TESTE DE CAMINHADA DE SEIS MINUTOS E TESTES VENTILATÓRIOS EM PORTADOR DE MIOCARDIOPATIA DILATADA POR COCAÍNA Tiago José Nardi Gomes1, Gabriela de Moraes Costa2, Daniel Luiz Zanchet3, Patricia de Moraes Costa3 1 Fisioterapeuta, aluno Pós-Graduação - Mestrado do Instituto de Cardiologia-Fundação Universitária de Cardiologia – ICFUC – RS 2 Médica Residente em Psiquiatria - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA – RS 3 Médico Residente Clínica Médica e Professora Adjunta Clínica Médica - Universidade Federal de Santa Maria – UFSM – RS Resumo: A fisioterapia desempenha importante papel na implementação de programas de reabilitação cardiopulmonar e metabólica, utilizando testes simples e de baixo custo na avaliação funcional dos pacientes, como o teste de caminhada de seis minutos (T6’) e testes ventilatórios. Relatamos o caso de um paciente portador de miocardiopatia dilatada por uso crônico de cocaína com quadro de descompensação aguda e internação hospitalar. Durante a internação o paciente realizou exercícios respiratórios e ativos globais e foi avaliado funcionalmente. O T6’ e os testes respiratórios demonstraram um desempenho abaixo do esperado para idade e dados antropométricos, porém o paciente apresentou uma grande melhora com o tratamento fisioterapêutico associado ao tratamento clínico, sendo recomendado para programa de reabilitação. A avaliação funcional realizada pelo fisioterapeuta constitui-se num dos pilares fundamentais do planejamento da reabilitação de portadores de cardiopatias, podendo auxiliar na escolha da melhor opção de tratamento. Palavras Chave: teste de caminhada de seis minutos, reabilitação cardiovascular, dependência química Abstract: Physiotherapy plays an important role in the implementation of cardiopulmonary and metabolic rehabilitation programs using simple and low cost tests in the functional assessment of patients, as the six-minute walk test (T6) and ventilatory tests. We report a patient with dilated cardiomyopathy by chronic cocaine use with a picture of acute decompensation and hospitalization. During hospitalization the patient performed breathing exercises and global assets and was assessed functionally. The T6 and breath tests showed a performance below that expected for age and anthropometric data, but the patient presented a great improvement with physiotherapy associated with clinical treatment and is recommended for the rehabilitation program. The functional evaluation performed by the physiotherapist is in one of the cornerstones of the planning of rehabilitation of patients with heart diseases and can assist in choosing the best treatment. Keywords: six-minute walk test, cardiovascular rehabilitation, quimical dependence uma vez e 1,5 a 5 milhões fazem uso regular em estimativas desde a década de 90.[1-5] No Brasil, INTRODUÇÃO o I Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de O uso de cocaína está associado a diversas Drogas Psicotrópicas, envolvendo as 107 maiores doenças cardiovasculares, como: aterosclerose cidades do país, descreve a prevalência anual de acelerada, cardiopatia isquêmica, miocardite, consumo de cocaína na população entre 12 e 65 arritmias, aorta, anos em 2001 atingindo 0,4%; no II Levantamento endocardite, miocardiopatia dilatada e hipertrófica Domiciliar Sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas e morte súbita.[1-4] em 2005, a prevalência aumentou para 0,7%, hipertensão, dissecção de Entre a população americana estima-se que 25 a 30 milhões usaram cocaína pelo menos sendo que nas regiões sul e sudeste as cifras chegaram a 3,1% e 3,7%, respectivamente.[6] Com relação à fisiopatologia dos efeitos METODOLOGIA agudos e crônicos da cocaína no sistema Estudo descritivo do tipo relato de caso. cardiovascular, apesar dos mecanismos não Foi aplicado termo de consentimento livre e estarem totalmente elucidados, há evidências de esclarecido com a anuência do paciente. vasoespasmo coronariano, aumento de agregação das plaquetas, aumento do trabalho cardíaco e Paciente masculino, 34 anos, branco, casado, ação tóxica direta no miocárdio e coronárias.[7] Estudos com Relato do caso microneurografia natural e procedente de Porto Alegre, taxista. Foi demonstraram que a cocaína estimula o fluxo admitido simpático Cardiologia central e aumenta a frequência na emergência – Fundação do Instituto de Universitária de de Cardiologia – RS em 29 de dezembro de 2009, usuários crônicos apresentam aumento do índice com queixa de dispnéia em repouso e dor torácica. de massa do ventrículo esquerdo e da espessura da O quadro vinha se agravando nos últimos 2 parede, sugerindo que a hipertrofia do ventrículo meses, com dispnéia progressiva. Na chegada o esquerdo possa ser um substrato para a isquemia paciente encontrava-se com insuficiência cardíaca miocárdica e/ou arritmias.[2] classe IV segundo a New York Heart Association cardíaca.[8] Avaliações Grande ecocardiográficas parte dos pacientes que (NYHA). Internação prévia 2005 descompensada por desenvolvem complicações cardiovasculares pelo insuficiência uso crônico de cocaína, como coronariopatias e diagnóstico de miocardiopatia dilatada secundária insuficiência cardíaca, tem indicação de avaliação ao uso crônico de cocaína. Histórico de asma leve funcional ampla e planejamento de reabilitação intermitente na infância. Sem relato de tabagismo cardíaca. A Sociedade Brasileira de Cardiologia ou história familiar de doença arterial coronariana salienta que o custo-efetividade da reabilitação precoce. Uso prévio esporádico de álcool, em cardiopulmonar e metabólica na insuficiência abstinência há 5 anos. Relato de uso semanal de cardíaca é maior que nas coronariopatias, sendo cocaína inalada em 2002 e 2003 e negava uso de que a meta principal encontra-se na melhora da drogas injetáveis. capacidade funcional, inclusive podendo retardar Eletrocardiograma de repouso: ritmo sinusal, ou até mesmo evitar a necessidade de transplante bloqueio completo de ramo esquerdo. cardíaco nos casos mais graves.[9] Sorologia para Doença de Chagas não reagente. O presente trabalho objetiva relatar o caso cardíaca em com Enzimas cardíacas normais à admissão. de um paciente portador de miocardiopatia Ecocardiografia na internação prévia em 2005: dilatada secundária ao uso crônico de cocaína que fração de ejeção: 23%,hipocinesia de VE, necessitou internação hospitalar por quadro de disfunção sistólica, regurgitação moderada mitral insuficiência cardíaca descompensada, discutir a e tricúspide e aórtica leve. avaliação no Ecocardiografia em 2010: fração de ejeção: 33%, planejamento da reabilitação cardiovascular, bem hipocinesia de VE, disfunção diastólica restritiva, como tempo de ejeção curto, válvulas sem regurgitação. funcional o papel e do seu impacto fisioterapeuta no acompanhamento e planejamento da reabilitação. A equipe médica instituiu a otimização do Dispnéia de Borg Modificada: 0; durante o teste o a paciente percorreu a distância de 80 metros e o compensação do quadro agudo; durante o período teste foi interrompido no quinto minuto devido a de dos dispnéia intensa (Borg 6); ao final do teste a medicamentos: inibidor da enzima conversora da frequência cardíaca era 100 bpm e a pressão angiotensina, furosemida, arterial 100/70 mmHg. Manovacuometria: PIMax: - tratamento 40 cm H2O, PEMax: + 60 cm H2O. Peak flow (pico tratamento clínico internação digoxina, o medicamentoso paciente fez femprocumona, espironolactona; o com uso fisioterapêutico foi indicado para avaliação e máximo): 200 ml. acompanhamento, no intuito de melhora da classe Paciente encontrava-se com insuficiência cardíaca funcional e da qualidade de vida do paciente e classe III da NYHA. para programar a reabilitação cardiopulmonar. O Segunda avaliação em 9 de março de paciente recebeu atendimentos fisioterapêuticos 2010: duas vezes ao dia, onde foram realizados T6´: parâmetros em repouso: frequência cardíaca: exercícios respiratórios (padrões ventilatórios 70 bpm, pressão arterial: 110/80 mmHg e Borg: 0; expansivos associados à freno-labial expiratório e durante o teste a distância percorrida foi de 150 resistência expiratória em selo d’água), exercícios metros e o Borg final de 4 (dispnéia pouco ativos globais (membros superiores e inferiores) intensa), com frequência cardíaca de 103 bpm e não utilizando resistência (pesos), caminhadas pressão arterial 110/70 mmHg. Manovacuometria: leves de 5 a 10 minutos, incluindo repouso PIMax: - 51 cm H2O, PEMax: + 100 cm H2O. Peak quando flow: 250 ml. necessário. apresentado Após compensação o da paciente ter insuficiência cardíaca obtendo alta da unidade de tratamento Paciente encontrava-se com insuficiência cardíaca classe II-III da NYHA. intensivo para a unidade de internação em leitos hospitalares, foi realizada avaliação funcional, DISCUSSÃO sendo que o acompanhamento fisioterapêutico O T6´ foi padronizado pelas Diretrizes da diário continuou a ser realizado até o momento da American Thoracic Society, tendo sua mais forte alta hospitalar. indicação na avaliação da resposta às intervenções clínicas em pacientes com doenças cardíacas ou Avaliação funcional Teste de Caminhada de Seis Minutos (T6´): foi realizado em local plano, com distância pulmonares moderadas a severas e também na avaliação do status funcional e como preditor de morbidade e mortalidade.[10] livre de 30 metros, com vestimenta adequada, American Heart Association ressalta o sendo realizadas duas avaliações em semanas T6´ com as mesmas indicações, apontando como diferentes. vantagens a sua simplicidade, segurança, baixo Primeira avaliação em 3 de março de custo e aplicabilidade nas atividades de vida 2010: diária. Destaca que alguns estudos sugerem que T6´: parâmetros em repouso: frequência cardíaca: valores acima ou iguais a 300 metros para a 75 bpm, pressão arterial: 100/70 mmHg, Escala de distância percorrida no T6´ indicam um bom prognóstico em pacientes com insuficiência CONCLUSÃO Com o crescente aumento no uso de cardíaca.[11] O paciente estudado apresentou um fraco cocaína e derivados observado nas últimas desempenho no T6´(80 metros na primeira décadas, teremos um expressivo número de avaliação), embora tenha apresentado grande portadores de miocardiopatias crônicas, elevando melhora na avaliação subseqüente (150 metros), os custos na área da saúde e piorando a qualidade após a otimização do tratamento clínico e de vida desses indivíduos. A fisioterapia desempenha um importante fisioterapêutico. Estudo australiano publicado em 2005 papel na melhora funcional e reabilitação dos avaliou a distância média percorrida no T6´ por portadores homens e mulheres saudáveis, com idades entre devendo atuar tanto preventivamente quanto na 55 e 75 anos, encontrando média de 659 ± 62 reabilitação cardiovascular desses pacientes e metros percorridos, sendo auxiliando na escolha do melhor tratamento a que os homens caminharam cerca de 59 ± 13 metros a mais que de patologias cardiovasculares, longo prazo. as mulheres.[12] Outro estudo, de Kervio e colaboradores, envolvendo pessoas saudáveis REFERÊNCIAS entre 60 e 70 anos, encontrou como distância média percorrida no T6´ 570,1± 22,7 metros.[13] Estudo com idosos brasileiros saudáveis desenvolvido por Barata et al aplicou diferentes escalas para cálculos de valores de referência para a distância caminhada no T6´, descrevendo melhor correlação para idosos utilizando a equação de Enright et al, que prevê valores menores do que as equações de Enright & Sherrill e Troosters et al.[14] No caso relatado, as distâncias previstas pelas principais equações eram 639 metros (Enright & Sherrill) e 682 metros (Troosters et al) Com relação à avaliação ventilatória, o paciente também obteve valores abaixo do esperado, porém apresentou melhora nos parâmetros na avaliação seguinte. Para o Peak flow esperava-se 594 ml, para PIMax: -107 cm H2O e PEMax 149 cm H2O.[15] 1. Kloner R A, Hale S, Alker K, Rezkalla S. The effects of acute and chronic cocaine use on heart. Circulation 1992; 85(2): 407-419. 2. Brickner ME, Willard JE, Eichhorn EJ, Black J, Grayburn PA. Left Ventricular hypertrophy cocaine associated abuse. with Circulation chronic 1991;84: 1130-1135. 3. Kloner RA, Rezkalla SH. Cocaine and the heart. New Engl. J. Med. 2003;348(6): 487-488. 4. Lange RA, Hillis LD. Cardiovascular complications of cocaine use. New Engl. J. Med. 2001;345(5): 351-358. 5. Nallamothu BK, Saint S, Kolias TJ, Eagle KA. Of nicks and time. New Engl. J. Med. 2001;345(5): 359-363. 6. Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID, Internet site address: http://cebrid.epm.br acessado 14. Barata VF, Gastaldi AC, Mayer AF, Soluguren MJJ. Avaliação das equações em 13/03/2010. 7. Gazoni FM, Truffa AAM, Kawamura C, de referência para predição da distância Guimarães HP, Lopes RD, Sandre LV, percorrida no teste de caminhada de seis Lopes minutos em idosos saudáveis brasileiros. AC. Complicações cardiovasculares em usuário de cocaína. Relato de caso. Rev. Bras. Med. Int. W, 15. Torres DFM. Fisioterapia-Guia prático para a clínica. Cap. 10 e 11. Guanabara, 2006;18(4): 427-432. 8. Vongpatanasin Rev. Bras. Fisioter. 2005;9(2): 165-171. Mansour Y, 2006. Chavoshan B, Arbique D, Victor RG. e-mail: Cocaine [email protected] stimulates cardiovascular system mechanism of the human via a central action. Circulation 1999;100: 497-502. 9. Carvalho T, Cortez AA, Ferraz A, et al. Diretriz de Reabilitação Cardiopulmonar e Metabólica: Aspectos Práticos e Responsabilidades. Arq. Bras. Cardiol. 2006;86(1): 74-82. 10. American Thoracic Society Statement: Guidelines for the six-minute walk test. Am. J. Respir. Crit. Care Med. 2002;166: 111-117. 11. Arena R, Myers J, Willians MA, Gulati M, Kligfield P, Balady GJ, et al. Assesment of functional capacity in clinical and research settings. Circulation 2007; 1: 15- 116. 12. Camarri B, Eastwood PR, Cecins NM, Thompson PJ, Jenkins S. Six minute walk distance in healthy subjects aged 55-75 years. Respiratory medicine 2005; 658: 665- 100. 13. Kervio G, Carre F, Ville NS. Reliability and intensity of the six-minute walk test in healthy elderly subjects. Official Journal of the Americam College of Sports Medicine 2003; 179: 174 -35.