1 A HISTÓRIA DA MATÉRIA ESCOLAR HISTÓRIA

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A HISTÓRIA DA MATÉRIA ESCOLAR HISTÓRIA ANTIGA NO CURRÍCULO DO
IMPERIAL COLÉGIO DE PEDRO SEGUNDO
Fernando de Araújo PENNA
Ana Maria MONTEIRO (Orientadora)
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Existem alguns estudos de grande valor sobre a história da disciplina escolar história1, dentre estes,
boa parte analisando o Colégio Pedro Segundo. No entanto, a quase totalidade destes, se dedica a
estudar o ensino de História do Brasil (BITTENCOURT, 1993; GASPARELLO, 2004; MATTOS, 2000). O
campo da História das Disciplinas é muito recente no Brasil, e não é surpresa que as primeiras
pesquisas de dediquem ao estudo da história pátria. Acredito, ainda assim, que, para um melhor
entendimento da matéria escolar História como um todo, seria interessante que nos dedicássemos
também à análise da dinâmica interna desta matéria e dos “outros conteúdos” trabalhados por ela.
Até porque, em alguns momentos, como veremos, a história do Brasil não era o período histórico
mais enfatizado dentro do próprio programa da matéria escolar História e outros períodos recebiam
maior destaque, como foi o caso da História Antiga na fase inicial do Imperial Colégio de Pedro
Segundo. Por isso, a importância do estudo das disputas internas às próprias matérias escolares, pois
elas são determinantes na história e na constituição destas.
Optei por estudar a História Antiga no Imperial Colégio de Pedro Segundo no período do Império,
porque esta instituição foi criada como um dos elementos de implementação de um projeto
civilizatório mais amplo e fez parte de uma tentativa de criar um modelo e legislar sobre o ensino
secundário, tentando instituir aquilo que hoje chamaríamos de um currículo nacional. A escolha da
História Antiga, por sua vez, partiu da hipótese, parcialmente comprovada (como veremos neste
artigo), de que o estudo da Antiguidade seria fortemente enfatizado dentro da matéria escolar,
graças ao currículo humanístico clássico adotado pelo Colégio.
O objetivo deste artigo é realizar uma análise introdutória sobre a história da matéria escolar
História Antiga no Imperial Colégio de Pedro Segundo desde a sua fundação em 1837 até a
declaração da república 18892. Usando como referencial teórico a obra de Goodson (1994, 1995,
1997, 1998, 2001) pretendo compreender, primeiro, como as matérias escolares eram organizadas
no currículo do ICPS e qual foi a dinâmica entre elas no referido período. Com esta abordagem viso
situar, primeiro, a matéria escolar história dentro das disputas curriculares, e, segundo, as disputas
internas dentro desta própria matéria, buscando sempre perceber como a História Antiga se
enquadra dentro destas. Estruturei, para tanto, a comunicação da seguinte forma: primeiro uma
breve apresentação da proposta de Goodson; segundo, algumas preocupações metodológicas
relativas às pesquisas sobre as matérias disciplinares; terceiro, a análise da organização e dinâmica
curricular que possibilitou a elaboração de uma periodização; e, por fim, a conclusão.
A PROPOSTA TEÓRICA DE GOODSON
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Aqui utilizo o termo disciplina escolar por estar me referindo ao campo de pesquisa História das Disciplinas Escolares,
mas ao longo do texto recorrerei ao termo matéria escolar, que é empregado por Goodson em sua obra. Este autor fala
em História do Currículo ou das Matérias Escolares.
2
A partir deste ponto usarei a sigla ICPS para abreviar o nome Imperial Colégio de Pedro Segundo. É importante frisar
também que, como o nome da instituição só foi este durante o período estudado, fica implícito que está se falando deste
recorte de 1837-1889.
2
Na sua obra, Goodson tem como o seu principal alvo de críticas as perspectivas teóricas que
analisam a prática de sala de aula como se ela possuísse um poder absoluto de transformação da
realidade. Esta postura é adotada tanto por pesquisadores que analisam exclusivamente a prática de
sala de aula, quanto por reformadores que acreditam poder mudar a prática educacional através de
reformas curriculares completamente inovadoras. A crítica de Goodson a esta perspectiva se deve
ao fato dela desconsiderar completamente aquilo que ele chama de currículo pré-ativo, que são
todas definições prévias existentes no currículo escrito. O currículo pré-ativo definiria parâmetros
para a prática, e, apesar dos professores em sala de aula terem o poder de transcender ou subverter
estes parâmetros, ignorá-los seria mistificá-los como algo dado ou naturalizado.
Para Goodson, o currículo é um artefato social, fruto de uma construção social que envolve
definições e negociações em uma variedade de níveis e áreas. No entanto, a distinção fundamental
nesta variedade é aquela entre currículo escrito (pré-ativo) e currículo como atividade de sala de
aula (interativo). Na opinião do autor, não existiria uma dicotomia completa entre estes dois níveis
que se relacionariam entre si, o que não significa que este vínculo seja direta ou facilmente
perceptível. A proposta de Goodson envolve a análise do currículo pré-ativo, pois a quantidade de
trabalhos com este objetivo seria tão insipiente que dificilmente poder-se-ia estudar a relação entre
os dois níveis (1994, p. 16-25; 1995, p. 15-28).
Goodson propõe, a partir deste debate, uma análise histórica do currículo pré-ativo, que busque
entender a sua construção social, e as disputas e negociações envolvidas nesta construção –
proposta que ele chamará de “perspectiva construcionista social”. Sua proposta envolve entender as
disputas curriculares para identificar as propostas concorrentes, tanto a tendência que venceu a
disputa quanto a que perdeu.
Trata-se também da história de como foram frustrados outros objetivos e valores. Ao considerarmos
como pressupostos os atuais parâmetros e procurarmos salas com melhores alunos e melhores
escolas entre as já estabelecidas, estaremos excluindo qualquer análise de alternativas fundamentais.
[...] A luta para definir um currículo envolve prioridades sociopolíticas e discurso da ordem
intelectual. A história dos conflitos curriculares do passado precisa, pois, ser retomada (GOODSON,
1995, p. 28).
Antes de analisar os conteúdos e a forma como eles são trabalhados em qualquer disciplina, torna-se
necessário, portanto, entender se esta, como um todo, se situa numa disputa curricular ou se dentro
dela existe uma disputa entre uma determinada proposta com seus objetivos e valores e uma outra
concorrente. Frente a isso, Goodson defende a ampliação de um novo paradigma de história
educacional, fundamentado sobre o estudo do currículo, que penetre nos padrões internos de
escolarização. A tese de Goodson é que a história curricular permite explicar o papel das profissões
desempenham na construção social do conhecimento. O autor utiliza a definição de profissões dada
por Bucher e Strauss “amálgamas imprecisos de segmentos que buscam formas diferentes e mais ou
menos delineadamente reunidos sob um nome comum, num período particular na história” (1961, p.
25-334, apud GOODSON, 1995, p. 118).
Frente a esta definição, Goodson afirma que os estudos já realizados sobre as matérias escolares
possibilitam a construção de três hipóteses, que têm implicações importantes no estudo histórico de
outros conjuntos de conhecimento profissional.
A primeira conclusão é que as matérias não constituem entidades monolíticas, mas amálgamas
mutáveis de subgrupos e tradições que mediante controvérsia e compromisso, influenciam a direção
de mudança. Em segundo lugar, o processo de se tornar uma matéria escolar caracteriza a evolução
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da comunidade, que passa de uma comunidade que promove objetivos pedagógicos e utilitários para
uma comunidade que define a matéria como uma “disciplina” acadêmica ligada com estudiosos de
universidades. Em terceiro lugar, o debate em torno do currículo pode ser interpretado em termo de
matérias em relação a status, recursos e territórios (GOODSON, 1995, p. 120).
Tanto a ênfase na importância nas profissões na constituição do conhecimento quanto as três
hipóteses de Goodson, devem ser trabalhadas com cuidado, pois foram formuladas a partir de
estudos de matérias escolares numa realidade muito distinta da brasileira. Trabalharei com o
conceitual de Goodson, mas sempre me reportando ao contexto brasileiro no período imperial, com
as suas peculiaridades e especificidades. No nosso caso, trata-se de entender através da trajetória da
disciplina História e suas disputas internas se existem ou não propostas concorrentes sobre a história
que deve ser ensinada, os conteúdos que devem ser enfatizados, a forma na qual devem ser
trabalhados, etc. O objetivo desta primeira análise introdutória é identificar estas disputas, tentar
situar a História Antiga no currículo e seus conflitos. Esta identificação é essencial para os
próximos passos da minha pesquisa, que de forma alguma se limitará a ela, mas tem ai seu ponto de
partida.
O mapeamento do campo e a periodização com base na trajetória da disciplina História enfatizarão
as informações contidas neste currículo pré-ativo no que concerne à organização das disciplinas, em
geral, e da História, especificamente. Esta posição é intencional e visa combater uma postura
comum na história de impor a todos os fenômenos os marcos da história política e econômica. Em
alguns casos as grandes mudanças correspondem aos grandes marcos políticos, como por exemplo,
a mudança drástica sofrida pelo ICPS, que muda de nome e perde muito do seu destaque como o
modelo nacional com o fim do império e o início da república (ANDRADE, 1999). No entanto, minha
proposta é enfatizar, na análise e na periodização propostas, a dinâmica interna do currículo e da
disciplina História, e não os marcos políticos, apesar de saber da importância desta dimensão.
Portanto, o presente artigo poderá parecer demasiado objetivo justamente por estar lançando as
bases para as fases posteriores da minha pesquisa. Sem este trabalho inicial ficaria impossível
realizar as interpretações e as análises que constituem os próximos passos necessários na minha
análise. Por exemplo, a análise da influência da profissão de professor de história na constituição
deste saber escolar era muito específica deste momento e desta instituição, pois os professores eram
recrutados por serem intelectuais de renome e não pela sua experiência docente. No entanto, eu não
posso analisá-la sem antes identificar as mudanças nas cadeiras relacionadas à história, que vão
determinar inclusive o número de professores que darão aula desta disciplina. Assim como também
não poderei analisar o discurso dos compêndios de História Antiga sem antes saber qual era a
importância desta dentro da própria História e dentro do currículo mais amplo.
PREOCUPAÇÕES DE CUNHO METODOLÓGICO
Para a análise do currículo pré-ativo no ICPS, existem algumas fontes específicas a serem
analisadas: (a) os regulamentos e os decretos relativos às reformas da instrução pública e às
mudanças internas do ICPS; (b) os Planos de Estudo, que eram aprovados por estes regulamentos e
decretos, e que, anexados a estes, determinavam as matérias que deveriam ser trabalhadas em cada
ano, além de outras informações; e (c) os Programas de Ensino, que eram organizados de acordo
com os planos de estudo e determinavam os conteúdos de cada cadeira em cada ano em pontos3.
Estas fontes têm em comum o fato de trazerem informações sobre a organização das matérias
escolares. Os planos de estudos, anexos aos regulamentos e decretos, serão importantes porque
contêm informações sobre quais cadeiras existiam, de quais matérias eram compostas as cadeiras,
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Toda a documentação analisada encontra-se no NUDOM, Núcleo de Documentação e Memória do Pedro II.
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como as matérias eram distribuídas pelos anos e o número de lições semanais. Complementando as
informações trazidas pelos planos de estudo, neste primeiro momento também terei que recorrer aos
programas de ensino. Neste início, o que interessa não é a lista dos conteúdos a serem trabalhados,
mas as orientações pedagógicas que os programas muitas vezes contêm. A partir de 1862, os
programas de ensino passam a trazer em anexo no final uma grade de horários, através das quais
podemos saber o número exato de lições semanais de cada matéria4.
Uma primeira pergunta que se impõe ao historiador que busca estudar a história de uma matéria
escolar num determinado período é se esta já existia enquanto tal e era ensinada no referido
momento histórico. Em outras palavras, se não seria um anacronismo buscar, no nosso caso, uma
matéria escolar História Antiga no Brasil império. Usando o tempo presente como referência,
mesmo nos dias atuais não existe uma matéria História Antiga, mas História Geral, História do
Brasil ou simplesmente História. A história antiga é apenas um conteúdo do currículo, geralmente
tratado apenas na quinta ou sexta série. Portanto, será que existiria uma matéria isolada só para
História Antiga; esta seria apenas um dos conteúdos trabalhados em uma matéria de história mais
ampla; ou a história antiga não seria trabalhada?
Sabemos que o currículo adotado pelo Imperial Colégio de Pedro Segundo tinha um caráter
fortemente humanista, no qual a cultura e a história clássicas eram fortemente enfatizadas –
estudava-se filosofia clássica, grego, latim, retórica, dentre outras (ANDRADE, 1999; GASPARELLO,
2004). Portanto, dificilmente não se estudaria a história da antiguidade. Resta saber se esta seria
estudada numa matéria particular ou dentro de uma de caráter mais geral. Julia, falando sobre as
disciplinas escolares, afirma que
devemos estar atentos a definir com precisão seu estatuto de historicidade e tentar restituir os
dispositivos disciplinares em sua coerência própria e em suas inter-relações à época que foram
instalados, sem buscar revesti-los de grades anacrônicas. Três tentações importantes, deste ponto de
vista devem ser evitadas. A primeira é a de estabelecer genealogias enganosas, querendo a todo
custo recuperar as “origens” de uma disciplina em tal ou qual segmento antecedente (JULIA, 2002,
p. 44).
É esta primeira tentação que nos preocupa: estabelecer falsas genealogias em busca das origens de
uma disciplina. A presença de elementos que hoje remetem a uma determinada disciplina não
implica na existência de uma linearidade de desenvolvimento.
Isso seria escolher arbitrariamente, em função de nossa definição contemporânea do que é a
disciplina escolar história, um certo segmento de ensino que nos séculos XVII e XVIII, se
organizava de forma muito diferente. Uma disciplina se define tanto por suas finalidades quanto por
seus conteúdos (JULIA, 2002, p. 45).
No nosso caso específico, o ensino de história no ICPS, não acredito que esteja cedendo a esta
primeira tentação sobre a qual nos adverte Julia. Primeiro, porque o currículo do ICPS constitui
uma primeira tentativa de estabelecer um currículo nacional para o que era chamado de secundário.
Nele já existia uma seriação na qual as matérias eram distribuídas de acordo com a sua
complexidade e importância dentro da concepção humanística clássica que regia a educação no
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Existe uma coletânea com os programas de ensino (VECHIA & LOREZ, 1998), mas esta não traz todos os programas de
ensino que encontrei no NUDOM (Núcleo de Documentação e Memória do Pedro II) e não traz as orientações
pedagógicas, como as grades de horários que são essenciais na minha pesquisa.
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período. A estrutura seriada da organização escolar então criada se mantém, de modo geral, até os
dias de hoje e, dentro desta organização do currículo, as matérias escolares já tinham um grande
peso. Portanto, não se trata de uma tentativa de forjar uma continuidade, mas cabe agora estudar a
sua constituição e organização, em particular das matérias que envolvem o ensino de história.
O que, hoje chamamos de matéria escolar, era chamado de várias formas na documentação
curricular do ICPS durante o período imperial: cadeira, cátedra e matéria. Em nenhum momento
estes termos são definidos na documentação da época, indicando que a confusão já existia no
próprio período estudado. No entanto, analisando esta documentação cheguei à conclusão que
aquilo que hoje chamamos de matérias escolares, no ICPS, era definido em três níveis: (1) chamarei
o primeiro de campo disciplinar – sabemos que no ICPS, por exemplo, História e Geografia, que
hoje conhecemos como duas matérias separadas, constituíam um único campo disciplinar. (2) estes
campos disciplinares poderiam ser lecionados através de uma única cadeira ou mais delas. As
cadeiras são uma parte da matéria que é responsabilidade de um determinado professor, também
chamado de catedrático. (3) Estas cadeiras ainda se subdividiam em matérias pelos diversos anos do
curso. Seguindo o seguinte esquema:
Campo disciplinar → cadeira (catedrático) → matérias
Um exemplo: o campo disciplinar História e Geografia, no ano de 1849, era lecionado em três
cadeiras diferentes: (1) Geografia e História Moderna e Média – João Batista Calógeras;
(2)Geografia e História Antiga – Joaquim Manoel de Macedo; (3) História do Brasil – Antônio
Gonçalves Dias. Estas cadeiras subdividiam-se em matérias pelas séries. A cadeira lecionada por
Joaquim Manoel de Macedo subdividia-se nas seguintes matérias: História Antiga no 3º ano,
História Romana no 4º ano, e Geografia Antiga no 7º ano. Esquematizando:
CAMPO DISCIPLINAR
História e Geografia
↓
CADEIRAS
Geografia e História Antiga
Geografia e História Média e Moderna
História do Brasil
(Joaquim Manoel de Macedo)
(João Baptista Calógeras)
(Antônio Gonçalves Dias)
↓
↓
MATÉRIAS
MATÉRIAS
↓
História Antiga (3º ano)
Geografia (2º ao 6º ano)
MATÉRIAS
História Romana (4º ano)
História Média (5º ano)
História do Brasil (7º ano)
Geografia Antiga (7º ano)
História Moderna (6º ano)
Este esquema deixa claro a organização daquilo que chamaríamos, nos dias de hoje, de matéria
escolar no ICPS. Graças a este esquema, que esclarece a organização das matérias escolares, e o
exemplo brevemente apresentado, fica excluída, a princípio, uma perspectiva anacrônica, como
advertida por Julia, que buscaria criar uma genealogia inverossímil da disciplina – pois as matérias
escolares já apresentavam uma organização similar à contemporânea; a História já estava
constituída enquanto um campo disciplinar, apesar de associado à geografia; e a História Antiga
existia não só como um conteúdo da matéria história, mas até com uma matéria à parte.
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Esta esquematização da organização das matérias escolares solucionou também um outro empecilho
à análise proposta. Para que pudesse haver um estudo das disputas curriculares, seria necessário
uma lista mais ou menos fixa das matérias, o que seria muito difícil sem recorrermos à idéia de
campo disciplinar. Através desta noção, podemos agrupar as cadeiras e matérias que mudam muito
durante todo o período estudado sob uma égide fixa. Operacionalizei a noção de campo disciplinar
da seguinte forma: juntei num mesmo campo todas as cadeiras ou matérias que em algum momento
constituíam um conjunto, mas foram separadas. A História e Geografia, por exemplo, a princípio
eram lecionadas em apenas uma cadeira, mas depois se dividiu, chegando a se fragmentar em
quatro cadeiras diferentes. Dentro destas quatro cadeiras ainda eram ensinadas a História e a
Geografia, portanto considerei que todas elas pertenciam a este campo disciplinar. Usando este
critério chegamos à seguinte lista: Religião e História Sagrada, Português, Latim, Grego, Francês,
Inglês, Alemão, Italiano, Geografia e História, Retórica e Poética, Filosofia, Matemáticas
Elementares, Ciências Naturais, Desenho, Música, Ginástica e Dança.
A ANÁLISE REALISADA E A PROPOSTA DE UMA PERIODIZAÇÃO
Devido às limitações de espaço de um artigo, não reproduzirei toda a análise realizada, mas apenas
a periodização e as conclusões às quais cheguei. A análise foi dividida em dois momentos: no
primeiro, tentei estudar como a História e Geografia se enquadravam nas disputas entre os
diferentes campos disciplinares; e, no segundo, compreender as disputas internas à História e
Geografia, buscando perceber como a História Antiga enquadrava-se nestas disputas internas.
As fontes pesquisadas nos fornecem os seguintes dados para a comparação: as cadeiras existentes;
as matérias que compõem as cadeiras; a organização das matérias pelos anos; e o número de lições
semanais de cada matéria. Utilizando estes dados, cheguei a três parâmetros de comparação: (1) os
campos disciplinares com mais cadeiras – pois o número de cadeiras reflete o número de
professores e quanto mais cadeiras, provavelmente, mais matérias e mais lições semanais
determinada disciplina terá; (2) o percentual do total de lições semanais no curso completo de cada
campo disciplinar – este parâmetro revelará as disciplinas que ocupavam mais tempo no curso
completo; (3) os campos disciplinares que ocupam os últimos dois anos do curso – porque os anos
finais são considerados os mais importantes e era a aprovação no último ano do curso que garantia o
titulo de bacharel em letras, que, por sua vez, permitia a entrada automática, sem provas, no ensino
superior.
Com relação às disputas internas ao campo disciplinar História e Geografia, dispomos dos seguintes
dados para a análise e comparação: (1) a divisão entre as cadeiras – através destas é possível saber
quais conteúdos recebiam mais ênfase a ponto de merecerem uma cadeira a parte; (2) o número de
matérias e a percentagem do número total de lições semanais no curso completo de cada cadeira –
para saber quais componentes da matéria recebiam mais tempo de aula e portanto são considerados
importantes; e (3) as cadeiras que ocupam os dois últimos anos do curso – pelos motivos já
explicados acima.
Os resultados destas comparações me levaram a dividir o recorte estudado em três períodos
diferentes, com características próprias e reveladoras de duas tendências curriculares que entram em
choque. Passo, então, para a sua apresentação.
PRIMEIRA FASE (1838-1862)
Nesta primeira fase, o campo disciplinar que mais se destacou foi o Latim. É um dos três campos
disciplinares que possuem mais de uma cadeira – além dele só a História e Geografia e as Ciências
Naturais. Foi o campo disciplinar com maior porcentagem do total de lições semanais ao longo do
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curso durante toda esta primeira fase – chegando a ter 50 lições ao longo do curso no primeiro
regulamento do colégio, o que significa que um quarto do curso (24,1%) era dedicado ao ensino de
latim! E, durante todo este período, foi o único campo disciplinar que teve duas matérias nos dois
últimos anos do curso. O outro campo disciplinar que se destacou foi a História e Geografia, que
chegou a ter três cadeiras assim como o Latim; de 1841 até 1862, foi o segundo campo disciplinar
com mais lições ao longo do curso; e sempre teve uma matéria em um dos dois anos finais. Além
destes dois, as Ciências Naturais se destacaram por ter duas cadeiras e o Grego, Filosofia, e a
Retórica e Poética por, de 1841 até 1862, terem pelo menos uma matéria nos anos conclusivos.
Dentro do campo disciplinar História e Geografia, temos poucas informações até o ano de 1849. Os
regulamentos número 8 (1838) e 62 (1841) não trazem informações sobre as cadeiras, só sobre as
matérias, portanto, só temos acesso à lista das cadeiras a partir de 1849, com o decreto número 598.
A única informação presente nos dois regulamentos, de 1838 e 1841, é que a História e a Geografia
eram duas matérias separadas, que possuíam praticamente o mesmo número de lições – sendo que a
História concentrava as suas nos anos finais, enquanto a Geografia, nos iniciais. Apesar desta
lacuna, tudo indica que a Geografia e a História já fariam parte de uma mesma cadeira. Dois
indícios comprovam esta hipótese: o primeiro documento que traz a lista das cadeiras, decreto 598
de 1849, vem dividir a cadeira de História e Geografia em duas, o que implica dizer que a duas
matérias compunham uma só cadeira antes disso. O que não se pode ter certeza é se isto já era fato
desde a fundação do colégio. O segundo indício é que, na lista de todos os professores do colégio e
as matérias que ministraram (presente em um almanaque de 1824), os docentes destas duas matérias
são os mesmos até 1847. Dr. Justiniano José da Rocha (que começou a trabalhar no colégio como
docente desde o seu primeiro ano letivo – 1838), Cônego Dr. Marcelino José da Ribeira Silva
Bueno (1840) e João Batista Calógeras (1847) – todos listados como professores de História e
Geografia. Sabendo que cada professor catedrático ministra as matérias ligadas à sua cadeira, isto
implica que, de fato, História e Geografia comporiam uma mesma cadeira desde a fundação do
colégio.
O decreto número 598 de 1849, o primeiro a trazer dados sobre a organização das cadeiras, divide a
cadeira de História e Geografia em duas: a primeira dedicada à Geografia, História Média e
Moderna, e História do Brasil; e a segunda dedicada à Geografia e História Antiga. No entanto,
neste mesmo ano de 1849, o imperador decide para o bem da primeira cadeira de História e
Geografia, destacar a História Pátria, criando uma terceira cadeira.Temos, portanto, três cadeiras –
uma dedicada ao ensino de História Antiga e outra ao ensino de História Pátria, enquanto uma
terceira respondia por todo o resto do programa. Esta configuração permanece até 1854, quando o
decreto número 1331-A diminui o número de cadeiras para dois: a primeira dedicada à parte
moderna, especialmente a História e Geografia Nacional; e a segunda, à parte Antiga e Média das
referidas matérias. Organização esta que permaneceu até 1862. Pela distribuição das cadeiras,
podemos notar que a História Antiga possui um grande destaque, possuindo de 1849 a 1854 uma
cadeira exclusiva e de 1854 a 1862 dividindo uma cadeira com a Idade Média. A História do Brasil
começa a esboçar um ganho de território graças ao decreto do imperador que cria para o seu ensino
uma cadeira exclusiva, mas a medida não teve muita adesão levando-se em conta que esta
desaparece em 1854.
Quanto à divisão das cadeiras em matérias e a organização destas ao longo dos anos do curso,
surgem mais dados importantes. A divisão das matérias em 1849 passa a ser a seguinte: a primeira
cadeira de História e Geografia é constituída por Geografia (trabalhada do 2º ao 6º ano), História
Média (5º ano), História Moderna (6º ano) e História do Brasil (7º ano); a segunda por História
Antiga (3º ano), História Romana (4º ano), Cosmografia e Cronologia (7º ano), e Geografia (7º
ano)5. Primeiro é interessante constatar que as matérias referentes à História estão organizadas
5
O decreto não especifica exatamente quais são as matérias, obtive esta informação cruzando informação com as
Perguntas para os Exames de 1849 e os Programa dos Exames de 1850 e 1851. O decreto, por exemplo, fala e História
Média e Moderna no 5º e 6º anos – que poderia ser uma única matéria dada nestes dois anos. Porém, recorrendo aos
programas descobri que eram duas matérias – História Média no 5º ano e História Moderna no 6º ano.
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cronologicamente, começando da antiga no terceiro ano até a história do Brasil no sétimo, e as
matérias correspondem aos períodos históricos (antiga, média e moderna) com a História Romana e
do Brasil em destaque. É impressionante como a organização cronológica dos conteúdos é forte,
revelando-se a principal forma de construir o conhecimento do período do império até os dias de
hoje. Em poucos momentos muda-se este esquema e os momentos no qual isto acontece devem ser
analisados com cautela, pois mudar uma lógica organizacional tão forte e arraigada na tradição
escolar exige uma motivação igualmente importante.
O decreto número 1556 de 1855 traz uma mudança importante na organização do curso – este passa
a ser dividido em dois, os estudos de primeira classe e os de segunda classe. Os estudos de primeira
classe seriam compostos pelos quatro primeiros anos do curso e os de segunda pelos três últimos.
Os alunos que quisessem apenas uma formação básica fariam apenas os estudos de primeira classe e
ganhariam um certificado correspondente, enquanto os que desejassem o título de bacharel em
letras teriam que concluir o curso completo. A nova divisão das cadeiras de História e Geografia
passa a fazer sentido frente a esta nova organização do curso. A primeira cadeira (parte moderna
especialmente do Brasil) ficaria restrita aos estudos de primeira classe, com as seguintes matérias:
Geografia e História Moderna (3º e 4º ano), Corografia Brasileira e História Pátria (4º ano). A
segunda cadeira, por sua vez, faria parte dos estudos de segunda classe, com as matérias Geografia
e História Antiga (5º ano) e Geografia e História da Idade Média (6º ano). A ordem cronológica das
disciplinas no curso foi quebrada, passando a História Antiga e Média para o final do curso, nos
estudos de segunda classe. Estes estudos faziam parte da formação considerada mais erudita que só
os bacharéis em letras precisavam possuir, revelando assim o grande status da História Antiga e
Média neste momento. É interessante notar, no entanto, que a História Romana desaparece
enquanto uma disciplina destacada da História Antiga (mudança esta que é temporária).
O decreto nº 2006 (1857) amplia a duração dos estudos de 1ª classe para cinco anos e reduz os de 2ª
classe para dois. Assim, a única matéria de História e Geografia que permanece nos estudos de 2ª
classe é História Antiga, o que revela o grande status desta matéria. Enquanto as outras se
organizam pela ordem cronológica – História da Idade Média (3ºano); História Moderna e
Contemporânea (4º ano) e História e Corografia do Brasil (4º e 5º ano) – a História Antiga
encontra-se no final do curso (6º ano). Portanto, esta posição é duplamente reveladora do status da
História Antiga dentro do campo disciplinar História e Geografia, primeiro porque é a única que
escapa da ordem cronológica na distribuição das matérias pelos anos do curso e por ser a matéria
desta disciplina que ocupa o ano mais alto.
Neste período a relação entre a História e a Geografia muda bastante. Nos dois primeiros
regulamentos, de 1838 e 1841, cada uma constituía uma matéria a parte, provavelmente agrupadas
em uma mesma cadeira. No decreto nº 598 (1849), a Geografia tinha as suas matérias próprias
separadas da História: Geografia (trabalhada do 2º ao 6º ano), Cosmografia e Cronologia (7º ano), e
Geografia (7º ano). Com o decreto nº 1331-A (1854) e 1556 (1855), as matérias de História e
Geografia passam a ser juntas: Geografia e História Moderna (3º e 4º ano), Corografia Brasileira e
História Pátria (4º ano), Geografia e História Antiga (5º ano) e Geografia e História Antiga (6º ano).
No decreto nº 2006 (1857) a Geografia volta a ter suas disciplinas separadas (a matéria Geografia
do 1º ao 3º ano), apesar de ter menos dos que no decreto de 1849. É só no próximo período, a partir
de 1862, que a Geografia ganha uma cadeira só para si.
SEGUNDA FASE OU FASE DE TRANSIÇÃO (1862-1876)
Considero que o decreto nº 2883 (1862) dá início ao que poderia ser considerada uma fase de
transição entre um primeiro momento que vai da fundação do colégio (1838) até 1862 e uma fase
posterior, que iria de 1876 até o final do período imperial (1889). Com o decreto nº 2883 (1862), o
campo disciplinar História e Geografia atinge o seu maior número de cadeiras: quatro, sendo que
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uma delas é só de Geografia (Geografia e Cosmografia), duas são só de História (História Antiga e
Moderna e História Romana e Idade Média) e uma de História e Geografia (História e Corografia
do Brasil). Desta forma, a Geografia e a História já ganham uma independência bem maior uma da
outra, só continuando interligadas através de História e Corografia do Brasil. A divisão da história
pelas cadeiras é inusitada, a Antiga é agrupada com a Moderna e a Romana com a Média. Latim
continua com as suas três cadeiras e Ciências Naturais com as suas duas.
As verdadeiras mudanças começam com o segundo e último decreto deste período de transição, de
número 4468 (1870). A mudança mais surpreendente no que concerne às cadeiras é que o Latim
passa a ter apenas uma. As Ciências Naturais também têm seu número de cadeiras reduzido para
uma. O campo disciplinar História e Geografia passa a ser o único com mais de uma cadeira, com
três cadeiras (o que já é uma redução para as quatro que ele possuía). As cadeiras são Geografia
descritiva, Moderna e Antiga, Cosmografia; História Sagrada, Antiga, Média e Moderna; e História
e Corografia do Brasil. A principal diferença para a configuração das cadeiras do decreto anterior é
que a História, excluindo a do Brasil, fica confinada a uma única cadeira. Este é o único decreto no
qual a matéria História Sagrada faz parte da disciplina História e Geografia.
A partir de 1862, os programas de ensino começam a trazer anexos ao final uma grade de horários
com as lições semanais. A partir destas grades podemos saber o número de lições de cada matéria.
No ano de 1865, outra mudança: o Latim deixa de ser o campo disciplinar com maior porcentagem
do total de lições semanais do curso. O posto é tomado pela História e Geografia que, em 1865,
possuem um total de 13 lições semanais ao longo do curso, o que corresponde a incríveis 28,8% do
curso (a maior porcentagem registrada em todo o período estudado!). Latim, que é o segundo
campo disciplinar com mais lições, tem 9, o que corresponde a 20%. Esta ordem permanece até
1876.
Quanto às cadeiras que ocupam os dois últimos anos do curso, o quadro não muda muito – Latim,
Grego, História e Geografia, Filosofia, Retórica e Poética, e Ciências Naturais contam com matérias
nos dois últimos anos do curso.
A organização das matérias relacionadas à história possui duas configurações nesta segunda fase.
De 1862 até 1870 as matérias são Antiga (2º ano); Romana (3º ano); Média (4º e 5º ano); Moderna
(6º ano); e Brasil (7º ano). A organização muda em 1870, passando a ser a seguinte: História
Sagrada (1º ano), História Antiga (4º ano), História da Idade Média (5º ano), História Moderna (6º
ano), História e Corografia do Brasil (7º ano). A organização cronológica é definitivamente
restabelecida e cada período histórico constitui uma matéria à parte com os destaques para História
do Brasil e História Romana (que reaparece destacada como uma matéria singular pela última vez
em todo o período imperial).
TERCEIRA FASE (1876-1889)
O período final, que chamei de Terceira Fase, vai do ano 1876 até 1889. Neste espaço de tempo
temos três decretos: 6130 (1876), 6884 (1878), e 8051 (1881). Neste período o campo disciplinar
História e Geografia assume uma configuração em 1876 que se mantém até 1889, ficando dividido
em três cadeiras: Geografia e Cosmografia; História Geral (ou História Universal) e História e
Corografia do Brasil. Sendo assim, a História já pode ser mais bem separada da Geografia e fica
dividida entre a História Geral e a História do Brasil. Ou seja, a História do Brasil fica
indubitavelmente o conteúdo mais enfatizado dentro da história.
Em 1876 as Ciências Naturais também voltam a ter duas cadeiras, com as quais permaneceram até
1889. Mas, uma das mudanças mais significativas desta última fase acontece com o Português: em
1878, a cadeira de Português passa a englobar também a Literatura geral, que antes era parte da
cadeira de Retórica, e ganha uma matéria no último ano do curso, o que não acontecia desde o
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primeiro regulamento do colégio. De forma inesperada, em 1881, Português, que antes não se
destacava, passa a ter três cadeiras: Português, Noções de Geografia, Aritmética prática e
Nomenclatura Geométrica (uma cadeira introdutória compartilhada com outras matérias); Português
do 2º ao 5º Ano; e Português e História Literária.
Quanto à porcentagem do total de lições semanais ao longo do curso, também ocorrem mudanças
significativas. Em 1876, Latim deixa de ser a segunda matéria com mais lições, atrás apenas de
História e Geografia, ficando em quarto lugar junto com o Francês e o Grego. Além desta perda de
território, o Latim, a partir do Programa de Ensino de 1877, deixa de ter matérias no dois anos
conclusivos do curso, enquanto o Grego continua firme e forte com suas matérias nos dois últimos
anos do curso. Sendo assim, o Latim, que na primeira fase era o campo disciplinar absolutamente
mais forte e na fase de transição começa a perder território, decai de vez, perdendo completamente
o seu destaque. De forma significativa, é o Português que assume a posição do segundo campo
disciplinar com mais lições, enquanto a História e Geografia continuam em primeiro e a
Matemática fica em terceiro.
Quanto aos campos disciplinares que possuem matérias nos dois últimos anos do curso, a única
mudança significativa é a saída do Latim e a entrada do Português. De resto, o quadro se mantém o
mesmo – História e Geografia, Filosofia, Retórica e Poética, e Ciências Naturais sempre com uma
matéria pelo menos em um dos dois anos finais do curso.
Acontecem também mudanças importantes dentro do campo disciplinar História e Geografia. A
cadeira História e Corografia do Brasil assume definitivamente o último ano do curso. No decreto
nº 6130 (1876) a cadeira se divide entre as matérias Corografia do Brasil (6º ano) e História do
Brasil (7º ano). Só que este documento só vigora até 1878, quando no decreto nº 6884 a cadeira
volta a ser constituída por apenas uma matéria trabalhada no 7º ano. O decreto nº 8051, de 1881,
mantém esta configuração. Porém, a verdadeira mudança se dá na cadeira que passa a ser chamada
de História Universal (decretos nº 6130, de 1876, e 6884, de 1878) ou História Geral (decreto nº
8051, de 1881). Esta cadeira é constituída por duas matérias: História Antiga e Média e História
Moderna e Contemporânea. Isto é muito significativo, pois antes a História Antiga e Média, que
sempre tiveram matérias próprias, agora estão confinadas a apenas uma matéria. Isto representa um
decréscimo no território destas matérias. Nos decretos nº 6130, de 1876, e 6884, de 1878, a cadeira
é composta das duas matérias, e a primeira ocupa o 4º ano e a segunda o 5º ano. No decreto nº 8051,
de 1881, a cadeira muda de nome para História Geral e as matérias são História Geral (Antiga e
Média) no 5º ano e História Geral (Moderna e Contemporânea) no 6º ano.
CONCLUSÃO
Frente à análise das disputas entre as disciplinas por status e territórios no currículo do ICPS e a
periodização proposta com base nas análises realizadas, fica clara a ênfase dada à História Antiga e
à cultura clássica principalmente na Primeira Fase. As disciplinas que tem conexão direta com a
História Antiga e a cultura marcadamente deste período são: a História e Geografia (nos seus
conteúdos relativos à Antigüidade), o Grego e o Latim (línguas mortas que remontam à
Antigüidade) e a Filosofia e a Retórica e Poética (que em grande parte trabalham com o pensamento
antigo).
Como vimos, o campo disciplinar História e Geografia foi o único que se destacou nos três critérios
de comparação (a única disciplina que chegou a ter quatro cadeiras, esteve sempre entre as três
disciplinas com maior porcentagem do total das lições semanais ao longo do curso e teve durante
todo o período estudado pelo menos uma matéria num dos dois últimos anos do curso). Porém, em
termos das divisões internas da disciplina, pudemos perceber, no que concerne à História Antiga,
que, na primeira fase (1838-1862), ela era sem dúvida um dos períodos mais enfatizados, contando
com duas matérias (História Antiga e História Romana) e uma cadeira própria. A força da História
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Antiga era tamanha que, quando o curso foi dividido, ela foi a única que permaneceu nos estudos de
segunda classe durante toda a sua existência (1855-1862), rompendo com a lógica predominante de
organização das matérias segundo a ordem cronológica. Mesmo na Fase de Transição (1862-1876),
a História Antiga manteve a sua independência enquanto matéria e continuou o destaque à História
Romana até 1870 quando deixa de existir definitivamente. É somente a partir de 1876 que a
História Antiga perde completamente a sua força enquanto parte do campo disciplinar História e
Geografia, dividindo uma única matéria durante um ano do curso com História Média, e a História
do Brasil se consolida, possuindo uma cadeira só para si e ocupando o último ano do curso.
Ao voltar-nos para a análise das trajetórias das duas línguas mortas conectadas à Antigüidade, uma
constatação muito interessante salta aos olhos quando focamos a trajetória do Latim em cada um
dos três períodos. Percebemos que, em todos os parâmetros de comparação, o Latim é absoluto
durante toda a primeira Fase. É só na fase de transição que começa a perder força, queda que se
conclui na Terceira quando o Português começa a sua ascensão. É na Segunda Fase (1862-1876)
que o Latim perde as suas cadeiras e é exatamente no início da Terceira Fase (1876-1889) que perde
as matérias nos dois últimos anos e deixa de estar entre as duas cadeiras com mais lições. É também
em 1876, data que marca o início da Terceira Fase, que o Português ganha lugar entre as duas
disciplinas com mais lições e passa a ter uma matéria no último ano do curso. Portanto, o decreto
número 6130 de 1876 é um marco não só na trajetória das mudanças internas da História e
Geografia (abrindo a Segunda Fase), mas é um marco de uma mudança no currículo como um todo.
A periodização proposta pode ser interpretada como resultado de duas tendências curriculares em
conflito. Uma primeira tendência, mais forte na Primeira Fase (1838-1862), parece haver uma
ênfase sobre a História e a Cultura Antiga, em especial à História de Roma e ao Latim. Na Segunda
Fase (1862-1876), este quadro já começa a mudar e a História Romana deixa de ter uma matéria só
para si e o Latim passa a ter só uma cadeira. Porém, apesar disso a História Antiga ainda está
independente. Pode-se entender este momento como um equilíbrio entre a tendência predominante
até o momento e uma tendência emergente. Esta tendência curricular emergente venceria o conflito
na Terceira Fase (1876-1889), quando as cadeiras assumem uma formatação constante. Parece-me
que a ênfase muda da História Antiga e do Latim (Antigüidade Européia) – Primeira Fase – para a
História Nacional e o Português (História e Língua Nacional) – Terceira Fase.
Os próximos passos da pesquisa envolverão uma contextualização mais ampla destas mudanças do
currículo dentro do cenário político mais amplo. A comparação entre as mudanças no currículo e na
política revelará em que nível as primeiras foram influenciadas pelas segundas. Um exemplo claro
disso, é tentar perceber se os planos de estudos contidos nos decretos aprovados por Ministros do
partido Liberal ou Conservador diferem em algum aspecto, ou se realmente “não há nada de mais
igual a um saquarema que um luzia no poder”.
BIBLIOGRAFIA
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