Atendimento educacional específico A educação profissional: interfaces com a educação especial Eliane de Sousa Nascimento SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros NASCIMENTO, SE. A educação professional: interfaces com a educação especial. In: DÍAZ, F., et al., orgs. Educação inclusiva, deficiência e contexto social: questões contemporâneas [online]. Salvador: EDUFBA, 2009, pp. 289-301. ISBN: 978-85-232-0928-5. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: interfaces com a educação especial Eliane de Sousa Nascimento INTRODUÇÃO A educação profissional é um processo de educação continuada que se prolonga durante toda a vida do trabalhador-cidadão e, no caso específico da educação de pessoas com deficiência, tem como objetivo favorecer a inclusão no mercado de trabalho, levando o sujeito à capacitação profissional e a compreensão das relações sociais no trabalho. Sendo assim, o sistema educacional deve dispor dos meios necessários para responder às necessidades específicas dos alunos com deficiência, ou com necessidades educacionais especiais. Portanto, todos os que estão envolvidos com a aprendizagem desses educandos precisam refletir sobre o seu papel e, aperfeiçoar as condições oferecidas, para que esses alunos tenham um bom desempenho acadêmico com aprendizagens significativas e contextualizadas com suas necessidades e interesses. O atendimento de estudantes com deficiência necessita de intervenções pedagógicas que usem metodologias e práticas de ensino adequadas às especificidades e peculiaridades de cada educando, além de possibilitar a promoção, a autonomia, a emancipação, a interação e a convivência entre os membros de um grupo bem como o desenvolvimento da emoção e afetividade. Esses procedimentos precisam estar de acordo com as necessidades de cada sujeito, respeitando o ritmo emocional e cognitivo de forma individualizada, quando possível. 289 Portanto, o paradigma da inclusão envolve uma série de mudanças na instituição escolar para um ensino significativo e de qualidade, mas neste trabalho faremos algumas reflexões sobre a relação entre a educação profissional e a educação especial. Procuramos saber: quais as questões e os desafios na educação profissional de pessoas com deficiência. Os objetivos que nortearam o estudo em questão foram: analisar a legislação brasileira e sua relação com a educação profissional, e refletir sobre a educação profissional interfaces com a educação especial. Como metodologia adotou-se a abordagem qualitativa, com pesquisa bibliográfica voltada para a área em questão visando à análise e reflexão das informações encontradas. Este estudo se justifica pela necessidade de fazermos algumas reflexões sobre a educação profissional para educandos com deficiência, e também para contribuir e auxiliar com o processo de ensino-aprendizagem dessa população. Segundo Carlos (2004, p. 83), existe no ordenamento jurídico diversas normas editadas com a intenção de conceituar a pessoa com deficiência. A Organização das Nações Unidas (ONU), que elaborou a Declaração Universal dos Direitos dos Deficientes, conceitua do seguinte modo, O termo pessoas deficientes refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas e mentais. (CARLOS, 2004, p. 83). Usaremos as expressões portadoras de deficiência, e pessoas deficientes, quando constarem em documentos legais. Adotaremos neste estudo o termo, alunos com necessidades educacionais especiais, educandos e alunos com deficiência. Atualmente, a formação para o trabalho exige cada vez mais níveis crescentes de escolaridade, que pode se desenvolver pela integração de dois tipos de aprendizagem: a formal (adquirida em instituições especializadas) e a não-formal (adquirida em diferentes ambientes, inclusive no próprio trabalho). De acordo com a legislação atual, a educação profissional pode acontecer através de parcerias entre os sistemas de ensino e a iniciativa privada. A educação profissional também proporciona conhecimentos teóricos e operacionais relacionados à produção de bens e serviços, com um importante papel na aprendizagem inicial, continuada e da qualificação dos indivíduos, 290 possibilitando o acesso a novos conhecimentos e saberes, que precisam estar articulados com as mudanças cada dia mais veloz do mundo do trabalho e da sociedade contemporânea. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL O Brasil aprovou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9.394, em 20 de Dezembro de 1996, conhecida como LDB ou Lei Darci Ribeiro. Ela estabelece dois níveis para a educação. A educação básica, que compreende: educação infantil para crianças de 0 a 6 anos, o ensino fundamental obrigatório, com oito anos e o ensino médio, de três anos; e a educação superior, que é constituída de cursos sequenciais, cursos de graduação e de pós-graduação; são estabelecidas, também, quatro modalidades educativas: educação de jovens e adultos, educação especial, educação indígena e uma modalidade complementar: a educação profissional (BRASIL, 1996). De acordo com a atual LDB, a educação profissional deixa de ser parte diversificada do ensino médio, agora é a “etapa final da Educação Básica” (artigo 35), ou seja, após o ensino médio, ou concomitante com o mesmo (no 3º ano), mas sem substituí-lo, nem tomar o lugar dessa formação geral do educando é que poderá haver “a preparação para o Exercício de Profissões Técnicas” (artigo 36). É definida, portanto como complementar a educação básica podendo ser desenvolvida em diferentes níveis para jovens e adultos com escolaridade diversa (BRASIL, 1996). A educação básica na atualidade deve desenvolver no educando o exercício da cidadania e meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (artigo 22). As competências básicas, garantidas pela educação básica são imprescindíveis à formação profissional, e caso o aluno não possua, deve recuperálas em etapas ou módulos de nivelamento (BRASIL, 1996). Explica Berger Filho (1999), que a nova Lei se constitui um marco para a educação profissional, pois as leis de diretrizes e bases anteriores, ou as leis orgânicas para os níveis e modalidades de ensino, sempre trataram da educação profissional apenas superficialmente. O Decreto n. 2.208/97, que regulamenta o §2º do art. 36 e os artigos 39 a 42 da Lei 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, no artigo 4º define três níveis de organização dos cursos de educação profissional: Nível Básico: destinado à qualificação e reprofissionalização de traba291 lhadores independentes de escolaridade prévia; Nível Técnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio, devendo ser ministrado em forma estabelecida por este decreto; Nível Tecnológico: correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico. (BRASIL, 1997). Na opinião de Cordão (2002, p. 13), “as novas Diretrizes Curriculares para a Educação Profissional de Nível Técnico estão centradas no conceito de competências por área profissional.” São exigidos dos trabalhadores: maior capacidade de raciocínio, autonomia intelectual, pensamento crítico, iniciativa própria, espírito empreendedor e capacidade de visualização e resolução de problemas, e desenvolvimento de competências. Na Lei n. 9.394, no artigo 39, inclusive, é estabelecido que, o trabalhador deve ser conduzido “ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.” (BRASIL, 1996). Observamos que, a antiga formação profissional baseava-se apenas na preparação para a execução de um determinado conjunto de tarefas, na maior parte das vezes, de maneira rotineira e burocrática (Fordismo). 1 O novo paradigma para a educação profissional é conduzir o cidadão: “ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva” intimamente “integrada às diferentes formas de educação ao trabalho, à ciência e à tecnologia” (artigo 39). De acordo com Cordão (2002, p.13), A nova educação profissional requer, para além do domínio operacional de um determinado fazer, a compreensão global do processo produtivo, com a apreensão do saber tecnológico que informa a prática profissional e a valorização da cultura do trabalho, pela mobilização dos valores necessários à tomada de decisões. Não basta aprender a fazer, é preciso saber que existem outras maneiras para aquele fazer e saber (Toyotismo2) e deter a inteligência do trabalho, deModelo padrão do capitalismo desenvolvido ao longo do século XIX, e que se institucionalizou no mundo industrial até os anos 1970. Tinha como característica a produção em massa mais ou menos homogêneas, controle rígido dos tempos e dos movimentos, fragmentação das funções (um homem para uma máquina), que eram exercidas por um grande números de trabalhadores, fazendo a separação entre a elaboração e a execução das tarefas (ANTUNES, 2001). 1 Forma particular de expansão do capitalismo monopolista do Japão do Pós-Guerra, respondendo à necessidade de uma produção orientada para pequenas procuras e para produtos diferenciados, com um homem para várias máquinas, garantindo-se o aumento de uma produção sem maiores encargos, com mão-de-obra e produção somente do necessário e no tempo adequado. Os trabalhadores devem ser qualificados, e “o operário deve pensar e fazer pelo e para o capital” (ANTUNES, 2001, p. 23). 2 292 sempenhar com competência e habilidade suas funções e atribuições ocupacionais. Entre os autores contemporâneos, que tentam fazer a apreensão e o debate da educação profissional, temos Souza (1999) que afirma que a educação profissional de nível técnico habilita as correspondentes qualificações e especializações, através de etapas ou módulo inicial, destinado à equalização de conteúdos básicos indispensáveis ao desenvolvimento das competências profissionais aos cursos e módulos complementares de especialização, ao aperfeiçoamento e atualização de pessoal já qualificado ou habilitado e a complementação da própria qualificação. O mesmo autor explica que, houve a separação entre o ensino médio e o ensino profissional denominado na nova LDB por educação profissional, e as Escolas Técnicas, Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), atualmente oferecerem conteúdos profissionais pela via do sistema modular, de modo desvinculado dos conteúdos gerais. O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), bem como o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), com a autoformação tecnológica, e “o Sistema S”, agora oferecem treinamento fragmentado, demarcado pelas necessidades mais estreitas do capital. Em outros termos, transpõe-se a experiência das agências de preparação de mão de obra para o mercado de trabalho. Manfredi (2003) pondera que a escola, com o crescimento do capitalismo industrial passou a ser agente social da preparação para a inserção no mundo do trabalho, mas o que é ensinado se processa de modo distante do que acontece no mundo do trabalho. Existe o déficit de políticas públicas que atendam às novas configurações do mundo do trabalho, para a inserção de trabalhadores desempregados, e programas integrados de escolarização e profissionalização para jovens e adultos analfabetos ou com escolaridade parcial. Viégas e Carneiro (2003) apontaram que, a reforma da educação profissional procura responder a empregabilidade, apreender a capacidade de desempenho no trabalho com eficiência, eficácia e efetividade, a preparação para um posto de trabalho e a sua preservação. Muitas foram as mudanças ocorridas com relação a educação profissional no Brasil ao longo dos anos. Entendemos, portanto, que o novo modelo de educação profissional adotado pelo Ministério da Educação, complementar à formação geral, procurou criar cursos integrados ao ensino médio. Mas, constatamos através das evidências postuladas pelos muitos autores consultados que, na prática a educação profissional desejada e a realizada estão 293 longe de ser a ideal. No que se refere ao atendimento da proposta de inclusão de pessoas com deficiência nas relações sociais de trabalho, é preciso a definição e o desenvolvimento de um programa de qualificação profissional que atenda essa demanda de indivíduos, e também, o assessoramento às empresas para o cumprimento da legislação brasileira, com respeito à contratação profissional. A educação profissional voltada para educandos com deficiência necessita de uma práxis pedagógica que atenda as necessidades desses alunos, é o que veremos a seguir. A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E A EDUCAÇÃO ESPECIAL: A PRÁXIS PEDAGÓGICA Entendemos que a relação educação profissional/educação especial passa pela assimilação da educação inclusiva, pois a escola é o primeiro passo para a inserção no mundo do trabalho. Mas, para que as instituições dedicadas a educação profissional acolham alunos com deficiência é necessário que, a sua programação de cursos desenvolva currículos e metodologias que respeitem as especificidades, dificuldades, limites, possibilidades e o ritmo de aprendizado de cada educando. Chamamos atenção que, a organização de cursos de educação profissional necessita atender à diversidade das pessoas com deficiência, visando desenvolver as competências e as habilidades individuais dos educandos. Devem também, assegurar a evolução cognitiva com conhecimentos contextualizados e focados na construção da identidade dos alunos. Para Viegas e Carneiro (2003, p. 21), “[...] a legislação da Educação Profissional está voltada para oferecer respostas concretas de como se deve operacionalizar a relação educação e trabalho produtivo através do processo escolar [...].” Portanto, a escola deve propiciar aos alunos com deficiência, o desenvolvimento de competências essenciais ao seu projeto de vida, e dar condições para o enfrentamento da grande competitividade e exigência do mundo do trabalho e autonomia para viver sua vida, realizando atividades laborais e trabalhos compatíveis com as suas singularidades. Um ensino com qualidade envolve oferta de atividades e proposições didáticas significativas, contextualizadas, que correspondam às necessidades dos alunos, como também a um processo de reelaboração e de reestruturação das instituições escolares em geral, proporcionando o acesso de todos os educandos a oportunidades e possibilidades educacionais e sociais (FORTES, 2005). 294 Pensando nisso, é imprescindível uma relação dialógica entre educador e educandos para o desenvolvimento cognitivo, a autonomia, a emancipação e a independência dos educandos. Segundo Freire (2003), a práxis é a integração entre pensamento e ação, é preciso saber dosar a relação teoria/prática, pois quando se desenvolve intervenções pedagógicas com objetivo do aluno produzir ou construir conhecimentos, não se ensina conhecimentos e conteúdos sem a participação e reflexão dos educandos. Freire (2003) ainda chama a atenção para o fato de que o ensino precisa proporcionar condições e possibilitar que os educados, nas suas relações uns com os outros, ou com o professor, possam assumir-se como uma pessoa social e histórica, que reflete, tem sonhos, ou seja, tem uma vida. Ensinar exige desenvolver o senso crítico no aluno, pois, a práxis é reflexão e a atuação dos homens sobre o mundo para mudá-lo. Conforme Antunes (2002, p. 28), a aprendizagem depende do desenvolvimento prévio e anterior, também do desenvolvimento proximal do aluno, sendo que esta não é uma propriedade estável e estática, supondo que cabe ao professor oferecer ajuda ao aluno para que ele crie diferentes e frequentes Zonas de Desenvolvimento Proximal (ZDP), permitindo dessa forma que progressivamente o aluno desenvolva tarefas mais complexas. O trabalho do professor é essencial para a interação aluno/aluno e aluno/professor, para um avanço progressivo e significativo. A ZDP segundo Vigotski (1998, p. 112), [...] é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problema, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com um companheiro mais capaz. Portanto, o professor que se envolve e participa da caminhada, do aprendizado com seus alunos, entende melhor as dificuldades e possibilidades de maneira individualizada, e assim, consegue provocar a construção do conhecimento com maior adequação. O docente precisa estar atento à singularidade de cada educando que participa da turma, buscando o diálogo entre todos os que estão envolvidos no processo (MANTOAN, 2003). Outra contribuição para a práxis é dada por Freire (2003), quando ele nos mostra que a importância da construção de um saber junto ao educando está amarrado a relevância que o professor dá ao contexto social e cultural do aluno, a comunidade na qual trabalha. Os conteúdos são trabalhados a partir da reali295 dade vivida por esses, um diálogo constante durante todo o processo de ensinoaprendizagem. Antunes (2002), afirma que toda escola é um centro epistemológico por excelência, pois é um lugar onde se constrói saberes, solidificam-se os conhecimentos já existentes, aprimoram-se capacidades, são descobertas e aperfeiçoadas competências e estimulam-se inteligências. Sendo assim, a educação deve promover o desenvolvimento dos alunos, “[...] na medida que desperta a atividade mental construtiva, capaz de transformá-los em pessoas únicas, singularíssimas, inseridas no contexto de um grupo social determinado” (ANTUNES, 2002, p. 18). Conforme Viégas e Carneiro (2003), a educação inclusiva exige trabalhar com programas flexíveis e permeáveis às mudanças e a pluralidade dos indivíduos, detentores de singularidades cerebrais, mentais, psicológicas, afetivas, intelectuais, subjetivas e culturais. O aluno “especial” deve poder evoluir em sua individualidade e não apenas no avanço do programa. Isto implica em desenvolver competências e habilidades individuais que lhe assegurem autonomia de movimentos e meios de se afirmar socialmente. Ou seja, se afirmar pelo trabalho. (VIÉGAS; CARNEIRO 2003, p. 27). Os currículos dos cursos de educação profissional precisam ter conteúdos formativos atrelados com o mundo do trabalho e dar ênfase na aquisição e no exercício de competências. O planejamento deve ser flexível para que possa ser reformulado, revisto, pois a formação do aluno é muito importante. Portanto, refletir sobre o valor e significado da ação docente é refletir sobre o professor e a condição, em que se encontra envolvido, a fim de que possamos realmente realizar uma práxis pedagógica transformadora, que envolva uma educação que não separa homem e mundo, mas em uma contínua interação. Afirma Sander (1984, p. 13) que, a práxis se refere ao conjunto de atos e práticas humanas com objetivo de criar condições indispensáveis a produção e a reconstrução social. Os alunos com deficiência precisam ter acesso a cursos de educação profissional diferenciados, em termos de infraestrutura material (física e de equipamentos); em termos de competência e de qualificação dos professores; e o desenvolvimento nos alunos de sua interação, afeto e emoção (competências 296 interacionistas); A aprendizagem deve ter um tempo de duração de acordo com as habilidades e potencialidades a serem desenvolvidas, no ritmo emocional e cognitivo de cada educando. Constatamos que as pessoas com deficiência que procuram a educação profissional, em cursos de nível técnico, para obtenção de qualificação profissional, não possuem, em sua maioria, o nível médio, sendo assim, as Escolas e Cefets ainda têm uma pequena quantidade de alunos com deficiência (VIÉGAS; CARNEIRO, 2003). De acordo com os dados do Censo Escolar do MEC, no ano 2000, havia apenas 280 mil pessoas com deficiência cursando as escolas regulares do ensino fundamental no Brasil, e apenas três mil no ensino médio (PASTORE, 2000). Essa realidade evidencia a dificuldade dessa população no acesso a cursos que possam lhe dar uma qualificação profissional que atenda às exigências do mercado de trabalho e, o porquê das ocupações desempenhadas por essa população serem as que exigem pouca escolaridade e qualificação, com atividades vinculadas a tarefas sem relevância social e intelectual, sem vínculo com as áreas do conhecimento científico. É necessário possibilitar condições básicas para que essa população tenha uma adequada formação e capacitação e, com capacidade de tornarem-se membros produtivos e independentes, com habilidades e competências cognitivas, emocionais e de interação, que possibilitem o acesso e a permanência no mercado de trabalho. Ressaltamos que os estabelecimentos da Rede Federal de Educação Tecnológica, para ter uma educação inclusiva deverão adequar-se às necessidades das pessoas com deficiência. A educação profissional desses alunos constituem um verdadeiro desafio. Na rede regular de ensino percebemos alguns êxitos, mas a formação profissional dos alunos com deficiência continua segundo Viégas e Carneiro (2003, p. 41), “distante da agenda prioritária de organização do ensino nas diferentes esferas administrativas, e, sobretudo, na esfera dos sistemas públicos.” Afirma também que, é enorme a resistência das instituições para iniciativas voltadas para a inserção de alunos com deficiência em seus cursos e programas de educação profissional. O déficit de atendimento a essa demanda de alunos ainda é muito grande. Ainda na opinião de Viégas e Carneiro (2003, p. 81), as instituições de ensino para o encaminhamento ao mercado de trabalho de alunos da educação profissional com deficiência e sem deficiência precisam de algumas estratégias: 297 “um trabalho de sensibilização com as empresas; um serviço de supervisão para o necessário acompanhamento do aluno; e um setor para firmar e organizar cursos com as Escolas da Rede Federal Tecnológica e/ou com o Sistema.” Algumas ações são imprescindíveis: Realizar visitas às empresas, para captação de vagas; realizar análise de tarefas; preparar programas de cursos; definir perfil dos alunos; formar banco de instrutores; divulgar cursos através da mídia; realizar cursos, desenvolvendo as habilidades básicas, específicas e de gestão concomitantemente; sendo que as habilidades específicas deverão ser realizadas como estágio nas empresas já contratadas. Os cursos deverão estar norteados pela metodologia de jovens e adultos e deverão utilizar a informática como ferramenta de aprendizagem; formar banco de dados dos alunos já qualificados; encaminhar para o mundo do trabalho e acompanhar até que a pessoa adquira independência e autonomia; e, providenciar a contratação do aluno, pela empresa. (VIÉGAS: CARNEIRO, 2003, p. 81-82). Miranda (2006) afirma que, a educação profissional no Brasil para as pessoas com deficiência vem sendo oferecida na maioria das vezes por organizações especializadas da sociedade civil, devido à exclusão dessas pessoas de programas desenvolvidos pelas organizações públicas e/ou privadas, criadas para desenvolver programas que não são oferecidos pelo estado ou pelo mercado. Ressalta ainda que, essas organizações especializadas foram criadas para substituir o Estado, a própria sociedade, com o objetivo de proteger e segregar as pessoas com deficiência, uma sociedade que deseja distância da convivência com esse grupo de pessoas, ou seja, não tem a intenção de defender os direitos das pessoas com deficiência. Nesse contexto, foram criados os programas de educação profissional, contendo características das políticas sociais brasileiras (o assistencialismo e o protecionismo) e característica do modelo de atendimento às pessoas com deficiência. Entre os muitos autores que nos possibilitam conhecimentos para uma reflexão sobre a prática educativa, a promoção, a emancipação, a autonomia e a independência do ser dos educandos, destacamos nesse trabalho o educador Paulo Freire (2003). Em seu último livro, intitulado Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, o autor analisa saberes fundamentais para a práxis pedagógica. Ele diz que ensinar exige: segurança, competência profissio- 298 nal e generosidade; comprometimento; compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo; liberdade e autoridade; tomada consciente de decisões; ser imprescindível saber escutar; reconhecer que a educação é ideológica; ter disponibilidade para o diálogo; e querer bem aos alunos. Também, nos chama a atenção da importância de nunca nos acomodar, e da esperança e otimismo necessários para mudanças, pois “somos seres condicionados, mas não determinados.” (FREIRE, 2003, p. 17). CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisarmos como vêm acontecendo à práxis pedagógica no contexto da educação profissional interfaces com a educação especial, constatamos que a investigação desta temática requer uma continuidade de estudos, pois conseguimos o entendimento apenas em relação a alguns aspectos. Nossa intenção com este trabalho foi contribuir com algumas reflexões em torno do tema, com o intuito de oferecer informações, subsídios e esclarecimentos para o aprimoramento e mudanças na práxis pedagógica do professor, para um ensino-aprendizagem mais significativo dirigido a educandos com deficiência. Através dos autores consultados constatamos que, a nova política de educação profissional prioriza a educação continuada e estimula a articulação entre escolas, trabalhadores e empresários, de modo que os setores educacionais e produtivos atuem de forma integrada. Percebemos também que, a educação profissional ao longo dos anos passou por inúmeras transformações, mas ela não tem acompanhado o acelerado desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, as grandes mudanças na configuração das profissões e do mercado de trabalho, existindo inclusive uma carência no atendimento de alunos com deficiência nessa modalidade da educação brasileira. Com esse estudo ficou evidente que na educação profissional de educandos com deficiência é necessário fazer mudanças na práxis pedagógica, principalmente por ser o educador aquele que exerce o papel de um dos mediadores entre o total da sociedade e o particular do educando. Para uma educação significativa e com qualidade, o professor precisa desenvolver algumas qualidades: apreensão da realidade em que trabalha e competência no campo teórico de conhecimento na qual atua. O afastamento de seu trabalho ocorre quando o professor ignora a realidade em seu entorno, e restringe seu trabalho a uma rotina de sala de aula, reduzindo-se a mera transmissão de informações, atitude que não combina com sua função de educador. 299 REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo Antunes. As Metamorfoses no mundo do Trabalho. In: GOMES, Álvaro (Org.). O trabalho no século XXI: considerações para o futuro do trabalho. São Paulo: Anita Garibaldi; Sindicato dos Bancários da Bahia, 2001, p. 17-31. ANTUNES, Celso. 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