação à saúde e à promoção da saúde, sem
qualquer relação com fatores da maturação. Nesses estudos transversais, com frequência, há explicações alternativas para as diferenças observadas.
Exemplo de estudo transversal
Dilorio e colaboradores (2007) examinaram a relação entre a idade, de um lado, e comporta‑
mentos íntimos, conversas mãe­‑adolescente sobre sexo e conversas adolescente­‑amigo sobre
sexo, de outro, em um estudo transversal com jovens afro­‑americanas de 12, 13, 14 e 15
anos. O comportamento íntimo e as discussões entre os pares aumentou com a idade, mas as
conversas com as mães não.
Delineamentos de pesquisa longitudinais
Os pesquisadores que coletam dados em mais de um ponto temporal ao longo de
cer­to período usam o modelo longitudinal. Tal modelo é útil para estudar mudanças ao longo do tempo e para precisar a sequência temporal dos fenômenos, o
que constitui um critério essencial para estabelecer a causalidade. Vários pontos de
coleta de dados também podem fortalecer inferências em estudos quase experimentais, como em um grupo de controle não equivalente, no qual a coleta de dados pré­
‑tratamento oferece indícios sobre o potencial de comparação inicial dos grupos.
Às vezes, os estudos longitudinais envolvem coleta de dados de diferentes
pessoas de uma população para examinar tendências ao longo do tempo. Edwards
e colaboradores (2005), por exemplo, realizaram um estudo de tendência para
determinar se diferenças de sexo associadas com a revascularização artriocoronariana mudaram ao longo do tempo, de 1993 a 2003.
Em um estudo longitudinal mais típico, as mesmas pessoas forneceram dados em dois ou mais pontos temporais. As análises longitudinais de populações
gerais (não clínicas) constituem os chamados de estudos de série. Tipicamente,
eles geram mais informações do que os de tendência, pois os pesquisadores podem
examinar correlatos de mudanças. Ou seja, é possível identificar os indivíduos que
mudaram e os que não mudaram (p. ex., quem se tornou ou não obeso) e, depois,
explorar as características que diferenciam os dois grupos. Os estudos de série são
atraentes como método de estudo de mudanças, mas seu controle é difícil e caro.
270
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Exemplo de um estudo de série
O governo dos Estados Unidos patrocina numerosos estudos de série de larga escala, e mui‑
tos enfermeiros pesquisadores têm analisado dados dessas produções. Atkins (2007) exa‑
minou achados de dois grupos de um estudo de série nacional sobre crianças, observando
a relação entre o tipo de personalidade da criança aos 6 anos de idade e o comportamento
violento aos 12.
Estudos de acompanhamento são realizados para determinar o estado
subsequente de sujeitos com uma condição específica ou que receberam uma intervenção específica. Por exemplo, pode­‑se acompanhar pacientes que receberam
uma intervenção de enfermagem específica ou um tratamento clínico, a fim de
precisar os efeitos de longo prazo do tratamento. Um exemplo não experimental é
o acompanhamento de amostras de bebês prematuros para avaliar seu desenvolvimento motor subsequente.
Exemplo de estudo de acompanhamento
Lauver e colaboradores (2007) fizeram um estudo de acompanhamento de sobreviventes
de câncer quatro semanas e 3 a 4 meses depois de radiação ou quimioterapia para examinar
padrões de estresse e modos de lidar com o problema.
Em estudos longitudinais, o número de pontos de coleta de dados e os
intervalos de tempo entre eles dependem da natureza do estudo. Quando a
mudança ou o desenvolvimento é rápido, podem ser necessários numerosos
pontos de coleta de dados em intervalos relativamente curtos para documentar o padrão e fazer previsões acuradas. Por convenção, no entanto, o termo
longitudinal implica vários pontos de coleta de dados durante um período prolongado.
O maior desafio dos estudos longitudinais é a perda de participantes (redu‑
ção) ao longo do tempo. A redução de sujeitos é problemática porque, em geral,
quem abandona o estudo difere em aspectos importantes daqueles que continuam
a participar, resultando em desvios potenciais, risco de interferências falhas e preocupações com o potencial de generalização dos achados.
DICA
Nem todos os estudos longitudinais são prospectivos, pois, às vezes, a variável independente
ocorreu ainda antes da leva inicial de coleta de dados. E nem todos os estudos prospectivos
são longitudinais no sentido clássico. Por exemplo, um estudo experimental que coletas dados
2, 4 e 6 horas após uma intervenção seria considerado prospectivo, e não longitudinal (i.e., os
dados não são coletados no decorrer de um período longo).
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
271
TÉCNICAS DE CONTROLE DA PESQUISA
Um propósito importante do projeto de pesquisa em estudos quantitativos consiste em
maximizar o controle do pesquisador sobre variáveis que possam causar confusão. Há
duas categorias amplas dessas variáveis que precisam ser controladas – as intrínsecas
aos participantes do estudo e as externas, que se originam da situação de pesquisa.
Controle do contexto do estudo
Vários fatores externos, como o ambiente de pesquisa, podem afetar os resultados do estudo. Na pesquisa quantitativa cuidadosamente controlada, são tomadas
medidas para minimizar possíveis contaminadores da situação (i.e., para alcançar
constância de condições na coleta de dados), de modo que os pesquisadores
possam ficar seguros de que os resultados refletem a influência da variável independente, e não o contexto do estudo.
Ainda que os pesquisadores não possam controlar totalmente o ambiente em
estudos desenvolvidos em meios naturais, há muitas possibilidades. Por exemplo,
em estudos de entrevista, os pesquisadores podem restringir a coleta de dados a
um tipo de ambiente (p. ex., a casa do respondente). Eles também podem controlar
quando os dados serão coletados. Se o investigador estiver estudando a fadiga, por
exemplo, será importante saber se os dados foram coletados pela manhã, à tarde
ou à noite; portanto, os dados de todos os sujeitos devem ser coletados no mesmo
período do dia. A maioria dos estudos quantitativos também padroniza a comunicação com os sujeitos. Com frequência, são preparados roteiros formais para
informar os sujeitos sobre o propósito do estudo, qual será o uso dos dados, etc.
Na pesquisa que envolve tratamentos, desenvolvem­‑se protocolos de intervenção formais ou especificações para abordagens. Por exemplo, em um experimento para testar a eficácia de um novo medicamento, seria necessário cuidado
para garantir que os sujeitos do grupo experimental recebessem o mesmo agente e
a mesma dosagem, que o fármaco fosse administrado do mesmo modo, entre outras especificações. Há uma onda recente de interesse dos enfermeiros pesquisadores pela fidelidade na intervenção (ou fidelidade no tratamento), ou seja, tomar
medidas para garantir que a abordagem seja fielmente aplicada, de acordo com o
planejamento, e que o tratamento pretendido seja, de fato, colocado em prática. A
fidelidade na intervenção ajuda a evitar desvios e cria uma oportunidade real de
concretização de potenciais benefícios.
Exemplo de cuidado com a fidelidade na intervenção
Spillane e colaboradores (2007) descreveram seus esforços para garantir a fidelidade no trata‑
mento durante a implantação e o teste do programa Secondary Prevention of Heart Disease
in General Practice (SPHERE, Prevenção Secundária de Doença Cardíaca em Clínica Geral).
Seus procedimentos incluíram padronização das sessões de treinamento, observação da troca
de informações sobre a intervenção e uso de planos escritos sobre o atendimento ao paciente
e a prática. Nesse ECR, o enfermeiro pesquisador desempenhou um papel crucial no monito‑
ramento da implantação da intervenção.
272
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Controle dos fatores intrínsecos
O controle das características dos participantes do estudo é especialmente importante e desafiador. Os resultados que interessam aos pesquisadores são afetados
por dezenas de atributos, e a maioria é irrelevante para a questão de pesquisa.
Suponhamos, por exemplo, uma investigação sobre os efeitos de um programa de
treinamento físico inovador sobre o funcionamento cardiovascular de residentes
de uma casa de repouso. Nesse estudo, variáveis como idade, sexo e história de
tabagismo do sujeito seriam estranhas; todas podem estar relacionadas com a variável do resultado (funcionamento cardiovascular), seja qual for o programa de
treinamento físico. Em outras palavras, os efeitos dessas variáveis sobre a variável
dependente são estranhos ao estudo. Nesta seção, revisamos os métodos de controle das características do sujeito que podem causar confusão.
Randomização
Já discutimos o método mais eficaz de controle das características do sujeito: a
randomização. Seu propósito é garantir uma aproximação estreita com o con­
trafato ideal, ou seja, formar grupos equivalentes em termos de variáveis que
podem causar confusão. Uma vantagem específica da randomização, em compa­
ração com outros métodos de controle, é que ela controla todas as possíveis fontes
de variação estranha, sem nenhuma decisão consciente dos pesquisadores sobre
quais variáveis devem ser controladas. No exemplo da intervenção do treinamento físico, a distribuição randômica dos sujeitos nos grupos de intervenção ou
controle gera grupos presumivelmente comparáveis em termos de idade, sexo,
história de tabagismo e milhares de outras características pré­‑intervenção. A distribuição ­randômica dos sujeitos às diferentes formas de tratamento em um modelo de pesquisa cruzado é especialmente potente: os participantes também são
seus próprios controles, monitorando, assim, todas as características que podem
causar con­fusão.
Exemplo de randomização
Bennett e colaboradores (2008) testaram a eficácia de uma intervenção de entrevista motiva‑
cional (EM) destinada a aumentar a atividade física de adultos rurais fisicamente inativos. Os
participantes foram distribuídos aleatoriamente em um grupo experimental que recebeu tele‑
fonemas de EM de um conselheiro mensalmente, ao longo de seis meses. Os integrantes do
grupo de controle receberam o mesmo número de telefonemas, mas sem conteúdo de EM.
Homogeneidade
Quando não é possível a randomização, podem ser usados outros métodos de
controle de características estranhas ao estudo e de alcance da aproximação com
o contrafato. Uma alternativa é a homogeneidade, em que apenas sujeitos homo­
gêneos em relação às variáveis que podem causar confusão são incluídos no estudo. Nesse caso, não se permite que as variáveis que podem causar confusão
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
273
variem. No exemplo do treinamento físico, se o sexo for uma variável que pode
causar confusão, então recrutaremos apenas homens (ou mulheres) como participantes. Se a influência perturbadora fosse a idade, então a participação poderia
ser limitada a pessoas em determinada faixa etária.
Essa estratégia, de usar uma amostra homogênea, é simples, mas um dos
seus problemas consiste na limitação do potencial de generalização. Se for descoberto que o programa de treinamento físico é benéfico para homens de 65 a
75 anos de idade, será preciso testar sua eficácia para mulheres em torno dos
80 anos de idade em um estudo separado. De fato, uma das principais críticas
a essa abordagem é que os pesquisadores, às vezes, excluem sujeitos que estão
extremamente doentes ou incapacitados, o que significa que as descobertas não
podem ser generalizadas para as pessoas que, talvez, sejam as que mais precisam
de intervenções.
Exemplo de controle por meio da homogeneidade
Gaillard e colaboradores (2007) estudaram a relação entre o nível de condicionamento aeró‑
bio e o risco de doença cardiovascular, conforme medido pelos níveis de insulina, peptídeos
C e glicose pós­‑prandial no soro. Algumas variáveis foram controladas por homogeneidade,
incluindo sexo (foram incluídas apenas mulheres), etnia (todas eram afro­‑americanas), peso
(todas estavam acima do peso ou eram obesas) e estado de saúde (todas eram saudáveis e
não diabéticas).
Combinação
Um terceiro método de controle de variáveis que podem causar confusão é a com‑
binação, que envolve o uso de informações sobre as características dos sujeitos
para formar grupos comparáveis. Suponhamos que a pesquisa teve início com
uma amostra de residentes de uma casa de repouso, selecionados para participar
de um programa de treinamento físico. Um grupo de comparação, formado por
residentes não participantes, poderia ser criado por combinação de sujeitos, uma a
um, com base em importantes variáveis que podem causar confusão (p. ex., idade
e sexo). Esse procedimento resulta em grupos que, sabidamente, são similares
quanto às variáveis que preocupam o pesquisador. A combinação é uma técnica
usada para formar grupos comparáveis em modelos de caso­‑controle.
A combinação tem algumas desvantagens como método de controle. Para
fazer uma combinação eficaz, os pesquisadores têm de saber, com antecedência,
quais os fatores relevantes que podem causar confusão. Além disso, depois de
duas ou três variáveis, fica difícil combinar. Consideremos a intenção de controlar
o tempo de permanência na casa de repouso, a idade, o sexo e a etnia dos participantes. Nessa situação, se o participante 1 do programa de treinamento físico for
uma mulher afro­‑americana com 80 anos de idade e cinco anos de permanência
na casa de repouso, será preciso encontrar outra mulher com essas mesmas características para servir de contraparte no grupo de comparação. Com mais de
três variáveis, a combinação torna­‑se trabalhosa demais. Por isso, comumente,
a combinação é usada como método de controle apenas quando procedimentos
mais potentes são inviáveis.
274
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Exemplo de controle por combinação
Talashek e colaboradores (2006) compararam adolescentes residentes no centro da cidade
e que estavam grávidas ou nunca tinham engravidado para examinar os fatores que podem
prever a condição da gravidez. Ainda que a homogeneidade tenha controlado a área de resi‑
dência das participantes (centro da cidade), usou­‑se a combinação para controlar a idade e a
etnia das adolescentes.
Controle estatístico
Os pesquisadores também conseguem controlar as variáveis que podem causar
confusão por meio estatístico. Talvez, nesse momento, você não esteja familiarizado com procedimentos estatísticos básicos e muito menos com técnicas sofisticadas como as que serão tratadas aqui. Portanto, não tentaremos fazer neste livro
uma descrição detalhada dos mecanismos estatísticos de controle, como a análise
da covariância. Entretanto, é preciso reconhecer que os enfermeiros pesquisadores
estão usando cada vez mais potentes técnicas estatísticas para controlar variáveis
estranhas. No Capítulo 15, apresentamos uma breve descrição dos métodos estatísticos de controle.
Exemplo de controle estatístico
McConkey e colaboradores (2008) realizaram um estudo intercultural sobre o impacto que
criar um filho com incapacidades intelectuais causa nas mães. Mulheres de vários países (Irlan‑
da, Taiwan e Jordânia) foram comparadas em termos de estresse e funcionamento da família.
Para formar grupos com o maior grau de comparação possível, os pesquisadores controlaram
estatisticamente características demográficas nos aspectos em que os grupos diferiam, como
a idade e o grau de escolaridade da mãe.
Avaliação dos métodos de controle
Em geral, a distribuição randômica é a abordagem mais eficaz para controlar as
variáveis que podem causar confusão, pois tende a cancelar a variação individual gerada por todos os possíveis fatores perturbadores. Os modelos de pesquisa
cruzados são especialmente potentes, mas não podem ser aplicados a todos os
problemas da pesquisa em enfermagem, por causa da possibilidade de acumulação de feitos. As três alternativas restantes descritas aqui têm duas desvantagens
em comum. Em primeiro lugar, os pesquisadores precisam saber de antemão quais
variáveis devem ser controladas. Para selecionar amostras homogêneas, fazer
combinações ou usar controles estatísticos, devem escolher as variáveis que serão
controladas. Em segundo lugar, esses três métodos dominam apenas características identificadas, possivelmente deixando outras sem controle.
Mesmo que a randomização seja o melhor mecanismo de controle das características do sujeito, nem sempre é possível. Quando a VI não pode ser manipulada, é necessário usar outras técnicas. É muito melhor usar a combinação ou a
análise de covariância do que simplesmente ignorar o problema das variáveis que
podem causar confusão.
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
275
CARACTERÍSTICAS DE UM BOM delineamento DE PESQUISA
Ao avaliar os méritos de um estudo quantitativo, uma questão dominante deve
ser observada: no projeto de pesquisa, foi adotado o melhor modelo possível para
fornecer evidências válidas e confiáveis? Shadish e colaboradores (2002), que
elaboraram um dos primeiros tratados clássicos sobre modelos de pesquisa, fizeram quatro considerações importantes para a avaliação do modelo de estudos que
abordam relações entre variáveis – em particular os de sondagem de causas. As
questões sobre o modelo de pesquisa que precisam ser tratadas pelos pesquisadores (e avaliadas pelos consumidores) são:
1. Qual a força dos indícios de que existe uma relação entre duas variáveis?
2. Se essa relação existe, qual a força dos indícios de que a VI estudada (p. ex.,
uma intervenção), e não outros fatores, causou o resultado?
3. Qual a força dos indícios de que as relações observadas podem ser generalizadas para outras pessoas, locais e períodos de tempo?
4. Quais os construtos teóricos subjacentes às variáveis relacionadas? Esses
construtos foram adequadamente selecionados?
Essas questões correspondem, respectivamente, a quatro aspectos da vali‑
dade do estudo:
1.
2.
3.
4.
validade da conclusão estatística;
validade interna;
validade externa; e
validade do construto.
Nesta seção, discutimos brevemente alguns aspectos da validade. Em capítulos posteriores, avançaremos nesse tema.
Validade da conclusão estatística
Conforme já observado neste capítulo, o critério­‑chave para estabelecer a causalidade é demonstrar que há uma relação empírica entre a VI e a VD . Testes estatísticos são usados para sustentar inferências sobre a existência ou não de uma relação.
As decisões sobre o modelo de pesquisa podem influenciar a capacidade dos testes
de detectar relações reais, e, por isso, os pesquisadores precisam tomar cuidado,
protegendo­‑se do perigo de tirar conclusões estatísticas falsas. Mesmo não sendo
possível discutir todos os aspectos da validade da conclusão estatística, pode­‑se
descrever algumas questões relacionadas ao modelo que podem afetá­‑la.
Uma questão refere­‑se à potência estatística, que é a capacidade do modelo
de pesquisa de detectar relações verdadeiras entre as variáveis. A potência estatística pode ser alcançada de vários modos; o mais direto deles consiste em usar uma
amostra extensa o suficiente. Com amostras pequenas, a potência estatística tende
a ser baixa, e a análise pode não mostrar que a VI e a VD estão relacionadas – in‑
clusive quando realmente estão. A potência e o tamanho da amostra são discutidos
no Capítulo 12.
276
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Outro aspecto de um modelo de pesquisa potente consiste na construção ou
definição da VI e do contrafato. Tanto no aspecto estatístico quanto no substantivo,
os resultados são mais claros quando as diferenças entre os grupos (condições de
tratamento) comparados são amplas. Os pesquisadores devem maximizar as diferenças entre os grupos relacionadas com as VIs (i.e., devem tornar a causa potente),
assim como maximizar as diferenças relacionadas com a VD (i.e., o efeito). Se os
grupos ou os tratamentos não forem muito diferentes, a análise estatística poderá
não ser suficientemente sensível para detectar efeitos resultantes e realmente existentes. A fidelidade na intervenção pode incrementar a potência da intervenção.
Portanto, ao criticar um estudo que indica que os grupos comparados não
apresentavam diferenças estatísticas em termos de resultados, pode­‑se concluir,
por exemplo, que a validade da conclusão estatística do estudo era baixa. O relatório pode dar pistas sobre essa possibilidade (p. ex., uma amostra pequena demais
ou uma redução substancial dos sujeitos), que deve ser levada em consideração
quando se fazem inferências sobre o significado dos resultados.
Validade interna
A validade interna refere­‑se a até que ponto é possível inferir que a VI de fato causa ou influencia a VD. Os experimentos tendem a ter um grau elevado de validade
interna, pois a randomização dos sujeitos nos grupos permite aos pesquisadores
eliminar explicações concorrentes. Em estudos quase experimentais e correlacionais, os pesquisadores precisam enfrentar hipóteses concorrentes. As explicações
concorrentes, às vezes chamadas ameaças à validade interna, têm sido agrupadas em várias classes.
Ameaças à validade interna
Ambiguidade temporal
Conforme discutido anteriormente, um critério para inferir uma relação causal
consiste em que a causa preceda o efeito. Nos ECRs, os pesquisadores criam a VI e,
depois, observam o desempenho sobre uma variável de resultado. Por isso, estabelecer uma sequência temporal nunca é um problema. Em estudos correlacionais,
no entanto, especialmente naqueles que usam o modelo transversal, às vezes não
fica claro se a VI precedeu a VD, ou vice­‑versa.
Seleção
A ameaça da seleção abrange desvios resultantes de diferenças preexistentes entre os grupos. Quando as pessoas não são distribuídas randomicamente nos grupos, sempre existe a possibilidade de que os grupos comparados não sejam equivalentes. Nessa situação, os pesquisadores enfrentam o perigo de que as diferenças
na VD sejam causadas por fatores estranhos, e não pela VI. O desvio da seleção é a
ameaça mais perigosa para a validade interna de estudos que não usam o modelo
experimental (p. ex., modelos com grupo de controle não equivalente, modelos de
caso­‑controle), ainda que possa ser parcialmente tratado pelo uso dos mecanismos
de controle descritos na seção anterior. A seleção também pode estar presente em
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
277
modelos experimentais quando muitos sujeitos escolhem não receber o tratamento; em essência, esses sujeitos colocam­‑se na condição de controle.
Histórico
A ameaça do histórico é a ocorrência de eventos que concorrem com a variável
independente, podendo afetar a variável dependente. Por exemplo, suponhamos
um estudo sobre a eficácia de um programa que usa o modelo das séries temporais
para encorajar idosos residentes na comunidade a tomar a vacina contra gripe.
Vamos considerar também que, mais ou menos na mesma época do lançamento
do programa, foi feita uma campanha pública na mídia focando a gripe. A VD, ou
seja, o número de vacinas administradas, está sujeita à influência de, pelo menos,
duas forças, e vai ser difícil separar os dois efeitos. (Esse tipo de ameaça, às vezes,
é chamado de desvio causado por uma cointervenção). Em experimentos, o correto
não é tipicamente uma ameaça, pois eventos externos podem afetar tanto o grupo
randomizado como o outro. Os modelos que correm maior risco da ameaça do
correto são os do tipo antes­‑depois com um grupo e os das séries temporais.
Maturação
A ameaça da maturação surge de processos que ocorrem como resultado do passar do tempo (p. ex., crescimento, fadiga), e não da VI. Por exemplo, ser quisermos
estudar o efeito de uma intervenção específica sobre crianças com atraso no desenvolvimento, teremos de considerar o fato de que poderia ocorrer algum progresso
mesmo sem a intervenção. O termo maturação não se refere exclusivamente a
alterações no desenvolvimento, mas a todo tipo de mudança ocorrido em função
do tempo. Fenômenos como cicatrização de feridas, recuperação pós­‑operatória e
outras mudanças corporais podem ocorrer, inclusive, com pouca intervenção de
enfermagem. Nesse caso, a maturação seria uma explicação concorrente para os
resultados positivos no pós­‑tratamento na ausência de um grupo não tratado. Os
modelos antes­‑depois com um grupo são especialmente vulneráveis à ameaça da
maturação.
Redução/Perda
A redução é uma ameaça que surge da diminuição dos grupos comparados. Se
tipos distintos de pessoas permanecem no estudo em grupo versus o outro, então
essas diferenças, e não a VI, poderiam ser as responsáveis pelas diferentes variáveis de resultado observadas no final do estudo. Os doentes em estado mais grave
podem desistir de uma condição experimental muito difícil ou sair do grupo de
comparação por não verem qualquer vantagem pessoal em permanecer no estudo.
Em uma pesquisa de coorte prospectiva, pode haver redução diferencial entre
os grupos comparados por motivo de morte, doença ou mudança geográfica. O
desvio de redução é, em essência, uma mudança de seleção ocorrida após o desenvolvimento do estudo: grupos inicialmente equivalentes podem perder o potencial
de comparação devido à perda de sujeitos e, no final, pode ser que a composição
diferencial, e não a VI, seja a “causa” das diferenças entre os grupos nas VDs.
278
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
DICA
Se a redução for randômica (i.e., aqueles que abandonam o estudo são similares aos que per‑
manecem nele), então não haverá desvio. No entanto, raramente ocorre uma redução ran‑
dômica. Em geral, quanto maior a proporção da redução, maior o risco de desvio. Os desvios
costumam ser motivo de preocupação quando sua proporção excede 20%.
Validade interna e modelos de pesquisa
Os estudos quase experimentais e correlacionais são especialmente suscetíveis a
ameaças à validade interna. Essas ameaças representam explicações alternativas
(hipóteses concorrentes), que competem com a VI na qualidade de causa da VD.
O objetivo de um bom delineamento de pesquisa quantitativa é eliminar essas ex‑
plicações concorrentes. Os mecanismos de controle previamente considerados são
estratégias para melhorar a validade interna dos estudos e, assim, fortalecer a
qualidade das evidências geradas.
O modelo experimental elimina explicações concorrentes com frequência,
mas não sempre. Por exemplo, se não for mantida uma constante nas condições
dos grupos experimental e de controle, o histórico pode ser uma explicação concorrente para os resultados obtidos. A mortalidade no modelo experimental é, em
particular, uma ameaça evidente. Uma vez que o pesquisador em experimentos
apresenta ações diferentes com os grupos experimental e de controle, os membros
de cada um deles também podem deixar o estudo por motivos distintos. Em especial, é provável que isso aconteça quando o tratamento se mostra estressante,
inconveniente ou demorado ou se a condição de controle é tediosa ou irritante.
Quando isso acontece, os participantes que permanecem no estudo podem diferir
daqueles que saem, anulando a equivalência inicial dos grupos.
O leitor precisa ficar atento a possíveis explicações antagonistas para os resultados do estudo, em especial nas pesquisas que não utilizam o modelo experimental. Quando os pesquisadores não têm controle sobre variáveis centrais que
podem causar confusão, é apropriado ter mais cautela ao interpretar resultados e
tirar conclusões sobre os dados gerados.
Validade externa
A validade externa refere­‑se a inferências sobre o grau de verdade das relações
observadas no estudo para diferentes pessoas, condições e ambientes. A validade
externa surgiu como preocupação para a PBE, na qual é importante generalizar
os dados científicos obtidos em ambientes de pesquisa controlados, aplicando­‑os a
contextos da prática do mundo real.
Como Shadish e colaboradores (2002) observaram, as questões da validade
externa podem tomar várias formas diferentes. Às vezes, é importante saber, por
exemplo, se as relações observadas na amostra de um estudo podem ser generalizadas para uma população mais ampla – por exemplo, se os resultados de um
programa para parar de fumar considerado eficaz para adolescentes em Boston
podem ser generalizados para adolescentes de todos os Estados Unidos. Portanto, um aspecto da validade externa do estudo está relacionado com a adequação
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
279
do plano de amostragem. Se as características da amostra forem representativas
da população, o potencial de generalização dos resultados para a população será
maior. A formação da amostra é discutida no Capítulo 12.
Muitas questões de PBE, no entanto, referem­‑se ao movimento contrário –
partir de um grupo de estudo amplo para um cliente específico – por exemplo, se
os exercícios musculares pélvicos considerados eficazes no alívio da incontinência
urinária em um estudo são uma estratégia eficaz para Ann Smith. Outras questões
da validade externa incluem a generalização para tipos um tanto diferentes de
pessoas, ambientes, situações ou tratamentos. Por exemplo, descobertas sobre um
tratamento de redução da dor feitas no Canadá podem ser generalizadas para pessoas nos Estados Unidos? Outro exemplo: uma intervenção de seis semanas para
promover mudanças na dieta de pacientes com diabete seria igualmente eficaz se
o conteúdo fosse condensado em um programa de três semanas? Algumas vezes,
são necessários novos estudos para responder a questões sobre a validade externa;
outras vezes, a validade externa pode ser incrementada por decisões dos pesquisadores ao elaborar o estudo.
Um conceito relevante importante para a validade externa é o de replicação.
Estudos em vários locais são potentes porque pode ser obtido maior potencial de
generalização de resultados replicados em locais diversos – em particular quando
os locais são diferentes em aspectos considerados importantes (p. ex., tamanho e
localização). Estudos que envolvem uma amostra diversificada de participantes
podem testar se os resultados da pesquisa são replicados para vários subgrupos –
por exemplo, se uma intervenção beneficia homens e mulheres ou pacientes idosos
e jovens. Revisões sistemáticas representam uma ajuda crucial para a validade
externa, precisamente porque focam replicações ao longo do tempo, do espaço,
envolvendo várias pessoas e ambientes, a fim de explorar consistências.
Às vezes, há conflito entre as demandas de validade interna e extern. Se o
pesquisador exerce um controle rígido de um estudo a fim de maximizar a validade interna, o ambiente pode se tornar artificial demais para que os resultados
possam ser generalizados para um ambiente mais natural. Assim, ajustes precesam ser feitos.
Validade do construto
Não se pode fazer pesquisa sem usar construtos. Quando os pesquisadores realizam um estudo com exemplares específicos de tratamentos, resultados, ambientes
e pessoas, todos eles servem como construtos gerais. A validade do construto
envolve inferências que partem dos construtos específicos do estudo para chegar
aos construtos de ordem mais elevada supostamente representados. Essa validade
é importante porque os construtos são meios de fazer a ligação entre as operações
usadas no estudo, a conceituação relevante e os mecanismos de transferência das
evidências para a prática. Quando os estudos contêm erros nos construtos, há o
risco de que os dados induzam erros. Um dos aspectos da validade do construto
envolve descobrir até que ponto a intervenção é uma boa representação do construto subjacente que, teoricamente, teria potencial para causar resultados benéficos. Outro aspecto envolve verificar se as medições da VD são boas operacionalizações dos construtos aos quais se destinam. Esse aspecto será discutido de modo
mais completo no Capítulo 14.
280
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
CRÍTICA DE delineamentos DE PESQUISA QUANTITATIVOS
Ao avaliar um projeto de pesquisa, a principal consideração a ser feita é se o modelo permite ao pesquisador responder de modo conclusivo à questão proposta. Isso
tem de ser determinado em termos tanto substantivos como metodológicos.
Em termos substantivos, a questão é a seguinte: “O pesquisador escolheu um
modelo adequado para os objetivos da pesquisa?”. Para propósitos descritivos ou
exploratórios, o modelo experimental não é apropriado. Se o pesquisador quiser
compreender toda a natureza de um fenômeno pouco conhecido, um modelo altamente estruturado, que confere pouca flexibilidade, pode bloquear a compreensão
(os modelos flexíveis são discutidos no Cap. 10). Já mencionamos o controle da
pesquisa como mecanismo de redução de desvios, mas, em certas situações, o excesso de controle pode introduzir desvios. Por exemplo, ao controlar muito rigidamente os modos de manifestação do fenômeno estudado, o pesquisador obscurece
sua verdadeira natureza.
Em termos metodológicos, a principal questão relacionada ao modelo em
estudos quantitativos é se o delineamento de pesquisa fornece os dados científicos
mais precisos, interpretáveis, replicáveis e sem desvios possíveis. De fato, com
frequência, não há qualquer outro aspecto de um estudo quantitativo que afete a
qualidade dos dados tanto quanto o modelo de pesquisa. O Quadro 9.1 fornece
QUADRO 9.1
ORIENTAÇÕES PARA A CRÍTICA DE delineamentos
DE PESQUISA DE ESTUDOS QUANTITATIVOS
1.O estudo envolve uma intervenção? Em caso positivo, o modelo é experimental ou quase experimental?
2.No caso de estudos de intervenção, o pesquisador descreveu a intervenção de modo adequado? Há
indícios de que ele deu atenção à fidelidade na intervenção? Foi usado mascaramento/estudo cego?
Em caso positivo, a quem foi negada a informação? Isso foi adequado? Em caso negativo, há uma
justificativa racional para a falha do mascaramento?
3.No caso de estudos não experimentais, por que o pesquisador não manipulou a variável independente?
A decisão tomada em relação à manipulação foi apropriada? O estudo era de sondagem de causas?
Que critérios para inferir causalidade ficaram potencialmente comprometidos? Foi usado um modelo
retrospectivo ou prospectivo? Essa escolha foi apropriada?
4.O estudo era longitudinal ou transversal? O número de pontos de coleta de dados foi apropriado,
considerando­‑se a questão da pesquisa?
5. Que tipo de comparação requeria o delineamento de pesquisa (p. ex., o modelo usado foi intrassujeito
ou intersujeitos)? A estratégia de comparação foi eficaz no esclarecimento da relação entre as variáveis
independente e dependente?
6.O que o pesquisador fez para controlar fatores externos que pudessem causar confusão e as
características intrínsecas dos sujeitos? Os procedimentos foram eficazes?
7.Na elaboração do estudo, que etapas o pesquisador seguiu para incrementar a validade da conclusão
estatística? Essas etapas foram adequadas?
8. Que etapas o pesquisador realmente seguiu para incrementar a validade interna do estudo? Em que
medida tiveram êxito? Que tipos de explicações alternativas têm de ser considerados – quais as
ameaças à validade interna? O modelo permite ao pesquisador fazer inferências causais sobre a relação
entre as variáveis independente e dependente?
9.Em que medida o estudo é externamente válido? Os pesquisadores fizeram algo para incrementar o
potencial de generalização? O quê?
10. Quais as principais limitações do modelo usado? Essas limitações são reconhecidas pelo pesquisador?
Elas foram consideradas na interpretação dos resultados?
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
281
perguntas que ajudam a avaliar os aspectos metodológicos de delineamentos de
pesquisa quantitativos; são perguntas­‑chave para a realização de uma crítica significativa.
A partir da perspectiva da PBE, é importante lembrar que fazer inferências
sobre relações causais baseia­‑se não apenas na consideração da posição do estudo
na hierarquia de dados (ver Fig. 2.1), mas também, para estudos localizados em
qualquer ponto da hierarquia, na análise do êxito do pesquisador na tentativa de
incrementar a validade da pesquisa.
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO
Esta seção apresenta exemplos de estudos com diferentes modelos de pesquisa. Leia estes resumos
e, depois, responda às questões de pensamento crítico, consultando a versão integral do relatório,
se for necessário.
EXEMPLO 1
Modelo experimental
Estudo
Acupressura contra vômito e náusea induzidos por quimioterapia (Dibble et al., 2007).
Declaração do propósito
O propósito do estudo era avaliar a eficácia da acupressura na redução da náusea e do vômito em
mulheres submetidas à quimioterapia contra câncer de mama.
Grupos de tratamento
Foram comparados três grupos de mulheres:
1 um grupo de intervenção treinado em acupressura digital no ponto P6 do antebraço;
2 um grupo de placebo treinado em aplicar a acupressura em um ponto de pressão inativa SI3; e
3 um grupo de controle, que recebeu apenas o tratamento usual.
Método
Uma amostra de 160 mulheres no segundo ou terceiro ciclo da quimioterapia em 19 locais diferentes
nos Estados Unidos foi distribuída randomicamente nos três grupos de tratamento. Mulheres que
recebiam tratamentos de quimioterapia específicos, cujo escore na escala de intensidade da náusea
na sessão anterior da quimioterapia tinha sido pelo menos moderado, foram convidadas a participar.
Aquelas do grupo de intervenção receberam instrução de uma equipe clínica treinada sobre o modo e
o momento de aplicação do tratamento de acupressura em um dos pontos nei guan (P6) em ambos os
antebraços. As mulheres do grupo de placebo receberam a mesma instrução, mas foram treinadas a
aplicar a pressão em um ponto hou xi (SI3, um ponto na lateral da ulna). Os pesquisadores escolheram
esse ponto por ficar próximo ao P6 ativo, mas, supostamente, não afetaria o tratamento da náusea.
Os assistentes de pesquisa que treinaram as mulheres desses dois grupos não sabiam qual era o ponto
de acupressura ativo. As mulheres de todos os grupos preencheram questionários de linha de base
quando foram fazer o primeiro tratamento de quimioterapia agendado e três semanas depois, na
sessão seguinte de quimioterapia. Elas também mantiveram registros diários, durante 10 dias após
a quimioterapia, dos níveis de náusea, episódios de vômito, uso de terapia antiemética prescrita e
de qualquer outra intervenção para controlar náusea/vômito, incluindo (nos grupos de acupressura)
a frequência da aplicação da pressão. Uma comparação das pacientes dos três grupos do estudo
na linha de base indicou que eram comparáveis em termos de características demográficas (p. ex.,
(continua)
282
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO (continuação)
idade, estado civil, grau de escolaridade) e de variáveis de doença e tratamento (p. ex., tipo de
cirurgia de mama, número de nódulos positivos). Houve certa redução (cerca de 8%) no número de
participantes durante o estudo, porém similar em todos os grupos.
Achados
Não houve diferenças significativas entre os três grupos em termos de náusea ou vômito agudos no
dia da quimioterapia. As mulheres do grupo de tratamento, no entanto, tiveram significativamente
menos náusea e vômito posteriores do que aquelas dos grupos de placebo e controle, levando os
pesquisadores a concluírem que a acupressura no ponto P6 é uma ferramenta segura, eficaz e valiosa
no controle posterior do vômito e da náusea induzidos pela quimioterapia.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O pensamento CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 9.1 relevantes para este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover pensamento crítico e a compreender
o estudo:
a)
b)
c)
d)
Que modelo experimental específico foi usado neste estudo? Tal modelo foi apropriado?
Qual era o propósito de incluir um grupo de placebo no estudo?
Poderia ter sido usado um modelo cruzado? E um fatorial?
A randomização teve êxito?
2Se os resultados do estudo forem válidos, quais os possíves usos dos achados na prática clínica?
EXEMPLO 2
Modelo quase experimental
Estudo
Teste quase experimental sobre o atendimento individualizado, com suporte desenvolvimental e
centrado na família (Byers et al., 2006).
Declaração do propósito
O propósito do estudo era avaliar o impacto do atendimento individualizado, com suporte
desenvolvimental e centrado na família, prestado a bebês prematuros sobre a faixa de resultados do
bebê (p. ex., crescimento, indicações de estresse comportamental, variáveis fisiológicas) e a satisfação
dos pais.
Grupos de tratamento
O grupo de intervenção foi atendido no berçário de desenvolvimento de uma unidade de tratamento
intensivo neonatal (UTIN). A intervenção envolveu avaliações de desenvolvimento individualizadas e
a implantação de planos de atendimento também individualizados. Nesse modelo de atendimento,
as famílias foram incorporadas logo no começo e participaram ativamente nos cuidados aos bebês de
alto risco. A visitação era livre no berçário da intervenção. Toda a equipe que interagiu com os bebês
recebeu cinco dias consecutivos de treinamento em atendimento de apoio desenvolvimental. No
berçário de controle, também na UTIN do mesmo hospital, foram usados os padrões tradicionais de
tratamento e a visitação limitada.
(continua)
CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
283
Método
Uma amostra de 114 bebês prematuros, nascidos em um centro médico terciário no Sudeste dos
Estados Unidos, participou do estudo. Os bebês foram incluídos quando tinham sido admitidos
em uma das duas UTINs, e sua idade gestacional era inferior a 33 semanas. Aqueles que estavam
no berçário da intervenção deviam ter pais que falavam inglês e uma expectativa de permanência
de pelo menos três semanas. O berçário de controle era similar ao de intervenção em termos de
tamanho, equipamento, disposição do andar, equipe de atendimento e níveis de acuidade do bebê.
Algumas variáveis do histórico e do resultado foram retiradas dos registros hospitalares. As variáveis
fisiológicas (p. ex., frequência cardíaca, frequência respiratória, saturação de oxigênio) foram obtidas
como linha de base durante a atividade do cuidador e após a atividade ao longo de um período de
quatro semanas, via monitor. As indicações de estresse comportamental foram medidas várias vezes
mediante observação por especialistas em desenvolvimento. A satisfação dos pais foi medida pela
escala de autorrelato.
Achados
üOs bebês dos grupos de intervenção e de controle não diferiam significativamente na linha de base
em uma ampla faixa de fatores de risco, incluindo escores de Apgar, idade gestacional, peso de
nascimento, anomalias congênitas, sexo, etnia e idade materna.
üNão houve diferenças entre os grupos na maioria dos resultados – número de dias até alcançarem
pontos médicos ou de desenvolvimento importantes, permanência no hospital, complicações ou
custo direto por caso. Também não houve diferenças entre os grupos na satisfação dos pais.
üEm todos os pontos da coleta de dados, as indicações de estresse foram mais baixas no grupo com
suporte desenvolvimental. Os bebês do grupo da intervenção tiveram custos 8% menores em
sedativos ou narcóticos e 15% menores em vasopressores do que os do grupo de comparação.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 9.1 relevantes para este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover pensamento crítico e a compreender
o estudo:
a) Que modelo quase experimental específico foi usado nesse estudo? Isso foi apropriado?
b) Comente a questão da constância das condições nesse estudo.
c)Esse é um estudo prospectivo ou retrospectivo?
3Se os resultados desse estudo forem válidos, quais os possíveis usos dos achados na prática
clínica?
EXEMPLO 3
Estudo não experimental no Apêndice A
1Leia o resumo e a introdução do estudo de Howell e colaboradores (“Relações entre ansiedade,
raiva e pressão arterial em crianças”, 2007) no Apêndice A deste livro e, depois, responda às
questões relevantes do Quadro 9.1.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover pensamento crítico e a compreender
o estudo:
a)Howell e colaboradores poderiam ter usado um modelo experimental ou quase
experimental para tratar das questões de pesquisa?
b)O modelo era retrospectivo? Se sim, como o estudo podia ter sido feito prospectivamente?
Se não, como fazê­‑lo retrospectivamente?
284
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
REVISÃO DO CAPÍTULO
Nesta seção, são apresentados os novos termos­‑chave deste capítulo, além de um
resumo dos pontos principais.
Novos termos­‑chave
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Ameaça da maturação
Ameaça da seleção (autosseleção)
Ameaça de redução
Ameaça do histórico
Combinação
Contrafato
Dados de linha de base
Distribuição randômica
(randomização)
Estudo cego
Estudo de série
Estudo experimental
Estudo não experimental
Fidelidade na intervenção
Grupo de comparação
Grupo de controle
Homogeneidade
Manipulação
Mascaramento
ü Modelo apenas pós­‑teste
ü Modelo com grupo de controle
não equivalente
ü Modelo correlacional
ü Modelo cruzado
ü Modelo de caso­‑controle
ü Modelo fatorial
ü Modelo intersujeitos
ü Modelo intrassujeito
ü Modelo longitudinal
ü Modelo prospectivo
ü Modelo retrospectivo
ü Modelo transversal
ü Modelos pré­‑teste e pós­‑teste
ü Quase experimento
ü Redução
ü Validade externa
ü Validade interna
Tópicos resumidos
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O modelo do delineamento de pesquisa é o plano geral do pesquisador para
responder às questões propostas. Nos estudos quantitativos, o modelo indica se há
uma intervenção, qual a natureza das comparações, quais os métodos usados para
controlar as variáveis que podem causar confusão, se vai haver mascaramento
(estudo cego) e quais serão o momento e o local da coleta de dados.
A causalidade é o tema­‑chave no modelo quantitativo. Vários critérios têm sido
propostos para inferir causalidade; o mais engenhoso consiste em eliminar a
possibilidade de que a relação observada entre a causa presumida (VI) e o efeito
(VD) não reflita a influência de uma terceira variável (possível causadora de
confusão).
Em um modelo contrafatual ideal, o contrafato é o que poderia ter acontecido
às mesmas pessoas simultaneamente expostas e não expostas ao fator causal. O
efeito representa a diferença entre ambas as situações. Um modelo de pesquisa
satisfatório envolve encontrar uma boa aproximação com o contrafato ideal.
Os estudos experimentais (ou ensaios clínicos randomizados – ECRs) envolvem
manipulação (o pesquisador manipula a VI, introduzindo um tratamento ou
intervenção); controle (inclusive o uso de um grupo de controle ao qual não é
CAPÍTULO 9
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dada a intervenção e que representa o contrafato comparativo); e randomização
ou atribuição randômica (com sujeitos distribuídos nos grupos experimental
e de controle randomicamente, para tornar os grupos comparáveis desde o
início).
Os modelos experimentais são considerados por muitos como o padrão ouro,
pois são os que mais atendem aos critérios de inferência de relações causais.
Os modelos apenas pós­‑teste (ou apenas depois) envolvem coletar dados apenas
uma vez – depois da distribuição randômica e da introdução do tratamento;
os pré­‑teste e pós­‑teste (ou antes­‑depois) incluem coleta de dados antes da
introdução da intervenção (na linha de base) e depois dela.
Os modelos fatoriais, em que duas ou mais variáveis são manipuladas simultaneamente, permitem aos pesquisadores testar tanto os efeitos principais (ações
das variáveis manipuladas pelo experimento) quando os efeitos de interação
(ações resultantes da combinação dos tratamentos).
Nos modelos cruzados, os sujeitos são expostos a mais de uma condição experimental, em ordem aleatória, e servem de controle a si próprios; esses modelos
são do tipo intrassujeito.
Os experimentadores podem expor o grupo de controle a várias condições,
inclusive ao não tratamento; ao tratamento alternativo; a um placebo ou pseudointervenção; ao tratamento­‑padrão (“atendimento usual”); a diferentes doses
do tratamento; e à condição de lista de espera (tratamento adiado).
Os quase experimentos (testes controlados sem randomização) envolvem
manipulação, mas não têm grupo de comparação nem randomização. Modelos
quase experimentais potentes introduzem controles para compensar os componentes ausentes.
O modelo antes­‑depois com grupo de controle não equivalente envolve o
uso de um grupo de comparação que não é criado por distribuição randômica
e uma coleta de dados pré­‑tratamento que permite a avaliação da equivalência
inicial dos grupos.
No modelo de séries temporais, não há grupo de comparação; as informações
sobre a VD são coletadas ao longo de um período, antes e depois do tratamento.
O estudo não experimental (observacional) inclui os tipos descritivo, com
estudos que resumem o estado do fenômeno, e correlacional, que examina as
relações entre variáveis, mas não envolve manipulação da VI.
Há dois principais modelos correlacionais. O retrospectivo envolve coletar os
dados sobre um resultado no presente e, depois, voltar os olhos para o passado
em busca das possíveis causas ou antecedentes (p. ex., um modelo de caso­
‑controle). Nos modelos prospectivos, os pesquisadores começam com uma
causa possível e, depois, subsequentemente, coletam dados sobre os resul­
tados.
Fazer inferências causais em estudos correlacionais é arriscado; um primeiro
ponto fraco está no fato de que os estudos correlacionais podem abrigar desvios
devidos à autosseleção para os grupos que serão comparados.
Os modelos transversais envolvem a coleta de dados em um período, enquanto
os longitudinais incluem coletas de dados em dois ou mais momentos ao longo
de um período extenso. Os três tipos de estudos longitudinais, usados para estudar mudanças ou desenvolvimento ao longo do tempo, são os de tendência,
de série e de acompanhamento.
Os estudos longitudinais costumam ser extensivos, empregam muito tempo e
estão sujeitos ao risco da redução (perda de participantes ao longo do tempo),
mas geram informações valiosas sobre fenômenos relacionados com o tempo.
286
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
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Os pesquisadores quantitativos esforçam­‑se para controlar fatores externos que
podem afetar os resultados do estudo (p. ex., o ambiente ou a intervenção) e
características dos sujeitos estranhas à questão colocada.
Os pesquisadores esboçam a intervenção em protocolos que estipulam exatamente o que é o tratamento. Eles precisam atender ao princípio da fidelidade
na intervenção (fidelidade no tratamento), ou seja, garantir que a intervenção
seja implantada de forma adequada e realmente recebida.
As técnicas de controle das características dos sujeitos incluem homogeneida‑
de (restringir a seleção dos sujeitos para eliminar a variabilidade da variável
que pode causar confusão); combinação (combinar os sujeitos um a um para
formar grupos comparáveis em termos de variáveis estranhas); procedimentos
estatísticos, como a análise de covariância; e a randomização – o mais eficaz
dos procedimentos de controle, pois controla todas as supostas variáveis que
podem causar confusão, sem que os pesquisadores precisem identificá­‑las ou
mensurá­‑las.
A validade do estudo refere­‑se à possibilidade de se fazer inferências apropriadas. As ameaças à validade são as razões pelas quais uma inferência pode
estar errada. Uma função­‑chave dos modelos de pesquisa quantitativa é eliminar
ameaças à validade, exercendo vários tipos de controle.
A validade da conclusão estatística refere­‑se à força dos dados científicos
sobre a existência de uma relação entre duas variáveis. As ameaças à validade
da conclusão estatística incluem baixa potência estatística (possibilidade de
detectar relações verdadeiras entre as variáveis) e fatores que minam um tratamento potente.
A validade interna está relacionada com inferências de que os resultados estudados foram causados pela VI, e não por outros fatores estranhos à pesquisa. As
ameaças à validade interna incluem a ambiguidade temporal (falta de clareza
sobre o que ocorreu primeiro – a causa presumida ou o resultado); a seleção
(diferenças preexistentes entre os grupos); o histórico (ocorrência de eventos
externos a uma VI e que podem afetar os resultados); maturação (mudanças
resultantes da passagem do tempo); e mortalidade (efeitos atribuíveis à redução
de sujeitos).
A validade externa trata das inferências sobre o potencial de generalização (i.e.,
se as relações observadas permanecem verdadeiras inclusive com variações de
pessoas, condições, ambientes e operacionalizações das variáveis).
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 9
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CAPÍTULO 9
Delineamento de pesquisas quantitativas
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10
Delineamentos e abordagens
de pesquisas qualitativas
Delineamentos DE
ESTUDOS QUALITATIVOS
Análises narrativas
Estudos qualitativos descritivos
Características do delineamento de pesquisas
qualitativas
Modelo e planejamento qualitativo
Aspectos do modelo qualitativo
Causalidade na pesquisa qualitativa
PESQUISA COM
PERSPECTIVAS IDEOLÓGICAS
TRADIÇÕES DA
PESQUISA QUALITATIVA
CRÍTICA DE delineamentoS
DE PESQUISAS QUALITATIVAS
Visão geral das tradições qualitativas
Etnografia
Fenomenologia
Teoria fundamentada
OUTROS TIPOS DE
PESQUISA QUALITATIVA
Estudos de caso
Teoria crítica
Pesquisa feminista
Pesquisa ação participativa
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADEs DE pensamento
CRÍTICo
REVISÃO DO CAPÍTULO
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 10
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
ü
Discutir o princípio racional de um modelo emergente na pesquisa qualitativa e descrever os as‑
pectos do projeto qualitativo.
üIdentificar as principais tradições da pesquisa qualitativa e descrever o domínio de pesquisa de cada
uma.
ü
ü
ü
Descrever os principais aspectos dos estudos de etnografia, fenomenologia e teoria fundamen­tada.
Discutir os objetivos e os métodos de vários tipos de pesquisa com perspectiva ideológica.
Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
289
Delineamentos DE ESTUDOS QUALITATIVOS
Os pesquisadores quantitativos especificam com cuidado o projeto de pesquisa antes de coletar qualquer dado e raramente se afastam dele após o início do estudo.
Eles elaboram o projeto e, depois, colocam­‑no em prática. Na pesquisa qualitativa,
por sua vez, o projeto tende a evoluir ao longo do estudo. Os pesquisadores qualitativos elaboram­‑no à medida que realizam a pesquisa. As decisões sobre o melhor
modo de obter dados, de quem obtê­‑los, como fazer o cronograma de sua coleta e
quanto tempo a sessão de coleta de dados deve durar são tomadas à medida que
o estudo se desenvolve. Os estudos qualitativos usam um modelo emergente, que
surge durante o processo em que os pesquisadores tomam suas decisões e reflete
o que já foi descoberto. O uso do modelo emergente em estudos qualitativos não
indica que parte dos pesquisadores é preguiçosa, mas reflete o desejo de fazer a
pesquisa com base nas realidades e nos pontos de vista de quem está sendo estudado – no início da pesquisa, ainda não se conhecem nem se compreendem essas
realidades e esses pontos de vista.
Características do delineamento de pesquisas qualitativas
A pesquisa qualitativa tem sido orientada por diferentes disciplinas, e cada uma
desenvolve seus métodos para tratar questões específicas. Entretanto, algumas
características gerais do modelo das pesquisas qualitativas tendem a ser aplicadas
em várias disciplinas. Em geral, o modelo qualitativo:
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ü
ü
ü
É flexível e elástico, capaz de se ajustar ao que vai sendo descoberto durante o
curso da coleta de dados.
Com frequência, envolve uma mescla de várias estratégias de coleta de dados
(i.e., triangulação).
Tende a ser holístico, buscando uma compreensão do todo.
Exige intenso envolvimento dos pesquisadores, que, com frequência, permanecem no campo por longos períodos.
Exige a análise contínua dos dados para formular estratégias subsequentes e
determinar quando o trabalho de campo será feito.
Os pesquisadores qualitativos tendem a reunir uma rede complexa de dados, derivados de uma série de fontes e coletados por uma série de métodos. Costuma­‑se
chamar o pesquisador qualitativo de artista da bricolagem, ou seja, alguém que
“executa um grande número de tarefas diversas, desde entrevistas até introspecção e reflexão intensiva” (Denzin e Lincoln, 2000, p. 6).
Modelo e planejamento qualitativo
Ainda que as decisões sobre o modelo de pesquisa não sejam tomadas de antemão, os pesquisadores qualitativos, na verdade, costumam fazer um planejamento
antecipado flexível. Se não houver qualquer tipo de planejamento, as escolhas
relativas ao modelo, na prática, podem ficar restritas. Por exemplo, pode ser que,
290
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
no início, os pesquisadores planejem um período de seis meses para a coleta de
dados, mas é preciso se preparar (financeira e emocionalmente) para dispensar
muito mais tempo no campo para buscar oportunidades de coleta de dados antes
não previstas. Em outras palavras, os pesquisadores qualitativos planejam contingências amplas, que incluem a possibilidade de tomar outras decisões a partir do
início do estudo. O planejamento antecipado é especialmente útil quando inclui:
ü
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ü
ü
Selecionar uma estrutura ou tradição ampla para orientar certas decisões do
projeto.
Determinar a quantidade de tempo máxima do estudo, considerando custos e
outras restrições.
Desenvolver uma ampla estratégia de coleta de dados (p. ex., “Serão realizadas
entrevistas?”).
Selecionar o local do estudo e identificar ambientes apropriados.
Tomar medidas para conseguir acesso ao local, por meio de negociações com
os “porteiros­‑chave”.
Identificar os tipos de equipamento que podem ajudar na coleta e na análise de
dados no campo (p. ex., equipamento de gravação, laptop).
Identificar desvios, visões e pressuposições pessoais em relação ao fenômeno
ou local do estudo (reflexividade).
Portanto, os pesquisadores qualitativos precisam planejar uma série de circunstâncias, mas as decisões sobre o modo de lidar com elas têm de ser tomadas
quando houver maior conhecimento sobre contexto social de tempo, local e interações humanas. Ao permitir e antecipar a evolução das estratégias, os pesquisadores qualitativos buscam fazer com que seu projeto de pesquisa responda à situação
e ao fenômeno estudado.
Aspectos do modelo qualitativo
Alguns dos aspectos do modelo de pesquisa discutidos no Capítulo 9 aplicam­‑se
aos estudos qualitativos. No entanto, em geral, os aspectos do modelo qualitativo
são caracterizações post hoc daquilo que aconteceu no campo, e não algo especificamente planejado com antecedência. Para compreender melhor o contraste
entre os modelos qualitativo e quantitativo, sugerimos a consulta dos elementos
identificados na Tabela 9.1.
Intervenção, controle e mascaramento
A pesquisa qualitativa quase sempre é não experimental, embora um subestudo
qualitativo possa estar inserido em um experimento. Os pesquisadores qualitativos
não conceituam seus estudos a partir da existência de variáveis independentes e
dependentes, e eles raramente controlam ou manipulam aspectos das pessoas ou
dos ambientes estudados. O mascaramento também não é uma estratégia usada
por eles, pois não há intervenção, nem hipótese a ser formulada. O objetivo consiste em desenvolver uma rica compreensão do fenômeno da forma como existe e
é construído pelos indivíduos em seu próprio contexto.
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
291
Comparações
Tipicamente, os pesquisadores qualitativos não planejam de antemão comparações entre os grupos, pois o objetivo é descrever e explicar o fenômeno em sua
totalidade. Entretanto, padrões que emergem dos dados às vezes sugerem comparações esclarecedoras. De fato, como Morse (2004) observou em um dos editoriais
da revista Qualitative Health Research, “todas as descrições exigem comparações”
(p. 1323). Ao analisar dados qualitativos e determinar se as categorias estão saturadas, é preciso comparar “isto” com “aquilo”.
Exemplo de comparações qualitativas
Hilden e Honkasalo (2006) exploraram como os enfermeiros interpretam a autonomia do
paciente ao tomar decisões no final da vida. Com base em entrevistas de 17 enfermeiros,
os pesquisadores descobriram três padrões distintos, que denominaram de o “apoiador”, o
“analista” e o “prático”, sendo que cada um envolvia certa posição dos pacientes e de seus
parentes e certa identidade dos enfermeiros na tomada de decisões no final da vida.
Ambientes de pesquisa
Comumente, os pesquisadores qualitativos coletam dados no mundo real, em
ambientes naturais. E, enquanto o quantitativo costuma se esforçar para coletar
dados em um tipo de local, a fim de manter o controle sobre o ambiente (p. ex.,
realizar todas as entrevistas na casa dos participantes do estudo), os qualitativos
podem buscar, deliberadamente, o estudo do fenômeno em uma série de contextos
naturais.
Exemplo de variação de ambientes e locais
Hughes e colaboradores (2007) realizaram um estudo qualitativo das experiências cotidianas
de pessoas pobres urbanas que sofriam de câncer avançado e de sua luta para sobreviver.
Os dados das entrevistas foram coletados várias vezes de 14 pacientes em vários ambientes
comunitários, residenciais e clínicos.
Dimensão temporal
A pesquisa qualitativa, assim como a quantitativa, pode ser transversal, com um
ponto de coleta de dados, ou longitudinal, com vários pontos de coleta de dados
durante um longo período, a fim de observar a evolução do fenômeno. Às vezes,
os pesquisadores qualitativos planejam de antemão um modelo longitudinal, mas,
em outros casos, a decisão de estudar o fenômeno em termos longitudinais pode
ser feita no campo, após a coleta e a análise de dados preliminares.
292
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Exemplos da dimensão temporal em estudos qualitativos
ü
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Transversal: Haynes e Watt (2008) estudaram a experiência de engajamento em comporta‑
mentos saudáveis entre indivíduos com uma doença debilitante. Os dados foram reunidos
em um ponto temporal fixo, confiando­‑se nos relatos retrospectivos do participantes a
respeito dos processos de adaptação, em vez de fazer a coleta dos dados ao longo tempo,
à medida que ocorria a adaptação.
Longitudinal: Smithbattle (2007) realizou um estudo longitudinal sobre as experiências de
mães adolescentes e seus filhos. Dezesseis famílias participaram de cinco entrevistas, en‑
tre 1988 e 2005. As trajetórias de vida das mães adolescentes refletiram legados de opor‑
tunidades de vida desiguais, que começaram na infância e persistiram até os 30 anos de
idade.
Causalidade na pesquisa qualitativa
Em hierarquias de dados que fazem a classificação de acordo com a capacidade
dos dados de sustentar inferências causais (p. ex., aquela apresentada na Fig.
2.1), a investigação qualitativa em geral fica próxima da base – fato que tem levado alguns a criticar o ambiente atual da prática baseada em evidências (PBE). A
questão da causalidade, tema controverso ao longo de toda a história da ciência, é
especialmente polêmica na pesquisa qualitativa.
Alguns pesquisadores consideram que a causalidade não é um construto
apropriado ao paradigma naturalista. Lincoln e Guba (1985), por exemplo, devotaram um capítulo inteiro de seu livro à crítica da causalidade e argumentaram
que esta deveria ser substituída por um conceito denominado por eles de modela‑
gem mútua. De acordo com essa visão da modelagem mútua e simultânea: “Tudo
influencia todo o resto aqui e agora. Muitos elementos encontram­‑se implicados
em qualquer ação dada, e cada elemento interage com todos os outros de modos
que mudam todos eles, enquanto, simultaneamente, resultam em algo que nós
[...] rotulamos de resultados ou efeitos” (p. 151).
Entretanto, outros acreditam não só que a explicação causal é um objetivo
legítimo da pesquisa qualitativa, mas também que os métodos qualitativos são
particularmente adequados à compreensão das relações causais. Huberman e Miles (1994) argumentam que os estudos qualitativos “podem tratar direta e longitudinalmente de processos locais subjacentes a uma série temporal de eventos e
estados, mostrando como eles levam a resultados específicos e eliminando hipóteses equivalentes” (p. 434).
Na tentativa não somente de descrever, mas também de explicar fenômenos,
os pesquisadores qualitativos que realizam estudos profundos inevitavelmente revelam padrões e processos que sugerem interpretações causais. Essas interpretações podem ser (e com frequência são) submetidas a testes mais sistemáticos por
meio de métodos mais controlados de pesquisa.
TRADIÇÕES DA PESQUISA QUALITATIVA
Apesar de haver alguns aspectos comuns a muitos modelos de pesquisa qualitativa, existe uma ampla variedade de abordagens gerais. Não há uma taxonomia
prontamente consensual, mas um sistema útil consiste em descrever a pesquisa qualitativa de acordo com as tradições disciplinares. Essas tradições variam
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
293
no modo como conceituam os tipos de questões que devem ser colocados e nos
métodos considerados apropriados para responder às questões. A seção seguinte
fornece uma visão geral de várias tradições qualitativas (algumas introduzidas
anteriormente), e as posteriores descrevem com mais detalhes as tradições especialmente proeminentes na pesquisa em enfermagem.
Visão geral das tradições qualitativas
As tradições de pesquisa que têm fornecido fundamentos para estudos qualitativos
originam­‑se, primariamente, de disciplinas da antropologia, da psicologia e da
sociologia. Conforme mostrado na Tabela 10.1, cada disciplina foca um ou mais
domínios amplos de pesquisa.
A disciplina da antropologia preocupa­‑se com as culturas humanas. A et‑
nografia (discutida em detalhes mais adiante) é a tradição de pesquisa primária
da antropologia. Os etnógrafos estudam os padrões culturais e as experiências de
modo holístico. A etnociência aborda o mundo cognitivo de uma cultura, com ênfa-
Tabela 10.1
VISÃO GERAL DAS TRADIÇÕES
DA PESQUISA QUALITATIVA
TRADIÇÃO DE
PESQUISA
DISCIPLINA
DOMÍNIO
Antropologia
Cultura
Etnografia
Etnociência
Visão holística de uma cultura
Mapeamento do mundo cognitivo
de uma cultura; significados
compartilhados de uma cultura
Filosofia
Experiência
vivida
Fenomenologia
Experiências de indivíduos dentro de
seu mundo
Interpretações e significados das
experiências do indivíduo
Comportamento
e eventos
Etologia
Psicologia
Sociologia
Ambientes
sociais
Sociolinguística Comunicação
humana
História
Hermenêutica
Psicologia ecológica
Teoria fundamentada
ÁREA DE PESQUISA
Comportamento observado ao longo
do tempo no contexto natural
Comportamento conforme
influenciado pelo ambiente
Etnometodologia
Processos sociais, psicológicos e
estruturais em um ambiente social
Modo pelo qual se alcança um
acordo compartilhado em
ambientes sociais
Análise do discurso
Formas e regras de conversação
Comportamento, Análise histórica
eventos e
condições
passadas
Descrição e interpretação de eventos
históricos
294
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
se particular nas regras semânticas e nos conteúdos compartilhados que modelam
o comportamento. Os antropólogos cognitivos pressupõem que o conhecimento
cultural do grupo está refletido em sua linguagem.
A fenomenologia tem suas raízes disciplinares na filosofia. Conforme observado no Capítulo 3, ela aborda o significado das experiências vividas pelos seres
humanos. Uma tradição de pesquisa proximamente relacionada é a hermenêuti‑
ca, que usa experiências vividas como ferramenta para melhor compreender os
contextos social, cultural, político ou histórico em que ocorrem. A pesquisa hermenêutica enfatiza o significado e a interpretação – como os indivíduos interpretam
o mundo dentro de dado contexto.
A disciplina da psicologia tem várias tradições da pesquisa qualitativa com
foco no comportamento. A etologia humana, que tem sido descrita como a biologia
do comportamento humano, estuda o comportamento como se apresenta em seu
contexto natural. Os etólogos humanos usam principalmente métodos de observação, na tentativa de descobrir estruturas de comportamento universais.
Exemplo de estudo etológico
Spiers (2006) usou os métodos da etologia para estudar as interações relacionadas com a
dor entre os pacientes e os enfermeiros que faziam atendimento domiciliar. Spiers analisou
micropadrões de comunicação gravada em vídeo nas casas dos pacientes em várias visitas dos
enfermeiros.
A psicologia ecológica aborda de forma mais específica a influência do ambiente sobre o comportamento humano e tenta identificar princípios para explicar
a interdependência entre as pessoas e seu contexto ambiental. A partir de um
contexto ecológico, estas são afetadas por (e afetam) um conjunto de sistemas de
várias camadas, incluindo a família, os colegas e os vizinhos, e também os efeitos
mais indiretos dos sistemas dos serviços sociais e de saúde e a crença cultural mais
ampla e os sistemas de valores da sociedade em que os indivíduos vivem.
Exemplo de estudo ecológico
Robertson e colaboradores (2007) usaram uma estrutura ecológica para estudar as experi‑
ências de trabalhadores latinos da construção civil com o barulho e a proteção aos órgãos da
audição. Foram examinadas as percepções de risco desses trabalhadores em relação a fatores
ambientais e pessoais.
Os sociólogos estudam o mundo social e desenvolvem várias tradições de
pesquisa importantes para os pesquisadores qualitativos. A tradição da teoria fun‑
damentada (explicada mais adiante neste capítulo) busca descrever e compreender processos estruturais e sociopsicológicos­‑chave em ambientes sociais.
A etnometodologia visa a descobrir como as pessoas dão sentido a suas atividades diárias e interpretam seus mundos sociais de modo a se comportarem de
maneiras socialmente aceitáveis. Nessa tradição, os pesquisadores tentam com­
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
295
preender normas e suposições de determinado grupo social que estão tão profundamente enraizadas a ponto de seus membros já não precisarem mais pensar
sobre as razões subjacentes de seus comportamentos.
Exemplo de estudo etnometodológico
O estudo etnometodológico de Lloyd (2007) explorou a prática de 10 enfermeiros da área
de saúde mental que trabalhavam em uma instituição de casos graves. Solicitou­‑se que os
enfermeiros discutissem os métodos de capacitação considerados garantidos e usados sem
questionamento com clientes, suas famílias e colegas.
O domínio da pesquisa dos sociolinguistas é a comunicação humana. A aná‑
lise do discurso (às vezes chamada de análise da conversação) busca compreender
as regras, os mecanismos e a estrutura das conversas. Os analistas do discurso
estão interessados em compreender a ação “desempenhada” por determinado tipo
de conversa, tipicamente os dados transcritos de diálogos que ocorrem naturalmente, como aquelas entre enfermeiros e pacientes. Na análise do discurso, os
textos são situados em seus contextos social, cultural, político e histórico.
Exemplo de análise do discurso
Hayter (2007) analisou o discurso entre enfermeiros e mulheres durante consultas de contra‑
cepção em clínicas ginecológicas.
Por fim, a pesquisa histórica – coleta sistemática e avaliação crítica de dados
relativos a ocorrências passadas – também é uma tradição que se baseia, principalmente, em dados qualitativos. Os enfermeiros têm usado os métodos da pesquisa
histórica para examinar uma ampla variedade de fenômenos tanto do passado
recente quanto do mais distante.
Exemplo de pesquisa histórica
Manocchio (2008) realizou uma análise social e histórica da enfermagem no ambiente de fron‑
teira culturalmente diverso da Califórnia de meados de 1900. O autor concluiu que relatos de
fonte primária tendiam a dar atenção secundária aos múltiplos papéis que as parteiras desem‑
penhavam nas comunidades em que atuavam.
DICA
Às vezes, o relatório de pesquisa indica que mais de uma tradição forneceu a estrutura para
a investigação qualitativa (p. ex., um estudo fenomenológico em que foi usado o método da
teoria fundamentada). No entanto, essa “mescla de métodos” tem sido criticada, pois cada
tradição possui suas próprias suposições intelectuais e prescrições metodológicas.
296
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Etnografia
A etnografia é um tipo de pesquisa qualitativa que envolve a descrição e a interpretação de uma cultura e de um comportamento cultural. A cultura refere­‑se
ao modo como um grupo de pessoas vive – os padrões da atividade humana e as
estruturas simbólicas (p. ex., valores e normas) que dão sentido a essa atividade.
As etnografias são uma mistura de processo e produto, trabalho de campo e texto
escrito. O trabalho de campo é o processo pelo qual o etnógrafo inevitavelmente
passa a compreender a cultura; o texto etnográfico é o modo como a cultura é
comunicada e retratada. Uma vez que a cultura, por si mesma, não é visível nem
tangível, precisa ser construída por meio da escrita etnográfica. Infere­‑se a cultura
a partir dos mundos, das ações e das produções dos membros de um grupo.
A pesquisa etnográfica, em alguns casos, preocupa­‑se com culturas amplamente definidas (p. ex., a cultura dos maoris da Nova Zelândia); essa área, às
vezes, é chamada de macroetnografia. No entanto, os etnógrafos algumas vezes
focam culturas definidas de modo mais restrito e trabalham na microetnografia ou
na etnografia focada. As etnografias focadas são estudos exaustivos e densos sobre
pequenas unidades de um grupo ou cultura (p. ex., a cultura de uma unidade de
atendimento intensivo). Uma suposição subjacente do etnógrafo é que todo grupo
humano, no final, desenvolve uma cultura que orienta a visão de mundo de seus
membros e o modo como estruturam suas experiências.
Exemplo de etnografia focada
Johansson e colaboradores (2007) usaram uma abordagem etnográfica focada para descrever
encontros entre pacientes com transtornos do humor e da alimentação internados em uma
ala psiquiátrica.
Os etnógrafos buscam aprender com (e não estudar os) membros de um grupo cultural, a fim de compreender sua visão de mundo. Os pesquisadores etnográficos, eventualmente, referem­‑se a perspectivas “êmicas” e “éticas”. A perspectiva
êmica aborda o modo como os membros da cultura consideram o próprio mundo
– trata­‑se da visão de quem está dentro desse mundo. Ela inclui a linguagem local,
os conceitos ou os meios de expressão usados pelos membros do grupo estudado
para nomear e caracterizar suas experiências. A perspectiva ética, por sua vez, é
a interpretação de alguém de fora a respeito das experiências dessa cultura – as
palavras e os conceitos que esse alguém usa para se referir aos mesmos fenômenos. Os etnógrafos esforçam­‑se para adquirir uma perspectiva êmica da cultura
estudada. Além disso, buscam revelar o que tem sido chamado de conhecimento
tácito, informações sobre a cultura que estão tão profundamente enraizadas nas
experiências culturais a ponto de os integrantes não falarem mais a respeito delas
ou, às vezes, nem têm consciência da sua existência.
Três tipos amplos de informação costuma ser buscados pelos etnógrafos: o
comportamento cultural (o que os membros da cultura fazem), os artefatos culturais
(o que os membros da cultura produzem e usam) e o discurso cultural (o que as pessoas dizem). Isso indica que os etnógrafos confiam em uma ampla variedade de fontes de dados, inclusive observações, entrevistas detalhadas, registros e outros tipos
de dados físicos (p. ex., fotografias, diários). Tipicamente, os etnógrafos usam uma
estratégia conhecida como observação participativa, ou seja, o exame da cultura
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
297
estudada enquanto participam de suas atividades. Eles observam as pessoas dia após
dia, em seus ambientes naturais, para examinar o comportamento em um amplo
conjunto de circunstâncias. Outrossim, recrutam informantes­‑chave que auxiliam
na compreensão e interpretação dos eventos e atividades observados.
Em geral, a pesquisa etnográfica é uma tarefa que inclui trabalho intenso
e prazos longos – podem ser necessários meses e até anos de trabalho de campo
para se aprender algo sobre o grupo cultural estudado. O estudo de uma cultura
exige certo nível de intimidade com os membros do grupo cultural, e essa intimidade só pode ser desenvolvida ao longo do tempo e por meio do trabalho direto
com esses membros como participantes ativos.
O produto da pesquisa etnográfica costuma ser uma descrição rica e holística da
cultura estudada. Os etnógrafos também interpretam a cultura, descrevendo o comportamento normativo e os padrões sociais. Para os pesquisadores da área de saúde, a
etnografia permite o acesso a crenças e práticas de saúde de determinada cultura ou
subcultura. A pesquisa etnográfica, portanto, pode ajudar a facilitar a compreensão de
comportamentos que afetam a saúde e a doença. Leininger até cunhou a expressão
pesquisa de etnoenfermagem e definiu­‑a como “o estudo e a análise de pontos de
vista, crenças e práticas locais ou estrangeiras sobre o comportamento no atendimento
e os processos de enfermagem em determinadas culturas” (1985, p. 38).
Exemplo de estudo de etnoenfermagem
Martin e colaboradores (2007) exploraram a cultura de três unidades de saúde mental de
tratamento terciário enquanto a equipe implantava uma nova intervenção, o Modelo da Alta
de Transição. O modelo de etnoenfermagem de Leininger e a teoria do atendimento cultural
foram usados como estrutura para a pesquisa. As descobertas revelaram que a equipe clínica
enfrentou numerosos desafios, incluindo aqueles que envolvem relações com outros, valores
e crenças de clientes e processos de atendimento.
Os etnógrafos com frequência, mas nem sempre, são “estrangeiros” em relação à cultura estudada. Um tipo de etnografia que envolve o autoexame (incluindo
exame de grupos ou culturas aos quais os próprios pesquisadores pertencem) comumente é chamado de autoetnografia, mas outros termos, como pesquisa do interno
ou pesquisa dos pares, também têm sido usados. A autoetnografia possui numerosas
vantagens, e as mais óbvias são a facilidade de acesso, a facilidade de recrutamento
e a capacidade de obter dados particularmente sinceros e profundos, com base em
uma confiança preestabelecida. A desvantagem é que um “interno” pode ter desenvolvido desvios a respeito de certos temas ou pode estar tão enraizado na cultura
a ponto de deixar que dados valiosos não sejam percebidos. A pesquisa do interno
demanda que os pesquisadores mantenham um elevado nível de consciência sobre o
próprio papel e monitorem o estado interno e as interações com os outros.
Exemplo de autoetnografia
Schneider (2005) descreveu uma autoetnografia que explorou como as mães de adultos com
esquizofrenia falavam a respeito de seus filhos. A própria pesquisadora era mãe de uma pessoa
esquizofrênica.
298
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Fenomenologia
A fenomenologia, originária da tradição filosófica desenvolvida por Husserl e Heidegger, é uma abordagem para explorar e compreender as experiências de vida
cotidianas das pessoas.
Os pesquisadores fenomenológicos questionam: “Qual a essência desse fenômeno como experimentado por essas pessoas e o que ele significa?”. Os fenomenologistas pressupõem a existência de uma essência – uma estrutura essencial
invariável – que pode ser compreendida, mais ou menos do mesmo modo como
os etnógrafos pressupõem a existência de uma cultura. A essência é que faz um
fenômeno ser o que é, e, sem ela, o fenômeno não seria o que é. Os fenomenologistas investigam fenômenos subjetivos na crença de que verdades críticas sobre a
realidade se fundamentam nas experiências de vida das pessoas. A abordagem fenomenológica é especialmente útil quando um fenômeno se encontra mal definido
ou conceituado. Os tópicos próprios da fenomenologia são aqueles fundamentais
para as experiências de vida dos seres humanos. Para pesquisadores da área de
saúde, incluem o significado do sofrimento, a experiência da violência doméstica
e a qualidade de vida com dor crônica.
Os fenomenologistas acreditam que a experiência vivida dá significado à
percepção que cada pessoa tem de determinado fenômeno. O objetivo da investigação fenomenológica é compreender inteiramente a experiência vivida e as
percepções que ela gera. Quatro aspectos que interessam aos fenomenologistas
são: espaço vivido ou espacialidade; corpo vivido ou corporalidade; tempo vivido
ou temporalidade; e relação humana vivida ou relacionamento.
A existência humana é considerada significativa e interessante por causa da
consciência que as pessoas têm de sua própria existência. A expressão estar no
mundo (ou personificação) é um conceito que reconhece as ligações físicas das
pessoas com seu mundo – as pessoas pensam, veem, ouvem, sentem e têm consciência por meio de interações de seus corpos com o mundo.
Nos estudos fenomenológicos, tipicamente, a principal fonte de dados são
conversas detalhadas, em que pesquisadores e informantes são coparticipantes.
Os primeiros, sem conduzir a discussão, ajudam os últimos a descreverem experiências de vida. Por meio dessas conversas, os pesquisadores buscam ter acesso ao
mundo dos informantes para ter acesso a suas experiências do modo como foram
vividas. Em geral, os estudos fenomenológicos envolvem um pequeno número de
participantes – com frequência 10 ou menos. Para alguns pesquisadores fenomenológicos, a pesquisa inclui não apenas reunir informações dos informantes, mas
também se esforçar para experimentar o fenômeno do mesmo modo, tipicamente
por meio de participação, observação e reflexão introspectiva. Os fenomenologistas compartilham suas reflexões e conclusões em relatórios vívidos e ricos. O texto
fenomenológico que descreve os resultados de um estudo pode ajudar os leitores a
“ver” algo de modo diferente, que enriquece a compreensão das experiências.
Há uma série de variantes e interpretações metodológicas da fenomenologia. As duas principais escolas de pensamento são a descritiva e a interpretativa
(hermenêutica).
Fenomenologia descritiva
A fenomenologia descritiva foi desenvolvida primeiro por Husserl, interessado
principalmente na questão: O que sabemos como pessoas? Sua filosofia enfatizava
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
299
descrições da experiência humana. Os fenomenologistas descritivos insistiam no
retrato cuidadoso da experiência consciente comum da vida cotidiana – a descrição das “coisas” como as pessoas as experimentam. Essas “coisas” incluem ouvir,
ver, acreditar, sentir, lembrar, decidir e avaliar.
Os estudos de fenomenologia descritiva com frequência envolvem os quatro
passos seguintes: suspender, intuir, analisar e descrever. A suspensão refere­‑se
ao processo de identificar e manter suspensas crenças e opiniões preconcebidas
sobre o fenômeno estudado. Mesmo não sendo possível fazer isso completamente,
os pesquisadores esforçam­‑se para suspender qualquer pressuposição, buscando
confrontar os dados em sua forma pura. A suspensão é um processo iterativo,
que envolve preparar, avaliar e fornecer feedback sistemático e contínuo sobre sua
eficácia. Em seguida, os pesquisadores fenomenológicos (assim como outros pesquisadores qualitativos) costumam manter um diário reflexivo de seus esforços
para concretizar a suspensão.
A intuição, segundo passo da fenomenologia descritiva, ocorre quando os pesquisadores permanecem abertos a significados atribuídos ao fenômeno por quem o
experimentou. Os pesquisadores fenomenológicos prosseguem, então, passando à
fase de análise (i.e., extrair declarações significativas, categorizar e dar sentido aos
significados essenciais do fenômeno). O Capítulo 17 fornece mais informações sobre
a análise dos dados coletados em estudos fenomenológicos. Por fim, a fase descritiva
ocorre quando os pesquisadores compreendem e definem o fenômeno.
Exemplo de estudo fenomenológico descritivo
Porter (2007) usou os métodos fenomenológicos descritivos para descrever as experiências co‑
tidianas de mulheres idosas frágeis e os problemas enfrentados por elas ao preparar a comida.
Fenomenologia interpretativa
Heidegger, aluno de Husserl, passou da filosofia do seu professor para a fenome‑
nologia interpretativa, ou hermenêutica. Para Heidegger, a questão crítica é:
“O que é ser?”. Ele enfatizou a interpretação e a compreensão – e não somente a
descrição – da experiência humana. Sua premissa consiste em que a experiência
vivida é, inerentemente, um processo interpretativo. Heidegger afirmava que a
hermenêutica (“compreensão”) é a característica básica da existência humana. De
fato, o termo hermenêutica refere­‑se à arte e à filosofia de interpretar o significado
de um objeto (p. ex., texto, obra de arte, etc.). Os objetivos da pesquisa fenomenológica interpretativa são entrar em outro mundo e descobrir a sabedoria, as
possibilidades e as compreensões encontradas ali.
Gadamer, outro fenomenologista interpretativo influente, descreveu o processo interpretativo como uma relação circular chamada de círculo hermenêuti‑
co, em que a pessoa compreende o todo de um texto (p. ex., uma entrevista transcrita) em termos das suas partes e compreende as partes em termos do todo. Nessa
visão, os pesquisadores estabelecem um diálogo com o texto, em que questionam
continuamente seu significado.
No estudo fenomenológico interpretativo, não ocorre suspensão. Para Hei­
degger, não é possível suspender seu ser­‑no­‑mundo. A hermenêutica pressupõe
uma compreensão prévia da parte do pesquisador. Idealmente, os fenomenologistas interpretativos tratam cada texto de entrevista de modo aberto – eles devem
estar dispostos a ouvir o que o texto está dizendo.
300
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Os fenomenologistas interpretativos, assim como os descritivos, confiam
principalmente em entrevistas detalhadas com os indivíduos que experimentam o
fenômeno estudado, mas vão além da abordagem tradicional ao reunir e analisar
dados. Algumas vezes, por exemplo, incrementam a compreensão do fenômeno
por meio da análise de textos suplementares, como romances, poesias ou outras
expressões artísticas – ou usam esses materiais nas conversas com os partici­
pantes.
Exemplo de estudo fenomenológico interpretativo
Frid e colaboradores (2007) usaram a abordagem hermenêutica para explorar o uso da for‑
mação de imagens por parentes próximos para descrever a experiência de enfrentar a morte
cerebral de uma pessoa amada.
DICA: COMO DISTINGUIR
Como dizer se um estudo fenomenológico é descritivo ou interpretativo? Os fenomenologistas com
frequência usam termos­‑chave em seus relatórios que ajudam a determinar o tipo da pesquisa.
Em estudos descritivos, esses termos podem ser suspensão, descrição, essência, Husserl e redução
fenomenológica. Na seção de métodos, podem ser encontrados os nomes de Colaizzi, Van Kaam
e Giorgi. Em estudos interpretativos, os termos­‑chave podem incluir ser­‑no­‑mundo, interpretações
compartilhadas, hermenêutica, compreensão e Heidegger. Na seção de métodos, podem ser en‑
contrados os nomes de Van Manen e Diekelmann. Esses nomes serão discutidos no capítulo sobre
a análise de dados qualitativos.
Teoria fundamentada
A teoria fundamentada tornou­‑se um importante método de pesquisa para enfermeiros pesquisadores e tem contribuído para o desenvolvimento de muitas teorias
de médio alcance sobre fenômenos relevantes para os enfermeiros. Ela foi desenvolvida na década de 1960 por dois sociólogos, Glaser e Strauss (1967), cujas
raízes teóricas encontram­‑se na interação simbólica, que foca o modo como as
pessoas dão sentido às interações sociais e às interpretações que elas atribuem aos
símbolos sociais (p. ex., a linguagem).
Na teoria fundamentada, busca­‑se considerar as ações das pessoas a partir
da perspectiva dos envolvidos. Para compreender essas ações, os pesquisadores da
teoria fundamentada primeiro descobrem qual a principal preocupação ou problema e, depois, qual o comportamento dos indivíduos destinado a solucioná­‑la.
A maneira como as pessoas solucionam essa questão preocupante é chamada de
variável central. Um dos tipos de variável central foi denominado processo so‑
cial básico (PSB). O objetivo da teoria fundamentada é descobrir a preocupação
principal e o processo social básico que explica como as pessoas solucionam essa
preocupação. O problema ou preocupação básica tem de ser descoberto a partir
dos dados. Os pesquisadores da teoria fundamentada geram categorias conceituais emergentes e suas propriedades e integram­‑nas em uma teoria substantiva,
fundamentada nos dados.
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
301
Métodos da teoria fundamentada
Os métodos da teoria fundamentada constituem uma abordagem integral de condução da pesquisa de campo. Por exemplo, um estudo que realmente siga os preceitos de Glaser e Strauss não tem início com um problema de pesquisa altamente
focado; o problema emerge a partir dos dados. Na teoria fundamentada, tanto o
problema quanto o processo de pesquisa usado para solucioná­‑lo são descobertos
durante o estudo. Um aspecto fundamental da pesquisa de teoria fundamentada
é que a coleta e a análise de dados e a formação de amostras de participantes
ocorrem simultaneamente. O processo é recursivo: os pesquisadores coletam dados, fazem sua categorização, descrevem o fenômeno central emergente e, depois,
reciclam as etapas anteriores.
Um procedimento chamado de comparação constante é usado para desenvolver e refinar conceitos e categorias teoricamente relevantes. As categorias reveladas a partir dos dados são constantemente comparadas com os dados obtidos
anteriormente, no processo de coleta de dados, de modo que se torna possível a
determinação de aspectos comuns e variações. À medida que a coleta de dados
avança, a investigação torna­‑se cada vez mais focada em preocupações teóricas
emergentes. A análise de dados dentro da estrutura da teoria fundamentada é
descrita com mais profundidade no Capítulo 17.
Entrevistas detalhadas e observação dos participantes são as fontes de dados
mais comuns em estudos de teoria fundamentada, mas documentos e outras fontes de dados também podem ser usados. Tipicamente, um estudo de teoria fundamentada envolve entrevistas com uma amostra de 20 a 40 informantes.
Exemplo de estudo de teoria fundamentada
Griffiths e Jasper (2008) usaram métodos da teoria fundamentada para explorar a habilidade
de enfermeiros militares em reconciliar a dicotomia entre seu papel de cuidador e sua existên‑
cia em uma organização associada com conflitos durante um período de guerra. A categoria
central identificada foi “cuidados para a guerra: transição para guerreiro”.
Visões alternativas da teoria fundamentada
Em 1990, Strauss e Corbin publicaram o que seria um livro controverso, Basics
of Qualitative Research: Grounded Theory Procedures and Techniques. O propósito
do livro era fornecer a pesquisadores iniciantes na teoria fundamentada o conhecimento e os procedimentos básicos envolvidos na construção de uma teoria em
nível substantivo.
Glaser, no entanto, discordou de alguns dos procedimentos defendidos por
Strauss (seu coautor original) e Corbin (enfermeiro pesquisador). Ele publicou
uma contestação, em 1992, Emergence Versus Forcing: Basics of Grounded Theory
Analysis. Glaser acreditava que Strauss e Corbin tinham desenvolvido um método
que não era teoria fundamentada, mas, sim, o que ele chamou de “descrição conceitual completa”. Segundo Glaser, o propósito da teoria fundamentada consiste
em gerar conceitos e teorias sobre as relações que explicam, elucidam e interpretam variações no comportamento na área substantiva estudada. A descrição con‑
ceitual, por sua vez, tem o objetivo de descrever uma faixa completa do comporta-
302
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
mento que está ocorrendo na área substantiva, “independentemente da relevância
e da explicação das variações no comportamento” (Glaser, 1992, p. 19).
Os enfermeiros pesquisadores têm realizado estudos de teoria fundamentada tanto com a abordagem original de Glaser e Strauss quanto com a de Strauss
e Corbin (1998).
OUTROS TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
Os estudos qualitativos com frequência podem ser caracterizados e descritos de
acordo com as tradições de pesquisas disciplinares discutidas na seção anterior.
Entretanto, vários outros tipos de pesquisa qualitativa importantes também merecem menção. Esta seção discute a pesquisa qualitativa não associada a uma
disciplina em particular.
Estudos de caso
Os estudos de caso são investigações detalhadas de uma única entidade ou de
um pequeno número de entidades. Entidade pode ser um indivíduo, família, instituição, comunidade ou outra unidade social. No estudo de caso, os pesquisadores
obtêm uma riqueza de informações descritivas e podem examinar relações entre
fenômenos diferentes ou tendências ao longo do tempo. Os pesquisadores de estudos de caso tentam analisar e compreender questões importantes para a história,
o desenvolvimento ou as circunstâncias da entidade estudada.
Um modo de pensar o estudo de caso é considerar o que está no centro das
atenções. Na maioria dos estudos, sejam qualitativos ou quantitativos, certos fenômenos ou variáveis são o centro da pesquisa. No estudo de caso, o ponto central
é o caso em si. O foco dos estudos de caso é, tipicamente, determinar por que um
indivíduo pensa, se comporta ou se desenvolve de uma maneira particular e não o
que seu estado, progresso ou ações são. Não é incomum que pesquisas de sondagem desse tipo exijam um estudo detalhado por considerável período. Com frequência, são coletados dados que relatam não apenas o estado presente da pessoa,
mas também as experiências passadas e os fatores situacionais relevantes para o
problema examinado.
Os estudos de caso são, às vezes, uma forma útili de explorar fenômenos que
nã foram rigorosamente estudados. As informações obtidas nesses estudos podem
ser usadas para desenvolver hipóteses a seres testadas com rigor em pesquisas
posteriores. A testagem consistente que caracteriza os estuso de caso muitas vezes
leva a insights sobre relações anteriormente não suspeitadas. Esse tipo de estudo
também pode ter o importante papel de tornar claros conceitos ou elucidar as
formas de obtê­‑los.
A grande vantagem dos estudos de caso é a profundidade que pode ser alcançada quando há um número limitado de indivíduos, instituições ou grupos
investigados. Os estudos de caso fornecem aos pesquisadores oportunidades de
adquirir um conhecimento íntimo da condição, dos sentimentos, das ações (passadas e presentes), das intenções e do ambiente da pessoa. Tal vantagem é também
uma potencial desvantagem, pois a familiaridade do pesquisador com a pessoa
ou o grupo pode tornar mais difícil a objetividade – em especial quando os dados
são coletados por técnicas de observação, nas quais os pesquisadores são os prin-
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
303
cipais (ou os únicos) observadores. Outra crítica aos estudos de caso refere­‑se ao
potencial de generalização: se os pesquisadores descobrem relações importantes,
fica difícil saber se as mesmas relações ocorreriam com outros. No entanto, esse
tipo de abordagem com frequência podem desempenhar um papel importante no
questionamento de generalizações baseadas em outros tipos de pesquisa.
Exemplo de estudo de caso
James e colaboradores (2007) realizaram um estudo de caso detalhado sobre uma família que
enfrentou a morte de um membro por câncer. Os dados foram coletados ao longo de 10 meses,
por meio de entrevistas, anotações diárias e conversas com todos da família.
DICA
Ainda que a maioria dos estudos de caso envolva a coleta de informações qualitativas detalha‑
das, alguns deles têm delineamentos quantitativos ou usam métodos estatísticos para analisar
os dados. Como exemplo, Normann e colaboradores (2005) fizeram um estudo de caso para
explorar a presença da lucidez em uma mulher com demência grave. Os dados de mais de 20
horas de conversa com essa mulher e sua filha foram analisados estatisticamente.
Análises narrativas
As análises narrativas abordam a história do objeto investigado para determinar como os indivíduos dão sentido a eventos em suas vidas. As narrativas são
consideradas como um tipo de “envelope cultural” em que as pessoas despejam
suas experiências e relatam sua importância para os outros. O que distingue a
análise narrativa de outros modelos da pesquisa qualitativa é o foco em contornos
amplos da exposição dos acontecimentos; as histórias não são fragmentadas nem
dissecadas. A premissa ampla subjacente à pesquisa narrativa consiste em que as
pessoas dão sentido ao próprio mundo de modo mais eficaz – e comunicam esses
significados – quando constroem, reconstroem e narram histórias. Os indivíduos
constroem suas histórias quando desejam compreender eventos e situações específicos que exigem uma ligação entre um mundo interno de desejos e motivações
com um mundo externo de ações observáveis. A análise das histórias disponibiliza
formas de contar sobre experiências e consiste em mais do que um simples conteúdo. Os analistas narrativos perguntam: “Por que essa história foi contada desse
modo?” (Riessman, 1993, p. 2).
Há uma série de abordagens estruturais que os pesquisadores podem usar
para analisar histórias. Gee (1996), por exemplo, oferece uma abordagem linguística que avança das partes para o todo. Esse método utiliza mais a tradição
oral do que a baseada em textos e lida com o modo como a história é contada. Em
primeiro lugar, ele dá atenção a mudanças relacionadas com altura, sonoridade,
tonicidade e duração das várias sílabas, assim como hesitações e pausas. Além
disso, examina a coesão de cada sentença ou linha, o modo como esses elementos
formam unidades maiores (estâncias) e, finalmente, os temas.
O dramatismo pentaédrico de Burke (1969) é outra abordagem de análise narrativa. Para Burke, há cinco elementos­‑chave em uma história: ato, cena,
304
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
agente, agência e propósito. Os cinco termos do pentaedro de Burke pressupõem
uma compreensão em pares ou proporções, como ato:agente, agente:agência; e
propósito:agente. A análise enfatiza relações e tensões internas desses cinco termos entre si. Cada par de termos do pentaedro fornece um modo diferente de
orientação da atenção do pesquisador. O que conduz a análise narrativa não é
apenas a interação dos termos do pentaedro, mas algum desequilíbrio entre dois
ou mais desses termos.
Exemplo de análise narrativa pela abordagem de Burke
Beck (2006) usou uma análise narrativa para explorar o trauma do nascimento. Onze mães
enviaram suas histórias de nascimento traumático de filhos para Beck pela Internet. O pen‑
taedro de Burke foi usado para analisar essas narrativas. O desequilíbrio proporcional mais
problemático e proeminente ocorreu entre o ato e a agência. Frequentemente, nas narrativas
das mães era o “modo” como um ato tinha sido executado pela equipe responsável pelo parto
que levava as mulheres a perceberem o nascimento como traumático.
Estudos qualitativos descritivos
Muitos estudos qualitativos assumem alguma ligação com tradições ou tipos de pesquisa discutidos neste capítulo. Muitos outros estudos qualitativos, no entanto, não
propõem nenhuma raiz disciplinar nem metodológica. Às vezes, os pesquisadores
simplesmente indicam que realizaram um estudo qualitativo ou uma investigação
naturalista, ou uma análise de conteúdo dos dados qualitativos (i.e., uma análise de
temas e padrões que emergem no conteúdo narrativo). Portanto, alguns estudos
qualitativos não têm um nome formal nem se enquadram na tipologia apresentada
neste capítulo. Nós os denominamos estudos qualitativos descritivos.
Ao fazer estudos qualitativos descritivos, os pesquisadores tendem a não
imergir os dados em nenhuma profundidade interpretativa. Esses estudos apresentam resumos abrangentes do fenômeno ou eventos em linguagem cotidiana.
Os modelos descritivos qualitativos tendem a ser ecléticos e baseiam­‑se em premissas gerais da pesquisa naturalista.
Exemplo de estudo qualitativo descritivo
Um estudo qualitativo descritivo realizado por Zehle e colaboradores (2007) explorou a obe‑
sidade infantil por meio de percepções, crenças e comportamentos das mães. Foram realiza‑
das entrevistas detalhadas com 16 mães primíparas cujos filhos tinham menos de 3 anos de
idade, resultando na identificação de cinco temas.
PESQUISA COM PERSPECTIVAS IDEOLÓGICAS
Alguns pesquisadores qualitativos realizam pesquisas dentro de uma estrutura ideo­
lógica, em geral a fim de chamar a atenção para certos problemas sociais ou necessidades de determinados grupos e promover mudanças. Essas abordagens representam importantes rotas de investigação e são brevemente descritas nesta seção.
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
305
Teoria crítica
A teoria crítica originou­‑se com um grupo de acadêmicos alemães de orientação
marxista, na década de 1920. Coletivamente, esse grupo ficou conhecido como
a “Escola de Frankfurt”. Variantes da teoria crítica são abundantes nas ciências
sociais. Em essência, o pesquisador crítico preocupa­‑se em fazer uma crítica da
sociedade e divisar novas possibilidades.
A ciência social crítica tende a ser orientada para a ação. Seu objetivo amplo
é integrar teoria e prática, de modo que as pessoas tomem consciência de contradições e disparidades em suas crenças e práticas sociais e fiquem inspiradas a
mudá­‑las. Os pesquisadores críticos rejeitam a ideia de um investigador objetivo
e desinteressado e são orientados para um processo de transformação. A teoria
crítica pede investigações que estimulem o autoconhecimento esclarecido e a ação
sociopolítica. Além disso, envolve um aspecto autorreflexivo. Para evitar que a
teoria crítica da sociedade transforme­‑se em uma outra ideologia autoalimentada,
seus teóricos têm de se responsabilizar pelos próprios efeitos transformadores.
O projeto de pesquisa de teoria crítica começa com uma análise completa de
determinados aspectos do problema. Por exemplo, pesquisadores críticos podem
analisar e criticar as suposições tomadas como certas e subjacentes ao problema, a
linguagem usada para ocultar a situação e os desvios de pesquisadores anteriores
que investigaram a mesma condição. Os pesquisadores críticos costumam triangular várias metodologias e enfatizar várias perspectivas (p. ex., perspectivas alternativas de classe social ou raça). Tipicamente, interagem com os participantes do
estudo de modos que enfatizam a expertise dos participantes. Alguns dos aspectos
que distinguem a pesquisa qualitativa mais tradicional da pesquisa crítica estão
resumidos na Tabela 10.2.
Tabela 10.2
COMPARAÇÃO ENTRE A PESQUISA QUALITATIVA
TRADICIONAL E A PESQUISA CRÍTICA
TEMA
PESQUISA QUALITATIVA
TRADICIONAL
PESQUISA CRÍTICA
Objetivos da
pesquisa
Compreensão; reconstrução de
múltiplas construções
Crítica; transformação; aumento da
consciência; defesa
Visão do
conhecimento
Transacional/subjetivo; o
conhecimento é criado na
interação entre o pesquisador e
os participantes
Transacional/subjetivo; mediado
pelo valor e dependente do valor;
importância da compreensão histórica
Métodos
Dialéticos: a verdade surge em
conversas logicamente completas
Dialéticos e didáticos: o diálogo destina­
‑se a transformar a ingenuidade e as
informações erradas
Critérios de
avaliação da
qualidade da
pesquisa
Autenticidade; grau de
confiabilidade
Reconhecimento da situação histórica
da pesquisa; erosão da ignorância;
estímulo à mudança
Papel do
pesquisador
Facilitador da reconstrução de
múltiplas vozes
Agente transformador; defensor; ativista
306
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
A teoria crítica, aplicada em uma série de disciplinas, tem desempenhado papel especialmente importante na etnografia. A etnografia crítica aborda o aumento
da consciência e o apoio a objetivos de emancipação, na esperança de alcançar mudanças sociais. Os etnógrafos críticos tratam das dimensões histórica, social, política
e econômica das culturas e de suas agendas orientadas pelo valor. Uma das suposições da pesquisa etnográfica crítica consiste em que as ações e os pensamentos são
mediados por relações de poder. Seus pesquisadores tentam aumentar as dimensões
políticas da pesquisa cultural e minar sistemas opressivos – há sempre um propósito
político explícito. Cook (2005) afirma que a etnografia crítica serve em especial às
pesquisas de promoção da saúde, pois ambas estão preocupadas em fazer com que
as pessoas sejam capazes de controlar a própria situação.
Exemplo de etnografia crítica
Kalwinsky (2008) usou uma abordagem etnográfica crítica para estudar os modos como a
­comunidade dos chamorros (população sem direito a voto, residente no território Guam, Esta‑
dos Unidos) com HIV/AIDS interage e negocia com a equipe ocidental de serviços de saúde.
Pesquisa feminista
A pesquisa feminista é similar à pesquisa da teoria crítica, mas o foco volta­‑se completamente para a dominação e a discriminação por gênero nas sociedades patriarcais. Semelhantes aos pesquisadores críticos, os feministas buscam estabelecer relações de cooperação e não exploradoras com seus informantes, posicionar­‑se dentro
do estudo para evitar a objetificação e realizar uma pesquisa transformadora.
O gênero é o princípio organizador da pesquisa feminista, e os pesquisadores
buscam compreender como o sexo e a ordem social nele baseada têm modelado
a vida e a consciência das mulheres. O objetivo é facilitar a mudança de modos
relevantes para a extinção da posição social desigual destas.
A pesquisa feminista abrange desde estudos de visões subjetivas de mulheres
específicas até estudos de movimentos sociais, estruturas e políticas amplas que
afetam (e, com frequência, excluem) as mulheres. Olesen (2000), socióloga que
estudou os padrões e as definições de sucesso na carreira de enfermeiro, observou
que algumas das melhores pesquisas feministas sobre experiências subjetivas das
mulheres foram feitas na área da saúde da mulher.
Os métodos da pesquisa feminista incluem, tipicamente, entrevistas individuais detalhadas, interativas e colaborativas ou entrevistas em grupo que oferecem a possibilidade de encontros reciprocamente educativos. Comumente, os
pesquisadores feministas tentam negociar os significados dos resultados com os
participantes do estudo e buscam ser autorreflexivos sobre o que eles próprios
Exemplo de pesquisa feminista
Ismail e colaboradores (2007) usaram uma estrutura feminista para examinar a experiência
da violência marcada a partir da perspectiva de mulheres jovens, com o objetivo de investigar
como fatores contextuais modelam essas experiência e de explorar os modos como a violên‑
cia marcada é perpetuada e normalizada na vida dessas mulheres.
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
307
estão experimentando e aprendendo. A pesquisa feminista, assim como outros
estudos com perspectiva ideológica, tem elevado a base de realização de estudos
éticos. Com ênfase na verdade, na empatia e nas relações não exploradoras, os
proponentes desses novos modos de pesquisa consideram qualquer tipo de disfarce ou manipulação como detestável.
Pesquisa ação participativa
Uma forma de estudo conhecido como pesquisa ação participativa (PAP) está
estreitamente associado tanto a análises críticas quanto feministas. A PAP, um dos
vários tipos de pesquisa de ação, desenvolvida na década de 1940 pelo psicólogo
Kurt Lewin, baseia­‑se na constatação de que a produção de conhecimento pode
ser política e usada para exercer poder. Os pesquisadores dessa abordagem trabalham, tipicamente, com minorias ou comunidades vulneráveis ao controle ou à
opressão de um grupo ou cultura dominante.
A PAP implica, como o nome indica, participação. Há colaboração entre os
pesquisadores e os participantes do estudo na definição do problema, na seleção da
abordagem e dos métodos, na análise dos dados e na indicação do uso das descobertas. O objetivo da PAP é produzir não apenas conhecimento, mas também ação e aumento da consciência. Os pesquisadores buscam, especificamente, capacitar pessoas
por meio de um processo de construção e uso do conhecimento. A tradição da PAP
tem como ponto de partida a preocupação com a falta de poder do grupo estudado.
Portanto, um dos objetivos­‑chave é produzir um estímulo usado diretamente para
promover melhorias por meio da educação e da ação sociopolítica.
Na PAP, os métodos de pesquisa destinam­‑se a facilitar processos emergentes
de colaboração e diálogo que possam motivar, aumentar a autoestima e gerar solidariedade comunitária. Portanto, as estratégias de “coleta de dados” podem incluir
não apenas os métodos tradicionais de entrevista e observação (entre os quais estão abordagens qualitativas e quantitativas), mas também narração de histórias,
sociodrama, desenho, teatro e outras atividades destinadas a encorajar as pessoas
a encontrarem modos criativos de explorar suas vidas, contar suas histórias e reconhecer seus pontos fortes. Dentre os recursos úteis para se conhecer mais sobre
a PAP, estão as produções de Whyte (1990) e Morrison e Lilford (2001).
Exemplo de PAP
Etowa e colaboradores (2007) realizaram um projeto de PAP para investigar o estado de
saúde e o uso dos serviços de saúde entre mulheres afro­‑canadenses que vivem em regiões
rurais e remotas da Nova Scotia. Usando uma série de estratégias de coleta de dados, o pro‑
jeto resultou em geração de um banco de dados, ação comunitária e análise interdisciplinar de
iniquidades nos serviços de saúde.
CRÍTICA DE delineamentos DE PESQUISAS QUALITATIVAS
Com frequência, é difícil avaliar projetos qualitativos. Os pesquisadores nem
sempre documentam as decisões de elaboração do delineamento e são ainda
menos propensos a descrever o processo que levou à tomada dessas decisões.
308
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
No entanto, frequentemente, indicam se o estudo foi realizado de acordo com
alguma tradição qualitativa específica. Essa informação pode ser usada para tirar algumas conclusões sobre o modelo do estudo. Por exemplo, se um relatório
indica que o pesquisador realizou um mês de trabalho de campo para um estudo
etnográfico, então podemos inferir que o tempo gasto no campo foi insuficiente
para se obter uma verdadeira perspectiva êmica da cultura estudada. Os estudos
etnográficos também podem ser criticados quando sua única fonte de informação são entrevistas, e não uma variedade mais ampla, incluindo observações.
Em um estudo de teoria fundamentada, o leitor também pode avaliar se o
pesquisador confiou exclusivamente em dados de entrevistas; um modelo mais
vigoroso teria incluído observações dos participantes. Além disso, é preciso procurar por indícios de prazos e datas da coleta e análise de dados. Se o pesquisador
coletou todos os dados antes de analisá­‑los, então será possível questionar se o
método comparativo constante foi usado de forma correta.
Ao criticar um estudo fenomenológico, primeiro é preciso determinar o tipo
do estudo – descritivo ou interpretativo. Isso vai ajudar a avaliar até que ponto
o pesquisador manteve os princípios básicos da respectiva tradição de pesquisa
qualitativa. Em um estudo fenomenológico descritivo, por exemplo, o pesquisador
usou a suspensão? Ao criticar um estudo fenomenológico, além de avaliar a metodologia, deve­‑se observar, também, sua capacidade de apreender o significado
dos fenômenos estudados.
Seja qual for o modelo qualitativo identificado no estudo, o leitor deve observar se os pesquisadores mantiveram­‑se fiéis a uma única tradição qualitativa
durante todo o estudo ou se combinaram tradições. Por exemplo: os pesquisadores
declararam ter usado o modelo da teoria fundamentada, mas depois apresentaram
resultados que descreviam temas em vez de gerar uma teoria substantiva?
As orientações do Quadro 10.1 destinam­‑se a ajudar o leitor a criticar projetos de estudos qualitativos.
QUADRO 10.1
ORIENTAÇÕES PARA CRÍTICA
DE delineamentos QUALITATIVOS
1. Foi identificada a tradição de pesquisa desse estudo qualitativo? Se a resposta for não, pode­‑se inferir
alguma? Se foi identificada mais de uma, isso se justifica ou sugere uma “confusão de métodos”?
2. A questão de pesquisa é congruente com a abordagem qualitativa e com a tradição de pesquisa específica
(i.e., o domínio da investigação do estudo é congruente com o domínio que a tradição abrange)? As
fontes de dados, os métodos de pesquisa e a abordagem analítica são congruentes com a tradição de
pesquisa?
3.O delineamento de pesquisa está bem descrito? Suas decisões foram explicadas e justificadas? Parece
que o pesquisador tomou todas as decisões com antecedência ou o delineamento emergiu durante a
coleta de dados, permitindo a capitalização das informações prévias?
4.O delineamento é apropriado, considerando­‑se a questão de pesquisa? Permite um exame profundo e
intensivo do fenômeno estudado? Que elementos do delineamento poderiam ter fortalecido o estudo
(p. ex., uma perspectiva longitudinal em vez de uma transversal)?
5.Havia dados de reflexividade apropriados no delineamento?
6.O estudo foi realizado a partir de uma perspectiva ideológica? Em caso positivo, há indícios de que
métodos e objetivos ideológicos foram alcançados? (Por exemplo, há indício de integral colaboração
entre os pesquisadores e os participantes? A pesquisa tem força transformadora ou algo indica que
ocorreu um processo transformador?)
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
309
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO
Esta seção apresenta exemplos de tipos diferentes de estudos qualitativos. Leia estes resumos e,
depois, responda às questões de pensamento crítico, consultando a versão integral do relatório, se
for necessário.
EXEMPLO 1
Etnografia crítica
Estudo
Meio­‑termo: uma etnografia crítica sobre o conforto em asilos na Nova Zelândia (Bland, 2007).
Declaração do propósito
O propósito do estudo era explorar a natureza do conforto no contexto de casas de repouso na Nova
Zelândia e examinar como as ações dos enfermeiros contribuíam para o conforto dos residentes.
Local e contexto
A pesquisa foi realizada em três casas de repouso, cuja capacidade variava de 20 a 70 residentes.
Duas delas eram administradas por organizações sem fins lucrativos e forneciam três níveis de
atendimento. A terceira era particular e oferecia apenas o nível intermediário. Bland constatou que
as casas de repouso da Nova Zelândia têm sido submetidas cada vez mais a auditorias feitas por
órgãos de financiamento ou licenciamento, por meio de uma série de indicadores avaliativos. Como
diretor de uma casa de repouso, questionou a relevância de alguns indicadores e se o objetivo do
atendimento primário – o conforto dos residentes – estava sendo alcançado.
Método
O trabalho de campo desse estudo durou mais de 18 meses. Bland realizou e gravou 70 entrevistas
com 27 residentes de casas de repouso e 28 funcionários da equipe de atendimento, dos quais três
diretores, 12 outros enfermeiros pesquisadores e 13 outros tipos de funcionários. Os residentes,
cuja maioria morava na respectiva casa de repouso há pelo menos um ano, foram entrevistados na
privacidade de seus quartos. As perguntas incluíam pedidos para que recontassem suas experiências
de viver na casa de repouso e comparassem suas vidas atuais com aquela anterior à admissão. As
entrevistas com os funcionários abordaram suas percepções em relação à vida na casa de repouso
a partir da perspectiva dos residentes. As entrevistas foram suplementadas com observações
extensivas sobre a vida nas casas estudadas. Inicialmente, direcionou­‑se a atenção para observações
da vida diária, e Bland participou de atividades organizadas para os residentes. À medida que o
estudo avançava, adotaram­‑se observações mais focadas e selecionadas para ajudar a compreender
as práticas de atendimento e os princípios racionais em que se baseavam. Por exemplo, um interesse
emergente pela comunicação entre a equipe levou Bland a enfatizar observações sobre os atendentes
no final de turno. Bland também examinou extensivamente os documentos das casas de repouso,
inclusive anotações médicas e de enfermagem, registros de medicações, comunicações entre os
funcionários e manuais de política interna. Na análise, Bland concentrou­‑se nas “fronteiras culturais
interseccionais” (p. 939) que justapunham os diferentes mundos de administradores, funcionários da
equipe de enfermagem e residentes.
Achados
A análise sugeriu que conforto nessas casas de repouso era um fenômeno multidimensional,
idiossincrático e dependente do contexto – e não simplesmente a ausência de desconforto. Ainda
que a maioria dos residentes não tenha conseguido encontrar palavras para definir o que conforto
significava para eles, cinco dimensões­‑chave do conforto estavam evidentes em suas narrativas:
conforto físico, disponibilidade dos serviços, relações com a equipe, continuidade da posição de
(continua)
310
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE pensamento CRÍTICo (continuação)
membro de uma família e autoconforto. Os residentes podiam ter um conforto “meio­‑termo”
e desconforto simultaneamente; por causa da natureza multidimensional do conforto, podiam
estar confortáveis em uma dimensão, mas desconfortáveis em outras. A equipe de enfermagem
também vivia uma situação “meio­‑termo”, pois tentavam equilibrar a obediência aos regulamentos
e os imperativos profissionais. Bland concluiu que “a equipe profissional dessas casas de repouso
precisava reexaminar as práticas de atendimento para garantir que não tirassem o poder das mãos
dos residentes” (p. 937).
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER o pensamento CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 10.1 relevantes para este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
compreender o estudo:
a)Este é um exemplo de autoetnografia? Em caso positivo, que desafios o pesquisador deve ter
enfrentado – e quais as possíveis vantagens?
b)Este estudo é uma macroetnografia ou uma microetnografia?
c)Este estudo poderia ter sido feito no modelo fenomenológico? Como teoria fundamentada?
Por quê?
3Se os resultados deste estudo forem confiáveis, quais os possíveis usos dos achados na prática
clínica?
EXEMPLO 2
Estudo de teoria fundamentada
Estudo
As relações e seu potencial de mudança desenvolvido em casos de diabete tipo 1 complicados
(Zoffman e Kirkevold, 2007).
Declaração do propósito
O propósito do estudo era desenvolver uma teoria substantiva para interpretar o modo como as
relações entre pacientes e enfermeiros podem mudar a solução de problemas no atendimento a
casos de diabete complicados.
Método
Foram convidados a participar pacientes diabéticos adultos e enfermeiros de uma clínica­‑dia ou com
internação, no Danish University Hospital. Aceitavam­‑se os pacientes com diabete há pelo menos um
ano e que tinham sido admitidos na clínica por causa de um controle glicêmico inadequado. Todos os
enfermeiros tinham pelo menos um ano de experiência em unidades especializadas em diabéticos. Ao
todo, havia díades de 11 pacientes e oito enfermeiros. Foram gravadas duas conversas enfermeiro­
(continua)
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
311
‑paciente de cada díade, no início e no final da permanência do paciente no hospital. Cada enfermeiro
também gravou uma conversa com um médico, um nutricionista ou outro enfermeiro que considerou
importante para a avaliação do paciente. Após ouvir as três conversas, os pesquisadores entrevistaram
os pacientes que tiveram alta e os enfermeiros. Por fim, cada paciente foi entrevistado seis meses
depois para discutir como tinha avaliado o resultado da hospitalização. Foi usada a comparação
constante na análise dos dados.
Achados
Os pesquisadores descobriram que a categoria central era: potencial relacional de mudança, que
abrangia três tipos de relações paciente­‑provedor. A maioria dos profissionais variou entre relações
menos eficazes, caracterizadas por “dominação do provedor eu­‑você­‑distante” e “simpatia eu­‑você­
‑indistinta”. Uma terceira relação – “mutualidade eu­‑você­‑classificada” – foi observada raramente,
porém se mostrou mais eficaz do que outras na exploração do potencial relacional de mudança.
Os três tipos de relação diferiram em termos de abrangência da solução de problemas, papéis
desempenhados pelos pacientes e pelos profissionais, uso dos diferentes pontos de vista e qualidade
do conhecimento alcançado como base para a solução de problemas e tomada de decisões.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 10.1 relevantes para este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
compreender o estudo:
a)Este estudo é transversal ou longitudinal?
b) Comente o tema da causalidade no contexto deste estudo.
c)Este estudo poderia ter sido realizado como uma etnografia? Como investigação
fenomenológica? Poderia ter sido usada uma estrutura crítica ou de ação?
3Se os resultados deste estudo forem confiáveis, quais os possíveis usos dos achados na prática
clínica?
EXEMPLO 3
Estudo fenomenológico no Apêndice B
1Leia a seção do método do estudo de Beck (“Aniversário do trauma de nascimento”, 2006) no
Apêndice B deste livro, e, depois, responda às questões relevantes do Quadro 10.1.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
avaliar os aspectos do mérito do estudo:
a)O estudo foi uma fenomenologia descritiva ou interpretativa?
b)O estudo poderia ter sido feito como pesquisa de teoria fundamentada? Como etnografia?
Por quê?
c)O estudo poderia ter sido feito como investigação feminista? Em caso positivo, o que Beck
teria de mudar?
312
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
REVISÃO DO CAPÍTULO
Nesta seção, são apresentados os termos­‑chave novos deste capítulo, além de um
resumo dos pontos principais.
Novos termos­‑chave
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Análise narrativa
Autoetnografia
Comparação constante
Estudo de caso
Etnografia crítica
Fenomenologia descritiva
Fenomenologia interpretativa
Hermenêutica
Modelo emergente
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Observação participativa
Pesquisa ação participativa (PAP)
Pesquisa de etnoenfermagem
Pesquisa feminista
Processo social básico (PSB)
Suspensão
Teoria crítica
Variável central
Tópicos resumidos
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A pesquisa qualitativa envolve um modelo emergente – que se manifesta no
campo, à medida que o estudo se desenvolve.
Como artistas da bricolagem, os pesquisadores qualitativos tendem a ser criativos e intuitivos, reunindo uma série de dados coletados de muitas fontes para
chegar a uma compreensão holística do fenômeno.
Ainda que o projeto qualitativo seja elástico e flexível, os pesquisadores qualitativos preveem contingências amplas, que possivelmente exigirão decisões no
campo em relação ao modelo de estudo.
As tradições da pesquisa qualitativa têm suas raízes na antropologia (p. ex.,
etnografia e etnociência); filosofia (fenomenologia e hermenêutica); psicologia (etologia e psicologia ecológica); sociologia (teoria fundamentada e
etnometodologia); sociolinguística (análise do discurso); e história (pesquisa
histórica).
A etnografia enfatiza a cultura de um grupo de pessoas e baseia­‑se em um extensivo trabalho de campo, que, comumente, inclui a observação participante e
entrevistas detalhadas com informantes­‑chave. Os etnógrafos esforçam­‑se para
adquirir uma perspectiva êmica (interna) da cultura em vez de uma perspectiva
ética (externa).
O conceito de pesquisador como instrumento frequentemente é usado por
etnógrafos para descrever o papel significativo do pesquisador na análise e na
interpretação da cultura. O produto da pesquisa etnográfica é, tipicamente, uma
descrição rica e holística da cultura.
Os enfermeiros às vezes referem­‑se a seus estudos etnográficos como pesquisa de
etnoenfermagem. As autoetnografias, ou pesquisa do interno, são etnografias
de um grupo ou cultura ao qual o pesquisador pertence.
CAPÍTULO 10
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Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
313
A fenomenologia busca descobrir a essência e o significado do fenômeno como
experimentado por pessoas, sobretudo em entrevistas detalhadas com pessoas
que tiveram a experiência relevante.
Na fenomenologia descritiva, que busca descrever experiências vividas, os
pesquisadores buscam a suspensão de visões preconcebidas e a intuição da
essência do fenômeno, permanecendo abertos a significados que lhe são atribuídos por quem já o experimentou.
A fenomenologia interpretativa (hermenêutica) aborda a interpretação do
significado das experiências, em vez de apenas descrevê­‑las.
A teoria fundamentada busca descobrir preceitos teóricos fundamentados em
dados. Seus pesquisadores tentam considerar as ações das pessoas, enfatizando
o problema principal que o comportamento do indivíduo se destina a resolver.
A forma como as pessoas resolvem aquilo que as preocupa é a variável central.
O objetivo da teoria fundamentada consiste em descobrir essa preocupação
principal e o processo social básico (PSB) que explica como as pessoas a solucionam.
A teoria fundamentada usa a comparação constante: categorias reveladas a
partir dos dados são comparadas com os dados obtidos anteriormente.
Uma das principais controvérsias entre pesquisadores da teoria fundamentada
refere­‑se à decisão de usar os procedimentos originais de Glaser e Strauss ou
os procedimentos adaptados de Strauss e Corbin. Glaser argumenta que essa
última abordagem não resulta em teorias fundamentadas, mas em descrições
conceituais.
Os estudos de caso são investigações intensivas de uma entidade única ou de
pequeno número de entidades, como indivíduos, grupos, famílias ou comunidades;
esses estudos geralmente envolvem coleta de dados durante um período longo.
A análise narrativa aborda uma história em estudos cujo propósito é determinar como os indivíduos dão sentido a eventos de suas vidas. Várias abordagens
estruturais diferentes podem ser usadas para analisar dados narrativos (p. ex.,
o dramatismo pentaédrico de Burke).
Os estudos qualitativos descritivos não têm uma denominação formal, nem se
encontram inseridos em uma tradição disciplinar. Eles podem ser considerados
simplesmente como estudos qualitativos, investigações naturalistas ou análises
de conteúdo qualitativo.
A pesquisa eventualmente é realizada sob uma perspectiva ideológica; esse tipo
de pesquisa tende a basear­‑se, sobretudo, em estudos qualitativos.
A teoria crítica preocupa­‑se com a crítica de estruturas sociais existentes. Os
pesquisadores críticos realizam investigações que envolvem a colaboração dos
participantes e estimulam o autoconhecimento esclarecido e a transformação.
A etnografia crítica usa os princípios da teoria crítica no estudo das culturas.
A pesquisa feminista, assim como a pesquisa crítica, busca ser transformadora, mas seu foco volta­‑se, essencialmente, para o modo como a dominação e a
discriminação de gênero modelam a vida e a consciência das mulheres.
A pesquisa ação participativa (PAP) produz conhecimento por meio da colaboração estreita com grupos vulneráveis ao controle ou à opressão de uma cultura
dominante; na PAP, os métodos ficam em segundo plano em relação aos processos
emergentes, que podem motivar as pessoas e gerar solidariedade comunitária.
314
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 10
Beck, C. T. (2006). Pentadic cartography: Mapping birth trauma narratives. Qualitative Health
Research,16, 453–466.
Bland, M. (2007). Betwixt and between: A critical ethnography of comfort in New Zealand
residential aged care. Journal of Clinical Nursing, 16, 937–944.
Etowa, J., Bernard, W., Oyinsan, B., & Clow, B. (2007). Participatory action research (PAR):
An approach for improving black women’s health in rural and remote communities. Journal
of Transcultural Nursing, 18, 349–357.
Frid, I., Haljamäe, H., Ohlén, J., & Bergbom, I. (2007). Brain death: Close relatives’ use of
imagery as a descriptor of the experience. Journal of Advanced Nursing, 58, 63–71.
Griffiths, L., & Jasper, M. (2008). Warrior nurse: Duality and complementarity of role in the
operational environment. Journal of Advanced Nursing, 61, 92–99.
Haynes, D., & Watt, J. (2008). The lived experience of health behaviors in people with debilitating illness. Holistic Nursing Practice, 22, 44–53.
Hayter, M. (2007). Nurses’ discourse in contraceptive prescribing. Journal of Advanced Nur‑
sing, 58, 358–367.
Hilden, H. M., & Honkasalo, M. L. (2006). Finnish nurses’ interpretations of patient autonomy
in the context of end-of-life decision making. Nursing Ethics, 13, 41-51.
Hughes, A., Gudmundsdottir, M., & Davies, B. (2007). Everyday struggling to survive:
Experience of the urban poor living with advanced cancer. Oncology Nursing Forum, 34,
1113–1118.
Ismail, F., Berman, H., & Ward-Griffin, C. (2007). Dating violence and the health of young
women: A feminist narrative study. Health Care for Women International, 28, 453–477.
James, I., Andershed, B., & Ternestedt, B. (2007). A family’s belief about cancer, dying, and
death in the end of life. Journal of Family Nursing, 13, 226–253.
Johansson, I., Skärsäter, I., & Danielson, E. (2007). Encounters in a locked psychiatric ward
environment. Journal of Psychiatric & Mental Health Nursing, 14, 366–372.
Kalwinsky, R. (2008). Western worms! Explication of aspects of health care behavior among
Chamorro with HIV/AIDS. Journal of Transcultural Nursing, 19, 55–63.
Lloyd, M. (2007). Empowerment in the interpersonal field: Discourses of acute mental health
nurses. Journal of Psychiatric & Mental Health Nursing, 14, 485–494.
Manocchio, R. T. (2008). Tending communities, crossing cultures: Midwives in 19th century
California. Journal of Midwifery & Women’s Health, 53, 75–81.
Martin, M., Jensen, E., Coatsworth-Puspoky, R., Forchuk, C., Lysiak-Globe, T., & Beal, G.
(2007). Integrating an evidence-based research intervention in the discharge of mental health
clients. Archives of Psychiatric Nursing, 21, 101–111.
Normann, H. K., Henriksen, N., Norberg, A., & Asplund, K. (2005). Lucidity in a woman with
severe dementia: A case study. Journal of Clinical Nursing, 14, 891–896.
Porter, E. J. (2007). Problems with preparing food reported by frail older women living alone.
Advances in Nursing Science, 30, 159–174.
Robertson, C., Kerr, M., Garcia, C., & Halterman, E. (2007). Noise and hearing protection:
Latino construction workers’ experiences. American Association of Occupational Health Nurses
Journal, 55, 153–160.
Schneider, B. (2005). Mothers talk about their children with schizophrenia: A performance
autoethnography. Journal of Psychiatric & Mental Health Nursing, 12, 333–340.
CAPÍTULO 10
Delineamentos e abordagens de pesquisas qualitativas
315
Smithbattle, L. (2007). Legacies of advantage and disadvantage: The case of teen mothers.
Public Health Nursing, 24, 409–420.
Spiers, J. (2006). Expressing and responding to pain and stoicism in home-care nurse–patient
interactions. Scandinavian Journal of Caring Science, 20, 293–301.
Zehle, K., Wen, L., Orr, N., & Rissel, C. (2007). “It’s not an issue at the moment”: A qualitative study of mothers about childhood obesity. MCN: The American Journal of Maternal/
Child Nursing, 32, 36–41.
Zoffman, V., & Kirkevold, M. (2007). Relationships and their potential for change developed
in difficult type 1 diabetes. Qualitative Health Research, 17, 625–638.
11
Tipos específicos
de pesquisa
PESQUISA COM MÉTODO MISTO
Princípio da pesquisa com método misto
Aplicações da pesquisa com método misto
Estratégias e modelos de pesquisa com
método misto
PESQUISA QUE ENVOLVE
INTERVENÇÕES
Ensaios clínicos
Pesquisa de avaliação
Pesquisa de intervenção em enfermagem
PESQUISA QUE NÃO
ENVOLVE INTERVENÇÕES
Pesquisa de resultados
Pesquisa de enquete
Análise secundária
Pesquisa metodológica
CRÍTICA De ESTUDOS
DESCRITOS NESTE CAPÍTULO
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADES DE pensamento
CRÍTICo
REVISÃO DO CAPÍTULO
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 11
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
üIdentificar várias vantagens da pesquisa com método misto e descrever aplicações específicas.
üIdentificar os propósitos e alguns aspectos distintivos dos tipos específicos de pesquisa (p. ex.,
ensaios clínicos, avaliações, enquetes).
ü
Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
CAPÍTULO 11
Tipos específicos de pesquisa
317
Todos os estudos quantitativos podem ser categorizados como experimentais, quase experimentais ou não experimentais, conforme discutido no Capítulo 9. E a
maioria dos estudos qualitativos está relacionada com alguma das tradições de
pesquisa ou das tipologias descritas no Capítulo 10. Este capítulo descreve tipos
de pesquisa de acordo com o propósito do estudo, e não com o modelo ou tradição
científica. Vários dos tipos discutidos aqui envolvem a combinação de abordagens
qualitativas e quantitativas; por isso, começamos pela discussão da pesquisa com
método misto.
PESQUISA COM MÉTODO MISTO
Uma tendência crescente na pesquisa em enfermagem é a integração planejada
de dados qualitativos e quantitativos em estudos individuais ou em conjuntos de
estudos coordenados. Esta seção discute o princípio racional da pesquisa com
método misto e apresenta algumas de suas aplicações.
Princípio da pesquisa com método misto
A dicotomia entre dados quantitativos e qualitativos representa uma distinção
metodológica­‑chave nas ciências sociais, comportamentais e da área de saúde. Alguns argumentam que os paradigmas em que se baseiam as pesquisas qualitativa e
quantitativa são fundamentalmente incompatíveis. Outros, no entanto, acreditam
que muitas áreas de pesquisa podem ser enriquecidas e a base da dados consolidada por meio da triangulação criteriosa de dados qualitativos e quantitativos. As
vantagens do método misto incluem:
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Potencial de complementação. As abordagens qualitativa e quantitativa são
complementares – representam palavras e números, as duas linguagens fundamentais da comunicação humana. Ao usar métodos mistos, os pesquisadores
têm condições de permitir a manifestação do melhor de cada um dos métodos,
evitando, possivelmente, as limitações de uma única abordagem.
Potencial de incrementação. O progresso em determinado tópico tende a avançar,
com base em circuitos de feedback. Os achados qualitativos podem gerar hipóteses que serão testadas por métodos quantitativos, e os achados quantitativos
eventualmente, precisam de esclarecimentos por meio de sondagens detalhadas. Pode ser produtiva a construção de um circuito desse tipo no projeto do
estudo.
Validade incrementada. Quando se sustenta uma hipótese ou modelo por vários
tipos complementares de dados, os pesquisadores podem ficar mais seguros
a respeito de suas inferências e da validade dos resultados. A triangulação de
métodos pode oferecer oportunidades para testar interpretações alternativas
dos dados e para examinar até que ponto o contexto ajudou a modelar os resultados.
Entretanto, talvez o argumento mais forte a favor da pesquisa com métodos
mistos seja que certas questões exigem abordagens mistas. O pragmatismo, para-
318
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
digma com frequência associado à pesquisa com método misto, fornece uma base
para uma posição que tem sido chamada de “ditadura da questão de pesquisa”
(Tashakkori e Teddlie, 2003, p. 21). Os pesquisadores pragmáticos consideram
que é a questão de pesquisa que deve orientar a investigação, o modelo e os métodos. Eles rejeitam a escolha obrigatória entre os modos de investigação tradicionais dos pós­‑positivistas e dos naturalistas.
Aplicações da pesquisa com método misto
A pesquisa com métodos mistos pode ser usada para tratar vários objetivos. Ilustramos aqui algumas aplicações; outras serão discutidas mais adiante neste capítulo.
Instrumentação
Às vezes, os pesquisadores coletam dados qualitativos que são usados no desenvolvimento de instrumentos quantitativos formais para aplicações científicas ou clínicas. As questões de um instrumento formal algumas vezes derivam da experiência
clínica ou de pesquisas prévias. No entanto, quando o construto é novo, esses
mecanismos podem não ser adequados para capturar toda a sua complexidade e
dimensionalidade. Portanto, os enfermeiros pesquisadores podem coletar dados
qualitativos como base para gerar e formular questões em escalas quantitativas
que, subsequentemente, serão submetidas a testes rigorosos.
Exemplo de instrumentação
Choi e colaboradores (2008) desenvolveram uma escala para medir a intolerância de mulheres
coreanas ao abuso físico de seus maridos. Entrevistas detalhadas com mulheres coreanas que
viviam casamentos abusivos revelaram cinco temas, constituintes da base para o desenvolvi‑
mento de uma escala capaz de atingir cada dimensão. Posteriormente, a escala foi testada por
procedimentos estatísticos.
Geração e teste de hipóteses
Estudos qualitativos profundos com frequência produzem modos de compreen­
der construtos ou relações entre eles. Essa compreensão pode ser testada e confirmada com amostras maiores, em estudos quantitativos. Isso acontece mais
comumente no contexto de investigações independentes. No entanto, um dos
problemas consiste em que, em geral, são necessários vários anos para a realização de um estudo e a publicação dos seus resultados, o que significa a existência de um tempo considerável entre as compreensões qualitativas e o teste
quantitativo e as hipóteses formuladas de acordo com essas compreensões. A
equipe de pesquisadores interessada em determinado fenômeno pode pretender
CAPÍTULO 11
Tipos específicos de pesquisa
319
realizar um projeto colaborativo cujo objetivo explícito seja a geração e o teste
de hipóteses.
Exemplo de geração de hipótese
Judith Wuest desenvolveu um sólido programa de pesquisa qualitativa com foco em mulhe‑
res na função de cuidadoras. Sua pesquisa de teoria fundamentada, que originou a teoria do
arranjo precário, revelou que o problema social básico das cuidadoras está associado às várias
demandas em constante mudança e competição. Com base na teoria fundamentada, Wuest e
colaboradores (2007) desenvolveram hipóteses sobre o modo como a natureza e a qualidade
da relação entre a cuidadora e a pessoa que recebe o cuidado podem predizer consequências
de saúde para as cuidadoras. As hipóteses foram sustentadas por um estudo quantitativo com
236 cuidadoras de parentes adultos.
Explicação
Dados qualitativos são eventualmente usados para explicar o significado de descrições ou relações quantitativas. Os métodos quantitativos podem demonstrar
que as variáveis são relacionadas de forma sistemática, mas não fornecem uma
compreensão clara do porquê estão relacionadas. Essas explicações ajudam a esclarecer conceitos importantes e a corroborar as descobertas da análise estatística; também ajudam a lançar luz sobre a análise e a orientar a interpretação dos
resultados. Os materiais qualitativos podem ser usados para explicar descobertas
estatísticas específicas e fornecer visões mais globais e dinâmicas do fenômeno
estudado, às vezes, na forma de estudos de caso ilustrativos.
Exemplo de explicação de relações por dados qualitativos
Manuel e colaboradores (2007) realizaram um estudo com método misto sobre as percepções
de mulheres jovens a respeito do modo de lidar com o câncer de mama. Os resultados da
parte quantitativa revelaram que as estratégias mais usadas eram o pensamento esperançoso,
a realização de mudanças e a reestruturação cognitiva. Os dados qualitativos sugeriram que
as mulheres jovens encontraram diferentes estratégias particularmente úteis, de acordo com
o estressor específico.
Construção, teste e refinamento de teorias
Uma aplicação particularmente ambiciosa da pesquisa com método misto encontra­
‑se na área da elaboração de teorias. A teoria ganha aceitação quando supera as
desconfirmações, e o uso de vários métodos fornece excelente oportunidade para
isso. Quando a teoria sobrevive a esses ataques, chega­‑se a um contexto mais sólido para a organização de um trabalho clínico e intelectual.
320
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Exemplo de construção de teoria
Riley e colaboradores (2008) examinaram o processo de engajar­‑se em comportamentos
saudáveis, com particular ênfase no controle do estresse, entre mulheres de baixa renda in‑
fectadas com HIV. Foram escolhidas mensurações quantitativas para representar conceitos
no modelo transteórico da mudança de comportamento. Dentre as 42 mulheres do estudo
geral, oito foram entrevistadas de modo detalhado, em um momento posterior, para melhor
compreensão. A análise qualitativa sugeriu vários processos de adoção de comportamentos
saudáveis, que refletiam adequadamente o modelo transteórico, mas alguns emergiram como
processos adicionais, que podiam sugerir modificações na teoria.
Desenvolvimento de intervenções
A pesquisa qualitativa começa a desempenhar um papel cada vez mais importante
no desenvolvimento de intervenções de enfermagem promissoras e em esforços
para testar sua eficácia e eficiência. Morse (2006) apresentou uma discussão muito útil sobre intervenções clínicas derivadas de análises qualitativas. Há também
o reconhecimento crescente de que o desenvolvimento de intervenções eficazes
deve se basear em certa compreensão do motivo que leva as pessoas a seguirem
protocolos de intervenção ou das barreiras que enfrentam ao participarem de um
tratamento. Existe uma probabilidade crescente de que a pesquisa de intervenção
seja feita com método misto.
Exemplo de estudos de desenvolvimento
Svensson, Barclay e Cooke (2006) desenvolveram um programa educativo pré­‑natal baseado
em dados qualitativos e quantitativos extensivos sobre as necessidades de pais que esperam
ou acabaram de ter um filho. As necessidades educacionais foram exploradas por meio de
entrevistas detalhadas, entrevistas em grupo e uma série de questionários longitudinais. Um
programa educacional inovador foi então desenvolvido e rigorosamente testado.
Estratégias e modelos de pesquisa com método misto
O crescimento do interesse por pesquisas com método misto nos últimos anos
fez surgir numerosas tipologias de modelos de métodos mistos. Há, por exemplo,
uma tipologia que contrasta modelos com componentes e modelos integrados. Nos
primeiros, os aspectos qualitativos e quantitativos são implantados como componentes distintos da investigação geral e permanecem distintos durante a coleta e a
análise de dados. O projeto de desenvolvimento de instrumentos de Choi e colaboradores (2008) exemplifica um modelo de componentes sequenciais.
Em estudos com método misto e modelo integrado, há maior integração dos
tipos de métodos em todas as fases do projeto, desde o desenvolvimento das questões de pesquisa, passando pela coleta e pela análise de dados, até a interpretação
dos resultados. A mistura de dados ocorre de modo a integrar os elementos de
diferentes paradigmas e oferece a possibilidade de geração de compreensões mais
criativas sobre o fenômeno estudado.
Sandelowski (2000) ofereceu uma tipologia alternativa de modelos com método misto. O esquema foca duas dimensões­‑chave para esse tipo de estudo:
CAPÍTULO 11
Tipos específicos de pesquisa
321
1. qual a abordagem prioritária (qualitativa ou quantitativa); e
2. como é a sequência das abordagens no estudo.
Em alguns casos (em especial em estudos com componentes), a coleta de dados para as duas abordagens ocorre mais ou menos ao mesmo tempo. Em outros,
no entanto, a abordagem sequencial traz vantagens importantes, de modo que a
segunda fase é construída na base do conhecimento adquirido na primeira.
Mesmo sendo possível usar abordagens com métodos mistos em uma série
de contextos, elas têm se tornado cada vez mais valiosas para a pesquisa que envolve intervenções. Esse é o tema que será discutido a seguir.
PESQUISA QUE ENVOLVE INTERVENÇÕES
As intervenções são desenvolvidas e testadas em muitas disciplinas práticas, e dados de pesquisas de intervenção têm sido cada vez mais usados para orientar decisões em aplicações do mundo real. Disciplinas diferentes costumam desenvolver
métodos e terminologias próprios, em conexão com os esforços de intervenção.
Enfermeiros pesquisadores treinados em várias disciplinas no doutorado têm usado um rico conjunto de abordagens. Há sobreposição entre elas; mas, para que o
leitor se familiarize com os termos relevantes, vamos discuti­‑las em separado. Os
ensaios clínicos estão associados com a pesquisa médica; a pesquisa de avaliação,
com os campos de educação, serviço social e políticas públicas; e os enfermeiros
estão desenvolvendo sua própria tradição na pesquisa de intervenção.
Ensaios clínicos
Os ensaios clínicos são estudos destinados a avaliar intervenções clínicas. Métodos associados foram desenvolvidos principalmente no contexto da pesquisa médica, mas o vocabulário tem sido usado por muitos enfermeiros pesquisadores.
Os ensaios clínicos realizados para testar novos medicamentos ou terapias
inovadoras com frequência são elaborados em uma série de quatro fases, como
descrito pelos U.S. National Institutes of Health:
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Fase I – ocorre após o desenvolvimento inicial do medicamento ou da terapia
e destina­‑se, principalmente, a estabelecer o grau de segurança e tolerância e
a determinar a dose adequada ou a força da terapia. Essa fase envolve, tipicamente, estudos de pequena escala, com modelos simples (p. ex., antes­‑depois
sem grupo de controle). O foco não está na eficácia, mas no desenvolvimento
do melhor (e mais seguro) tratamento possível.
Fase II – envolve a busca de dados preliminares sobre a eficácia controlada. Nessa
fase, os pesquisadores definem se é possível realizar um teste mais rigoroso,
buscam descobrir se o tratamento é promissor, procuram sinais de possíveis
efeitos colaterais e identificam meios de melhorar a intervenção. Essa fase às
vezes é considerada um teste­‑piloto do tratamento e pode ter a forma de um
experimento de pequena escala ou de um quase­‑experimento.
Fase III – é um teste experimental completo do tratamento – um ensaio clínico
randomizado (ECR), envolvendo a distribuição aleatória do tratamento sob
condições altamente controladas. O objetivo dessa fase é desenvolver dados
322
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
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sobre a eficácia* do tratamento (i.e., se a inovação é mais eficaz do que o tra­
tamento­‑padrão ou um contrafato alternativo). Efeitos adversos também são
monitorados. Quando se usa a expressão ensaio clínico na literatura de enfermagem, com mais frequência, refere­‑se à fase III, que também pode ser chamada
de estudo da eficácia. Os ECRs da fase III costumam envolver o uso de uma
amostra ampla de sujeitos, às vezes selecionados de vários locais, para garantir
que as descobertas não ocorrem apenas em um único local e para aumentar o
tamanho da amostra e incrementar a força dos testes estatísticos.
Fase IV – envolve estudos sobre a eficiência da intervenção na população em geral.
Nesses estudos de eficiência, a ênfase recai sobre a validade externa da intervenção que se mostrou promissora em termos de eficácia sob condições controladas
(mas com frequência artificiais). Na fase IV, em geral, são feitos esforços para
examinar a relação custo­‑eficiência e a utilidade clínica do novo tratamento. Na
pesquisa farmacêutica, os ensaios dessa fase abordam, tipicamente, a segurança
pós­‑aprovação e as consequências de longo prazo sobre uma população e uma
escala de tempo maiores do que aquelas possíveis nas fases anteriores.
Exemplo de um ECR da fase III em vários locais
Keefe e colaboradores (2006) desenvolveram uma intervenção denominada REST (acrôni‑
mo em inglês referente às palavras reassurance, empathy, support e timeout, respectivamente,
encorajamento, empatia, apoio e descanso) para pais de bebês irritadiços, com base em uma
teoria sobre a cólica infantil, previamente desenvolvida por Keefe. O ensaio para testar a efi‑
cácia da REST envolveu a distribuição dos bebês randomicamente em dois locais, nos grupos
de tratamento e de controle.
A ênfase recente na prática baseada em evidências (PBE) tem sublinhado
a importância dos dados de pesquisas que podem ser usados em situações clínicas cotidianas. Um dos problemas dos ECRs tradicionais da fase III está em que,
na tentativa de incrementar a validade interna e a habilidade de inferir rumos
causais, os modelos são tão estritamente controlados que sua relevância para as
aplicações na vida real fica prejudicada. A preocupação com essa situação tem
levado a uma demanda por ensaios clínicos práticos (ou pragmáticos), ou seja,
ensaios cujo projeto de estudo é formulado com base em informações necessárias
à tomada de decisão. Os ensaios pragmáticos tratam questões práticas sobre benefícios e riscos de intervenções – assim como seus custos –, como seria feito na
prática clínica rotineira.
Pesquisa de avaliação
A pesquisa de avaliação aborda o desenvolvimento de informações úteis sobre
um programa, prática, procedimento ou política – informações fundamentais para
que a pessoa responsável possa decidir pela adoção, pela modificação ou pelo
abandono da prática ou programa. Comumente, o que está sendo avaliado é uma
nova intervenção.
*N. de R.T.: O termo eficácia é usado em estudos com população controlada, enquanto o vocábulo
eficiência é empregado no estudo realizado em ambiente real, não controlado.
CAPÍTULO 11
Tipos específicos de pesquisa
323
A expressão pesquisa de avaliação é usada geralmente quando os pesquisadores querem avaliar a eficácia de um programa complexo do que quando querem avaliar uma entidade específica (p. ex., soluções de esterilização alternativas). Os pesquisadores dessa vertente tendem a avaliar o programa, a prática ou a intervenção
presente no contexto de uma organização ou de uma política pública. As avaliações
buscam responder a questões mais amplas, e não simplesmente se a intervenção é
mais eficaz do que o atendimento usual – por exemplo, muitas vezes os pesquisadores interessam­‑se por modos de melhorar o programa (como na fase II de um ensaio
clínico) ou por aprender como o programa realmente “funciona” na prática.
As avaliações são feitas para responder a uma série de questões. Algumas
questões envolvem o uso de um modelo experimental (ou quase experimental);
outras, não. Em função da complexidade das avaliações e dos programas focados,
muitas avaliações são estudos com método misto e modelo com componentes.
Realiza­‑se um processo ou análise de implantação quando há necessidade de informações descritivas sobre o processo pelo qual um programa deve ser
implantado e o modo como vai funcionar. Em geral, é elaborada uma análise do
processo para tratar questões como: “O programa funciona como seus criadores
previram?”; “Quais os pontos fortes e fracos do programa?”; “O que é exatamente
o tratamento e como se diferencia (se houve alguma diferença) das práticas tradicionais?”; “Quais as barreiras à implantação bem­‑sucedida do programa?”; e
“Como a equipe e os clientes se sentem a respeito da intervenção?”.
Exemplo de análise de um processo de implantação
Nicolaides­‑Bouman e colaboradores (2007) realizaram a avaliação do processo de um pro‑
grama de visita residencial a idosos com problemas de saúde. A avaliação examinou o grau de
comprometimento do paciente, o conteúdo da intervenção no processo real de concretização
e as experiências dos pacientes.
Muitas avaliações preocupam­‑se com o fato de o programa ou a política atender aos objetivos, e os pesquisadores avaliadores, eventualmente, fazem distinção
entre a análise de resultados e a análise de impactos. A análise de resultados
tende a ser descritiva e não usa um modelo experimental rigoroso. Uma análise
desse tipo simplesmente documenta em que grau os objetivos do programa têm
sido atingidos – em que grau ocorrem resultados positivos –, sem comparações
rigorosas. Os modelos antes­‑e­‑depois sem grupo de controle são especialmente
comuns.
Exemplo de análise de resultados
Kyung e Chin (2008) estudaram os resultados de um programa de reabilitação pulmonar de
quatro semanas para idosos com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). O programa
foi associado ao melhor desempenho em exercícios e redução da dispneia.
A análise de impactos tenta identificar o impacto líquido do programa, ou
seja, o impacto que pode ser atribuído ao programa, além dos efeitos do contrafato
324
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
(p. ex., o atendimento usual). As análises de impacto usam um modelo experimental ou quase experimental consistente, pois o objetivo é fazer uma inferência causal
sobre os benefícios do programa especial. Muitas avaliações de enfermagem são
análise de impactos, embora não sejam, obrigatoriamente, rotuladas como tal.
Exemplo de análise de impactos
Hepburn e colaboradores (2007) estudaram o impacto do Cuidador de Savvy, um programa
psicoeducativo para cuidadores de pessoas com demência, ao qual foi submetido um grupo
de cuidadores em três estados. Houve efeitos benéficos significativos nas habilidades e no
sofrimento do cuidador seis meses após a intervenção entre os participantes do grupo expe‑
rimental.
Na situação atual, em que os custos com saúde crescem cada vez mais, as
avaliações de programas podem incluir também a análise econômica (de custos)
para determinar se os benefícios superam os custos financeiros. Administradores e
funcionários responsáveis pelas políticas públicas, para tomar decisões sobre alocação de recursos para serviços de saúde, não avaliam apenas se alguma solução
“funciona”, mas também se é economicamente viável. As análises de custos são
feitas, tipicamente, em conjunto com as avaliações de impactos (ou com os ensaios
clínicos da fase III), ou seja, quando os pesquisadores geram dados persuasivos em
relação à eficácia do programa.
Exemplo de análise econômica
Au e colaboradores (2007) fizeram uma análise econômica para avaliar os efeitos de um
programa de visitação residencial e cuidado pré­‑natal suplementar em comparação com o
atendimento­‑padrão. Os pesquisadores compararam os dois grupos em termos de custos dos
serviços de saúde utilizados pelos pais nos 12 meses após o nascimento do bebê.
Pesquisa de intervenção em enfermagem
Tanto os ensaios clínicos quanto as avaliações envolvem intervenções. No entanto,
a expresssão pesquisa de intervenção tem sido usada cada vez mais pelos enfermeiros pesquisadores para descrever uma abordagem de pesquisa que se distingue nem tanto por uma metodologia científica específica, mas pelo processo
distinto de planejar, desenvolver, testar e disseminar intervenções (p. ex., Sidani
e Braden, 1998; Whittemore e Grey, 2002). Os proponentes do processo criticam
a abordagem mais simplista e não teórica usada com frequência para elaborar e
avaliar intervenções. O processo recomendado abrange a compreensão profunda
do problema e das pessoas para as quais a intervenção está sendo desenvolvida;
planejamento cuidadoso e cooperativo com uma equipe diversificada; e desenvolvimento de uma teoria de intervenção para orientar a investigação.
Similar a ensaios clínicos, a pesquisa de intervenção em enfermagem inclui,
idealmente, várias fases:
CAPÍTULO 11
1.
2.
3.
4.
Tipos específicos de pesquisa
325
estudo de desenvolvimento básico;
estudo­‑piloto;
estudos de eficácia; e
estudos de eficiência.
Whittemore e Grey (2002) propuseram uma quinta fase, envolvendo a ampla implantação e esforços para documentar efeitos sobre a saúde pública.
A conceituação, principal foco da fase de desenvolvimento, sustenta­‑se em
discussões cooperativas, consultas a especialistas, revisões críticas da literatura
e pesquisa qualitativa detalhada para compreensão do problema. A validade do
construto da intervenção emergente é incrementada por esforços para desenvolver uma teoria de intervenção, que articula claramente o que precisa ser feito
para alcançar os resultados desejados. O modelo da intervenção, que flui a partir
da teoria de intervenção, especifica quais devem ser os inputs clínicos e também
aspectos como duração e intensidade da intervenção. Um mapa conceitual (Cap.
8) com frequência é uma ferramenta visual útil para articular a teoria de intervenção e orientar a elaboração da intervenção. Durante a fase de desenvolvimento,
de maneira ideal, os acionistas­‑chave – as pessoas que investiram na intervenção
– são identificados e incluídos, o que pode envolver a pesquisa participativa. Os
acionistas são compostos por potenciais beneficiários da intervenção e suas famílias, partidários e líderes comunitários e agentes da intervenção.
A segunda fase da pesquisa de intervenção em enfermagem é um estudo­
‑piloto da intervenção, tipicamente com o uso de modelos quase experimentais.
As atividades centrais no estudo­‑piloto são garantir dados preliminares sobre os
benefícios da intervenção, refinar a teoria e os protocolos da intervenção e avaliar
a viabilidade de um teste rigoroso. A avaliação da viabilidade deve envolver uma
análise dos fatores que afetam a implementação ao longo do estudo­‑piloto (p. ex.,
recrutamento, retenção e problemas de permanência do participante no estudo).
A pesquisa qualitativa pode desempenhar papel importante na aquisição de conhecimentos para compreender melhor se é viável um ECR de maior escala.
Como no ensaio clínico clássico, a terceira fase envolve um teste experimental completo da intervenção, e a fase final aborda a eficiência e a utilidade em ambientes clínicos do mundo real. Esse modelo completo de pesquisa de intervenção
é, nesse momento, mais um ideal do que uma realidade. São raros, por exemplo,
os estudos de eficiência na pesquisa em enfermagem. Algumas poucas equipes de
pesquisa começaram a implementar partes do modelo, sendo provável a expansão
desses esforços.
Exemplo de pesquisa de intervenção em enfermagem
Duffy e colaboradores (2005, 2008) descreveram o estudo de desenvolvimento realizado du‑
rante a elaboração de uma intervenção de enfermagem baseada em cuidados prestados a
idosos com insuficiência cardíaca avançada liberados do tratamento agudo. Uma equipe de
pesquisadores de enfermagem com habilidades complementares desenvolveu, sistematica‑
mente, a intervenção. A intervenção baseou­‑se em estudo­‑piloto, evidências de pesquisas
recentes, orientações para a prática clínica e modificação na estrutura teórica que Duffy e
colaboradores tinham desenvolvido em uma pesquisa prévia. A intervenção está sendo testada
em um projeto experimental.
326
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
PESQUISA QUE NÃO ENVOLVE INTERVENÇÕES
Os estudos descritos na seção prévia com frequência têm um componente não
experimental, mas, por envolverem uma intervenção, quase sempre possuem também um projeto experimental ou quase experimental. Nesta seção, veremos tipos
de pesquisa que não envolvem intervenções e, portanto, baseiam­‑se em modelos
não experimentais.
Pesquisa de resultados
A pesquisa de resultados destina­‑se a documentar a eficiência dos serviços de
saúde. Enquanto a pesquisa de avaliação foca, tipicamente, o exame de um programa ou política específico (e com frequência local), a pesquisa de resultados
representa uma avaliação mais global dos serviços de enfermagem e de saúde. O
impulso para a realização desse tipo de pesquisa veio da avaliação de qualidade
e das funções que garantem a qualidade realizada por organizações de controle
dos padrões profissionais (OCPP) na década de 1970. A pesquisa de resultados
representa uma resposta à crescente demanda de idealizadores de políticas públicas, planos de saúde e público em geral por justificativas para práticas e sistemas
de saúde em relação a custos e melhorias dos resultados dos pacientes. O foco
original era o estado de saúde do paciente e os custos associados ao atendimento
médico, mas há um crescente interesse em estudar resultados mais amplos do
paciente em relação ao atendimento de enfermagem.
Ainda que muitos estudos de enfermagem façam avaliações dos resultados
do paciente, esforços específicos para examinar e documentar a qualidade do
atendimento de enfermagem – como algo distinto do atendimento fornecido pelo
sistema de saúde em geral – não são numerosos. Um dos principais obstáculos é
a atribuição, ou seja, ligar os resultados do paciente a ações de enfermagem ou
intervenções específicas, separadas das ações de outros membros da equipe de
saúde. Em alguns casos, também é difícil determinar uma conexão causal entre os
resultados e as intervenções de saúde, pois fatores externos ao sistema de saúde
(p. ex., características do paciente) afetam os resultados de modos complexos.
Donabedian (1987), pioneiro nos esforços de criação de uma estrutura para
a pesquisa de resultados, enfatizou três fatores na avaliação da qualidade dos
serviços de saúde: estrutura, processo e resultados. A estrutura do atendimento
refere­‑se a aspectos administrativos e organizacionais amplos (p. ex., dimensão
e amplitude dos serviços). A combinação de habilidades e a autonomia dos enfermeiros na tomada de decisões são duas variáveis estruturais relacionadas aos
resultados dos pacientes. Os processos envolvem aspectos de administração clínica,
tomada de decisões e intervenções clínicas. Os resultados referem­‑se a resultados
clínicos finais específicos do atendimento ao paciente. Foram sugeridas várias modificações na estrutura de Donabedian para a avaliação da qualidade dos serviços
de saúde, sendo a mais notável aquela relacionada com o Modelo de Resultados da
Saúde de Qualidade (Quality Health Outcomes Model), desenvolvido pela American Academy of Nursing (Mitchell et al., 1998). Esse modelo é menos linear e mais
dinâmico do que a estrutura original de Donabedian e considera as características
do usuário e do sistema.
A pesquisa de resultados tende a se concentrar em várias ligações com esses
modelos, em vez de testar o modelo geral. Alguns estudos examinam o efeito das
CAPÍTULO 11
Tipos específicos de pesquisa
327
Exemplo de pesquisa de resultados
Rafferty e colaboradores (2007) examinaram o efeito dos níveis da equipe de enfermagem
em hospitais em relação a mortalidade dos pacientes, falhas de salvamento e qualidade do
atendimento classificado pelos enfermeiros no Reino Unido. Foram descobertos resultados
similares aos dos Estados Unidos – altas proporções pacientes­‑enfermeiros associadas a piores
resultados dos pacientes.
estruturas do sistema de saúde sobre diversos processos e resultados, por exemplo.
A maior parte da pesquisa de resultados, no entanto, tem enfatizado a relação
processo/paciente/resultados, com frequência usando conjuntos de dados de larga escala. Exemplos de variáveis do processo de enfermagem incluem ações de
enfermagem, como habilidades para solucionar problemas, tomada de decisões
clínicas, liderança e competência clínica e atividades ou intervenções específicas
(p. ex., comunicação, toque).
O trabalho que os enfermeiros fazem tem sido cada vez mais documentado
de acordo com sistemas de classificação e taxonomias estabelecidos. De fato, nos
Estados Unidos, são iminentes o uso padrão dos registros de saúde eletrônicos para
anotar todos os eventos de atendimento e a submissão dos registros a bancos de
dados nacionais. Uma série de sistemas de classificação de intervenções de enfermagem baseados em pesquisas tem sido desenvolvida, refinada e testada. Dentre
os sistemas mais proeminentes estão a classificação e a taxonomia de diagnósticos
de enfermagem da North American Nursing Diagnosis Association International
(NANDA International, 2008), a Classificação de Intervenções de Enfermagem
(NIC, do inglês Nursing Intervention Classification), desenvolvida na University
of Iowa (Bulecheck et al., 2007) e a Classificação de Resultados de Enfermagem
Sensíveis (NOC, do inglês Nursing­‑Sensitive Outcomes Classification), também
engendrada na University of Iowa College of Nursing (Moorhead et al., 2007).
Exemplo de pesquisa de sistemas de classificação
Lunney (2006) examinou os efeitos da implantação de diagnósticos da NANDA, intervenções
da NIC e resultados da NOC sobre o poder dos enfermeiros e os resultados de saúde de
crianças. Foram usados relatórios das visitas de saúde feitas por enfermeiros a crianças de seis
escolas de Nova York.
Pesquisa de enquete*
A enquete obtém informações sobre prevalência, distribuição e inter­‑relações de
variáveis em uma população. Pesquisas de opinião política, como as realizadas
pelos institutos Gallup ou Harris, são exemplos de enquetes. Os dados obtidos são
usados principalmente em estudos correlacionais não experimentais.
As enquetes coletam informações sobre ações, conhecimentos, intenções,
opiniões e atitudes das pessoas por meio do autorrelato, ou seja, os participantes do estudo respondem a uma série de perguntas. As enquetes, que geram
*N.
de R.T.: Também conhecida como pesquisa de opinião ou survey research.
328
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
principalmente dados quantitativos, podem ser transversais ou longitudinais (p.
ex., es­tudos de série). Qualquer informação passível de obtenção confiável por
­questionamento direto pode ser coletada por entrevista, embora, em geral, sejam
feitas perguntas que exigem respostas curtas (p. ex., sim/não, sempre/às vezes/
nunca).
Dados de enquetes podem ser coletados por uma série de modos, mas o
­método mais respeitado são as entrevistas pessoais (ou face a face), em que os
entrevistadores encontram­‑se pessoalmente com os respondentes para fazer as
­perguntas. As entrevistas pessoais são caras porque envolvem muito tempo da
equipe. Apesar disso, são consideradas o melhor método da pesquisa de entrevista, pois a qualidade dos dados é mais elevada do que daquela de outros métodos
e a taxa de recusa tende a ser baixa. As entrevistas por telefone são menos dispendiosas, mas, quando o entrevistador não é uma pessoa conhecida, os respondentes às vezes se mostram menos dispostos a colaborar. Telefonar pode ser um
método conveniente de coleta de dados quando a entrevista é curta e não muito
pessoal ou quando os pesquisadores já fizeram um contato pessoal anterior com
os respondentes.
Os questionários diferem das entrevistas por serem autoadministrados. Os
respondentes leem as questões do formulário e dão respostas escritas. Uma vez
que há diferenças de capacidade de leitura e de redação entre os respondentes, os
questionários não são considerados simplesmente como a forma impressa de um
protocolo de entrevista. Os questionários autoadministrados são econômicos, mas
inapropriados para pesquisar certas populações (p. ex., idosos, crianças). Com
frequência, são distribuídos pelo correio, embora, ultimamente, venha crescendo
seu envio pela internet.
As maiores vantagens das enquetes são sua flexibilidade e sua amplitude.
Elas podem ser usadas com muitas populações, focar uma ampla variedade de
tópicos e servir a muitos propósitos. As informações obtidas na maior parte das
enquetes, no entanto, tendem a ser superficiais: raramente há sondagem profunda de complexidades como contradições do comportamento e sentimentos
humanos. A pesquisa de enquete presta­‑se mais a análises extensivas do que
intensivas.
Exemplo de enquete
Kulig e colaboradores (2008) realizaram uma enquete com enfermeiros que trabalhavam
em regiões rurais e remotas do Canadá para estudar suas experiências e percepções. Foram
enviados questionários pelo correio para mais de 5.700 enfermeiros, usando­‑se os códigos
postais dos dados do registro profissional para localizar aqueles que trabalhavam em todas as
províncias canadenses e em regiões do Norte.
Análise secundária
A análise secundária envolve o uso de dados reunidos em um estudo prévio para
testar novas hipóteses ou tratar novas questões. Na maioria dos estudos, os pesquisadores coletam muito mais dados do que os realmente analisados. A análise
secundária de dados existentes é eficiente e econômica, pois, em geral, no projeto
de pesquisa, a coleta de dados é a parte que consome mais recursos financeiros
e tempo. Os enfermeiros pesquisadores têm usado a análise secundária tanto de
CAPÍTULO 11
Tipos específicos de pesquisa
329
grandes conjuntos de dados nacionais quanto de conjuntos locais menores, tanto
de dados qualitativos quanto de quantitativos. A pesquisa de resultados frequentemente envolve a análise secundária de conjuntos de dados clínicos.
Uma série de caminhos encontra­‑se disponível a quem quer usar um banco
de dados quantitativos existente. Podem ser examinadas, por exemplo, variáveis e
relações entre variáveis que foram pouco analisadas previamente (p. ex., a variável dependente do estudo original pode se tornar a variável independente de uma
análise secundária). Em outros casos, a análise secundária enfatiza um subgrupo
particular da amostra original integral (p. ex., dados de entrevistas sobre hábitos
de saúde geradas a partir de uma amostra nacional de adultos podem ser examinados para estudar o tabagismo entre homens de meios rurais).
Em geral, os pesquisadores qualitativos também coletam muito mais dados
do que os originalmente analisados. As análises secundárias de dados qualitativos
fornecem oportunidades de exploração de conjuntos ricos de dados, embora possa
haver dificuldade na identificação dos que sejam adequados. Grandes quantidades de dados quantitativos, em especial originários de pesquisas financiadas pelo
governo, encontram­‑se amplamente divulgadas, mas há poucos repositórios de
grupos de dados qualitativos. Thorne (1994) identificou vários tipos de análises
qualitativas secundárias. Em um dos tipos, chamado de expansão analítica, os pesquisadores usam seus próprios dados para responder a novas questões à medida
que a base teórica aumenta ou que colocam questões em níveis de análises mais
elevados. Um segundo tipo, a interpretação retrospectiva, envolve o uso do banco
de dados original para examinar novas questões, não avaliadas integralmente no
estudo original.
O uso de dados disponíveis de outros estudos torna possível evitar o gasto de
tempo e etapas onerosas no processo de pesquisa, mas há algumas desvantagens
dignas de nota quando se trabalha com dados preexistentes. Em particular, se os
pesquisadores não fizeram o trabalho de coletar os dados, há grandes chances de
que os dados sejam deficientes em um ou outro aspecto, como, por exemplo, na
amostra usada, nas variáveis medidas. Os analistas secundários podem enfrentar,
continuamente, problemas do tipo “se apenas”: se apenas tivessem feito mais uma
pergunta ou se apenas a variável tivesse sido medida de outro modo. Apesar disso,
conjuntos de dados existentes apresentam oportunidades estimulantes para a expansão da base de conhecimento científico de modo econômico.
Exemplo de análise secundária quantitativa
Schmalenberg e Kramer (2008) testaram a hipótese de que os enfermeiros da equipe de hos‑
pitais certificados com o selo Magnet classificariam a qualidade do seu ambiente de trabalho
em níveis mais elevados do que enfermeiros dos hospitais usados como comparação. Eles
reutilizaram dados reunidos previamente de 10.514 enfermeiros de 34 hospitais.
Exemplo de análise secundária qualitativa
Malbasa e colaboradores (2007) analisaram dados qualitativos previamente coletados de ado‑
lescentes com leucemia linfoblástica aguda. O objetivo do novo estudo era compreender o
papel do desenvolvimento adolescente no cumprimento subadequado de uma terapia com
6­‑mercaptopurina pelos participantes.
330
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Pesquisa metodológica
A pesquisa metodológica envolve investigações dos métodos de obtenção e organização de dados e condução de pesquisas rigorosas. Os estudos metodológicos
tratam do desenvolvimento, da validação e da avaliação de ferramentas e métodos
de pesquisa. As crescentes demandas por avaliações de resultados sólidas e confiá­
veis, testes rigorosos de intervenções e procedimentos sofisticados de obtenção de
dados têm levado a um aumento do interesse pela pesquisa metodológica entre
enfermeiros pesquisadores.
A maior parte dos estudos metodológicos é não experimental e frequentemente focada no desenvolvimento de novos instrumentos. A pesquisa de desenvolvimento de instrumentos costuma envolver métodos complexos e sofisticados,
incluindo o uso de modelos com método misto. Ocasionalmente, os pesquisadores
usam um modelo experimental para testar estratégias metodológicas concorrentes; por exemplo, para testar o efeito de incentivos financeiros sobre as proporções
de respostas.
Exemplo de estudo metodológico quantitativo
Kelly e colaboradores (2007) buscaram descobrir as implicações de custo e fatores de predi‑
ção de êxito na coleta de dados de acompanhamento de uma coorte de meninas adolescentes
de alto risco, que tinham participado de uma intervenção de promoção da saúde reprodutiva.
O estudo também examinou quais abordagens eram particularmente eficazes em garantir a
realização completa da entrevista de acompanhamento.
Na pesquisa qualitativa, os temas metodológicos com frequência surgem
dentro do contexto de um estudo substantivo, e não por causa da realização de
um estudo com intenção puramente metodológica. Nesses casos, no entanto, o
pesquisador costuma realizar análises separadas, destinadas a esclarecer um tema
metodológico e a gerar estratégias para solucionar um problema metodológico.
Exemplo de estudo metodológico qualitativo
Hadley e colaboradores (2008) exploraram as perspectivas dos pais sobre a realização de en‑
trevistas com seus filhos para fins de pesquisa. Os pesquisadores entrevistaram 142 pais sobre
suas percepções, com o objetivo de compreender como trabalhar de modo cooperativo com
eles na pesquisa infantil.
A pesquisa metodológica pode parecer menos estimulante do que a clínica,
mas é praticamente impossível a realização de estudos rigorosos e úteis sobre um
tópico real com métodos de pesquisa inadequados.
CRÍTICA De ESTUDOS DESCRITOS NESTE CAPÍTULO
É difícil fornecer orientação sobre a crítica dos tipos de estudo descritos neste
capí­tulo, uma vez que eles são muito variados e porque muitos dos temas meto-
CAPÍTULO 11
Tipos específicos de pesquisa
331
dológicos fundamentais merecedores de crítica referem­‑se ao projeto geral. As
orientações para a crítica de temas relacionados ao projeto foram apresentadas
nos capítulos anteriores.
No entanto, o leitor pode considerar se os pesquisadores aproveitaram as
possibilidades do modelo com método misto. Coletar dados qualitativos e também
quantitativos nem sempre é necessário ou prático, mas, na crítica de estudos, sempre é preciso considerar se a pesquisa poderia ter sido incrementada pela triangulação de diferentes tipos de dados. No caso de estudos com métodos mistos, é
preciso considerar se a inclusão de ambos os tipos de dados justificava­‑se e se o
pesquisador realmente usou os dois tipos para aumentar o conhecimento sobre o
tópico pesquisado. A Tabela 11.1 fornece alguns exemplos de possibilidades para
estudos com método misto. O Quadro 11.1 traz algumas questões específicas para
a crítica dos tipos de estudos incluídos neste capítulo.
Tabela 11.1
EXEMPLOS DE POSSIBILIDADES DE
INTEGRAÇÃO QUALITATIVo­‑QUANTITATIVA
EXEMPLO DE QUESTÃO PARA O
COMPONENTE QUANTITATIVO
EXEMPLO DE QUESTÃO PARA O
COMPONENTE QUALITATIVO
Ensaio clínico
Os travesseiros bumerangue são mais
eficazes do que os convencionais na
melhoria da capacidade respiratória
de pacientes hospitalizados?
Por que alguns pacientes reclamam
dos travesseiros bumerangue? Como
eram os travesseiros?
Avaliação
Qual a eficácia de uma unidade de
tratamento especial dirigida por
enfermeiros em comparação com
unidades de tratamento intensivo
tradicionais?
Como foi a aceitação dos outros
profissionais da área de saúde da
unidade especial e que problemas a
implantação gerou?
Pesquisa de
resultados
Que efeitos níveis alternativos de
intensidade de enfermagem têm
sobre a habilidade funcional de
idosos residentes em instituições de
atendimento de longo prazo?
Como idosos institucionalizados
devido a tratamentos de longo prazo
interagem com enfermeiros em
ambientes com diferentes níveis de
cuidados em enfermagem?
Enquete
Qual o grau de prevalência de asma
entre crianças do centro da cidade e
como é tratada?
Como a asma é experimentada por
crianças do centro da cidade e seus
pais?
Pesquisa
metodológica
Qual o grau de precisão de uma nova
medição da solidão de pacientes
psiquiátricos hospitalizados?
A nova medição apreende
adequadamente as dimensões da
solidão de pacientes psiquiátricos?
Etnografia
Qual a porcentagem de mulheres
na área rural dos Appalachia com
atendimento pré­‑natal?
Como as mulheres da área rural
dos Appalachia encaram a própria
gravidez e preparam­‑se para o parto?
Estudo de caso
Qual porcentagem dos casos do
Abrigo para Sem­‑teto St. Jude é
HIV­‑positivo ou tem AIDS?
Como os serviços sociais, psicológicos,
de saúde e de nutrição são
integrados no Abrigo para Sem­‑teto
St. Jude?
TIPO
332
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ORIENTAÇÕES PARA a CRÍTICA De
QUADRO 11.1
ESTUDOS DESCRITOS NO CAPÍTULO 11
1.O propósito é coerente com o modelo do estudo? Foi usado o melhor modelo (ou tradição de pesquisa)
possível para tratar o propósito do estudo?
2.O estudo é exclusivamente qualitativo ou quantitativo? Se positivo, o estudo poderia ter resultado mais
consistente se tivesse incorporado ambas as abordagens?
3.O estudo usou um modelo com método misto? Se positivo, como a inclusão de ambas as abordagens
contribuiu para incrementar a compreensão teórica ou a validade? De que outros modos (se houver
algum) a inclusão de ambos os tipos de dados fortaleceria o estudo e ampliaria os objetivos da
pesquisa?
4.O estudo usou um modelo com método misto? Se positivo, o projeto poderia ser descrito como
modelo com componentes ou integrado? Essa abordagem foi apropriada? Comente o cronograma de
coleta dos vários tipos de dados.
5.O estudo era um ensaio clínico ou de intervenção? Se positivo, foi prestada a devida atenção ao
desenvol­vimento de uma intervenção apropriada? Havia uma teoria de intervenção bem­‑elaborada, a
fim de orientar o projeto? A intervenção contou com um teste­‑piloto adequado?
6.O estudo era um ensaio clínico, um estudo de avaliação ou um estudo de intervenção? Se positivo,
houve um esforço para compreender como a intervenção foi implantada (i. e., uma análise do tipo de
processo)? Os custos financeiros e benefícios foram avaliados? Se negativo, deveriam ter sido?
7.O estudo era uma pesquisa de resultados? Se positivo, que segmentos do modelo estrutura­‑processo­
‑resultados foram examinados? Teria sido desejável (e viável) expandir o estudo para incluir outros
aspectos? As descobertas sugerem possíveis melhorias na estrutura ou no processo que pudessem ser
benéficas para os resultados do paciente?
8.O estudo era de enquete? Se positivo, foi usado o método mais apropriado para a coleta de dados (i.e.,
entrevistas pessoais ou por telefone, questionários pelo correio ou pela internet)?
9.O estudo era uma análise secundária? Se positivo, em que medida o conjunto de dados escolhido era
adequado ao tratamento das questões de pesquisa? Quais eram as limitações do conjunto de dados?
Essas limitações foram reconhecidas e consideradas na interpretação dos resultados?
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE pensamento CRÍTICo
Os doutores Barbara e Charles Given dedicaram suas carreiras à pesquisa sobre pacientes com câncer.
Seu extensivo programa de pesquisa inclui vários dos tipos de estudos descritos neste capítulo.
EXEMPLO 1
Ensaio clínico e análise secundária
Estudos
Efeitos de uma intervenção comportamental cognitiva sobre a redução da gravidade dos sintomas
durante a quimioterapia (Given et al., 2004); Funcionamento físico: efeitos de uma intervenção
comportamental para sintomas entre indivíduos com câncer (Doorenbos et al., 2006).
Histórico e propósito
Os doutores Barbara e Charles Given observaram que os pacientes submetidos a quimioterapia
sofrem muitas limitações causadas por sintomas da doença e de seu tratamento. O propósito da
pesquisa da fase II foi avaliar a eficácia de uma intervenção dirigida por um enfermeiro para reduzir o
sofrimento emocional de pacientes com câncer diagnosticados com tumores sólidos e submetidos à
primeira sessão de quimioterapia.
(continua)
CAPÍTULO 11
Tipos específicos de pesquisa
333
Intervenção
Na pesquisa inicial, que ajudou a formar a base desse ensaio clínico (ver Exemplo 2), os pesquisadores
tinham descoberto que uma série de sintomas de câncer, como dor, insônia e fadiga, ocorria em
conjunto e estava associada a elevados níveis de depressão (p. ex., Given et al., 2001). Com a ajuda de
colaboradores, Barbara e Charles Given realizaram revisões sistemáticas e consultaram especialistas
para formular uma intervenção eficaz de controle dos sintomas e uma redução do sofrimento
emocional (p. ex., Smith et al., 2003). Eles identificaram a terapia cognitivo­‑comportamental (funda­
mentada na teoria cognitiva social) como uma abordagem promissora e desenvolveram estratégias
específicas, baseadas em evidências científicas, para incrementar a autoeficácia e construir estratégias
de adaptação que pudessem ser usadas pelos pacientes para tratar problemas cotidianos. A intervenção
foi feita por enfermeiros treinados e envolveu 10 contatos ao longo de 20 semanas.
Modelo da pesquisa
Uma amostra de 200 pacientes e seus cuidadores, em vários institutos de câncer, foram distribuídos
randomicamente em grupos de intervenção e de atendimento convencional. Os participantes do
estudo foram entrevistados pessoalmente, como linha de base, e de novo 10 e 20 semanas depois. A
gravidade dos sintomas e a depressão foram os resultados­‑chave medidos em todos os três momentos
temporais.
Achados do ensaio clínico
Given e colaboradores (2004) descobriram que, 20 semanas após a linha de base, os sujeitos do
grupo experimental estavam menos deprimidos do que os do grupo de controle. Os pesquisadores
constataram também que o efeito da intervenção sobre a gravidade dos sintomas foi influenciado pela
sintomatologia inicial do paciente. Ou seja, pacientes do grupo experimental que iniciaram o ensaio
com gravidade mais elevada tiveram mais probabilidade de se beneficiar da intervenção.
Análise secundária
Doorenbos e colaboradores (2006) usaram os dados do ensaio clínico para tratar uma questão
específica, que ainda não tinha sido explorada. A variável primária de resultado da análise secundária
foi o funcionamento físico, e o foco versou sobre se o efeito da intervenção nesse resultado foi
moderado pelas características dos pacientes, como idade, estágio do câncer, sexo e comorbidades. A
análise sugeriu que a intervenção especial afetou as trajetórias do funcionamento físico diferentemente
em cada pessoa, de acordo com suas características pessoais e de saúde. Por exemplo, a intervenção
beneficiou em maior grau as taxas de mudança do funcionamento físico de pacientes com número
elevado de condições de saúde crônicas do que daqueles com menor número de patologias
crônicas.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER o pensamento CRÍTICo
1Responda às questões do Quadro 11.1 relevantes para este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
compreender o estudo:
a)O ensaio clínico foi prospectivo ou retrospectivo?
b) Na linguagem associada à pesquisa de avaliação, seria possível descrever alguma parte do
estudo como análise de processo? Análise de resultados? Análise de impactos? Análise de
custos?
c) Comente o tema da causalidade no contexto deste estudo.
d) Indique um componente qualitativo para esta pesquisa e descreva sua potencial utilidade no
incremento de tal estudo.
(continua)
334
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO (continuação)
3Se os resultados desse estudo forem válidos, quais os possíveis usos dos achados na prática
clínica?
EXEMPLO 2
Enquete, pesquisa metodológica e análise secundária
Estudos
Projeto de pesquisa e características dos sujeitos com previsão de não participação em uma enquete
em série com famílias de idosos portadores de câncer (Neumark, Stommel, Given e Given, 2001). A
influência de cuidar idosos com câncer em fase terminal nos cuidadores (Doorenbos et al., 2007).
Enquetes
Em meados e no final da década de 1990, o doutor Given realizou uma enquete com mais de mil
idosos recentemente diagnosticados com câncer de pulmão, colo, mama ou próstata. O estudo
de série envolveu quatro sessões de entrevistas por telefone (nas semanas 6­‑8, 12­‑16, 24­‑30 e 52
após o diagnóstico) e questionários autoadministrados, respondidos pelos participantes e por seus
cuidadores, recrutados em vários hospitais e centros de tratamento. O propósito do estudo original
era examinar os resultados físico, emocional e financeiro para os pacientes e os membros da família
ao longo do primeiro ano após o diagnóstico do câncer. As descobertas­‑chave da pesquisa original
foram apresentadas em vários artigos de periódicos científicos (p. ex., Given et al., 2000, 2001).
Pesquisa metodológica
Neumark e colaboradores (2001) buscaram identificar fatores possivelmente responsáveis pela perda
de sujeitos nas fases iniciais de um estudo em série. Eles compararam três grupos de pacientes:
elegíveis que se recusaram a participar (não concordantes), aqueles que originalmente concordaram
em participar, mas, depois, se recusaram (desistentes prematuros) e sujeitos que realmente
participaram do estudo (participantes). Os pesquisadores examinaram dois tipos amplos de fatores
que poderiam ajudar a explicar a não participação: as características do sujeito e as características do
projeto. O objetivo foi obter informações úteis a outras pessoas na elaboração de estudos em série
e no recrutamento de sujeitos. Eles descobriram, por exemplo, que o fator mais potente relacionado
ao projeto era se o parente cuidador também era abordado a respeito da participação. Os pacientes
ficavam mais propensos a dar o consentimento e menos inclinados a desistir quando os cuidadores
também eram abordados.
Análise secundária
O conjunto de dados da entrevista foi usado em várias análises secundárias. Doorenbos, Givens e
colaboradores (2007), por exemplo, empregaram os dados de 619 cuidadores que completaram
um ano de estudo ou cujo familiar morreu. A análise focou se aqueles que cuidavam de membros
da família que, no final, morreram relatavam sintomas depressivos e cargas diferentes daqueles
descritos por cuiadores cujo membro da família sobreviveu ao longo do estudo. As descobertas
sugeriram que a sintomatologia depressiva do cuidador melhorou no decorrer do tempo em
ambos os grupos, mas os sintomas foram maiores entre os cuidadores cujo parente morreu. Entre
cuidadores­‑cônjuges, aqueles cujo cônjuge morreu relataram cargas maiores do que aqueles cujo
cônjuge sobreviveu.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 11.1 relevantes para este estudo.
(continua)
CAPÍTULO 11
Tipos específicos de pesquisa
335
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
compreender o estudo:
a)Este estudo é longitudinal ou transversal?
b)Nos estudos de Neumark e colaboradores e Doorenbos, quais são as variáveis independente
e dependente?
c) Comente o tema da causalidade no contexto do estudo de Doorenbos e colaboradores.
3 Que os possíveis usos dos achados desses estudos na prática clínica?
REVISÃO DO CAPÍTULO
Nesta seção, são apresentados os novos termos­‑chave deste capítulo, além de um
resumo dos pontos principais.
Novos termos­‑chave
ü
ü
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ü
ü
ü
Análise econômica (de custos)
Análise secundária
Ensaio clínico
Estudo de eficácia
Estudo de eficiência
Pesquisa com método misto
ü
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ü
ü
ü
Pesquisa de avaliação
Pesquisa de enquete
Pesquisa de resultados
Pesquisa metodológica
Teoria de intervenção
Tópicos resumidos
ü
ü
ü
ü
Os estudos variam de acordo com o propósito e também com o modelo ou a
tradição de pesquisa. Para muitos propósitos, estudos de método misto são
vantajosos. A pesquisa com método misto envolve triangulação de dados
qualitativos e quantitativos em um único projeto.
Os estudos com método misto são usados para muitos propósitos, incluindo
desenvolvimento e teste de instrumentos de alta qualidade, geração e teste de
hipóteses, construção de teorias e desenvolvimento de intervenções.
Em estudos mistos com modelo com componentes, os aspectos qualitativo e
quantitativo implementam­‑se como componentes separados e permanecem
distintos durante a coleta e a análise de dados. A segunda categoria ampla são
os modelos integrados, em que há maior integração dos métodos durante todo
o processo de pesquisa.
Ensaios clínicos, que são estudos destinados a avaliar a eficácia de intervenções clínicas, com frequência envolvem uma série de fases. A fase I destina­‑se
a finalizar os aspectos da intervenção. Já a fase II envolve a busca de dados
preliminares sobre a eficácia e oportunidades de refinamento. A fase III consiste
em um teste experimental completo sobre a eficácia do tratamento. Na fase IV,
o pesquisador aborda principalmente a eficiência geral e os dados sobre custos
e benefícios.
336
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ü
ü
ü
ü
ü
ü
ü
Os ensaios clínicos e práticos (ou pragmáticos) estão voltados a fornecer
informações para aqueles que tomam as decisões clínicas e envolvem modelos
cujo objetivo é reduzir a distância entre estudos de eficácia e de eficiência (i.e.,
entre a validade interna e externa).
A pesquisa de avaliação examina a eficiência de um programa, de uma política
ou de um procedimento na assistência a pessoas responsáveis pela tomada de
decisões na hora de escolher o rumo da ação. As avaliações podem responder
a uma série de questões. As análise de processo ou implantação descreve o
processo pelo qual um programa é implantado e como ele funciona na prática. A
análise de resultados descreve o estado de alguma condição após a introdu­ção
de uma intervenção. A análise de impactos testa se a intervenção causou algum
impacto relativo ao contrafato. A análise econômica (de custos) busca determinar se os custos financeiros de um programa não ultrapassam seus benefícios.
A pesquisa de intervenção em enfermagem é uma expressão usada, às vezes,
para se referir ao processo distinto de planejar, desenvolver, testar e disseminar
uma intervenção. O aspecto­‑chave desse processo é o desenvolvimento de uma
teoria de intervenção, a partir da qual se origina o modelo e a avaliação da
intervenção. A pesquisa de intervenção segue várias fases, e uma delas, especialmente importante, é a fase de desenvolvimento (fase I), que, com frequência,
envolve pesquisas com método misto.
A pesquisa de resultados é feita para documentar a qualidade e a eficiência
do serviço de saúde e de enfermagem. Um modo de qualidade dos serviços
de saúde abrange vários conceitos amplos, incluindo estrutura (fatores como
acessibilidade, abrangência dos serviços, instalações e clima organizacional);
processo (intervenções e ações de enfermagem); fatores de risco para o cliente (p.
ex., gravidade da doença ou combinação de casos); e resultados (os respectivos
resultados finais do atendimento ao paciente em termos de funcionamento do
paciente).
A pesquisa de enquete examina características, comportamentos, intenções
e opiniões de pessoas às quais se fazem perguntas. O método preferido são
as entrevistas pessoais, em que os entrevistadores encontram­‑se com os respondentes face a face e fazem­‑lhes perguntas. As entrevistas por telefone são
menos onerosas, mas desaconselháveis quando longas demais ou quando tratam
de questões muito delicadas. Os questionários são autoadministrados (i.e., as
questões são lidas pelos respondentes, que fornecem respostas por escrito).
A análise secundária refere­‑se a estudos em que os pesquisadores analisam
dados previamente coletados – sejam eles quantitativos ou qualitativos. As análises secundárias são econômicas, mas, às vezes, é difícil identificar um banco
de dados já existente apropriado.
Na pesquisa metodológica, o investigador preocupa­‑se com o desenvolvimento,
a validação e a avaliação de estratégias ou ferramentas metodológicas.
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 11
Au, F., Shiell, A., van der Pol, M., Johnston, D., & Tough, S. (2007). Does supplementary
prenatal nursing and home visitation reduce healthcare costs in the year after childbirth?
Journal of Advanced Nursing, 56, 657–668.
Choi, M., Phillips, L., Figueredo, A., Insei, K., & Min, S. (2008). Construct validity of the
Korean Women’s Abuse Intolerance Scale. Nursing Research, 57, 40–50.
CAPÍTULO 11
Tipos específicos de pesquisa
337
Doorenbos, A., Given, B., Given, C., & Verbitsky, N. (2006). Physical functioning: Effect of
behavioral intervention for symptoms among individuals with cancer. Nursing Research, 55,
161–171.
Doorenbos, A., Given, B., Given, C., Wyatt, G., Gift, A., Rahbar, M. et al. (2007). The influence
of end-of-life cancer care on caregivers. Research in Nursing & Health, 30, 270–281.
Duffy, J., Hoskins, L., & Dudley-Brown, S. (2005). Development and testing of a caringbased intervention for older adults with heart failure. Journal of Cardiovascular Nursing,
20, 325–333.
Duffy, J., & Hoskins, L. (2008). Research challenges and lessons learned from a heart failure
telehome-care study. Home Healthcare Nurse, 26, 58–65.
Given, C., Given, B., Azzouz, F., Stommel, M., & Kozachik, S. (2000). Comparison of changes
in physical functioning of elderly patients with new diagnoses of cancer. Medical Care, 38,
482–493.
Given, C., Given, B. Azzouz, F., Kozachik, S., & Stommel, M. (2001). Predictors of pain and
fatigue in the year following diagnosis among elderly cancer patients. Journal of Pain and
Symptom Management, 21, 456–466.
Given, C., Given, B., Rahbar, M., Jeon, S., McCorkle, R., Cimprich, B. et al. (2004). Effect
of a cognitive behavioral intervention on reducing symptom severity during chemotherapy.
Journal of Clinical Oncology, 22, 507–516.
Hadley, E., Smith, C., Gallo, A., Angst, D., & Knafl, K. (2008). Parents’ perspectives on having
their children interviewed for research. Research in Nursing & Health, 31, 4–11.
Hepburn, K., Lewis, M., Tornatore, J., Sherman, C., & Bremer, K. (2007). The Savvy Caregiver
program: The demonstrated effectiveness of a transportable dementia caregiver psychoeducation program. Journal of Gerontological Nursing, 33, 30–36.
Keefe, M., Karlsen, K., Lobo, M., Kotzer, A., & Dudley, W. (2006). Reducing parenting stress
in families with irritable infants, Nursing Research, 55, 198–205.
Kelly, P., Ahmed, A., Martinez, E., & Peralez-Dieckmann, E. (2007). Cost analysis of obtaining postintervention results in a cohort of high-risk adolescents. Nursing Research, 56,
269–274.
Kulig, J., Andrews, M., Stewart, N., Pitblado, R., MacLeod, M., Bentham, D. et al. (2008).
How do registered nurses define rurality? Australian Journal of Rural Health, 16, 28–32.
Kyung, K., & Chin, P. (2008). The effect of a pulmonary rehabilitation programme on older
patients with chronic pulmonary disease. Journal of Clinical Nursing, 17, 118–125.
Lunney, M. (2006). NANDA diagnoses, NIC interventions, and NOC outcomes used in an
electronic health record with elementary school children. Journal of School Nursing, 22,
94–101.
Malbasa, T., Kodish, E., & Santacroce, S. (2007). Adolescent adherence to oral therapy for
leukemia. Journal of Pediatric Oncology Nursing, 24, 139–151.
Manuel, J., Burwell, S., Crawford, S., Lawrence, R., Farmer, D., Hege, A. et al. (2007). Younger
women’s perceptions of coping with breast cancer. Cancer Nursing, 30, 85–94.
Neumark, D. E., Stommel, M., Given, C. W., & Given, B. A. (2001). Research design and
subject characteristics predicting nonparticipation in a panel survey of older families with
cancer. Nursing Research, 50, 363–368.
Nicolaides-Bouman, A., van Rossum, E., Habets, H., Kempen, G., & Knipschild, P. (2007).
Home visiting programme for older people with health problems: Process evaluation. Journal
of Advanced Nurs-ing, 58, 425–435.
Rafferty, A., Clarke, S., Coles, J., Ball, J., James, P., McKee, M. et al. (2007). Outcomes of
variation in hospital nurse staffing in English hospitals. International Journal of Nursing
Studies, 44, 175–182.
338
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Riley, T., Lewis, B., Lewis, M. P., & Fava, J. (2008). Low-income HIV-infected women and
the process of engaging in health behavior. Journal of the Association of Nurses in AIDS Care,
19, 3–15.
Schmalenberg, C., & Kramer, M. (2008). Essentials of a productive nurse work environment.
Nursing Research, 57, 2–13.
Smith, R., Lein, C., Collins, C., Lyles, J., Given, B., Dwamena, F. et al. (2003). Treating
patients with medically unexplained symptoms in primary care. Journal of General Internal
Medicine, 18, 478–489.
Svensson, J., Barclay, L., & Cooke, M. (2006). The concerns and interests of expectant and
new parents: Assessing learning needs. Journal of Perinatal Education, 15, 18–27.
Svensson, J., Barclay, L., & Cooke, M. (in press). Randomised-controlled trial of two antenatal
education programmes. Midwifery.
Wuest, J., Hodgins, M., Malcolm, J., Merritt-Gray, M., & Seamon, P. (2007). The effects of
past relationship and obligation on health and health promotion in women caregivers of
adult family members. Advances in Nursing Science, 30, 206-220.
12
Planos de
amostragem
CONCEITOS BÁSICOS
DE AMOSTRAGEM
Populações
Amostras e amostragem
Estratos
AMOSTRAGEM EM ESTUDOS
QUANTITATIVOS
Amostragem nas três principais tradições
qualitativas
Amostragem em estudos fenomenológicos
CRÍTICA De PLANOS
DE AMOSTRAGEM
Crítica de amostragem quantitativa
Crítica de amostragem qualitativa
Amostragem de não probabilidade
Amostragem de probabilidade
Tamanho da amostra em estudos quantita‑
tivos
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADEs DE PENSAMENTO
CRÍTICO
AMOSTRAGEM NA
PESQUISA QUALITATIVA
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
A lógica da amostragem qualitativa
Tipos de amostragem qualitativa
Tamanho da amostra na pesquisa qualitativa
REVISÃO DO CAPÍTULO
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 12
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
üIdentificar diferenças na lógica de amostragem de estudos quantitativos versus qualitativos.
ü Distinguir entre amostras de não probabilidade e de probabilidade e comparar suas vantagens e
desvantagens em estudos qualitativos e quantitativos.
üIdentificar vários tipos de amostragem em estudos qualitativos e quantitativos e descrever suas
principais características.
ü
Avaliar em que medida o método de amostragem e o tamanho da amostra são apropriados ao
estudo.
ü
Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
340
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
A amostragem é um processo familiar a todos nós – tomamos decisões e formamos opiniões sobre fenômenos com base no contato apenas com amostras deles.
Os pesquisadores também extraem conhecimento e tiram conclusões a partir de
amostras. Ao testar a eficácia de uma intervenção de enfermagem para pacientes
com câncer, os enfermeiros pesquisadores tiram conclusões sem terem testado a
intervenção com cada uma das vítimas da doença. No entanto, as consequências
de erros de inferência são mais perigosas quando se avaliam dados para a prática
de enfermagem do que na tomada de decisões privadas.
Pesquisadores quantitativos e qualitativos adotam abordagens diferentes
para montar suas amostras. Os quantitativos anseiam por amostras que permitam
alcançar a validade estatística das conclusões e generalizar os resultados. Eles
desenvolvem um plano de amostragem que especifica, com antecedência, como
os participantes serão selecionados e quantos serão incluídos. Os qualitativos estão interessados em desenvolver uma compreensão rica e holística do fenômeno.
Eles tomam decisões sobre a amostragem no decorrer do estudo, com base em
necessidades informativas e teóricas e, tipicamente, não desenvolvem um plano
de amostragem de antemão. Este capítulo discute questões da amostragem para as
pesquisas quantitativa e qualitativa.
CONCEITOS BÁSICOS DE AMOSTRAGEM
A amostragem é parte essencial do projeto de pesquisa quantitativa. A princípio,
vamos considerar alguns termos associados com a amostragem – usados principalmente (mas não de modo exclusivo) em estudos quantitativos.
Populações
População é agregação total de casos em que se está interessado. Por exemplo,
se o pesquisador está estudando os enfermeiros dos Estados Unidos com grau
de doutor, a população pode ser definida como todos os cidadãos desse país que
possuem registro de enfermeiro e grau de doutor ou alguma outra titulação equivalente. Outras populações possíveis são pacientes masculinos submetidos a uma
cirurgia cardíaca no St. Peter’s Hospital em 2009 ou todas as crianças australianas
de menos de 10 anos de idade com fibrose cística. A população pode ser definida
de modo amplo, envolvendo milhares de indivíduos, ou de modo restrito, incluindo apenas centenas.
As populações não se restringem a seres humanos. Elas podem se constituir
de registros de arquivos de um hospital específico ou de todas as universidades
dos Estados Unidos com clínicas que distribuem contraceptivos. Seja qual for a
unidade básica, a população abrange todo o agregado de elementos em que o
pesquisador está interessado.
Os pesquisadores (especialmente os quantitativos) especificam as características que delimitam a população do estudo por meio de critérios de elegibilidade
(ou critérios de inclusão). Consideremos, por exemplo, a população de estudantes
de enfermagem estadunidenses. Essa população incluiria estudantes de meio período? Os pesquisadores estabelecem critérios para determinar se uma pessoa se
qualifica como membro da população – embora as populações, às vezes, sejam
CAPÍTULO 12
Planos de amostragem
341
definidas em termos de características que as pessoas não devem ter, por meio de
critérios de exclusão (p. ex., excluir pessoas que não falam inglês).
Exemplo de critérios de inclusão e exclusão
Lindgren e colaboradores (2008) estudaram como pacientes idosos com doença cardíaca co‑
ronária isquêmica seriam agrupados com base nos sintomas presentes na semana anterior à
hospitalização. Pacientes de cinco centros médicos eram elegíveis para o estudo quando eram
idosos sem companheiros, com idade de 65 anos ou mais, tendo resultado positivo em testes de
enzimas considerados diagnósticos de infarto do miocárdio ou cirurgia arterial bypass, capazes de
ler e falar inglês, com telefone e residência no raio de 80 km em relação ao centro médico.
Os pesquisadores quantitativos formam amostras de uma população acessível na esperança de generalizar a população­‑alvo, que é toda a população em
que o pesquisador está interessado. A população acessível é composta de casos da população­‑alvo acessíveis como participantes do estudo. Por exemplo, a
população­‑alvo pode ser todos os pacientes diabéticos dos Estados Unidos, e, na
prática, a população acessível pode consistir de pacientes diabéticos em uma clínica específica.
DICA
Um tema­‑chave para o desenvolvimento da prática baseada em evidências são as informações
das populações a respeito das quais a pesquisa foi conduzida. Muitos pesquisadores quantita‑
tivos não conseguem identificar sua população­‑alvo ou discutir o tema do potencial de gene‑
ralização dos resultados. Os pesquisadores devem informar com cuidado quais as populações,
de modo que os usuários da pesquisa tenham dados para concluir se as descobertas são rele‑
vantes para os grupos com os quais trabalham.
Amostras e amostragem
A amostragem é o processo de seleção de uma porção da população para representar a população inteira (Figura 12.1). Já a amostra é um subconjunto dos
elementos da população. Na pesquisa em enfermagem, os elementos (unidades básicas) geralmente são humanos. Os pesquisadores trabalham mais com amostras
do que com populações, porque é mais econômico e prático fazer assim.
As informações das amostras podem, no entanto, levar a conclusões errô­
neas, e isso, especificamente, é uma preocupação em estudos quantitativos. Neles,
um critério de adequação­‑chave é a representatividade da amostra. Uma amostra
representativa é aquela cujas características se aproximam bastante daquelas da
população. Infelizmente, não há método capaz de garantir que uma amostra seja
representativa. Alguns planos de amostra são mais propensos a resultar em amostras com desvios do que outros, mas nunca há total garantia de uma amostra representativa. Os pesquisadores operam sob condições em que erros são possíveis,
mas os quantitativos esforçam­‑se para minimizar ou controlá­‑los. Os consumidores têm de avaliar o êxito desse esforço do pesquisador – o êxito em minimizar
desvios de amostragem.
342
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Para quem
generalizar as
descobertas?
A que
população se
tem acesso?
População­‑alvo
População
acessível
Por meio de
que recur‑
so pode­‑se
acessá­‑la?
Estrutura da
amostragem
Quem está
participando
do estudo?
Amostra
FIGURA 12.1
Da população­‑alvo à amostra do estudo.
O desvio de amostragem é o excesso ou insuficiência da representação de
algum segmento da população em termos de característica relevante para a questão de pesquisa. O desvio de amostragem é afetado por muitos fatores, inclusive
pela homogeneidade da população. Se os elementos de uma população forem
todos idênticos em relação ao atributo crítico, então todas as amostras são igualmente boas. De fato, se a população for completamente homogênea (i.e., se não
exibir qualquer variabilidade), um único elemento será uma amostra suficiente
para tirar conclusões sobre a população. No caso de muitos atributos físicos ou
fisiológicos, pode ser seguro pressupor um grau razoável de homogeneidade.
Por exemplo, o sangue nas veias de uma pessoa é relativamente homogêneo,
assim uma única amostra de sangue do paciente, escolhida aleatoriamente, é
adequada a propósitos clínicos. A maioria dos atributos humanos, no entanto,
não é homogênea. As variáveis são assim chamadas porque há traços que variam
de acordo com a pessoa. Idade, pressão arterial e nível de estresse são todos
atributos que refletem a heterogeneidade dos seres humanos.
CAPÍTULO 12
Planos de amostragem
343
Estratos
As populações consistem em subpopulações ou estratos. Os estratos são segmentos
mutuamente exclusivos de uma população, com base em uma característica específica. Por exemplo, a população que consiste em todos os enfermeiros registrados dos
Estados Unidos pode ser dividida em dois estratos com base no sexo. Outra opção
seria especificar três estratos – um de enfermeiros com menos de 30 anos de idade,
outro de 30 a 45 e um terceiro de 46 anos ou mais. Com frequência, os estratos são
usados na seleção de amostras para aumentar sua representatividade.
DICA
No relatório, em geral, o plano de amostragem é descrito na seção Método, às vezes em uma
subseção chamada “Amostra” ou “Participantes do estudo”. As características da amostra,
no entanto, podem ser descritas na seção “Resultados”. Quando o pesquisador realiza uma
análise dos desvios da amostra, pode ser que os descreva na seção “Método” ou “Resulta‑
dos”. Os pesquisadores podem, por exemplo, comparar as características de dois grupos de
pacientes convidados a participar do estudo – os que não concordaram em participar e os que
se tornaram sujeitos.
AMOSTRAGEM EM ESTUDOS QUANTITATIVOS
Os dois principais temas do modelo de amostragem em estudos quantitativos são
como a amostra é selecionada e como os muitos elementos são incluídos. Os dois
tipos amplos de modelos de amostragem na pesquisa quantitativa são a amostragem (1) de probabilidade e a (2) de não probabilidade.
Amostragem de não probabilidade
Na amostragem de não probabilidade, os pesquisadores selecionam elementos
por métodos não randômicos. Não há como estimar a probabilidade de inclusão
de cada elemento nesse tipo de amostra, e, comumente, nem todo elemento tem
chance de inclusão. A amostra de não probabilidade, em comparação com a de
probabilidade, é menos propensa a produzir amostras representativas, embora,
em muitas pesquisa em enfermagem e outras disciplinas, seja essa a opção. Os
quatro métodos primários da amostragem de não probabilidade em estudos quantitativos são por conveniência, por cota, em sequência e proposital.
Amostragem por conveniência
A amostragem por conveniência envolve o uso das pessoas mais convenientemente disponíveis como participantes. O enfermeiro que distribui um questionário
sobre o uso de vitaminas aos primeiros 100 idosos disponíveis residentes na comunidade está fazendo uma amostragem por conveniência. O problema desse tipo de
344
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
amostra é que os sujeitos disponíveis podem ser atípicos em relação à população;
portanto, o preço da conveniência é o risco de desvios.
A amostragem em rede (também chamada de amostragem bola­‑de­‑neve ou
em cadeia) é uma variante da conveniência. Nessa abordagem, solicita­‑se que os
primeiros membros da amostra indiquem outras pessoas que atendam aos critérios de elegibilidade. Com mais frequência, esse método é usado quando a população consiste de pessoas com características que podem ser difíceis de identificar
(p. ex., pessoas que têm medo de hospital).
A amostragem por conveniência é a forma mais fraca de amostragem. Entretanto, também é a mais comumente usada em muitas disciplinas. Em populações hete­
rogêneas, não há outra abordagem de amostragem cujo risco de desvios seja maior.
Exemplo de amostra de conveniência
Fraser e Polito (2007) compararam a autoeficácia de homens versus mulheres com esclerose
múltipla (EM). Eles usaram uma amostra por conveniência de 556 indivíduos com a doença.
Amostragem por cota
Na amostragem por cota, os pesquisadores identificam estratos da população e
determinam quantos participantes são necessários a cada estrato. Usando informações sobre as características da população, podem garantir que diversos segmentos se encontram adequadamente representados na amostra.
Como exemplo, suponhamos um estudo acerca das atitudes de estudantes
de graduação em enfermagem em relação ao trabalho em uma unidade de tratamento da AIDS (síndrome de imunodeficiência adquirida). A população acessível
consiste em uma escola de enfermagem com 500 graduandos matriculados; o
número de 100 estudantes é um tamanho de amostra desejável. Com uma amostra por conveniência, seria possível distribuir questionários a 100 estudantes que
entrassem na biblioteca da escola. No entanto, consideremos a suspeita de que
estudantes do sexo feminino e do masculino tenham atitudes diferentes em relação ao trabalho com vítimas da AIDS. A amostra por conveniência pode resultar
em excesso ou insuficiência de homens. A Tabela 12.1 apresenta alguns dados
fictícios sobre a distribuição da população por sexo e a amostra por conveniência, (segunda e terceira colunas). Nesse exemplo, na mostra por conveniência há
uma super­‑­re­presentação das mulheres e uma sub­‑representação dos homens. Na
amostra por cota, os pesquisadores podem orientar a seleção de sujeitos de modo
que seja incluído um número apropriado de casos de ambos estratos. A última
coluna da Tabela 12.1 mostra o número de homens e mulheres necessário para a
amostra por cotas.
Se desenvolvermos um pouco mais esse exemplo, será possível apreciar melhor os perigos de uma amostra com desvios. Suponhamos que a questão­‑chave
do estudo era: “Você teria vontade de trabalhar em uma unidade que trata exclusivamente pacientes com AIDS?”. A porcentagem de estudantes da população
que responderia “sim” a essa pergunta está indicada na segunda coluna da Tabela
12.2. Obviamente, não sabemos quais os valores; apresentamos alguns apenas
para ilustrar o caso. Nessa população, os homens eram mais propensos do que
as mulheres a querer trabalhar em uma unidade para pacientes com AIDS, mas
não foram bem representados na amostra por conveniência. Como resultado, há
CAPÍTULO 12
Tabela 12.1
ESTRATO
Planos de amostragem
345
NÚMEROS E PORCENTAGEM DE ESTUDANTES NOS ESTRATOS
DE UMA POPULAÇÃO E EM AMOSTRAS POR CONVENIÊNCIA E
POR COTA
POPULAÇÃO
AMOSTRA POR CONVENIÊNCIA
AMOSTRA POR COTA
Homem
100 (20%)
5 (5%)
20 (20%)
Mulher
400 (80%)
95 (95%)
80 (80%)
Total
500 (100%)
100 (100%)
100 (100%)
uma notável discrepância entre os valores da população e da amostra em termos
da variável dos resultados: quase duas vezes mais estudantes da população eram
favoráveis a trabalhar com vítimas da AIDS (20%) do que o indicado com base nos
resultados da amostra por conveniência (11%). A amostra por cotas, por sua vez,
saiu­‑se melhor no trabalho de refletir o ponto de vista da população (19%). Em
situações de pesquisa reais, as distorções de uma amostra por conveniência podem
ser menores do que nesse exemplo, mas também podem ser maiores.
Exceto a parte da identificação dos estratos­‑chave, a amostragem por cota,
em termos de procedimentos, é similar àquela por conveniência: os sujeitos são
uma amostra por conveniência de cada estrato da população. Em função disso, a
amostra por cota compartilha muitas das fraquezas da amostra por conveniência.
Por exemplo, se, de acordo com o plano de amostragem por cota, fosse preciso entrevistar 20 estudantes de enfermagem do sexo masculino, uma ida aos alojamentos seria um método conveniente de recrutamento desses sujeitos. Porém, essa
abordagem não forneceria uma representação dos estudantes do sexo masculino
que vivem fora do campus e que podem ter uma visão distinta sobre o trabalho
com pacientes com AIDS. Apesar desses problemas, no entanto, a amostragem
por cota representa uma melhora importante em relação à amostragem por conveniência para estudos quantitativos. A primeira é um modo relativamente fácil
Tabela 12.2
ESTUDANTES QUE desejam TRABALHAR EM UMA UNIDADE
PARA TRATAMENTO DA AIDS – NA POPULAÇÃO
E NAS AMOSTRAS POR CONVENIÊNCIA E POR COTA
POPULAÇÃO
AMOSTRA POR
CONVENIÊNCIA
AMOSTRA
POR COTA
Homens (número)
28
2
6
Mulheres (número)
72
9
13
Número total de estudantes que
desejam trabalhar
100
11
19
Número total de estudantes
500
100
100
Porcentagem de estudantes que
desejam trabalhar
20%
11%
19%
346
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
de incrementar a representatividade de uma amostra de não probabilidade e não
exige habilidades sofisticadas, nem muito esforço. Surpreendentemente, poucos
pesquisadores usam essa estratégia.
Exemplo de amostra por cota
Pieper e colaboradores (2006) usaram a amostragem por cota em seu estudo sobre insufici‑
ência venosa crônica (IVC) em indivíduos HIV­‑positivo e nos quais a neuropatia aumentava o
risco de IVC. Para estratificar a amostra, eles identificaram se a pessoa tinha ou não história de
uso de droga injetável e, então, inscreveram os participantes até preencher as cotas.
Amostragem em sequência
A amostragem em sequência envolve recrutar todas as pessoas de uma população acessível que atendam aos critérios de elegibilidade ao longo de um intervalo
de tempo específico ou até alcançar um tamanho de amostra determinado. Por
exemplo, em um estudo sobre pneumonia associada à ventilação em indivíduos na
UTI, se a população acessível for os pacientes da UTI de um hospital específico, a
amostra em sequência pode consistir de todas as pessoas elegíveis admitidas nessa
UTI no período de seis meses, ou os primeiros 250 sujeitos elegíveis admitidos na
UTI, se 250 for o tamanho­‑alvo da amostra.
A amostragem em sequência é uma abordagem muito melhor do que a por
conveniência, em especial quando o período de amostragem é suficientemente
longo para lidar com possíveis desvios que refletem flutuações sazonais ou de outro tipo relacionadas com o tempo. Quando todos os membros de uma população
acessível são convidados a participar de um estudo ao longo de um período de
tempo fixo, o risco de desvio fica bem reduzido. A amostragem em sequência com
frequência é a melhor escolha possível quando há “inscrição contínua” de participantes em uma população acessível.
Exemplo de amostra em sequência
O’Meara e colaboradores (2008) realizaram um estudo para avaliar fatores associados a in‑
terrupções na nutrição entérica em pacientes críticos sob ventilação mecânica. Participou do
estudo uma amostra em sequência de 59 pacientes da UTI que precisavam de ventilação
mecânica e estavam recebendo nutrição entérica.
Amostragem proposital
A amostragem proposital, ou amostragem intencional, baseia­‑se na crença de que
o conhecimento dos pesquisadores sobre a população pode ser usado para selecionar os membros da amostra. Os pesquisadores podem decidir propositalmente
sobre a seleção de sujeitos considerados típicos da população ou conhecedores das
questões estudadas. No entanto, nesse modo subjetivo, a amostragem não fornece
um método externo objetivo para avaliação do grau de tipicidade dos sujeitos
selecionados. Apesar disso, o uso desse método pode ser uma vantagem em certas
situações. Por exemplo, a amostragem proposital é usada com frequência quando
CAPÍTULO 12
Planos de amostragem
347
os pesquisadores querem uma amostra de especialistas. Além disso, como discutido mais adiante neste capítulo, esse tipo de amostragem tem sido usado, de modo
produtivo, por pesquisadores qualitativos.
Exemplo de amostragem proposital
Van den Heede e colaboradores (2007) avaliaram as visões de um painel internacional de espe‑
cialistas em relação ao estado da equipe de enfermagem e a pesquisa sobre os resultados dos
pacientes. Duas sessões de entrevistas foram realizadas com uma amostra de pesquisadores e
administradores de enfermagem de 10 países, selecionada propositalmente.
Avaliação da amostragem de não probabilidade
As amostras de não probabilidade raramente são representativas da população.
Quando os elementos da população não têm a mesma chance de serem incluídos na amostra, é provável que algum segmento dela fique sub­‑representado. E,
quando há desvio de amostragem, há sempre o risco de que os resultados sejam
mal interpretados. Por que então amostras de não probabilidade são usadas na
maioria dos estudos de enfermagem? Obviamente, as vantagens desse modelo de
amostragem são sua conveniência e economia. A amostragem de probabilidade
exige habilidades e recursos. Com frequência, não há opção, e o jeito é usar uma
abordagem de não probabilidade. Os pesquisadores quantitativos que fazem isso
devem ser cautelosos em suas inferências e conclusões a partir dos resultados, e o
leitor precisa estar alerta à possibilidade de desvios de amostragem.
DICA
Como dizer qual foi o modelo de amostragem usado em um estudo quantitativo? Os pesquisa‑
dores que se esforçam para alcançar uma amostra representativa geralmente descrevem seu
modelo de amostragem com detalhes na seção de método. Quando o relatório não explicita
o método de amostragem, em geral é seguro pressupor que foi usada uma amostra por con‑
veniência.
Amostragem de probabilidade
A amostragem de probabilidade envolve a seleção randômica de elementos de
uma população. A seleção randômica não pode ser (embora com frequência seja)
confundida com distribuição randômica, que já foi descrita, em sua relação com
os modelos experimentais, no Capítulo 9. Essa última refere­‑se ao processo de
distribuir randomicamente os sujeitos em grupos com diferentes condições de tratamento. A distribuição randômica não diz respeito ao modo como os sujeitos de
um experimento foram selecionados no início. O processo de seleção randômica
é aquele em que cada elemento da população tem uma chance igual e independente de ser selecionado. Os quatro modelos de amostragem de probabilidade
usados com mais frequência são: randômica simples, randômica estratificada, de
grupo e sistemática.
348
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Amostragem randômica simples
A amostragem randômica simples é o modelo mais básico. Uma vez que modelos de amostragens de probabilidade mais complexos incorporam alguns de seus
aspectos, os procedimentos envolvidos são brevemente descritos aqui, a fim de
que o leitor possa compreender o que está envolvido.
Na amostragem randômica simples, os pesquisadores estabelecem uma es‑
trutura de amostragem, nome técnico para uma lista dos elementos da população. Suponhamos que a população acessível seja os estudantes de enfermagem da
University of Connecticut. Então uma relação desses estudantes seria a estrutura
de amostragem. Se a população fosse hospitais grandes, com 500 leitos ou mais,
localizados na Flórida, então a estrutura de amostragem seria uma lista de todos
os hospitais desse tipo. Na prática, a população pode ser definida em termos de
uma estrutura de amostragem existente. Por exemplo, o pesquisador pode usar um
catálogo telefônico como estrutura de amostragem. Nesse caso, a população seria
definida como moradores da comunidade com um número de telefone listado.
Após a elaboração da lista dos elementos da população, numeram­‑se os elementos
consecutivamente. Em seguida, uma tabela de números randômicos ou um programa de computador é usado para selecionar, ao acaso, uma amostra do tamanho
desejado.
As amostras selecionadas desse modo não estão sujeitas a vieses do pesquisador. Não há garantia de que a amostra seja representativa da população, mas
a seleção randômica garante que diferenças entre a amostra e a população são
puramente uma função do acaso. A probabilidade de selecionar uma amostra com
desvio marcante em um processo de amostragem randômico é baixa e diminui à
medida que o tamanho da amostra aumenta.
A amostragem randômica simples é um processo trabalhoso. Desenvolver a
estrutura da amostragem, enumerar todos os elementos e selecionar os elementos
da amostra são tarefas regulares que consomem tempo, em particular quando a
população é grande. Além disso, raramente é possível obter uma listagem completa dos elementos da população; por essa razão, com frequência, são usados outros
métodos.
Exemplo de amostra randômica simples
Nachreiner e colaboradores (2007) realizaram uma enquete com enfermeiros registrados e
práticos licenciados para comparar suas experiências com a violência no local de trabalho. Os
questionários foram enviados para uma amostra randômica de 6.300 enfermeiros licenciados
do estado de Minnesota (Estados Unidos).
Amostragem randômica estratificada
Na amostragem randômica estratificada, inicialmente, a população é dividida
em dois ou mais estratos. Assim como acontece na amostragem por cota, o objetivo aqui é incrementar a representatividade. Os modelos da amostragem estratificada subdividem a população em subconjuntos, dos quais serão selecionados
elementos de modo randômico. A estratificação baseia­‑se, com frequência, em
atributos demográficos, como idade ou sexo.
CAPÍTULO 12
Planos de amostragem
349
Em geral, as variáveis da estratificação dividem a população em subpopulações desiguais. Os pesquisadores podem montar as amostras de forma proporcional (em relação ao tamanho do estrato) ou desproporcional. Considerando­‑se
que a população de estudantes de uma escola de enfermagem nos Estados Unidos
consiste em 10% de afro­‑americanos, 5% de hispânicos, 5% de asiáticos e 80% de
brancos, uma amostra proporcional de 100 estudantes, estratificados de acordo
com a raça ou a etnia, seria formada de 10, 5, 5 e 80 estudantes dos respectivos estratos. Com frequência, os pesquisadores usam a amostra desproporcional
quando são desejáveis comparações entre estratos de tamanho desigual. Em nosso
exemplo, o pesquisador poderia selecionar 20 afro­‑americanos, 10 hispânicos, 10
asiáticos e 60 brancos para garantir uma representação mais adequada dos pontos
de vista das minorias raciais.
Com a amostragem randômica estratificada, os pesquisadores podem intensificar a representatividade de suas amostras. No entanto, essa amostragem pode
não ser possível quando não há informações disponíveis sobre as variáveis de estratificação (p. ex., listas de estudantes raramente incluem informações sobre raça
ou etnia). Além disso, a amostra estratificada requer ainda mais trabalho do que
a randômica simples, pois é preciso retirar os elementos de várias listagens enumeradas.
Exemplo de amostragem randômica estratificada
Ekwall e Hallberg (2007) estudaram a satisfação de cuidadores idosos informais que tinham
participado de uma enquete postal de idosos no sul da Suécia. A amostra original foi estrati‑
ficada com base na idade. Questionários foram enviados a 2.500 idosos com 75 a 79 anos de
idade; 2.500 com 80 a 84; 2.000 com 85 a 89; e 1.500 com 90 ou mais.
Amostragem de grupo
Para muitas populações, é impossível obter uma listagem de todos os elementos.
Seria difícil, por exemplo, listar a população de estudantes de enfermagem em
horário integral nos Estados Unidos e enumerá­‑la com o objetivo de selecionar
uma amostra randômica simples ou estratificada. Pesquisas com enquetes de larga
escala quase nunca usam amostragem randômica, nem simples nem estratificada;
comumente, elas se baseiam em amostragens de grupo.
Na amostragem de grupo, há a formação de amostras randômicas sucessivas das unidades. A primeira unidade são grupos grandes ou conjuntos. Ao montar
uma amostra de estudantes de enfermagem, inicialmente poderia ser feita uma
primeira amostra randômica das escolas de enfermagem e, depois, uma segunda
dos estudantes dessas escolas. O procedimento usual para selecionar amostras de
uma população geral é fazer a amostragem sucessiva de unidades administrativas
como estados, áreas de recenseamento e residências. Por causa dos estágios sucessivos do modelo de grupo, essa abordagem com frequência tem sido chamada de
amostragem multiestágios.
Para determinado número de casos, a amostragem de grupo tende a ser menos
precisa do que a randômica simples ou estratificada. Apesar dessa desvantagem,
mostra­‑se mais econômica e prática do que outros tipos de amostragem de probabilidade, em particular quando a população é grande e amplamente dispersa.
350
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Exemplo de amostragem de grupo ou multiestágios
Salsberry e Reagan (2007) realizaram uma análise de dados secundários da National Longitu‑
dinal Survey do conjunto de dados da Youth’s Child­‑Mother para examinar a relação entre o
peso e o tabagismo materno pré­‑natal e o peso subsequente de seus filhos na adolescência.
A amostra original nacionalmente representativa, entrevistada pela primeira vez em 1979, foi
selecionada de acordo com um modelo multiestágios, com amostragem de unidades adminis‑
trativas; depois, residências e, por fim, pessoas.
Amostragem sistemática
A amostragem sistemática envolve a seleção de sucessivos itens de uma lista,
como pessoas de uma série de pacientes contadas de 10 em 10. Os modelos da
amostragem sistemática podem ser aplicados de modo a formar uma amostra essencialmente randômica. Em primeiro lugar, o tamanho da população é dividido
pelo tamanho da amostra desejada, para se obter a medida do intervalo da amostragem. O intervalo da amostragem é a distância­‑padrão entre os elementos selecionados. Por exemplo, se quisermos uma amostra de 50, retirada de uma população de 5.000, o intervalo da amostragem será de 100 (5.000/50 = 100). Em outras
palavras, da estrutura de amostragem serão selecionados casos de 100 em 100.
No exemplo, o primeiro caso seria selecionado randomicamente (p. ex., usando­‑se
uma tabela de números randômicos). Se o número randômico escolhido for 73,
então as pessoas correspondentes aos números 73, 173, 273, e assim por diante,
serão incluídas na amostra. A amostragem sistemática realizada desse modo, em
essência, é idêntica à amostragem randômica simples, mas, com frequência, é preferível, porque os mesmos resultados são obtidos de modo mais conveniente.
Exemplo de amostra sistemática
Gillespie e colaboradores (2007) estudaram a resiliência em enfermeiros de salas de cirurgia
(SCs). Os pesquisadores enviaram um questionário a 1.430 enfermeiros – cujos nomes alter‑
nados (um sim, outro não) foram retirados de uma lista de membros da associação profissional
dos enfermeiros que trabalham em SCs na Austrália.
Avaliação da amostragem de probabilidade
A amostragem de probabilidade é o único método viável para a obtenção de amostras representativas. Se cada elemento de uma população tem igual probabilidade
de ser selecionado, então a amostra resultante provavelmente vai representar bem
a população. Outra vantagem consiste em que a amostragem de probabilidade
permite aos pesquisadores estimar a magnitude do erro de amostragem, que se
refere a diferenças entre os valores da população (p. ex., a idade média da população) e da amostra (p. ex., a idade média da amostra).
Os pontos fracos da amostragem de probabilidade mais relevantes são sua
inconveniência e complexidade. Em geral, usar um modelo de probabilidade está
além do campo de ação da maioria dos pesquisadores, a não ser que a população seja estritamente definida – e, se a população estiver estritamente definida,
a amostragem de probabilidade pode parecer um “canhão usado para matar uma
CAPÍTULO 12
Planos de amostragem
351
mosca”. A amostragem de probabilidade é o método preferencial e mais respeitado de obtenção de elementos para a amostra, mas com frequência é impraticável.
DICA
A qualidade do plano de amostragem tem especial importância na pesquisa por enquetes, pois
o propósito dela é obter informações descritivas sobre a prevalência ou valores médios da po‑
pulação. Todas as pesquisas nacionais, como a National Health Interview Survey, nos Estados
Unidos, usam amostras de probabilidade (em geral de grupo). As amostras de probabilidade
raramente são usadas em estudos experimentais ou quase experimentais.
Tamanho da amostra em estudos quantitativos
O tamanho da amostra – número de sujeitos da amostra – é questão essencial na
realização e avaliação da pesquisa quantitativa. Nenhuma equação simples pode
determinar qual deve ser o tamanho da amostra, mas os pesquisadores quantitativos costumam buscar a maior amostra possível. Quanto maior a amostra, mais
representativa tende a ser. Sempre que os pesquisadores calculam uma porcentagem ou média com base em dados da amostra, o propósito é estimar um valor da
população. Quanto maior a amostra, menor o erro de amostragem.
Ilustremos essa questão com um exemplo de estimativa do consumo mensal
de aspirina em uma casa de repouso (Tabela 12.3). A população é de 15 residentes
em casas de repouso cujo consumo de aspirina fica na média de 16 comprimidos
por mês. Duas amostras randômicas simples, com tamanho de 2, 3, 5 e 10, foram
retiradas da população de 15 residentes. Cada média da amostra à direita representa a estimativa da média da população, que se sabe ser 16. (Em circunstâncias
normais, o valor da população seria desconhecido, e seria feita apenas uma amostra.) Com a amostra de tamanho 2, a estimativa ficaria muito errada, ou seja, seria
de oito aspirinas (amostra 1B). À medida que o tamanho da amostra aumenta, a
probabilidade de se obter uma amostra com desvio diminui, pois amostras grandes fornecem a oportunidade de contrabalançar valores atípicos.
Por meio da análise de potência, os pesquisadores podem estimar o tamanho adequado das amostras para testar suas hipóteses de pesquisa (Cohen, 1988).
Um exemplo simples pode ilustrar princípios básicos da análise de potência. Suponhamos que um pesquisador está testando uma nova intervenção para ajudar as
pessoas a parar de fumar. Os fumantes devem ser distribuídos de modo randômico
a dois grupos, um experimental e outro de controle. A questão é: “Quantos sujeitos devem ser testados nesse estudo?”. Na análise de potência, os pesquisadores
estimam o tamanho da diferença entre os grupos (p. ex., a diferença na média
do número de cigarros fumados por semana após a intervenção). Essa estimativa
pode basear­‑se em pesquisas prévias ou em um teste­‑piloto. Quando se esperam
diferenças grandes, não é necessária uma amostra grande para garantir que as
diferenças serão reveladas na análise estatística. Entretanto, quando as diferenças
previstas são pequenas, são necessárias amostras grandes. Em nosso exemplo, se
o pesquisador espera uma pequena diferença entre os grupos no tabagismo pós­
‑intervenção, o tamanho da amostra necessário para testar a eficiência do novo
programa, considerando­‑se critérios estatísticos­‑padrão, será de cerca de 800 fumantes (400 por grupo). Se forem esperadas diferenças médias, serão necessárias
algumas centenas de fumantes na amostra total.
352
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Tabela 12.3
NÚMERO
DE PESSOAS
NO GRUPO
COMPARAÇÃO ENTRE OS VALORES E MÉDIAS DA
POPULAÇÃO E DA AMOSTRA: EXEMPLO DO
CONSUMO DE ASPIRINA EM CASAS DE REPOUSO
GRUPO
VALORES (NÚMERO
INDIVIDUAL DE
ASPIRINAS CONSUMIDAS)
MÉDIA
15
População
26, 28, 30
2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20, 22, 24
16,0
2
2
Amostra 1A
Amostra 1B
6, 14
20, 28
10,0
24,0
3
3
Amostra 2A
Amostra 2B
16, 18, 8
20, 14, 26
14,0
20,0
5
5
Amostra 3A
Amostra 3B
26, 14, 18, 2, 28
30, 2, 26, 10, 4
17,6
14,4
10
10
Amostra 4A
Amostra 4B
22, 16, 24, 20, 28, 14, 28, 20, 4
12, 18, 8, 10, 16, 6, 28, 14, 30, 22
15,8
16,4
A validade da conclusão estatística fica ameaçada quando as amostras são
pequenas demais, e os pesquisadores correm o risco de reunir dados que não sustentarão suas hipóteses – inclusive quando elas estão corretas. Todavia, amostras
grandes não são garantia de precisão. Na amostragem de não probabilidade, até
mesmo uma amostra grande pode abrigar desvios extensivos. O famoso exemplo
para ilustrar esse ponto é a pesquisa presidencial dos Estados Unidos ­realizada em
1936 pela revista Literary Digest, que previu a vitória folgada de Alfred M. Landon
sobre Franklin D. Roosevelt. Uma amostra de 2,5 milhões de pessoas participou da
pesquisa, mas houve desvios porque a amostra foi retirada de catálogos telefônicos
e registros de automóveis durante o ano de depressão econômica, quando apenas
as pessoas bem­‑sucedidas (favoráveis a Landon) tinham carro ou telefone.
Uma amostra grande não é capaz de corrigir um modelo de amostragem
errôneo. Apesar disso, uma amostra de não probabilidade grande é preferível a
outra pequena. Ao criticar estudos quantitativos, é preciso avaliar tanto o tamanho
da amostra quanto o método de seleção para, então, julgar o grau de sua representatividade.
DICA
O plano de amostragem muitas vezes é um dos pontos mais fracos dos estudos quantitativos.
A maioria dos estudos de enfermagem usa amostras por conveniência, e muitos se baseiam
em amostras pequenas demais para um teste adequado das hipóteses de pesquisa. A análise
de potência não é usada por muitos enfermeiros pesquisadores, e os relatórios de pesquisa,
tipicamente, não oferecem justificativa para o tamanho da amostra do estudo. Amostras pe‑
quenas correm alto risco de levar os pesquisadores a rejeitar erroneamente suas hipóteses
de pesquisa. Portanto, o leitor precisa estar especialmente preparado para criticar o plano de
amostragem de estudos que não sustentam as hipóteses de pesquisa.
CAPÍTULO 12
Planos de amostragem
353
AMOSTRAGEM NA PESQUISA QUALITATIVA
Os estudos qualitativos quase sempre usam amostras pequenas e não randômicas.
Isso não significa que os pesquisadores qualitativos ignoram a qualidade de suas
amostras, mas que fazem considerações diferentes ao selecionar os participantes
do estudo.
A lógica da amostragem qualitativa
A pesquisa quantitativa preocupa­‑se com a medição de atributos e relações em
uma população. Portanto, é desejável uma amostra representativa, de modo que
as descobertas possam ser generalizadas para a população. O objetivo da maior
parte dos estudos qualitativos é descobrir o significado e revelar realidades múltiplas. Por isso, o grau de generalização não é uma ponderação diretiva.
Os pesquisadores qualitativos colocam questões de amostragem do tipo:
“Quem pode ser uma fonte de dados rica de informações para meu estudo?”; “Com
quem devo conversar ou o que devo observar para maximizar minha compreensão
do fenômeno?”. Um primeiro passo crítico na amostragem qualitativa é selecionar
cenários com elevado potencial de riqueza informativa.
À medida que o estudo avança, novas questões de amostragem emergem,
como as seguintes: “Com quem posso falar ou quem posso observar para confirmar minhas compreensões; confrontar ou modificar as minhas compreensões; ou
enriquecer minhas compreensões?”. Assim como acontece com o modelo geral em
estudos qualitativos, o modelo de amostragem é emergente e capitaliza informações prévias para orientar a direção subsequente.
DICA
Da mesma forma que os pesquisadores quantitativos, os qualitativos com frequência identi‑
ficam critérios de elegibilidade para seus estudos. Ainda que não expressem uma população
específica para a qual se pretende generalizar os resultados, os qualitativos estabelecem tipos
de pessoas elegíveis para a participação em sua pesquisa.
Tipos de amostragem qualitativa
Em geral, os pesquisadores qualitativos evitam amostras de probabilidade. A amostra
randômica não é o melhor método para selecionar pessoas que devem ser bons informantes, ou seja, pessoas com determinado conhecimento, articuladas, ponderadas e
dispostas a conversar longamente com os pesquisadores. Vários modelos de amostragem de não probabilidade têm sido usados por pesquisadores qualitativos.
Amostragem por conveniência e rede
Os pesquisadores qualitativos com frequência iniciam o estudo com uma
amostragem por conveniência que, às vezes, é chamada de amostra voluntária.
354
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
As amostras voluntárias tendem a ser usadas, em especial, quando os pesquisadores precisam que potenciais participantes se apresentem e se identifiquem. Por
exemplo, suponhamos um estudo sobre as experiências de pessoas com pesadelos
frequentes. Pode ser difícil identificar possíveis participantes de imediato. Nessa situação, para recrutar membros da amostra, pode­‑se colocar um anúncio em
quadros de aviso, jornais ou internet, solicitando o contato de pessoas que têm
pesadelos. Nesse caso, nem estamos tão interessados em formar uma amostra representativa das pessoas que têm pesadelos, mas em obter um grupo diversificado,
que represente várias experiências com pesadelos.
A amostragem por conveniência com frequência é eficaz, mas geralmente
não se apresenta como a abordagem preferida, nem mesmo em estudos qualitativos. Nesses estudos, o objetivo principal é extrair a maior quantidade possível
de informações de um número pequeno de informantes, e a amostra por conveniência às vezes não fornece as fontes mais ricas em informações. Ainda assim, ela
pode ser um modo econômico de iniciar o processo de amostragem.
Exemplo de amostra por conveniência
Woodman e Radzyminski (2007) exploraram as experiências de mulheres após uma cirurgia
de redução mamária. Foi recrutada uma amostra por conveniência de nove mulheres durante
suas consultas de acompanhamento.
Os pesquisadores qualitativos também usam a amostragem em rede, pedindo aos primeiros informantes que indiquem outros participantes para o estudo.
Esse método eventualmente é chamado de amostragem por indicação, pois se
baseia em indicações feitas por pessoas que já estão na amostra. Um dos pontos
fracos dessa abordagem consiste em que tal amostra pode ficar restrita a um
grupo pequeno de conhecidos. Além disso, a qualidade das indicações sofre influência da confiança do membro da amostra no pesquisador e de seu verdadeiro
desejo de cooperar.
Exemplo de amostra EM REDE
Yu (2007) explorou a influência da cultura chinesa sobre o comportamento sexual de adoles‑
centes chineses nascidos na Grã­‑Bretanha. Foi usada uma amostragem em rede para identifi‑
car 20 adolescentes e seus pais nascidos na China.
Amostragem proposital
A amostragem qualitativa pode ter início com informantes voluntários, sendo suplementada com novos participantes por meio da abordagem em rede, mas muitos estudos qualitativos evoluem, no final, para uma estratégia de amostragem
proposital (ou intencional), ou seja, os pesquisadores escolhem deliberadamente
os casos ou os tipos de casos que podem contribuir mais para as necessidades de
informação do estudo. Isso significa que, seja qual for o modo inicial de seleção
dos participantes, com frequência os pesquisadores qualitativos esforçam­‑se para
selecionar membros da amostra de maneira propositada, com base nas necessida-
CAPÍTULO 12
Planos de amostragem
355
des de informação que emergem das descobertas iniciais. A escolha dos próximos
membros da amostra depende de quem já foi selecionado.
Na amostragem proposital, várias estratégias têm sido identificadas (Patton,
2002), sendo algumas aqui mencionadas. Observe­‑se que os próprios pesquisadores não se referem, necessariamente, a seus planos de amostragem usando os
nomes dados por Patton, cuja classificação mostra os vários tipos de estratégia
adotadas por pesquisadores qualitativos para atender a necessidades conceituais
de suas pesquisas.
ü
ü
ü
ü
Amostragem de variação máxima. Envolve a seleção deliberada de casos, com
ampla abrangência de variação das dimensões estudadas.
Amostragem de caso extremo (desviado). Fornece oportunidades de aprendizado a
partir dos informantes mais incomuns e extremos (p. ex., sucessos excepcionais
e fracassos notáveis).
Amostragem de caso típico. Engloba a seleção de participantes que ilustram ou
esclarecem o que é médio ou típico.
Amostragem por critério. Inclui o estudo de casos que atendem a um critério de
relevância previamente determinado.
A amostragem de variação máxima com frequência é o modelo preferido
na pesquisa qualitativa, por ser útil para a documentação de todos os limites do
fenômeno e para a identificação de padrões importantes, que vão além das variações. Entretanto, outras estratégias também podem ser usadas de modo vantajoso,
dependendo da natureza da questão de pesquisa.
Exemplo de amostragem de variação máxima
Spilsbury e colaboradores (2007) realizaram um estudo detalhado das percepções de pacien‑
tes sobre o efeito da úlcera de pressão em sua qualidade de vida. Foi deliberadamente sele‑
cionada uma amostra de 23 pacientes que variava em relação a sexo, idade, ala do hospital em
que recebeu tratamento, razões da hospitalização e localização da úlcera de pressão.
DICA
Os relatórios de pesquisa qualitativa nem sempre usam termos como “amostragem de va‑
riação máxima”, mas pode ser que descrevam os esforços dos pesquisadores para selecionar
uma amostra de participantes diversificada.
A estratégia de formar amostras de casos confirmatórios e não confirmatórios
é outra abordagem proposital, usada com frequência mais no final da coleta de dados de estudos qualitativos. À medida que os pesquisadores observam tendências e
padrões nos dados, pode ser necessário verificar as conceituações emergentes. Os
casos confirmatórios são situações adicionais que se encaixam nas conceituações
dos pesquisadores e fortalecem a credibilidade. Os casos não confirmatórios são
casos novos, que não se encaixam nas interpretações dos pesquisadores e representam um desafio. Esses casos “negativos” podem oferecer novas visões sobre o
modo como a conceituação original precisa ser revisada ou expandida.
356
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
DICA
Parece que alguns pesquisadores qualitativos chamam a amostragem de proposital apenas
porque “de propósito” selecionaram as pessoas que experimentaram o fenômeno estudado.
No entanto, a exposição ao fenômeno é um critério de elegibilidade – a população estudada
compõe­‑se de pessoas submetidas a essa exposição. Se, depois, o pesquisador recruta qual‑
quer pessoa com a experiência desejada, então essa amostra é do tipo por conveniência, e não
proposital. A amostragem proposital implica a intenção de escolher cuidadosamente exempla‑
res particulares ou tipos de pessoas que melhor incrementam a compreensão do pesquisador
sobre o fenômeno.
Amostragem teórica
A amostragem teórica é um método usado com mais frequência em estudos de
teoria fundamentada. Envolve decisões sobre que dados coletar em seguida e onde
encontrá­‑los para desenvolver uma teoria emergente de modo adequado. A questão básica da amostragem teórica é: “A que grupos ou subgrupos o pesquisador
deve voltar sua atenção agora?” (Glaser, 1978). Os grupos são escolhidos à medida que são necessários por sua relevância para o desenvolvimento da conceituação
emergente. Eles não são escolhidos antes do início da pesquisa, mas apenas quando se mostram relevantes teoricamente para a continuidade do desenvolvimento
das categorias emergentes.
A amostragem teórica não é igual à amostragem proposital. O objetivo da
amostragem teórica é descobrir categorias e suas propriedades e oferecer novas
visões sobre as inter­‑relações que ocorrem na teoria substantiva.
Exemplo de amostragem teórica
Crigger e Meek (2007) usaram a amostragem teórica em seu estudo de teoria fundamentada
sobre o processo ocorrido depois que os enfermeiros percebem que cometeram algum erro
na prática clínica. Após as entrevistas e a análise dos dados dos primeiros três respondentes,
os pesquisadores perceberam a importância teórica da decisão dos enfermeiros de permane‑
cerem na prática hospitalar. Eles buscaram, então, incluir na amostra enfermeiros que já não
exerciam a prática em ambientes hospitalares.
Tamanho da amostra na pesquisa qualitativa
Não há regras para o tamanho da amostra na pesquisa qualitativa – em geral, ele
é determinado com base na necessidade de informações. Por isso, um princípio
diretivo na amostragem é a saturação de dados, ou seja, o tamanho da amostra
está relacionado com o ponto em que não há mais informações novas e se alcançou a redudância. Morse (2000) observou que o número de participantes necessário para se atingir a saturação depende de uma série de fatores. Por exemplo,
quanto mais abrangente for a questão de pesquisa, maior será, provavelmente, o
número de participantes necessário. A qualidade dos dados também pode afetar o
tamanho da amostra. Se os participantes são bons informantes, capazes de refletir
sobre as próprias experiências e de se comunicar com eficácia, a saturação pode
ser alcançada com uma amostra relativamente pequena. Além disso, se forem co-
CAPÍTULO 12
Planos de amostragem
357
letados dados longitudinais, podem ser necessários poucos participantes, pois vão
fornecer cada vez maior quantidade de informações. O tipo de estratégia de amostragem também pode ser relevante. Por exemplo, com amostras de variação máxima, a tendência é a necessidade de maior número de participantes do que com
a amostragem de caso típico. O tamanho da amostra também depende do tipo de
investigação qualitativa, como discutido a seguir.
DICA
Os consumidores podem julgar a adequação do tamanho da amostra em estudos quantitativos
pela análise de potência. No estudo qualitativo, é mais difícil avaliar essa adequação, porque
o critério principal é a redundância de informações, que o leitor não consegue julgar por não
dispor de informações suficientes.
Amostragem nas três principais tradições qualitativas
Há similaridades entre as várias tradições qualitativas em relação à amostragem:
as amostras costumam ser pequenas, não se usa a amostragem de probabilidade
e as decisões finais sobre amostragem tendem a acontecer no campo, durante a
coleta de dados. No entanto, há também algumas diferenças.
Amostragem na etnografia
Os etnógrafos podem começar pela adoção inicial de uma abordagem de “grande rede”, ou seja, misturar­‑se ao maior número possível de membros da cultura
estudada e conversar com eles. Mesmo podendo conversar com muitas pessoas
(usualmente de 25 a 50), os etnógrafos com frequência confiam bastante em um
número menor de informantes­‑chave que conhecem bem a cultura e desenvolvem relações especiais e contínuas com o pesquisador. Esses informantes­‑chave
costumam ser a principal ligação do pesquisador com o “lado de dentro”.
Os informantes­‑chave são escolhidos propositalmente, sob orientação dos
julgamentos informados dos pesquisadores, embora a amostragem possa ser
mais teórica à medida que o estudo avança. O desenvolvimento de um conjunto de potenciais informantes­‑chave com frequência depende da habilidade do
etnógrafo de construir uma estrutura relevante. Ele pode, por exemplo, buscar
tipos diferentes de informantes­‑chave com base em seus papéis (p. ex., médicos do sistema de saúde, advogados). Pronto o conjunto desses informantes, as
considerações­‑chave para a seleção final são seu nível de conhecimento sobre a
cultura e seu desejo de colaborar com o etnógrafo na revelação e na interpretação da cultura.
Na etnografia, a amostragem envolve, tipicamente, mais do que escolher informantes. Para compreender a cultura, os etnógrafos precisam decidir não apenas
quem, mas também o que vai compor a amostra. Eles podem, por exemplo, tomar
decisões sobre os eventos e as atividades a serem observados, os registros e artefatos
a serem examinados e os locais a serem explorados, a fim de localizar pistas sobre
a cultura. Os informantes­‑chave podem desempenhar papel importante, ajudando
na decisão de qual será a amostra.
358
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Exemplo de amostra etnográfica
Sobralske (2006) realizou um estudo etnográfico, explorando as crenças e os comportamentos
da busca por serviços de saúde de homens mexicano­‑americanos que moravam no estado de
Washington. Os pesquisadores participaram de atividades na comunidade mexicano­‑americana
e, depois, recrutaram participantes por meio de organizações comunitárias, grupos religiosos,
escolas e contatos pessoais. A amostra consistiu em oito informantes­‑chave, diversificados
em termos de aculturação, ocupação, nível de escolaridade e interesses. A amostra também
incluiu 28 participantes secundários – homens e mulheres que conheciam as crenças e as ações
dos homens mexicano­‑americanos no campo da busca de serviços de saúde. Os participantes
secundários ajudaram a validar as descobertas dos informantes­‑chave.
Amostragem em estudos fenomenológicos
Os fenomenologistas tendem a confiar em amostras de participantes muito pe­
quenas – em geral, de 10 ou menos. Há um princípio norteador na seleção da
amostra para um estudo fenomenológico: todos os participantes precisam ter experimentado o fenômeno, sendo capazes de expressar o que significa ter vivido essa experiência. Mesmo buscando participantes que tenham passado pelas
experiências­‑alvo, os fenomenologistas também querem explorar a diversidade
das experiências individuais. Portanto, pode ser que eles procurem especificamente pessoas com diferenças demográficas ou outras, que tenham uma experiência
comum.
Exemplo de amostra de estudo fenomenológico
Sigurgeirsdottir e Halldorsdottir (2008) estudaram a luta existencial, as necessidades e as ex‑
periências de pacientes em reabilitação. Sua amostra proposital de 12 pacientes variava em
idade, de 26 a 85 anos, e incluía homens e mulheres e pacientes com problemas crônicos e
agudos.
Os fenomenologistas interpretativos podem compor amostras não só de pessoas, mas também de fontes artísticas ou literárias. As descrições de experiências
do fenômeno podem ser selecionadas de um conjunto amplo da literatura, como
poesia, romances, biografias, autobiografias, diários e registros. Essas fontes podem ajudar a ampliar a compreensão do fenomenologista sobre o fenômeno estudado. A arte – incluindo pintura, escultura, filme, fotografia e música – é vista
como outra fonte da experiência vivida. Considera­‑se que cada meio artístico tem
sua linguagem ou modo específico de expressar a experiência do fenômeno.
Amostragem em estudos de teoria fundamentada
A pesquisa em teoria fundamentada é feita, tipicamente, com amostras de 20 a
40 pessoas, usando­‑se o modelo teórico. O objetivo do estudo de teoria fundamentada é selecionar informantes que possam contribuir melhor para a evolução
CAPÍTULO 12
Planos de amostragem
359
da teoria. A amostragem, a coleta e a análise de dados e a construção da teoria
ocorrem simultaneamente, e, por isso, os participantes do estudo são selecionados
em sequência e de modo contingente (i.e., contingente em relação à conceituação
emergente). A amostragem pode evoluir do seguinte modo:
1. No início, o pesquisador tem uma noção geral de onde e com quem começar.
Os primeiros casos podem ser solicitados propositalmente, por conveniência
ou conforme o modelo em rede.
2. Na primeira parte do trabalho, pode ser usada uma estratégia como a amostragem de variação máxima para se compreender a abrangência e a complexidade
do fenômeno estudado.
3. A amostra é ajustada de modo contínuo. As conceituações emergentes ajudam
a informar o processo de amostragem.
4. A amostragem continua até se alcançar a saturação.
5. A amostragem final com frequência inclui a busca de casos confirmatórios ou
não confirmatórios para testar, refinar e fortalecer a teoria.
Exemplo de amostragem de estudo de teoria fundamentada
Montgomery e colaboradores (2006) realizaram um estudo de teoria fundamentada sobre
a maternidade enquanto as mães faziam tratamento para doença mental grave. A amostra
consistiu em 21 mães em tratamento mental profissional. Após as primeiras oito entrevistas,
os pesquisadores usaram a amostragem teórica para capturar a abrangência das experiências
de maternidade – por exemplo, eles buscaram especificamente entrevistar mulheres que não
viviam com os filhos.
CRÍTICA De PLANOS DE AMOSTRAGEM
Quando se tiram conclusões sobre a qualidade das evidências científicas geradas
por um estudo, o plano de amostragem – em particular em estudos quantitativos –
merece exame especial. Se a amostra tiver desvios graves ou for pequena demais,
haverá o risco de problemas de interpretação ou erro claro.
Ao criticar a descrição de um plano de amostragem, é preciso considerar
duas questões. A primeira consiste em saber se o pesquisador descreveu adequadamente a estratégia de amostragem. De maneira ideal, os relatores de pesquisa
incluem uma descrição dos seguintes aspectos:
ü
ü
ü
ü
O tipo de abordagem de amostragem usado (p. ex., por conveniência, em rede,
proposital ou randômica simples)
A população estudada e os critérios de elegibilidade para a seleção da amostra
em estudos quantitativos; a natureza do ambiente e do grupo nos estudos qualitativos (estes últimos também podem registrar os critérios de elegibilidade)
O número de participantes do estudo e um princípio racional para justificar o
tamanho da amostra
Uma descrição das principais características dos participantes (p. ex., idade,
sexo, condição médica, etc.)
360
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
ü
Em estudos quantitativos, o número e as características dos sujeitos potenciais
que se recusaram a participar do estudo
Se a descrição da amostra for inadequada, pode ser que o leitor não tenha
condições de lidar com a segunda e a principal questão – se o pesquisador tomou
boas decisões de amostragem. Se a descrição estiver incompleta, será difícil tirar
conclusões sobre possíveis aplicações das evidências científicas na prática clínica.
Crítica de amostragem quantitativa
O plano de amostragem de estudos quantitativos deve ser examinado em termos
de efeitos sobre os vários tipos de validade do estudo. Se a amostra for pequena, a validade das conclusões estatísticas provavelmente ficará comprometida. Se
houver restrição rigorosa dos critérios de elegibilidade, isso poderá beneficiar a
validade interna – mas, talvez, em detrimento da validade externa.
Como já observado, um dos critérios­‑chave na avaliação da adequação de um
plano de amostragem em pesquisas quantitativas consiste em saber se a amostra
é representativa da população. Nunca será possível ter certeza disso, mas, se a estratégia de amostragem for fraca ou se o tamanho da amostra for pequeno, haverá
razão para se suspeitar de algum desvio. Quando adotam um plano de amostragem em que o risco de desvio é elevado, os pesquisadores devem tomar medidas
para estimar a direção e o grau desse desvio, de modo que os leitores possam tirar
conclusões bem­‑informadas sobre esses aspectos.
Inclusive quando o plano de amostragem é rigoroso, a amostra pode conter
alguns desvios se nem todas as pessoas convidadas a participar do estudo concordarem em fazê­‑lo. Se certos segmentos da população se recusarem a participar,
então o resultado pode ser uma amostra com desvio, inclusive se for usada uma
amostra de probabilidade. Idealmente, o relatório de pesquisa deve fornecer informações sobre as taxas de resposta (i.e., o número de pessoas que participaram
do estudo em relação ao número de pessoas que compuseram a amostra) e sobre
possíveis desvios por causa de ausência de resposta (às vezes, chamados também de desvios de resposta). Em um estudo longitudinal, o desvio por desistência
de participantes deve ser relatado.
Ao desenvolver um plano de amostragem, os pesquisadores quantitativos
tomam decisões sobre a especificação da população, assim como sobre a seleção
da amostra. Se a população­‑alvo for definida de forma ampla, pode ser que os pesquisadores percam a oportunidade de controlar variáveis que causam confusão, e
a lacuna entre a população acessível e a população­‑alvo pode ser grande demais.
Nosso trabalho como revisores consiste em concluir até que ponto é razoável a
generalização das descobertas da amostra de pesquisa para a população acessível
e desta para a população­‑alvo mais ampla. Se o plano de amostragem tiver problemas graves, talvez seja arriscada a simples generalização das descobertas sem
a replicação do estudo com outra amostra.
O Quadro 12.1 apresenta alguns questões para orientar a crítica de amostragem de um relatório de pesquisa quantitativa.
CAPÍTULO 12
QUADRO 12.1
Planos de amostragem
361
ORIENTAÇÕES PARA a CRíTICA de MODELOS
DE AMOSTRAGEM QUANTITATIVa
1. A população estudada foi identificada e descrita? Os critérios de elegibilidade foram especificados? Os
procedimentos de seleção da amostra estão claramente delineados?
2. Que plano de amostragem foi usado? Um plano de amostragem alternativo teria sido preferível? O plano
de amostragem é de um tipo do qual se pode esperar a geração de uma amostra representativa?
3. Como os sujeitos foram recrutados para a amostra? O método sugere potenciais desvios?
4. Algum fator, além do plano de amostragem (p. ex., taxa de resposta baixa), afetou a representatividade
da amostra?
5. Possíveis desvios ou fragilidades da amostra foram identificados?
6. As características­‑chave da amostra foram descritas (p. ex., idade média, porcentagem do sexo
feminino)?
7.O tamanho da amostra foi o suficiente para sustentar a validade da conclusão estatística? O tamanho da
amostra justifica­‑se com base na análise de potência ou em algum outro princípio racional?
8. A amostra sustenta inferências sobre a validade externa? A quem os resultados do estudo podem ser
razoavelmente generalizados?
Crítica de amostragem qualitativa
Em um estudo qualitativo, pode­‑se avaliar se o plano de amostragem é adequado
e apropriado (Morse, 1991). Ser adequado refere­‑se à suficiência e à qualidade dos
dados da amostra gerada. Uma amostra adequada fornece dados sem quaisquer
pontos falhos. Quando chegam realmente à saturação, os pesquisadores alcançam
a adequação informativa, e a descrição ou teoria resultante fica ricamente detalhada e completa.
Ser apropriado refere­‑se ao métodos usados para selecionar a amostra. A
amostra apropriada é aquela que resulta da identificação e do uso dos participantes que podem fornecer as melhores informações de acordo com os requisitos
conceituais do estudo. Os pesquisadores têm de usar uma estratégia capaz de
gerar a compreensão mais completa possível sobre o fenômeno estudado. Uma
abordagem de amostragem que exclui casos negativos ou não inclui participantes
com experiências incomuns pode deixar de fornecer as informações necessárias
ao estudo.
Outra questão importante a ser considerada refere­‑se ao potencial de transferência das descobertas. O grau de transferência das descobertas do estudo é uma
função direta da similaridade entre a amostra do estudo original e as pessoas que
se encontram no local ao qual as descobertas serão aplicadas. O nível de encaixe é
o grau de congruência entre esses dois grupos. Portanto, ao criticar um relatório,
deve­‑se verificar se o pesquisador forneceu uma descrição consistente da amostra
e do contexto em que o estudo foi realizado, de modo que os interessados em
aplicar os achados possam tomar uma decisão bem­‑informada.
Outras orientações para a crítica de decisões de amostragem qualitativa são
apresentadas no Quadro 12.2.
362
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
QUADRO 12.2
ORIENTAÇÕES PARA A CRÍTICA DE
MODELOS DE AMOSTRAGEM QUALITATIVA
1.O ambiente ou contexto foi adequadamente descrito? O ambiente é apropriado para a questão de
pesquisa?
2.Os procedimentos de seleção da amostra foram claramente delineados? Que tipo de estratégia de
amostragem foi usado?
3.Os critérios de elegibilidade do estudo foram especificados? Como os participantes foram recrutados
para o estudo? A estratégia de recrutamento dos participantes produziu informações valiosas?
4. Dadas as necessidades de informação do estudo – e, se aplicável, sua tradição qualitativa –, a abordagem
de amostragem foi apropriada? As dimensões do fenômeno estudado foram adequadamente
representadas?
5.O tamanho da amostra foi adequado e apropriado para a tradição qualitativa do estudo? O pesquisador
indicou se houve alcance da saturação? Os achados sugerem um conjunto de dados ricamente
detalhados e abrangentes, sem “lacunas” aparentes ou falhas?
6. As características­‑chave da amostra (p. ex., idade, gênero) foram descritas? Foi fornecida uma
descrição detalhada dos participantes e do contexto, de modo a permitir uma avaliação do potencial de
transferência dos achados?
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO
Nas seções seguintes, descrevemos os planos de amostragem de dois estudos de enfermagem,
seguidos de algumas questões para orientar o pensamento crítico.
EXEMPLO 1
Amostragem em um estudo quantitativo
Estudo
Qualidade de vida de idosos no Canadá e no Brasil (Paskulin e Molzahn, 2007).
Propósito
Este estudo examinou fatores que contribuem para a qualidade de vida (QV) de idosos no Canadá
e no Brasil. As questões de pesquisa específicas foram: “Há diferenças na QV de idosos nas regiões
selecionadas do Brasil e do Canadá? Fatores como satisfação com a saúde, significado da vida,
oportunidades de lazer, satisfação com as relações pessoais e adequação dos recursos financeiros
contribuem para as percepções de QV em ambos os países?”.
Delineamento
Os pesquisadores coletaram dados por meio de uma enquete transversal. A enquete canadense foi
realizada por questionários postados, enquanto a brasileira envolveu entrevistas na residência. Os
participantes dos dois países preencheram o formulário curto da World Health Organization QOL
Scale (WHOQOL­‑BREF), um instrumento elaborado especificamente para medir a qualidade de vida
entre culturas.
Plano de amostragem
Foram feitos esforços para coletar dados de amostras randômicas de idosos (com 60 anos de idade ou
mais) em regiões costeiras relativamente prósperas de ambos os países. Entretanto, foram necessárias
estratégias um pouco diferentes; a ausência de bancos de dados apropriados no Brasil tornou impossível
a enquete por questionário. No Canadá, cartas­‑convite foram enviadas pelo correio a uma amostra
(continua)
CAPÍTULO 12
Planos de amostragem
363
randomicamente estratificada de idosos listados no Ministry of Health Services Client Registry, em British
Columbia. O registro inclui nomes e informações sobre as pessoas que recebem serviços de saúde nessa
província. As cartas­‑convite foram enviadas a 420 pessoas, das quais 251 responderam positivamente,
recebendo o questionário. No final, 202 pessoas mandaram de volta os questionários preenchidos;
portanto, a taxa de resposta foi de 48,1%. No Brasil, os dados foram coletados por entrevista na
residência, de porta em porta, com idosos da região Nordeste de Atendimento de Saúde de Porto
Alegre. Para incrementar a representatividade da amostra, foram selecionados randomicamente 100
de 700 ruas. Após a seleção randômica de um lado e uma seção de cada uma das 100 ruas, buscou­‑se
entrevistar três idosos de cada um desses segmentos. Um total de 379 idosos foi convidado a participar;
76 deles se recusaram, 15 não conseguiram responder às questões da entrevista, e 288 realizaram a
entrevista. A taxa de resposta no Brasil foi, portanto, de 68,4%. Os pesquisadores esperavam alcançar
uma amostra com total de 300 participantes em cada país. Ainda que a amostra final tenha ficado
bem abaixo desse objetivo, foi feita uma análise de potência, sugerindo que uma amostra de cerca de
500 pessoas seria adequada para a análise. A idade média em ambos os países foi de 72 anos, mas as
amostras diferiam em outros aspectos. Por exemplo, na amostra do Canadá, havia mais homens (47%
vs. 33%), mais canadenses eram casados ou tinham companheiro (66% vs. 47%) e os respondentes
apresentavam nível de escolaridade mais alto.
Achados
ü As taxas de QV eram mais elevadas na amostra do Canadá, assim como valores em subescalas
que mediam aspectos físicos, psicológicos e ambientais da QV.
A
ü satisfação com a saúde foi o contribuinte mais forte para a QV nos dois países.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 12.1 relevantes para este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
compreender o estudo:
a)O relatório não apontou especificamente as variáveis de estratificação da seleção da amostra
do Canadá. O que você recomendaria, pressupondo a disponibilidade de informações
demográficas básicas?
b) O relatório não mencionou se a amostragem randômica estratificada de canadenses foi
proporcional ou desproporcional. O que você recomendaria?
c) Em sua opinião, por que a taxa de resposta foi mais elevada no Brasil do que Canadá?
d) Identifique algumas das principais fontes potenciais de desvio nas amostras finais de
canadenses e brasileiros.
e) Como as diferenças demográficas nos dois países poderiam ter afetado os resultados da QV?
3Se os resultados do estudo forem válidos e confiáveis, quais os possíveis usos dos achados na
prática clínica?
EXEMPLO 2
Amostragem em um estudo qualitativo
Estudo
Padrões relacionais de casais que convivem com dores pélvicas crônicas devido à endometriose (Butt
e Chesla, 2007).
Propósito da pesquisa
Este estudo investigou as respostas nas relações de casais que convivem com dores pélvicas crônicas
de mulheres diagnosticadas com endometriose.
(continua)
364
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
EXEMPLOS DE PESQUISA E ATIVIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO (continuação)
Delineamento
Butt e Chesla realizaram a investigação de acordo com a tradição fenomenológica interpretativa.
Uma amostra de mulheres e seus companheiros foi entrevistada detalhadamente, a fim de se explorar
a compreensão que os participantes tinham da doença, sua experiência com os sintomas e as repostas
relacionadas à doença. Cada companheiro foi entrevistado separadamente e, depois, juntos, cerca de
quatro semanas mais tarde. Cada entrevista durou, no máximo, duas horas.
Plano de amostragem
A amostra foi composta de 13 mulheres que viviam um relacionamento com o marido ou companheiro
e tinham experimentado dores pélvicas da endometriose por, pelo menos, seis meses. Os maridos
ou companheiros também foram entrevistados. Para fazer parte da amostra, as mulheres tinham de
falar inglês, ter no mínimo 18 anos de idade e ter vivido com os seus companheiros por, pelo menos,
um ano. O recrutamento foi elaborado especialmente para listar participantes de diferentes locais
de tratamento, grupos socioeconômicos e etnias. Os participantes foram recrutados em clínicas e
locais de tratamento públicos e privados e em grupos informativos e de apoio voltados a pessoas com
endometriose. As partes responderam a informações fornecidas por telefone, tendo­‑se o cuidado
de discutir detalhes do estudo e obter o consentimento. Todas as 13 mulheres e seus companheiros
participaram de entrevistas individuais e conjuntas. O recrutamento teve fim após o agrupamento
dos dados extensivos de 39 entrevistas, quando os pesquisadores passaram a encontrar “temas e
padrões repetitivos”. A amostra incluiu mulheres com idade de 23 a 48 anos, que viviam com seus
companheiros de 1 a 23 anos. Duas tinham filhos. Cerca de 60% das mulheres eram americano­
‑europeias, e 92% trabalhavam e recebiam salário. Aproximadamente metade da amostra tinha
receitas domésticas anuais acima de 10,0 mil dólares.
Achados
üOs resultados sugeriram que conviver com dores pélvicas crônicas causadas por endometriose
era uma experiência física e emocionalmente difícil e dolorosa para os casais.
ü Cinco padrões de relações diferentes foram observados:
1
2
3
4
5
juntos, mas a mulher enfrentava a condição sozinha;
enfrentando a endometriose juntos;
conjugados na incapacidade;
integrados pelos cuidados; e
engajados no cuidado mútuo.
SUGESTÕES PARA DESENVOLVER O PENSAMENTO CRÍTICO
1Responda às questões do Quadro 12.2 relevantes para este estudo.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
compreender o estudo:
a)Em sua opinião, é um ponto forte ou fraco o fato de o plano de amostragem usar locais de
tratamento diferentes para recrutar participantes? Por quê?
b) De acordo com os critérios de elegibilidade, companheiros do mesmo sexo seriam elegíveis
para esse estudo?
c) Comente a variação alcançada pelos pesquisadores no tipo de participantes do estudo.
3Se os resultados desse estudo forem válidos e confiáveis, quais os possíveis usos dos achados na
prática clínica?
(continua)
CAPÍTULO 12
Planos de amostragem
365
EXEMPLO 3 Amostragem do estudo quantitativo no Apêndice A
1Leia a seção do método do estudo de Howell e colaboradores (“Relações entre ansiedade, raiva
e pressão arterial em crianças”, 2007) no Apêndice A deste livro e, depois, responda às questões
relevantes do Quadro 12.1.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
avaliar os aspectos do mérito do estudo:
a) Que tipo de plano de amostragem poderia ter incrementado a representatividade da
amostra desse estudo?
b)Identifique algumas das possíveis fontes de desvio nesse exemplo.
EXEMPLO 4 Amostragem do estudo qualitativo no Apêndice B
1Leia o resumo e a introdução do estudo de Beck (“Aniversário do trauma de nascimento”, 2006)
no Apêndice B deste livro e, depois, responda às questões relevantes do Quadro 12.2.
2 Considere também as seguintes questões, que ajudam a promover o pensamento crítico e a
avaliar os aspectos do mérito do estudo:
a) Comente as características dos participantes, dado o propósito do estudo.
b) Comente as declarações de Beck (na seção denominada “Procedimentos”) em relação às
taxas de resposta.
c)Em sua opinião, Beck deveria ter limitado a amostra a mulheres de apenas um país? Forneça
um princípio racional para sua resposta.
REVISÃO DO CAPÍTULO
Nesta seção, são apresentados os novos termos­‑chave deste capítulo, além de um
resumo dos pontos principais.
Novos termos­‑chave
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Amostragem
Amostragem em rede
Amostragem de grupo
Amostragem de não probabilidade
Amostragem de probabilidade
Amostragem de variação máxima
Amostragem em sequência
Amostragem por conveniência
Amostragem por cota
Amostragem proposital (intencional)
Amostragem randômica estratificada
Amostragem randômica simples
Amostragem sistemática
ü
ü
ü
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Amostragem teórica
Análise de potência
Critérios de elegibilidade
Desvio de amostragem
Desvio de resposta
Erro de amostragem
Estrato
População
População acessível
População­‑alvo
Saturação de dados
Tamanho da amostra
Taxa de resposta
366
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Tópicos resumidos
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ü
ü
A amostragem consiste no processo de selecionar uma porção da população,
que é o agregado inteiro de casos. O elemento é a unidade básica da população
sobre a qual são coletadas informações – na pesquisa em enfermagem, em geral,
são seres humanos.
Os critérios de elegibilidade (tanto os de inclusão quanto os de exclusão)
são usados para definir as características da população.
Usualmente, os pesquisadores formam amostras a partir de uma população
acessível, mas devem identificar a população­‑alvo, à qual pretendem generalizar os resultados.
Uma consideração­‑chave na avaliação da amostra em um estudo quantitativo
está relacionada à representatividade – o grau em que a amostra é similar à
população e evita desvios. O desvio de amostragem refere­‑se ao excesso ou à
insuficiência da representação de algum segmento da população.
Os principais tipos de amostragem de não probabilidade (em que os elementos
são selecionados por métodos não randômicos) são: por conveniência, por cota,
em sequência e proposital. Os modelos da amostragem de não probabilidade
são convenientes e econômicos; uma de suas principais desvantagens é seu
potencial de desvio.
A amostragem por conveniência usa o grupo de pessoas mais prontamente
disponível ou mais conveniente para formar a amostra. A amostragem em rede
é um tipo de amostragem de conveniência em que os primeiros participantes
da amostra indicam outros possíveis participantes.
A amostragem por cota divide a população em estratos homogêneos (subpopulações) para garantir a representação dos subgrupos na amostra; em cada
estrato, os sujeitos são amostrados por conveniência.
A amostragem em sequência envolve a seleção de todas as pessoas de uma
população acessível que atende aos critérios de elegibilidade ao longo de um
intervalo de tempo específico ou até atingir um tamanho de amostra especificado.
Na amostragem proposital (ou intencional), os participantes são selecionados
para a amostra com base no conhecimento do pesquisador sobre a população.
Os modelos de amostragem de probabilidade, que envolve a seleção randômica
dos elementos da população, geram mais amostras representativas do que os de
não probabilidade e permitem estimar a magnitude do erro de amostragem.
A amostragem randômica simples envolve a seleção aleatória de elementos de
uma estrutura de amostragem que enumera todos os elementos; a amostra‑
gem randômica estratificada divide a população em subgrupos homogêneos,
a partir dos quais os elementos são selecionados randomicamente.
A amostragem de grupo (ou multiestágios) envolve a seleção sucessiva de
amostras randômicas, começando por unidades maiores que vão sendo reduzidas.
A amostragem sistemática tem a ver com a seleção de sucessivos itens de uma
lista. O pesquisador divide o tamanho da população pelo tamanho desejado da
amostra, obtendo, assim, o intervalo da amostragem, que é a distância­‑padrão
entre os elementos selecionados.
Em estudos quantitativos, os pesquisadores devem usar uma análise de potência
para estimar o tamanho da amostra necessário. É melhor usar amostras grandes do que pequenas, pois as primeiras incrementam a validade da conclusão
CAPÍTULO 12
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ü
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ü
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Planos de amostragem
367
estatística e tendem a ser mais representativas; porém, inclusive as grandes não
são garantia de representatividade.
Os pesquisadores qualitativos usam as demandas conceituais do estudo para
selecionar informantes articulados e ponderados, com certos tipos de ­experiência,
de modo emergente, capitalizando o aprendizado prévio para orientar as decisões
de amostragem subsequentes.
Os pesquisadores qualitativos usam com mais frequência a amostragem propo‑
sital para orientá­‑los na seleção das fontes de dados que maximizam a riqueza
de informações. Várias estratégias de amostragem proposital têm sido usadas
por pesquisadores qualitativos.
Uma estratégia proposital é a amostragem de variação máxima, que envolve a
seleção proposital de casos com grande amplitude de variação. Outra estratégia
importante é a amostragem de casos confirmatórios e não confirmatórios
(i.e., selecionar casos que enriquecem e desafiam as conceituações dos pesquisadores).
Outros tipos de amostragem proposital incluem a amostragem de caso extremo
(selecionar os casos mais incomuns ou extremos); a amostragem de caso típico
(selecionar casos que ilustram o típico); e a amostragem por critério (estudo de
casos que atendem a um quesito de relevância previamente determinado).
Em estudos qualitativos, as amostras são tipicamente pequenas e baseiam­‑se
nas necessidades de informação. Um princípio norteador é a saturação de
dados, que envolve incrementar a amostra até o ponto em que não se obtêm
mais informações novas e alcança­‑se a redundância.
Os etnógrafos tomam numerosas decisões de amostragem, incluindo não apenas
quem, mas também o que vai compor a amostra (p. ex., atividades, eventos,
documentos, artefatos); a tomada de decisões com frequência é auxiliada por
informantes­‑chave, que servem de guias e intérpretes da cultura.
Os fenomenologistas costumam trabalhar com uma amostra pequena de pessoas (com frequência 10 ou menos), que atendem ao critério de ter vivido a
experiência estudada.
Os pesquisadores da teoria fundamentada usam, tipicamente, a amostragem
teórica, em que as decisões sobre amostragem são orientadas de modo contínuo
pela teoria emergente. Amostras de 20 a 40 pessoas são típicas em estudos de
teoria fundamentada.
Os critérios de avaliação da amostragem qualitativa envolvem questionamentos
sobre se a amostra é apropriada em relação à informação.
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 12
Butt, F. S., & Chesla, C. (2007). Relational patterns of couples living with chronic pelvic pain
from endometriosis. Qualitative Health Research, 17, 571–585.
Crigger, N., & Meek, V. (2007). Toward a theory of self-reconciliation following mistakes in
nursing practice. Journal of Nursing Scholarship, 39, 177–183.
Ekwall, A., & Hallberg, I. (2007). The association between caregiving satisfaction, difficulties
and coping among older family caregivers. Journal of Clinical Nursing, 16, 832–844.
Fraser, C., & Polito, S. (2007). A comparative study of self-efficacy in men and women with
multiple sclerosis. Journal of Neuroscience Nursing, 39, 102–106.
Gillespie, B., Chaboyer, W., Wallis, M., & Grimbeek, P. (2007). Resilience in the operating room:
Developing a testing of a resilience model. Journal of Advanced Nursing, 59, 427–438.
368
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Lindgren, T., Fukouka, Y., Rankin, S., Cooper, B., Carroll, D., & Munn, Y. (2008). Cluster analysis of elderly cardiac patients’ prehospital symptomatology. Nursing Research, 57, 14–23.
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P arte
4
Coleta de dados
13
Métodos de
coleta de dados
VISÃO GERAL DAS FONTES
E DA COLETA DE DADOS
Dados existentes versus dados originais
Principais tipos de métodos de coleta de
dados
Dimensões­‑chave dos métodos de coleta de
dados
AUTORRELATOS
Técnicas do autorrelato qualitativo
Técnicas do autorrelato quantitativo
Escalas e outras formas de autorrelato
estruturado
Avaliação dos métodos de autorrelato
OBSERVAÇÃO
Métodos observacionais qualitativos
Métodos observacionais quantitativos
Avaliação dos métodos observacionais
MEDIDAS BIOFISIOLÓGICAS
Tipos de medidas biofisiológicas
Avaliação das medidas biofisiológicas
IMPLANTAÇÃO DE UM PLANO DE
COLETA DE DADOS
CRÍTICA De MÉTODOS
DE COLETA DE DADOS
EXEMPLOS DE PESQUISA E
ATIVIDADEs DE PENSAMENTO
CRÍTICO
REVISÃO DO CAPÍTULO
Novos termos­‑chave
Tópicos resumidos
ESTUDOS CITADOS NO CAPÍTULO 13
Obj e t i v o s d o e s t u d a n t e
Depois de estudar este capítulo, você será capaz de:
ü Avaliar a decisão do pesquisador de usar dados existentes ou coletar dados novos.
ü Discutir as dimensões da variação das abordagens de coleta de dados.
üIdentificar os fenômenos que se prestam a autorrelato, observação ou medidas fisiológicas.
ü Distinguir entre autorrelatos estruturados e não estruturados e avaliá­‑los; fazer o mesmo com
questões abertas e fechadas e com entrevistas e questionários.
ü
Distinguir entre observações estruturadas e não estruturadas e avaliá­‑las, descrever os vários
métodos de coleta, amostragem e registro de dados observacionais.
ü
ü
Descrever os principais aspectos e vantagens das medidas biofisiológicas.
ü
Definir os novos termos apresentados neste capítulo.
Criticar as decisões do pesquisador em relação ao plano de coleta de dados (grau da estrutura,
método geral, modo de administração) e sua implantação.
372
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Os fenômenos pelos quais os pesquisadores se interessam precisam ser traduzidos
em dados sujeitos a análises. Sem métodos de coleta de dados de alta qualidade, a
precisão das informações recolhidas pode ser questionada. Este capítulo discute a
desafiadora tarefa de coletar dados com propósitos de pesquisa.
VISÃO GERAL DAS FONTES E DA COLETA DE DADOS
Os métodos de coleta de dados variam ao longo de muitas dimensões, que discutimos nesta seção introdutória.
Dados existentes versus dados originais
A maioria dos pesquisadores coleta dados originais, especificamente gerados para
o estudo, mas, às vezes, pode ser vantajoso o uso de dados existentes. As análises
secundárias, por exemplo, baseiam­‑se em dados reunidos por outros. Os pesquisadores históricos e os metanalistas utilizam dados disponíveis.
Os registros existentes são uma fonte de dados importante para enfermeiros
pesquisadores. Uma grande variedade de dados reunidos com outros propósitos,
que não os de pesquisa, pode ser frutiferamente explorada para a solução de questões científicas. Registros de hospitais, fichas de pacientes, declarações de planos
de saúde e documentos semelhantes, todos constituem ricas fontes de dados, às
quais os enfermeiros pesquisadores podem ter acesso.
A vantagem mais evidente dos registros consiste em que eles são econômicos; a coleta de dados originais com frequência consome tempo e dinheiro. Por
outro lado, quando os pesquisadores não são os responsáveis pela coleta de dados,
pode ser que não reconheçam possíveis desvios. Quando os registros disponíveis
não são o conjunto integral de todos os registros possíveis, os pesquisadores têm
de questionar o grau de representatividade dos primeiros. Outro problema enfrentado pelos pesquisadores nos Estados Unidos é a crescente dificuldade em
ter acesso a registros institucionais em função das regras de privacidade (Health
Insurance Portability and Accountability Act [HIPAA]).
DICA
A diferença entre usar registros e fazer análises secundárias consiste em que os pesquisadores
que optam por esta segunda modalidade costumam ter um banco de dados pronto para análi‑
se, enquanto aqueles que utilizam registros precisam reunir o banco de dados, sendo necessá‑
rio, comumente, considerável trabalho de codificação e manipulação dos dados.
Exemplo de estudo com uso de registros
Heavey e colaboradores (2008) usaram dados de 4.237 fichas de mulheres jovens de baixa
renda que consultavam em uma clínica de planejamento familiar. O objetivo era explorar fa‑
tores demográficos (p. ex., idade, raça) e econômicos (p. ex., seguro de saúde) associados a
diferenças nas escolhas contraceptivas.
CAPÍTULO 13
Métodos de coleta de dados
373
Principais tipos de métodos de coleta de dados
Quando os dados existentes não são adequados à questão de pesquisa, os pesquisadores têm de coletar outros. Ao desenvolver seu plano de coleta de dados, eles
tomam muitas decisões importantes, inclusive sobre o tipo básico de dado a ser
reunido. Três tipos têm sido usados mais frequentemente por enfermeiros pesquisadores: autorrelatos, observações e medidas biofisiológicas. Os autorrelatos são
respostas dos participantes a questões colocadas pelo pesquisador, como em uma
entrevista. A observação direta de comportamentos, características e circunstâncias das pessoas é uma alternativa aos autorrelatos, de acordo com as questões de
pesquisa. Os enfermeiros também usam medidas biofisiológicas para avaliar variáveis clínicas importantes. Os autorrelatos são a abordagem de coleta de dados
mais comum em estudos de enfermagem tanto qualitativos como quantitativos.
Em estudos quantitativos, os pesquisadores decidem com antecedência como
operacionalizar as variáveis e reunir os dados. Seus planos de coleta de dados quase sempre são “moldados em pedra” antes da coleta do primeiro dado.
Os pesquisadores qualitativos, tipicamente, vão para o campo sabendo quais
são as fontes de dados mais prováveis, mas não eliminam outras potenciais fontes, que possam surgir à medida que a coleta de dados avança. A Tabela 13.1
compara aspectos da coleta de dados nas três principais tradições qualitativas. Os
etnógrafos quase sempre triangulam dados de várias fontes, e seus métodos mais
importantes são a observação e as entrevistas. Eles também reúnem ou examinam
produtos da cultura estudada, como documentos, registros, artefatos, fotografias,
entre outros. Os fenomenologistas e os pesquisadores da teoria fundamentada
baseiam sua pesquisa, principalmente, em entrevistas detalhadas com cada participante, embora a observação também desempenhe certo papel em alguns estudos
de teoria fundamentada.
Dimensões­‑chave dos métodos de coleta de dados
Seja qual for o tipo de dado coletado em um estudo, os métodos de coleta variam
em quatro dimensões: estrutura, quantificação, ostentação do pesquisador e objetividade.
ü
ü
ü
ü
Estrutura. Na coleta de dados estruturada, são coletadas as mesmas informações
de todos os participantes, de modo comparável e pré­‑especificado. No entanto, às
vezes, é mais apropriado permitir que os participantes apresentem informações
relevantes de modo natural.
Quantificação. Os dados analisados estatisticamente precisam ser quantificáveis.
As abordagens estruturadas de coleta de dados tendem a gerar dados que são
mais facilmente quantificados.
Ostentação. Os métodos de coleta de dados diferem em termos do grau de
ostentação dos pesquisadores em seus esforços e do grau de consciência dos
participantes em relação a sua condição no estudo.
Objetividade. Em geral, os pesquisadores quantitativos buscam os métodos mais
objetivos possíveis. Na pesquisa qualitativa, no entanto, o julgamento subjetivo
do investigador é considerado uma ferramenta valiosa.
A questão de pesquisa costuma ditar em que ponto dessas quatro dimensões
ficará o método de coleta de dados. Por exemplo, questões mais adequadas a
374
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
COMPARAÇÃO DA COLETA DE DADOS
NAS TRÊS TRADIÇÕES QUALITATIVAS
Tabela 13.1
TEORIA
FUNDAMENTADA
ASPECTOS
ETNOGRAFIA
FENOMENOLOGIA
Tipos de dados
Principalmente
observação e
entrevistas, mais
artefatos, documentos,
fotografias, genealogias,
mapas, diagramas de
redes sociais
Principalmente
Principalmente
entrevistas detalhadas, entrevistas individuais,
às vezes diários,
às vezes entrevistas
outros materiais
em grupo, observação,
escritos
diários de participantes,
documentos
Unidade da
coleta de dados
Sistema cultural
Indivíduos
Indivíduos
Pontos da coleta
de dados
Principalmente
longitudinal
Principalmente
transversal
Transversal ou
longitudinal
Tempo da coleta
de dados
Tipicamente longo,
muitos meses ou anos
Tipicamente moderado
Tipicamente moderado
Isolar as próprias
visões, estabelecer
uma atmosfera de
confiança, encorajar
a sinceridade, ouvir
enquanto se prepara
para fazer a pergunta
seguinte, manter o
acompanhamento,
conter­‑se
emocionalmente
Estabelecer uma
atmosfera de
confiança, encorajar
a sinceridade, ouvir
enquanto se prepara
para fazer a pergunta
seguinte, manter o
acompanhamento,
conter­‑se
emocionalmente
Obter acesso, determinar
Questões
o papel, aprender como
de campo
participar, reatividade,
preponderantes
encorajamento da
sinceridade, perda
da objetividade,
saída prematura,
reflexividade
estudos fenomenológicos tendem a usar métodos com baixa estruturação, quantificação e objetividade, enquanto as questões de pesquisa apropriadas para uma
entrevista tendem a exigir métodos com alto nível de todas as quatro dimensões.
Entretanto, os pesquisadores têm liberdade ao elaborar planos de coleta de dados
apropriados.
DICA
A maioria dos dados analisados quantitativamente na verdade começa como dados qualitati‑
vos. Quando o pesquisador pergunta aos respondentes se eles se sentiram gravemente depri‑
midos, moderadamente deprimidos, um pouco deprimidos ou nem um pouco deprimidos na
semana passada, a resposta é dada em palavras, não em números. As palavras são transforma‑
das, por um processo de codificação, em categorias quantitativas.
CAPÍTULO 13
Métodos de coleta de dados
375
AUTORRELATOS
Muitas informações podem ser reunidas mediante questionamento das pessoas.
Se, por exemplo, quisermos conhecer as dietas ou os hábitos de exercícios dos pacientes, provavelmente vamos fazer perguntas relevantes a essas pessoas para reunir os dados. A habilidade singular do ser humano de comunicar­‑se verbalmente
em um nível sofisticado faz do questionamento direto uma parte particularmente
importante do repertório de coleta de dados dos enfermeiros pesquisadores.
Técnicas do autorrelato qualitativo
Os pesquisadores qualitativos usam métodos flexíveis de coleta de dados por autorrelato. Eles não definem um conjunto de perguntas que devem ser feitas em
determinada ordem e expressas de certo modo. Em vez disso, começam com questões gerais e permitem que os respondentes façam o relato de suas histórias de
modo mais natural. Em outras palavras, os autorrelatos qualitativos, comumente
obtidos por entrevistas, tendem a ser conversacionais. As entrevistas não estruturadas, usadas por pesquisadores em todas as tradições da pesquisa qualitativa,
encorajam os respondentes a definir as dimensões importantes do fenômeno e a
elaborar o que é relevante para eles, em vez de deixar­‑se orientar pelas noções de
relevância a priori dos investigadores.
Tipos de autorrelatos qualitativos
Há várias abordagens para coletar dados de autorrelato qualitativos. As entrevis‑
tas não estruturadas completamente são usadas quando os pesquisadores não
possuem uma visão preconcebida do conteúdo ou do fluxo das informações a serem reunidas. Seu objetivo é elucidar as percepções dos respondentes em relação
ao mundo sem impor as visões dos pesquisadores, que começam o questionamento com uma questão ampla, como: “O que aconteceu quando você soube que estava com AIDS?”. As questões subsequentes são orientadas pelas respostas iniciais.
Os estudos etnográficos e fenomenológicos com frequência usam entrevistas não
estruturadas.
As entrevistas semiestruturadas (ou focadas) são usadas quando os pesquisadores possuem tópicos ou questões amplas que precisam ser abordados durante a
entrevista. Os entrevistadores usam um guia de tópicos (ou guia de entrevista) para
garantir que todas as áreas serão contempladas. A função do entrevistador é encorajar os participantes a falarem livremente sobre todos os tópicos listados.
Exemplo de entrevista semiestruturada
Brown e colaboradores (2008) exploraram o impacto percebido da leucemia na infância sobre
o desenvolvimento da carreira e as expectativas de sobreviventes jovens. Foram aplicadas
entrevistas semiestruturadas em 11 rapazes e moças. São exemplos das perguntas feitas: “O
diagnóstico de câncer afetou os planos para sua educação?”; De que modo?”; “Fale a respeito
de seu futuro” (p. 21).
376
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
As entrevistas com grupo focado realizam­‑se com grupos de 5 a 10 ­pessoas,
cujas opiniões e experiências são solicitadas simultaneamente. O entrevistador
(ou moderador) orienta a discussão de acordo com um guia de tópicos. As vantagens do formato de grupo consistem em que ele é eficiente e pode gerar bastante
diálogo – embora nem todo mundo se sinta confortável em compartilhar suas
visões ou experiências diante de um grupo. Os grupos focados têm sido usados
pelos pesquisadors em muitas tradições qualitativas e podem desempenhar um
papel particularmente importante na pesquisa feminista, de teoria crítica e de
ação participativa.
Exemplo de entrevista com grupo focado
Sivan e colaboradores (2008) realizaram um estudo com grupo focado para conhecer o modo
como pais pertencentes a classes raciais, étnicas ou econômicas diferentes consideram os pro‑
blemas de comportamento dos filhos e que instrumentos (dois) eles usavam para avaliar esse
comportamento. Foram formados 15 grupos focados (grupos separados para mães e pais de
três históricos raciais ou étnicos) em um centro médico urbano. Eis um exemplo de pergunta
do guia de entrevista: “Se você vê uma criança de 2 a 4 anos em seu bairro e diz para si: ‘Que
criança problemática!’, que comportamento ela apresenta?” (p. 23).
As histórias de vida são narrativas reveladoras de experiências de vida individuais. Nessa abordagem, os pesquisadores pedem aos respondentes que descrevam, com frequência em ordem cronológica, suas experiências em relação a um
tema específico, oralmente ou por escrito. Alguns pesquisadores têm usado essa
abordagem para obter uma história de saúde de toda a vida.
Os diários pessoais há muito têm sido usados como fonte de dados na pesquisa histórica. Também é possível gerar novos dados para estudos solicitando
aos participantes que mantenham um diário ou relatório durante determinado
período. Os diários podem ser úteis para fornecer uma descrição íntima da vida
cotidiana da pessoa. Eles podem ser completamente estruturados; por exemplo,
pode­‑se solicitar simplesmente que indivíduos submetidos a um transplante de
órgão usem 10 a 15 minutos do tempo diário para registrar por escrito seus pensamentos. Com frequência, no entanto, pede­‑se aos sujeitos que registrem dados
em um diário relacionados a algum aspecto específico da sua experiência, às vezes
em um formato semiestruturado.
Exemplo de diário
Bray (2007) explorou as experiências de adolescentes hospitalizados, com idades de 13 a 16
anos, durante a permanência no hospital à espera de uma cirurgia agendada. Foi solicitado
aos jovens que mantivessem diários estruturados de suas experiências durante a internação.
Eles também foram entrevistados duas semanas após a alta. Os diários forneceram dados e
também serviram para ajudar na discussão nas entrevistas.
A técnica de incidente crítico é um método de reunir informações sobre
os comportamentos das pessoas em circunstâncias específicas. A técnica foca um
incidente factual – um episódio observável e integral do comportamento humano;
CAPÍTULO 13
Métodos de coleta de dados
377
o termo crítico significa que o incidente teve um impacto discernível sobre algum
resultado. Essa técnica difere de outras abordagens de autorrelato no sentido de
que aborda algo específico a respeito do qual se espera que os respondentes se
manifestem como testemunhas especialistas. Em geral, são coletados dados sobre
cem ou mais incidentes críticos, mas isso geralmente envolve entrevistas com um
número muito menor de pessoas, pois cada participante pode, com frequência,
descrever vários incidentes.
Exemplo de estudo de incidente crítico
Sharoff (2008) usou a técnica de incidente crítico em um estudo sobre o uso, por enfermei‑
ros holísticos, de modalidades complementares e alternativas no atendimento a seus clien‑
tes. Os participantes receberam a seguinte instrução: “Pensem em um evento importante de
sua prática, em que você utilizou uma dessas modalidades. Reflita sobre o modo como essa
experiência o afetou em sua prática como enfermeiro holístico. Descreva brevemente esse
incidente” (p. 19).
O método de pensar em voz alta tem sido usado para coletar dados sobre
processos cognitivos, como pensar, solucionar problemas e tomar decisões. Esse
método envolve solicitar que as pessoas usem aparelhos onde serão gravadas falas
sobre decisões no processo em que são tomadas ou em que problemas são solucionados, por um período longo (p. ex., em todo um plantão). O método produz
uma relação entre as decisões e os processos subjacentes à medida que ocorrem
em seu contexto natural.
Coleta de dados de autorrelato qualitativo
Os pesquisadores reúnem dados de autorrelato narrativo para desenvolver uma
construção do fenômeno consistente com a dos participantes. Esse objetivo exige
que os pesquisadores sigam alguns passos para superar barreiras de comunicação e
incrementar o fluxo de significados. Por exemplo, os pesquisadores devem conhecer
o jargão e as expressões idiomáticas típicas do grupo estudado antes de coletar os
dados.
Ainda que entrevistas qualitativas sejam, por natureza, obtidas em conversas, isso não significa que os pesquisadores as façam de modo casual. As conversas
têm um propósito que exige preparação antecipada. Por exemplo, a formulação
das perguntas deve fazer sentido para os respondentes e refletir a visão que eles
têm do mundo. Além de bons inquiridores, os pesquisadores têm de ser bons ouvintes. Apenas prestando bastante atenção ao que os respondentes estão dizendo,
eles poderão desenvolver questões apropriadas de acompanhamento.
Tipicamente, as entrevistas não estruturadas são longas e, às vezes, duram
várias horas. A melhor forma de registrar informações tão abundantes é uma questão difícil. Alguns pesquisadores tomam notas durante as entrevistas e incluem os
detalhes após o término delas – mas esse método é arriscado em termos de precisão dos dados. A maioria prefere gravar as entrevistas e, depois, transcrevê­‑las.
Mesmo tendo plena consciência de que a sua conversa está sendo gravada, os
respondentes costumam esquecer da presença do equipamento de gravação após
alguns poucos minutos.
378
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Técnicas do autorrelato quantitativo
Abordagens estruturadas são apropriadas para a coleta de dados por autorrelato
quando os pesquisadores sabem de antemão exatamente o que precisam descobrir
e podem estruturar as questões apropriadas para obter as informações necessárias.
Geralmente, os dados do autorrelato estruturado são coletados por meio de um
documento escrito formal, chamado de instrumento. Este é conhecido como pro‑
grama da entrevista quando as perguntas são feitas oralmente, face a face, ou por
telefone; e, como questionário quando os respondentes completam o documento
por conta própria.
Formulário de perguntas
Em um instrumento totalmente estruturado, pede­‑se aos participantes que respondam às mesmas questões na mesma ordem. As perguntas fechadas (ou de
alternativas fixas) são aquelas em que as alternativas de resposta foram pré­
‑especificadas pelo pesquisador. As alternativas variam de um simples sim a expressões de opinião mais complexas. O propósito dessas questões consiste em garantir a comparação das respostas e facilitar a análise.
Muitos instrumentos estruturados, no entanto, também incluem algumas
perguntas abertas, que permitem aos participantes responder em suas próprias
palavras. Quando se inclui esse tipo de pergunta em um questionário, os respondentes têm de escrever as próprias respostas. Em entrevistas, o entrevistador anota as respostas verbais ou grava tudo e, depois, faz a transcrição. Alguns exemplos
de questões abertas e fechadas são apresentados no Quadro 13.1.
É mais difícil formular questões fechadas do que abertas; porém, a análise
das primeiras é mais fácil. As perguntas fechadas também são mais eficientes: as
pessoas conseguem responder a mais questões fechadas do que abertas em dado
tempo. Em questionários, pode ser que os respondentes queiram compor longas
respostas escritas às questões abertas. O principal ponto fraco das perguntas fechadas consiste em que os pesquisadores correm o risco de deixar passar alguma
resposta potencialmente importante. As questões fechadas também podem ser superficiais. As abertas permitem maior riqueza de informações quando os respondentes são verbalmente expressivos e cooperativos. Por fim, alguns respondentes
têm objeções à escolha de alternativas que podem não refletir suas opiniões com
precisão.
Construção do instrumento
Ao elaborar (ou copiar) questões para um instrumento estruturado, os pesquisadores precisam monitorar com cuidado a construção de cada pergunta, garantindo sua
clareza, sensibilidade ao estado psicológico dos respondentes, ausência de desvio e
(em questionários) nível de leitura. As questões precisam ser sequenciais, em uma
ordem psicologicamente significativa, que encoraje a cooperação e a sinceridade.
Os rascunhos do instrumento costumam ser revisados criticamente por colegas do pesquisador e, depois, pré­‑testados com uma amostra pequena de respondentes. O pré­‑teste é um ensaio destinado a determinar se o instrumento é útil
e capaz de gerar as informações desejadas. O desenvolvimento e o pré­‑teste de
instrumentos de autorrelato podem levar meses.
CAPÍTULO 13
QUADRO 13.1
‘
Métodos de coleta de dados
379
EXEMPLOS DE TIPOS
DE PERGUNTAS
Perguntas abertas
üO que o levou à decisão de parar de fumar?
ü Descreva suas experiências no dia em que teve alta do hospital.
Pergunta dicotômica
Você ficou internado alguma vez nos últimos cinco anos?
1. Sim
2. Não
Pergunta de múltipla escolha
Evitar a gravidez neste momento é:
1. Extremamente importante
2. Muito importante
3. Um pouco importante
4. Nem um pouco importante
Pergunta opinativa
As pessoas têm opiniões diferentes sobre o uso da terapia de reposição de estrógeno para mulheres na
menopausa. Qual das seguintes declarações representa melhor seu ponto de vista?
1. A reposição de estrógeno é perigosa e deve ser descartada.
2. A reposição de estrógeno apresenta efeitos colaterais indesejáveis que indicam necessidade de
atenção ao usá­‑la.
3. Não tenho opinião formada sobre a reposição de estrógeno.
4. A reposição de estrógeno tem muitos efeitos benéficos que justificam seu uso.
5. A reposição de estrógeno é um tratamento maravilhoso, que deveria ser administrado
rotineiramente à maioria das mulheres na menopausa.
Pergunta de ordenação
As pessoas valorizam coisas diferentes na vida. A seguir, apresentamos uma lista de coisas que muitas
pessoas valorizam. Indique a ordem de importância delas para você, colocando o número “1” antes da
mais importante, “2” antes da segunda mais importante, e assim por diante.
_____ Carreira/trabalho
_____ Relações familiares
_____ Amizades, interações sociais
_____ Saúde
_____ Dinheiro, riqueza material
_____ Religião
Pergunta de escolha direcionada
Que declaração representa mais proximamente seu ponto de vista?
1. O que acontece comigo sou eu que faço.
2. Às vezes, sinto que não tenho controle suficiente sobre minha vida.
Pergunta de pontuação
Em uma escala de 0 a 10, em que 0 significa “extremamente insatisfeito” e 10 significa “extremamente
satisfeito”, qual seu grau de satisfação com o serviço de enfermagem recebido durante sua permanência
no hospital?
Extremamente insatisfeitoExtremamente satisfeito
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
380
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
Entrevistas versus questionários
Os pesquisadores que usam autorrelatos estruturados precisam decidir se vão usar
entrevistas ou questionários, e essa decisão pode afetar as descobertas e a qualidade dos dados científicos. Os questionários, em relação às entrevistas, têm as
seguintes vantagens:
ü
ü
ü
São menos onerosos, e sua administração exige menos tempo e esforço. Tais
aspectos representam uma vantagem particular quando a amostra encontra­‑se
geograficamente dispersa. Questionários pela internet são muito econômicos e
parece que, cada vez mais, serão um recurso importante para pesquisas.
Oferecem a possibilidade do anonimato ou de uma privacidade maior e mais
notável, o que pode ser crucial na obtenção de informações sobre comportamentos não convencionais ou traços embaraçosos.
A ausência do entrevistador evita desvios que refletem mais uma reação dos
respondentes ao entrevistador do que puramente a resposta à pergunta.
Exemplo de questionários postados
Kennedy­‑Malone e colaboradores (2008) entrevistaram uma amostra de enfermeiros geron‑
tológicos práticos para identificar os padrões prescritos e outras características da prática. Os
questionários foram postados a mil desses profissionais.
As vantagens das entrevistas superam as dos questionários:
ü
ü
ü
ü
As taxas de resposta tendem a ser altas em entrevistas face a face. Os respondentes ficam menos propensos a se recusar a falar com o entrevistador do que
a ignorar um questionário, em especial quando este chega pelo correio. Baixas
taxas de resposta podem levar a desvios porque os respondentes raramente são
um subconjunto randômico da amostra original. No estudo com questionário
postado a enfermeiros gerontológicos (Kennedy­‑Malone, 2008), que acabamos
de descrever, a taxa de resposta foi de 47%.
Muitas pessoas simplesmente não são capazes de preencher questionários;
exemplos incluem crianças, cegos e pessoas muito idosas. As entrevistas são
mais viáveis para a maioria delas.
Na entrevista, é menos provável que o respondente interprete mal a questão, pois
os entrevistadores podem determinar se a pergunta foi bem­‑compreendida.
Os entrevistadores podem produzir informações adicionais por meio da observação da situação de vida dos respondentes, do grau de cooperação ou de outros
aspectos – e tudo isso é útil na interpretação das respostas.
A maioria das vantagens das entrevistas face a face também se aplica a entrevistas por telefone. Instrumentos complicados ou detalhados não servem bem
ao contato por telefone, mas, quando eles são relativamente breves, as entrevistas
por telefone combinam custos relativamente baixos e altas taxas de resposta.
CAPÍTULO 13
Métodos de coleta de dados
381
Exemplo de entrevista pessoaL
Coe e colaboradores (2007) estudaram fatores que predizem o uso do teste Papanicolau por
mulheres que moram em reservas dos povos Hopi no estado do Arizona (Estados Unidos).
Os dados foram reunidos por entrevistas face a face com 559 mulheres. Mais de 91% das
mulheres contatadas concordaram em participar.
DICA
Inclusive em situações de entrevista, às vezes são feitas aos participantes perguntas na forma
de questionário. Em geral, é mais fácil responder questões profundamente pessoais (p. ex.,
sobre sexualidade) ou que exigem alguma reflexão (p. ex., sobre a solidão) em privacidade, no
formato de questionário, do que diretamente a um entrevistador.
Escalas e outras formas de autorrelato estruturado
Vários tipos especiais de autorrelato estruturado são usados por enfermeiros
pesquisadores. Eles incluem escalas compostas sociopsicológicas, vinhetas e escolhas Q.
Escalas
As escalas sociopsicológicas com frequência são incorporadas a questionários ou
entrevistas. A escala é um dispositivo que atribui certo valor numérico a pessoas ao longo de um continuum, como uma escala de medidas de peso. As escalas
sociopsicológicas classificam quantitativamente pessoas com diferentes atitudes,
percepções e traços psicológicos.
A técnica de classificação mais comum é a escala de Likert, que consiste em
várias declarações (itens) que expressam um ponto de vista sobre algum tópico.
Nessa abordagem, pede­‑se aos respondentes que indiquem até que ponto concordam ou discordam da declaração.
A Tabela 13.2 apresenta uma escala de Likert de seis itens para medir atitudes em relação ao uso de preservativo. Nesse exemplo, a concordância com
declarações expressas de modo positivo recebe uma pontuação maior. A primeira
declaração é expressa positivamente; a concordância com ela indica uma atitude
favorável ao uso de preservativo. Uma vez que são cinco as possíveis respostas,
quem concorda plenamente com algo recebe cinco pontos; quem concorda recebe
quatro; e assim por diante. As respostas de dois respondentes hipotéticos são mostradas com um V e um X, e suas pontuações máximas encontram­‑se nas colunas
da direita. A pessoa 1, que concordou com a primeira declaração, marcou quatro
pontos; enquanto a pessoa 2, que discordou completamente, marcou um ponto.
A segunda declaração é expressa de modo negativo; portanto, sua pontuação fica
invertida – ganha um ponto quem concorda plenamente, e assim por diante. Essa
inversão é necessária para que uma pontuação elevada represente de fato atitudes
positivas em relação ao uso do preservativo.
382
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
A pontuação total da pessoa é determinada pela soma dos pontos de cada
item (essas escalas, às vezes, são chamadas de escalas de classificação somada).
Em nosso exemplo, a pessoa 1 tem uma atitude muito mais positiva em relação aos
preservativos (pontuação total = 26) do que a pessoa 2 (pontuação total = 11). A
soma dos pontos dos itens permite distinguir com clareza pessoas com opiniões diferentes. Cada item de Likert permite colocar a pessoa em apenas cinco categorias.
Uma escala de seis itens, como a da Tabela 13.2, possibilita uma classificação mais
apurada – de uma pontuação mínima de 6 (6 × 1) até a máxima de 30 (6 × 5).
EXEMPLO DA ESCALA DE LIKERT PARA MEnsurar
ATITUDES EM RELAÇÃO AO uso de PRESERVATIVO
Tabela 13.2
RESPOSTAS †
ORIENTAÇÃO
PARA PON‑
ITEM
TUAÇÃO*
+
1. Usar preservativo mostra
consideração pelo
parceiro.
–
2. Meu parceiro ficaria bravo
se eu falasse em usar
preservativo.
–
3.Eu não gostaria tanto da
relação sexual se meu
parceiro e eu usássemos
preservativos.
+
4.Os preservativos são uma
boa proteção contra a
AIDS e outras doenças
sexualmente transmissíveis.
+
5. Meu parceiro me
respeitaria se eu insistisse
em usar preservativo.
–
6.Eu ficaria muito
constrangido(a) de
perguntar a meu
parceiro sobre o uso de
preservativo.
Pontuação total
* Os
CP
C
?
D
ü
X
PESSOA 1 PESSOA 2
(ü)
(X)
4
1
ü
5
3
ü
4
2
X
3
2
X
5
1
ü
5
2
26
11
X
ü
DC
X
ü
X
PONTUAÇÃO
pesquisadores não incluiriam orientações para pontuação em uma escala de Likert entregue aos participantes. Elas são incluídas
aqui apenas por motivos ilustrativos.
† CP = concordo plenamente; C = concordo; ? = em dúvida; D = discordo; DC = discordo completamente.
CAPÍTULO 13
Métodos de coleta de dados
383
Exemplo de escala de Likert
Gomez e colaboradores (2007) aplicaram a Death Anxiety Scale (Escala de Ansiedade em
Relação à Morte), de 20 itens, a uma amostra de mais de 700 homens e mulheres. Exemplos
dos itens dessa escala incluem: “Fico incomodado quando estou em um cemitério” e “Penso
frequentemente em minha própria morte”.
Outra técnica de medir atitudes é o diferencial semântico (DS). Nesse caso,
pede­‑se que os respondentes classifiquem conceitos (p. ex., dieta, exercícios) com
uma série de adjetivos bipolares, como bom/mau, eficaz/ineficaz, importante/não
importante. Os respondentes marcam o local apropriado de uma escala de sete
pontos, que vai de um extremo a outro. Os DSs são flexíveis e fáceis de elaborar,
e o conceito classificado pode ser praticamente qualquer coisa – uma pessoa, um
conceito, um tema controverso, etc. O procedimento de marcação dos pontos para
cada resposta é similar ao da escala de Likert. Valores de 1 a 7 são atribuídos a
cada resposta da escala bipolar; geralmente, valores maiores são associados com
adjetivos expressos de modo positivo. Depois, as respostas das escalas bipolares
são somadas para gerar a pontuação total.
Exemplo de diferencial semântico
Fitzgerald e colaboradores (2008) desenvolveram e testaram Diabetes Semantic Differen‑
tial Scales (Escalas de Diferencial Semântico para Diabete), que envolvem a classificação, por
parte de pacientes e fornecedores do serviço de saúde, de 18 conceitos do atendimento a
diabéticos e nove conjuntos de adjetivos bipolares. Por exemplo, um estímulo é “Ajuda da
família em relação ao diabete”, e os pares de adjetivos incluem tensa/relaxada, insegura/segura
e fraca/forte.
Outro tipo de medida psicossocial é a escala de analogia visual (EAV), que
pode ser usada para medir experiências subjetivas, como dor, fadiga e dispneia.
Trata­‑se de uma linha reta, cujas extremidades são denominadas de limites extremos da sensação ou sentimento medido (Fig. 13.1). Na linha, os participantes
marcam o ponto que corresponde ao grau da sensação experimentado. Tradicionalmente, a linha da EAV tem 100 mm de comprimento, o que facilita o uso de
valores de 0 a 100 pela simples medição da distância entre uma extremidade da
escala e o ponto marcado.
Exemplo de escala de analogia visual
Litherland e Schiotz (2007) realizaram um ensaio controlado randomizado (ECR) para testar
o desconforto em relação ao uso de dois cateteres alternativos, conforme sentido por 196
mulheres submetidas à cateterização uretral. O desconforto das pacientes foi medido por
uma EAV.
384
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
O MÁXIMO DE DOR
A linha deve medir
100 mm de comprimento
SEM DOR
FIGURA 13.1
Exemplo de escala de analogia visual.
As escalas do tipo que acabamos de descrever permitem aos pesquisadores
quantificar com eficiência gradações sutis na força ou na intensidade de características individuais. Elas podem ser administradas verbalmente ou por escrito, e,
por isso, podem ser usadas para a maioria das pessoas. Entretanto, são suscetíveis
a vários problemas comuns, muitos dos quais são chamados de desvio (bias) do
conjunto de respostas. Os desvios mais importantes incluem:
ü
ü
ü
De adequação – Tendência a interpretar erroneamente atitudes ou traços, dando
respostas consistentes com as visões sociais prevalentes.
Extremos – Tendência a expressar de forma consistente as atitudes ou os sentimentos extremos (p. ex., concordo plenamente), levando a distorções porque
as respostas, às vezes, não estão relacionadas ao traço medido.
De aquiescência – Tendência a concordar com as declarações, seja qual for seu
conteúdo (“pessoas do sim”). A propensão oposta (“pessoas do não”), de discordar das declarações seja qual for o conteúdo da questão, é menos comum.
Esses desvios podem ser reduzidos por estratégias como contrabalançar com
declarações expressas de modo positivo e negativo, desenvolver perguntas expressas de modo sensível, criar uma atmosfera aberta e sem julgamentos e garantir o
caráter confidencial das respostas.
DICA
A maioria dos estudos quantitativos que coleta dados por autorrelato envolve uma ou mais
escalas sociopsicológicas. Em geral, são usadas escalas desenvolvidas previamente por outros
pesquisadores.
CAPÍTULO 13
Métodos de coleta de dados
385
Vinhetas
Outra abordagem de autorrelato envolve o uso de vinhetas, descrições breves de
eventos ou situações aos quais os respondentes devem reagir. As descrições, que
podem ser fictícias ou baseadas em fatos reais, são estruturadas para revelar informações sobre percepções, opiniões ou conhecimento dos respondentes acerca
dos fenômenos. As questões colocadas aos respondentes após as vinhetas podem
ser do tipo aberto (p. ex., “Como você descreveria esse nível de confusão dos
pacientes?”) ou fechadas (p. ex., “Classifique o grau de confusão desse paciente
em uma escala de sete pontos”). Comumente, 3 a 5 vinhetas são incluídas em um
único instrumento.
Às vezes, o propósito subjacente dos estudos de vinheta não é revelado aos
participantes, em especial quando a técnica é usada como meio indireto de medir atitudes, preconceitos e estereótipos, usando­‑se descritores inseridos, como no
exemplo a seguir.
Exemplo de vinheta
Griffin, Polit e Byrne (2007) usaram vinhetas que descreviam crianças hospitalizadas para de‑
terminar se as decisões de controle da dor tomadas por enfermeiros pediátricos eram afe‑
tadas pelas características das crianças. As três vinhetas descreviam crianças com dor: uma
descrevia um menino ou menina; outra, uma criança branca ou afro­‑americana; e a terceira,
uma criança fisicamente encantadora e outra não. Os enfermeiros responderam às perguntas
sobre os tratamentos contra dor que administrariam sem saber que as características das
crianças tinham sido experimentalmente manipuladas.
As vinhetas são um modo econômico de revelar informações sobre o modo
como as pessoas se comportam em situações cuja observação na vida cotidiana
seria difícil. O principal problema das vinhetas consiste na validade das respostas.
Se os respondentes descrevem como reagiriam na situação descrita na vinheta, em
que grau essa descrição indica precisamente o comportamento real?
Escolhas Q
Nas escolhas Q, é apresentada uma série de cartões com palavras ou declarações
escritas aos participantes. Pede­‑se, então, que ordenem os cartões ao longo de uma
dimensão bipolar especificada, como concordo ou não concordo. Tipicamente, são
incluídos 50 a 100 cartões, colocados em nove ou 11 montes, sendo o número
de cartões de cada monte determinado pelo pesquisador. As instruções de distribuição e os objetos a serem rateados em determinada ordem podem variar. Por
exemplo, pode­‑se pedir aos pacientes que classifiquem os comportamentos dos
enfermeiros em um continuum de mais a menos útil; ou a pacientes de trauma que
classifiquem aspectos do seu tratamento em um continuum do que causa mais ao
menos sofrimento.
As escolhas Q são versáteis e podem ser aplicadas a uma grande variedade de
problemas. Pedir às pessoas que coloquem certo número previamente determina-
386
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
do de cartões em montes separados elimina muitos desvios de resposta que podem
ocorrer nas escalas de Likert. Entretanto, é difícil administrar escolhas Q a amostras grandes de pessoas, e isso também consome muito tempo. Alguns críticos
argumentam que a distribuição forçada dos cartões de acordo com especificações
feitas pelos pesquisadores é artificial e exclui informações sobre o modo como os
participantes comumente distribuiriam suas respostas.
Exemplo de escolha Q
Herro­‑Marx e colaboradores (2007) usaram a escolha Q para explorar as experiências de
mulheres que superaram a doença pélvica e perineal pós­‑natal. As declarações escritas em 36
cartões, os quais seriam distribuídos em nove montes, sob um continuum que ia de concordo
a discordo, foram desenvolvidas a partir de um estudo detalhado anterior com uma amostra
de mulheres pós­‑parto. “Meu períneo, às vezes, parece seco” é um exemplo das declarações
elaboradas.
Avaliação dos métodos de autorrelato
As técnicas de autorrelato – o método mais comum de coleta de dados nos estudos
de enfermagem – são bastante diretas. Se os pesquisadores querem saber como as
pessoas se sentem ou em que acreditam, a abordagem mais direta é perguntar a
elas. Além disso, frequentemente, os autorrelatos geram informações cuja coleta
seria difícil ou impossível por outros meios. É possível observar comportamentos
de forma direta, mas apenas quando as pessoas estão dispostas a demonstrá­‑los
publicamente. Além disso, os investigadores podem observar apenas comportamentos que ocorrem no período do estudo; já os instrumentos de autorrelato
podem reunir dados retrospectivos sobre atividades e eventos que ocorreram no
passado ou que os participantes pretendem realizar no futuro.
Apesar dessas vantagens, os métodos de autorrelato têm algumas desvan­
tagens. A mais grave consiste na validade e na precisão dos autorrelatos: como
ter certeza de que os participantes sentem ou agem do modo como dizem fazê­‑lo?
Será que se pode confiar nas informações fornecidas pelos respondentes, em par­
ticular quando as perguntas envolvem admitir traços potencialmente indesejáveis?
Os investigadores com frequência não têm escolha – são obrigados a pressupor a
sinceridade da maioria dos respondentes. Além disso, todos nós temos a tendência
de nos apresentar do melhor modo possível, e isso pode entrar em conflito com
a verdade. Ao ler relatórios de pesquisa, é importante estar atento a potenciais
desvios nos dados originários de autorrelatos, em particular com respeito a comportamentos ou sentimentos que a sociedade julga controversos ou errados.
É preciso estar consciente também dos méritos dos autorrelatos não estruturados e estruturados. Em geral, as entrevistas não estruturadas (qualitativas)
têm maior utilidade quando se explora uma nova área de pesquisa. A abordagem
qualitativa permite aos pesquisadores examinar quais as questões básicas, quão
sensível ou controverso é o tópico e como os indivíduos conceituam o fenômeno
e falam sobre ele.
No entanto, os autorrelatos qualitativos consomem muito tempo e trabalho
e não são apropriados para apreender aspectos mensuráveis de um fenômeno,
como a incidência (p. ex., a porcentagem de mulheres que experimentam depressão pós­‑parto (DPP), a frequência (com que periodicidade são experimentados os
CAPÍTULO 13
Métodos de coleta de dados
387
sintomas de DPP), a duração (p. ex., tempo médio em que está ocorrendo a DPP);
ou a magnitude (p. ex., grau de gravidade da DPP). Os autorrelatos estruturados
também são apropriados quando os pesquisadores querem testar hipóteses vinculadas a relacionamentos.
OBSERVAÇÃO
Para algumas questões de pesquisa, a observação direta do comportamento das
pessoas é uma alternativa aos autorrelatos, especialmente em ambientes clínicos.
Os métodos observacionais podem ser usados para reunir informações como
condições dos indivíduos (p. ex., o estado sono­‑vigília dos pacientes); comunicação verbal (p. ex., troca de informações nos registros de mudança de turno);
comunicação não verbal (p. ex., linguagem corporal); atividades (p. ex., atividades de pacientes geriátricos relacionadas a cuidados com a própria aparência); e
condições ambientais (p. ex., níveis de ruído em casas de repouso).
Em estudos observacionais, os pesquisadores têm flexibilidade em relação a
várias dimensões importantes:
ü
ü
ü
ü
Foco da observação. O foco pode recair em eventos amplamente definidos (p. ex.,
alterações de humor dos pacientes) ou comportamentos pequenos, altamente
específicos (p. ex., gestos, expressões faciais).
Dissimulação. Os pesquisadores nem sempre dizem às pessoas que elas estão
sendo observadas, pois esse conhecimento pode gerar um comportamento
atípico, prejudicando a validade das observações. O problema das distorções
comportamentais, que se deve à presença conhecida de um observador, é chamado de reatividade.
Duração. Algumas observações podem ser feitas em um período curto, mas
outras, em particular aquelas de estudos etnográficos, podem exigir meses ou
anos no campo.
Método de registro de observações. As observações podem ser feitas por meio dos
sentidos humanos e, depois, registradas por escrito, mas também podem envolver
equipamentos sofisticados (p. ex., câmeras, gravadores, computadores).
Assim como acontece com as técnicas de autorrelato, uma dimensão notável
dos métodos observacionais é o grau da estrutura, ou seja, se os dados observados
são suscetíveis a análises qualitativas ou quantitativas.
Métodos observacionais qualitativos
Os pesquisadores qualitativos coletam dados observacionais com um mínimo de
estrutura e restrições impostas por eles próprios. Uma observação não estruturada
hábil permite enxergar o mundo como os participantes do estudo o veem, desenvolver uma compreensão rica do fenômeno estudado e capturar as sutilezas da
variação cultural.
As observações naturalistas com frequência são feitas no campo, por obser­
vação participante. O observador participante toma parte no funcionamento
do grupo estudado e esforça­‑se para observar e registrar informações dentro de
contextos e experiências relevantes para os participantes. Ao assumir o papel de
388
Fundamentos de pesquisa em enfermagem
participante, os observadores podem compreender coisas veladas ou que não teriam sido percebidas por observadores mais passivos. Nem todos os estudos observacionais qualitativos usam a observação participativa; algumas observações não
estruturadas envolvem observação e registro de comportamentos abertos, sem a
participação dos observadores nas atividades. A maioria das observações qualitativas, no entanto, realmente envolve certa participação, em particular na pesquisa
etnográfica e de teoria fundamentada.
DICA
Alguns relatórios de pesquisa relatam o uso da observação participativa, apesar de a descrição
dos métodos sugerir o envolvimento de uma observação, mas não de participação. Parece que
alguns pesquisadores usam o termo “observação participativa” de modo inapropriado para se
referir a todas as observações não estruturadas realizadas no campo.
O papel do observador­‑participante na observação participativa
Na observação participativa, o papel desempenhado pelos observadores no grupo
estudado é importante porque sua posição social determina o que eles provavelmente vão ver. A extensão da real participação dos observadores em um grupo é melhor
compreendida como um continuum. Em um extremo, está a imersão completa no
ambiente, em que o pesquisador assume a condição de participante total; no outro
extremo, a separação completa, sem envolvimento do pesquisador. Em alguns casos,
os pesquisadores podem assumir uma posição fixa nesse continuum durante todo o
estudo, mas, com frequência, seu papel como participante evolui no decorrer do trabalho de campo. Leininger e McFarland (2006) descreveram o papel do observador
participante como uma condição que evolui em uma sequência de quatro fases:
1.
2.
3.
4.
prioritariamente observação e audição ativa;
prioritariamente observação e participação limitada;
prioritariamente participação sem observação continuada;
prioritariamente reflexão e reconfirmação de descobertas junto aos infor­
mantes.
Na fase inicial, os pesquisadores observam e ouvem aqueles que estão sendo
estudados, permitindo que observadores e participantes fiquem mais confortáveis
ao interagir. Na fase 2, a observação é incrementada, incluindo­‑se um grau modesto de participação no grupo social. Já na fase 3, os pesquisadores esforçam­‑se
para atuar como participantes mais ativos, aprendendo pela experiência de fazer,
mais do que pelo simples observar e ouvir. Na fase 4, por sua vez, os pesquisadores
refletem sobre o processo total do que aconteceu.
Os observadores têm de superar, pelo menos, dois obstáculos principais para
assumir um papel satisfatório diante dos participantes. O primeiro é ter livre entrada no grupo social sob investigação; o segundo é estabelecer uma atmosfera harmônica e desenvolver a confiança dentro do grupo. Sem a permissão de
acesso, o estudo não pode prosseguir; sem a confiança do grupo, o pesquisador,
tipicamente, ficará restrito a um conhecimento “de palco”, ou seja, informações
distorcidas pelas fachadas protetoras do grupo. Por um lado, o objetivo da participação dos observadores é “chegar atrás do palco” – aprender sobre as verdadeiras
realidades das experiências e dos comportamentos do grupo. Por outro, ser um
CAPÍTULO 13
Métodos de coleta de dados
389
membro integral participativo não oferece, necessariamente, a melhor perspectiva
para o estudo do fenômeno – assim como ser um ator em uma peça não garante a
visão mais vantajosa do desempenho.
Exemplo de papéis do participante­‑ observador
Tutton e colaboradores (2008) realizaram um estudo etnográfico da cultura de enfermagem
profissional em uma unidade de trauma, a partir da perspectiva dos enfermeiros e dos pacientes.
A observação participativa foi um dos métodos usados ao longo de 16 períodos de observação.
Os pesquisadores “assumiram o papel de observador como participante. Isso envolveu ficar
sentado, quieto, em um canto da sala, mas também participar das conversas quando convidado
e realizar tarefas menores, como mudar o local de apoio de pé e pegar bebidas” (p. 147).
Como obter dados na observação participativa
Tipicamente, os observadores participantes fazem poucas restrições à natureza
dos dados coletados, mas, com frequência, elaboram um plano amplo para os tipos
de informações que serão reunidos. Entre os aspectos de uma atividade observada
provavelmente considerada relevante, estão:
1. O ambiente – Questões “onde”. Onde a atividade está acontecendo? Quais os
principais aspectos do ambiente? Qual o contexto em que o comportamento
se revela?
2. Os participantes – Questões “quem”. Quem está presente? Quais suas características e papéis? Quem tem acesso ao ambiente?
3. Atividades – Questões “o quê”. O que está acontecendo? O que os participantes
estão fazendo? Que métodos eles usam para se comunicar? Com que frequência
o fazem?
4. Frequência e duração – Questões “quando”. Quando a atividade começou e
terminou? A atividade é recorrente? Em caso positivo, com que regularidade
ela ocorre?
5. Processo – Questões “como”. Como a atividade está organizada? Como o evento
acontece?
6. Resultados – Questões “por quê”. Por que a atividade está acontecendo ou por
que está acontecendo dessa maneira? O que não aconteceu (em especial se
deveria ter acontecido) e por quê?
A decisão seguinte consiste em identificar um modo de formar amostras das
observações e de selecionar locais de observação. Em geral, os pesquisadores usam
uma combinação de abordagens de posicionamento. O posicionamento único significa ficar em um único local durante o período, a fim de observar as transações
nesse espaço. O posicionamento múltiplo envolve mover­‑se pelo local para observar comportamentos a partir de pontos diferentes. O posicionamento móvel envolve seguir uma pessoa durante toda a atividade ou período.
Uma vez que os observadores participantes não podem estar em mais de um
local ao mesmo tempo, a observação costuma ser suplementada com informações
obtidas em entrevistas não estruturadas. Por exemplo, pode­‑se pedir aos informantes que descrevam o que aconteceu em uma reunião à qual o observador não
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