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Roberto Marinho e a biografia de Roberto Marinho

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Portal Vermelho Dia: 20/05/2019 às 01:04:13
Política
Roberto Marinho e a biografia de Roberto
Marinho
Contar a história desse personagem exige passar boa parte do Brasil do século XX
a limpo.
Por Osvaldo Bertolino
Num esforço de seis anos de pesquisa, conforme relato do jornal O Globo, o primeiro volume da
biografia Roberto Marinho — O poder está no ar reconstrói a vida do empresário de mídia, do
nascimento, em 1904, até 1969, ano de criação do Jornal Nacional. Ainda não há previsão de
lançamento para o segundo volume, diz o jornal, que entrevistou o autor, o jornalista Leonencio
Nossa. Segundo a apresentação, baseado em arquivos e entrevistas com mais de 100 pessoas, ele
compôs "uma biografia independente", buscando “rigor jornalístico”.
Não há, ainda, referências sobre a obra, mas pelo que disse o autor na entrevista e por seu passado
polêmico envolvendo trabalhos referentes à Guerrilha do Araguaia e o Partido Comunista do Brasil
(PCdoB) pode-se tirar algumas conclusões. Leonencio Nossa fez, em 2013, um artigo no jornal O
Estado de S. Paulo que recebeu duras contestações minhas e do historiador Augusto Buonicore. Ele
escreveu também o livro Mata, publicado pela Companhia das Letras. O tema, conforme o subtítulo
da publicação, é a relação do major Curió com “as guerrilhas no Araguaia”.
Método farsesco
O artigo e o livro são permeados por preconceitos e inverdades, uma prática muito comum de
jornalistas que ao abordar esse tema priorizam o espetáculo narrativo em detrimento dos fatos,
fartamente pesquisados em obras como os livros Guerrilha do Araguaia — a esquerda em
armas, Araguaia — depois da Guerrilha, outra guerra (de Romualdo Pessoa Campos
Filhos), Testamento de lua — a vida de Carlos Danielli, Maurício Grabois — uma vida de
combates, Pedro Pomar — ideias e batalhas (de Osvaldo Bertolino) e Meu Verbo é Lutar - a vida e o
pensamento de João Amazonas (de Augusto Buonicore).
Leonencio Nossa repetiu o método farsesco de Lucas Figueiredo na revista CartaCapital — com a
conivência do redator-chefe da revista, Sérgio Lirio — sobre o suposto "diário" de Maurício Grabois
no Araguaia, mais recentemente seguido por Hugo Studart no seu livro-farsa Borboletas e
lobisomens. A diferença é que o autor de Mata não se comportou como os farsantes Lucas
Figueiredo e Hugo Studart — que reagiram às críticas às suas farsas com ataques grosseiros,
recheados de novas farsas —, reconhecendo, em contatos comigo e com Buonicore, que cometera
alguns equívocos. De qualquer forma, ficou, como registro histórico,uma versão que não
corresponde aos fatos, oportunamente corrigida pelas referências dos artigos escritos por mim e
Buonicore.
Testemunha do passado
No caso da primeira parte da biografia de Roberto Marinho, de acordo com a entrevista de
Leonencio Nossa n'O Globo, o tom parece ser de poucas críticas a esse personagem que muito
colaborou para impedir que o Brasil pegasse o rumo do desenvolvimento com democracia e
progresso social. Ele diz que buscou “uma opção mais jornalística, trabalhando com o máximo de
versões, para que o leitor pudesse chegar à sua própria interpretação”. “É mais jornalismo do que
uma biografia tradicional”, informa.
Escrever uma biografia é, basicamente, um exercício jornalístico. Significa contar a história de um
personagem no contexto em que ele viveu. Se não for assim, a obra se transforma em ficção — ou
charlatanice, como é a obra de Hugo Studart. Não é história, nem jornalismo. Escrever uma
biografia, palavra cuja origem etimológica vem da junção dos termos
gregos bios (vida) graphein (escrita), é revelar um álbum fotográfico em letras, fazer o leitor ver
fotografias imaginárias da trajetória de uma pessoa. Com ela, conta-se um período conjuntural,
mostra-se partes de outras vidas, desmistifica-se fatos e versões.
Na definição de Marco Túlio Cícero, o famoso orador romano, a história é testemunha do passado,
luz da verdade, vida da memória, mestra dos fatos, anunciadora dos tempos antigos. Pode-se
também citar como paradigma a definição de Gay Talese, um dos criadores do jornalismo literário,
para quem o realismo é fantástico. Ou Alphonse Daudet — romancista, poeta e dramaturgo francês
—, que via em cada ser uma multidão. Contar a vida de uma personagem como esse exige mostrar
a essência de sua atuação política.
Trajetória de O Globo
Não há como dissociar a vida de Roberto Marinho dos acontecimentos do país em grande parte do
século XX. Esse protagonismo se liga à tragetória do jornal O Globo, embrião do que seria, na
ditadura militar, o seu poderoso grupo de mídia. Nas pesquisas das biografias de Maurício Grabois e
Pedro Pomar deparei com vários episódios em que O Globoagiu com desonestidade. Pomar disse
certa vez que o jornal estava “notoriamente a serviço dos americanos”. Para o Partido Comunista do
Brasil, à época conhecido pela sigla PCB, O Globo era “um órgão reacionário e policial”, e “órgão
oficial dos restos fascistas”.
A onda que se levantou contra a legalidade dos comunistas nos anos 1940 começou com uma
entrevista do obscuro deputado Edmundo Barreto Pinto n’O Globo. O ministro da Justiça do governo
do general Eurico Gaspar Dutra, Benedito Costa Neto, que organizou a “Liga de defesa da
democracia”, entidade que pretendia agrupar a nata do anticomunismo, era voz frequente no jornal.
Em uma entrevista, anunciada de forma estrepitosa na capa da edição de 8 de janeiro de 1947, ele
fez provocações anticomunistas grosseiras — respondidas por Grabois com contundência.
Preparação do terreno
Logo após a cassação do registro do PCB, O Globo começou a orquestrar a grita pela cassação dos
mandatos comunistas. A tática era tentar desmoralizar o Partido e levantar calúnias. Em suas
páginas começaram a crepitar manchetes dando conta, segundo Grabois, de campanhas de
“infâmia” e atos “ultrajantes”, dizendo que havia uma ação política deliberada movida pelos
comunistas contra o governo. Segundo O Globo, os jornais do PCB eram “órgãos de imprensa” que
obedeciam “à orientação bolchevista”. O jornal de Roberto Marinho esmerava-se nas mais torpes
invencionices para atribuí-las aos comunistas.
Quando Pedro Pomar dirigia o jornal do PCB Tribuna Popular, ele também teve um entrevero com O
Globo. O episódio envolveu o então presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Herbert
Moses, que era também tesoureiro d’O Globo. Numa época de grave crise de escassez de papel,
ele usou a sua influência para que um navio com a carga destinada à publicação em que trabalhava
fosse descarregado, no congestionado porto do Rio de Janeiro, antes de outro, com carregamento
para vários jornais, entre eles a Tribuna Popular.
Na passagem de um ano da Tribuna Popular, em 22 de maio de 1947, O Globo atacou o jornal
comunista dizendo que ele promovia uma “campanha ultrajante” contra o presidente Dutra. Segundo
nota da Tribuna Popular, a campanha visava à preparação do terreno para a cassação dos
mandatos comunistas. O Globo estava sugerindo a volta da mordaça do Departamento de Imprensa
e Propaganda (DIP) — o feroz órgão de censura da ditadura do Estado Novo — e batendo palmas
para os bandos terroristas que empastelavam jornais, disse a nota.
Onda de provocações
Quando Pomar, como deputado federal, esteve no “Congresso Continental Americano pela Paz”, na
Cidade do México, em setembro de 1949, O Globo protagonizou uma torpe campanha contra ele.
Seu discurso no evento foi acompanhado letra a letra. “Repudiou a pátria!”, berrou a manchete do
jornal em 11 de setembro de 1949. “O ministro da Justiça, em declaração ao O Globo, anatemiza a
conduta do deputado Pedro Pomar”, dizia a linha fina, o subtítulo do jornal. E emendava: “Primeiras
demarches em torno da possível cassação do parlamentar vermelho.” Outros jornais —
principalmente os da cadeia de Assis Chateaubriand — seguiram a batuta.
Segundo disse João Amazonas, em artigo na revista Problemas de agosto-setembro de 1949, a
derrota dos que tentaram impedir a presença do Brasil no Congresso resultou na onda de
provocações a Pomar. O objetivo, disse ele, era criar as condições para, sob a calúnia de que os
comunistas haviam injuriado o Brasil para defender a Rússia, abafar a repercussão interna dos
êxitos do Congresso e conseguir novas leis fascistas que tramitavam na Câmara dos Deputados
contra o povo brasileiro.
O Globo entrou de cabeça no submundo que imperava na Câmara dos Deputados, onde uma
comissão de inquérito foi proposta e suscitou intensos debates. Na matéria que comentou o discurso
de Pedro Pomar no México, o jornal disse que sua atitude, “injuriando a nossa pátria, causou
indignação no Congresso”. “Há um movimento no sentido de cassação do mandato do parlamentar
comunista”, declarou.
Falsa versão
Poucos dias depois, em 15 de setembro de 1949, O Globo voltaria ao assunto, sentenciando-o a um
desagravo como pena imposta pela “indignação” que “perdura em todo o país”. “Desagravo que se
impõe!”, dizia a manchete principal. A “afrontosa conduta do comunista Pedro Pomar, que insultou o
Brasil, suas instituições e especialmente suas classes armadas perante uma assembleia tipicamente
bolchevista na capital mexicana”, não poderia ficar impune.
Os ministros da Guerra, general Canrobert Pereira da Costa, e da Aeronáutica, Armando Figueira
Trompowsky de Almeida, foram convocados pelo jornal para opinar sobre o assunto. O primeiro
disse que cabia “aos poderes competentes” a “tarefa” de processar Pedro Pomar. O segundo apoiou
a campanha d’O Globo pelo desagravo. “A circunstância que ocorreu de tais declarações terem sido
feitas em terra estranha faz avultar a afronta nos feita e justifica o clamor de toda a nação pelo
desagravo que se impõe”, disse.
Pedro Pomar mostrava-se pouco surpreso com o tom do jornal. O próprio O Globo publicou em 20
de setembro que ele achava “interessante” a cassação do seu mandato, segundo declaração emitida
quando desembarcava em Belém. “No meu discurso não me referi às Forças Armadas e sim às
classes dominantes do país. Repeti no México o que digo na Câmara”, disse aos jornalistas. Sobre a
cassação do mandato, foi taxativo: “É o que desejam. Seria até interessante que tal acontecesse.”
Não adiantou Pedro Pomar dizer que não havia cometido nenhuma infração. O jornal recrudesceu a
campanha pela sua punição, publicando no dia 21 que o PCB havia divulgado uma versão falsa do
discurso. “O verdadeiro texto do discurso do senhor Pedro Pomar”, anunciou O Globo.
“Chegou ao Rio na manhã de hoje o deputado Pedro Pomar que tomou parte no Congresso da Paz,
realizado no México, onde emitiu discursos ofensivos ao Brasil. Fomos informados que o
embaixador do Brasil no México, senhor Camilo de Oliveira, mandou ao Itamaraty o verdadeiro
discurso pronunciado pelo senhor Pedro Pomar e que o texto não corresponde, na realidade, ao que
foi divulgado pelos comunistas no Rio”, disse o jornal, sem se dar ao trabalho de publicar os textos
anunciados. Era, na verdade, fogo de palha. O Globo tentou começar uma fogueira anticomunista na
Câmara dos Deputados, mas calou-se diante da firmeza das respostas de Pedro Pomar.
Testa-de-ferro
Essa trajetória conspirativa evoluiu para o processo que resultou no golpe de 1964. Os grupos de
Assis Chateaubriand (Diários Associados) e de Roberto Marinho (Globo), que agiram freneticamente
contra a democracia e o governo João Goulart, lideraram as facções que disputavam a posição de
porta-voz oficioso do regime. Em 1965, o deputado federal João Calmon, do Partido Social
Democrático (PSD) do estado do Espírito Santo, diretor do Diários Associados, se notabilizaria pelo
combate à presença de grupos estrangeiros de mídia.
Ele denunciou, inicialmente, a Editora Abril, comandada pelo ítalo-americano Victor Civita,
flagrantemente em desacordo com a Constituição, que vedava o acesso de estrangeiros a ao
controle de meios de comunicação. Civita seria um testa-de-ferro do grupo norte-americano TimeLife e intermediou o acordo firmado com Roberto Marinho para criar a TV Globo, inaugurada em 26
de abril de 1965.
A briga do representante do Diários Associados com Roberto Marinho expôs o primeiro racha na
cúpula do golpe. O presidente Castelo Branco determinou que o ministro da Justiça, Mem de Sá,
constituísse uma “comissão de investigação” para apurar as denúncias “com o maior rigor possível”.
De acordo com o presidente, Calmon era “um homem merecedor de respeito e consideração”, não
levantaria suspeitas infundadas.
A denúncia da negociata de Roberto Marinho ganhou a adesão de Carlos Lacerda, dono do
jornal Tribuna da Imprensa e governador do estado da Guanabara, e motivou o Conselho Nacional
de Telecomunicações (Contel) a abrir um processo para investigar o caso. A apuração concluiu que
havia marmeladas, além da já revelada na Editora Abril — o maior conglomerado de mídia
estrangeiro, com dezoito publicações e dois milhões de exemplares mensais —, envolvendo também
o Grupo Folha, que estaria em negociação com o Grupo Rockfeller; e o jornal Zero Hora, de Porto
Alegre, estado do Rio Grande do Sul.
Tom agressivo
Em entrevista à TV Rio, Calmon disse que Roberto Marinho havia encaminhado uma consulta de
empréstimo à Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), aumentando ainda mais a suspeita
do grupo do presidente da República Castelo Branco de conluio de setores do governo com o
negócio ilegal, e motivou o deputado Eurico de Oliveira (PTB-Guanabara) a pedir a abertura de uma
Comissão parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados — depois de muita pressão
contrária, a CPI foi constituída em 19 de outubro de 1965.
As revelações causaram um reboliço nos bastidores do governo e nos grupos de mídia, que
deflagraram uma troca de acusações pesadas. O Jornal do Brasil atacou o presidente da Abert em
editorial intitulado “Jacobinismo provinciano”, acusando-o de xenofobismo e de agir para abolir a
“competição democrática” entre os grupos midiáticos.
O Grupo O Estado de S. Paulo, ao responder em tom agressivo a um leitor que questionou a
presença de capitais estrangeiros na mídia em carta ao Jornal da Tarde — uma de suas publicações
—, abriu fogo contra o Grupo Folha, que editava os jornais Folha de S. Paulo, Folha da
Tarde, Última Hora e Notícias Populares. O leitor, que assinou como Newton Proença Cavalcanti,
terminou a carta com uma pergunta incisiva.
“É verdade que as seguintes empresas brasileiras estariam sob controle acionário dos seguintes
grupos estrangeiros? Rockefeller: Folha, Última Hora, Notícias Populares, Diário Carioca, TV
Excelsior, Correio da Manhã (arrendado por cinco anos); Time-Life: O Globo, TV Paulista, Editora
Abril Limitada, NBC (Mórmons), Rádio Piratininga e rádio e TV Bandeirantes (em negociações)?”
Aliados militares
A resposta do JT, como o jornal era conhecido, foi violenta. Disse que o leitor era “um desses
“esquerdinhas que alimentam seus espíritos pouco cultivados com slogans enlatados”, que não liam
e nem viam televisão, e que ele ganharia uma gorda recompensa se conseguisse demonstrar o que
acusava.
“Se lesse jornais ou visse televisão saberia que o deputado João Calmon respondeu, há poucos
dias, pela televisão, a todas essas perguntas, denunciando a existência de empresas jornalísticas
financiadas por capital estrangeiro”, atacou.
A resposta atingiu o fígado do Grupo Folha, que reagiu à altura. A Folha de S. Paulo, em editorial
intitulado “Nossa moeda é o trabalho”, lembrou que o jornal havia publicado na primeira página um
comunicado desfazendo “de maneira cabal” as “insinuações” de João Calmon na entrevista à TV Rio
e afirmou que mesmo assim o Grupo O Estado de S. Paulo alimentou a mentira. A Folha duvidou da
autenticidade do leitor e acusou o concorrente de possuir “força econômica” de duvidosa
procedência. A polêmica se desdobrou em novas acusações, mas o foco principal, para o governo,
era o negócio do Grupo Time-Life com o Grupo Globo.
O tenente-coronel Rubens Mário Brum Negreiros, membro do Conselho Nacional de Segurança, foi
indicado para a “comissão de investigação” por influência de aliados militares do presidente da
Abert, sobretudo o chefe da Casa Militar da Presidência da República, general Ernesto Geisel —
além dele, compunham a “comissão” Gildo Correia Ferraz (procurador da República) e Celso Luiz
Silva (gerente de Fiscalização dos Créditos Estrangeiros do Banco Central).
Terçar armas
Roberto Marinho convenceu uma ala do governo e da mídia a isolar, acatar e desmoralizar Calmon.
A primeira ação foi uma visita ao ministro da Justiça, Mem de Sá, um lance ousado para mostrar que
ele estava disposto a brigar por suas posições. O capo do Grupo Globo lamentou o momento da
visita, logo após a instalação da “comissão de investigação”, pensando que isso poderia dar margem
a interpretações dúbias, mas o próprio ministro esclareceu que não havia motivo para esse receio
por se tratar de uma conversa “entre amigos”. A segunda foi uma série de visitas a veículos da mídia
tidos como seus aliados.
Em declaração ao Jornal do Brasil, Roberto Marinho disse que Calmon estava interessado em deter
apenas a entrada de dólares na imprensa brasileira, ignorando o ingresso de francos, pesestas ou
rublos, referindo-se ao presidente da Abert ironicamente como “velho amigo”. Ele atacou o Diários
Associados, sem citar o nome do conglomerado de mídia, dizendo que Calmon cometia injustiças ao
“terçar armas” contra qualquer outro monopólio privado contrário ao monopólio “dos outros”.
“De qualquer modo, folgo em verificar que o meu amigo Calmon, mesmo cometendo algumas
injustiças, está desencadeando forças que podem, afinal, contribuir poderosamente para a
moralização da imprensa no país. Não seria crível que o governo revolucionário, tão atuante em
outros setores, perdesse a oportunidade para acabar com as empresas jornalísticas que há muito
sobrevivem graças apenas aos odiosos privilégios que lhes foram concedidos”, agulhou.
Compra de ações
Mais um vez ironizando Calmon, Roberto Marinho disse que o presidente da Abert não agia de máfé mesmo sendo diretor de uma organização de jornais, de rádio, de revistas e de televisão com
notórias dificuldades financeiras que procurava com seus ruidosos pronunciamentos uma maneira
de eliminar ou criar embaraços para seus mais fortes concorrentes.
O passo seguinte seria o desligamento do Grupo Globo da Abert, anunciado em carta de Roberto
Marinho endereçada à entidade, logo seguido pela Rádio Jornal do Brasil. Calmon reagiu com novas
denúncias, dizendo que fora procurado pelo diretor no Brasil da petrolífera multinacional Esso, Paulo
Carvalho Barbosa, que, em tom de ameaça, exigiu o fim da campanha contra o acordo do Grupo
Globo com o Grupo Time-Life. O presidente da Abert mostrou um relatório dando conta da compra
de ações do Grupo Globo pela Esso por meio de empresas intermediárias.
Calmon chegou a defender, na Câmara dos Deputados, a estatização da mídia para conter a
investida estrangeira. A proposta contundente surgiu depois de informações na Justiça do Trabalho
contidas na reclamação trabalhista do ex-diretor geral da TV Globo, Rubens Amaral, que
demostravam a intervenção do Grupo Time-Life na emissora.
O Grupo Globo respondeu com comunicados em vários jornais, lidos em suas emissoras de rádio e
TV, dizendo que o Diários Associados, em tempos passados, fora beneficiado por acordos de Assis
Chateaubriand com o magnata norte-americano David Rockfeller. A mídia ligada a Roberto Marinho
também intensificou os ataques a Calmon — chegaram a dizer que ele deveria mudar o nome para
João “Calmão”, mais adequado ao seu “nacionalismo”.
Período de trégua
A tentativa de esvaziar a Abert atingiu também a “comissão de investigação”. Além do bombardeio
de Roberto Marinho e seus aliados, acusando a iniciativa de “autoritária” e “invasiva”, não havia local
para ela trabalhar. No dia da sua instalação, o ministro Mem de Sá disse que o Ministério da Justiça
era pobre e sugeriu a sede do Conselho de Segurança Nacional para o seu funcionamento, onde
existiam salas, “embora sem móveis”. Ele também comunicou a imprensa que a “comissão” não
daria nenhuma notícia durante o andamento dos trabalhos.
Em agosto de 1966, a “comissão”, que nunca obteve um lugar definitivo para trabalhar — reunia-se
esparsamente e ouviu poucas pessoas —, entregou seu relatório final ao novo ministro da Justiça,
Carlos Medeiros da Silva, recheado de informações artificiais que em notas os grupos estrangeiros
já haviam tornadas públicas. O documento foi para alguma gaveta do Ministério; as movimentações
políticas para a substituição do presidente Castelo Branco estavam a todo vapor e havia interesses
de todos num período de trégua. A paz temporária foi selada num almoço promovido por Castelo
Branco no Palácio das Laranjeiras, a sede do governo do estado da Guanabara, em 22 de março de
1966, com as presenças de diretores de jornais, entre eles Roberto Marinho e João Calmon.
O general Costa e Silva, ministro da Guerra, como escolhido para substituir Castelo Branco, sugeriu
o nome do presidente da Abert, agora um influente líder do partido político que dava sustentação à
ditadura, a Aliança Nacional Renovadora (Arena), para a vice-Presidência da República. Na acirrada
disputa que se estabeleceu, saiu vitorioso o grupo de defendia o ministro da Educação, Pedro
Aleixo, e a guerra Roberto Marinho-Pedro Calmon voltou a pegar fogo. O Grupo Globo foi incitado
por seus apoiadores do governo a atirar para matar.
Infração grave
Em nota publicada nos jornais, assinada pela TV Globo, Calmon foi acusado de pedir dinheiro à
Embaixada norte-americana. Quem fez a denúncia, de acordo com o jornal O Globo, foi a
correspondente do jornal Washington Post, Georgie Anne Geyer.
“Autorizadas fontes norte-americanas daqui salientam que Calmon, cujo império está mergulhado
em dívidas, procurou a Embaixada americana, no outono passado, a fim de obter dinheiro para livrar
os “Diários” das dificuldades. Ante a negativa do então embaixador Lincoln Gordon, ele, ao que
informa, jurou vingar-se”, teria escrito a jornalista.
Seguiu-se mais uma violenta troca de acusações, com Lincoln Gordon e Georgie Anne Geyer dando
declarações desencontradas, um autêntico duelo nas páginas dos jornais O Globo e O Jornal —
este, o líder dos Diários Associados. Calmon também usou a tribuna da Câmara dos Deputados
para desancar Roberto Marinho. E declarou-se vitorioso com o resultado da CPI, que encerrou seus
trabalhos em 22 de agosto de 1966 concluindo pela inconstitucionalidade dos acordos do Grupo
Globo com o Grupo Time-Life.
“Os contratos firmados entre a TV Globo e o Grupo Time-Life ferem o Artigo 160 da Constituição,
porque uma empresa estrangeira não pode participar da orientação intelectual e administrativa de
sociedade concessionária de canal de televisão; por isso, sugere-se ao Poder Executivo aplicar à
empresa faltosa a punição legal pela infringência daquele dispositivo constitucional”, defendeu o
parecer do relator, deputado Djalma Marinho, que pertencia à Arena.
O relatório das investigações apontou que a TV Globo, inequivocamente, fora financiada pelo Grupo
Time-Life sob a cobertura de um contrato regulamentando a prestação de assessoria técnica. Outro
infração grave foi a compra de equipamentos a uma taxa de dólar um terço mais baixa do que o
valor de mercado em vigor.
O contrato principal estabelecia que o grupo norte-americano obteria parte dos lucros líquidos da TV
Globo, um ato ilegal, já que não podia haver participação estrangeira nos lucros de empresas
brasileiras de comunicação. No contrato de assistência técnica constava que o Grupo Time-Life teria
de “colaborar” na elaboração do conteúdo da programação e noticiários — mais uma prática
proibida, uma violação do Código Brasileiro de Telecomunicações. O acordo sequer foi apreciado
pelo Contel. Apenas dois anos após a assinatura dos contratos a TV Globo enviou um deles — o de
assistência técnica — para a Sumoc, assim mesmo por ordem do Contel.
Alinhamento incondicional
Em nova burla às leis, a TV Globo, atingida pela campanha do deputado João Calmon, trocou o
contrato principal por um de arrendamento de um terreno onde se localizava a sede da televisão. No
contrato constava que a TV Globo seria locatária de um prédio vendido ao Grupo Time-Life, feito
antes da venda do local aos norte-americanos. O grupo de Roberto Marinho alugou um prédio que
era seu. Em troca do uso, se comprometeu a pagar 45% do lucro líquido da empresa pelo aluguel.
Somado aos 5% do lucro líquido, destinado à assessoria técnica, o grupo norte-americano detinha
50% da TV Globo. Para impedir qualquer tipo de fiscalização, alguns documentos da transação
desapareceram.
Roberto Marinho, apesar de baleado naquela refrega, saíra fortalecido. Havia uma lógica na sua
conduta, ditada pela tendência de moldar a mídia com o alinhamento incondicional do golpe ao
ditame norte-americano no âmbito da Guerra Fria anticomunista. O decadente grupo de Assis
Chateaubriand, o Diários Associados, estava tão avariado que não responderia aos estímulos do
regime. A segunda opção, a Editora Abril — intermediária da negociata de Roberto Marinho com o
Grupo Time-Life —, também estava descartada pela flagrante ilegalidade constitucional. A
emergência de um novo grupo seria a saída óbvia.
Na biografia de Pedro Pomar, Haroldo Lima, dirigente do Partido Comunista do Brasil — agora com
a sigla PCdoB —, preso no episódio conhecido como “Chacina da Lapa, em 16 de dezembro de
1976 — quando a ditadura militar metralhou a casa em que a direção comunista se reunia, matando
brutalmente Pomar e Ângelo Arroyo —, relata que, em dado momento, foi insultado por um agente
da repressão que lhe mostrou uma manchete d’O Globo anunciando o fim da “guerra dos
comunistas”. O jornal também disse que oficiais do II Exército receberam “numerosos” telefonemas
de pessoas ligadas a todas as atividades sociais do estado de São Paulo cumprimentando-os pelo
êxito da operação, efetuada sem pôr em risco a integridade física dos moradores da vizinhança.
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