Disciplina: ACA0223 (Climatologia 1) Elaborado por: Gyrlene A. M. da Silva ([email protected]) Departamento de Ciências Atmosféricas, IAG/USP, São Paulo, Brasil Circulação Geral da Atmosfera A circulação geral observada na troposfera resulta da combinação de causas térmicas e dinâmicas, que originam as diferenças de pressão atmosférica – força que o ar exerce sobre a superfície terrestre, cuja unidade é em milibares (mb) ou hectopascais (hPa). Entre 35º em ambos hemisférios, a superfície terrestre recebe mais radiação solar do que perde. Já nos pólos a quantidade de radiação absorvida é menor do que aquela perdida (Figura 1). Para que as regiões na faixa equatorial não se tornem cada vez mais quente, o calor nestas regiões precisa ser transportado para os pólos. Da mesma forma que para os pólos não se tornarem cada vez mais frio, o ar frio desta região precisa ser transportado o equador. O aquecimento desigual da superfície terrestre devido às diferenças de temperatura entre pólos e equador, e terra e mar, origina movimentos do ar denominados anticiclones (centros de altas pressões) ou ciclones (centros de baixas pressões). Figura 1. Aquecimento diferenciado entre equador e pólos. Fonte: http://www.epa.gov/air/index.html Existe uma força “desviadora” chamada Força de Coriolis, que ocorre devido ao efeito de rotação da Terra, que estabelece o giro das parcelas de ar nos centros pressão e também nas correntes oceânicas. Esta força é expressa por 1 , onde Ω = velocidade angular da rotação da Terra V= velocidade do vento φ = latitude onde ocorre o movimento A Fco é perpendicular ao eixo de rotação do referencial e ao vetor da velocidade do corpo em movimento. Se o corpo se afasta do eixo de rotação, Fco exerce-se no sentido contrário da rotação. Se o corpo se aproxima do eixo de rotação, Fco exerce-se no mesmo sentido que a rotação. Esta força é diretamente proporcional ao seno trigonométrico do ângulo da latitude, ou seja, é máxima nos pólos e mínima no equador. Tende a defletir o movimento das parcelas de ar para a esquerda (direita) no Hemisfério Sul (Norte). Assim é possível definir para o caso do Hemisfério Sul (HS, ver Figura 2a): Anticiclones – parcelas de ar giram no sentido anti-horário. A pressão diminui do centro para periferia e o movimento do ar é descendente na vertical e divergente na superfície. O movimento descendente do ar favorece o aumento de temperatura e inibição de nuvens de chuva. São geralmente associados a céu limpo e tempo seco. Ciclones – parcelas de ar giram no sentido horário. A pressão diminui da periferia para o centro e o movimento do ar é convergente à superfície e ascendente na vertical. Com a subida do ar, a temperatura da coluna diminui o que favorece condensação do vapor d’ água e formação de nuvens de chuva. São geralmente associados a céu muito nublado e mau tempo. Para o caso do Hemisfério Norte (HN) o giro das parcelas é contrário ao giro no HS, ou seja, os anticiclones (ciclones) giram no sentido horário (anti-horário) (Figura 2b). 2 (a) (b) Figura 2. Centros de pressões atmosféricas. Em um mapa de pressão atmosférica é possível observar linhas de isóbaras, ou seja, linhas que unem pontos com o mesmo valor de pressão atmosférica. O ar desloca-se das altas para baixas pressões, e esse deslocamento devido ao movimento de rotação da Terra não é em linha reta, determinando diferentes estados de tempo e clima. Em um centro de pressão, a diferença do valor central e o valor na periferia ou entre dois centros é chamada de gradiente de pressão (Figura 3). Figura 3. Carta de superfície. Isóbaras em amarelo, valores de pressão em azul (A= alta pressão, B= baixa pressão). Fonte: CPTEC/INPE 3 Faixas de pressões atmosféricas ao redor do globo Figura 4. Distribuição dos centros de pressões no globo. Fonte: http://www.scribd.com/ Entre estas diferentes faixas de pressão ou células estabelecem-se movimentos do ar, que determinam a direção e o sentido dos ventos dominantes nas várias regiões do globo. Elas não ocupam permanentemente as mesmas posições. Ao longo do ano deslocam-se em latitude, ou seja, movimentam-se para Norte e para Sul, acompanhando o movimento anual aparente do sol. As mais importantes células de circulação global atmosféricas são denominadas de Células de Hadley e Walker e podem ser observadas nos campos médios anuais e suas posições médias determinadas a partir de médias temporais de longos períodos (períodos de no mínimo 30 anos de dados). A Figura 5 ilustra a célula de Hadley diz respeito à circulação no plano verticalmeridional (sul-norte). Originada pelo transporte de calor desde as zonas equatoriais até às latitudes médias (aproximadamente 30º em ambos hemisférios), onde a quantidade de radiação solar incidente é normalmente muito menor. O ar quente ascende por convecção nas regiões equatoriais e desloca-se até as latitudes superiores, pelas camadas atmosféricas mais altas. A subida do ar quente no Equador está acompanhada pela formação freqüente 4 de tempestades convectivas configurando a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). O ar que se desloca das altas pressões subtropicais (Figura 4) também é deslocado para a região da ZCIT contribuindo para intensificar o movimento ascendente. Estes são denominados de ventos alísios de sudeste quando oriundos no HS e de nordeste quando oriundos do HN. A célula de Hadley está associada à presença de Correntes de Jato em médias latitudes (25º - 60º em ambos hemisférios) que são ventos fortes de oeste para leste em torno de 7-15 km acima da superfície. As Correntes de Jato não são uniformes e apresentam uma estrutura ondulatória. Recebem o nome de Jato Subtropical (JST) e Jato Polar (JP). O JST ocorre mais próximo dos subtrópicos e separa o ar subtropical mais frio do ar tropical ainda mais quente. O JP ocorre mais próximo dos pólos e delimita o ar polar frio e o ar subtropical mais quente. As Correntes de Jato são de extrema importância para previsão de tempo e clima tendo em vista que estão em uma região com intenso gradiente de temperatura e contribuem na transferência de energia dos trópicos em direção aos pólos e do excesso de frio das regiões polares em direção ao equador. A correntes de jato apresentam variações sazonais, por exemplo, para ambos os hemisférios durante o inverno, quando o pólo está na escuridão, o gradiente de temperatura entre a região equatorial e polar atinge o seu máximo e as correntes são mais intensas. Durante os meses de verão, a diferença de temperatura entre o pólo e o equador é a menor possível e os ventos são mais fracos. Na aeronáutica as Correntes de Jato também são importantes para os pilotos por causa dos ventos fortes que podem tanto acelerar quanto reduzir a velocidade do cruzeiro, dependendo da direção que a aeronave está voando. Turbulência causada pelos jatos pode também afetar a segurança da aeronave e o conforto dos passageiros. 5 Figura 5. Representação da circulação geral da atmosfera. Fonte: http://www.geology.um.maine.edu/ges121/lectures/20-monsoons/hadley.jpg A célula de Walker ocorre no plano vertical-zonal (oeste-leste) e é mostrada na Figura 6. Ocorre devido à diferença de aquecimento entre oceano e continente. Um sistema de alta pressão sobre o leste do Pacífico, e de baixa pressão sobre a Indonésia favorece o gradiente de pressão à superfície entre os setores oeste e leste ao longo do Pacífico Equatorial. Uma circulação zonal é então gerada com movimento ascendente do setor oeste da bacia e movimento descendente no setor leste desta. Como resultado da circulação fechada são observados ventos de oeste em superfície no verão do HN (jun-jul-ago) e ventos de leste sobre o Pacífico e Atlântico. Com isso são observados contrastes na Temperatura de Superfície do Mar (TSM) entre esses oceanos. No caso do Pacífico Equatorial e Atlântico ambos tem TSM mais frias no verão do HN ao leste, enquanto que TSM mais frias predominam somente no setor oeste do oceano Índico. Os ventos alísios, junto à costa da América do Sul, favorecem um mecanismo chamado pelos oceanógrafos de ressurgência, que seria o afloramento de águas mais profundas do oceano. Estas águas mais frias têm mais oxigênio dissolvido e vêm carregadas de nutrientes e micro-organismos vindos de maiores profundidades do mar, que vão servir de alimento para os peixes daquela região. Essas características também contribuem com a estrutura da profundidade da termoclina que será discutida posteriormente. 6 Figura 6. Representação da célula de Walker. Fonte: An Introduction to Dynamic Meteorology, James R. Holton Através da Figura 5, é possível observar uma outra célula de circulação entre 30º e 60º de latitude em ambos hemisférios oposta à célula de Hadley, denominada Célula de Ferrel. Ainda é pouco conhecida, mas é caracterizada pelo ar em superfície que se desloca para os pólos e, devido a Fco, os ventos tem um forte componente de oeste, formando os ventos de oeste em latitudes médias, que são mais variáveis que os ventos alísios. A circulação em altas latitudes denominada de Circulação Polar é pouco conhecida. Acredita-se que a subsidência nas proximidades dos pólos produz uma corrente superficial em direção ao equador, que é desviada, formando os ventos polares de leste, em ambos os hemisférios. Quando estes frios ventos polares se movem para o equador, eles eventualmente encontram a corrente de oeste de latitudes médias, que é mais quente. A região na qual estas duas correntes se encontram é uma região de descontinuidade, chamada frente polar. Nos estudos teóricos e de modelagem computacional é a circulação geral da atmosfera que define o estado básico da atmosfera (ou climatologia). Sobrepostos ao estado básico podem ocorrer fenômenos de menor escala temporal e espacial, denominados de transientes que sofrem variações com o ciclo anual. Por exemplo, para uma variável vento zonal (u) dependente no espaço (x) e no tempo (t), temos que seu valor será composto por um estado _ básico u mais uma perturbação u’. Matematicamente: _ u(x,t) = u + u’(x,t) 7 O estado básico da atmosfera pode ser perturbado ou sofrer influências da variabilidade natural, como fatores externos como o deslocamento sazonal do sol, erupções vulcânicas e o acoplamento oceano-atmosfera devido às mudanças na TSM. No próximo tópico serão abordadas como as variações de TSM influenciam a atmosfera e vice-versa. Considerações sobre a interação oceano-atmosfera A Figura 7 exemplifica a distribuição zonal da TSM. Vale destacar: • a distribuição é aproximadamente zonal e as isolinhas de temperatura (isotermas) seguem aproximadamente os paralelos de latitude; • em torno do equador a TSM fica em torno de 28ºC, decrescendo em direção aos pólos, a cerca de -2ºC junto ao gelo, nas latitudes polares; • nos trópicos o valor médio deste excesso está em torno de 0,8ºC e nas latitudes médias há grandes diferenças sazonais e regionais; • próximo da costa, as correntes oceânicas são desviadas e as isotermas tendem a direção norte-sul (Figura 8); • ao longo da margem leste dos oceanos podem ocorrer baixas temperaturas devido a ressurgência das águas subsuperficiais mais frias (Figura 8); • o ar próximo à superfície oceânica adquire lentamente a temperatura próxima àquela da água, de modo que a temperatura do ar sobre os oceanos fica em média com a mesma distribuição da temperatura da superfície oceânica. 8 Figura 7. TSM média verão e inverno. Fonte: NCEP/NCAR Figura 8. Correntes oceânicas globais. Fonte: Notas de aula – Tércio Ambrizzi, IAG-USP 9 A diferença de temperatura entre a superfície do mar e o ar sobrejacente é de grande importância nos processos atmosféricos e conseqüentemente elaboração da previsão do tempo e clima. Se o mar está mais quente do que o ar sobrejacente, o calor e vapor d’água são transferidos para a atmosfera devido à evaporação o que contribui para redução da pressão em superfície. O ar é elevado para níveis mais alto, favorecendo instabilidade atmosférica onde pode ser condensado. Entretanto, o resfriamento da atmosfera pela água oceânica, não possui tanta significância para a atmosfera. A Figura 9 mostra à distribuição da TSM com a profundidade, destaca-se: • na região entre a superfície e uma profundidade de 25 a 200 m existe a “camada de mistura” onde geralmente a temperatura é próxima da temperatura de superfície, devido à mistura produzida pelas ondas. • entre 200-300 m e 1000 m de profundidade aproximadamente, a temperatura decresce rapidamente. Essa região com acentuado gradiente vertical de temperatura é denominada de termoclina, abaixo da qual em torno de 1000 m de profundidade não existe variação sazonal (exceto em regiões polares, Figura 9c) a temperatura decresce suavemente entre 0º e 3ºC. Essa faixa limitada é mantida em todo o oceano profundo, geograficamente e sazonalmente, pois é determinada pela temperatura de resfriamento e pela água densa que mergulha das regiões polares para o fundo do oceano em direção ao Equador. • A temperatura e a profundidade da camada de mistura mostram variações sazonais em médias latitudes. Durante o inverno, quando as temperaturas de superfície são baixas e as condições na superfície são turbulentas, a camada de mistura superior pode aprofundar-se até atingir a termoclina permanente; isto é, o perfil de temperatura pode ser efetivamente vertical (constante) entre 200-300 m ou mais. No verão, como as temperaturas superficiais aumentam e as condições da superfície são menos turbulentas, uma termoclina sazonal freqüentemente surge acima da termoclina permanente. A termoclina tem uma variação sazonal e começa a se formar na primavera e alcança seu desenvolvimento máximo (isto é, com maior gradiente vertical de temperatura) no verão Resfriamento e fortes ventos no inverno aumentam progressivamente a profundidade da termoclina sazonal e reduzem o gradiente de temperatura ao longo dela, de maneira que a camada de mistura superior alcança sua total espessura de 200-300 m. Em baixas latitudes não existe resfriamento de inverno, assim não há variação sazonal da termoclina, apenas uma estrutura permanente nas profundidades entre 100-150 m. Em altas latitudes (maiores 10 ou iguais a 60º), não existe termoclina permanente. Apesar disso, a termoclina sazonal ainda desenvolve-se no verão nessas altas latitudes, sobre a fraca termoclina permanente. Figura 9. Perfis médios típicos de temperatura para diferentes latitudes em oceano aberto. Fonte: http://www.master.iag.usp.br Os oceanos, a superfície da Terra e a atmosfera são compostos por diferentes propriedades: a) nos oceanos • a água tem uma capacidade calorífica maior. Por este motivo, requer cerca de cinco vezes a quantidade de calor para produzir a elevação da temperatura de uma determinada massa de água do que para produzir a mesma elevação na mesma massa da superfície terrestre. Da mesma maneira que a quantidade de calor exigido para elevar a temperatura de determinado volume de água é cerca de 5000 vezes maior do que aquela exigida para produzir a mesma elevação de temperatura no mesmo volume de ar; • águas em pouca profundidade são aquecidas pela TSM devido à radiação incidente ou pela troca de calor entre a superfície e os níveis imediatamente inferiores; • a troca de calor entre regiões também pode ocorrer na horizontal devido as correntes oceânicas. b) na superfície terrestre 11 • a Terra tem capacidade calorífica e condutividade térmica relativamente baixa, ou seja, a radiação solar afeta somente uma fina camada superficial da terra em comparação com a profunda camada de água oceânica; • a superfície da terra tem elevação de temperatura maior, durante o dia, do que a superfície oceânica e decresce durante a noite; • a quantidade de radiação da superfície varia segundo a quarta potência da temperatura absoluta da superfície oceânica, e assim mais energia é re-irradiada pela superfície da terra, de modo que a água oceânica retém uma quantidade de calor maior do que a superfície terrestre. Impactos dos oceanos na atmosfera • correntes oceânicas quentes advectam (transportam horizontalmente) calor para os pólos para compensar o ganho de radiação líquida em baixas latitudes e o déficit em altas latitudes; • anomalias de TSM próximo à costa influenciam as temperaturas do ar no litoral, a nebulosidade e a precipitação; • a diferença entre as temperaturas do ar no litoral durante o dia e a TSM costeira induz pequenas células de circulação denominadas de brisas marítimas (Fig. 10a) e terrestre (Fig. 10b) (a) (b) Figura 10. (a) brisa marítima; (b) brisa terrestre. Fonte: http://www.epa.gov/air/index.html 12 • a uniformidade dos oceanos, comparada com a superfície acidentada da terra, permite ventos mais fortes no mar e nas costas. • as anomalias de TSM de oceanos próximos ou remotos afetam a intensidade, freqüência e distribuição das chuvas no continente. Um exemplo está na variabilidade atmosférica de baixa freqüência, como o fenômeno ENOS, PDO e outros, que serão tópicos abordados na próxima aula. • grandes áreas de oceanos frios ao longo das costas oeste e subtropicais freqüentemente criam nuvens stratus, principalmente no verão e algumas podem se deslocar para o litoral como nevoeiro advectivo; • águas costeiras frias podem reduzir precipitação. Impactos da atmosfera nos oceanos • massas de ar deslocando-se sobre o oceano podem induzir mudanças progressivas na temperatura da água oceânica; • ventos intensos podem produzir ondas na superfície oceânica em pequena escala espacial ou até mesmo mudança de direção da água em grande escala, de uma região para outra, dando origem às correntes oceânicas; • no inverno, o vento frio do continente que sopra sobre água relativamente quente dos oceanos, nas latitudes médias, favorecendo resfriamento da superfície da água, sendo parte devido à transferência de calor e parte como resultado da perda de calor pela evaporação; • no verão, o vento vindo da terra aquecida, tende a elevar a TSM local (próximo ao continente); • pressões atmosféricas muito baixas produzem levantamento do nível da água no centro de uma determinada região e o abaixamento da superfície da água nas laterais desta região central. O aumento do nível da água (elevação) move-se com a depressão e produz a chamada “onda turbulenta” que, em determinadas ocasiões causa inundações. • o efeito de baixas pressões sobre regiões oceânicas por muitos dias também pode ocasionar resfriamento da TSM local. 13 Próxima aula: Introdução a Variabilidade de Baixa Freqüência e Teleconexões Referências Holton, J.R. An Introduction to Dynamic Meteorology, Fourth Edition, Elsevier Ed., 553p. http://www.cptec.inpe.br http://sealevel.jpl.nasa.gov/overview/climate-climatic.html http://www.epa.gov/air/index.html http://www.esrl.noaa.gov/psd/ http://www.geology.um.maine.edu/ges121/lectures/20-monsoons/hadley.jpg http://www.master.iag.usp.br http://www.scribd.com/ 14