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Sociologia - Richard T. Schaefer

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SOCIOLOGIA
RICHARD T. SCHAEFER
6a EDIÇÃO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
S294s Schaefer, Richard T.
Sociologia [recurso eletrônico] / Richard T. Schaefer ;
tradução: Eliane Kanner, Maria Helena Ramos Bononi ;
revisão técnica: Noêmia Lazzareschi, Sérgio José Schirato. –
6. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : AMGH, 2014.
Publicado também como livro impresso em 2006.
ISBN 978-85-8055-316-1
1. Sociologia. I. Título.
CDU 316
Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052
Índice para catálogo sistemático:
1. Sociologia 301
302 Capítulo 12
N
esse trecho de The war against parents, o
estudioso de filosofia Cornel West enfatiza
quão profundamente sua vida familiar foi
modificada pelo divórcio, um dos muitos
fatores sociais que gradativa mas inevitavelmente viraram a família nuclear de cabeça para baixo. A família
de hoje não é o que era há um século ou mesmo na geração anterior. Novos papéis, novas distinções de sexo,
novos padrões de criação de filhos se combinaram para
criar formas inéditas de vida familiar. Hoje em dia, por
exemplo, uma quantidade cada vez maior de mulheres
está assumindo o papel de provedora, sejam elas casadas sejam mães solteiras. Famílias mistas – resultado do
divórcio e de um novo casamento – são quase a regra. E
muitas pessoas estão buscando relações íntimas fora do
casamento, seja em uma parceria gay seja em acordos
de coabitação.
Este capítulo discute a família e as relações íntimas
nos Estados Unidos e em outras partes do mundo.
Como veremos, os padrões de família diferem de uma
cultura para outra e também na mesma cultura. No
entanto, a família é universal – encontrada em todas
visão global da família
Entre os tibetanos, uma mulher pode estar casada com
mais de um homem, geralmente irmãos. Esse sistema permite que filhos compartilhem a quantidade limitada de
terra boa. Entre os betsileos de Madagáscar, um homem
tem várias mulheres, cada uma delas morando em uma
aldeia diferente onde ele cultiva arroz. Onde quer que ele
tenha o melhor campo de arroz, a mulher morando nele
é considerada a sua primeira mulher. Entre os ianomami
do Brasil e da Venezuela, é considerado adequado ter
relações sexuais com primos do sexo oposto se eles forem
filhos do irmão da mãe ou da irmã do pai. Porém, se os
primos do sexo oposto forem filhos da irmã da sua mãe
ou do irmão do seu pai, essa mesma prática é considerada
incesto (Haviland et al., 2005; Kottak, 2004).
Como esses exemplos ilustram, há diversas variações na família de uma cultura para outra. No entanto, a
família como instituição social está presente em todas as
culturas. Além disso, certos princípios gerais referentes a
sua composição, padrões de parentesco e de autoridade
são universais.
Composição: O Que É a Família?
Se baseássemos nossas informações sobre o que é uma
família no que vemos na televisão, cenários muito estra-
as culturas. Uma família pode ser definida com um
conjunto de pessoas ligadas por parentesco de sangue,
por casamento ou algum outro tipo de relacionamento
acordado, ou adoção, e que compartilha a responsabilidade básica de reprodução e cuidado dos membros
da sociedade.
Como são as famílias nas várias partes do mundo?
Como as pessoas selecionam os seus parceiros? Quando
um casamento termina, como o divórcio afeta os filhos? Quais são as alternativas para a família nuclear, e
o quanto elas predominam? Neste capítulo examinaremos a família e os relacionamentos íntimos dos pontos
de vista funcionalista, do conflito e interacionista.
Vamos examinar as variações nos padrões de estado
civil e vida familiar, incluindo a criação de filhos,
dando atenção especial à quantidade cada vez maior
de pessoas em famílias com renda dupla ou de pai ou
mãe solteiros. Analisaremos o divórcio nos Estados
Unidos e vários estilos de vida, como a coabitação, o relacionamento entre lésbicas e entre gays e o casamento
sem filhos. Na seção de política social, discutiremos a
polêmica questão do casamento gay.
nhos poderiam aparecer. Os meios de comunicação nem
sempre apresentam uma visão realista da família. Além
disso, muitas pessoas ainda pensam na família em termos
bem restritos – um casal casado e seus filhos solteiros
morando juntos, como aquelas dos antigos programas
de TV. Contudo, esse é apenas um tipo de família, que
os sociólogos chamam de família nuclear. A expressão
família nuclear é bastante apropriada, visto que esse tipo
de família serve como núcleo ou centro do qual grupos
familiares são construídos.
A maioria das pessoas nos Estados Unidos vê a família nuclear como o arranjo familiar preferível. No entanto,
no ano 2000, apenas um terço dos domicílios norte-americanos se encaixava nesse modelo. A proporção de domicílios nos Estados Unidos que são compostos de casais
casados com filhos morando junto diminuiu constantemente nos últimos 40 anos e estima-se que vá continuar
diminuindo. Ao mesmo tempo, a quantidade de casas
com pais ou mães solteiros aumentou (ver Figura 12-1).
Uma família na qual os parentes – avós, tias ou tios
– moram na mesma casa é conhecida como família estendida. Embora não sejam comuns, esses arranjos de
moradia oferecem certas vantagens em comparação com
a família nuclear. Crises, como as provocadas por morte,
divórcio e doença, exercem menos pressão sobre os
membros da família, já que mais pessoas podem oferecer
ajuda e apoio emocional. Além disso, a família estendida
Os Relacionamentos Íntimos 303
George Murdock (1949, 1957) realizou uma amostragem
com 565 sociedades e descobriu que, em mais de 80%
delas, algum tipo de poligamia era a forma preferida. Embora a poligamia tenha diminuído constantemente durante a maior parte do século XX, em pelo menos cinco
países na África 20% dos homens ainda têm casamentos
polígamos (Population Reference Bureau, 1996).
Existem dois tipos básicos de poligamia. Segundo
Murdock, a mais comum – endossada pela maior parte
das culturas nas quais ele analisou amostras – é a poliginia. Poliginia se refere ao casamento de um homem com
mais de uma mulher ao mesmo tempo. As esposas geralmente são irmãs, que se supõe tenham valores semelhantes e já viveram a experiência de morar na mesma casa.
Nas sociedades políginas, uma quantidade relativamente
pequena de homens de fato tem várias esposas. A maioria das pessoas vive em famílias monogâmicas; ter várias
esposas é visto como um sinal de status.
A outra principal variação da poligamia e á poliandria, na qual uma mulher tem mais de um marido ao
mesmo tempo. Esse é o caso das culturas dos todas no sul
da Índia. Porém, a poliandria é,
hoje, cada vez mais rara. Ela vem
FigurA 12-1
sendo aceita por algumas socieDomicílios Norte-americanos por Tipo de Família, 1940–2003
dades muito pobres que praticam
o infanticídio feminino (matança
1940
1960
de bebês meninas) e, em razão
disso, têm uma quantidade relaCasais
Casais
tivamente pequena de mulheres.
casados
casados
Como várias outras sociedades,
84%
74%
as culturas poliandras reduzem o
valor social da mulher.
constitui uma unidade econômica maior do que a família
nuclear. Se a família estiver envolvida em um empreendimento comum – uma fazenda ou um pequeno negócio
–, os seus membros adicionais podem representar a diferença entre a prosperidade e o fracasso.
Considerando esses tipos de família diferentes, nós
nos limitamos à forma de casamento característica dos
Estados Unidos – a monogamia. O termo monogamia
descreve uma forma de casamento na qual uma mulher e
um homem são casados apenas um com ou outro. Alguns
estudiosos, observando a alta taxa de divórcio nos Estados Unidos, sugeriram que uma “monogamia em série”
é uma descrição mais precisa da forma que o casamento
assume nesse país. Na monogamia em série, uma pessoa
pode ter vários cônjuges ao longo de sua vida, porém
apenas um cônjuge de cada vez.
Algumas culturas permitem que uma pessoa tenha
vários maridos ou esposas simultaneamente. Essa forma
de casamento é conhecida como poligamia. Na verdade,
a maioria das sociedades no mundo, no passado e no presente, preferiu a poligamia à monogamia. O antropólogo
Domicílios não
de famílias 15%
Domicílios não
de famílias 11%
Domicílios chefiados
Domicílios chefiados
por homens 1%
por mulheres 14%
1980
Domicílios chefiados
por homens 2%
Domicílios chefiados
por mulheres 9%
2003
Casais
casados
61%
Domicílios
não de famílias
26%
Domicílios chefiados
por homens 2%
Casais
casados
52%
Domicílios
não de famílias
32%
Domicílios chefiados
por mulheres 11%
Fonte: Fields, 2003; ver também McFalls Jr., 2003, p. 23.
Domicílios chefiados
por mulheres 12%
Domicílios chefiados
por homens 4%
Padrões de
Parentesco: De Quem
Somos Parentes?
Muitos de nós podemos rastrear
nossas raízes examinando uma
árvore genealógica ou ouvindo os
membros mais idosos da família
– e as vidas dos nossos ancestrais
que morreram muito antes de nascermos. No entanto, a linhagem de
uma pessoa é muito mais do que
simplesmente uma história pessoal: também reflete os padrões
sociais que regem a descendência.
Em todas as culturas, as crianças
encontram parentes com os quais
espera-se que tenham um vínculo
emocional. A condição de ter laços com outras pessoas é chamada
de parentesco. No entanto, o parentesco é aprendido de maneira
304 Capítulo 12
cultural e não é totalmente determinado por laços biológicos ou de
sangue. Por exemplo, a adoção cria
um parentesco que é reconhecido
legalmente e socialmente aceito.
A família e o grupo de parentes
não são necessariamente a mesma
coisa. Enquanto a família é uma
unidade de pessoas que moram na
mesma casa, os parentes nem sempre moram juntos ou atuam como
um órgão coletivo todos os dias. Os
grupos de parentes incluem tias, tios,
primos, genros, noras, sogros, sogras
etc. Em uma sociedade como a norteamericana, o grupo de parentes pode
reunir-se apenas às vezes, para um
casamento ou funeral. Mas os laços
de parentesco com freqüência criam
obrigações e responsabilidades. PoEsse grupo de parentes turcos foi fotografado em Berlim, Alemanha.
demos nos sentir impelidos a ajudar
Embora os membros das três gerações mostradas aqui não morem todos
nossos parentes, ou nos sentir livres
na mesma casa, o apoio que dão uns aos outros lhes ajuda a superar os
para recorrer a vários tipos de ajuda,
desafios especiais que enfrentam como imigrantes.
incluindo empréstimos e cuidar de
crianças.
Como identificamos grupos de parentes? O princípio
Os amigos de quem serão convidados para jantar? Toda
de descendência designa as pessoas com base na relação
vez que é preciso tomar uma decisão, uma questão é
delas com a mãe ou com o pai. Existem três formas bálevantada: quem tem o poder de decidir? Simplificando,
sicas de determinar a descendência. Os Estados Unidos
quem manda na família? Os teóricos do conflito analisam
e o Brasil seguem o sistema de descendência bilateral,
essas questões no contexto da estratificação tradicional
o que significa que ambos os lados da família de uma
dos sexos, na qual os homens têm assumido
p. 278
pessoa são considerados igualmente importantes. Por
uma posição de domínio sobre as mulheres.
exemplo, não se dá mais valor aos irmãos do pai do que
As sociedades variam na forma como o poder é
aos da mãe.
distribuído na família. Uma sociedade que espera que os
A maioria das sociedades – segundo George Murhomens dominem em todas as tomadas de decisões famidock, 64% – dá preferência a um lado ou outro da família
liares é denominada patriarcal. Nas sociedades patriarquando rastreia a sua descendência. Na descendência
cais, como a iraniana, o homem mais velho em geral tem
patrilinear (do latim pater, pai), apenas os parentes do
o maior poder, embora se espere que as esposas sejam
pai são importantes em termos de propriedade, herança
tratadas com respeito e bondade. O status de uma mulher
e laços emocionais. Opostamente, nas sociedades que
no Irã é definido pela relação com um parente do sexo
apóiam a descendência matrilinear (do latim, mater,
masculino, quase sempre como esposa ou filha. Em muimãe) só os parentes da mãe são importantes.
tas sociedades patriarcais, é mais difícil para as mulheres
Novas formas de tecnologia reprodutiva irão promoobter o divórcio do que para os homens. Opostamente,
ver uma nova maneira de encarar o parentesco. Hoje em
nas sociedades matriarcais as mulheres têm mais autodia, a combinação de processos biológicos e sociais pode
ridade do que os homens. As sociedades matriarcais, que
“criar” um membro da família, o que requer que sejam
são pouco comuns, surgiram entre as sociedades tribais
feitas mais distinções sobre quem é parente de quem.
dos nativos norte-americanos e nos países nos quais os
homens estavam ausentes por longos períodos de tempo
em razão de guerra ou de expedições para obter comida
Padrões de Autoridade: Quem Manda?
(Farr, 1999).
Imagine que você se casou recentemente e tenha de
Em um terceiro tipo de padrão de autoridade, a
começar a tomar decisões sobre o futuro da sua nova
família igualitária, os cônjuges são considerados iguais.
família. Você e seu(sua) parceiro(a) deparam com várias
Porém, isso não significa que todas as decisões são comquestões. Onde irão morar? Como irão mobiliar a casa?
partilhadas nesse tipo de família. As mulheres podem ter
Quem vai cozinhar, fazer as compras e cuidar da limpeza?
autoridade em algumas esferas e os homens, em outras.
Os Relacionamentos Íntimos 305
Muitos sociólogos acham que a família igualitária está
começando a substituir a família patriarcal como norma
social nos Estados Unidos.
estudando a família
Nós realmente precisamos da família? Há mais de um
século, Friedrich Engels ([1884] 1959), um colaborador
de Karl Marx, descreveu a família como a fonte suprema
de desigualdade social por causa do seu papel na transferência de poder, propriedade e privilégios. Mais recentemente, os teóricos do conflito vêm argumentando que a
família contribui para a injustiça social, nega às mulheres
oportunidades que são dadas aos homens e limita a liberdade no tocante à expressão sexual e à seleção de parceiros. Por sua vez, a teoria funcionalista se concentra na
maneira como a família atende às necessidades dos seus
membros e contribui para a estabilidade social. A teoria
interacionista leva em consideração os relacionamentos
íntimos pessoais que ocorrem na família.
Teoria Funcionalista
A família exerce seis funções principais, que foram esboçadas pela primeira vez há 65 anos pelo sociólogo
William F. Ogburn (Ogburn e Tibbits, 1934):
Reprodução. Para se manter, qualquer sociedade
1.
tem de substituir os membros que vão morrendo.
Nesse sentido, a família contribui para a sobrevivência humana com a sua função de reprodução.
2.
Proteção. Ao contrário dos filhotes de outras espécies animais, as crianças precisam de cuidados
constantes e segurança econômica. Em todas as
culturas, a família assume a responsabilidade máxima pela proteção e educação das crianças.
3.
Socialização. Os pais e outros parentes monitoram
o comportamento da criança e lhe transmitem as
normas, os valores e o idioma da sua cultura.
Regulação do comportamento sexual. As normas
4.
sexuais estão sujeitas a mudanças com o decorrer
do tempo (por exemplo, nos costumes referentes
ao namoro) e entre culturas (compare a severa
Arábia Saudita com a mais permissiva Dinamarca). No entanto, quaisquer que sejam a época e
os valores culturais de uma sociedade, os padrões
de comportamento social são definidos mais claramente no círculo familiar.
5.
Afeto e companheirismo. Idealmente, a família
oferece aos seus membros relacionamentos calorosos e íntimos, ajudando-os a se sentir satisfeitos e
seguros. Evidentemente, o membro de uma família
pode encontrar essas recompensas fora da família
– nos colegas de escola e de trabalho – e pode até
considerar a sua casa como um cenário desagra-
dável ou injurioso. Mesmo assim, esperamos que
nossos parentes nos entendam, importem-se conosco e nos apóiem se precisarmos deles.
Dar status social. Herdamos uma posição social
6.
decorrente do histórico social e da reputação dos
nossos pais e irmãos. A família dá ao recém-nascido um status atribuído com base na raça e na
etnia que ajuda a determinar o seu papel no sistema de estratificação da sociedade. Além disso, os
recursos da família afetam a capacidade dos filhos
de buscarem determinadas oportunidades, como
educação superior e aulas especiais.
Tradicionalmente, a família tem exercido uma série de
outras funções, como oferecer treinamento religioso,
educação e lazer. Mas Ogburn argumentou que outras
instituições sociais gradativamente assumiram muitas
dessas funções. Em certa época, a educação era dada no
seio da família. Hoje ela é responsabilidade de profissionais que trabalham em escolas e faculdades. Até mesmo
a tradicional função recreativa da família foi transferida
para grupos de fora, como os clubes atléticos e salas de
bate-papo da Internet.
Teoria do Conflito
Os teóricos do conflito vêem a família não como uma entidade que contribui para a estabilidade social, mas como
um reflexo da riqueza e do poder desiguais que observamos nas sociedades maiores. As feministas e os teóricos
do conflito observam que a família legitimou e perpetuou
o domínio masculino. Durante a maior parte da história
humana – e em uma vasta gama de sociedades –, os maridos exerceram uma autoridade e um poder esmagadores
na família. Só depois da primeira onda de feminismo
contemporâneo nos Estados Unidos, na metade do século XIX, o status histórico das mulheres e das crianças
como propriedade legal dos maridos foi questionado de
p. 16
maneira relevante.
Embora a família igualitária se tenha tornado um
padrão mais comum nos Estados Unidos nas últimas
décadas – decorrência, em grande parte, do ativismo das
feministas no final da década de 1960 e início da década
de 1970 –, a preponderância masculina na família não
desapareceu. Os sociólogos observaram que as mulheres
têm uma probabilidade muito maior de deixarem o seu
emprego quando seus maridos encontram oportunidades
de emprego melhores do que os homens quando suas
mulheres recebem ofertas de emprego atraentes (Bielby e
Bielby, 1992). E, infelizmente, muitos maridos reforçam o
seu poder e controle sobre suas esposas e seus filhos com
atos de violência doméstica. O Quadro 12-1 analisa dados
sobre violência em casa em diversas culturas.
Os teóricos do conflito também encaram a família
como uma unidade econômica que contribui para a in-
306 Capítulo 12
Sociologia na Comunidade Global
12-1 violência doméstica
O
telefone toca duas ou três dezenas
de vezes por dia na Hotline Amigos da Família em San Salvador, a
capital de El Salvador. Sempre que o staff
recebe uma queixa de violência familiar,
uma equipe para crises é despachada
imediatamente para a casa da pessoa
que ligou. Quem trabalha nos casos oferece consolo às vítimas e reúne provas
para usar na acusação do agressor. Nos
primeiros três anos de sua existência,
o Amigos da Família lidou com 28 mil
casos de violência doméstica.
Agredir fisicamente a mulher e outras
formas de violência doméstica não são
práticas restritas aos homens de El Salvador. Com base em estudos realizados no
mundo todo, é possível fazer as seguintes
generalizações:
• As mulheres correm mais risco
de violência por parte de homens
conhecidos.
• A violência contra as mulheres
ocorre em todos os grupos
socioeconômicos.
• A violência familiar é tão perigosa
quanto ataques feitos por estranhos.
• Embora as mulheres às vezes
apresentem comportamento violento
em relação aos homens, a maioria
dos atos violentos que pode causar
ferimentos é praticada por homens
contra mulheres.
• A violência em relacionamentos
íntimos tende a aumentar com o
decorrer do tempo.
• A agressão emocional e psicológica
pode ser tão debilitadora quanto a
agressão física.
• O uso de álcool exacerba a violência
familiar, mas não a provoca.
Utilizando os modelos do conflito
e feminista, pesquisadores descobriram
A família pode ser um lugar
perigoso não só para as mulheres,
mas para as crianças e os idosos
também.
que, nos relacionamentos nos quais a
desigualdade entre homens e mulheres
é grande, a probabilidade de ataque às
esposas aumenta drasticamente. Essa
descoberta indica que grande parte da
violência entre pessoas que são íntimas,
mesmo quando de natureza sexual, refere-se mais ao poder do que ao sexo.
A família pode ser um lugar perigoso
não só para as mulheres, mas para as
crianças e os idosos também. Em 2000,
órgãos públicos nos Estados Unidos receberam mais de 3 milhões de queixas de
violência e negligência praticadas contra
crianças. Isso significa que foi realizada
uma queixa para cada 25 crianças. Um
outro estudo nacional descobriu que
um milhão de crimes violentos por ano
são cometidos por cônjuges, namorados
ou namoradas atuais ou antigos.
No Brasil, os principais casos atendidos nas Delegacias Especializadas de
Defesa da Mulher são: lesão corporal,
estupro, atentado violento ao pudor, rapto,
ameaça, calúnia, difamação e injúria. Pesquisa da Organização Mundial da Saúde
divulgada em 2005 aponta que 29% das
mulheres brasileiras relataram ter sofrido
violência física ou sexual pelo menos uma
vez na vida e 16% classificaram a agressão
como violência grave, isto é, ser chutada,
arrastada pelo chão ou ameaçada ou ferida com qualquer tipo de arma. Em 2005,
só nas delegacias especializadas de atendimento à mulher de São Paulo foram registrados 310.058 boletins de ocorrência.
Vamos Discutir
1.Você conhece alguma família na
qual já ocorreu violência doméstica? A(s) vítima(s) procurou(aram)
ajuda de fora e, em caso afirmativo,
ela foi eficaz?
2.Por que o grau de igualdade em um
relacionamento pode estar ligado à
probabilidade de violência doméstica? Como os teóricos do conflito
explicam esse resultado?
Fonte: American Bar Association, 1999; Gelles e Gornell, 1990; Heise et al., 1999; Rennison e Welchans, 2000; Spindel et al., 2000; Valdez 1999; J. J.
Wilson, 2000.
justiça social. A família é a base para a transferência de
poder, propriedade e privilégios de uma geração para
outra. Os Estados Unidos são vistos como
p. 220-222
uma terra de oportunidades, mas a mobilidade social é
restrita de modo significativo. Os filhos herdam o status
privilegiado ou menos privilegiado de seus pais (e, em
alguns casos, de gerações anteriores também). Como
assinalam os teóricos do conflito, a classe social dos pais
influencia bastante as experiências de socialização dos
filhos e o grau de proteção que recebem. Isso significa
que o status socioeconômico da família de uma criança
terá uma influência marcante na sua nutrição, assistência
médica, moradia, nas oportunidades de educação e, em
306
vários aspectos, nas suas oportunidades de vida na idade
adulta. Por esse motivo, os teóricos do conflito argumentam que a família ajuda a manter a desigualdade.
Teoria Interacionista
Os interacionistas se concentram no âmbito micro da
família e outros relacionamentos íntimos. Estão interessados na maneira como as pessoas interagem umas com
as outras, ou parceiras de coabitação ou casais casados há
muito tempo. Por exemplo, em um estudo de domicílios
de brancos e negros com pai e mãe, os pesquisadores descobriram que, quando os pais estão mais envolvidos com
seus filhos (lendo para eles, ajudando-os com a lição de
Os Relacionamentos Íntimos 307
Os interacionistas estão particularmente
interessados nas formas como os pais e as mães
se relacionam uns com os outros e com os seus
filhos. Essa mãe e os seus dois filhos estão
expressando uma relação íntima e carinhosa, que é
uma das bases de uma família forte.
casa ou restringindo o tempo que assistem à televisão), as
crianças têm menos problemas de comportamento, dãose melhor umas com as outras e são mais responsáveis
(Mosley e Thomson, 1995).
Um outro estudo interacionista analisou o papel do
padrasto ou da madrasta. A quantidade cada vez maior de
pais e mães solteiros que se casam novamente despertou
o interesse naqueles que estão ajudando a criar os filhos
dos outros. Estudos revelaram que as madrastas têm mais
probabilidade do que os padrastos de aceitar a culpa pelo
mau relacionamento com os seus enteados. Os interacionistas são de opinião que os padrastos (como a maioria
dos pais) podem não estar acostumados a interagir diretamente com crianças quando a mãe não está presente
(Bray e Kelly, 1999; Furstenberg e Cherlin, 1991).
Visão Feminista
Pelo fato de o “trabalho de mulher” tradicionalmente terse concentrado na vida familiar, os sociólogos feministas
se interessaram muito pela família como uma instituição
p. 283
social. Como vimos no Capítulo 11, as pesquisas sobre o papel dos sexos no cuidar dos filhos e nas
tarefas domésticas foram vastas. Os sociólogos analisaram
em particular detalhes como o fato de as mulheres traba-
lharem fora afetar o seu cuidado dos filhos e suas tarefas
domésticas – deveres que Arlie Hochschild (1989, 1990)
chamou de “segundo turno”. Atualmente, os pesquisadores
reconhecem que, para muitas mulheres, o segundo turno
inclui cuidar dos pais que estão envelhecendo.
Os teóricos do feminismo exortaram os cientistas
sociais e órgãos sociais a repensar o conceito que as famílias nas quais não há um homem adulto presente são
automaticamente um motivo de preocupação ou até de
problemas. Também contribuíram para pesquisas sobre
mulheres solteiras, domicílios só com o pai ou só com a
mãe e casais de lésbicas. No caso das mães solteiras, os
pesquisadores se concentraram na resiliência de vários
desses domicílios, apesar do estresse econômico. Segundo
Velma McBride Murray e seus cols. (2001) na University
of Georgia, esses estudos mostram que, entre os negros, as
mães solteiras dependem muito dos parentes para obter
recursos materiais, conselhos sobre o papel de mãe e apoio
social. Analisando as pesquisas feministas sobre a família
como um todo, um estudioso concluiu que a família é a
“fonte da força das mulheres” (L. Richardson et al., 2004).
Por fim, as feministas enfatizam a necessidade de
investigar tópicos negligenciados nos estudos sobre a
família. Por exemplo, em uma quantidade pequena mas
significativa de domicílios com duas rendas, a mulher ganha mais do que o marido. A socióloga Suzanne Bianchi
estima que em 11% dos casamentos a mulher ganha pelo
menos 60% da renda da família. Porém, além dos estudos
de casos individuais, pouco se pesquisou sobre como
essas famílias podem diferir daquelas nas quais o marido
é o principal provedor (Tyre e McGinn, 2003, p. 47).
A Tabela 12-1 resume as quatro principais perspectivas teóricas sobre a família.
casamento e família
Hoje, cerca de 90% de todos os homens e mulheres nos
Estados Unidos se casam pelo menos uma vez na vida.
Historicamente, o aspecto mais constante da vida familiar
nesse país foi o alto índice de casamentos. Na verdade,
apesar do alto índice de divórcios, há alguns indícios de
um miniboom de casamentos tardios.
Nesta parte do capítulo, iremos analisar vários aspectos do amor, do casamento e de ser pai ou mãe nos
Estados Unidos e compará-los com exemplos de outras
culturas. Embora estejamos acostumados a pensar no
romance e na seleção de parceiros como uma questão
estritamente de preferência individual, a análise sociológica nos diz que as instituições sociais e normas e valores
culturais distintos também têm um papel importante.
Paquera e Seleção de Parceiros
“Os meus parceiros de rúgbi se revirariam nos seus túmulos”, diz Tom Buckley da sua paquera on-line e do
308 Capítulo 12
Resumindo
Tabela 12-1
Perspectiva
Teórica
Teorias Sociais sobre a Família
Ênfase
quanto em outros países (ver
Figura 12-2).
Aspectos da Seleção de
Parceiros
Muitas sociedades têm normas
explícitas ou implícitas que definem possíveis parceiros como
aceitáveis ou inaceitáveis. Essas
ConflitoA família como entidade que perpetua a desigualdade
normas podem ser diferenciadas
Transmissão da pobreza ou da riqueza pelas gerações
em termos de endogamia e exogaInteracionistaOs relacionamentos entre os membros da família
mia. A endogamia (do grego enFeministaA família como entidade que perpetua o papel dos sexos
dom, dentro) especifica os grupos
Domicílios chefiados por mulheres
nos quais se pode encontrar um
parceiro e proíbe casamento com
outros. Por exemplo, nos Estados
subseqüente casamento com Terri Muir. Mas Tom e Terri
Unidos, espera-se que as pessoas se casem dentro do seu
não estão sozinhos no ato de acessar a Internet para parpróprio grupo racial, étnico ou religioso, e elas são firmeticipar de serviços de namoro. Há uma ou duas gerações,
mente dissuadidas ou até proibidas de se casarem fora do
os casais se conheciam no colégio ou na faculdade, mas
seu grupo. A endogamia visa reforçar a coesão do grupo
agora que as pessoas estão se casando mais tarde, a Intersugerindo aos jovens que devem casar-se com alguém “do
net se tornou o novo local de encontro para quem está
mesmo nível”.
inclinado a um romance. Hoje em dia, milhares de sites
Opostamente, a exogamia (do grego exo, fora) exige
se oferecem para ajudar as pessoas a encontrar parceiros e
que a seleção de parceiros seja feita fora de determinados
todo mês 45 milhões de acessantes só nos Estados Unidos
grupos, geralmente fora da própria família ou de deteros visitam. Não obstante as histórias de sucesso, como a
minada parentela. O tabu do incesto, uma norma social
dos Muirs, esses serviços de namoro on-line são tão bons
comum a quase todas as sociedades, proíbe relacionamenquanto as pessoas que os utilizam: os perfis pessoais dos
tos sexuais entre determinados parentes culturalmente
assinantes – a base para possíveis namoros – em geral
especificados. Para as pessoas nos Estados Unidos e no
contêm informações falsas ou enganosas (Harmon, 2003;
Brasil, por exemplo, esse tabu significa que elas têm de
B. Morris, 1991, p. D1).
se casar fora da família nuclear. Não podem casar-se com
O romance pela Internet é apenas a prática mais reseus irmãos e, na maioria dos estados norte-americanos, é
cente de paquera. No Uzbequistão, país da Ásia Central,
proibido o casamento entre primos de primeiro grau.
e em várias outras culturas tradicionais desse continente,
As restrições endogâmicas podem ser encaradas
a paquera é definida, em grande parte, pela interação de
como preferências por um grupo em detrimento de oudois casais de pais e mães, que arranjam casamentos para
tros. Nos Estados Unidos, essas preferências ficam mais
os seus filhos. Normalmente, uma jovem uzbequistanesa
evidentes nas barreiras raciais. Até a década de 1960, alé educada para aguardar com ansiedade o seu casamento
guns estados declararam casamentos inter-raciais ilegais.
com um homem que viu apenas uma vez, ou seja, quando
Mesmo assim, a quantidade de casamentos entre negros
ele é apresentado à sua família no momento da inspeção
e brancos no país aumentou mais de sete vezes nas últifinal do dote dela. Nos Estados Unidos, por sua vez, a
mas décadas, saltando de 51 mil em 1960 para 395 mil
paquera é feita basicamente por pessoas que têm interesse
em 2002. Além disso, 25% das mulheres ásio-americanas
romântico umas pela outras. Nessa cultura, a paquera
e 12% dos homens ásio-americanos se casaram com alexige que os interessados se baseiem muito em jogos,
guém que não possui ascendência asiática. O casamento
gestos e sinais intrincados. Apesar dessas diferenças, seja
com outras etnias é ainda maior entre os hispânicos: 27%
nos Estados Unidos, no Uzbequistão ou em outro lugar,
de todos os hispânicos casados têm um cônjuge não-hisa paquera é influenciada pelas normas e pelos valores de
pânico. Porém, embora todos esses exemplos de exogauma sociedade maior (C. J. Williams, 1955).
mia racial sejam dignos de nota, a endogamia continua
Uma tendência inequívoca na seleção de parceiros é
sendo a norma social nos Estados Unidos (Bureau of the
que o processo aparentemente está levando mais tempo
Census, 1998, 2003a, p. 59).
hoje do que no passado. Uma série de fatores, incluindo
O Relacionamento Amoroso
a preocupação com a segurança financeira e a independência pessoal, contribuiu para esse adiamento do
A geração atual de alunos universitários aparentemente
casamento. A maioria das pessoas hoje tem bem mais do
tem maior probabilidade de “ficar” ou fazer cruzeiros em
que 20 anos quando se casam, tanto nos Estados Unidos
grandes pacotes do que seus pais e avós. Mesmo assim,
FuncionalistaA família como entidade que contribui para a
estabilidade social
Papéis dos membros da família
Os Relacionamentos Íntimos 309
Figura 12-2
Porcentagem de Pessoas de 20 a 24 Anos que se
Casaram pelo menos uma vez, Países Selecionados
Austrália
Canadá
Egito
Finlândia
Israel
México
Polônia
Estados
Unidos
Homens
10,6
Mulheres
21,6
Homens
10,8
Mulheres
25,1
Homens
11,9
Mulheres
Homens
Mulheres
56,1
5,1
11,7
Homens
32,4
Mulheres
39,5
Homens
38,9
Mulheres
Homens
54,6
22,9
Mulheres
Homens
Mulheres
ridade à seleção de outros fatores além dos sentimentos
românticos. Nas sociedades com casamentos arranjados
pelos pais ou por autoridades religiosas, as considerações
econômicas têm um papel importante. Supõe-se que o casal recém-constituído desenvolva um sentimento de amor
depois da formalização da união legal, se é que tanto.
Mesmo nos Estados Unidos, algumas subculturas
continuam com as práticas de casamento arranjado das
suas culturas nativas. Entre os sikhs e os hindus que
imigraram da Índia, entre os muçulmanos e os judeus
hassídicos, os jovens permitem que seus pais ou casamenteiras designadas encontrem seu (sua) parceiro(a) em sua
comunidade étnica. Como declarou um jovem sikh: “Eu,
com certeza, vou me casar com a pessoa que meus pais
querem que eu case. Eles me conhecem melhor do que eu
me conheço”. Jovens que emigraram sem as suas famílias
geralmente recorrem à Internet para encontrar parceiros
que tenham o seu histórico e suas metas. Os anúncios
matrimoniais para a comunidade hindu são veiculados
em sites, como SuitableMatch.com e Indolink.com. Como
observou uma jovem judia hassídica, o sistema de casamentos arranjados “não é perfeito e não funciona para
todo mundo, mas esse é o sistema que conhecemos e no
52,1
19,3
33,2
Fonte: United Nations Population Division, 2001a.
Pense nisto
Por que a porcentagem de moças casadas é
particularmente alta no Egito, no México e na Polônia?
E particularmente baixa na Finlândia?
em algum momento da sua vida adulta, a grande maioria
dos alunos de hoje irá encontrar alguém que ama e se
envolver em um relacionamento de longo prazo que se
concentra em criar uma família.
Os pais nos Estados Unidos tendem a valorizar o
amor como justificativa para o casamento e incentivam
seus filhos a criar relacionamentos íntimos com base no
amor e no afeto. Músicas, filmes, livros, revistas, programas de televisão e até desenhos animados e histórias em
quadrinhos reforçam o tema do amor. Ao mesmo tempo,
a sociedade norte-americana espera que os pais e os colegas ajudem a pessoa a confinar a sua busca de um parceiro
a membros “socialmente aceitáveis” do sexo oposto.
A maioria das pessoas nos Estados Unidos considera
natural a importância de se apaixonar, mas a junção de
amor e casamento não é de maneira nenhuma uma universalidade cultural. Muitas culturas do mundo dão prio-
As uniões inter-raciais, cada vez mais comuns e
aceitas, estão dificultando as definições de raça.
Os filhos desse casal inter-racial seriam
considerados negros ou brancos?
310 Capítulo 12
qual confiamos, a maneira como arrumamos parceiros e
aprendemos a amar. Portanto, ele funciona para a maioria
de nós (R. Segall, 1998, p. 48, 53).
Use a Sua Imaginação Sociológica
Os seus pais e/ou casamenteiras vão arranjar um casamento
para você. Que tipo de pessoa vão selecionar? As chances
de você ter um casamento bem-sucedido serão maiores ou
menores do que se você próprio selecionasse seu cônjuge?
Variações na Vida Familiar e
Relacionamentos Íntimos
Nos Estados Unidos, a classe social, a raça e a etnia criam
variações na vida familiar. Estudar essas variações proporciona uma compreensão mais sofisticada dos estilos
contemporâneos de família nesse país.
Diferenças de Classe Social
Vários estudos documentaram as diferenças na organização familiar entre as classes sociais nos Estados Unidos. Na
classe mais alta, a ênfase é dada à linhagem e à manutenção
da posição familiar. Se você pertence à classe alta, não é
apenas um membro de uma família nuclear, mas um membro de uma tradição familiar maior (pense nos Rockfellers
ou nos Kennedys). Portanto, as famílias da classe alta se
preocupam muito com o que consideram um treinamento
adequado para os seus filhos.
As famílias das classes mais baixas geralmente não
têm o luxo de se preocupar com o “nome da família”;
sua prioridade é lutar para pagar as contas e sobreviver
a crises em geral associadas a uma vida de pobreza. A
probabilidade de ter apenas um dos pais em casa é maior,
o que cria desafios especiais no tocante ao cuidar dos
filhos e às finanças. Os filhos das famílias da classe mais
baixa geralmente assumem responsabilidades de adultos
– incluindo o casamento e a maternidade ou paternidade
– mais cedo do que as crianças de classe rica. Isso ocorre,
parcialmente, porque podem não ter o dinheiro necessário para continuar na escola.
As diferenças de classes sociais na vida familiar são
menos notáveis hoje em dia do que antigamente. No
passado, os especialistas em família concordavam que o
contraste nas práticas de educação das novas gerações era
pronunciado. Observou-se que as famílias de classes mais
baixas eram mais autoritárias na criação dos filhos e mais
propensas a utilizar castigo físico. As famílias de classe
média eram mais permissivas e mais contidas na punição a suas crianças. No entanto, essas diferenças podem
ter diminuído à medida que uma quantidade cada vez
maior de famílias de todas as classes sociais recorria aos
mesmos livros, revistas e até programas de televisão para
obter conselhos sobre como educar seus filhos (Kohn,
1970; Luster et al., 1989).
Entre os pobres, as mulheres têm um papel importante no apoio financeiro da família. Os homens podem
ganhar salários baixos, estar desempregados ou totalmente ausentes da família. Em 2003, 28% de todas as
famílias chefiadas por mulheres sem marido presente se
encontravam abaixo da linha de pobreza do governo. Esse
índice para os casais casados era de apenas 5,4% (DeNavas-Walt et al., 2004, p. 10).
Muitos grupos raciais e étnicos aparentemente têm
características familiares distintas. Porém, os fatores raciais e de classe social, em geral, estão ligados. Quando
se examina a vida familiar entre as minorias raciais e étnicas, é preciso ter em mente que determinados padrões
podem resultar de fatores associados à classe social e
culturais também.
Diferenças Raciais e Étnicas
O status subordinado das minorias raciais e étnicas nos
Estados Unidos afeta profundamente suas vidas familiares. Por exemplo, os negros com renda mais baixa, os índios norte-americanos e a maioria dos grupos hispânicos
e grupos asiáticos selecionados consideram criar e manter
uniões matrimoniais bem-sucedidas uma tarefa difícil. A
reestruturação econômica dos últimos 50 anos, descrita
pelo sociólogo William Julius Wilson (1996) e outros,
p. 218
afetou principalmente as pessoas que moram
em cidades do interior e áreas rurais desertas, como as
reservas. Além disso, a política de imigração dos Estados
Unidos complicou a mudança de famílias intactas da Ásia
e da América Latina.
A família negra sofre de vários estereótipos negativos
e errôneos. É verdade que, em uma proporção consideravelmente maior de famílias negras, o marido não está
presente em casa (ver Figura 12-3). No entanto, as mães
solteiras negras em geral pertencem a redes de parentes
estáveis e funcionais, apesar das pressões do sexismo e do
racismo. Os membros dessas redes – predominantemente
parentes mulheres, como mães, avós e tias – aliviam a
pressão financeira compartilhando bens e serviços. Além
desses fortes laços familiares, a vida familiar dos negros
vem enfatizando um profundo compromisso religioso e
grandes aspirações de realização. Os pontos fortes dessas
famílias ficaram evidentes durante a escravidão, quando
os negros demonstraram uma extraordinária capacidade
de manter laços familiares apesar do fato de não terem
proteção legal e, na verdade, freqüentemente serem forçados a se separar (Willie e Reddick, 2003).
Como os negros, os índios norte-americanos se
baseiam nos elos familiares para amortecer muitas das
dificuldades que enfrentam. Na reserva navajo, por exemplo, ser pai ou mãe na adolescência não é encarado como
crise no mesmo grau que em outras partes dos Estados
Unidos. Os navajo delineiam a sua descendência matrilinearmente. Os casais moram com a família da mulher
após o casamento, o que permite que os avós ajudem na
Os Relacionamentos Íntimos 311
criação de filhos. Embora os navajo não aprovem a gravidez na adolescência, o profundo compromisso emocional
de suas famílias estendidas proporciona um ambiente
caloroso em casa para as crianças sem pai (Dalla e Gamble, 2001).
Os sociólogos também observaram diferenças nos
padrões familiares entre outros grupos raciais e étnicos.
Por exemplo, os homens norte-americanos de origem
mexicana são descritos como viris e tendo valor pessoal
e orgulho da sua hombridade, o que é denominado
machismo. Os norte-americanos de origem mexicana
também são descritos como mais ligados à família do
que várias outras subculturas. O familismo se refere ao
orgulho da família estendida, que é expresso pela manutenção de laços estreitos e fortes obrigações para com
os parentes fora da família imediata (o núcleo familiar).
Tradicionalmente, os norte-americanos de origem mexicana colocam a proximidade com a sua família estendida
acima de outras necessidades e desejos.
Porém, esses padrões familiares estão mudando em
resposta às mudanças no status social, nos feitos na área
de educação e nas profissões dos latinos. Como os outros
norte-americanos, os latinos voltados para a carreira e
em busca de parceiros mas com pouco tempo livre estão
recorrendo aos sites da Internet. À medida que os latinos
e outros grupos vão assimilando a cultura dominante nos
Estados Unidos, a sua vida familiar adquire as características positivas e negativas associadas aos domicílios dos
brancos (Becerra, 1999; Vega, 1995).
FigurA 12-3
Aumento de Famílias só com Pais ou só com Mães
nos Estados Unidos, 1970–2000
1970
89%
79%
16%
9%
2%
5%
Afro-americanos
1970
68%
2000
45%
47%
28%
8%
4%
Hispânicos
1970
81%
2000
65%
26%
15%
Padrões de Criação de Filhos na Vida
Familiar
Os nayars do sul da Índia reconhecem o papel biológico
dos pais, mas o irmão mais velho da mãe é responsável
pelos filhos dela. Ao contrário, os tios têm apenas um
papel periférico no cuidado das crianças nos Estados
Unidos. Tomar conta de crianças é uma função universal
da família. No entanto, a forma como as diversas sociedades atribuem essa função aos membros familiares pode
variar muito. Mesmo nos Estados Unidos, os padrões de
criação de filhos variam. Aqui iremos analisar o fato de
ser pai, mãe, avô ou avó, a adoção, as famílias com duas
rendas, as famílias de pais e mães solteiros e as famílias
substitutas.
2000
Brancos
9%
4%
1980
Asiáticos ou das
Ilhas do Pacífico
84%
11%
2000
79%
14%
7%
5%
s
po, o
o gr u s nor tem
o
C
o
em
ílios d
domic os de orig tes
n
a
an
ic
r
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e
e
am
o sem
ã
s
a
asiátic brancos
os
aos d
O Papel de Pai, Mãe, Avô e Avó
Famílias com pai e mãe
A socialização das crianças é fundamental para a manutenção de qualquer cultura. Conseqüentemente, ser pai
ou mãe é um dos papéis sociais mais importantes (e que
mais exige) nos Estados Unidos. A socióloga Alice Rossi
(1968, 1984) identificou quatro fatores que complicam a
transição para a condição de pai ou mãe e o papel da socialização. Primeiro, há pouca socialização
p. 91
antecipatória para o papel de cuidador(a). O currículo
Famílias só com a mãe sustentadas pela mãe
Famílias só com o pai sustentadas pelo pai
Nota: “Filhos” se referem a menores de 18 anos. não estão incluídas
pessoas sem parentesco que moram juntas sem a presença de crianças.
Os dados iniciais sobre norte-americanos de origem asiática são de
1980.
Fonte: Bureau of the Census, 1944, p. 63; Fields, 2001, p. 7.
312 Capítulo 12
escolar normal dá atenção restrita aos assuntos mais
importantes para a vida familiar bem-sucedida, como o
cuidar de crianças e manter a casa. Em segundo lugar,
há apenas um aprendizado limitado durante o período
da gravidez em si. Em terceiro, a transição para a paternidade ou maternidade é bem abrupta. Ao contrário da
adolescência, ela não é prolongada, diversa da transição
para o trabalho, os deveres de tomar conta não podem
ser cumpridos gradativamente. Por fim, na opinião de
Rossi, a sociedade norte-americana precisa de diretrizes
claras e úteis para uma paternidade ou maternidade
bem-sucedida. Há pouco consenso quanto a como os
pais podem criar filhos felizes e bem ajustados – ou
mesmo sobre o que significa ser bem ajustado. Por esses
motivos, o preparo para ser pai ou mãe envolve desafios
difíceis para a maioria dos homens e das mulheres nos
Estados Unidos.
Um avanço recente na vida familiar nos Estados
Unidos é a extensão do papel de pai ou mãe, na medida
em que filhos adultos continuam morando em casa ou
voltam para ela após a faculdade. Em 2000, 56% dos homens e 43% das mulheres de 18 a 24 anos moravam com
seus pais. Alguns desses filhos adultos ainda buscavam
uma educação, porém, em muitos casos, as dificuldades financeiras estavam no âmago desses arranjos de
moradia. Enquanto os aluguéis e os preços dos imóveis
subiram assustadoramente, os salários dos trabalhadores mais jovens não acompanharam esse crescimento e
muitos deles se vêem sem condições de pagar pelas suas
próprias moradias. Além disso, com muitos casamentos
acabando em divórcio – mais nos primeiros sete anos de
união –, os filhos e filhas divorciados geralmente voltam
a morar com seus pais, às vezes com seus próprios filhos
(Fields, 2003).
Esse arranjo de moradia é um avanço positivo para
os membros da família? Os cientistas sociais apenas começaram a analisar o fenômeno, às vezes chamado de
“geração bumerangue” ou “a síndrome do ninho cheio”
na imprensa popular. Uma pesquisa na Virgínia aparentemente mostrou que nem os pais nem os filhos adultos
estavam contentes com o fato de continuar a viver juntos.
Os filhos se sentiam ressentidos e isolados, mas os pais
também sofriam: aprender a viver sem filhos em casa
é uma fase fundamental da vida adulta e pode ser um
momento decisivo para um casamento (Berkeley Wellness
Letter, 1990; Mogelonsky, 1996).
Em algumas casas, o ninho cheio abriga netos. Em
2002, 5,6 milhões de crianças, ou 8% de todas as crianças
nos Estados Unidos, moravam em uma casa com um avô
ou uma avó. Em cerca de um terço desses domicílios, não
havia pai ou mãe presentes para assumir a responsabilidade pelas crianças. Dificuldades especiais são inerentes
nesses tipos de relacionamentos, incluindo preocupações
legais com a custódia, questões financeiras e problemas
emocionais tanto para os adultos quanto para os jovens.
Não é de admirar que tenham surgido grupos de apoio,
como “Avós como Pais”, para ajudar (Fields, 2003).
Adoção
No sentido legal, a adoção é um processo que permite a
transferência dos direitos legais, das responsabilidades e
dos privilégios de pai ou mãe “para novos pais ou mães”
(E. Cole, 1985, p. 638). Em muitos casos, esses direitos são
transferidos dos pais biológicos para os pais adotivos.
Da perspectiva funcionalista, o governo tem muito
interesse em incentivar a adoção. Na verdade, os elaboradores de política têm interesse humanitário e financeiro
no processo. Teoricamente, a adoção oferece um ambiente familiar estável para crianças que de outra maneira
não receberiam cuidados satisfatórios. Além disso, os
dados do governo mostram que as mães solteiras que
ficam com os seus bebês tendem a ser de um status socioeconômico mais baixo e requerem ajuda pública para
sustentar os seus filhos. Então, o governo poderia reduzir
as suas despesas com assistência social se as crianças fossem transferidas para famílias auto-suficientes economicamente. Porém, da perspectiva interacionista, a adoção
pode exigir que a criança se ajuste a um ambiente familiar
e uma maneira de criar filhos muito diferentes.
Cerca de 4% de toda a população dos Estados Unidos
é adotada, e cerca de metade dessas adoções foi feita por
indivíduos sem parentesco com as pessoas adotadas na
época do seu nascimento. Existem, nos Estados Unidos,
dois métodos legais de se adotar uma pessoa que não é
parente: a adoção pode ser feita por intermédio de uma
agência licenciada ou, em alguns estados, mediante um
acordo particular sancionado pelos tribunais. As crianças
adotadas podem vir dos Estados Unidos ou do exterior.
Em 2003, mais de 21 mil crianças entraram no país como
filhos adotivos de cidadãos norte-americanos (Children’s
Bureau, 2003; Department of State, 2004; Fisher, 2003).
Em alguns casos, as pessoas que adotam não são
casadas. Em 1995, uma importante decisão de um tribunal de Nova York determinou que um casal não tem de
ser casado para adotar uma criança. De acordo com essa
decisão, casais heterossexuais não-casados, casais de lésbicas e casais de gays podem adotar legalmente crianças
em Nova York. Escrevendo para a maioria, a juíza Judith
Kaye argumentou que, ampliando os limites de quem
pode ser legalmente reconhecido como pai ou mãe, o
Estado poderia ajudar mais crianças assegurando “o melhor lar possível”. Com essa decisão, Nova York se tornou
o terceiro Estado (depois de Vermont e Massachusetts)
a reconhecer o direito de casais não-casados de adotar
filhos (Dão, 1995).
Para cada criança adotada, muitas mais continuam
nas alas de serviços de proteção à criança patrocinados pelo Estado. Em qualquer momento tomado para
medição, mais de meio milhão de crianças nos Estados
Unidos estão vivendo em lares adotivos. Essas crianças
Os Relacionamentos Íntimos 313
Famílias só com o pai ou só
com a mãe
Nos Estados Unidos, no final do
século XIX, a imigração e a urbanização tornaram cada vez mais difícil manter as comunidades do tipo
Gemeinschaft, onde todo mundo
conhecia todo mundo e compartilhava a responsabilidade pelas mães
solteiras e seus filhos. Em 1883,
foram fundadas as Casas Florence
Crittenton na cidade de Nova York
– e posteriormente em todo o país
– como refúgio para prostitutas (na
época, estigmatizadas como “mulheres desonradas”). Em pouco tempo
as casas Crittenton começaram a
aceitar mães solteiras como moraO pai cuida do café da manhã enquanto a mãe se apressa para o trabalho
doras. No início da década de 1900,
nessa família de duas rendas. Uma proporção cada vez maior de casais
o sociólogo W. E. B. Du Bois (1911)
nos Estados Unidos rejeita o modelo de família nuclear tradicional do
observou que a institucionalização
marido como o provedor e a mulher como a pessoa que cuida da casa.
das mães solteiras estava ocorrendo
nas famílias segregadas. Na época
em que ele estava escrevendo, havia
geralmente mudam de uma família para outra durante
sete casas para mães solteiras negras, bem como uma casa
a sua infância e adolescência. Todo ano, cerca de 20 mil
Crittenton para esse fim.
delas chegam à idade de 18 anos e entram na fase adulta
Nas últimas décadas, o estigma associado a mãe solsem o apoio financeiro ou emocional de uma família
teiras e outros pais solteiros diminuiu consideravelmente.
permanente (Children’s Bureau, 2002; C. J. Williams,
As famílias só com o pai ou só com a mãe, nas quais só o
1999).
pai ou só a mãe está presente para cuidar dos filhos, dificilmente pode ser considerada uma raridade nos Estados
Famílias de Duas Rendas
Unidos. Em 2000, cerca de 21% das famílias de brancos
com filhos menores de 18 anos, 35% das famílias hispâniA noção de uma família ser composta de um marido que
cas com filhos e 55% das famílias negras com filhos (ver
ganha salário e de uma mulher que fica em casa foi subsFigura 12-3) eram chefiadas só pelo pai ou só pela mãe.
tituída pelo domicílio de duas rendas. Entre as pessoas
As vidas dos pais e mães solteiros e seus filhos não
casadas com 25 a 34 anos de idade, 92% dos homens e
são
mais
difíceis do que a vida em uma família nuclear
75% das mulheres estavam no mercado de trabalho em
tradicional.
É errado pressupor que uma família só com
2002.
Por que houve um aumento na quantidade de casais
com duas rendas? Um fator importante é a necessidade
financeira. Em 2003, a renda média dos domicílios com
ambos os cônjuges empregados era 99% mais do que
nos domicílios nos quais apenas uma pessoa estava trabalhando fora de casa (US$ 71.496 contra US$ 35.977).
Evidentemente, em razão das despesas relacionadas ao
trabalho, como creche, nem todo o segundo salário de
uma família é uma renda de fato adicional. Entre os outros fatores que contribuíram para o aumento do modelo
de duas rendas estão a queda na taxa de natalidade, o
aumento na proporção de mulheres com educação universitária, a mudança na economia norte-americana de
indústria de fabricação para serviços e o impacto do movimento feminista na transformação da consciência das
A maioria dos lares nos Estados Unidos não é composta de pai e
mulheres (DeNavas-Walt et al., 2004, tabela HINC-01).
mãe morando com seus filhos solteiros.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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