Anais do I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas, ISSN 2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 24 e 25 de junho de 2010 GT 3. Gênero, famílias e sexualidades – Coord. Martha Ramírez-Gálvez AIDS e subjetividade: análise psicossocial das vulnerabilidades e mitos de adolescentes em relação à Epidemia, Sexualidade e Risco Ísis Kelly de Hércule1 Kemeli Rodrigues Pivetta Leila Camargo da Silva Miranda Tatiane Garcia Pereira Flávia Fernandes de Carvalhaes2 Além de se caracterizar como doença, ou seja, como uma enfermidade que debilita o sistema imunológico do individuo, a infecção pelo vírus HIV está intrinsecamente ligada a uma série de conceitos moralizantes, pois, culturalmente, esta é pensada como sinônimo de morte, uso de drogas e práticas sexuais consideradas promíscuas. O primeiro caso de AIDS surgiu na década de 80 e foi interpretada como uma espécie de “cala boca” aos movimentos sociais libertários das décadas de 60 e 70, considerados movimentos “subversivos”. Diante desta doença, que não escolhe classe, raça ou gênero, foram empreendidos vários discursos culpabilizadores e moralistas, como forma de controle e exclusão social, que estabeleceram uma clara divisão de dois grupos, os chamados “grupos de risco” (gays, prostitutas e usuários de drogas), que eram 1 Os quatro primeiros autores são discentes do curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras de Londrina. Seus respectivos endereços eletrônicos são: [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected] 2 Mestre e Docente do curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras de Londrina. End. eletrônico: [email protected] 29 considerados os responsáveis pela disseminação da doença, e o restante da população HIV+, considerada “vítima da AIDS”. O aumento de casos de infecções entre populações não consideradas de risco, associada à intensa mobilização de movimentos sociais organizados na luta pelos direito das pessoas HIV+, possibilitou reflexões sobre questões historicamente veladas, como sexualidade e morte. Apesar do avanço de pesquisas e da luta desses ativistas, ainda hoje muitas pessoas têm dúvidas e concepções errôneas sobre a AIDS, herdadas e transmitidas culturalmente, e que gera discursos e práticas moralistas, excludentes e preconceituosas. Neste sentido, a presente pesquisa qualitativa buscou compreender quais são as vulnerabilidades que atravessam os corpos dos adolescentes em relação à infecção pelo HIV, utilizando como referencial teórico metodológico a abordagem psicossocial. Na análise dos dados coletados, os conceitos de “Representação Social” e “Vulnerabilidade” foram fundamentais, pois, respectivamente, viabilizaram a apreensão dos sentidos e significados dos adolescentes sobre a AIDS, sexualidade e risco, além de serem conceitos importantes para mapear os contextos pessoais, sociais e programáticos que atravessam as histórias de vidas desses jovens e os torna mais ou menos suscetíveis a infecções pelo vírus. Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados, questionários semi-estruturados, cujo roteiro incluiu questões sobre sexo, idade, escolaridade, religião, cor, classe econômica, com quem mora, trabalho, conhecimentos sobre sexo, representação social da AIDS e percepção desses jovens sobre o risco. A coleta de dados foi realizada com alunos de 8ª série do Ensino Fundamental ao 3º ano do ensino médio, em três escolas do município de Londrina (uma escola particular, uma estadual no centro da cidade e outra na periferia), no período de setembro a outubro de 2009, com o objetivo de coletar dados de adolescentes de diferentes classes sociais. Fizeram parte do estudo 47 (quarenta e sete) estudantes de 14 (quatorze) a 18 (dezoito) anos de idade, 29 (vinte e nove) do sexo feminino, e 18 (dezoito) do sexo masculino, sendo 9 (nove) estudantes de 14 (quatorze) anos, 5 (cinco) de 15 (quinze) anos, 19 (dezenove) de 16 (dezesseis) anos, 9 (nove) de 17 (dezessete) anos e 5 (cinco) de (dezoito) anos. Em relação à cor, 40 (quarenta) adolescentes se autodenominaram brancos, 3 (três) negros, 2 (dois) amarelos, 1 (um) pardo e 1 (um) não respondeu. Quanto à religião, 25 (vinte e cinco) adolescentes descreveram-se católicos, 16 (dezesseis) evangélicos, 2 (dois) não têm religião, 2 (dois) são de outras religiões, 1 (um) é testemunha de Jeová e 1 (um) ateu. 30 Em relação ao trabalho, 21 (vinte e um) adolescentes trabalham e 26 (vinte e seis) adolescentes não trabalham. No que diz respeito à moradia, 22 (vinte e dois) dos adolescentes disseram morar com os pais, 15 (quinze) com os pais e os irmãos, 4 (quatro) com a mãe, irmãos e avós maternos e/ou tios, 3 (três) somente com as mães, 1 (um) somente com o pai, 1 (um) com o pai, a mãe e dois empregados, e 1 (um) com familiares. Nenhum dos adolescentes declarou ter filhos. Priorizou-se também falas de adolescentes do sexo masculino e feminino, com o objetivo de compreendermos melhor as questões de gênero e as distribuições de papéis sociais. Segundo Louro (1999, p.24.), entende-se por papéis sociais regras e/ou padrões com formas arbitrárias definidos pela sociedade, com o propósito de modelar os diversos comportamentos dos indivíduos, impondo condutas consideradas adequadas para o “bom funcionamento social”. Um grande produtor/reprodutor e aliado para que os papéis sociais estejam bem definidos é a instituição familiar, pois é através dessa instituição que começam as primeiras e grandes diferenças entre o que é dito como masculino e feminino. Através dessa diferenciação se consolida uma série de discursos e práticas, que definem diferentes papéis para homens e mulheres. Diversos autores que problematizam as questões de gênero criticam o fato de que, apesar de tantas mudanças decorrentes da pós-modernidade, ainda podemos observar diferenças marcantes na educação e formação de crianças do sexo feminino e masculino. Desde cedo, os meninos aprendem a competir pelo poder, utilizando a agressão se necessário, não devem demonstrar delicadeza em seus atos, pois a sociedade os normatiza a agir dessa maneira. As meninas, por sua vez, aprendem a serem dóceis, obedientes, educadas, delicadas e a brincarem de casinhas e de cuidados aos seus futuros filhos, representados por suas bonecas. Na adolescência, ao menino é permitida e estimulada uma série de práticas relacionadas à sexualidade, historicamente proibidas às meninas. Quando perguntamos sobre os sentimentos dos adolescentes ao responderem o questionário, dos 47 (quarenta e sete) adolescentes, as 12 (doze) respostas relativas à vergonha, timidez e constrangimento foram relatadas por meninas. Isso demonstra que mulheres têm mais dificuldade em falar de questões relativas à sexualidade, devido a construções sócio-culturais associadas ao feminino. Muitas dessas construções contribuem significativamente para ampliar o quadro de vulnerabilidade de mulheres ao vírus HIV, pois, “sendo o corpo das mulheres construído historicamente com a função primordial de gerar vidas, torna-se inviável a concepção desta como capaz de exercer livremente sua sexualidade, tal como é permitido socialmente aos homens” (BARBOSA & VILLELA, 1996 apud CARVALHAES, 2008, p. 75). As falas a 31 seguir demonstram as dificuldades das adolescentes de sexo feminino de refletir sobre questões relacionadas à sexualidade: Com vergonha por responder enquanto trabalho (16 anos, feminino). Me senti um pouco tímida.(14 anos, feminino). Meio tensa, pois em sala não é bom falar sobre sexualidade, pois eles ficam com “piadinhas” e se você perguntar se eu sou virgem com certeza eu falo sim, é uma coisa íntima. (15 anos, feminino). Desde seu aparecimento, a AIDS esteve atravessada por discursos moralistas e sanitaristas associada ao preconceito e a discriminação, despertando, dessa forma, reações de medo nos indivíduos. As noções equivocadas sobre epidemia, produziram o efeito da AIDS ser considerada no imaginário social como doença do outro, os portadores do vírus HIV serem excluídos socialmente, e a construção de inúmeras contradições na forma como as pessoas percebem suas vulnerabilidades. As representações sociais errôneas que foram construídas e produzidas sobre a AIDS, influenciaram insistentemente as respostas dos adolescentes a pergunta “O que é sexo seguro para você?”: Fazer amor com uma mulher. (16 anos, masculino). Com métodos anticoncepcionais (camisinha) e um parceiro conhecido. (16 anos, feminino). Prevenir-se contra doenças transmissíveis, conhecer a pessoa muito bem. (17 anos, masculino). Usar camisinha. Para a mulher, o uso de anticoncepcionais. (14 anos, masculino). Sexo seguro é uma relação entre um homem e uma mulher feita com segurança (camisinha). (14 anos, feminino). Nota-se que em nenhum momento é associado práticas homoeróticas a sexo seguro, o que legitima as noções de Grupos de Risco construídas na década de 80, e a idéia de sexo seguro intrinsecamente relacionada com práticas sexuais heterossexuais. Com a modernidade e o surgimento do pensamento científico, a idéia de doença como castigo de Deus teve um declínio, entretanto, ainda hoje existem pessoas com esse pensamento, isto pode ser explicado, segundo Sotang (2007), como influências ideológicas autoritárias que partem do pressuposto de disseminar o medo para controlar os homens. Dessa forma, percebe-se que os 32 meios de comunicação contribuíram diretamente na produção de determinados discursos preconceituosos sobre a AIDS, e na ampliação dos contextos de riscos a infecção de muitas pessoas. De acordo com Douglas (1994, p. 40 apud JEOLÁS, 2007 p. 208) o risco diz respeito “à magnitude provável dos resultados do evento e do valor social atribuído a esse resultado, num determinado contexto cultural”. A análise da construção social da AIDS nos ajuda a compreender nitidamente a correlação entre cultura e significados atribuídos a noções de risco, pois o fato de se ter estabelecido relações entre a infecção pelo HIV a corpos considerados “promíscuos” e “imorais”, reafirma a AIDS como doença do outro, do homossexual, do drogado e da prostituta, o que contribui para que muitos adolescentes não se percebam ainda hoje em risco. Muitos adolescentes atribuem riscos a práticas que fogem do contexto da correlação entre sexo sem segurança e possibilidade de infecção. Quando perguntamos aos adolescentes “Já se colocou em uma situação de risco?”, as respostas evidenciam as representações sociais desses jovens sobre risco: Sim. Dirigir com alta velocidade excessiva, brigas escolares, bebidas. (Masculino, 14 anos). Sim. Arma apontada para mim (Masculino, 17 anos). Sim. Bungee jump (Masculino, 16 anos). Nota-se que o risco não é relacionado a práticas sexuais, muito menos quando essas estão associadas à AIDS. Entretanto, não podemos descartar a hipótese da existência implícita do medo do desconhecido, pois sendo a doença algo que “não faz parte” da vivência de muitos adolescentes, e o fato de muitos jovens se sentirem invulneráveis à infecção, o receio de contrair a doença passa a estar camuflada nas narrativas sobre riscos. Quando perguntamos aos adolescentes “Qual sua maior dúvida quando o assunto é sexualidade?”, alguns adolescentes responderam ter dúvidas em relação à DSTs, contudo, ficou nítida que a maior preocupação é a gravidez não planejada e a primeira relação sexual e não o risco de infecção pelo vírus HIV. Embora os adolescentes tenham um modo peculiar de afastar-se da AIDS e de todos os discursos moralistas existentes ao redor da mesma, existe paradoxalmente certa consciência do uso da camisinha, pois a maioria dos adolescentes que já tiveram ou mantém relacionamento sexual, indicou nos questionários a preocupação com a camisinha. Contudo, quando perguntamos aos adolescentes “Como é para você utilizar a camisinha durante a relação sexual?”, uma adolescente de 17 anos relatou que o uso da camisinha na relação sexual é “(...) tranqüilo, muitas vezes não dou muito valor mesmo sabendo que é necessário”. 33 As dificuldades de negociação da camisinha estão relacionadas a uma série de fatores, entre esses, destaca-se a banalização de muitos jovens das possibilidades de infecção por uma doença sexualmente transmissível. Muitos adolescentes na contemporaneidade acreditam que o fato de existirem tratamentos gratuitos a soropositivos e o decorrente aumento da expectativa de vida desses, faz com que a infecção pelo vírus não se caracterize como risco a vida. Este processo de banalização dos danos causados pela AIDS se configura como um grande desafio à saúde pública, pois, apesar das informações disponíveis sobre a doença, e, principalmente, da distribuição gratuita da camisinha, verifica-se o aumento do número de jovens infectados. Outro aspecto que chama a atenção é o fato dos adolescentes desejarem sentir medo, buscando tal sentimento no cometimento de práticas de risco, associado ao prazer nas relações não somente sexuais, mas também em outras relações sociais. Jeolás (2007) cita que, em algumas sociedades, o risco pode ser aceito ou até mesmo valorizado, pois este faz parte da “construção de identidade” de alguns grupos que admitem tais práticas como reforçadoras. Entretanto, não podemos negar o fato de que o uso ou o não uso da camisinha está relacionado com uma série de fatores, tais como históricos, sociais, econômicos e culturais. Dessa forma, estar atentos para as construções sociais a respeito dos riscos da contaminação pelo HIV apresenta grande importância para mapearmos as vulnerabilidades desses adolescentes frente à AIDS. Na atualidade, um dos maiores desafios encontrados, quando se fala em adolescentes, é a questão do uso de preservativo com parceiros que eles consideram “conhecidos” ou de “confiança”. Este fato é conseqüência de questões de gênero e das representações sociais de amor, que estão fortemente presentes no cotidiano dos adolescentes, sendo que a menina, por exemplo, acredita que impor o uso da camisinha na relação é o mesmo que dizer ao parceiro que “desconfia” dele. Todos estes aspectos estão associados a valores e conflitos que legitimam a dimensão simbólica presente nas dificuldades do uso do preservativo. Quando se fala no tema “sexualidade”, são atribuídas representações sociais que são produzidas e reproduzidas através de discursos religiosos dos jovens acessados. Na moral religiosa, a sexualidade é sinônima de tentação proibida, ocorrendo punições a quem “ceda à tentação” e ao “pecado”, o sujeito então recorre à explicação religiosa para orientá-lo e auxiliá-lo a “vencer as tentações do sexo”. O sexo é diretamente associado à reprodução e se afirma que não se devem ter relações sexuais por prazer, mas sim depois do casamento, com seu esposo (a), com vistas à procriação, sendo proibidos métodos contraceptivos, como o preservativo. Outro discurso presente é da 34 fidelidade entre o casal, o que consolidaria essa configuração afetiva como referência de proteção ao vírus, pois levam uma vida “correta” e longe de “pecados” sexuais. No universo feminino, essa questão da moral religiosa, é ainda mais forte do que no masculino, pois se tem a idéia de virgindade, sinônimo de “pureza”, e a idéia de se vincular sexo ao amor ainda é extremamente persistente nos discursos dos jovens, em contraposição, existe a idéia do “sexo só por prazer”, muito mais forte no universo masculino. Assim, “[...] se aceita a idéia do sexo enquanto pulsão incontrolável para os homens, ao passo que das meninas espera-se, ainda, a virgindade até o casamento, o recato e o controle”. (JEOLÁS, 2007, p. 176). Portanto, falar sobre sexualidade ainda é assunto proibido, um tabu, baseado nisto, usar métodos contraceptivos pode ser a admissão de que se têm relações sexuais e, ainda segundo Jeolás, “[...] representa a possibilidade e a iniciativa de desejarem sentir prazer, em suma, de serem sujeitos da própria sexualidade”. (JEOLÁS, 2007, p. 176). Assumir a prevenção para os jovens é o mesmo que mostrar aos adultos que são sexualmente ativos, e no universo feminino, o amor torna-se o único elemento capaz de “normalizar” e “naturalizar” o sexo, a conseqüência disto, é o risco da AIDS. Quanto aos preconceitos que esses adolescentes atribuem aos portadores do vírus, nos deparamos com discursos paradoxais, que foram possíveis de serem percebidos quando perguntamos aos adolescentes “Vocês têm contato com pessoas portadoras do vírus HIV? / Se sim, você acredita que esta pessoa sofra algum tipo de preconceito?”, obtivemos as seguintes respostas: Sim, ele morreu no ano passado; é meu tio. / Sim porque muitas pessoas se afastaram de nós e do meu tio, porque ele morava com a gente. Eu aprendi muito porque a AIDS não pega por talheres ou por conversa, mas sim por transmissão de sangue. Meu tio sofreu muito, morreu primeiro a minha tia de AIDS e depois o meu tio. (16 anos, feminino). Não / Sim; tem pessoas que não sabe como é esta doença, não senta no mesmo lugar, não falam com ela, etc. (18 anos, feminino). Não que eu saiba; Sim, pessoas não querem ficar nem perto. (16 anos, masculino). 35 Nota-se que a representação da AIDS está fortemente associada com medo e preconceito e com suas conseqüências nas vidas dos indivíduos, contudo, percebe-se na narrativa dos adolescentes, consciência de que muitos temores são infundados e que não implicam risco de infecção, o que demonstra que, atualmente, coexistem medos associados à epidemia, e ao mesmo tempo, noções de solidariedade e inclusão de pessoas HIV+, provavelmente em virtude dos avanços que os movimentos sociais proporcionaram nas décadas de 90 e atual. Considerações finais: As questões relativas à AIDS ultrapassam explicações restritas a aspectos fisiológicos, pois a doença é articulada a uma série de discursos moralizantes e sanitaristas, que fundamentaram práticas de exclusão de corpos considerados desviantes das normas sociais vigentes. Entretanto, a presente pesquisa percebeu através da análise da narrativa dos jovens acessados, afetos de solidariedade e movimentos de inclusão de pessoas vivendo com HIV+, o que demonstra rupturas de paradigmas na contemporaneidade. Notou-se, contudo, uma série de ambivalências nos discursos desses jovens, que demonstram mudanças e permanências nas práticas sociais deles em relação à epidemia, aos vetores de infecção do HIV, a sexualidade e a noções de risco. Exemplo disso foi percebido através das representações sociais positivas em relação às pessoas vivendo com HIV, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, a AIDS é considerada “doença do outro”. As contradições apontaram também para a permanência de processos e concepções normatizadoras, principalmente, com relação a representações de amor romântico e parceiros fixos como impossibilidade de infecção pelo vírus. Na fala dos adolescentes do sexo masculino, priorizou-se o pensamento de sexo seguro como aquele que é exercido por práticas heterossexuais, na qual a homossexualidade nem se quer é pensada. Outra permanência verificada no discurso desses jovens é a manutenção de papéis sociais tradicionais distintos entre homens e mulheres. Falar de sexo é algo ainda constrangedor para as meninas, pois é preferível postergar esse assunto para o futuro, no casamento, o que aumenta significativamente a vulnerabilidade dos corpos femininos a infecção pelo vírus. Nas concepções sobre risco, as práticas sexuais e infecção pelo HIV não são pensadas como perigosas, visto que existe a banalização da doença. O risco de contrair a vírus, quando presente de forma implícita nas falas dos adolescentes, é relacionado ao destino ou vontade de Deus. 36 As narrativas demonstram que os adolescentes apresentam poucas dúvidas em relação ao HIV/AIDS, sendo a maior preocupação frente ao exercício da sexualidade, a possibilidade de gravidez não planejada e a primeira relação sexual. Foi possível perceber que, embora os adolescentes apresentem um pensamento de invulnerabilidade frente à AIDS, negando a prática sexual segura, existe, contraditoriamente, certa consciência do uso da camisinha, mesmo existindo dificuldades de negociação da mesma, devido a uma série de fatores, que vão dos estereótipos de gênero, a processo de banalização da doença, pelo conhecimento da existência de tratamentos gratuitos a soropositivos e decorrente aumento da expectativa de vida dessas pessoas, o que produz no imaginário dos adolescentes, a idéia de que a infecção não se caracteriza como risco de vida. Dessa forma, é importante problematizar as questões de gênero, assim como atentar para o quanto muito dos discursos preventivos contribuem, mesmo que de forma indireta, para o aumento das diversas vulnerabilidades frente ao HIV/AIDS, pois muitas vezes, a utilização de imagens que reforçam o pensamento da AIDS enquanto algo terrivelmente destruidor, ainda é observado nas campanhas de prevenção à doença. Bibliografia CARVALHAES, F. F de. Subjetividade e aids: a experiência da doença e da militância na trajetória de vida de mulheres HIV+ vista sob a perspectiva dos estudos de gênero. 2008. 133f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2008. JEOLÁS, L. S. Risco e Prazer: os jovens e o imaginário da AIDS. Londrina: Eduel, 2007. LOURO, G. L. Pedagogias da sexualidade. In: ______. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 9-34. SONTAG, S. Doença como metáfora, AIDS e suas metáforas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 37