Entrevista com o professor Armen mamigonian

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EN'l'REVISTA COM 0 PROFESSOR ARMEN MAMIGON:lAN* **
ARMEM MAMIGONIAN - nasceu em 1935, em Sao Paulo. Licenciou-se em Geografia
e Histeria pela Faculdade de Filosofia, Ciencias e Letras da Universidade de Sao Paulo em 1956. Apes cursar especializa~ao em Geografia,
fez estagio em Estrasburgo, Fran~a em 1960-61, onde obteve grau
de
Doutor em 1962.* Trabalhou na Universidade Federal de Santa Catarina,
na UNESP de Presidente Prudente e na Universidade de Sao Paulo, onde
leciona atualmente.
*(Etude geographique de l'industrie a Blumenau-Bresil), sob orienta~ao de
Etienne Juillard).
1. Para tentar situar no tempo, perguntamos inicialmente sobre
sua infancia e vida em familia (nascimento, ana, local de moradia, pais, antecedentes, etc).
Nasci em Sao Paulo, em 1935, de famIlia armenia, sendo rilinha mae de Constantinopla e meu pai de Tiflis (Georgia), cidades que contam ate hoje com colonias armenias nurnerosas e
que la se instalaram ha seculos. Meu pai nao deveria concordar com a revolu~ao sovietica e foi para Constantinopla e de
la veio casado ao Brasil, mas ele morreu quando eu tinha urn
ano. Minha mae se casou com meu padastro, que havia se escapado dos massacres da area armenia existente no interior da
Turquia, onde perdeu mae, irma e irmao e havia imigrado
ao
Brasil, mascateando em Sao Paulo e tinha na epoca loja de cal
~ados em Campo Grande-MS. La fiz primario, ginasio e parte do
colegio. Meu irmao e eu eramos responsaveis pela entrega das
compras nas casas dos fregueses da loja e assim conheciamos a
cidade palma a palmo. Viajavamos de trem para Sao Paulo e nas
cidades do Noroeste (Ara~atuba, Lins, etc) moravam familias
armenias, tambem comerciantes, com as quais tinhamos rela~oes
de amizade.
*Perguntas formuladas pelos professores Arlene M.M. Prates, Maria Dolores
Buss e Odair Gercino da Silva.
**Entrevista originalmente publicada na Revista Geosul n9 3 - Ano II - Primeiro Semestre de 1987.
GEOSUL - n9 12/13 - Ano VI - 29 sem. 1991 e 19 sem 1992.
43
2. Como surgiuseu interesse pela geografia?
Meu padastro assinava "0 Estado de Sao Paulo" e para acompanhar a segunda guerra mundial ele ouvia radio (um aparelho
Zenith, americano), sobretudo 0 reporter Esso
("testemunha
ocular da historia") e tinha pregado na sala de jantar, junto
ao radio, um mapa minucioso da Europa, 0 palco principal dos
conflitos. Este mapa era um deslumbramento, nele descobri que
Portugal.ficava na. Europa, coisa que eu nao podia
entender,
pois se fa lava em Portugal com tanta familiaridade, pejorativamente na maioria das vezes (II Va comer bacalhau"), que para
mim este pais tinha queestar geograficamente proximo do Brasil. Ficava horas vendoo mapa e mais tarde quando
descobri
os atlas geograficos existentes no colegio e na
biblioteca
municipal, gostava de observar e copiar mapas. Consultando os
livros e enciclopediasda biblioteca municipal passei a
me
interessar tambem por historia. Meus professores de geografia
e historia no ginasio e no colegio eram muito bons e ate hoje
nao me .esqueci de suas aulas.
Campo Grande era uma cidadede quarteis do Exercito e de
fazendeiros degado, mas seu comercio era exercido por
imigrantes de varias origens nacionais: sirio-libanesa. japoneses, portugueses, armenios, gregos, alemaes, etc. lsto tambem
relembrava que as diversidades e.conflitos que ocorriam
no
mundo, tambem existiam ali. Nao me esque~o que apos os torpedeamentosdos navios de cabotagem brasileiros, durante a segunda guerra mundial, assisti pela primeira vez a furia
po, pular se. desencadear sobreas casas comerciais de
japoneses
Ie alemaes, que foram saqueadas.
3. Como era 0 ambiente cultural em seu tempo de estudante?
Minha familia se mudou para Sao Paulo em 1951 e foi entao
que, cur sando 0 segundo ana cientifico no c01egio Mackenzie,
descobri por intermedio do professor de portugues, Nilo Scalzo, que existia 0 curso de Geografia e Historia na Faculdade
de Filosofia da USP. Enquanto cursava 0 cientifico
descobri
folhetos de Marx e Engels (Do socialismo utopico ao socialismo cientifico, etc), que me impressionaram e me ajudaram
a
entender os conflitos sociais no Brasil e a guerra fria.
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Relembro com saudades dos anos da Faculdade de
Filosofia.
Conviviamos com colegas e professores de varios cursos (Ciencias Sociais, Filosofia, Letras, Historia Natural, etc), assistlamos as defesas de tese nao so de geografia (Aziz
Ab'
Saber: Geomorfologia do sltio urbano de Sao Paulo), como
de
outras areas (Antonio Candido: Parceiros de Rio Bonito). ~ra­
mos obrigados a ler obras em frances ou
ingles, fazlamos mui-
tas excursoes promovidas pelo Centro de Estudos Capistrano de
Abreu, que ajudei '" fundar CSantos,If:u, B. Horizonte,
etc),
participavamos das assembleias anuais de Associa9ao dos
Geo-
grafos Brasileiros (Ribeirao Preto, etc). Sao Paulo vivia
a
fase aurea do Teatro Brasileiro de Comedia, do Teatro de Arena, dos inlcios do Museu de Arte Moderna e ainda tlnhamos tempo de participar do movimento estudantil, onde conviviam
e
lutavam correntes conservadoras, catolicas, esquerdistas, etc.
na campanha do petr5leo e outras.
4. Como se deu sua vinda para FlorianOpolis?
Quando eu cursava 0 quarto ano, AzizAb'Saber
de me indicar para uma vaga no Departamento de
lembou-se
Geogr~fia
USP, mas fui vetado por Aroldo de Azevedo, que alegou
pollticas. Nos departamentosde Ciencias Sociais e
da
razoes
Ristoria
os professores selecionavam seus auxiliares por merito
inte-
lectuais, convidando recem-formados alternadamente da esquerda e de centro-direita, mas na Geografia os de esquerda
automaticamente excluldos. Naquela epoca (1956) os
dos se .inscreviam quase invariavelmente nos concursos
de ingresso
ao
Paulo,
tambem
que
magisterio
eram
secundario
disputados
de Janeiro.
0 concurso durou
de 1957 (provas de conhecimento,
do
por
eram
licenciaanuais
Estado
de
Sao
formados
no
Rio
todo 0
primeiro semestre
cartografia, aula e erudi-
qao),com uns cern candidatos, organizado por uma banca rigorosa que aprovou apenas 20% dos candidatos, onde consegui
classificaqao. Naquela epoca comecei a cursar a
boa
especializa-
qao na USP, a unica pos-gradua~ao que existia e assim, quando
se abriu uma vaga de geografia humana na antiga FaculdadeCatarinense de Filosofia,fui indicado para ocupa-la por
Dias da Silveira, que havia ajudado a implantar a
em Florianopolis.
45
Joao
Faculdade
5. Sobre a antiga Facu1dade Catarinense de Fi10sofia, como
sua particlpaQao como professor?
foi
A Facu1dade era dirigida pe10 professor Menrique da Silva
Fontes, educador excepciona1, que sabia criar ambiente proplcio de traba1ho. Mesmo com poucos recursose1e apoiava a par~
ticipaQao de professores e~nas assemb1eias anuals
da
ABG (S. Maria - 1958, ViQosa - 1959, Mossoro - 1960), em excursoes didaticas, etc. A Facu1dade contavacom
professores
de alto nlve1, como Agostinho da Silva, Eudoro de Souza, Joio
Evangelista de Andrade Fi1ho e no curso de geografia com
a
presenQa marcante de Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, que
naque1a epoea dirigiaa preparaQao do Atlas Geografico de S.
Catarina, no Departamento Estadua1 de Geografia e Cartografia
(DEGC), fundado por Victor A. Peluso Junior. Minha participaQao nos traba1hos do Atlas e nas pesquisas sobre a eidade de
Brusque, patrocinadas pe1a Sociedade de Amigos de Brusque,dirigida por Ayres Gevaerd, foram desafios muito
estimu1antes
e agradaveis. As assemb1eias de AGB eram ocasiQoes para apresentar e debater as pesquisas que. fazlamos (Uma quadra antigade F10rianopo1is, em ViQosa-MG e industrias em Brusque, em
Mossoro-RN), a1em de partipar da rea1izaQao das pesquisas de
campo (patrimonios rurais em ViQosa e industrias em Mossoro),
dirigidas pe10s maiores geografos brasi1eiros. Na epoca: era
impensave1 urn professor universitario de geografia que
nao
fosse born pesquisador: pesquisa e magisterio eram indisso1uveis, no mode10 desenvo1vido na FFCL da USP.,
6. Por que ao retornar da FranQa, voce vai para Presidente Prudente? Qual a causa de sua salda da Facu1dade de
Fi10sofia
da UFSC?
Fui a FranQa no ana 1etivo 1960-61 com bo1sa do
governo
frances, com a intenQao de me aprimorar em geografia
industrial. Por sorte em Estrasburgo estava Milton Santos, que havia defendido pouco antes bri1hante tese sobre 0 centro
da
cidade de Salvador. E1e me estimu10u a preparar urn doutorado
com 0 professor JUi11ard, que juntamente com Rochetort me deram bons conse1hos. Vo1tei a FranQa em 1962, com
materiais
que 1evantei em B1umenau com a ajuda de adair Gercino da 5i1-
46
va e la redigi e defendi "Estudo geograficodas indiistrias em
Blumenau". Em Florianopolis, com a saIda de varios
professo-
res para outros centros universitarios, Carlos Augusto
por
exemplo foi para Rio Claro, a federaliza~ao que afastou 0 professor Fontes da dire~ao da Faculdade e 0 golpe militar
1964, foi mudando oambiente favoravel que existia
de
anterior-
mente. Os diretores que se·seguiram ao professor Fontes
waldo Cabral e NIlson Paulo) eram ditadores e criavam
(Osmuito!
atritos e desgastes. A ditadura militar provocou forte
arro-
cho salarial apos 1965 e auniversidade negava tempo
inte-
gral aos docentes daFaculdade de Filosofia,
privilegiando
neste regime de trabalho a Faculdade de Engenharia. Neste ambiente fui me atritando e assim minha saIda foi bem vista pe10 status-quo da UFSC, que ia se tornando intolerante
impondo
0
e
ia
conformismo.
7. Como foi sua experiencia de trabalho na Faouldade de
Presi-
te Prudente?
Fui
a Presidente
Prudente~SP com. tempo integral, no momen-
to em que a ditadura impunha 0 ate n9 5. 0 clima polItico
tor~
nou-se mais pesado e os professores de esquerda foram ficando
qUietos e alguns se intimidaram. Julguei que a
oportunidade
era de resistencia polItico-cultural e nao de conformismo,
e
assim ajudei a criar urn cine-clube, que funcionava na cidade,
com bons resultados e que recebeu 0 apoio de Jean-Claude Bernadet. Como
0
oeste de Sao Paulo era diferente do vale
Itajai como forma~ao socio-espacial,
pesquisas sobre
estimulei e
do
realizei
1) a importancia da renda fundi aria na
de cidades da Alta Sorocabana,
no Brasil Central Pecuario,
leiteira em Sao Paulo e 4)
3) Os laticInios e a
0
rede
2) os frigorificos de bovinos
comercio atacadista e de
economia
miilti-
plas filiais no Estado de Sao Paulo, pesquisas que procuravam
levantar algumas especificidades importantes do oeste de
Sao
Paulo. Estes trabalhos foram apresentados nas assembleias
da
AGB em Presidente Prudente - 1972, Belem do Para - 1974, Belo
Horizonte - 1976 e Fortaleza - 1978, resultando alguns em teses de mestrado e doutorado.
47
8. Ppr que retornou para. Florianopolis, mais precisamente
01 Departamento de Geociencias da UFSG?
,para
Em 1975-76 a extrema-direita da USP, que nao conseguia to. r 0 poder, resolveu "criar" a UNESP, que reuniria os insti!
t~tos de ensino superiorestaduais que se dispersavam em Bot catu, Araraquara, Sao Jose dos Campos, president~ prudente,
ilctatuba,MarIlia, Assis, etc. Implantaram uma estrutura unirsitaria extremamente autoritaria (oconselho universitario
oVisorio encarregado de instituir a UNESP nao tinha reprentactaOdocenteJ,'eliminaramcursos,das Faculdades de Filoofia atendendo aos interesses do ensino privado, patrocinaam a invasaopolicial de campus universitarios, ajudando
a
gravar 0 clima politico para atender a op~ao Silvio
Frota,
~ontra a abertura conduzida peloGeneral Geisel. Fiquei
im~ressionado pelo oportunismo de muitos colegas dos cursos nao
~tingidos:
Rio Claro, por exemplo, nao mexeu uma palha para
~mpedir a extin~ao da geografia em Franca. A Faculdade de Fi~osofia de Presidente Prudente participou ativamente' da
re$istencia as arbitrariedades eeu acabei ficando marcado. Coasseitas. de. esquerdasao freqdentemente mesquinhas, mem,ros do PC do B se prestaram as provocactoes que precipitaram
+inha saIda de presidente Prudente e assim retornei a UFSC,
~nde fui bem acolhidopor varios ,colegas.
'0
I
9.
~omo
se deu sua ida para a USP?
Com 0 fim domilagreeconomico brasileiro,
0
recrudecidas lutas populares, 0 enfraquecimento da ditadura militar eo fracas so dageografia quantitativa praticada pelos
geografos do IBGE e de Rio Claro, 0 Departamento de Geografia da USP passou por'uma abertura a esquerda, que levou
ao
aproveitamento de Milton Santos, Armando Correa
da
Silva,
Ariovaldo Umbelino deOliveira, etc. Por outro lado, a
aposentadoria aos 30 anos de efetivo exerclcfooferecida ao magisterio para compensar noesos baixos salarios, permitiu penear em me afastar da UFSC e me candidatar a'umcdncurso
na
USP. 0 tema sorteado para a prova escrita (or<;Janiza~ao do espacto urbano e justi~a social) me favoreceu frente aos outros
candidatos.
~ento
48
10. voce participa ha muito tempo da AGB, tendo inclusive
urn de seus presidentes. 0 que voc& acha da evolu9ao
tem passadoessa entidade?
sido
porque
A AGB ate 1970 caracterizou-se como Uma associa9ao
de
pesquisadores. Aosencontros nacionais compareciam geografos
que apresentavam os resultados das suas pesquisas. Tres
ou
quatro grupos de pesquisa dirigidos por geografos experirnentados faziam trabalhos de campo, nos quais se iniciavam
os
alunos, dando origem a relat6rios preliminares que eram apresentados e debatidos no final dos encontros. Em minha
primeira assembleia da AGB (Ribeirao Preto - 1954), tive oportunidade de acompanhar a sub-equipe dirigida por R. Maack e
Aziz Ad'Saber e presenciar durante tresdias as
pesquisas
ao longo de urn itinerario de uns 150 km~ ao final de
cada
dia de trabalho eles se sentavam e cotejavam dados referentes as distancias, altitudes, rochas encontradas em cada parada, seus mergulhos e dire90es, com os quais desenhavamperfis geologico-geomorfol6gicos. Eu que cursava 0 segundo ana,
passei a en tender como "nasciam" os blocoS
geomorfolo9'icos
que tanto me impressionavam nos livros de Lobeck e outros.
Os encontros da AGB eram mais produtivos e
democraticos
que os cursos de geografia existentes nas universidades
e
realizavam os treinamentos. de pesquisa e os debates que eram
escassos nos cursos. Assisti e depois participei de debates,
freqdentementeduros, estimulan~es e francos que envolveram
Joao Dias da Silveira, Aziz Ab'Saber, Lysia Bernardes, Jose
Ribeiro de Araujo Filho, Roberto Lobato Correa, etc. Com
0
tempo a AGB foi perdendo vitalidade, pois a concilia9ao foi
tomando conta das cupulas e os mandarins da geografia foram
acertanto entre si zonas de influencia e com isto 0
debate
foi sendo desestimulado. rsto ficou perceptIve1 no encontro
de Presidente Prudente (1972), quando os quantitativistas do
Rio de Janeiro e de Rio Claro apresentavam enxurradas
de
comunica90es freqdentemente medIoctes e nao foram enfrentados pelos mandarins da UPS. Alem disto a geografia nao
tinha para 0 desenvolvimento cap1tal~sta selvagem.a utilidade
da engenharia ou da economia,sendo reduzida no regime militar a simples instrumento de propaganda (Revista Brasileira
de Geografia, EPB, etc).
49
Esta crise da AGS coincidiu com uma conjuntura de radicalizaQao do movimento estudantil da geografia e permitiu
um
de
movimento de re~ovaQao da entidade a partir do encontro
Portaleza (1978), mas na assembleia de mudanQa de estatutos
(Sao Paulo -1979) apenas os niicleos de Presidente Prudente e Rio de Janeiro tinham propostas articuladas. A pobreza
politica de algurnascorrentes estudantis lideradas. por geografos "il1iminados" criou na AGB urn cHma de
relativizaQao
absoluta do individuo e sua inserQao forQada a "comunhao coletiva" dos "filhos da Historia", visando apagar diferenQas
deopiniSes a custa da supressao dos "inimigos", a custa da
verdade revelada de urn "ll\llrxismo" de terceira classe. Felizmente a vida naopara e hi todo urn trabalho de reconstru¢ao
cultural em andamento na geografia, que come9a a dar
seus
primeirosfrutos.
Por duas vezesvoce esteve na Fran9a, onde realizou
de pOs-gradua9ao.Como voce ve a geografia francesa?
cursos
A geografia francesa nas decadas de 1930 e 40 pas sou por
importanterenova9ao, decorrente dacrise econOmica mundial,
da segunda guerra mundial e da esquerdizaQao por que passou
a sociedade. Assim, J. Drerch, P. George, J. Tricart e
outros iniciaramum ~sforQo por introduzir a dialetica e
as
ideias de fOrmaQao social na ana,l1se geografica.Oa
historiadores da escola dos"Annales" realizaram tentativas semelhantes, com resultados mais significativQs (M. Bloch, L.
Febvre, etc). Com a recuperaQao economica do pos-guerra,
a
direitizaQao da sociedade, 0 dogmatismo do PCF e a
insuficiencia teorica dos geoqrafos franceses, essas
tentativas
infelizmente teflulram sob 0 clima geral da concilia9ao social-democratica. Neste sentido e ilustrativo 0 recuo
de
P. George entre La ville (1952) e Precis de gegraph1e urbaine
(1961). Com a crise mundial de 1973 e todassuas conseq~en­
cias,·o surgimento das revistas Herodote, Espaces-Temps, etc
reflete a preocupa9ao pelo aprofundamento'das questoes teoricas e a aprox1ma9ao ·da realidade contemporanea, das quais
a geograf1a havia se afastado. Gostaria de lembrar que obras
magnlficas daquela primeira fasede renova9ao, como por exem-
50
plo L'habitat urbain, de J. Tricart, continuam
das entre nos.
descohheci-
a
12. Com relayao
geografia em Santa Catarina, como voce ve seu
desenvolvimento desde a epoca da antiga Faculdade Catarinense de Filosofia ate hoje?
Na antiga Faculdade Catarinense de Filosofia tinhamos
a
combinayao ensino-pesquisa, que fazia parte da tradiyaouniversitaria europeia. 0 pro:fessor Fontes era ele proprio pesquisador na area de filologia e havia publicado anos
antes
livros didaticos de geografia. Esta combinayao, para a geografia, era facilitada pela existencia do DEGC e assim nasceram varias pesquisas realizadas por Carlos Augusto, Tareda, Paulo Lago e por mim, sendo 0 Atlas geografico de Santa
Catarina, publicado em 1960., obra pioneira a nivel nacional
e que serviu de modele a outras iniciativas semelhantes pe10 Brasil e sob varios aspectos mais moderna do qUe.o Atlas
recem publicado pelo Gaplan-SC. Ja assinalei que a saida do
professor Carlos Augusto, a federalizayao e 0 regime
militar causaram serios prejuizos
geografia, que passou a ser
inferiorizada pela falta de apoio, estimulos e recursos,culminando no fechamento do DEGC no desgoverno Konder Reis
e
na introduyao de Estudos Sociais, EPB, OSPB. Assim,
quando
os problemas ecologicos passaram a se agravar (enchentes no
vale do Itajai por exemplo), Santa Catarina estava desprovida de estudos sobre sua realidade geografica, retardando ainda mais a busca de soluyoes.
a
Infelizmente muitos professores introjectaram a inferiorizayao imposta e a perda de autonomia dos
pesquisadores
frente aos burocratas universitarios, aceitando sua
condi9ao de "funcionarios piiblicos" encarregados de dar
"aulinhas" e/ou passando a explorar as possibilidades de "consultorias" e ascensjio a qualquer pre90,. no estilo "levar vantagem em tudo". A obrigatoriedade com que antes os professores
assumiam suas pesquisas quase cessou, a iniciavao cientifica
dos alunos foi negligenciada, as reunioes cientificas (AGB)
foram abandonadas. 0 Departamento passou por urn processo de
provincianiza9ao, vendo com maus olhos, d~sconfianya ou des-
51
lumbramento os pesquisadores dos centrosmais dinSmicos, os
"brilhantes de fora" que vinham ofuscar a "prata da caRa".
Felizmente nemtodos os professores se deixaram abater e
se enquadrar no mode10 burocratico-elitista, procurando manter elevadas responsabilidades intelectuais e sociais. Com a
abertura politicapassaram a tomar iniciativas de se
integrar nas mudan~as em curso, intensificar os contatos
corn
pesquisadores locais, nacionais e estrangeirose assim surgiram, ·.com 0 apoio dos alunos interessados, as Semanas
de
Geografia da UFSC., ocurso de mestrado, a revista
Geosul,
etc, que v&o procurando romper com 0 circulo vicioso do imobilismo derrotista. ! uma luta ardua, mas que 0 Departamento
precisa levar afrente para crescer.
i
l~. Como voci seenquadraria dentro do pensarnento geografico?
Tive chance de ler antes edurante minha gradua~ao na USP
textos polIticos, econ8micos e filosoficos marxistas, muito
escassOs na epoca, que ajudaram a contrabalan~ar os
textos
geograficos do curso, freq6entemente funcionalistas. Apesar
da ma vontade do Departamentotambem liabastant~ P. George,
A. Cholley e J; Tricart, sendo que este ultimo quase
nunca
era citado emgeografia humana. Percebi que todo 0 processo
a ser decifr·ado resultava de situa~oes precedentes soc taf.anaturais-espaciais e neste sentido 0 conceito de combina~oes
geneticas de diferentes complexidades de Cholley foi
muito
util. Tambem foi de grande valia para mim a militancia
na
politica estudantil, muito vinculada aos problemas nacionais
e sociais (petroleo, Vargas, JR, greve, etc).
Quando iniciei minha pesquisa sobre Brusque pude
partir
de conceitos de forma~ao social (pequena produ~ao mercantil)
e de excedente econ8mico (dos camponeses aos comerciantes).
Naome deixei emredar pelas simplifica~oes "marxistas"
vigentes (capitalismo "igual" em todos os lugares e
a-historico, "inexistencia,. de diferen~as culturais e
nacionais,
etc). Assim, nas minhas pesquisas iniciais
e
posteriores
procurei partir de perguntas como: quem eram os ricos e quem
eram os pobres? em que trabalhos e atividades estavam empenhados? como se articulavam com 0 restante da socieqade na-
52
cional e internacional? A
nlvel
de
organizacaO
espacial procurei me basear nos textos de Tricart
(L'habitat
urbain e L'habitat rural), muito estimulantes.
Comparando
aquelas primeiras pesquisas sobre Brusque e Blumenau com outros estudos feitos na mesma regiao, constato com prazer que
consegui apreender importantes especificidades e tendencias
destas areas de origem alema.
Combati 0 empirismo-abstrato quantitativista na geografia
nas assembH;ias de AGB (Presidente prudente, Belem e
Belo
Horizonte), e rendo homenagem a Manoel Correa de Andrade pela luta travada. Desde entao vou procurando apurar as rela¥Bes entre geografia e rnarxismo, sem aceitar a divisao intelectual do trabalno vigente, que segmenta todas as
ciencias e que contribui para a aliena~ao da teoria e da pratica.
14. Em sua ultima viagem a Europa, voce teve oportunidade de conhecer diversos paIses da Europa oriental e Asia. 0 que pode
relatar de interessante desses paIses?
Durante 0 ano de 1984 tive oportunidade de realizar viagens pela Europa ocidental, oriental (Hungria,
Iugoslavia,
URSS) e pela China, passando por Hong-Kong. A primeira
observa¥ao e que em todas estas areas, por mais diferentes que
sejam, 0 passado tem um peso muito maior do que imaginamos.
Nas areas mais camponesas do centro da Fran~a sobrevivempraticas de feiti~aria, no suI da Italia vivem popula9Bes
de
origem grega e albanesa, que rnantem tra~os culturais originais, na Armenia ainda se fazem sacrifIcios de carneiros. ~
como se 0 passado sobrevivesse no presente, em
diferentes
camadas que se superpoem. Assim, urn armenio socialista
vai
igreja catolica gregoriana, que existe ha 1.700 anos,
e
para desejar felicidades a seu filho que esta sendo batizado, promove ao lade da igreja ao sacrifIcio de urn
carneiro
(pratica paga), que sera dividido entre as famIlias amigas.
a
Por outro lado, nossa visao eurocentrica tende a desvalorizar 0 oriente e no interior do ocidente repete 0 mecanismoVma compara~ao entre Italia e Fran~a surprendentemente(Jic!)
favorece
a
Italia, que e um pa.Is de riqulssima tradi~ao cul-
53
tural, onde dezenas de cidades tern monumentos historico-arimportantes, como em Ravena, Siena,
Gemona,
ASBis, etc para nao falar das mais conhecidas. Neste
senti~o a Franya e proporcionalmente pobre, pois e urn pais
de
fojrtebase camponesa, enquantoa Italia e urn pais. de! vida
ur~na muito rica hiseculos. Numa outra comparayaQ a
pobrbza da soctedade europeia na epoca da transiyaofeudalism9-caPitalismo pode ser constatada no fato de estarem
sep ltados numa unica catedral, a de S. Denis,
praticamente
t os osreis franceses, enquanto a riqueza da
civilizayao
c inesa da mesma epoca fica evidenciada pelos riqulssimosmon entos construldos para abrigar os restos mortais de cada
i perador da dinastia Ming, ao norte de pequim.
qu~tetoriicos
,
i Os paIses socialistas estao em diferentes nlveis de organ~zayaoe
de desenvolvimento economico. Iugoslavia e Hungria
supermercados, que naoexistem na URSS e na China. 0 pe~eno comercio, o'artesanato e a manufatura sao
dinfunidos
n~ste ultimo pals., que e basicamente rural, enquanto a URSS
s~ industrializou e se urbanizou fortemente. Em todos
eles
ainfra-estrutura economica e social esta implantada e func~ona. 0 transporte por metros
na URSS aparece ate nas cid_des de urn milhao de habitantes lErivan, Tifhis, etc)
e
cepmeya a ser implantado nas grandes cidades chlnesas,
que
a~ias estao em torno de 6 milhoes de habitantes (Pequim
e
Changai), muito menos do que se divulga no ocidente. Na Chin~ convivem diferentes epocas historicas e tecnicas de trab~lho: biodigestores, manufaturas e industrias nas zonas rurais, enquanto nas cidades coexistem fabricas e transportes
da l~, 2~ e 3~ revoluyoes industriais, ao lade de artesanatos e manufaturas, estes ultimos variadIssimos e ricos.Trens
a vapor convivem com avioes a jat~, sate lites
artificiais,
raioslaser, bicicletas e carrinhos a mao. PouquIssimos automoveis, reservados aos dirigentes, os "grandes legumes" na
expressao popular, enquanto na URSS, Hungria e Iugoslavia 0
uso de automoveis aumenta aceleradamente.
t~
54
Bibli09rafia
MAMIGONIAN, Armen.
"Habitat urbano e rural", capItulo do Atlas
Geografico de Santa Catarina, DEGC, Florianopolis, 1958.
"A industria em Brusque-SC e suas conseqdencias sobre
a vida urbana". Bol. carioca de Ge09rafla, Rio
de
Janeiro,
1960.
"Estudo geografico das industrias de Blumenau".
Rev.
Bras. de Geografla, Rio de Janeiro, 1965.
"Vida regional em Santa Catarina", Orienta~ao,
IG-
USP, Sao Paulo, 1966.
"Notas sobre 0 processo da industria1iza~ao no
Bra-
sil", Boletim do Dep. Geografia da FFCL de Presidente Prudente Prudente, 19~9.
"Tendencias recentes do processo de urbaniza~ao
na
Alta Sorocabana". Anais da AGB, Sao Paulo, 1973 •
•iNotas sobre a industria de eletricidade em Santa Catarina". Boletim do Dep. Geografia da FFCL de Presidente Prudente, 1974.
"0 processo de industrializa~ao de Sao paulo".
Bole-
tim Paulista de Geografia, n9 50, Sao Paulo, 1976.
"Notas sobre os frigorlficos do Brasil Central
cuario".
1976.
Boletim Paulista de Ge09rafia, n9 51,
"Introdu~ao
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Bo1etim do Dep. Geografia da FFCL de Presidente
1979.
Prudente,
"A Geografia urbana brasi1eira". In: SANTOS,
(org.)
PePaulo,
Novos Estudos de Geografia Humana.
Milton
Sao Paulo:Hucitec,
1982.
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