Recursos genéticos de hortaliças e plantas medicinais Políticas públicas: financiamento e parcerias interinstitucionais Carlos Eduardo Ferreira de Castro Instituto Agronômico – Campinas, SP, [email protected] As políticas públicas dirigidas a constituição, manutenção e uso de bancos de germoplasma de espécies hortícolas são praticamente inexistentes em nosso país e quando configuradas, atendem apenas de forma tênue e pontual alguns poucos dos imensos desafios que o setor apresenta. Raramente as equipes multidisciplinares institucionais que atuam nesse segmento, estratégico a soberania nacional, tem atendida as suas necessidades através de financiamentos consistentes e contínuos e que supram os objetivos propostos. Como conseqüências imediatas da situação ocorrente, tem-se, sem dúvida o desestímulo dos profissionais capacitados para esse fim e a solução de continuidade de trabalhos/projetos em execução. A médio prazo observa-se a pulverização dos esforços concentrados na ação com perda de recursos financeiros, estes sempre escassos, o indubitável atraso no avanço do conhecimento e suas implicações no universo da ciência e tecnologia e, o mais grave, a incessante erosão dos bancos de germoplasma específicos já constituídos. Urgentemente, há de ser constituída uma força tarefa composta por profissionais das instituições públicas nacionais de pesquisa agropecuária, no sentido de serem estabelecidas consistentes políticas públicas voltadas a organização, implementação e uso de bancos de germoplasma de espécies hortícolas. Deve-se também induzir editais próprios a atividade, através das agências de fomento nacionais, para dotar o país de instrumentos e mecanismos que normatizem, implementem e valorizem as ações voltadas e decorrentes do uso do patrimônio genético ainda existente. Os técnicos que militam no segmento dos recursos genéticos de espécies hortícolas compreendem que: 1. Os recursos fitogenéticos, como componentes da diversidade biológica, constituem o material genético das espécies de plantas com valor econômico atual ou potencial para a produção de alimentos, fibras, medicinais, ornamentais, tinturas, madeiras e outras. 2. No mundo atual, o grande desafio da humanidade é o de utilizar os recursos naturais de forma sustentada, de modo a satisfazer as necessidades das gerações atuais mas assegurando a base para as gerações futuras. Tal utilização sustentada se coloca como o grande paradigma atual no marco de uma série de desafios tais como a necessidade de um crescimento econômico eqüitativo, a conservação do ambiente, a fixação no meio rural e a manutenção dos conhecimentos tradicionais. Dentro destes desafios, a diversidade biológica não só ocupa um lugar central, senão é a base que o sustenta. 3. Ser a principal premissa, que um banco de germoplasma deve se constituir em um instrumento de integração tecnológica buscando incrementar a competitividade das cadeias agroalimentares, preservando a qualidade ambiental dos agroecossistemas e ampliando a inclusão social. Desse modo, o material genético disponível em nossa diversidade biológica e seu melhoramento, são instrumentos imprescindíveis para que a biotecnologia moderna consiga regenerar novas raças, cultivares, e outros para satisfazer as necessidades do país e contribuir para o incremento de sua competitividade bem como para a sustentabilidade ambiental e social. Isto permite propor que devem ser elementos balizadores para o cumprimento de propostas de políticas públicas e editais de financiamento de pesquisa, os seguintes: a) As diversas atividades que devem desenvolver-se em uma correta gestão, manejo e desenvolvimento dos recursos fitogenéticos não apontam aos mesmos como uma mera forma de conservar e potencializar a diversidade biológica, mas como uma busca por aquelas novas espécies que podem servir como base para o desenvolvimento diferenciado do país, ou como um reservatório de genes nas espécies já utilizadas que podem potencializar a obtenção de produtos vegetais dos programas de melhoramento; b) A conservação dos recursos fitogenéticos carece de valor “per si”, se não apontam para uma clara utilização sustentada dos mesmos. O conhecimento da origem, atributos genéticos e produtivos de ditos recursos são a base para o aproveitamento da diversidade genética que eles possuem. O binômio conservação/utilização se constitui assim em um corpo medular do trabalho com recursos fitogenéticos devendo atender a um equilíbrio adequado; c) As instituições de pesquisa, enquanto não são definidos os papéis legais, face às mudanças que vêm ocorrendo nos últimos anos no cenário dos bancos de germoplasma, devem seguir levando a cabo a investigação naquelas áreas nas quais o setor privado não preveja benefícios diretos ou imediatos e, portanto, não investe. No caso dos recursos fitogenéticos, não realizar a pesquisa básica que permita conhecê-los e valorizá-los poderá acarretar no futuro na perda do controle dos recursos que hoje ainda estão nos países; d) Apesar de, sob o ponto de vista produtivo uma tecnologia geralmente levar acoplada cultivares mais produtivos, ou de melhor qualidade, eles são normalmente mais uniformes, e se não são acompanhados de medidas complementares ou alternativas, na maioria dos casos causa erosão genética que deve ser avaliada e quantificada; e) Tem sido constatada uma crescente perda de diversidade – erosão genética pelo avanço da fronteira agrícola, ocupação de novas terras ou mudanças de uso das mesmas, causando sérios problemas ambientais como degradação e compactação dos solos e contaminação dos aqüíferos. Isto tem levado tanto à perda de populações ou espécies silvestres como de raças locais de cultivos nativos e naturalizados, desenvolvidas e mantidas por agricultores. Também mudanças nos sistemas de produção ou a introdução de formas modificadas de cultivos existentes tem causado o abandono de alguns cultivos e a troca de raças locais por materiais melhorados. Desse modo é fundamental o estabelecimento de estratégias integradas de conservação in situ e ex situ para reduzir o impacto dessas práticas; f) Em nosso país não se tem dado uma exploração intensiva para diversas espécies hortícolas, tanto nativas como naturalizadas; g) Apesar das instituições públicas nacionais de pesquisa agropecuária terem feito importantes esforços de coleta de espécies hortícolas pelo país, a existência de infraestruturas incompletas ou inadequadas e a carência de apoio financeiro as atividades em recursos fitogenéticos têm provocado uma deterioração considerável das coleções armazenadas seja tanto por perda de viabilidade das sementes como pela redução do volume de material armazenado e insuficiente multiplicação ou regeneração do mesmo; h) A utilização dos bancos de germoplasma das espécies/gêneros de espécies hortícolas é incompleta e varia conforme a espécie considerada. O baixo nível de utilização de germoplasma disponível é uma conseqüência de vários fatores, entre outros, de problemas relacionados à intercâmbio contínuo de germoplasma entre regiões, falta de documentação e informação adequada e padronizada, insuficiente análise das informações, programas de melhoramento para novos cultivos em início e prémelhoramento para os existentes, insuficiente utilização de novas tecnologias e falta de recursos financeiros; i) As coleções de germoplasma de espécies hortícolas oriundas de diversas fontes são a matéria prima que se requer para os programas de melhoramento genético, de domesticação de novas espécies, assim como para evitar ou diminuir a vulnerabilidade que resulta da utilização de bases genéticas estreitas. Isto implica na necessidade de se dispor de coleções de um amplo espectro de espécies, tanto cultivadas como silvestres, pertencentes ao mesmo acervo genético, já que o advento de tecnologias de genética molecular possibilitam uma manipulação do genoma das espécies até poucos anos atrás insuspeitável; j) A constante necessidade de explorar novas fontes de variabilidade, seja para encontrar características específicas de interesse (como resistência a doenças, pragas ou estresses ambientais) ou para poder avançar ou inovar no processo de melhoramento genético frente às novas exigências do mercado; k) A necessidade de se realizar introduções desde outras regiões ou países, através de intercâmbios e ou mediante coletas realizadas em centros primários ou secundários de diversidade das espécies de interesse, a fim de acessar a fontes de variabilidade genética; l) O número e a diversidade de espécies silvestres do país constituem um patrimônio genético valioso, em grande parte ainda desconhecido e ignorado como fonte de possíveis arranjos produtivos. Os recursos genéticos dessas espécies, pertencentes a diferentes famílias e com usos reais ou potenciais, que vão desde a alimentação até a cosmética, são fonte de variação para o melhoramento genético, a domesticação de novas espécies e a obtenção de novos produtos; m) As espécies silvestres afim das cultivadas, entre as inúmeras espécies hortícolas, merecem uma atenção especial como materiais a serem conservados e incorporados nos programas de melhoramento, sendo necessário desenvolver programas de coleta e estudos biológicos sobre as mesmas que facilitem a sua utilização em programas de prémelhoramento; n) Os agricultores conservam a diversidade genética mantendo as variedades locais tradicionais mediante o uso, conservação e melhoramento do recurso. As variedades locais existentes, dependendo da região, são do centro de diversidade primário (nativas) ou se desenvolveram logo após a sua introdução; o) Espécies de importância local na atualidade, possuem um importante potencial no desenvolvimento de novos produtos, para as quais tem se contado com insuficientes recursos para a investigação de suas possibilidades; p) Na mesma linha, as raças locais representam também uma importante ferramenta potencial nos processos de intercâmbio de germoplasma, já que são materiais introduzidos, em alguns casos, pelos primeiros colonizadores e que tem sido selecionados durante muitas décadas; em outros casos passaram a integrar as comunidades vegetais da região, incrementando a biodiversidade vegetal; q) No caso da coleção biológica de espécies hortícolas já está ocorrendo uma intensa erosão genética, ou seja, a perda da diversidade que inclui tanto a perda de genes individuais como a de combinações particulares de genes; r) A erosão genética que vem ocorrendo na coleção de germoplasma de espécies hortícolas, das instituições públicas nacionais de pesquisa agropecuária, pode ser atribuída a deficiências metodológicas na coleta, conservação, regeneração ou multiplicação de material genético. Também incidem nesta situação as insuficiências na infra-estrutura, bem como a escassez de recursos financeiros para enfrentar diversas etapas inerentes a conservação de germoplasma no médio e longo prazo; s) A introdução de germoplasma tem sido e continuará sendo uma atividade principal na ampliação da variabilidade para muitas das espécies que atualmente são cultivadas no país; t) As principais causas que prejudicam uma maior utilização dos recursos fitogenéticos são a falta de informação sobre o material já existente conservado ex situ bem como o mantido in situ, a ausência de dados de caracterização e avaliação e a falta de documentação; u) Os sistemas de conservação ex situ surgem como uma medida complementar aos mecanismos de conservação in situ, orientados principalmente para resguardar o material genético das espécies de importância para o melhoramento genético, a indústria alimentícia, farmacêutica, madereira, ornamental, entre outras., permitindo a conservação de espécies vulneráveis a processos de erosão genética; v) A necessidade premente da caracterização e avaliação dos acessos, ou seja, na caracterização, a descrição da variação que existe em uma coleção de germoplasma, em termos de características morfológicas e fenológicas de alta herdabilidade, ou seja, características cuja expressão é pouco influenciada pelo ambiente e, na avaliação, a descrição da variação existente em uma coleção para atributos de importância agronômica com alta influencia do ambiente, tais como rendimento. Tem-se em mente que o objetivo da caracterização é a identificação dos acessos, enquanto que o da avaliação é conhecer o valor agronômico dos materiais. A distinção entre as duas atividades é essencialmente de ordem prática; w) A caracterização bioquímica e molecular oferecem uma série de oportunidades, entre elas a de ser uma alternativa para estimar a diversidade genética das coleções, e portanto ajudar a estabelecer critérios para melhorar a representatividade das mesmas. Sem dúvida essa caracterização não necessariamente substitui a realizada para características morfológicas e agronômicas já que os dois tipos de informação tem histórias evolutivas diferentes e podem estar mostrando facetas diferentes da diversidade. Do ponto de vista do melhoramento genético, a informação sobre caracteres morfológicos e agronômicos é insubstituível já que incorporar variantes nestes caracteres é, em muitos casos, o objetivo dos programas. x) A clara compreensão que documentação é um termo que inclui todos os processos necessários para compilar, organizar, analisar e distribuir a informação concernente a conservação, manejo e utilização de uma coleção de recursos genéticos de qualquer espécie. Compreende a obtenção, processamento, análise e disseminação dos dados e informações relacionados com as atividades de: 1. enriquecimento da variabilidade genética disponível (seja ela através de coleta, melhoramento genético ou procedimentos biotecnológicos) 2. conservação in situ 3. conservação ex situ (em câmaras frias, in vitro, coleções de campo, e outras) 4. regeneração ou multiplicação, caracterização (através de descritores morfológicos, moleculares, etc.) 5. avaliação agronômica (com utilização de parâmetros quantitativos); y) A clara compreensão de que o termo informação é o significado que surge do registro, classificação, organização, relação ou interpretação de dados; Isto exposto, sugere-se que possíveis políticas públicas a serem implementadas contemplem um ou mais dos seguintes aspectos: -Apoio ao desenvolvimento de metodologias de valoração dos recursos fitogenéticos; -Incremento da variabilidade genética das espécies e/ou cultivos de interesse atual ou potencial, assegurando a coleta e conservação adequada de variedades locais que são substituídas por cultivares modernos, visando resultados contínuos dos programas de melhoramento genético; -Impulsionamento ao desenvolvimento e a implementação de programas de bioprospecção, que permitam a curto e médio prazos estabelecer programas de domesticação e de obtenção de novos produtos nos setores de hortaliças, flores e plantas ornamentais e de plantas aromáticas e medicinais; -Promoção da utilização da variabilidade disponível nos gêneros/espécies hortícolas, através de uma adequada caracterização e avaliação agronômica, bioquímica e molecular dos recursos, bem como identificação de seu comportamento frente a diversos fatores bióticos e abióticos; -Impulsionamento de programas de pré-melhoramento nos gêneros/espécies hortícolas, que permitam a incorporação de maior diversidade genética nos materiais; -Implementação de técnicas adequadas de conservação para espécies hortícolas utilizando tecnologias de última geração, melhoria na infra-estrutura para conservação e implementação de ações de regeneração e multiplicação; -Impulsionamento da implementação de métodos participativos de melhoramento em espécies hortícolas, conjuntamente com as populações locais, (agricultores familiares e comunidades indígenas, caiçaras e quilombolas) complementando assim a conservação dos materiais na zona rural; -Análise efetiva da informação disponível para cada acesso com o propósito de criação de coleções nucleares; -Fomento de dados para o sistema de informatização institucional facilitando o intercâmbio de informação e o aproveitamento das oportunidades de colaboração nacional e internacional; -Ampliação das equipes multidisciplinares institucionais para aperfeiçoamento de metodologias de caracterização e avaliação; -Identificação de oportunidades de cooperação técnica e financeira adicionais as que possuem as instituições individualmente; -Colaboração em programas de capacitação em recursos fitogenéticos; -Ampliação da cooperação interinstitucional junto as Empresas Estaduais de Pesquisa e Embrapa Recursos Genéticos, a fim de fortalecer as ações orientadas para a conservação e o uso sustentado dos recursos fitogenéticos, o que permitirá dispor de materiais genéticos a médio e a longo prazos.