O valor das informações e esclarecimentos prestados ao paciente

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O valor das informações e esclarecimentos prestados ao paciente na definição da
categoria jurídica da obrigação (meios ou resultado) a qual deverá assumir o
cirurgião plástico.
Se não há informação, não há autonomia.
Se não há autonomia, não há liberdade.
E com o sepultamento da liberdade esvai-se a dignidade.
Depreende-se que o direito à informação (corolário do princípio bioético da
autonomia), tem suas raízes nos princípios e direitos fundamentais estatuídos na
Constituição Federal, passando, posteriormente, a figurar como norma cogente nos
estatutos infraconstitucionais, com expressivo reforço no Código de Defesa do
Consumidor. A informação também é destaque nas normas deontológicas (que regulam
o exercício da atividade profissional do médico), positivadas no Código de Ética
Médica.
Daí por que, nas relações jurídicas amealhadas no circuito da saúde, há uma
anuência pacífica no que toca ao direito que o paciente desfruta de ser informado acerca
de qualquer intervenção que venha a sofrer em seu corpo e mente. O médico que lhe
assiste, por sua vez, possui o dever legal e ético de transmitir todos os esclarecimentos e
dados necessários a constituir a base de uma decisão autônoma, se assim não faz, corre
palpáveis riscos de responder nas esferas jurídica e administrativa.
Em comentários ao Código de Defesa do Consumidor, obra liderada por Ada
Pellegrini Grinover (2011), a informação está atrelada intimamente ao resguardo da
autonomia do consumidor:
O dispositivo tem, na sua origem, o princípio da transparência,
previsto expressamente pelo CDC (art. 4º, caput). Por outro lado, é
decorrência também do princípio da boa-fé objetiva, que parece em
ambiente onde falte a informação plena do consumidor.
Com efeito, “na sociedade de consumo o consumidor é geralmente
mal informado. Ele não está habilitado a conhecer a qualidade do bem
ofertado no mercado, nem a obter, por seus próprios meios, as
informações exatas e essenciais. Sem uma informação útil e completa,
o consumidor não pode fazer uma escolha livre. A obrigação que o
Direito Civil impõe ao comprador de informar-se antes de contratar é,
na sociedade de consumo, irreal. (L’HEUREUX apud GRINOVER
2011 p. 289).
A informação ajustada, transparente, inteligível e acessível tem como desiderato
precípuo salvaguardar o direito à autonomia do paciente que, noutras palavras, se
consubstancia em preservar a sua liberdade de tomar decisões e de fazer escolhas
conscientes e desobstruídas. Nos meandros da relação médico-paciente, a informação é
conduta impositiva, pois um indivíduo não tem como exercer livremente as suas
escolhas quando o profissional deixa de noticiar as verdades sobre os procedimentos
que será submetido e os perigos dele imanentes.
Como meio ilustrativo, pode-se afirmar que um paciente estruturado
emocionalmente, jamais ousaria passar por uma cirurgia de caráter singularmente
embelezador se tivesse compreensão e ciência das possibilidades de o ato provocar
estragos em sua saúde, ou produzir lesões estéticas piores que a deformidade que o
levou a procurar a cirurgia.
Levando em conta tudo isso, o médico deve colocar ao
dispor do paciente todas as opções de tratamento, explicações sobre a técnica-cirúrgica
escolhida, os seus benefícios, malefícios, prognóstico, conversar sobre a influência das
limitações físicas que interferem no resultado pretendido, e especialmente os riscos para
que, ao final, este exerça a sua liberdade de escolha. E que seja feita mediante um
processo responsável, racionalizado e calculado.
Assim, o dever de informar recrudesce nas cirurgias plásticas que ambicionam
unicamente a vaidade, o que é consenso até mesmo para os juristas que rechaçam a
obrigação de resultado. As sequelas e os acidentes mais remotos também devem ser
especificados. É uma espécie de intervenção em que o paciente tem a chance e o direito
de exercer a sua autonomia de uma forma ainda mais abrangente, a uma porque dispõe
de tempo para amadurecer a ideia (pois não há urgência e necessidade). A duas porque o
Código Consumerista é utilizado com extrema exatidão neste tipo de relação, pela força
da composição de consumo que se reveste este serviço médico, qual seja, a venda da
beleza.
O desembargador Kfouri Neto (2010), ressalta que a obrigação de informar nos
procedimentos essencialmente embelezadores é muito maior que nas demais
especialidades, in verbis:
Repita-se, uma vez mais, que as obrigações do cirurgião, nessa
especialidade, são agravadas. Deve, em primeiro lugar, apreciar a
veracidade das informações prestadas pelo paciente; depois sopesar os
riscos a enfrentar e resultados esperados; a seguir, verificar a
oportunidade da cirurgia. Convencido da necessidade da intervenção,
incumbe-lhe expor ao paciente as vantagens e desvantagens a fim de
obter seu consentimento. Na cirurgia plástica estética a obrigação de
informar é extremamente rigorosa. Mesmo os acidentes mais raros, as
sequelas mais infrequentes, devem ser relatados, pois não há urgência,
nem necessidade de se intervir.
Também a imperícia, a falta de técnica médica do cirurgião plástico,
será examinada mais severamente que nas demais especialidades.
(NETO, 2010, p. 194)
Mas é de expressiva relevância ressaltar que a explicação não é válida quando é
prestada de forma que o paciente não entenda seu real significado e objetivo. Isto quer
dizer, que a mensagem deve ser transmitida em uma linguagem para o leigo, sem apego
ao formalismo técnico atinente exclusivamente ao universo médico-hospitalar. Afora
isso, nenhuma informação com significado relevante pode ser omitida e, nestas
hipóteses, temos que é indispensável tecer explicações claras a respeito das restrições
física e orgânica do paciente e o poder que esses componentes desfavoráveis podem
exercer no resultado do procedimento. Dialogar com transparência sobre as reais
condições adversas do paciente (textura e cor da pele, formato do corpo, pacientes
diabéticos, hipertensão arterial, tabagista, e outros) é conduta de rigor a ser seguida.
É de crucial valia dizer que a ausência de esclarecimentos ao paciente pode levar
o cirurgião plástico às raias de uma condenação, ainda que não tenha contribuído na
materialização do resultado danoso, ou melhor, ainda que não tenha incorrido em culpa.
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Pátrios, vêm emanando
diversas decisões nesse sentido, com a explicação de que o médico descumpre o seu
dever de meios quando omite de seu assistido as informações necessárias à formação de
seu convencimento e decisão. Parte-se do princípio de que o resultado funesto pode ser
evitado quando o profissional concede autonomia ao seu assistido, o qual, ciente dos
perigos e contratempos, tem o poder de optar em não se submeter ao procedimento. Ou
seja, o médico que omite, assume todos os riscos que eventualmente se manifestarem
com a cirurgia.
O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou um médico que produziu
ondulações e desfigurações na paciente após cirurgia de lipoaspiração que executou. Os
desembargadores entenderam que o profissional descumpriu o seu compromisso de
resultado, bem como o seu dever de informação. Destacaram que a intervenção poderia
ter sido evitada se a autora tivesse sido esclarecida de antemão acerca da possibilidade
de adquirir aspecto físico ruim. Nesse rumo, assim está ementado o julgado em
comento:
Ação ordinária - Cirurgia estética -Lipoaspiração - Obrigação de
resultado - Dever de informação sobre os riscos e conseqüências do
procedimento não exaustivo - Deficiência na prestação do serviço Responsabilidade do cirurgião - Sentença de parcial procedência
mantida - Recurso improvido."0 Professor CAIO MÁRIO faz duas
considerações a respeito da cirurgia plástica estética: A primeira de
que o médico como técnico está subordinado aos princípios gerais da
responsabilidade civil médica, quais sejam: dever de aconselhar
apontando os riscos do tratamento e da cirurgia,inclusive os
decorrentes das condições pessoais do cliente, dever de assistência pré
e pós-operatória, cuidados com a intervenção, etc. A segunda
consideração é de que a cirurgia estética enseja obrigação de resultado
e não de meio. (Responsabilidade Civil, 2a ed., Rio de
Janeiro:Forense, 1995, p. 169). (BRASIL, Tribunal de Justiça de
São Paulo APL 994060388960)
Se o médico informa adequadamente, cumpre boa parte de seu dever de meios e
diligência, demonstrando, assim, que se guiou pelos ditames do princípio da boa-fé
objetiva, de fulcral exigência nas relações de confiança. Comprovará que oportunizou e
garantiu ao seu assistido o seu direito à autonomia.
É cediço que os esclarecimentos transmitidos pelo médico ao paciente,
isoladamente, não afastam a responsabilidade civil daquele. No entanto, se
destinam a complementar o raciocínio do magistrado, que sempre avalia com bons
olhos a reputação do profissional que presta, de forma adequada e exaustiva, as
informações que garantem a autonomia de seu assistido.
Contudo, os esclarecimentos prestados não garantem ao profissional uma carta
de alforria que o eximirá de responder civilmente por possíveis ocorrências nefastas.
Apenas atesta que cumpriu à saciedade aludida obrigação, além de sua incumbência
ética.
Em uma cirurgia de lipoaspiração, mesmo que o profissional advirta sobre a
possibilidade de uma embolia pós-operatória, isso não o exime de incorrer em uma
condenação indenizatória, se constatado que a embolia proveio de qualquer ato
praticado que caracterize sua imprudência, negligência ou imperícia. Somente haverá
causa excludente de responsabilidade na hipótese de o médico comprovar a dissociação
entre o evento indesejado e o seu comportamento, ocasião em que deverá apontar e
demonstrar que o dano ocorreu por fatores incapazes de serem antevistos.
Em idêntico vértice, Kfouri Neto (2010) vaticina que:
[...]é inquestionável, porém, que incorrerá em responsabilidade
o médico que, conhecendo o desequilíbrio entre o muito que se
arrisca e o pouco que se espera obter, executar um intervenção
desse tipo, ainda que conte com o consentimento do paciente e
mesmo que tal assentimento tenha sido manifestado após uma
correta e completa informação.(NETO, 2010, p. 193)
Aliás, o Ordenamento Jurídico Francês, desde meados do século XIX, já
censurava o comportamento de médicos que operavam pacientes com probabilidades de
complicações pós-cirúrgicas, mesmo que o assistido fosse informado. Veja-se.
Essa postura seguida pelo Código Civil, pátrio já era adotada, como
vimos, na França, desde meados do século XIX, como se depreende
da pena de indenização que foi aplicada ao cirurgião Dujarrier. Eis,
em síntese, o ocorrido: uma modista famosa, jovem, portadora de
excesso de gordura nas pernas, procurou Dujarrier para que lhe
corrigisse o defeito estético. Fosse embora alertada pelo médico de
que a cirurgia não era isenta de perigo, além de clinicamente
desnecessária, insistiu a modista em ser operada, assumindo, por
escrito, todos os riscos eventuais da intervenção. Dito e feito! Após a
cirurgia sobreveio a gangrena, que determinou a amputação de uma
das pernas. Apesar das alegações feitas por Dujarrier, em juízo, de ter
procedido na operação com toda a técnica e cautela que se faziam
necessárias a estar autorizado pela paciente a realizar a intervenção,
cujos riscos ela assumira, a Justiça francesa condenou-o a pagar uma
indenização à cliente. A anuência expressa que esta lhe concedera era
totalmente despida de valor, já que a modista não estava em condições
de entender com segurança as conseqüências da intervenção cirúrgica
a que ai submeter-se. (CROCE, 2002, p. 31).
Por oportuno, o cumprimento aos postulados de bem informar, não são hábeis a
retirar do profissional sua obrigação de resultado amealhada durante o vínculo
contratual. O reverso não se afigura correto, pois existe a possibilidade de uma
obrigação essencialmente de meios, se converter para uma obrigação de resultado.
Aos auspícios dessa ponderação, imperativo afirmamos que a ausência e a má
qualidade da informação têm o condão de transmudar a classificação da obrigação, que
pode inicialmente afigurar-se de meios, mas converter-se para a de resultado, tendo
como base de raciocínio o fato de que a omissão de esclarecimentos sobre os casuais
insucessos do negócio pactuado leva à presunção de que o resultado da proposta
cirúrgica é inerente ao objeto contratado. Para todos os efeitos, o profissional que oculta
a informação, admite que a cirurgia é livre de riscos e, por corolário, o paciente alimenta
a expectativa legítima de que o pacote da contratação não se exaure na conduta
escorreita do facultativo, mas em um resultado perfeito e auspicioso. Em síntese, a falta
de esclarecimentos aponta palpáveis indícios de que o desfecho satisfatório integra as
bases negociais pactuadas.
Assim, mesmo nas cirurgias estéticas reparadoras, a obrigação do médico,
essencialmente de meios, pode se translocar para a de resultado, invertendo-se, então, o
ônus probatório, por ter fomentado no psiquismo do paciente uma projeção segura de
resultado sem máculas.
Enfim, não é lícito que o facultativo crie perspectivas na mente do paciente,
mormente quando tem consciência de que o produto almejado é incerto ou inalcançável.
Por último, cumpre pôr em destaque que, faltando informação sobre os riscos do
procedimento, a aplicabilidade da obrigação de meios ou de resultado nem chega a ter a
tonicidade usual em uma contenda judicial em que se discute a presunção da culpa
médica e a quem incumbe o dever de prova, porquanto a jurisprudência vem proferindo
decisões condenatórias com o singular argumento de que o profissional descumpriu com
o seu dever de informar, ainda que faça prova de que não concorreu para a
concretização do evento danoso. A pedra de toque para esse postulado jurisprudencial
reside na preterição da autonomia do paciente, que, por exemplo, não é advertido sobre
a possibilidade de manifestar cicatriz queloidiana, o que viola sua liberdade de escolha,
pois, tomando ciência dos contratempos cirúrgicos, tem a faculdade de decidir pela não
realização da cirurgia.
Giovanna Trad, advogada com experiência em Direito Médico e da
Saúde.
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