30a34-130-pesquisa clima - Mudanças Climáticas

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Um Brasil mais quente
Primeiros cenários usando modelos climáticos regionais apontam para secas
e inundações mais severas sob temperaturas mais altas e umidade mais baixa,
com impactos sobre a saúde humana e a produção de alimentos | C ARLOS F IORAVANTI
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nomia”, diz José Antonio Marengo Orsini, meteorologista do
Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC)
do Inpe e coordenador desse trabalho. “Podem também embasar políticas públicas que procurem reduzir os prejuízos
associados às mudanças do clima, por meio da redução de desmatamentos e da emissão de gases do efeito estufa.”
Até agora só era possível imaginar os impactos das mudanças climáticas no Brasil por meio das projeções dos modelos
globais. Feitos por instituições dos Estados Unidos ou da Europa, fornecem uma visão panorâmica de grande escala, com
as médias das temperaturas continentais, não muito úteis para
as avaliações de impactos climáticos regionais. Por lidarem com
uma escala bem menor, os modelos regionais indicam, por
exemplo, se pode haver variação no volume de água das bacias
hidrográficas e assim prever problemas no abastecimento de
cidades ou para a navegação. “É como se agora olhássemos o
Brasil com uma lupa”, diz Marengo. Segundo Pedro Leite da
Silva Dias, professor da Universidade de São Paulo (USP), modelos regionais como o do Inpe podem ser bastante úteis para
entender processos climáticos específicos e tentar descobrir
se a brisa marinha continuará chegando à cidade de São Paulo ou se vai mudar a freqüência de tempestades do Paraguai
para o sul do Brasil.
Vulnerabilidade – Os gráficos e os mapas com as projeções
de mudanças climáticas, que saem dos supercomputadores
do CPTEC, indicam uma elevação de 2° a 3° Celsius (C) na
temperatura média anual de quase toda a faixa litorânea e
boa parte do interior do Brasil, enquanto em uma área ao
EDUARDO CESAR
Cidades que desaparecem sob o mar e a Amazônia transformada em deserto não é o que nos espera no futuro imediato. Mas existem, sim, riscos de elevação da temperatura
média anual nas próximas décadas em toda a América do
Sul. Podem até mesmo surgir áreas quase desérticas no interior do Nordeste, de acordo com os cenários sobre o clima
do futuro usando pela primeira vez modelos climáticos regionais, desenvolvidos no Instituto de Pesquisas Espaciais
(Inpe). Desenha-se um Brasil menos tropical e úmido e mais
quente e mais seco.
Essas transformações podem afetar a produção de energia
elétrica, na medida em que a água dos rios e das represas evaporar mais rapidamente, e a saúde humana: doenças como malária e dengue poderiam se propagar mais intensamente sob
um clima mais quente e úmido; já num clima mais quente e
seco as doenças respiratórias é que poderiam se tornar mais comuns. A economia brasileira, em especial a agricultura, pode
ganhar outro perfil. Estimativas anteriores, feitas com base em
modelos globais, já haviam apontado para reduções progressivas nas safras de culturas agrícolas básicas como trigo, milho e café, cujas áreas de plantio tenderiam a deslocar-se para
o sul do país à medida que o calor aumentasse.
Ao mesmo tempo ganha força uma vertente de pesquisa que
alerta para a necessidade de ações preventivas e para a urgência de sementes adaptadas a climas mais quentes como forma de evitar o desabastecimento da população. “Os cenários
climáticos futuros devem ser vistos como matéria-prima para
estudos mais aprofundados sobre os impactos das mudanças
climáticas sobre a biodiversidade, a saúde, a agricultura e a eco-
Afluente seco
do São Francisco:
interior do Nordeste
pode se tornar
ainda mais seco
GUSTAVO ROTH/FOLHA IMAGEM
de eventos climáticos extremos mais
freqüentes, já indicados pelos modelos
globais, embora não com tantos detalhes. Na prática: chuvas mais fortes e
curtas que resultariam em temporais
mais intensos que os de hoje ou, contrariamente, secas mais longas, que poderiam transformar o semi-árido do
interior do Nordeste em uma região
quase árida. Uma média de 16 modelos
globais do Painel Intergovernamental
de Mudanças Climáticas (IPCC), por
sinal, já havia indicado uma redução
de 40% na precipitação da Região Nordeste do Brasil.
Sob as águas: perspectiva
de enchentes mais intensas
nas próximas décadas
norte do Amazonas equivalente ao estado de São Paulo o aquecimento pode
chegar a 6°C. Essas projeções referem-se
ao cenário otimista, que pressupõe o cumprimento integral das metas de redução
de poluição do Protocolo de Kyoto. Nesse caso, tudo seria feito para evitar os danos do aquecimento global.
No outro extremo, o cenário pessimista pressupõe que nada seja feito ou
nada funcione para deter o aquecimento global – e as emissões de gás carbônico, um dos principais agentes do aquecimento global, permaneceriam altas. Sob
essa perspectiva mais sombria, de acordo com as projeções do Inpe, uma larga faixa que abrange as principais capitais do Brasil estaria sujeita a temperaturas médias anuais até 4°C mais altas. A
maior parte do país estaria sujeita a uma
temperatura média anual até 6°C mais
alta e uma pequena faixa de terra ao nor32
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te do Amazonas poderia ir além e apresentar uma elevação de até 8°C em relação ao período de 1961 a 1990, adotado no mundo inteiro como ponto de partida dos modelos climáticos.
A quantidade e distribuição de chuva também devem se modificar, segundo
as projeções do CPTEC/Inpe. Os dois cenários extremos – de baixa e de alta emissão de gás carbônico – sugerem que poderá chover menos tanto na Amazônia
e no Centro-Oeste, prejudicando a sobrevivência da Floresta Amazônica e do Pantanal, que dependem da umidade, quanto na Região Nordeste. No Sul e Sudeste do Brasil e em pelo menos metade da
Argentina a pluviosidade tenderia a aumentar, embora com uma menor contribuição da umidade vinda da Amazônia.
As primeiras projeções de clima futuro no Brasil usando modelos climáticos regionais sugerem a possibilidade
Chuvas atrasadas - De acordo com
esse novo estudo, as chuvas poderiam
se tornar mais raras especialmente no
inverno, quando a Amazônia estaria sujeita a temperaturas médias 4°C mais
altas e o Sudeste, de 2° a 3°C, no cenário otimista. “Essa constatação é preocupante”, diz Marengo, “porque a primavera é o início da estação chuvosa
em todo o Brasil”. Se de fato chover menos na primavera, as chuvas de verão,
que começam no final de outubro no
Sudeste e em dezembro no Norte, poderão atrasar dois a três meses e prejudicar a oferta de alimentos, já que são
exatamente as primeiras águas do final
de ano que marcam a hora de plantar
arroz, feijão, milho, soja e trigo. A estiagem que deixou encalhados barcos no
meio dos leitos dos rios secos e isolou
quase 300 mil pessoas nos estados do
Amazonas e do Pará no ano passado foi
causada justamente por um atraso de
dois meses na chegada das chuvas.
“A seca da Amazônia em 2005 representa um tipo de episódio climático extremo que pode se tornar mais freqüente na segunda metade do século
XXI”, diz Marengo. Um estudo recente
de que ele é um dos autores mostra que
a mais grave seca da Amazônia no último século não deve ter sido causada
pelo aquecimento global ou pelo desmatamento, como a princípio se alardeou, mas provavelmente resultou da
sobreposição de águas e ventos mais
quentes do oceano Atlântico ao norte e
ao sul do equador – um raro fenômeno
climático que ajuda a explicar também
o furacão Katrina no sul dos Estados
Unidos. “Os cenários dos modelos regionais que elaboramos podem estar no
caminho certo, porque indicou a possi-
Menos chuva e mais sol
Os cenários e os possíveis impactos das mudanças
de clima no Brasil na segunda metade do século XXI
REGIÃO NORTE
Cenário otimista (baixas
emissões de poluentes):
Temperatura média anual de 3° a
5°C mais alta, umidade do ar até
15% mais baixa e atraso no início
da estação chuvosa. Mais
incêndios e redução no nível dos
rios e no transporte de umidade
para as regiões Sudeste e Sul.
Cenário pessimista (altas
emissões de poluentes): De 4° a
8°C mais quente, 15% a 20% mais
seco e atraso da estação chuvosa.
REGIÃO NORDESTE
Cenário otimista: Até 3°C mais
quente e 15% mais seco. Redução
no nível de água dos açudes e na
produção agrícola.
Cenário pessimista: De 2° a 4°C
mais quente e até 20% mais seco.
REGIÃO CENTRO-OESTE
Cenário otimista: De 2° a 4°C
mais quente, com impactos sobre
a biodiversidade, a agricultura
e a saúde da população.
Cenário pessimista:
De 3° a 6°C mais quente.
REGIÃO SUDESTE
Cenário otimista: De 2° a 3°C
mais quente. Extremos de chuvas,
de enchentes e de temperaturas
mais intensos, com impactos na
agricultura, na saúde da população
e na geração de energia elétrica.
Cenário pessimista:
De 3° a 6°C mais quente.
Chuvas e enchentes mais fortes.
REGIÃO SUL
Cenário otimista: De 1° a 3°C mais
quente, com extremos de chuva,
enchentes e de temperatura.
Cenário pessimista: De 2° a
4°C mais quente e de 5% a 10%
mais chuvoso, com extremos de
chuva, enchentes e temperaturas
mais intensos.
FONTE: JOSÉ MARENGO - CPTEC/INPE
bilidade de ocorrerem outros fenômenos similares a essa seca, que já aconteceu”, diz o pesquisador do Inpe, que
trabalhou com as equipes de Tércio
Ambrizzi, da USP, e Eneas Salati, da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), em colaboração
com pesquisadores do Hadley Centre,
Inglaterra. “Temos de nos preparar para
essas situações extremas.”
Mas nada deverá mudar da noite para
o dia. De acordo com os cálculos preliminares da equipe do Inpe, a temperatura
média deverá se alterar de modo lento e
gradual até 2030, acompanhando uma
curva suave – mais precisamente, o início
de uma parábola, que representa o acúmulo de gás carbônico na atmosfera e
deve refletir também o ritmo de aquecimento global. Só então é que devem começar as mudanças mais acentuadas, que
devem culminar nesse quadro mais seve-
ro, de secas mais intensas no Norte e Nordeste e chuvas mais fortes no Sudeste e
Sul, por volta de 2070 a 2100.
Até lá, pode-se ter apenas uma noção
dos impactos das mudanças climáticas,
com base nas projeções feitas por meio
de modelos climáticos globais, que oferecem uma visão menos detalhada que
as abordagens regionais – tanto a Argentina quanto o Peru já fizeram seus próprios modelos, apresentados em uma
conferência realizada em 2005 em São
Paulo, ainda que aplicado a áreas menores que o brasileiro. O derretimento das
geleiras dos Andes deve acelerar e reduzir a quantidade de água nas casas dos
moradores das capitais e das cidades
mais altas do Peru e do Chile. Um dos
modelos do IPCC sugere que a Floresta Amazônica possa se tornar uma vegetação mais baixa e menos densa – uma
savana – por volta de 2040. Uma eleva-
ção de meio metro no nível do mar
já bastaria para causar ressacas mais
fortes e agravar a erosão costeira.
“Os holandeses já estão reforçando os diques”, afirma Dias.
Claro: é impossível prever com
exatidão o comportamento da temperatura, da pressão atmosférica, da
umidade,da radiação solar e dos ventos de superfície e de altitude por
meio das equações matemáticas que
integram os modelos climáticos.
Mesmo os cálculos sobre a variação
da temperatura global passam por
ajustes. O terceiro relatório do IPCC,
elaborado a partir de imagens com
uma resolução gráfica de 400 quilômetros quadrados, previa em 2001
que a temperatura média do Brasil
subiria 1,6°C no cenário otimista e
até 5,8°C no pessimista. O próximo
relatório, a ser publicado em 2007,
indica que o aquecimento pode ir de
2°C até 4,5°C, respectivamente, nos
cenários de baixa ou de alta poluição.
Soja, mata e ventos - “Não pode-
mos dizer se a precipitação na região
Amazônica diminuirá 50% ou 80%,
mas com certeza será menor”, diz. Só
que mesmo mudanças sutis podem
ser fatais. Dois estudos publicados
este ano, um no Proceedings of the
National Academy of Sciences (PNAS)
e outro na Earth Interactions, mostraram que as plantações mecanizadas de soja, ao transformarem a floresta em imensas áreas abertas, contribuem para deixar o clima da região mais
quente por ampliar a quantidade de radiação solar absorvida pela terra e reduzir a circulação de água pelo solo e pela
atmosfera. Monitoradas por meio de
imagens de satélite, áreas desmatadas
apresentam uma temperatura 3°C mais
alta que a das florestas próximas. “Além
de o clima se tornar mais quente”, diz Alexandre Oliveira, biólogo da USP, “o ciclo da água pode mudar, tornando o ambiente mais seco e diminuindo a circulação de umidade na atmosfera”. Nesse caso, os ventos da Amazônia que chegam
ao Sul e Sudeste chegarão com menos
umidade, agravando os efeitos da seca sobre o campo e as cidades.
“Agora precisamos aplicar os resultados”, diz Marengo, que contou com financiamentos do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da DiversiPESQUISA FAPESP 130
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Risco no campo:
produção de
café pode cair
mesmo com
sutis elevações
de temperatura
dade Biológica Brasileira (Probio) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), do
Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT) e do Global Opportunity Fund
(GOF) do governo inglês.
Marco Aurélio Machado, do Inpe, começou a aplicar esse modelo regional para
prever o impacto das mudanças climáticas sobre a agricultura brasileira.As conclusões a que está chegando apenas detalham as obtidas por meio dos modelos climáticos planetários. “As perdas serão inevitáveis”, conclui Hilton Silveira
Pinto,diretor-associado do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Pesquisas do Cepagri e da Embrapa
Informática com base nas projeções dos
modelos climáticos globais sugerem que
o Brasil pode perder cerca de 25% da área
com potencial para plantio de cafezais em
Goiás, Minas Gerais e São Paulo, com
perdas estimadas em US$ 500 milhões
por ano, se a temperatura subir 1°C. Três
graus a mais e a área para plantio cairia
para um terço da atual. Seis graus a mais
na temperatura média anual, de acordo
com as mais pessimistas projeções tanto dos modelos globais quanto, agora, dos
regionais, implicam praticamente a extinção dos cafezais das terras paulistas e
dos atuais estados produtores.
O café ganharia então as terras hoje
mais frias do Paraná, de Santa Catarina
e do Rio Grande do Sul, até chegar à Argentina. Por sua vez, as plantações de trigo e de girassol do Sul tenderiam a se tor34
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nar inviáveis à medida que as temperaturas subissem.Nos últimos dois anos a produção de trigo já caiu 50% – em conseqüência o preço da farinha de trigo deve
subir 25% em 2007.
Ovos sem casca - “Nos próximos 15
anos haverá alterações razoáveis no cenário agrícola do país”, afirma Hilton Pinto,
cuja equipe elaborou simulações também
para outras culturas agrícolas: as plantações de arroz sofreriam perdas de 30%
em São Paulo e na Bahia, as de feijão poderiam cair de 21% em São Paulo a 41%
no Nordeste, e as de milho 16% em São
Paulo e 71% no Nordeste apenas com 1°C
a mais na temperatura média anual.
OS PROJETOS
1. Caracterização do clima atual
e definição das alterações
climáticas para o território
brasileiro ao longo do século XXI.
2. Using regional climate change
scenarios for studies on
vulnerability and adaptation
in Brazil and South America.
COORDENADOR
JOSÉ ANTONIO MARENGO ORSINI –
CPTEC/Inpe
INVESTIMENTO
1. R$ 260.000,00 (Ministério
do Meio Ambiente-Probio)
2. R$ 520.000,00
(Global Opportunity Fund)
Os animais também preocupam,
porque igualmente se deixam abater
quando o tempo esquenta: galinhas botam ovos sem casca ou morrem, leitoas
abortam, leitões mais jovens morrem e
as vacas produzem menos leite. Em uma
amostra do que se pretende evitar, em
uma onda de calor em setembro de 2004
a temperatura esteve 4°C acima do habitual durante alguns dias e causou prejuízos estimados em US$ 50 milhões somente no estado de São Paulo.
A perspectiva de tomarmos café da
Argentina pode não ser apenas um desejo de vingança dos argentinos depois de
perderem da seleção brasileira.“Definitivamente”, diz Hilton Pinto,“já está havendo um aumento da temperatura”. Segundo ele, desde 1890 até hoje as temperaturas mínimas subiram 2,7°C e as máximas 1,3°C em São Paulo, estado que gera
35% da receita agrícola nacional.
Outra indicação de que o tempo
pode não estar disposto a esperar: por
quatro anos seguidos, de 2001 a 2004,
a produção de café no sul de Minas Gerais sofreu um baque porque a temperatura máxima passou dos 34°C. O calor mais intenso chegou em outubro
e matou boa parte dos jovens e frágeis
botões florais que dariam origem aos
frutos. “É muito pouco provável que
eventos climáticos como esse sejam devidos apenas à variabilidade climática
natural”, comenta Dias, da USP. “Pode
já ser um tênue sinal de aquecimento
global no Brasil e dos impactos que
possa causar.”
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