Fisiologia Cardiovascular #1: circulações pulmonar e sistémica António Freitas Duarte Março 2020 A circulação pulmonar ou central lado direito do coração, circuito pulmonar e lado esquerdo do coração; o sangue sai pela artéria pulmonar e regressa através da veia pulmonar A circulação sistémica tem a aorta como ponto de entrada e a veia cava como ponto de saída Num animal saudável em repouso aproximadamente 25% do volume sanguíneo situa-se na circulação pulmonar e cerca de 75% na sistémica, a maior parte do qual nas veias A pressão arterial constitui a energia potencial que propela o sangue através da circulação Perfil da pressão sanguínea na circulação sistémica A pressão sanguínea é mais alta na aorta (98 mmHg) e mais baixa na veia cava (3 mmHg): é esta diferença de pressão que força o sangue a mover-se através dos vasos sistémicos, correspondendo à pressão de perfusão que direcciona o fluxo sanguíneo sistémico Aorta e grandes artérias oferecem muito pouca resistência (atrito) ao fluxo sanguíneo, pelo que a pressão sanguínea diminui pouco nesses vasos (de 98 para 95 mmHg). Ocorre maior redução da pressão à medida que o sangue flui através das arteríolas, as quais constituem o segmento da circulação sistémica que oferece maior resistência ao fluxo sanguíneo. A resistência ao fluxo sanguíneo nos capilares e nas vénulas é também substancial, porém inferior à verificada nas arteríolas. As grandes veias e a veia cava são vasos de baixa resistência, sendo despendida muito pouca pressão na condução do fluxo sanguíneo através deles. O bombeamento do sangue pelo coração mantém a diferença de pressão entre a aorta e a veia cava Complacência é a alteração do volume dentro de um vaso ou de uma câmara dividida pela modificação da pressão associada; quanto menor a modificação da pressão maior a complacência Um vaso complacente distende-se de imediato quando aumenta a pressão ou o volume do sangue no seu lume As veias são muito mais complacentes que as artérias, ou seja, a quantidade de sangue nas veias pode aumentar ou diminuir sem alterações significativas da pressão venosa. Pelo contrário, a alteração da quantidade de sangue nas artérias modifica pronunciadamente a pressão arterial. Relação entre volume e pressão nas veias (alta complacência) e nas artérias (rígidas e com baixa complacência) A complacência (Δvolume/Δpressão) corresponde à inclinação numa curva de volumes versus pressões, quanto mais inclinada, maior a complacência à pressão de 7 mmHg, as veias contém um volume de sangue maior do que as artérias, por serem mais complacentes Quando o coração retira algum sangue às veias, a pressão venosa cai de 7 para 3 mmHg. Quando o mesmo volume de sangue é acrescentado às artérias, menos complacentes, a pressão arterial sobe de 7 para 98 mmHg O aumento de pressão nas artérias é cerca de 20 vezes maior do que a queda da pressão nas veias, ou seja, as artérias são cerca de 20 vezes menos complacentes do que as veias a alta complacência das veias faz com que estejam bem adaptadas ao papel de reservatórios de volume da circulação sistémica a baixa complacência das artérias adapta-as bem ao seu papel de reservatórios de pressão As veias são o principal local da circulação que pode expandir ou contrair para acomodar alterações do volume sanguíneo. O volume sanguíneo não é constante, alterando-se com a ingestão e a perda de fluidos. É pois vantajoso que as veias, os principais reservatórios de volume sanguíneo do organismo, possam aceitar ou perder grandes volumes de sangue sem grande alteração da pressão. As artérias funcionam como reservatórios de pressão, local de armazenamento temporário para a onda de energia pressórica criada a cada ejecção cardíaca. As artérias precisam acomodar um grande aumento na pressão durante a ejecção cardíaca e, em seguida, mantê-la elevada o suficiente para direccionar o sangue através da circulação sistémica nos períodos entre as ejecções cardíacas - vasos resistentes com baixa complacência A manutenção do fluxo sanguíneo normal através dos tecidos sistémicos requer alta pressão arterial sobretudo porque as arteríolas oferecem muita resistência ao fluxo sanguíneo. Além de serem o local de maior resistência ao fluxo sanguíneo da circulação sistémica, as arteríolas são também o local de resistência ajustável da circulação sistémica Um aumento na resistência arteriolar em determinado orgão diminui a quantidade de sangue libertado nesse orgão e vice-versa. A resistência vascular corresponde à pressão de perfusão dividida pelo fluxo um tubo largo/grosso oferece menor resistência ao fluxo (menor atrito) do que um tubo de pequeno calibre/fino. Para a mesma força direccional (diferença da pressão de perfusão), o fluxo é maior no tubo com menor resistência. A pressão de perfusão (Δ pressão) corresponde à pressão na entrada menos a pressão na saída. A definição da resistência é: Resistência = Δ pressão / fluxo Segundo a lei de Poiseuille, a resistência de um tubo pode ser prevista pela seguinte equação: Resistência = 8 ηl / π r4 l, comprimento; η, viscosidade do líquido; r, raio desta equação ressalta que o raio é o principal determinante da resistência de um tubo A resistência varia inversamente com a quarta potência do raio, ao duplicar o raio r do tubo, a sua resistência diminui 16 vezes (24). A resistência também é proporcional ao comprimento l do tubo, sendo mais difícil forçar um líquido através de um tubo comprido do que de um tubo curto com o mesmo raio. Quanto maior fôr a viscosidade η de um líquido, maior será a resistência ao seu fluxo através do tubo. §as arteríolas são o segmento da circulação sistémica que opõe maior resistência ao fluxo sanguíneo §a queda de pressão através das arteríolas é maior do que em qualquer outro segmento da circulação sistémica §da energia pressórica total disponível para o fluxo sanguíneo sistémico, a maior fracção é dispendida para forçar o sangue através das arteríolas do que através de qualquer outro segmento, mesmo apesar dos capilares terem individualmente menor diâmetro cada capilar tem menor diâmetro e portanto maior resistência do que a arteríola a montante, mas... cada arteríola do organismo distribui sangue para muitos capilares, e a resistência resultante de todos esses capilares é inferior à da arteríola que os alimenta A variação na resistência arteriolar é o principal factor determinante da quantidade de sangue que irá fluir através de cada tecido do corpo Enquanto o comprimento das arteríolas não muda, o seu raio varia rápida e frequentemente. As paredes das arteríolas são relativamente espessas e musculares. A contracção do músculo liso arteriolar diminui o raio das arteríolas; essa vasoconstricção aumenta de forma substancial a resistência ao fluxo sanguíneo. O relaxamento da musculatura lisa aumenta o raio dos vasos, e essa vasodilatação reduz de maneira substancial a resistência ao fluxo sanguíneo. Pequenas mudanças no raio das arteríolas de um determinado orgão causam grandes alterações na resistência e no fluxo sanguíneo A pressão arterial é de 93 mmHg e a venosa de 3 mm Hg. De início o fluxo sanguíneo cerebral é de 90 ml/min (0,090 l/ min). Com base na definição da resistência, a dos vasos cerebrais é calculada em 1000 mm Hg/l/min. A maior parte dessa resistência é exercida pelas arteríolas cerebrais. Face a uma vasodilatação discreta, como um aumento de 19% no raio das arteríolas - p.ex. de 1 para 1,19, segundo a Lei de Poiseuille a resistência varia inversamente à quarta potência do raio. Como 1,194 é igual a 2,00, um aumento de 19% do raio corta a resistência para metade. A diminuição da resistência cerebral para metade, para 500 mm Hg/l/min, duplicaria o fluxo sanguíneo cerebral para 180 ml/min. A resistência resultante da circulação sistémica é designada resistência periférica total A RPT é definida como a diferença de pressão (pressão de perfusão) dividida pelo fluxo. Ao calcular a resistência da circulação sistémica, a pressão de perfusão corresponde à diferença de pressão entre a aorta e a veia cava. o fluxo é a quantidade total de sangue que flui através do circuito sistémico, que é igual ao débito cardíaco (pressão aórtica média)-(pressão na veia cava) RPT = _____________________________________________ débito cardíaco Para um cão médio em repouso, a pressão aórtica média é de 98 mm Hg, a pressão média da veia cava é de 3 mm Hg e o débito cardíaco é de 2,5 l/min. Em tais condições, a RPT é de 38 mm Hg/l/min; isto significa que é necessária uma pressão direccional de 38 mm Hg para forçar 1 litro de sangue por minuto através do circuito sistémico Como em geral a pressão na veia cava é próxima de 0, por vezes é ignorada no cálculo da RPT. A equação simplificada resultante estabelece que a RPT é aproximadamente igual à pressão aórtica dividida pelo débito cardíaco. Essa equação pode ser reformulada chegando-se à conclusão de que a pressão aórtica (PA) média é aproximadamente igual ao débito cardíaco (DC) multiplicado pela RPT: PA~DC x RPT Esta equação expressa um dos conceitos centrais da fisiologia cardiovascular: a pressão sanguínea aórtica média é determinada por apenas dois factores, débito cardíaco e RPT. Assim, se a pressão aórtica aumenta, deve ser porque houve aumento do débito cardíaco, da RPT ou de ambos. A pressão arterial é determinada pelo débito cardíaco e pela resistência periférica total Três exemplos que ilustram a aplicação deste conceito: Primeiro, na forma de hipertensão essencial humana mais comum o débito cardíaco é normal. A pressão arterial está elevada por causa de arteríolas sistémicas contraídas em excesso, o que aumenta a RPT acima do normal. Segundo, hemorragias ou desidratações graves são condições em que a pressão arterial atinge níveis anormalmente baixos. Nestes casos a pressão está reduzida em vez de aumentada, devido à redução do débito cardíaco. A hemorragia ou desidratação reduzem a pré-carga cardíaca, o que diminui o débito cardíaco, resultando em queda da pressão arterial. Apesar da redução da pressão a RPT aumenta acima do normal, porque os reflexos compensatórios causam a contracção das arteríolas nos rins, na circulação esplâncnica e na musculatura esquelética em repouso. A vasoconstrição nesses orgãos minimiza a queda na pressão arterial e desvia o débito cardíaco disponível para o cérebro, o coração e qualquer músculo esquelético que esteja sendo exercitado Terceira, a resposta ao exercício vigoroso faz com que o débito cardíaco e a RPT mudem em direcções opostas. Durante o exercício o débito cardíaco está aumentado e a RPT diminuída. A RPT diminui porque as arteríolas na musculatura esquelética em actividade se dilatam para aumentar o fluxo sanguíneo para o músculo em questão. Durante exercício vigoroso a RPT diminui para cerca de um quarto do seu valor em repouso e o débito cardíaco aumenta cerca de quatro vezes - face a estas circunstâncias a pressão aórtica não sofre grandes alterações. O fluxo sanguíneo para cada orgão é determinado pela pressão de perfusão e pela resistência vascular Se a equação que define a resistência for modificada para expressar o fluxo temos: Δ pressão fluxo =_____________ resistência Indicando que o fluxo sanguíneo é determinado pela pressão de perfusão (pressão arterial menos pressão venosa) e pela resistência dos vasos sanguíneos do orgão. Todos os orgãos da circulação sistémica são expostos à mesma pressão de perfusão, pelo que as diferenças no fluxo sanguíneo para os vários orgãos resultam exclusivamente das suas diferentes resistências vasculares Repouso Num cão em repouso as resistências arteriolares são semelhantes nos leitos vasculares esplâncnico, renal e esquelético, pelo que cada um destes leitos recebe sensivelmente o mesmo fluxo sanguíneo. Exercício vigoroso Repouso Durante o exercício, •o diâmetro das arteríolas dos músculos esqueléticos praticamente duplica, diminuindo quase 16 vezes a sua resistência ao fluxo sanguíneo, o qual em Exercício vigoroso consequência aumenta cerca de 16 vezes (de 0,5 para 7,8 l/min) •verifica-se constrição das arteríolas das circulações esplâncnica e renal, provocando a esses níveis uma redução do fluxo sanguíneo de cerca de 20% (de 0,5 para 0,4 l/min). •as arteríolas coronárias dilatam-se, de forma a aumentar o fluxo sanguíneo coronário. •as arteríolas cerebrais e o respectivo fluxo mantém-se inalterados Repouso Exercício vigoroso A circulação pulmonar oferece muito menor resistência ao fluxo sanguíneo do que a circulação sistémica A pressão de perfusão que força o sangue através do circuito pulmonar corresponde à pressão na artéria pulmonar menos a pressão nas veias pulmonares. O fluxo que atravessa o circuito pulmonar é igual ao débito cardíaco direito Resistência vascular pulmonar = (pressão arterial pulmonar) – (pressão venosa pulmonar) _______________________________________________ débito cardíaco Num cão em repouso, a pressão arterial pulmonar média é de 13 mm Hg, a pressão venosa pulmonar é de 5 mm Hg e o débito cardíaco é de 2,5 l/min. Logo a resistência pulmonar é de 3,2 mm Hg/l/mn, cerca de apenas 1/12 da resistência da circulação sistémica Durante o exercício, os vasos sanguíneos pulmonares dilatam-se e a resistência pulmonar diminui: quando o exercício começa o débito cardíaco aumenta, podendo quintuplicar o seu valor de repouso durante exercício vigoroso, pelo que o fluxo sanguíneo pulmonar também é 5 vezes maior que o normal, aumentando a pressão arterial pulmonar. os vasos sanguíneos pulmonares são complacentes, e o aumento na pressão arterial distende-os: como a resistência é inversamente proporcional à quarta potência do raio do vaso (lei de Poiseuille), um pequeno aumento no raio dos vasos pulmonares diminui muito a sua resistência. a distensão dos vasos sanguíneos pulmonares durante o exercício é vantajosa, porque reduz a resistência pulmonar, permitindo que o fluxo pulmonar aumente muito sem um grande aumento concomitante na pressão arterial pulmonar. Vasoconstricção hipóxica É um mecanismo importante que ajuda a superar as incompatibilidades entre ventilação e perfusão nos pulmões, resultem elas de efeitos gravitacionais ou qualquer outra causa, permite manter constante o ratio ventilação/perfusão. Os vasos sanguíneos pulmonares são sensíveis à concentração local de oxigénio (medida como pressão parcial de oxigénio, PO2. Baixa PO2, hipóxia, causa constricção dos vasos pulmonares, em qualquer região pulmonar onde a ventilação seja reduzida em relação ao fluxo sanguíneo. A vasoconstricção aumenta a resistência dos vasos sanguíneos naquela região pulmonar, e assim reduz o fluxo sanguíneo, melhorando o desequilíbrio entre ventilação e perfusão. A vasoconstricção hipóxica pode ter efeitos indesejáveis Por exemplo, se a ventilação ficar deprimida em ambos os pulmões, o que ocorre de forma aguda num constricção alérgica das vias respiratórias (asma) ou crónica como resultado de doença pulmonar prolongada que obstrua as vias respiratórias (doença pulmonar obstrutiva crónica). A ventilação deprimida causa hipóxia pulmonar total. A hipóxia causa vasoconstricção pulmonar, que aumenta a resistência vascular pulmonar. O aumento da resistência requer um aumento substancial na pressão arterial pulmonar para manter o fluxo sanguíneo pulmonar. A condição de pressão arterial pulmonar elevada denomina-se hipertensão pulmonar, a qual aumenta muito a sobrecarga do ventrículo direito, podendo provocar insuficiência ventricular direita.