o conceito de estética como afirmação da existência em nietzsche

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O CONCEITO DE ESTÉTICA COMO AFIRMAÇÃO DA
EXISTÊNCIA EM NIETZSCHE
Professor PDE: Geraldo Luiz Cheron1
Professor Orientador IES: Prof. Dr. Cristiano Perius 2
Resumo
Objetivou-se estudar a Filosofia de um jeito diferente. Tomando o conceito de estética
como afirmação da existência, a partir da filosofia de Nietzsche. As ideias foram
trabalhadas de forma prática, transformadas em pintura e arte do grafite. Uma
experiência que possibilitou dialogar sobre a tese da existência justificada como
fenômeno estético. Os estudos tiveram como base uma perspectiva histórico-crítica,
importante na formação de conceitos científicos. A pesquisa se desenvolveu no Colégio
Estadual Pedro II do município de Umuarama e contou com Professores participantes do
Grupo de Trabalho em Rede do Estado do Paraná. Como mobilização, além de Nietzsche,
sugeriu-se leituras e análises de textos de Platão, Leminski, Millôr Fernandes, entre
outros. A sala de aula transformou-se em uma oficina de estudos filosóficos e de
exercício artístico, associando conceito e vida, reflexão e pintura/poesia. Cada aluno
deixou a sua marca, pintando os muros da escola. A pertinência do trabalho consistiu no
fato de que é possível, sim, fazer algo com a filosofia, criar conceitos e obras artísticas, a
partir do contexto concreto e real do estudante envolvido no processo de ensinoaprendizagem.
Palavras-chave: Filosofia. Estética. Nietzsche.
1. Introdução
Este artigo quer mostrar, a partir do referencial teórico de Nietzsche, que é
possível pensar o sentimento estético com estudantes do Ensino Médio, haja vista que
ele é apresentado como o resultado de profundas determinações do ser e do atuar
sobre o mundo. Nesse sentido parte-se da problemática concernente aos fundamentos
da estética apresentados pelo filósofo, onde encontramos o conceito de estética como
1
Licenciado em Filosofia/UPFRGS – Especialista em Filosofia da História e Filosofia da
Ciência, e em Pedagogia Escolar – Professor no Colégio Estadual Pedro II – Núcleo Regional
da Educação de Umuarama – Paraná.
2
Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (1997), mestrado
em Filosofia pela Universidade de São Paulo (2002), doutorado em Filosofia pela Universidade
Federal de São Carlos (2005), estágio de pesquisa na França e pós-doutorado pela
Universidade de São Paulo (2007). Tem experiência nas áreas de Estética e Fenomenologia
Francesa Contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: arte, ontologia,
linguagem e modernismo brasileiro. Professor da UEM.
afirmação da existência a partir de um contexto que utiliza a sensibilidade como
percepção intuitiva criadora.
Teve como propósito conhecer os fundamentos metafísicos da estética
tradicional e identificar suas limitações a partir de um novo pensamento que procura
justificar a existência como fenômeno estético como conceito de afirmação da vida
para criar valores a partir de uma perspectiva autônoma e crítica. Ao interpretar o
mundo pela sensibilidade artística, o ser humano encontra-se na condição de exercer
sua potencialidade emancipadora.
A princípio o trabalho seria desenvolvido com alunos do 3º Ano, turma “A”, pelo
professor PDE, mas a pedido de outros professores de Arte e Filosofia acabou sendo
aplicada a turma “B” e “C do mesmo período. O estudo se estendeu ainda aos
professores inscritos no Grupo de Estudo em Rede (GTR) do Estado do Paraná, sob a
orientação do professor PDE.
2. Uma estética da existência
Comecemos por enunciar a indagação alusiva aos conceitos de estética
e existência. Até que ponto se pode afirmar que, segundo a máxima do filósofo
Nietzsche, um pensador que praticamente defendeu a tese de que o mundo
passa indefinidamente pela alternância da criação e da destruição, da alegria e
do sofrimento, do bem e do mal, pode ser percebido como o resultado de uma
prática em que “a vida é uma verdadeira obra de arte?” (NIETZSCHE, 1995. p.
25), ou que a função da arte e a afirmação da vida sejam interdependentes?
Em sua obra O Nascimento da Tragédia, Nietzsche não tem dúvidas ao
defender que é possível transformar a arte trágica em existência afirmativa da
vida: “só como fenômeno estético podem a existência e o mundo justificaremse eternamente”3.
É este tipo de questão que o leva a descobrir que a arte possui um
caráter impulsivo, instintivo, “pulsional” por meio do qual o ser consegue
encontrar o verdadeiro caminho para a afirmação existencial e superação da
utilização técnica da razão, da reificação e fetichismo do capitalismo, da
indústria da cultura, que historicamente apresenta a arte como mercadoria.
Ora, intencionalidade humana, segundo Nietzsche, não se reduz aos
3
NIETZSCHE. O Nascimento da tragédia. Tradução: Jacó Guinsburg. São Paulo: Companhia
das Letras, 1992. p. 47.
interesses do capital ou racionalidade instrumental 4.
Sobre a mesma questão, o filósofo menciona na obra O Crepúsculo dos
Ídolos uma crítica sobre as expectativas que os filósofos têm em relação à
razão que nega os sentidos. Sua finalidade pode-se dizer, está em indagar se
de fato o intelecto humano seria o único meio para se chegar à verdade e à
felicidade. É neste campo de problemas que a sensibilidade e a percepção
intuitiva seriam capazes de conduzir o homem ao alcance de suas finalidades.
[...] os filósofos dizem o seguinte „Deve haver uma aparência, um
engano, que nos impede de perceber o ser: onde está o enganador? ‟
– „Já o temos‟, gritam felizes, „é a sensualidade! Esses sentidos, já
tão imorais em outro aspecto, enganam-nos acerca do verdadeiro
mundo. Moral: desembaraçar-se dos sentidos, do vir-a-ser, da
5
história, da mentira (...) .
Pensar que somente há um único modo de conduzir a existência pela
racionalidade instrumental é um grande erro, diz Nietzsche. Afinal, sob o
aspecto que analisa, seria a sensibilidade, então, assim como as pulsões, algo
que atrapalha os homens? Que tipo de ideia é essa, diz ele, que supervaloriza
o intelecto, mas que despreza os sentidos? Na lógica do seu pensamento, ele
garante que a razão jamais teria forças suficientes para afirmar a vida6. Procura
orientar suas discussões para o campo da arte que sempre ocupou um papel
central de justificação da existência, descrevendo a estética inspirando-se nos
impulsos Dionísio e Apolo, na vida como auto-superação, na vontade de
potência7. De forma parecida, em Além do bem e do mal, o mundo – e não só a
vida humana – é classificada como vontade de potência8. Sua crítica ao préestabelecido não poupa nem a si mesmo. Conforme Roberto Machado,
estudioso do filósofo, a crítica tem dois sentidos: uma se refere à forma de
4
Ibidem, p. 91, In: Machado. Cf. N, “Dicionário dos principais personagens de Nietzsche”.
NIETZSCHE. F. Crepúsculo dos Ídolos. Tradução: Paulo César de Souza. São Paulo.
Companhia das letras, 2006. p. 25.
6
Também a escola de Frankfurt, especialmente Walter Benjamin, é clara na crítica da
racionalidade instrumental que conduziu o homem a duas grandes guerras e à estetização da
política. Ao contrário de Kant e da tradição moderna, para quem a razão representa nossa
melhor aposta, Walter Benjamin assegura que no final da história não está a “paz perpétua”,
mas a barbárie.
7
“E este segredo a vida me contou. „Vê‟, disse, „eu sou aquilo que sempre tem de superar a si
mesmo‟”. (NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. Tradução de Paulo César de Souza. São
Paulo, Companhia das Letras. 1956. p. 110).
8
“(NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo,
Companhia da Letras. 2005. p. 40).
5
conteúdo; e a outra, ao estilo - à forma de expressão9. O conteúdo, diz, referese ao problema grego, pensamentos de Schopenhauer e Wagner. E é então
que retorna ao pensamento inicial, sobre a “vitória dos gregos em relação ao
pessimismo”, mas de modo diferente do que fez em O Nascimento da
Tragédia. Abandona o seu conteúdo metafísico, mantendo apenas aspectos
fisiológicos, como é o caso do conceito de Dioniso – que não terá o sentido
anterior10. Ao aproximar-se da “estética socrática” e da arte trágica, quanto à
forma e ao conteúdo, examina a questão do niilismo 11classificando o
conhecimento como vontade decadente e o impulso como auto-superação de
forma a resgatar a “pulsão”, o desejo, a vontade, o instinto.
Retira o homem daquela concepção niilista da qual se pregava um
mundo além deste12. Defende a ideia de que a vida passa a ser observada não
mais a partir de uma perspectiva do instinto ascético e do conhecimento puro
que descaracteriza a experiência dos prazeres, mas é percebida por uma via
afirmativa13, reflexo da vontade de potência:
Uma tábua de valores se acha suspensa sobre cada povo. Olha, é a
tábua de suas superações; olha, é a voz de sua vontade de poder, de
sentir a existência nas suas mais possíveis perspectivas14.
9
MACHADO, Roberto. Zaratustra, tragédia nietzschiana. 3ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001.
10
G. Lébrun faz uma análise acerca da mudança do conceito “Dionísio”, que vai da dualidade
metafísica Apolo e Dioniso para a perspectiva de um mundo configurado pela vontade de
potência. Em “Quem era Dioniso”. Cf. LEBRUN, Gérard. A filosofia e sua história. São Paulo:
Cossak e Naify, 2009.
11
Nietzsche, no livro Genealogia da Moral, dirá que o niilismo pode ser representado por três
figuras: o ressentido, a má consciência e o ideal ascético. Esses personagens surgirão graças
à decadência dos instintos. MOURA, Carlos A. R. Nietzsche: civilização e cultura. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
12
Para uma análise minuciosa sobre a vontade de potência como uma pluralidade de forças e
de pulsões veja: MARTON, Scarlett. Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos. 2ª
ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000. p. 41-73.
13
Roberto Machado mostra, em Nietzsche e a Verdade, como o filósofo alemão relacionou
esse tema da verdade com outro tipo de saber (um saber dionisíaco) tanto nas obras da
juventude, como nas obras de maturidade. O comentador mostra como os filósofos sempre
estiveram na esteira do saber verdadeiro e, por isso, todos decadentes. Na primeira parte do
livro, ele relaciona a arte com a verdade, comentando como o saber socrático matou a arte
trágica. Na segunda parte do livro, ele relaciona a verdade com a moral, e para isso do Livro do
Filósofo. Na terceira parte, Roberto Machado apresenta uma ótica da solução dada por
Nietzsche para essa civilização em que tanto epistemologicamente, quanto moralmente, a
verdade domina. Nesse projeto de transvaloração dos valores, os filósofos sempre se
mostraram como aqueles que devem ser superados. O importante notar é que o comentador
faz uma amostra de como o instinto de conhecimento estabelece a moral bem e mal. Ou seja,
essa moral do bem e do mal não passa de uma moral que nega a vida e os prazeres dela, Cf.
MACHADO, Roberto. Nietzsche e a Verdade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rocco. 1985.
14
Idem. Assim falou Zaratustra. 2011. p. 52.
Segundo o próprio pensador, o homem grego, por influência dos sonhos,
produzia a arte plástica divinamente. Grande intérprete nietzschiano, Gilles
Deleuze diz que Apolo é o deus que diviniza o princípio de individuação e que
constrói o sonho e a imagem plástica15. Apolo representa a pulsão encarregada
de conter o impulso do êxtase. É o autor da calmaria, da medida e da
serenidade grega. Por isso é tão importante à influência de uma linha de
pensamento humano que se defronta com o caótico mundo empírico.
É no estado de individuação do homem, ou estado de sua consciência,
que o universo Apolíneo se manifesta como fenômeno. Nada mais é do que
uma separação entre a natureza e a consciência individual do homem 16. Daí os
tantos conflitos existenciais. “Este homem, conformado pelo artista Dionísio
está para a natureza assim como a estátua está para o artista Apolíneo”17, isto
é, a beleza pura, do qual todos os gregos, onde quer que olhassem, só
encontrariam o “sorriso de Helena”18. O artista dionisíaco joga com a
embriaguez sem ser consumido por ela. Esse artista não procura a aparência
pura, muito menos a verdade pura, mas procura o símbolo da verdade
disfarçado pela beleza. Na junção de Apolo e Dionísio nasce uma figura
importante para a justificação da existência, desempenhada pela arte.
Nietzsche entende que não vive no meio de uma civilização artística,
como era o caso do povo grego. Talvez por isso se visse diante de uma utopia
e ousa afirmar uma realidade que não pode ser efetivada 19, uma grande
15
DELEUZE, Gilles. Nietzsche et la philosophie. PUF: Paris, 1962. p. 13.
Rosa Maria Dias esclarece o que seria essa natureza: “Nietzsche, em O Nascimento da
Tragédia, influenciado por Schopenhauer, concebe o mundo, o ser, como natureza, cuja
essência é a vontade e cuja aparência é a representação. Identifica a eterna vida com a
vontade, e a vida contingente, individualizada, com a representação”. DIAS, Rosa Maria.
Nietzsche e a música. Imago. Rio de Janeiro: 1994. p. 38. Assim, a natureza pode ser pensada
correlativamente com a essência do mundo, com o Uno-primordial.
17
Ibidem. Nietzsche e a música. 1994. p. 9.
18
Nas palavras de Nietzsche: “E assim é possível que o observador fique realmente
surpreendido ante essa fantástica exaltação da vida e se pergunte com qual filtro mágico no
corpo puderam tais homens exuberantes desfrutar da vida a ponto de se depararem, para onde
quer que olhem, com o riso de Helena – a imagem ideal, „pairando em doce sensualidade‟, da
própria existência deles”. Idem. O Nascimento da Tragédia. 1992. p. 36. §4.
19
“O artista trágico grego é reconhecido por Nietzsche como a primeira grande tentativa de
superação do pessimismo teórico/dionisíaco. Essa tentativa não resultou, contudo, na
superação definitiva do pessimismo. Ele reconhece também a possibilidade de criar condições
ao advento do artista trágico em sua época, pois ela não é dominada por um povo artístico
(como na Grécia antiga), nem pode criar condições para uma cultura trágica”. ARALDI,
16
frustração característica daquele que vive à frente de um mundo naturalizado e
perpetuado pela interpretação metafísica da verdade. Pensar tais afirmações,
examinando o seu sentido, é a proposta deste trabalho, recorrendo ao conceito
de estética como afirmação da existência com fins na auto-superação da
mesma. Para o Filósofo em questão, é necessária essa superação. A arte
supera a razão na exata medida em que, consciente da impossibilidade de
fundamento absoluto, aceita o não fundamento e afirma o homem e a
existência sem recorrer a uma verdade metafísica.
3. Como trabalhar filosofia e grafite em sala de aula?
Essa talvez seja a grande questão, pois razão e intuição devem ser
vistas como algo humano, complementares e não divergentes. O desafio desta
pesquisa20 não é apresentar um estudo teórico do belo, mas pensar a
existência como um fenômeno estético, a partir do referencial filosófico de
Nietzsche, para quem a arte adquire uma justificação prática.
A questão está em pensar a transformação do homem através da
iniciativa dos próprios alunos, livres de qualquer forma de dogmatismo.
Neste sentido, o presente trabalho representa uma pluralidade
democrática, aspecto marcante da filosofia, preocupada com as questões
fundamentais da existência, investigando, de forma aberta e ampla, a realidade
sensível, com o objetivo de entendê-la através de uma perspectiva filosófica.
Sempre focada nas produções simbólicas, denominadas de ciência e arte,
capaz de mudar não apenas o que se pensa, mas de interferir nos modos
como se criam estas reflexões, pensamentos, ações, pois a filosofia insiste no
diálogo com os problemas cotidianos, procurando compreendê-los e interpretálos a partir dos conceitos estruturantes.
O ganho, se é que se pode dizer, está em apresentar, ainda que de
Clademir L. Niilismo, criação, aniquilamento: Nietzsche e a filosofia dos extremos. São Paulo:
Discurso editorial; Ijuí, RS: Editora UNIJUÍ, 2004. p. 205-206.
20
É importante dizer que a novidade da pesquisa não se encontra em apresentar uma
metodologia revolucionária sobre o ensino da filosofia em sala de aula para alunos do Ensino
Médio, como se era de esperar, segundo uma fórmula mágica ou divina, mas, sim, encontrar
uma possibilidade de se trabalhar de modo mais elucidativo aquilo que as Diretrizes sobre o
Ensino da Filosofia propõem aos professores filósofos do Paraná, em relação a disciplinas
consideradas menos importantes, ou marginais, entre elas, a filosofia.
modo esquemático, um referencial teórico que supere a perpetuação do
homem adaptado aos modos de produção e reprodução de uma sociedade de
massas.
É um caminho que se escolheu e se pensou no sentido de tornar mais
significativas essas discussões em torno do estudo da apreciação estética
filosófica, tendo como mobilização a análise da pintura da arte do grafite,
entendendo que esta manifestação artística representa um fenômeno poético
no sentido grego de “poiesis”21, criação: uma expressão de linguagem
característica da arte que exige tomada de consciência filosófica, dado o seu
teor crítico.
Se o foco de todo conhecimento é o ensino, a humanização, então a
reflexão filosófica, em geral, e a estética, em particular, significam um
importante canal de adequação do trabalho humano ao sentido comunitário
participante, contido na arte.
O material foi composto pela abordagem de uma unidade didática sobre
o tema, com textos clássicos dos filósofos, alguns deles lidos em sala de aula,
outros pesquisados pelos alunos, sempre visando o entendimento de cada
texto e filósofo abordado, articulando-os à pintura da arte do grafite.
Os alunos foram orientados a estudarem e a pesquisarem dentro de
uma visão histórico-crítica do conhecimento ao longo da História. Uma
experiência do conhecimento que, justamente por ser cultural e humana, pode
ser transformada e modificada de acordo com as necessidades de cada
momento e contexto existencial. O conhecimento ensinado não foi apresentado
como algo “depositado”, nem “inventado”, mas construído por meio de uma
relação dialética entre professor e aluno, texto e contexto.
As riquezas das discussões foram surgindo a partir da leitura dos textos
dos filósofos apresentados pelo professor aos alunos em cada momento dos
encontros quando eles eram mobilizados a pesquisar, ler e escrever com a
disposição de colocar no papel as ideias recebidas pelo texto filosófico,
relacioná-las com o contexto vivido e depois construir molduras para pintá-las
nas paredes do refeitório da escola.
21
Segundo Aristóteles, no capítulo 9 de sua “Poética”, a possibilidade é maior do que a
realidade, isto é, a obra de arte não presta conta ao que é, mas ao que pode ser.
Nesse aspecto, é muito importante lembrar que é imprescindível recorrer
à história da Filosofia – como dizem as Leis e Diretrizes de Filosofia –, pois o
estudante que se defronta com o pensamento filosófico adquire diferentes
maneiras de enfrentar um problema e, a partir de soluções que eles mesmos
elaboram, a discussão teórica ganha qualidade prática (DCE, 2008, p. 60). É o
caminho que aponta as Diretrizes:
São inúmeras as possibilidades de atividades conduzidas pelo
professor para instigar e motivar relações entre o cotidiano do
estudante e o conteúdo filosófico a ser desenvolvido. Ao
problematizar, o professor convida o estudante a analisar o problema,
o qual se faz por meio da investigação, que pode ser o primeiro passo
para possibilitar a experiência filosófica. [...] O ensino de Filosofia
deve estar na perspectiva de quem dialoga com a vida, por isso é
importante que, na busca da resolução do problema, haja
preocupação também com uma análise da atualidade, com uma
abordagem que remeta o estudante à sua própria realidade. Dessa
forma, a partir de problemas atuais estudados a partir da História da
Filosofia, do estudo dos textos clássicos e de sua abordagem
contemporânea, o estudante do Ensino Médio pode formular
conceitos e construir seu discurso filosófico. O texto filosófico que
ajudou os pensadores a entender e analisar filosoficamente o
problema em questão será trazido para o presente com o objetivo de
entender o que ocorre hoje e como podemos, a partir da Filosofia,
atuar sobre os problemas de nossa sociedade22.
Toda implementação do projeto aconteceu em parceria com a
comunidade escolar, que disponibilizou aos alunos materiais para a confecção
dos grafites, como telas, papel kraft, plástico, papelão, jornal, carvão, tinta à
base de água e pincéis, spray e vaporizador entre outros solicitados pelos
alunos, bem como laboratórios de informática, biblioteca, livros, recursos
diversos, antologia de textos filosóficos, Livro Didático Público do Estado do
Paraná, acesso ao portal dia a dia educação, explorando recursos disponíveis
neste portal relacionados ao assunto tratado.
Isso contribuiu para a mediação dos conteúdos da Filosofia, que, aliado
às pesquisas sobre o grafite, abriu espaço para criar, mobilizar e problematizar
os conceitos a serem estudados. Os alunos puderam fazer leituras filosóficas,
como o diálogo “anatrépico” de Platão sobre a beleza, a República, leituras das
obras de Nietzsche sobre O Nascimento da Tragédia, percebendo, assim, que
não é possível viver a verdadeira idade pós-metafísica, que é a pós22
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Filosofia para a
Educação Básica. Curitiba: SEED, 2008, p. 60-61.
modernidade, sem a valorização humana, a sensibilidade, a pluralidade, o
respeito ao diferente, sem assimilar as coisas que provocam nossa percepção.
Isso justifica o fato de que o princípio que caracteriza a estética não é o estudo
do belo, da arte, como os estudantes imaginavam, mas uma forma de
experiência que se adquire na vida através da sensibilidade que a própria
atividade filosófica exercita, relança e reinterpreta.
Os alunos perceberam que a subjetividade é uma presença voltada para
o mundo e para as outras pessoas. Quando a comunicação se reduz, então aí
cada um se perde. Toda loucura é insucesso da relação com os outros: alter
torna-se alienus e, por sua vez, estranho para si mesmo, alienado. Tudo isso é
o mesmo que dizer que só existo enquanto existo para os outros e que, no
fundo, “ser significa amar” (Idem, ibidem, p. 735). Por isso a importância de se
estudar Nietzsche, uma vez que ele extrapola todos os paradigmas eternizados
pela cultura racionalista e metafísica.
Através
da
estética
de
Nietzsche,
os alunos
vislumbraram a
possibilidade de manifestar uma forma de arte nada “sobrenatural”, ideológica,
dogmática ou moralizante. Puderam confrontar textos de Platão23 e
Aristóteles24, cujo tema é a racionalidade, com textos de Nietzsche25, cujo tema
é o sentimento, a sensibilidade. Isso foi importante porque colocaram em
dúvida muitos conceitos que tinham arraigados em mente. Assim, ficou fácil
fazer uma leitura do texto de Descartes26 e perceber como a Filosofia sempre
procurou dialogar com os problemas e as questões que, em cada época, os
homens colocam para si mesmos, apontando propostas de enfrentamento a
novas questões, abrindo novos diálogos, apontando novos horizontes.
Os alunos dialogaram com Leminski27, compositor, cantor, poeta e artista
da arte de rua na cidade de Curitiba. Insuperável escritor paranaense,
23
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Antologia de textos Filosóficos. Curitiba:
SEED, 2009, 548-551. (Neste diálogo A República de Platão, o que está em questão é a
natureza do belo, ou a busca da essência do belo por parte de Sócrates. O interlocutor é
Hípias, um famoso sofista da época).
24
Idem. Antologia de textos Filosóficos, Curitiba: SEED, 2009, p. 58-67, – “A superação do
paradigma da academia”, Aristóteles.
25
NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. Ou Helenismo e Pessimismo.
Tradução, J. Guinsburg, 2ª reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 61.
26
Idem. Antologia de textos Filosóficos, Curitiba: SEED, 2009, p. 142-153, “Meditando com
Descartes: da dúvida ao fundamento”.
27
LEMINSKI, Paulo. Poesia Fora da Estante. Volume 1, 1ª edição, Porto Alegre: IEPM, 2003,
p. 29.
simpático do filósofo alemão, que cativou também os alunos em sala de aula,
além de Millôr28 e Basquiat29.
Para esses artistas o grafite é um texto, um fenômeno poético. Uma
poesia marginal. E a rua é daqueles que passam; o verbo é algo que vem do
fundo do ser, como a exemplo de O grito30, de Munch (1863-1944) - que é um
fenômeno poético e público, que representa liberdade num contexto de
aprisionamento social. Para o artista da cidade, a parede é uma página em
branco, uma expressão de vida. Hoje, presentes nos centros urbanos, estes
artistas representam ideias importantes, embora a sociedade ainda tenha muito
preconceito com esse tipo de arte, que os alunos envolvidos sentiram na pele.
Combinamos num domingo irmos ao colégio, juntamente com grafiteiros para
deixar as paredes do refeitório preparadas para serem pintadas no decorrer da
semana, e nos deparamos com uma surpresa: ao chegarmos ao portão da
escola, fomos barrados.
No dia programado para pintar os alunos pareciam ter esquecido as
técnicas aprendidas em sala de aula, semelhantemente a saída da caverna
platônica, saíram da sala de aula com imaginações na cabeça e tintas nas
mãos, baixou uma loucura e cada um quis fazer do seu jeito. Mas não agradou
aos olhares cartesianos da comunidade escolar, nem da direção do colégio,
que questionou aquela arte, fruto da criação espontânea de cada aluno. A
diretora pediu que apagassem e fizessem tudo novamente. Os alunos ficaram
surpresos. Alguns acharam certo, outros não, enfim, todo aquele primeiro
trabalho foi desfeito, as
paredes foram pintadas de branco, alunos e
professores desapontados tiveram que retomar novamente o tema proposto e
seus objetivos. Mais dois meses de tentativas, até que finalmente resolveram
pintar a caverna de Platão, a evolução do mundo, o poder das mídias e das
28
LEMINSKI, Paulo. FERNANDES, Millôr. CAMARGO, Dilan. JOSÉ, Elizas. AYALA, Elias. &
OUTROS. Poesia Fora da Estante. Volume I, 1ª edição, Porto Alegre: IEPM, 2003.
29
A arte de Basquiat, chamada de "primitivismo intelectualizado", uma tendência
neoexpressionista, retrata personagens esqueléticos, rostos apavorados, rostos mascarados,
carros, edifícios, policiais, ícones negros da música e do boxe, cenas da vida urbana, além de
colagens, junto a pinceladas nervosas, rabiscos, escritas indecifráveis, sempre em cores fortes
e em telas grandes. Quase sempre o elemento negro está retratado, em meio ao caos. Há
também uma dessacralização de ícones da história da arte, como a sua Mona Lisa (acrílico e
óleo sobre tela) que é uma figura monstruosa riscada no suporte. Disponível em:
<http://educacao.uol.com.br/biografias/basquiat.jhtm>. Acesso em: 06 nov. 2012.
30
Munch: Disponível em: <http://www.google.com.br/search?q=pinturas+de+munch&hl=ptBR&rlz=1G1LGEL_PT-RBR510&prmd=imvns&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=_AZUKK8LpDg8ASDuoCgBg&ved=0CB8QsAQ&biw=1366&bih=599> Acesso em: 06 nov. 2012.
técnicas segundo o “more geométrico”.
Seguem algumas pinturas realizadas pelos alunos no primeiro momento
do trabalho e que acabaram sendo apagadas:
Pintura/Grafite: Col. Pedro II, Umuarama, Pr.
Fonte: CHERON, 2013
Pintura/Grafite: Col. Pedro II, Umuarama, Pr.
Fonte: CHERON, 2013
Dois meses após a retomada dos trabalhos os alunos voltaram
novamente a pintar, agora com aprovação da Escola:
Criação e evolução
Fonte: CHERON, 2013
Alegoria da caverna
Fonte: CHERON, 2013
O poder das mídias e das técnicas
Fonte: CHERON, 2013
Depoimentos de alunos sobre os trabalhos realizados:
1ª impressão: O que se fez na verdade não pode ser chamado de
grafite, pois mais parecia uma pichação, só que o interessante foi que
todos queriam mostrar o que sabiam fazer, independente se sabia ou
não, pois cada qual teve seu espaço. Embora de uma forma
desorganizada e espontânea, cada imagem desenhada foi símbolo
de que nada na vida é feito sem experiência e prática. 2ª impressão:
Já dessa vez já pude perceber certo avanço na pintura, ou seja, cada
um teve seu espaço só que treinaram e souberam respeitar os
limites, assim aceitando as ideias propostas, para a obra. E a
conclusão é que ficou uma maravilha comparada a obra anterior. Ou
seja, com preparação, disciplina e ética conseguimos alcançar o que
propusemos de uma maneira fácil (JOSÉ).
Bom, no 2º bimestre deste ano, 2013, foi proposto um trabalho sobre
a filosofia da estética, com o tema A pintura e arte do grafite, pelo
professor Geraldo de filosofia, turma A, mas que acabou se
estendendo a turma B, e depois a turma C do professor Tiago de
Filosofia, e a professora Josy da disciplina de arte que também quis
desenvolver a atividade com as três turmas A, B e C, Ensino Médio
do período da manhã. A ideia do projeto seria grafitar um espaço no
Colégio – paredes do refeitório - que foi definido pela direção. Em
equipes tivemos a oportunidade de escolher um tema livre e grafitar
no espaço cedido. No entanto não saiu como havíamos planejado.
Parecia mais uma pichação segundo a visão das pessoas do que
uma obra de arte. Depois de um belo “sermão” para os alunos e
professores responsáveis pelo trabalho, a diretora decidiu pintar
todas as paredes grafitadas e/ou pichadas e nos conceder uma nova
oportunidade com a ajuda da professora Cleir31, artista plástica e dos
professores a frente do trabalho. Buscamos novamente uma
reformulação do tema, retomamos todos os estudos, algo para
grafitar que “marcasse” a história dos terceiros anos da manhã do
ano de 2013. Enfim, com muita dedicação, muita responsabilidade, o
trabalho foi realizado com êxito, ou seja, ficaram como a diretora, os
professores e nós alunos e alunas planejamos: uma exposição para
fazer as pessoas refletirem. Foi uma experiência diferenciada do dia a
dia da escola que valeu muito e que sempre vai ficar nas nossas
lembranças (KAUANA).
Concomitantemente, professores do Estado, participantes dos Grupos
de Estudos em Rede, o GTR, também fizeram suas tentativas em seus
colégios. Muitos descreveram suas práticas e deram sugestões ao professor
PDE que escolheu entre tantas apenas duas de modo ilustrativo com a devida
indicação dos autores.
Fazendo menção ao professor Ademir que apresentou uma excelente
análise e considerações:
Considerações sobre o fundamento teórico: o projeto parte de
uma intencionalidade cuja finalidade é existencial, ou seja, “pensar a
existência como um fenômeno estético” com a finalidade de produzir
a “transformação do homem através do pensamento e da ação, livre
de qualquer forma de dominação”. O ponto de partida para a reflexão
e ação é existencial a fim de dialogar com os problemas do cotidiano
dos estudantes numa tentativa de superar “a perpetuação do homem
adaptado aos modos de produção e reprodução de uma sociedade
de massas”. Como elemento mobilizador do pensar filosófico propõe
“a análise da pintura da arte do grafite”, que é uma linguagem
artística bastante difundida e aceita entre os jovens. Com isto o autor
pretende desenvolver “a possibilidade de compreender a realidade a
partir da sensibilidade estética e da apreensão intuitiva, da
representação criativa do homem, e as formas como elas
determinam as suas relações com a vida, particularmente na
expressividade da pintura e do grafite”. Como fundamento teórico
para esta análise pretende utilizar o referencial teórico de Nietzsche,
especialmente na obra “O Nascimento da Tragédia”. Ao propor esta
forma de abordagem filosófica o autor pretende mudar o foco do
ensino de Filosofia pautado numa visão, cujo centro é a ética
normativa que está tradicionalmente posta na história da educação
31
Cleir Fabre. Possui em sua residência um atelier onde cria, vende seus quadros e ministra
seminários. <http://www.geocities.ws/cleirfabre/artista.htm>. Acesso em: 23/10/2013.
como produção do conhecimento de forma intelectualizada, para
buscar outro centro de convergência que é a sensibilidade artística
na tentativa de buscar outro fundamento ontológico do ser com base
em sua existência estética. Portanto uma mudança do “como o ser
deve ser” para “como o ser realmente é e se percebe” neste mundo,
como pulsão vital. Ao que tudo indica ao fazer este contraponto entre
conhecimento formal intelectualizado e fruição estética decorrente da
sensibilidade artística o autor coloca em evidência outro fundamento
ontológico existencial para o exercício do filosofar com os sujeitos do
ensino médio.
Considerações sobre o encaminhamento metodológico: o projeto
de implementação se concretiza por meio de uma realização efetiva
com os alunos do ensino médio. Para isto o autor propõe duas
estratégias de ação a fim de que estes se apropriem “da experiência
histórico-social” e complementa: “A intenção é que eles auxiliem os
alunos para que possam atuar e transformar o seu contexto cotidiano
como sujeitos emancipados, críticos e criativos”. Para que isto ocorra
o autor propõe basicamente o trabalho com os textos clássicos de
filosofia e a apreciação de “recursos diversos, como telas de grafites,
filmes, documentos, documentários, vídeos”.
Considerações finais: a meu ver o projeto é bastante inovador no
que se refere à construção de uma nova compreensão dos sujeitos
da aprendizagem ao buscar na estética nietzschiana os fundamentos
para uma nova concepção de educação, considerando a pulsão da
sensibilidade estética como ponto de partida para a construção do
conhecimento pelos sujeitos. Esta concepção inverte o tradicional
papel intelectualizado da escola, que sempre visou o
desenvolvimento de uma “racionalidade instrumental” com a
finalidade de submeter os sujeitos moralmente a um conjunto de
convenções éticas estabelecidas pela classe dominante a fim de
domesticar e controlar as classes subalternas. Neste sentido a
inovação do projeto consiste em considerar os alunos como sujeitos
de sua aprendizagem filosófica tomando o grafite como elemento
artístico para que possam pensar e repensar sua realidade cotidiana.
Quanto ao encaminhamento metodológico, ao menos da forma como
está descrito, a meu ver ele não consegue superar a tendência
intelectualizada e formal de ensino, uma vez que remete a leitura de
textos clássicos da Filosofia e a apreciação de obras de arte grafite
como forma de fazer a relação e contextualização dos textos
filosóficos. De modo que o encaminhamento metodológico, ao
menos da forma como está anunciado, acaba por anular e engessar
o referencial teórico submetendo a ação da aprendizagem dos
alunos a um formato tradicional. Faço aqui uma sugestão no sentido
de que o autor possa avançar no encaminhamento metodológico da
implementação do projeto fazendo eco ao referencial teórico
proposto. Minha sugestão é que o projeto seja implementado a partir
da construção de arte grafite pelos alunos, de forma planejada e
organizada, com autorizações legais, etc. Mas que de fato a sala de
aula seja a rua, o muro da escola, da casa dos alunos. Quem sabe
utilizando primeiro a estratégia de compreender o que é o grafite e
seus significados sociológicos, etc. Quem sabe visitando alguns
exemplos pela cidade. O grafite como arte de rua não vem sozinho,
normalmente está associado a um gênero musical. Sugiro a
incorporação deste elemento musical ao projeto, pois isso pode
potencializar ainda mais o trabalho de reflexão. Sugiro que a leitura e
estudo de algum texto clássico sejam realizados somente após este
trabalho, como forma de buscar compreender o que foi produzido.
Como conclusão dessa análise realizada pelo professor Ademir, que
deixou também a sua preciosa contribuição presenteou os integrantes do
grupo, inclusive o professor PDE com uma excelente proposta de se trabalhar
os clássicos da filosofia utilizando mapas conceituais que segundo ele,
Parte da seguinte problemática: em que medida o uso do mapa
conceitual pode ser utilizado como ferramenta pedagógica para a
leitura, análise e compreensão de textos filosóficos no Ensino Médio?
A investigação mostra estratégias e possibilidades do uso do mapa
em sala e os impactos que ocorrem na aprendizagem filosófica dos
estudantes. As cartas e os mapas conceituais produzidos pelos
educandos sobre o tema política - a partir do capítulo XVII d‟O
Príncipe de Maquiavel -, mostram tanto a presença de elementos da
vida cotidiana como apropriações conceituais e reflexões
evidenciando a aprendizagem filosófica32.
O professor DENNIS, que participou do GTR, fez considerações que também
valem a pena serem transcritas:
O Projeto de Intervenção Pedagógica apresentado busca uma mirada
interessante na maneira de pensar o real - através da arte como
fenômeno estético - e de como fazer com que nossos alunos
compreendam este real e o todo de suas relações numa perspectiva
intuitivo-artística concreta, vivificada no cotidiano. Pensar a vida como
uma obra de arte, como professava Nietzsche, parece ser uma forma
de encarar a vida como um constante criativo. A vida com toda sua
tragicidade, longe de ser negada ou exaurida de pensamentos e
sentimentos, devem ser inscritas e assumidas na vontade daquele
que existe. Como um processo de autocriar-se, a vida se desenrola
num palco de relações tensas, conflituosas, confusas, caóticas que e é o que parece que quer dizer Nietzsche - não se deixa revelar
apenas por um processo racional; na verdade, ao tentar racionalizar o
real perde-se a capacidade de vivenciar o mesmo. Ao observar as
referências trabalhadas no Projeto de Intervenção, notei a ausência
de um livro do prof. Julio Cabrera - O Cinema Pensa (Uma Introdução
à Filosofia através dos filmes) - que poderia ajudar a pensar melhor
esta relação da sensibilidade e da arte como compreensão do real.
Diferente do Projeto - que toma a arte do grafite como objeto de
estudo - o livro de Cabrera se envolve com o cinema. Mas o conceito
central do livro - logopatia - talvez se conecte com a problemática do
Projeto. Segundo o prof. Cabrera algumas correntes de pensamento
filosófico teriam problematizado a racionalidade puramente lógica
(logos) com a qual o filósofo encarava habitualmente o mundo, para
fazer intervir também, no processo de compreensão da realidade, um
elemento afetivo (pático). Tais filósofos, entre eles Nietzsche, seriam
filósofos páticos: não se limitou a tematizar o componente afetivo,
mas o incluíram na racionalidade como um elemento essencial de
acesso e conhecimento ao mundo. Nesse sentido, o conceito de
logopatia seria um ótimo instrumento para se ler uma obra de arte,
32
O uso de mapas conceituais para leitura de textos filosóficos em sala de aula no Ensino
Médio: Ademir Aparecido Pinhelli Mendes, sugestão apresentada pelo professor no GTR/2013.
Tema também do seu PDE, inclusive o trabalho foi publicado recentemente na Revista do
NESEF, Filosofia
por exemplo. E, mais precisamente, para compreender o humano e
33
as relações que ele trava no mundo .
Cabe, ainda, ressaltar a importância dada pela mídia local - Rede
Paranaense de Comunicação (RPCTV)34 e Televisão Universitária – UNIPAR
(TVUP)35 - que acompanharam e divulgaram de um modo bastante envolvente
os trabalhos dos alunos grafitando as paredes do refeitório do Colégio, focando
este jeito diferente de ensino e aprendizagem ao se trabalhar filosofia e grafite
em sala de aula no Ensino Médio.
4. Considerações finais
A estética como representação do mundo e da vida está intimamente
ligada à realidade filosófica e às pretensões humanas de dominar, moldar,
reproduzir, completar, alterar e apropriar-se do mundo como realidade
humanizada. É correto afirmar que a arte tem o privilégio de conduzir para além
dos fatos preestabelecidos, bem como do “império da técnica, das máquinas,
da arte como produto comercial, ou do belo como conceito acessível a poucos
para buscar espaços de reflexão, pensamento, representação e contemplação
do mundo” (DCE, 2008, p. 59).
As filosofias que estão atuando em um determinado mundo, tentando
explicá-lo e justificá-lo, até mesmo procurando contestá-lo, são frutos de todas
essas forças que agem na história. O homem é a primeira força que pensa.
Pensar é a função da vida. Mas é impossível pensar a existência, a vida, sem
levar em conta certas influências ou determinações, sem relacioná-las ao seu
contexto, uma vez que “não se trata de opor à história a ausência de sentido
histórico” (Idem, p. 17), mas, sim, de dosá-la. A grande questão que se
e ensino. Desafios epistemológicos da filosofia na escola básica. Curitiba, v.3, n.3, p.1-76,
Jun./Jul./Ago./Set. 2013.
33
Obra citada pelo Professor Dennis, como contribuição e sugestão: CABRERA, Júlio. O
Cinema Pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
34
Disponível em: RPCTV <http://g1.globo.com/pr/parana/paranatv1edicao/videos/t/noroeste/v/alunos-levam-filosofia-aprendida-em-sala-de-aula-paragrafites-nas-paredes-da-escola/2589191/>. Acesso em: out. 2013.
35
Disponível em: TV UP / UP NOTÍCIAS - Arte do Grafite no Colégio Estadual Pedro...
<http://www.youtube.com/watch?v=h10qC9kFHvE>. Acesso em: out. 2013.
desencadeia está em refletir e entender a vida, a existência, não apenas a
partir do ponto de vista da beleza, do belo, num sentido monumental, racional,
metafísico, mas pensá-la criticamente, cotidianamente.
É necessário desmistificar o pensamento corrente nas sociedades
consumistas, midiáticas, reprodutivistas-utilitaristas, que julgam as coisas pela
aparência, e que utilizam a estética, a arte, como sendo apenas um subproduto
da beleza. Porque tudo aquilo que não se encaixa nestes padrões acabam
depreciados, excluídos, inclusive a Filosofia, as produções artísticas, o corpo
humano, a pintura, o grafite, objetos pessoais que se têm em casa, também
acabam considerados inúteis, marginais, insignificantes, perante as ideologias
dominantes que querem o controle social e o consumismo imediato.
A arte, o grafite, neste trabalho, não foi alvo de comércio, mas adquiriu o
peso que marca a liberdade de quem a produziu... Aí está a juventude dos
estudantes, sua pressa, seus desejos, sua criatividade, sua paixão por
entender a vida e tudo o que ela ensina passo a passo, lentamente. Erra quem
julga a minoridade e a ingenuidade dos estudantes. O trabalho filosófico aí
está, para despertar a vocação crítica (Kant), a vontade de potência
(Nietzsche), a intencionalidade operante (Merleau-Ponty). Seja a filosofia o que
for ela é uma semente, e, quando acolhida, estará aí, como o caroço no fruto.
5. Referências
ARALDI, Clademir L. Niilismo, criação, aniquilamento: Nietzsche e a
filosofia dos extremos. São Paulo: Discurso editorial; Ijuí, RS: Editora UNIJUÍ,
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CABRERA, Júlio. O Cinema Pensa: uma introdução à filosofia através dos
filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
CHERON. Geraldo Luiz. Grafite, Fotos. Colégio Pedro II. Umuarama/Pr: 2013.
GASPARIM. Projeto docente-discente, na perspectiva histórico-crítica.
(Anotações de aula, professor PDE), Curso, UEM, PDE/2012: Maringá, Paraná.
LEMINSKI, Paulo. FERNANDES, Millôr. CAMARGO, Dilan. JOSÉ, Elizas.
AYALA, Elias. & OUTROS. Poesia Fora da Estante. Volume I, 1ª edição, Porto
Alegre: IEPM, 2003.
_________ Arte de rua literária. Refere-se a um trecho de uma fala de
Leminski realizada em um dos anfiteatros do Edifício Dom Pedro I, na reitoria
da UFPR, provavelmente no 10° ou 11° andar, onde se localiza o curso de
Letras, no ano de 1985/86, coluna vídeo jornalística no Jornal de Vanguarda
como um de seus dois últimos anos de vida, cerca de um ano após a
publicação de Distraídos Venceremos.
NESEF, Filosofia e ensino. Desafios epistemológicos da filosofia na escola
básica. Curitiba, v.3, n.3, p.1-76, Jun./Jul./Ago./Set. 2013.
NIETZSCHE. Assim falou Zaratustra. Tradução de Paulo César de Souza.
São Paulo, Companhia das Letras. 1956, p. 110.
___________ Crepúsculo dos Ídolos. Tradução: Paulo César de Souza. São
Paulo. Companhia das letras, 2006, p. 25.
__________ O Nascimento da tragédia. Tradução: Jacó Guinsburg. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 47.
__________ Zaratustra, tragédia nietzschiana. 3ª ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001.
MACHADO, Roberto. Nietzsche e a Verdade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rocco.
1985.
_________ DELEUZE. A arte e a filosofia. 2ª edição. Rio de Janeiro: ZAHAR.
2010, p. 87-102.
MARTON, Scarlett. Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos.
2ª ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000. p. 41-73.
PARANÁ. Antologia de textos Filosóficos, Curitiba: SEED, 2009, p. 142-153,
“Meditando com Descartes: da dúvida ao fundamento”.
_________ Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de
Filosofia para a Educação Básica. Curitiba: SEED, 2008, p. 60-61.
PERIUS, Cristiano. Afirmação estética e auto-superação da existência:
uma tentativa de leitura do ensaio de autocrítica de F. Nietzsche pelo viés
das pulsões (ARTIGO).
Sites
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<http://educacao.uol.com.br/biografias/basquiat.jhtm>. Acesso em: 06 nov.
2012.
Cleir Fabre. Possui em sua residência um atelier onde cria, vende seus
quadros e ministra seminários.<http://www.geocities.ws/cleirfabre/artista.htm>.
Acesso em: 23/10/2013.
Lei Federal n°176, já publicada no Diário Oficial da União, garante a
descriminalizarão do grafite desde que a prática tenha o objetivo de valorizar o
patrimônio público e privado, mediante manifestação artística...
<http://jus.com.br/artigos/19221/a-descriminalizacao-do-grafite-lei-no-12-4082011-e-a-tipicidade-conglobante>. Acesso em: 23/10/2013.
Links
Munch: Disponível em:
<http://www.google.com.br/search?q=pinturas+de+munch&hl=ptBR&rlz=1G1LGEL_PTRBR510&prmd=imvns&tbm=isch&tbo=u&source=univ&s
a=X&ei=_A-ZUKK8LpDg8ASDuoCgBg&ved=0CB8QsAQ&biw=1366&bih=599>
Acesso em: 06. nov. 2012.
RPCTV.Disponível em:
<http://g1.globo.com/pr/parana/paranatv1edicao/videos/t/noroeste/v/alunoslevam-filosofia-aprendida-em-sala-de-aula-para-grafites-nas-paredes-daescola/2589191/>. Acesso em: out. 2013.
UPTV/Umuarama. Disponível
em:<http://www.youtube.com/watch?v=h10qC9kFHvE>. Acesso em: out. 2013.
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