O ensino religioso escolar e a Lei 10639/03 Resumo: De acordo com o artigo 210 da Constituição Federal Brasileira de 1988 e o artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1997, o ensino religioso é parte integrante da formação básica do cidadão e disciplina dos horários normais do ensino fundamental, e deve assegurar o respeito à diversidade religiosa brasileira. Ao longo da história do Brasil, o ensino religioso escolar revestiu-se em caráter confessional, catequético e doutrinador, pautado nas tradições judaico-cristãs, muitas vezes contrariando a legislação. A partir do ano de 2003, a lei 10639 tornou obrigatória a inclusão da História e Cultura Africana e Afro-brasileira em todo currículo da educação básica. O artigo busca discutir como é vista a presença da temática religiões afrobrasileiras no ensino religioso escolar, a partir das respostas obtidas através de questionário aplicado a mães maringaenses em uma página do facebook. Palavras-chave: História e cultura africana e afro-brasileira, Lei 10639/03, Pesquisa na Internet, Religiões afro-brasileiras. Abstract: According to article 210 of the 1988 Brazilian Federal constitution, and article 33 of the Guidelines and Bases of Education Law of 1997, religious education is an integral part of the basic education of the citizen and discipline of normal hours of elementar education, and must ensure respect for Brazilian religious diversity. Throughout the history of Brazil, religious school education has become confessional, catechetical and doctrinaire, based on Judeo-Christian traditions, often contrary to the law. From the year 2003 on, the Law 10639 inclueded as mandatory the African and Afro-Brazilian, History and Culture, in all curricula of basic education. The article seek to discuss how the presence of Afro-Brazilian religions in school religious education is viewed based on the answer obtained through a quastionnaire applied to the mothers of Maringa City on facebook page. Keywords: African and Afro-Brazilian History and culture, Law 10639/03, Internet Research, Afro-Brasilian religions. Introdução A Carta Magna brasileira de 1988 traz em seu artigo 3º, inciso IV, entre os princípios e objetivos fundamentais da República, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988). Temos visto nas últimas décadas avanços legislativos concernentes à reparação histórica aos direitos da população afrodescendente, buscando atender aos objetivos expressos constitucionalmente. A primeira conquista a ser apontada, foi a edição da Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003, no início do primeiro governo LULA/PT, que alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), tornando então obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas redes públicas e particulares da educação básica. No ano seguinte, em 17 de junho de 2004, a Resolução nº1 do Conselho Nacional de Educação instituiu Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana, passando posteriormente a ser obrigatória em todos os níveis e modalidades dos estabelecimentos de ensino (2006). Entre outras ações, ulteriormente foram instituídas equipes multidisciplinares e normas complementares e, em 20 de julho de 2010, a Lei nº 12.288 estabeleceu o Estatuto da Igualdade Racial. Ao refletir sobre a implementação da lei 10639 e sua vivência no ambiente escolar, procuramos tomar como recorte inicial a presença dos elementos da cultura africana e afro-brasileira no ensino religioso escolar, considerando o desconhecimento e a visão estigmatizada que se tem da religiosidade de matriz africana. O ensino religioso está previsto no artigo 210 da Constituição, fixado como “disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”, devendo ser de matrícula facultativa (BRASIL, 1988), e tem regulamentação dada pela Lei de Diretrizes e Bases de 1996, alterada em 1997, a seguinte redação: Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. (Alterado pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997) § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. (Incluído pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997) § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. (Incluído pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997) (BRASIL, 1997) Ao analisarmos o artigo 33 da LDB, nos deparamos com as seguintes questões: o ensino religioso está presente na escola? Quais os conteúdos abordados dentro da disciplina? O respeito à diversidade cultural religiosa está assegurado nele? Trabalhamos com a hipótese de que as religiões afro-brasileiras ainda são estigmatizadas e pouco aceitas no cotidiano escolar, em especial na disciplina de ensino religioso, onde se mantêm as práticas hegemônicas judaico-cristãs. Acreditamos que tal ausência é fruto do desconhecimento e preconceito, não apenas por parte do corpo docente, mas das famílias dos alunos. Muitas são as pesquisas que buscam saber a opinião de professores e alunos a respeito do ensino das religiões de matriz africana, mas nosso objetivo é conhecer a visão que os pais têm sobre a inserção da temática na disciplina. Para alcançar nosso objetivo, optamos pela elaboração de um pequeno questionário para coleta de dados, utilizando ferramentas disponibilizadas gratuitamente pelo Google, a ser aplicado para mães com filhos em idade escolar, sobre sua visão a respeito do ensino religioso na escola, em especial no que diz respeito às religiões de matriz afro-brasileiras. O questionário semi-estrurado, composto por doze perguntas, foi compartilhado em um grupo do Facebook que reúne mães do município de Maringá e ficou ativo por cerca de 20 dias, recebendo 112 respostas. A Pesquisa na Internet Escolhemos o grupo Serviços Maternos Maringá (Bazar) – Ninho das Cegonhas (oficial) como campo de coleta de dados para a pesquisa, por se tratar de uma comunidade local bastante expressiva, reunindo um grande número de mães que participa ativamente com postagens e comentários. O grupo Serviços Maternos foi criado em 2012, pela jornalista e mãe Fernanda Becker, com o intuito de promover um espaço onde mães pudessem comprar e vender itens para seus filhos com valores abaixo do mercado. Aos poucos o grupo tornou-se ponto de encontro onde mães trocam experiências e informações sobre temas relacionados à maternidade, saúde e educação dos filhos. A moderadora complementa Com toda a popularidade que os grupos têm alcançado, a questão do número de membros e o engajamento das mães, temos realizado diversos eventos para a socialização dos membros. Já realizamos 8 bazares presenciais e 6 feiras de trocas de brinquedos e livros de muito sucesso. Trazemos as pessoas para além das telas de celular e computador. A experiência com o grupo Serviços Maternos vem corroborar a afirmação de Barry Wellman, “As comunidades são redes de laços interpessoais que proporcionam sociabilidade, apoio, informação, um sentimento de pertença e uma identidade social”. Manuel Castells faz um estudo sobre o que chama Cultura Internet, onde aponta como uma das facetas deste novo modelo de sociabilidade, a cultura comunitária virtual, que faz da internet “um meio de interação social seletiva e de pertença simbólica” (CASTELLS, 2001). Os sistemas tecnológicos produzem-se socialmente e a produção social é determinada pela cultura. A Internet não constitui uma exceção a esta regra. (...) Por cultura entendo um conjunto de crenças e valores que formam o comportamento. (...) Apesar de se manifestar de forma explícita, a cultura é uma construção coletiva que transcende as preferências individuais e influencia as atividades das pessoas que pertencem a essa cultura, neste caso, os utilizadores/produtores da Internet. (CASTELLS, 2001) Para Castells, a internet é uma extensão da vida real em todas as suas dimensões, e nela as tendências contraditórias da sociedade são acentuadas, “é o meio em que nos expressamos”. Teóricos que têm dedicado seus estudos à internet, afirmam que as formas de sociabilidade têm se transformado com a propagação do acesso a rede mundial. A internet teve origem na década de 1960, baseada em esforços dos EUA para desenvolver tecnologia militar superior à USS, e ficou praticamente restrita ao campo militar e universitário por quase três décadas. Com o advento da World Wide Web em 1990, o acesso e compartilhamento de informações foi estendido ao público geral. Com a capacidade de ligações em rede proporcionadas pelo alcance do www, passaram a surgir redes sociais de todos os tipos e a formação de comunas online, ou comunidades virtuais, reinventando a sociedade e expandindo as ligações informáticas em rede (CASTELLS, 2001). No final dos anos 90 iniciou-se a popularização da internet, passando a atingir um público maior e mais variado. Os estudos deixaram de restringir-se ao funcionamento da rede e pesquisadores passaram a utilizar-se dela para coleta e análise de dados, pesquisas de opinião, entre outros. A internet deixou assim de ser apenas objeto de pesquisa, passando a ser também campo e instrumento para pesquisas nas ciências humanas e sociais (FRAGOSO et al., 2015). As pesquisas realizadas com o auxílio da internet têm se tornado cada vez mais utilizadas, e os posicionamentos sobre as vantagens e desvantagens deste instrumento também. As pesquisas on-line assemelham-se metodologicamente às pesquisas tradicionais, no entanto são necessárias adaptações de técnicas e métodos às peculiaridades da rede. Bryman aponta como vantagens da pesquisa online a economia de tempo e custos, a inexistência de barreiras geográficas e o alcance de um maior número de pessoas, além da rapidez no processamento dos dados coletados. O fato de o acesso a internet não ser universal, existindo parcelas significativas da população que não são alcançadas nestas pesquisas, e a perda dos elementos não-verbais nas observações e entrevistas, possíveis apenas através do contato pessoal e visual, estão entre as principais desvantagens desta nova modalidade, aspectos também apontados por Flick (2004) (BATISTA apud BRYMAN, 2012). Especificamente sobre a aplicação de questionários, Lakatos e Marconi apontam a vantagem do anonimato, “mais uniformidade na avaliação, em virtude da natureza impessoal do instrumento” e o menor “risco de distorção, pela não influência do pesquisador”. E as desvantagens: a) Percentagem pequena dos questionários que voltam. b) Grande número de perguntas sem respostas. c) Não pode ser aplicado a pessoas analfabetas. d) Impossibilidade de ajudar o informante em questões mal compreendidas. e) A dificuldade de compreensão, por parte dos informantes, leva a uma uniformidade aparente. f) (...) pode uma questão influenciar a outra. h) (...) difícil o controle e verificação. i) Nem sempre é o escolhido quem responde ao questionário (...) j) Exige um universo mais homogêneo. (LAKATOS, MARCONI, 2010) Assim como a pesquisa tradicional, a pesquisa online exige que se faça um recorte da realidade a ser estudada, sendo impossível uma visão global ou uma análise total da realidade. Ao preparar um questionário ou definir uma amostra, é necessário que a metodologia possibilite a realização do trabalho e que esta responda às necessidades específicas da pesquisa. Segundo Flick (2001), a internet ainda é utilizada em grande parte para a pesquisa quantitativa, especialmente na aplicação de questionários online, mas a cada dia é crescente o número de pesquisas qualitativas no meio virtual, utilizando-se de entrevistas online, etnografia virtual (netnografia), observação participante, entre outras. Embora comumente os métodos quantitativos e qualitativos sejam vistos como incompatíveis e mutuamente excludentes, é possível entendê-los como abordagens complementares, a serem mobilizadas conforme os objetivos de cada pesquisa, de forma integrada ou em etapas sucessivas. (FRAGOSO et al., 2015) A metodologia e técnicas escolhidos para a pesquisa dependem de diversos fatores, como a natureza e objeto da pesquisa, tempo e recursos. Marconi e Lakatos afirmam que “nunca se utiliza apenas um método ou uma técnica (...) mas todos os que forem apropriados para determinado caso. Na maioria das vezes, há uma combinação de dois ou mais deles, usados concomitantemente” (LAKATOS, MARCONI, 2010). Maringá, Maringá O município de Maringá está localizado na região Norte do Paraná, distando pouco mais de 423km da capital do Estado, com área territorial de 487km². O povoamento que deu origem ao município teve início na década de 40, estimulado por intensa propaganda e venda de lotes pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, responsável pela reocupação de todo norte novo do Estado. Em 1947, o povoado tornou-se distrito de Mandaguari, sendo elevado à categoria de município em 1951. O nome Maringá foi inspirado na canção “Maringá, Maringá”, de Joubert de Carvalho, o que rendeu à cidade o apelido de Cidade Canção. A historiografia oficial repassa a ideia de que a região do empreendimento que deu origem a Maringá, tratava-se de um grande vazio demográfico, terras devolutas, apagando a presença e resistência indígena local. Tal ideia continua a ser reproduzida em trabalhos acadêmicos, livros didáticos e odes aos pioneiros (MOTA, 1994). Lucio Tadeu Mota chama a atenção para esta falácia em sua tese de doutorado As guerras dos índios Kaingang, lançada como livro pela EDUEM em 1994. De acordo com o Censo do IBGE, em 2010 o município contava com 357.077 habitantes e densidade demográfica igual a 733,14hab/km², sendo mais de 98% desta população urbana. Ainda segundo o Instituto, a estimativa para 2017 é de 406.693 habitantes. Durante o levantamento, mais de 70% da população se autodeclarou branca, enquanto pretos e pardos somaram cerca de 25% e amarelos e indígenas em torno de 3,5% do total. Há alguns anos, o município tem sido destaque em revistas nacionais onde são exaltadas sua beleza e desenvolvimento. Em 1999, a revista Veja publicou matéria intitulada Dallas no Paraná, chamando a atenção para o baixo índice de homicídios e analfabetismo, a proeminência na produção agrícola e a “vocação rural” que a assemelhavam às regiões texanas. Mais recentemente, em 2014, a revista Exame publicou resultados de uma pesquisa realizada pela empresa de consultoria Macroplan, onde Maringá despontou como a melhor grande cidade do país. E, em agosto deste ano, matéria publicada na página Valor Econômico, destacou a qualidade de gestão, infraestrutura e qualidade de vida, numa cena quase bucólica, unindo desenvolvimento e tranquilidade. Tais propagandas se justificam em índices como o IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano – também com referência aos dados de 2010 do IBGE, que leva em conta renda, escolaridade e expectativa de vida, colocando o município na segunda posição no Paraná e 23º no país. Mas a onda propagandista tendo Maringá como foco não é algo recente, data de antes de sua existência. Tal expediente foi utilizado desde a venda de lotes pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTPN), subsidiária da inglesa Paraná Plantations. Segue trecho presente na biografia do pioneiro Francisco Feio Ribeiro: A Companhia fez mais de vinte propagandas naquele ano (1947), só na Folha da Manhã, sem repetir títulos e textos, e todas transformavam Maringá num paraíso. Em tons patrióticos e proféticos, os leitores são chamados – ou convocados? – a participar desse mundo maravilhoso ao alcance de quem quisesse. “Riqueza”, “fortuna”, “mundo novo”, “esperança”, “saúde”, “natureza” e “ótimas terras” são termos recorrentes nas propagandas. Os superlativos, abundantes. (PAULA, 2014) Vemos que a tradição se mantem. No entanto há quem discorde dessa visão paradisíaca. Ana Lúcia Rodrigues, coordenadora do Observatório das Metrópoles Maringá, em sua tese de doutorado A pobreza mora ao lado, esclarece pontos obscuros no desenvolvimento do projeto de cidade modelo sob o qual Maringá foi erigida: O projeto que norteou o desenvolvimento da cidade foi cumprido integralmente, inclusive, nos aspectos que definiram uma ocupação residencial diferenciada socialmente. Ao segmentar as áreas a serem comercializadas, segundo as especificidades socioeconômicas dos adquirentes, o agente imobiliário fomentou, ao longo de mais de meio século, uma ocupação residencial claramente segregada. Contudo, há um conjunto de moradores cujas rendas sequer alcançaram a possibilidade de ter acesso à moradia em Maringá, e que foram expulsos para o entorno da cidade pólo, em especial, para Sarandi e Paiçandu (RODRIGUES, 2004). O desenvolvimento e ideal de Maringá se deram desde o início empurrando para seu entorno tudo o que não cabia em seu projeto de perfeição, deixando a pobreza e todas as mazelas que a acompanham escondidas nos municípios da região metropolitana. Análise do questionário Como já mencionado, utilizamos para a coleta de dados um breve questionário elaborado em uma plataforma gratuita do Google e compartilhado em uma comunidade da rede social Facebook. O questionário semiestruturado, composto por quatro perguntas de fato, visando a identificação das características das unidades de ensino em que os filhos dos respondentes estão matriculados, uma para identificar a religião do respondente, seis perguntas de opinião e uma questão aberta, foi respondido por 112 pessoas. As perguntas de opinião foram baseadas nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Religioso, elaborada pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná, que prevê “o trabalho pedagógico da disciplina (...) organizado a partir de seus conteúdos estruturantes (...): Paisagem Religiosa, Universo Simbólico Religioso e Texto Sagrado.” Os conteúdos estruturantes orientam a definição dos conteúdos básicos de cada série, que aparecem divididos em capítulos do livro didático Ensino Religioso: Diversidade Cultural e Religiosa: 1) Organizações Religiosas, 2) Lugares Sagrados, 3) Textos Sagrados orais ou escritos, 4) Símbolos Religiosos, 5) Temporalidade Sagrada, 6) Festas Religiosas, 7) Ritos, 8) Vida e Morte. (PARANÁ, 2013) Através das perguntas objetivas, procuramos identificar em qual nível de ensino os filhos estavam matriculados (Infantil, Fundamental ou Médio), qual a modalidade da escola (Pública, Particular/Privada ou Particular/Religiosa), se existe a disciplina de ensino religioso e se é costume rezar na escola, além da opção religiosa do respondente. Na escola do seu filho é costume rezar/fazer oração? Escola Particular Pública Religiosa Total Geral Nenhuma 21 25 46 Outra 9 11 15 35 Pai Nosso 5 15 11 31 Total Geral 35 51 26 112 Como já era esperado, entre as escolas confessionais a prática de orações é comum em 100%. O que nos chama a atenção é que este hábito está presente na maior parte das escolas públicas (51%) e em cerca de 40% das escolas privadas não confessionais. Curiosamente, o Pai Nosso não aparece como principal oração praticada, o que nos leva a refletir sobre a atual expansão das igrejas evangélicas que, segundo o IBGE, passaram de 26,2 milhões de adeptos para 42,3 milhões, do ano 2000 para 2010. Sobre a presença do ensino religioso nas escolas, entre os alunos matriculados no ensino fundamental, cerca de 2/3 responderam que possuem a disciplina. Questionados sobre quem deveria ministrar as aulas de ensino religioso, a grande maioria concordou que a disciplina deve estar a cargo de um professor habilitado em Ensino Religioso, independente da religião (79%). Por quem deve ser ministrada a aula de Professor Ensino Religioso? Evangélico Professor de História 11% Líder Religioso 3% 4% Professor Católico 3% Professor Habilitado ER 79% Evangélico Católico Habilitado ER História Líder Religioso Sobre a religião dos respondentes, 4 se declararam ateus, 1 do candomblé, 46 católicos, 17 cristãos, 1 ecumênico, 15 espíritas, 25 evangélicos e 3 mórmons. Dentre as questões de opinião, ponto principal de nossa pesquisa, foram encontradas as maiores discrepâncias. Ao serem questionados sobre quais tradições religiosas deveriam ser abordadas em sala de aula, os respondentes poderiam assinalar uma ou mais opções em cada questão. Mesmo tendo um grande número de pessoas assinalado a opção TODAS, individualmente as religiões de matriz-africana não foram selecionadas nenhuma vez. Quais tradições religiosas devem ser discutidas em sala de aula? 80 70 60 50 40 30 20 10 0 67 26 15 5 1 0 7 0 12 1 Sobre os textos sagrados a serem discutidos: Entre os textos sagrados, quais devem ser abordados? 60 56 50 50 40 30 20 10 0 1 2 Al corão Torá Indígenas e Africanos 5 0 Bíblia Todos Nenhum Sobre as festas religiosas a serem estudadas: Entre as festas religiosas, quais devem ser estudadas? 65 70 60 50 38 37 40 30 20 10 9 1 0 Ramadã Festa de Iemanjá 1 0 Natal Pascoa Kuarup (indígena) Todas Nenhuma Sobre os lugares sagrados, o terreiro foi o único não indicado individualmente por nenhum respondente, assim como a festa de Iemanjá na questão anterior: Entre os lugares sagrados, quais devem ser apresentados? 70 63 60 50 40 36 30 20 10 0 3 3 7 7 4 0 Catedral Terreiro Templo Budista Mesquita Cemitério Sinagoga Todos Nenhum O questionário continha uma questão aberta onde os respondentes deveriam dizer porquê as religiões de matriz africana e afro-brasileira devem ser, ou não, abordadas na aula de ensino religioso. Sessenta e quatro pessoas responderam que sim, a temática deve ser abordada. A maioria justificou que o ensino religioso deve abarcar todas as religiões. Cerca de dez responderam que é importante pois faz parte da história e/ou cultura do país. Outros dez justificaram que é importante para que haja respeito e tolerância às diferenças. Alguns responderam que é importante pelo conhecimento ou para atender à diversidade. Uma respondeu que “mitologia é importante para crianças”. Vinte e oito pessoas responderam que talvez. A maioria delas não justificou. Cinco disseram que depende da abordagem, uma disse que depende do tempo disponível do professor, outra que depende dos alunos matriculados, e para outra apenas se o índice de pessoas pertencentes à religião for significativo. Uma respondeu que deve ater-se às religiões dominantes, “cristianismo/catolicismo”. Uma respondeu “Porque eu creio que Jesus Cristo é o único Senhor e Salvador, então quero que minhas filhas aprendam as religiões que preguem essa verdade”. Percebe-se nesta e em outras falas a visão do ensino religioso como o ensino catequético, que prega uma determinada religião. Vinte pessoas responderam não, as religiões de matriz afro não devem fazer parte do ensino religioso escolar: “Porque pode influenciar a criança”; “Por mexer com coisas que são pecado”; Pois “somos um país cristão”; “Pois tem pais que acham errado”; “Porque não adoram a um Deus”; Pois “é assunto para aula de história”; “Não é a religião tradicional brasileira. É uma religião de minoria”; “Deve-se primeiro perguntar aos pais se aceitam. Deve-se respeitar a religião de cada família. No meu caso não aceitaria”. Seis delas responderam que religião se aprende em casa, mais uma vez retratando a ideia de doutrinação. Quatro responderam não ser necessário. Ao trabalharmos com as respostas dos questionários, vemos discursos carregados de juízo de valor. Ao tentarmos entendê-los e explicá-los, é necessário que se conheça “a história e a sociedade que o produziu. O discurso é um objeto, ao mesmo tempo, linguístico e histórico”. (GREGOLIN, 1995) O discurso não é, pois, a expressão da consciência, mas a consciência é formada pelo conjunto dos discursos interiorizados pelo indivíduo ao longo de sua vida. O homem aprende como ver o mundo pelos discursos que assimila e, na maior parte das vezes, reproduz esses discursos em sua fala. (FIORIN, 2007) Mesmo entre as pessoas que responderam que as religiões de matriz africana devem ser abordadas, encontramos um discurso de desvalorização, colocando a religiosidade africana como folclore, mitologia. Reginaldo Prandi (1995), observa que “Os elementos da religião tradicional, ao serem assimilados pela cultura nacional deixam de ser religiosos para serem simplesmente exóticos”. Ao utilizar o termo tolerância, cabem as reflexões feitas por Skliar e Bauman, em que a intolerância é revestida pela máscara da tolerância, uma utopia sustentada por relações de poder, desejando eliminar toda ambiguidade: A tolerância não inclui a aceitação do valor do outro; pelo contrário, é uma vez mais, talvez de maneira mais sutil e subterrânea, a forma de reafirmar a inferioridade do outro e serve de antessala para a intenção de acabar com sua especificidade – junto ao convite ao outro para cooperar na consumação do inevitável. (...) A inevitabilidade da mesmidade do outro, do outro como o mesmo. Sua inferioridade. O outro como um suspenso adiável. Seu mistério alienado pela tolerância. Reduzido pela tolerância. Apagado pela tolerância. (SKLIAR, 2003 Apud CAPUTO, 2012) Outro ponto recorrente nas falas é a associação das tradições religiosas ao mal, ao pecado. O preconceito contra as religiões afro-brasileiras, na maioria das vezes se confunde e se soma ao preconceito de origem, de classe e de raça, sempre camuflados pelo mito da democracia racial, que enfraquece a formação de identidade. Quando estas religiões de origem africana, mesmo em se tratando das mais “branqueadas” modalidades da umbanda, são encaradas pelo outro como fonte do mal, expressão do indesejável, veículo da perdição, aí então sim a referência à origem negra é imediata. Diz o preconceito que tudo que é do negro não presta, ainda mais quando se trata de uma religião, de uma falsa religião, dirão eles, de magia, macumba e magia negra. (PRANDI, 1995) Conclusão Reconhecemos que o número de questionários respondidos não foi significativo, não podendo seus resultados serem considerados representativos quantitativamente. No entanto, dentro do proposto nesta pesquisa, as respostas corroboram a hipótese de que existe preconceito por parte das famílias dos estudantes e há resistência a inserção da temática religiosa africana e afro-brasileira dentro do ensino escolar, onde as práticas ainda são pautadas pelas tradições judaico cristãs. Existe vasta bibliografia discutindo o papel do ensino religioso, o despreparo e a resistência dos professores na aplicação da lei 10639/03, em todas as disciplinas, em especial neste momento em que o fanatismo religioso tem ganhado cada vez mais espaço no cenário político nacional, colocando em xeque caros princípios como os da liberdade religiosa e da laicidade do Estado. Sabemos que os diversos componentes do currículo escolar devem levar à formação e informação do indivíduo, mas vemos que a escola como meio de inclusão, acaba por reproduzir preconceitos e perpetuar estereótipos sobre a identidade de povos, culturas e religiões. O ensino religioso é a única disciplina cujo material didático não é regulado nem avaliado pelo MEC, abrindo precedentes para que os sistemas de ensino reproduzam uma educação carregada de juízos de valor. Por isso, é necessário que se invista em formação continuada, preparando professores que possam trabalhar a diversidade, desconstruindo mitos e vencendo barreiras ideológicas de uma sociedade cada vez mais seletiva e excludente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATISTA, Micheline D. G. Pesquisa na internet: considerações metodológicas. Teresina: UFPI, 2012. Disponível: https://www.researchgate.net/publication/258033295 Acesso em: 18 de setembro de 2017. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 30 de julho de 2017. CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos terreiros: e como a escola se relaciona com crianças de candomblé. 1ªed. – Rio de Janeiro: Pallas, 2012. CASTELLS, M. 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