perspectiva funcional sobre o discurso docente das cláusulas

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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação
Múltiplos Olhares
05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
PERSPECTIVA FUNCIONAL SOBRE O DISCURSO DOCENTE DAS
CLÁUSULAS ADVERBIAIS FINAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA.
Rodolfo Cardozo ROSA
Profª Drª Ana Cristina Jeager HINTZE (UEM)
Introdução
Muitas pesquisas acadêmicas têm mostrado a dificuldade que os professores
apresentam ao ministrar aulas de língua portuguesa nas escolas. Essa constatação é um fato
notório e amplamente divulgado. Maior ainda é a dificuldade encontrada pelos alunos para
compreender, decorar e aplicar as inúmeras regras gramaticais, que, muitas vezes, esbarram
nas próprias exceções e, raramente, são aplicáveis à língua informal usada pelo falante. A
questão é que, na maioria das vezes, a gramática normativa é interpretada como sendo um
meio absoluto e eficaz para descrever a língua na sua totalidade e complexidade, o que não
ocorre de fato. Somos condicionados, quando analisamos orações, a pensar por meio das
regras já estabelecidas; não refletimos as verdadeiras relações e argumentos presentes nas
diferentes instâncias enunciativas. Barbosa (2007) apresenta um exemplo interessante para
pensarmos a respeito desta áurea de infalibilidade da gramática normativa e tradicional.
Se a gramática tradicional for entendida como a descrição da língua
portuguesa, como ficarão todos os usos não descritos? Todos errados?
Isso seria como se botânicos lançassem um livro com todas as espécies de
vegetais que eles conseguiram catalogar na Amazônia e as pessoas
pensassem que uma espécie não encontrada no livro não pudesse existir
na floresta. (BARBOSA, 2007, p. 41).
Este trabalho pretende estabelecer contrapontos entre o discurso docente por meio
dos materiais didáticos utilizados em escolas maringaenses e a perspectiva funcionalista das
1
cláusulas adverbiais finais, visando propor uma abordagem mais completa e adequada das
referidas cláusulas. Para tanto, tem-se como principal referência no trato das cláusulas
1
Utilizaremos neste artigo a terminologia cláusula em lugar de oração segundo DIK 1989, 1997.
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finais o trabalho Vinculação em cláusulas adverbiais: uma análise de cláusulas finais de
Martelotta, 2001.
Não é nosso objetivo com este artigo evidenciar asseverações de abordagens certas
ou erradas, mas apontar as limitações do trato dessas cláusulas que podem dificultar o
trabalho do professor e a compreensão do aluno.
1. Desenvolvimento
Para a realização deste artigo, foram analisados cinco livros didáticos, três de ensino
fundamental e dois de ensino médio, de colégios públicos maringaenses. Analisou-se a
apresentação das cláusulas adverbiais e, especificamente, as cláusulas finais. Muitos dos
problemas encontrados são recorrentes em quase todas as definições dos materiais
analisados. Apresentaremos a seguir essas definições, apontando, primeiramente, as
inexatidões nas definições das adverbiais.
1.1 Definições nos materiais do ensino fundamental:
A oração subordinada adverbial desempenha a função de adjunto
adverbial: indica uma circunstância em que ocorre a ação do verbo da
oração à qual se liga. (BORGATTO, 2009, p. 106).
Oração subordinada adverbial é aquela que tem valor de advérbio (ou
de locução adverbial) e exerce, em relação ao verbo da oração principal, a
função de adjunto adverbial. (CEREJA e MAGALHÃES, 2009, p. 89).
Orações subordinadas adverbiais são aquelas que exercem a função
sintática de adjunto adverbial, função própria do advérbio, e exprimem
circunstancias de causa, comparação, concessão, condição, conformidade,
finalidade, proporção, tempo. (TERRA, 2009, p. 136)
1.2 Definições nos materiais do ensino médio:
Orações subordinadas adverbiais são aquelas que exercem a função de
adjuntos adverbiais, própria dos advérbios. (ABAURRE, 2008, p. 318).
Orações subordinada adverbial é aquela que tem valor de advérbio (ou
de locução adverbial) e, por isso, exerce em relação ao verbo da oração
principal a função de adjunto adverbial. (CEREJA e MAGALHÃES,
2010, p. 162).
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Podemos constatar que em todos os materiais as cláusulas adverbiais são
relacionadas apenas à ação verbal da 2cláusula núcleo. Essas afirmações dificultam para o
aluno o entendimento das cláusulas adverbiais, pois não consideram as ocorrências em que
o escopo acontece sobre apenas um termo da 3cláusula nuclear ou sobre toda ela,
contrariando, assim, a própria natureza dos advérbios que podem se relacionar a verbos,
adjetivos e aos próprios advérbios. Nas cláusulas finais, a não incidência sobre o verbo se
torna ainda mais evidente devido ao grande número de ocorrências em que o escopo (ou
conjunto de conteúdos afetados por ela) não está sobre o verbo da cláusula núcleo
(principal) e sim sobre apenas um dos termos que a compõem.
Constatou-se também, nesta pesquisa que todos os materiais estabelecem o valor e a
correspondência das cláusulas aos advérbios e às locuções adverbiais. Ora, se tal afirmação
se mantivesse, todos os advérbios, em princípio, poderiam ser desenvolvidos em orações
adverbiais correspondentes. Constata-se, no entanto, que material algum trabalha com
orações modais e locativas o que acarreta um problema para o professor quando
questionado por seus alunos sobre a possível ocorrência de orações para advérbios de lugar
e modo tão recorrentes no período simples.
1.2 Definições para as cláusulas finais nos materiais didáticos.
1) Exprime a finalidade, o resultado que se deseja atingir por meio do que
está expresso na oração principal:
Mahatma Gandhi lutou para que a Índia tivesse liberdade.
Principais conjunções subordinativas finais: a fim de que, para que,
porque (= para que), que. (BORGATTO, 2009, p. 106).
2) Apresentam uma finalidade em relação ao fato expresso na oração
principal:
2
Entende-se aqui, segundo DIK 1989, 1997, cláusulas núcleos como as denominadas orações principais da
gramática normativa.
3
Idem, cláusula núcleo.
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Trabalhei muito para tirar férias no final do ano.
São introduzidas pelas conjunções subordinativas finais: para que, a fim
de que, que. (CEREJA e MAGALHÃES, 2009, p. 89).
3) finais: exprimem finalidade, isto é, o objetivo, o propósito de um fato
expresso na oração principal. (TERRA, 2009, p. 136).
[O “não” é um recurso] [para que o adolescente organize seu
pensamento].
4) As orações subordinadas adverbiais finais são aquelas que exprimem
finalidade, objetivo ou fim daquilo que se declara na oração principal.
Os brasileiros torcem para que a economia permaneça estável.
Tal circunstância vem geralmente introduzida pelas locuções conjuntivas
para que, a fim de que. (ABAURRE, 2008, p. 318).
5) Indicam uma finalidade relativa ao fato expresso na oração principal:
Tentei de tudo para que ele aprendesse a tocar um instrumento musical.
São introduzidas pelas conjunções subordinativas finais: para que, a fim
de que, que. (CEREJA e MAGALHÃES, 2010, p. 162).
Observe que, nos exemplos das definições 3 e 5, não podemos dizer que as orações
principais expressam realmente um fato. No primeiro caso, por exemplo, é evidente que
dizer que o “não” é um recurso expressa uma definição e não um fato, enquanto que no
exemplo 5 temos uma constatação. Um exame mais detalhado do exemplo 3 mostra que
não se trata de uma oração final porque a incidência da oração subordinada está sobre o
substantivo recurso e não sobre o verbo ou toda a oração principal como o sugerido pelo
material. Ele aproxima-se mais de uma oração adjetiva restritiva do que de uma oração
final. Podemos comprovar esta afirmação por meio do seguinte raciocínio: se comutarmos a
oração denominada final pela expressão “recurso que organiza o pensamento do
adolescente” teríamos uma oração adjetiva restritiva. Poderíamos parafrasear a informação
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em “recurso de organização do pensamento do adolescente” (complemento nominal).
Martelota (2001) apresenta e argumenta a respeito de um exemplo similar.
… como você pode dar escola se você não tem dinheiro para construir
uma escola?
Em função do caráter dinâmico dos processos de vinculação, propor uma
classificação para esse uso nos moldes categoriais da gramática
tradicional é praticamente impossível. Bechara (1976, p.163) vê aí uma
cláusula adverbial final reduzida de infinitivo, apesar de a subordinada
estar mais ligada ao nome do que propriamente ao verbo ou à cláusula
como um todo. Para Gorski (1999), que considera que a cláusula se refere
ao nome, trata-se de uma construção relativa, embora não haja pronome
relativo. Nesse trabalho, casos como os do exemplo (16) são tratados
como completivas nominais, já que a estrutura em questão também pode
se referir a nomes abstratos. (MARTELOTTA, 2001, p. 61).
Vejamos agora um exemplo retirado de Abaurre, 2008:
Figura 1 – Português: contexto, interação e sentido. São Paulo: Moderna, 2008. p. 318
Novamente temos o escopo sobre apenas um termo (sacrifício) da cláusula núcleo.
Neste exemplo, temos a ideia da finalidade do sacrifício, concorrendo com as ideias de
especificação do sacrifício, sacrifício da gravata com ponta limpa (adjetivo que restringe o
termo anterior). Acresce à ideia, o fato de o substantivo sacrifício ser de natureza abstrata o
que poderia ensejar uma classificação mais próxima de uma oração completiva nominal.
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1.2.1 O problema das locuções conjuntivas nos materiais.
Constatou-se também que as conjunções são apresentadas de forma simplificada, o
que leva os alunos a crerem que as conjunções são equivalentes. Este fato não ocorre, pois é
necessário o exame do “entorno” da construção, ou seja, o seu cotexto e contexto. As
locuções conjuntivas formadas da palavra ‘fim’ (a fim de que, a fim de) sugerem a ideia de
finalidade. A palavra em questão, segundo Matelotta (2001), remete-nos a uma noção
inicialmente espacial de deslocamento de um ponto de partida a um ponto de chegada e está
associada metaforicamente com a ideia de finalidade, pois se relaciona cognitivamente com
o movimento em direção a um resultado a ser atingido.
Essa mesma noção de movimento espacial está presente no conectivo para. No
entanto, a aproximação metonímico/metafórica estabelecida entre o conectivo para com a
ideia de direção, meta a ser atingida não garante necessariamente a existência de uma
finalidade fazendo que as construções com para tenham uma ideia de finalidade mais tênue
devido a sua multifuncionalidade.
Na origem de para e a está a preposição latina ad, que, segundo Pereira
(1915, p. 557), indicava movimento, proximidade no espaço e atribuição.
A função de atribuição se manifesta basicamente na forma acusativo + ad
(Dixit Thomas ad condiscípulos = Disse Tomé aos condiscípulos), o que
sugere valor espacial. Ainda segundo Pereira (1915, p. 558), a preposição
a, no português, desenvolveu, além dessas três relações fundamentais
(movimento, proximidade no espaço e atribuição), várias outras. Uma
delas é a relação de finalidade. MATELOTTA, 2001, p. 59.
Embora apresentem diversas conjunções subordinativas finais, os livros didáticos se
equivocam igualmente por não apresentarem exemplos com essas conjunções. A conjunção
“que” como subordinativa final, citada em alguns livros didáticos, não aparece em
exemplos. Sua única ocorrência foi em um exercício e, ainda sim, apresentou problemas.
Vejamos o exemplo:
“Fiz-lhe sinal que se calasse”. (Machado de Assis). (CEREJA, 2010.)
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Novamente, a incidência da oração denominada final está sobre um nome
substantivo e não sobre o verbo, o que gera dúvidas quanto à sua classificação. Embora
possamos pensar que se calar seja a finalidade para se fazer um sinal; podemos parafrasear
a construções com as interpretações e classificações:
“Fiz-lhe um sinal de silêncio.” = adjunto adnominal.
“Fiz-lhe sinal que cala.” = adjetiva restritiva.
Outro problema para o entendimento das cláusulas finais são as proposições
encontradas nas definições 5 e 2 que indicam as orações finais como aquelas que “São
introduzidas pelas conjunções subordinativas finais...”. Essa afirmação pode condicionar o
aluno a, sempre que encontrar orações com essas conjunções, classificá-las, sem uma
reflexão sobre seu real valor, em finais.
1.2.2 O problema da valência verbal na exemplificação das amostras dos materiais.
Nos exemplos das definições 1 e 4, temos um problema de 4valência verbal, não
contemplado pelos materiais em foco. Os verbos, como núcleos de predicado, selecionam
um número de argumentos, ou seja, um número de termos que evidenciam a sua
predicação. Os verbos lutar e torcer selecionam, obrigatoriamente, dois 5argumentos: um
agente (alguém capaz de realizar a ação) e um complemento (alguém ou algo que será
afetado). Embora as gramáticas normativas considerem esse segundo termo como acessório
(dispensável), ele não o é, pois se torna obrigatório para que a construção seja inteligível.
Esses fatores nos fazem pensar que os exemplos fornecidos em 1 e 4 estão muito mais
próximos de orações substantivas indiretas que a adverbiais finais.
4
DIK, Sinon. The theory of functional Grammar. Parte I, The structure of clause Dordrecht: Foris, 1989,
1997.
5
Argumentos, segundo a teoria da Valência Verbal (BORBA, 1996) são lugares determinados pelo verbo que
devem ser ocupados, tais como o sujeito e os complementos verbais, considerados pelas gramáticas
normativas, obrigatórios (objeto direto, objeto indireto) ou não (adjuntos adverbiais).
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Um problema percebido que vale a pena ressaltar é que os livros didáticos
apresentam em suas definições as palavras finalidade, objetivo, meta e fim como
sinonímias. Consideremos que nem sempre uma meta acarreta uma finalidade, bem como
um objetivo não implicará sempre uma finalidade.
Considerações finais
Esperamos, por meio deste artigo, ter contribuído para um melhor entendimento das
cláusulas finais, despertando a atenção dos professores para as possíveis falhas dos
materiais didáticos utilizados em sala de aula. Objetivamos também termos sublinhado a
importância do conhecimento de novas pesquisas relacionadas à descrição linguística que
proporcionam novos enfoques interpretativos para antigos fenômenos. Ressaltamos a
utilização da perspectiva funcional para o ensino de língua materna, não como uma
mudança para as nomenclaturas utilizadas, mas como perspectiva que proporciona um olhar
diferenciado sobre a análise linguística.
Referências Bibliográficas
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Abaurre, Maria Bernadete M. Abaurre, Marcela Pantara. – São Paulo: Moderna, 2008.
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1976.
BORBA, Francisco da Silva. Uma gramática de valências para o português, São Paulo:
Ática, 1996.
BORGATTO, Ana Maria Trinconi. Tudo é linguagem: língua portuguesa / Ana Maria
Trinconi Borgatto, Terezinha Costa Hashimoto Bertin, Vera Lúcia de Carvalho Marchezi. –
2. ed. – São Paulo: Ática, 2009.
CEREJA, William Roberto. Português linguagens: volume 3 / William Roberto Cereja,
Thereza Cuchar Magalhães. – 7. ed. reform. – São Paulo: Saraiva, 2010.
CEREJA, William Roberto. Português linguagens: 9 ano / William Roberto Cereja,
Thereza Cuchar Magalhães. – 5. ed. reform. – São Paulo: Atual, 2009.
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