7. A anatomia e a física do ouvido

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7. A anatomia e a física do ouvido
1
Descrição geral
A anatomia do ouvido está na gura 1
Figura 1: Anatomia do ouvido (gura retirada do manual Merck on-line, em
http://www.manualmerck.net/artigos/?id=235&cn=1899#ige1).
Podemos dividir a anatomia do ouvido em três secções:
ouvido externo
1. O
, que engloba o pavilhão auricular e o canal auditivo e
que faz fronteira com o ouvido médio através do tímpano;
ouvido médio
2. o
, que engloba os três ossículos que se seguem ao tímpano,
e que são o martelo, a bigorna e o estribo;
1
ouvido interno
3. o
, que faz fronteira com o ouvido médio através da janela
oval, e que contém dois subsistemas: os canais semicirculares, que estão
ligados ao sentido de equilíbrio, e o caracol ou cóclea, onde se faz a transdução dos impulsos de pressão em sinais eléctricos que são enviados para o
cérebro através do nervo auditivo.
Vamos ver um pouco mais em detalhe cada uma destas secções
2
O ouvido externo
2.1 O pavilhão auricular
A função do pavilhão auricular é aumentar a intensidade sonora captada (gura
2). Relembremos que para uma fonte pontual a intensidade sonora varia de
acordo com a lei do inverso quadrado [secção 9 do capítulo 4, particularmente a
expressão (28)]. Ora, a intensidade I mede-se em W/m2 , o que quer dizer que
se A for a área do pavilhão auricular, então a potência captada e enviada para o
canal auditivo é
P0
P = IA =
A,
(1)
4πR2
em que P0 é a potência da fonte e R a distância da fonte ao ouvido. Fica portanto
claro que um pavilhão auricular maior capta maior potência sonora. Estima-se
que a sensibilidade auditiva com pavilhão auricular seja 2 a 3 vezes maior do que
se não existisse pavilhão auricular (isto é, se o som fosse captado directamente
pelo canal auditivo).
Figura 2: O pavilhão auricular serve para captar mais potência sonora
http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/sound/ear.html#c2.
2
2.2 O canal auditivo
O canal auditivo é, em primeira aproximação, uma coluna de ar fechada numa das
extremidades, com um comprimento aproximado de 2.4 cm (gura 3). Lembrando
que para estas colunas as frequências dos modos estacionãrios são
fn = (2n − 1)
c
,
4L
(2)
então a frequência fundamental vale
f1 =
344
= 3583 Hz ≈ 3600 Hz
4 × 0.024
(3)
e o segundo modo (terceira harmónica) vale
f2 = 3f1 = 10750 Hz ≈ 11000 Hz.
(4)
Figura 3: O canal auditivo é uma coluna de ar fechada numa extremidade.
http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/sound/maxsens.html#c2.
Tal como com a produção da voz, os modos estacionários coincidem com
as ressonâncias da coluna de ar e por são os sons de frequências próximas das
frequências de ressonância que se transmitem melhor ao longo da coluna. É
isto que explica a forma das curvas de audibilidade.A região em que o ouvido é
mais sensível (perto dos 4000 Hz) coincide com a primeira ressonância do canal
auditivo. A partir dos 4000 Hz a sensibilidade vai-se detiorando mas o que à
primeira vista parece curioso , volta a ter um aumento de sensibilidade por volta
3
dos 13 kHz. Este valor corresponde também, grosso modo, à segunda ressonância
do canal auditivo.
Na verdade o próprio pavilhão auditivo também inuencia as ressonâncias
do ouvido externo. Com efeito, o canal completo é pavilhão mais canal, não
simplesmente o canal. Esse é um dos motivos principais porque as ressonâncias
observads estão ligeiramente deslocadas das ressonâncias calculadas através do
modelo simples de uma coluna de ar.
2.3 O tímpano
O tímpano é a fronteira entre os ouvidos externo e médio. A sua função é vibrar
em resposta aos sons recebidos. Essa vibração é depois transmitida aos ossículos do ouvido médio. É uma membrana de tecido broso muito na, recoberta
externamente por pele e internamente por membrana mucosa. A sua espessura
é aproximadamente 0.1 mm (100 µm!) e tem uma área aproximada de 60 mm2
(aproximadamente um círculo de 8 mm de raio). Como já vimos, o tímpano pode
ser danicado por sons demasiado intensos, cerca de 160 dB.
2.4 A amplicação da intensidade pelo ouvido externo
O ouvido externo funciona também como um funil, e isso faz com que a intensidade do som seja maior junto ao tímpano do que à entreda do pavilhão
auricular.
A representação deste efeito funil está feita na gura 4.
Para compreender como é que este efeito funciona apresentar-se-á um argumento geral e depois um modelo para o mecanismo físico particular envolvido.
Relativamente ao argumento geral, ele está apresentado na gura 5.
Considere-se que o som incide na parte do funil com área maior. Essa área, a
área de entrada Ae , pode ser dividida em duas partes,
Ae = A 1 + A2 ,
(5)
em que A1 = As é a área de saída do funil, na sua parte mais estreita, e A2 é o
que sobra de A relativamente a A1 (ver a gura 5). A potência sonora através
de A1 é P1 e a potência sonora através de A2 é P2 . Assumindo uma intensidade
uniforme à entrada do funil, Ie , podemos escrever
Ie =
P1
P2
P 1 + P2
=
=
.
Ae
A1
A2
(6)
A potência que entra através de A1 sai toda pela superfície de saída, também
de área A1 . E o que acontece à potência P2 ? Esta potência vai de encontro à
parede, e aqui pode ser absorvida (aqui, por absorvida pode entender-se também
transmitida o que importa é que se trata de energia perdida pelo som no ar)
4
Figura 4: O canal auditivo funciona como um funil que amplica a intensidade
do som junto ao tímpano.
ou reectida. A potência reectida é reenviada para dentro do funil e acabará por
atravessar também a superfície de saída. Se chamarmos P3 à potência reectida
(P2 − P3 é necessariamente a potência absorvida), então a intensidade à saída
será
P1 + P3
Is =
> Ie .
(7)
A1
Como Is > Ie concluímos que realmente se dá a amplicação da intensidade.
No caso particular em que toda a potência P2 é reectida, então P3 = P2 e
Is =
P1 + P 2
.
As
(8)
Comparando com a primeira igualdade de (6) obtemos
Is = Ie
Ae
,
As
(9)
ou seja, a amplicação é dada pela razão das áreas.
É interessante tentar perceber como é que a reexão de que acabou de falar
se produz ao nível da interacção microscópica das partículas com as paredes do
funil.
5
Figura 5: Amplicação da intensidade do som num funil.
Lembremo-nos de que a intensidade de uma onda sonora se pode escrever [ver
(12) do capítulo sobre o som]
1
I = ρ(ωsmax )2 v,
2
(10)
em que ρ é a densidade do ar, ω é a frequência angular, smax é a amplitude de
oscilação das partículas e v a velocidade do som. Para que haja amplicação da
intensidade é necessário que um destes factores aumente. Qual?
• a variação de ρ não pode ser signicativa. Com efeito, lembremo-nos de que
as variações de densidade associadas à propagação do som correspondem a
utuações muito pequenas sobrepostas ao valor médio da densidade do ar.
Isto quer dizer, genericamente, que ρ não varia signicativamente devido a
algum processo relacionado com a propagação do som.
• De qualquer forma, e particularizando a armação anterior, é provável que
muitos de vós pensem que no efeito funil a densidade deve aumentar, pois
as moléculas que entram pela parte mais larga (pavilhão auricular) devem
depois apertar-se para caber na parte mais estreita (junto ao tímpano).
Este raciocínio está errado porque, como se dicutiu no capítulo sobre movimento ondulatório (primeiras páginas), numa onda o que se desloca é a
perturbação, não as partículas! Portanto as moléculas da zona do pavilhão
6
Figura 6: Modelo simples para explicar porque é que smax vai aumentando ao
longo de um funil. Para entender a gura deve ler-se o texto pela ordem indicada.
não se vão apertar quando entrarem na zona mais estreita do funil, pura
e simplesmente porque não vão entrar na zona mais estreita; realmente, as
partículas na zona do pavilhão cam a oscilar na zona do pavilhão.
• A frequência de uma onda não se altera, portanto ω é constante.
• A velocidade de propagação também não se altera.
A conclusão é que a amplicação da intensidade só se pode dar através da variação de smax . Um modelo simples do que acontece está ilustrado na gura 6.
Esta gura explica porque é que a amplitude de oscilação das partículas vai aumentando à medida que o funil estreita.
3
O ouvido médio
Uma ampliação do ouvido médio está representada na gura 7.
O ouvido médio faz a ligação entre o ouvido externo e o ouvido interno. As
vibrações do tímpano são comunicadas aos ossículos. Primeiro ao martelo, que
está em contacto com o tímpano, depois para a bigorna e nalmente ao estribo,
que está ligado à janela oval, a entrada do ouvido interno.
7
Figura 7: O ouvido médio. Figura retirada de http://hyperphysics.phyastr.gsu.edu/hbase/sound/oss.html#c1
Através desta ligação o ouvido interno realiza a importante função de fazer
o ajuste das impedâncias acústicas do ouvido externo (ar) e ouvido interno
(líquido). Esse ajuste é feito através de dois efeitos:
1. o efeito da razão entre as áreas do tímpano e da janela oval.
2. o efeito de alavanca entre martelo e bigorna.
Veremos agora separadamente vada uma destas duas funções.
3.1 O efeito da razão entre as áreas do tímpano e da janela
oval
Se não houvesse ouvido médio teríamos a fronteira entre os ouvidos externoe interno feita através do tímpano. Ora, o problema é que o interior do ouvido médio
está cheio de um líquido que do ponto de vista acústico é muito semelhante à
água. Já sabemos que quando uma onda sonora passa de um meio de impedância
acústica z1 para outro meio de impedância acústica z2 , o coeciente de reexão
para a intensidade é [expressão (22) do capítulo sobre movimento ondulatório]
RI =
z1 − z2
z1 + z2
8
2
.
(11)
No caso ar → água, em que zar = 415 Rayle e zagua = 1480000 Rayle, pelo que
se obtém
RI (ar → água) = 0.99888.
(12)
isto quer dizer que o coeciente de transmissão vale
TI (ar → água) = 1 − RI (ar → água) = 1.121 × 10−3 ,
(13)
a que corresponde uma atenuação em dBs de1
Atenuação (dB) = 10 log T = −29.5 dB.
(15)
Isto quer dizer que um som seria atenuado de 29.5 dBs ao passar directamente do
ar para o ouvido interno. Por exemplo, um som de 30 dBs (sussurrar) estaria no
limiar de audibilidade! Este modelo de ouvido sem ouvido interno não poderia
funcionar muito bem!
A atenuação de 29.5 dB tem precisamente a ver com o desajuste de impedâncias entre o ar (ouvido externo) e a água (ouvido interno). O ouvido médio
compensa este desajuste. Como?
O processo de compensação do desajuste de impedâncias está ilustrado na
gura 8.
Consideremos que as moléculas do ar exercem uma dada força F sobre o
tímpano2 e que a sua área é
At = 21Ajo ,
(16)
em que Ajo é a área da janela oval, a entrada do ouvido interno (esta é a proporção
real entre as áreas do tímpano e da janela oval). Como já vimos, a pressão sobre
uma dada superfície dene-se por P = F/A. Neste caso a pressão sobre o tímpano
será
F
F
=
.
(17)
Pt =
At
21Ajo
A força exercida sobre o tímpano é transmitida à janela oval através da vibração
dos ossículos. Se a força for toda transmitida(já veremos que até é um pouco
amplicada), então a pressão na janela oval será
Pjo =
1 É fácil de ver: se
IT
F
= 21Pt .
Ajo
é a intensidade transmitida e
(18)
Ii
a intensidade incidente, então a
intensidade transmitida em dB é
10 log
IT
TI Ii
Ii
= 10 log
= 10 log T + 10 log
= 10 log T + Ii (dB).
I0
I0
I0
(14)
Portanto a variação de intensidade em dBs é dada por 10 log T .
2 Este força não é a que está associada à pressão atmosférica, pois ambos os lados do tímpano
estão à pressão atmosférica. Esta força tem apenas a ver com as variaçõse de pressão associadas
à propagação do som.
9
Figura 8: Mecanismo do aumento de pressão entre o tímpano e a janela oval.
Assim, concluímos que a pressão na janela oval é 21 vezes superior à pressão no
tímpano.
O que é que isto quer dizer em termos de intensidade? Lembremo-nos de que
em termos de variação de pressão
I=
(∆P )2
,
2ρv
(19)
em que ∆P é a variação de pressão relativamente à pressão atmosférica, ρ é a
densidade do ar e v a velocidade do som no ar. Se a pressão varia de 21 vezes,
então a intensidade varia de 212 =441. Isto quer dizer uma variação em dBs de
Ampliação de I em dB (tímpano → janela oval) = 10 log 212 = 26.4 dB.
(20)
Portanto, se um som tem 50 dB no tímpano, ele é aplicado à janela oval com uma
intensidade de 76.4 dB. Depois há a passagem à água e a atenuação de 29.5 dB,
de forma que o som entra no ouvido médio com uma intensidade de 46.9 dB. A
atenuação efectiva do som foi bastante reduzida, para apenas
atenuação ouvido externo → ouvido interno = 26.4 − 29.5 = −3.1 dB.
(21)
Estes 3 dBs de atenuação são compensados pelo efeito de alavanca entre o martelo
e a bigorna.
10
3.2 O efeito de alavanca entre martelo e bigorna
O princípio da alavanca está ilustrado na gura 9.
Figura 9: O princípio da alavanca.
Este princípio diz-nos que numa alavanca em equilíbrio a que são aplicadas
duas forças F1 e F2 às distâncias L1 e L2 do fulcro, respectivamente, se tem
F1 L1 = F2 L2 .
(22)
Embora de uma forma não tão linear como na gura 9, a verdade é que o conjunto
martelo-bigorna funciona como uma alavanca. Isto pode ser observado na gura
10.
Nesta gura representa-se um eixo imaginário para ajudar a compreender
como se articula o movimento do martelo e da bigorna. Rodam de uma forma
rígida em torno do eixo representado. O eixo representado representa o fulcro da
alavanca e as distâncias a que são aplicadas as forças são
• a distância entre o extremo do martelo, ligado ao tímpano, e o fulcro
(chamemos-lhe Lm );
• a distância entre o extremo da bigorna, ligado ao estribo, e o fulcro (chamemoslhe Lb ).
Estes dois braços da alavanca não estão alinhados, como no exemplo simples da
gura 9. Mas como rodam coerentemente em torno de um eixo de rotação o
princípio da alavanca aplica-se da mesma forma. Quanto às forças aplicadas,
• no extremo do martelo está aplicada a força comunicada pelo tímpano, Ft ;
• no extremo da bigorna está a força aplicada pela bigorna ao estribo, Fb ,
que depois é comunicada à janela oval
11
Figura 10: O martelo e a bigorna formam uma alavanca.
O princípio da alavanca diz então que
Fm Lm = Fb Lb .
(23)
Ora, é um dado anatómico (representado na gura 10) que
Lm = 1.3Lb .
(24)
Inserindo esta igualdade na equação anterior obtemos
Fm × 1.3Lb = Fb Lb ⇒ Fb = 1.3Fm .
(25)
Isto quer dizer que a força transmitida pela bigorna ao estribo é 1.3 vezes maior
do que a força transmitida pelo tímpano ao martelo. Em última análise, a força
comunicada à janela oval é 1.3 vezes maior do que a força comunicada ao tímpano.
Ora, este novo facto permite-nos corrigir a expressão 18. Nesta expressão
assumia-se que F era a força exercida no tímpano, e que era a mesma exercida
na janela oval. Ora, a força exercida no tímpano é, na notação empregue nesta
secção, Fm , pois é comunicada ao martelo, e a força comunicada à janela oval é
Fjo . Portanto a pressão exercida na tímpano é
Pt =
Fm
,
21Ajo
12
(26)
enquanto que a pressão exercida na janela oval é
Pjo =
Fb
1.3Fm
=
= 1.3 × 21Pt = 27.3Pt ,
Ajo
Ajo
(27)
A amplicação total da intensidade fornecida pelo ouvido médio é portanto
Ampliação de I em dB (tímpano → janela oval) = 10 log 27.32 = 28.7 dB, (28)
o que quase compena os 29.5 dB de atenuação devido ao desajuste de impedâncias.
A contribuição do mecanismo de alavanca só por si é
Ampliação de I em dB (alavanca) = 10 log 1.32 = 2.3 dB,
(29)
3.3 Músculos, tendões e protecção do ouvido
A rigidez do sistema dos ossículos é garantida pelos músculos e tendões que os
sustentam, para lá dos apoios do tímpano e da janela oval. É por isso que os
ossículos vibram de uma forma robusta, sem se desmancharem.
Figura 11: Tensor do tímpano, estapédio e tendões. Figura retirada de
http://www.stern.de/wissenschaft/gesund leben/koerperhelden/515849.html?nv=cp L2 rt al
As ligações dos músculos aos ossículos são feitas através dos tendões. Existem
dois sistemas músculo-tendão no ouvido médio:
13
1. o tensor do tímpano, situado acima da Trompa de Eustáquio, formando um
tendão antes de se xar no martelo;
2. o músculo do estribo ou estapédio, que se liga ao estribo.
Ambos os músculos estão enervados. O tensor do tímpano, pela raiz motora
do trigémeo e o estapédio, pelo nervo facial (estas últimas linhas foram retiradas
directamente de http://www.cienciaviva.pt/projectos/concluidos/genomahumano/
artigos/index.asp?lang=pt&accao=showTexto2&projecto=15).
A gura 11 mostra o tensor do tímpano e a inserção do tendão do tensor
do tímpano no martelo. Mostra ainda o estapédio e a inserção do tendão do
estapédio no estribo. Finalmente, há que notar os tendões que ligam o martelo e
a bigorna à cavidade óssea que sustenta o ouvido médio
Na presença de sons muitos intensos que possam danicar o ouvido estes dois
músculos entram em acção de forma a diminuir a transferência de som para o
ouvido interno. O tensor do tímpano contrai-se, retraindo o martelo o tímpano.
Isto por sua vez faz com que o estribo se retraia através da bigorna (existe também
um tendão entre o martelo e a bigorna). O estribo passa a exercer menos pressão
na janela oval e portanto a transferência do som é menos eciente, protegendo o
ouvido interno. O estapédio também contribui para este processo.
Este mecansmo de protecção é no entanto relativamente lento (10 ms de tempo
de resposta) e não protege de um som intenso súbito, por exemplo, o disparo
de uma arma. Da mesma forma não protegeria contra os primeiros instantes de
vocalizações intensas pelo próprio indivíduo. Assim, os músculos do ouvido médio
contraiem-se no início das vocalizações e sempre que o seu nível se mantenha
acima de aproximadamente 70 dB.
3.4 A trompa do Eustáquio
Retirado do Manual Merck de saúde para a família
[http://www.manualmerck.net/?url=/artigos/%3Fid%3D235%26cn%3D1899]:
♦ A trompa de Eustáquio, um pequeno tubo que liga o ouvido
médio com a parte posterior do nariz, permite que o ar do exterior
entre no ouvido médio. Este tubo, que se abre quando engolimos,
ajuda a manter uma mesma pressão atmosférica em ambos os lados
do tímpano, um factor importante para se ouvir com normalidade e
não sentir incómodo. É por isso que o acto de engolir pode aliviar
a pressão que uma repentina queda da pressão atmosférica provoca
sobre o tímpano, como costuma acontecer quando se viaja de avião. A
conexão da trompa de Eustáquio com o ouvido médio explica porque
é que as infecções respiratórias superiores (como uma constipação
comum), que inamam e entopem a trompa de Eustáquio, podem
14
provocar infecções no ouvido médio ou aumentar a pressão na referida
parte do ouvido, o que provoca dor. ♦
Figura 12: A trompa do esutáquio permite a equalização da pressão dos dois
lados do tímpano. Figura retirada de http://www.slcent.com/eustachian.html
Porque é que é importante que a pressão seja igual dos dois lados do tímpano?
Primeiro porque, sendo o tímpano uma membrana muito na, uma diferença
grande de pressão entre os dois lados da membrana poderia forçá-la a dobrar-se
demais (para o lado de manor pressão) e danicá-la. Por outro lado porque o som
é uma utuação de pressão a partir do nível médio da pressão atmosférica. Só
tendo a pressão atmosférica dos dois lados é que o tímpano consegue ser sensível
às utuações vindas do lado exterior.
4
O ouvido interno
4.1 Descrição geral
Uma imagem do ouvido interno e da sua ligação ao ouvido médio está na gura
13.
O ouvido interno (a azul, nesta gura) é basicamente dividido em duas secções:
• Os canais semicirculares, ligados ao sentido do equilíbrio.
• A cóclea, ou caracol, onde se processa o som, e que é a parte que nos
interessa.
Tal como se disse a propósito da função de ajuste de impedâncias do ouvido
médio, o ouvido interno tem o seu interior repleto de líquido. A vibração da
15
Figura
13:
O
ouvido
http://www.brainconnection.com
interno.
Figura
retirada
de
janela oval é comunicada ao uido do ouvido interno. O problema é que o módulo
de elasticidade dos líquidos é muito maior do que o módulo de elasticidade dos
gases. Isto quer dizer que a vibração transmitida ao líquido seria quase nula se
a cóclea fosse completamente rígida e não permitisse a deformação do líquido. A
resolve este problema através da membrana na e exivel que a
recobre. As vibrações da janela oval acabam por transmitir-se em última análise
à janela redonda através das vibrações do uido que enche a cóclea.
A cóclea tem exactamente a estrutura de um caracol, correspondendo basicamente a um tubo (que por sua vez tem uma estrutura interna, como vamos ver
a seguir) que se vai enrolando sobre si próprio, em espiral, até atingir o centro,
ou
.
A transdução dos impulsos de pressão (som) para sinais eléctricos faz-se dentro
da cóclea. Esses sinais eléctricos são depois enviados para o cérebro através do
, que também se encontra visível na imagem.
janela redonda
ápex
nervo auditivo
4.2 Estrutura interna da cóclea
Vejamos agora melhor em detalhe como é que é a estrutura interna da cóclea. A
gura 14 mostra um corte, revelando que o interior do caracol tem três compartimentos, isto é, o tubo que forma o caracol é, na verdade, tripartido. É como se
pegássemos em três mangueiras e as enrolássemos em simultâneo.
A gura 15 mostra em maior detalhe esses compartimentos. A janela oval
está num dos canais,
. Se pensarmos nestes três canais como
sendo dois externos (os de fora) e um interno (o do meio), então os dois canais
o canal vestibular
16
Figura 14:
A estrutura
http://www.brainconnection.com
da
cóclea.
Figura
retirada
de
canal timpânico
externos são o vestibular, já referido, e o
. O canal do meio é
o
.
Os canais vestibular encontram-se no m do enrolamento da cóclea, numa
zona de transição chamada de
. Isto quer dizer que o uido que
enche estes dois canais é o mesmo. É a perilinfa. Já o uido que enche o canal
coclear é diferente, e é chamado de
.
A separação entre o canal vestibular e o canal médio é feita através de uma
membrana muito na, chamada de
. A membrana de
Reissner tem duas funções:
canal médio ou coclear
helicotrema
endolinfa
membrana de Reissner
• fazer uma boa transmissão das vibrações para o canal coclear, onde se fará
a transdução do som;
• separar a perilinfa da endolinfa.
Com efeito, a mistura da endolinfa e a da perilinfa através de uma ruptura da
membrana representa um problema grave de audição. Os dois uidos têm diferenças na composição dos electrólitos (iões presentes nos uidos e que têm um
papel importante na transmissão de impulsos eléctricos), e é por isso que não se
devem misturar.
17
Figura 15:
Os canais e o orgão de Corti.
http://www.brainconnection.com
Figura retirada de
membrana
órgão de
A separação entre os canais coclear e timpânico faz-se através da
, que é bastante mais robusta do que a membrana de Reissner. O motivo
para que assim seja é que a membrana basilar serve de suporte ao
, que é onde se faz a transdução do som. Além da função de sustentação,
a membrana basilar tem também a função de levar as ramicações do nervo
auditivo ao orgão de Corti, o que implica também uma membrana mais espessa
e robusta.
basilar
Corti
4.3 O orgão de Corti
Vejamos agora como é a estrutura do orgão de Corti e como é que se faz a
transdução do som. A gura 16 mostra essa estrutura
O essencial sobre o orgão de Corti é que contém as
que
transformam os impulsos de pressão em impulsos nervosos. Em inglês as células
auditivas são muitas vezes desigbadas simplesmente por hair cells, o que mostra
que elas são células capilares adaptadas às funções de audição. Assim, cada célula
auditiva contém cerca de 100
.
As células auditivas estão em cima da membrana basilar e por cima delas
ergue-se uma membrana que parece um tecto e que por isso mesmo se chama
de
. As pontas dos cílios das
células auditivas
cílios
membrana tectorial
células auditivas externas
18
Figura 16:
Estrutura do orgão de Corti.
Figura
http://ourworld.compuserve.com/homepages/dp5/corti.jpg
retirada
de
(mais perto da borda do tecto) estão ligeiramente inseridos na membrana tectorial, enquanto os cílios das
estão livres e utuam
na endolinfa. A imagem de uma célula auditiva está patente na gura 17.
Outro factor importante a ter em conta é que as células auditivas estão a um
potencial negativo relativamente à endolinfa. Podemos imaginar que a endolinfa
e as células auditivas constituem uma pilha, tal como as pilhas que usamos nas
lanternas. A endolinfa é o pólo positivo e as células auditivas constituem o pólo
negativo.
Se houver possibilidade de estabelecer uma ligação entre os dois pólos estabelecese corrente. Np caso das lanternas, é isso que o interruptor faz, realizando uma
ligação entre os dois pólos através da lâmpada.
No caso da endolinfa e das células auditivas passa-se a mesma coisa: se houver
uma oportunidade de estabelecer uma ligação de corrente eentre as duas vai
estabelecer-se corrente. A única diferença é que no caso da lanterna a corrente é
estabelecida pelo uxo de electrões enquanto que aqui a corrente será estabelecido
pelo uxo de electrólitos, em particular o potássio, na forma K + (é um ião: o
átomo de potássio perde um electrão e ca com carga positiva).
Este modelo simples, que permite compreender a relação eléctrica entre endolinfa e células auditivas, está ilustrado na gura 18.
Quando a vibração passa do canal vestibular para o canal coclear a membrana
células auditivas internas
19
Figura
17:
Uma
célula
auditiva.
Figura
retirada
http://www.familydoctor.co.uk/htdocs/deafness/deafnessspecimen.html
de
tectorial vai oscilar. Quando isso acontece as células auditivas externas sentem
um pequeno esticão que transmitem à membrana basilar (pois estão presas à
membrana tectorial por cima e à membrana basilar por baixo). O movimento da
membrana basilar, por sua vez, induz o movimento das células auditivas intyernas.
Lembremo-nos de que estas células não estão xas pela parte de cima. Assim,
vão oscilar na endolinfa. Este balançaré reforçado pelo facto de que a vibração da
membrana basilar também aumenta a vibração do uido. Devido a esta oscilação
dos cílios abrem-se pequenos canais nas células auditivas internas, junto à base
dos cílios. É a abertura destes canais que é equivalente ao interruptor na analogia
com a pilha: os canais abrem-se e os iões de potássio podem entrar dentro da
célula. É a variação do potencial dentro da célula que é transmitida através das
bras nervosas até ao nervo auditivo e nalmente ao cérebro.
4.4 Como se faz a identicação dos sons?
Snos falta perceber como é que se faz a identicação dos sons. De acordo com a
teoria aceite actualmente, o mecanismo essencial para a percepção dos sons tem
a ver com o facto de que a cóclea exibe um comportamento ressonante em que
a profundidade de penetração do som ao longo dos seus canais depende da sua
frequência. Assim, as frequências elevadas viajam relativamente pouco dentro do
20
Figura 18: A endolinfa e as células auditivas comportam-se como pólos de uma
pilha, já que estão a potenciais eléctricos (voltagem) diferentes (cerca de 0,150
V).
canal vestibular e morrem quase à entrada. Isto quer dizer que é como se a
cóclea fosse uma caixa de ressonância para os sons agudos apenas numa pequena
secção à entrada. Então nesta zona a intensidade destes sons é elevada, mas
para lá desta zona decai muito rapidamente. Por outro lado, os sons de baixa
frequência viajam mais dentro da cóclea, sendo que os sons de 20 Hz viajam
mesmo atá ao m, na zona do helicotrema.
Este comportamento do som tem a ver com a estrutura complexa da cóclea,
mas pensa-se que tem sobretudo a ver com o estreitamento da secção dos canais
e com a forma como os cílios vão mudando de conformação ao longo do percurso
(são mais compridos e mais nos para o m).
Sendo assim, para uma dada frequência há um comjunto de células auditivas que é mais fortemente estimulado. É a localização dessas células que dá a
informação ao cérebro sobre a frequência do som ouvido.
Este processo está esquematizado na gura 19.
A forma como este mecanismo se relaciona com a identicação de palavras
está na gura 20
21
Figura 19: A teoria da localização dos sons na cóclea diz para cada frequência há
uma posição em que as células auditivas são mais fortemente estimuladas. Figura
retirada de http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/hframe.html
Figura 20: A teoria da localização e a identicação de palavras. Figura retirada
de http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/music/vowel2.html#c3
22
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